Você está na página 1de 19

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.238.746 - MS (2010/0046894-5)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO


RECORRENTE : PAULO DORSA
ADVOGADO : JOSÉ DO COUTO VIEIRA PONTES
RECORRIDO : ANA MARIA MARÇAL ALVES
ADVOGADO : SINARA ALESSIO PEREIRA
EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO


ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA,
OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE
PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
1. As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais
das vezes, são consideradas como "de meio", sendo suficiente
que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias,
buscando a obtenção do resultado esperado. Contudo, há
hipóteses em que o compromisso é com o "resultado",
tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que
se possa considerar cumprido o contrato.
2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos,
os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra,
comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos
aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser
atingidos com previsibilidade.
3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter
obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos
à autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser
recolocados". Com efeito, em sendo obrigação "de resultado",
tendo a autora demonstrado não ter sido atingida a meta
avençada, há presunção de culpa do profissional, com a
consequente inversão do ônus da prova, cabendo ao réu
demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou
imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em decorrência de
culpa exclusiva da autora.
4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que,
mesmo que se tratasse de obrigação "de meio", o réu teria
"faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica
adequada", impondo igualmente a sua responsabilidade.
5. Recurso especial não provido.

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 de 19
Superior Tribunal de Justiça

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos


termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti,
Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de outubro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO


Relator

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 2 de 19
Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.238.746 - MS (2010/0046894-5)

RECORRENTE : PAULO DORSA


ADVOGADO : JOSÉ DO COUTO VIEIRA PONTES
RECORRIDO : ANA MARIA MARÇAL ALVES
ADVOGADO : SINARA ALESSIO PEREIRA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):


1. Ana Maria Marçal Alves ajuizou ação de indenização cumulada com
ressarcimento de valores em face de Paulo Dorsa. Narra que contratou os serviços do
requerido, que é dentista, para realização de tratamento de ortodontia, objetivando
corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária e o problema relativo à "mordida
cruzada", diagnosticados pelo réu. Afirma que o demandado não cumpriu o pactuado,
além de extrair-lhe dois dentes sadios, cuja falta veio a lhe causar perda óssea.
O Juízo da 5ª Vara Cível de Campo Grande - MS julgou parcialmente
procedentes os pedidos formulados na inicial.
Interpôs o réu apelação para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul,
que negou provimento ao recurso.
O acórdão tem a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS,
C/C RESSARCIMENTO DE VALORES – AUTORA QUE PRETENDE
INDENIZAÇÃO SOB ARGUMENTO DE HAVER SOFRIDO DANOS EM
RAZÃO DO TRATAMENTO INADEQUADO A QUE FOI SUBMETIDA –
RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL DA SAÚDE CONFIGURADO –
PROVAS CONCLUSIVAS NOS AUTOS – RECURSO IMPROVIDO.
A responsabilidade dos ortodontistas, a par de contratual, é também
obrigação de resultado, a qual, descumprida, acarreta o dever de indenizar
do prestador pelo prejuízo eventualmente causado.

Inconformado com a decisão colegiada, interpôs o requerido recurso


especial com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição
Federal, sustentando divergência jurisprudencial e violação dos artigos 131 e 458 do
Código de Processo Civil e 93 da Constituição Federal.
Alega que não pode ser responsabilizado por ausência de cuidados por
parte da paciente, que não seguiu as suas prescrições e procurou outro profissional.

Argumenta que a decisão não indica os motivos de convencimento, tendo a


Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 3 de 19
Superior Tribunal de Justiça
perita do Juízo reconhecido que o tempo modifica as estruturas anatômicas, devido aos
hábitos do paciente e fatores hereditários.
Afirma que, independentemente de se tratar de obrigação de meio ou de
resultado, há necessidade de ser demonstrada a culpa.
Acena que há culpa exclusiva da autora, pois não comparecia nas datas
agendadas, não providenciando as chapas de raio x e demais exames solicitados, não
tendo sido apurado pela perícia negligência ou imperícia profissional.
Em contrarrazões, sustenta a recorrida que: a) o recorrente não aponta os
dispositivos que entende violados; b) o recurso tem caráter procrastinatório; c) o
recorrente pretende o reexame de provas; d) ficou demonstrado o equívoco no
planejamento e execução do tratamento odontológico; e) a obrigação é de resultado.
Dei provimento ao agravo de instrumento para determinar a sua conversão
em recurso especial (fl.50).
É o relatório.

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 4 de 19
Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.238.746 - MS (2010/0046894-5)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO


RECORRENTE : PAULO DORSA
ADVOGADO : JOSÉ DO COUTO VIEIRA PONTES
RECORRIDO : ANA MARIA MARÇAL ALVES
ADVOGADO : SINARA ALESSIO PEREIRA
EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO
ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA,
OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE
PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
1. As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das
vezes, são consideradas como "de meio", sendo suficiente que o
profissional atue com a diligência e técnica necessárias, buscando a
obtenção do resultado esperado. Contudo, há hipóteses em que o
compromisso é com o "resultado", tornando-se necessário o alcance
do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o
contrato.
2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os
profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra,
comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos
tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com
previsibilidade.
3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter
obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos à
autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados".
Com efeito, em sendo obrigação "de resultado", tendo a autora
demonstrado não ter sido atingida a meta avençada, há presunção de
culpa do profissional, com a consequente inversão do ônus da prova,
cabendo ao réu demonstrar que não agiu com negligência,
imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em
decorrência de culpa exclusiva da autora.
4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo
que se tratasse de obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o
dever de cuidado e de emprego da técnica adequada", impondo
igualmente a sua responsabilidade.
5. Recurso especial não provido.

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 5 de 19
Superior Tribunal de Justiça
VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Preliminarmente, cumpre observar que, embora seja dever de todo


magistrado velar a Constituição, para que se evite supressão de competência do egrégio
STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional,
ainda que para viabilizar a interposição de recurso extraordinário.
Observe-se:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 557 DO CPC.
RECURSO EM CONFRONTO COM SÚMULA E JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. REDISCUSSÃO DA
MATÉRIA DE MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO
PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
INVIABILIDADE. ACOLHIMENTO PARCIAL.
1. As causas autorizadoras do julgamento monocrático de recursos estão
previstas no art. 557 do Código de Processo Civil. No caso, foi negado
monocraticamente seguimento ao recurso, tendo em vista estar em confronto
com súmulas e com a jurisprudência dominante do STJ.
2. Os Embargos Declaratórios não constituem instrumento adequado para a
rediscussão da matéria de mérito.
3. Sob pena de invasão da competência do STF, descabe analisar questão
constitucional em Recurso Especial, ainda que para viabilizar a interposição
de Recurso Extraordinário.
4. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.
(EDcl no AgRg no REsp 886.061/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 20/08/2009, DJe 27/08/2009)

3. A questão controvertida cinge-se em saber se o ortodontista se obriga a


alcançar o resultado estético e funcional, conforme pactuação firmada com o paciente e,
nesse caso, se faz necessária a comprovação de sua culpa ou se basta que fique
demonstrado não ter sido atingido o objetivo avençado.
O acórdão recorrido dispôs:
Ao que se colhe dos autos, a apelada ajuizou ação de indenização contra o
apelante, alegando, em síntese, que contratou os serviços do requerido para
a realização de tratamento ortodôntico, objetivando corrigir o desalinhamento
de sua arcada dentária e problema de mordida cruzada, por ele
diagnosticados, mas que, entrentanto, não teria ele desenvolvido o serviço a
contento, descumprindo o resultado prometido, além de extrair-lhe dois
dentes sadios, cuja falta veio a lhe causar perda óssea na boca,
ocasionando-lhe danos morais e materiais.
Em suas razões recursais, pretende o apelante a reforma da sentença, sob o
argumento de haver ele agido dentro dos padrões que a profissão requer, e
que os problemas advindos à autora, ela mesma os causou, por que não
seguiu ela as instruções e recomendações que lhe foram feitas, além do fato
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 6 de 19
Superior Tribunal de Justiça
de que não comparecia ela às consultas.
Alega que as conclusões e pareceres da perita nomeada são inseguros e
controvertidos, e não afirmam com segurança a responsabilidade do
apelante.
Aduz, ainda, ser a apelada respiradora bucal, o que causa anomalia nas
arcadas dentárias, que não pode ser imputada ao requerido.
Sustenta que não cabe, no caso, qualquer indenização por danos materiais
ou morais.
Por fim, ressalta que a responsabilidade dos ortodontistas é de meio e não de
resultado, e que a eficácia do tratamento não depende somente do
profissional da saúde, como também do paciente, o que não ocorreu no caso
dos autos.
[...]
É de manter-se a sentença singular, por seus próprios fundamentos[1], razão
porque transcreve-se a seguir, parte dela, para embasar este julgado. Assim
vejamos:
“01) Da responsabilidade do réu.
Sustenta a autora, basicamente, que contratou os serviços do réu para a
realização de um tratamento ortodôntico, visando corrigir o desalinhamento
de sua arcada dentária e também um problema de mordida cruzada,
diagnosticado pelo réu, mas que este não teria desenvolvido o serviço a
contento, não cumprindo o resultado prometido, além de extrair-lhe dois
dentes sadios, cuja falta lhe veio a causar perda óssea na boca. Em
decorrência disso, afirma ter sofrido danos materiais e morais e pretende
indenização.
[...]
Todavia, não se cuida de responsabilidade aquiliana, fundada na prática de
ato ilícito, mas sim de responsabilidade contratual, haja vista a existência de
contrato entre as partes e de ter o réu agido, supostamente, ferindo um dever
positivo de adimplir o que foi objeto da avença, ou seja, a prestação regular
dos serviços contratados, através da utilização dos meios apropriados e,
especialmente, a consecução do resultado prometido à autora.
Isso porque a responsabilidade dos ortodontistas, a par de contratual como a
dos médicos, impõe uma obrigação de resultado, como a dos cirurgiões
plásticos, especialmente quando o tratamento se inicia por razões estéticas,
como no caso da autora.
[...]
Daí decorre, também, que, ao contrário da responsabilidade aquiliana, em
que o lesado deve provar a presença de todos os elementos etiológicos da
responsabilidade civil (erro de conduta, nexo causal e dano), a
responsabilidade contratual basta ao autor provar o descumprimento do
contrato pelo réu, invertendo-se o onus probandi com relação aos demais
requisitos, cuja presença é presumida.
Essa responsabilidade contratual é ainda qualificada, na espécie, pela
relação de consumo existente entre as partes, fazendo incidir o disposto no
art. 14 do CDC, que trata dos danos em razão de defeitos intrínsecos e
extrínsecos da prestação de serviços, impondo a responsabilidade objetiva
do prestador, independentemente da existência de culpa.
Ainda que essa regra seja mitigada, no caso do autor, pelo art. 14, § 4º, do
CDC, cujo preceito estabelece que a responsabilidade do profissional liberal
depende da verificação da culpa, o fato de se tratar de uma nítida relação de
consumo faz inverter o ônus da prova, consoante já destacado na decisão de
fls. 92/93:
[...]
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 7 de 19
Superior Tribunal de Justiça
Sucede que o réu, em sua contestação, não refuta que tenha realizado
tratamento ortodôntico na autora, nem que lhe tenha extraído os dentes
mencionados na inicial. Também não nega, expressamente, que o tratamento
não obteve bons resultados. Simplesmente alega que a culpa foi da própria
autora, que teria agido com negligência, deixando de comparecer às
consultas regulares de manutenção e procurando sem necessidade outros
profissionais.
Não o provou, entrementes, quando poderia perfeitamente fazê-lo, através da
apresentação da ficha clínica da autora, da qual, presume-se, constariam as
datas dos comparecimentos da paciente e os procedimentos realizados. Por
outro lado, se essa ficha clínica é o documento de fls. 22/23 dos autos,
juntado pela própria autora, cumpre registrar que embora dela se percebem
algumas poucas faltas da autora a consultas, o réu não demonstrou em que,
exatamente, possam ter prejudicado o tratamento ou, ainda, que tenham sido
causa determinante dos problemas acontecidos.
Também não trouxe aos autos, consoante salientado pela Srª Perita Judicial
às fls. 296, a documentação inicial do tratamento, isto é, “rx panorâmico,
telerradiografia lateral com traçado, modelos de estudo, fotos, etc.”,
prejudicando a avaliação sobre a conveniência, na ocasião, dos
procedimentos escolhidos pelo réu.
Considerando que, conforme já ressaltado, era do réu o ônus de provar a
correção de seu procedimento, a falta dessa documentação resulta,
evidentemente, em prejuízo a ele próprio, conforme ensina CHIOVENDA:
[...]
Por fim, a única prova oral que produziu, consistente no depoimento do
cirurgião-dentista Sílvio Augusto Franco, em nada lhe auxiliou, uma vez que a
referida testemunha afirmou, logo de início, que nada sabia sobre o
tratamento realizado pelo réu na autora, “exceto o que lhe foi relatado pelo
próprio réu” (fls. 196), não tendo sequer dado consulta à autora ou analisado,
pessoalmente, seu caso.
Outrossim, o laudo pericial deixou assente, dentre outras coisas, que existe
perda óssea na raiz dos dentes próximos aos excluídos (resposta ao quesito
“C”) e que esses dentes devem ser repostos, através de próteses ou
implantes (resposta ao quesito “A”) – fls. 297.
O mesmo laudo ainda afirma que “conforme já comprovado através de
exames apresentados no processo, a extração dos elementos n. 35 e 46
provocaram inclinação irregular na arcada inferior e, para correção
ortodôntica, será necessário reimplantá-los”.
Doutro vértice, a resposta aos quesitos apresentados pelo réu não são
bastantes a mudar a sorte do decisum, porquanto conforme se infere do item
3, a ausência da documentação inicial impede a confirmação de que a perda
óssea não esteja diretamente relacionada ao tratamento ministrado pelo réu
na autora, conforme pretende o mesmo.
Assim, em que pese a discussão acerca de estar ou não a extração dos
dentes da autora na origem das dores de cabeça que ela afirma sentir, a
conclusão do laudo indica, suficientemente, que o tratamento escolhido pelo
réu, além de não ter surtido o resultado esperado – o que o réu, frise-se
novamente, não nega em sua contestação, aduzindo, apenas, mas sem o
provar devidamente, que o insucesso se deu em razão da desídia da própria
autora – foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os dentes
extraídos terão que ser recolocados, através de próteses.
[...]
Deduz-se, também, dos mesmos elementos, que ainda que a obrigação do
réu, como ortodontista, fosse de meios, teria ele faltado com o dever de
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 8 de 19
Superior Tribunal de Justiça
cuidado e de emprego da técnica adequada, impondo igualmente sua
responsabilidade.
Acrescente-se, por fim, que os depoimentos das testemunhas Ana Claudia de
Oliveira (fls. 194) e Hellen Fernandes Gondim (fls. 195), que também foram
pacientes do réu, indicam que a insatisfação com o trabalho do réu não é
privilégio da autora e que o caso desta parece não ser isolado.
[...]
Pois bem. O recorrente insurge-se contra o que restou decidido na sentença
vergastada, alegando haver ele atuado dentro dos padrões que a profissão
exige para o tratamento da agravada, não devendo ser responsabilizado
pelos danos causados a ela, tendo em vista que foi a própria recorrida que
não seguiu as instruções e recomendações que lhe foram feitas.
Em que pesem suas argumentações, tenho não merecerem elas respaldo.
Isso porque, segundo doutrina Rui Stoco (in, “Tratado de Responsabilidade
Civil” . São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 7ª ed., 2007, p. 521), “quando a
obrigação do cirurgião-dentista for apenas de meios, de sorte que se propõe
a atuar com diligência, cuidado, atenção e melhor técnica, mas sem poder
assegurar um resultado específico em razão da natureza da intervenção e da
álea que o tratamento ou intervenção sugeria, sua responsabilidade
contratual se escora na culpa, mas caberá a quem pretende reparação fazer
prova dessa culpa. Quando, entretanto, cuidar-se de obrigação de resultado,
posto que houve – “ad exemplum” – promessa de correção da arcada
dentária mediante aparelho ortodôntico ou de implante, não há necessidade
de o paciente comprovar o atuar culposo do profissional, pois presume-se a
sua culpa e inverte-se o ônus da prova. Nesta hipótese, caberá ao
profissional fazer prova de que não agiu com culpa (negligência, imprudência
ou imperícia) ou que exsurgiu causa excludente da sua responsabilidade, sob
pena de ter de reparar” . (fls. 9-15)

O ilustre Vogal, por seu turno, consignou:


No caso em questão, denota-se pelos fatos narrados tanto na inicial como na
contestação, que a autora realizou tratamento odontológico para corrigir o
desalinhamento de sua arcada dentária e também um problema de “mordida
cruzada”, diagnosticada pelo ora apelante. Sendo que para tanto, teve que
ser submetida a colocação de aparelho ortodôntico, porém, antes de tal
procedimento, entendeu necessária a extração de 02 (dois) dentes.
Tanto que assim afirma o apelante em sua contestação:
“Com efeito, o profissional ora requerido laborou com competência e
eficiência, respeitando todas as técnicas profissionais que o caso requeria.
Diagnosticou a necessidade e extração de dois dentes, a fim de fixar o
aparelho ortodôntico, empregado para a devida correção que o tratamento
contratado demandava.
O tratamento, de fato, resumia-se no seguinte:
a) Tinha como principal objetivo a obtenção de uma oclusão ideal, tanto do
ponto de vista estético e funcional, como das condições periodontais
satisfatórias, e uma mastigação eficiente com estabilidade dos resultados
alcançados.(...).” (f. 53)
Portanto, em razão da própria afirmação do apelante, verifica-se que sua
obrigação era de resultado.
Por sua vez, ao analisar a prova pericial acostada aos autos, verifica-se que a
apelada, em razão da extração de seus dentes, acabou sofrendo outras
sequelas, ex vi: (fl. 17)
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 9 de 19
Superior Tribunal de Justiça
4. De início, assinalo que, para análise a respeito da responsabilidade civil
dos dentistas, mostra-se relevante a apreciação do disposto nos artigos 951 do Código
Civil e 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor que, respectivamente, dispõem:
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de
indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.

As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das vezes, são


consideradas como "de meio", sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e
técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado.

Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o "resultado",


tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar
cumprido o contrato.

Confira-se a doutrina:

A doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividi-los em contratos


de resultado e contratos de meio, classificação de relevantes efeitos no plano
material, e, sobretudo no plano processual, onde se opera uma total
mudança ao ônus da prova (RENÉ SAVATIER, Traité de la Responsabilité
Civile en Dorit Français , Paris, LGDJ, 1939, T. I, p. 146).
O fato de ser o contrato enquadrável numa das duas referidas espécies influi
sobre a definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da
prestação devida, e, consequentemente, sobre a conceituação do
inadimplemento .
Na obrigação de resultado, o contratante obriga-se a alcançar um
determinado fim, cuja não-consecução importa em descumprimento do
contrato. No contrato de transporte e no de empreitada, por exemplo, se o
bem transportado não chega incólume ao destino previsto, há
inadimplemento do transportador, devendo este reparar os prejuízos do
destinatário. Da mesma forma, inadimple o contrato de emrpeitada o
construtor que não produz o edifício com a segurança e as especificações
previstas no contrato. Ambos tinham, perante o outro contratante, um débito
específico, que consistia no alcançar o fim predeterminado. Esse fim
confundia-se com a prestação devida , motivo pelo qual se dá o
inadimplemento contratual , quando tal meta não é atingida.
Já na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a
realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 0 de 19
Superior Tribunal de Justiça
atingi-lo. O objeto do contrato limita-se à referida atividade , de modo que o
devedor tem de empenhar-se na procura do fim que justifica o negócio
jurídico, agindo com zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a
frustração, porém, do objetivo visado não configura inadimplemento, com
seus consectários jurídicos, quando a atividade devida for mal
desempenhada. É o que se passa, em princípio, com a generalidade dos
contratos de prestação de serviços, já que o obreiro põe sua força física ou
intelectual à disposição do tomador de seus serviços sem se comprometer
com o resultado final visado por este. (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Dano Moral. Belo Horizonte: Del Rey, 7 ed., 2010, ps. 95-96)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

3.1.1. Obrigações de meio e obrigações de resultado

A distinção entre esses dois tipos de obrigações é atribuída a Demogue, que


"a formulou incidentalmente ao tratar do problema da repartição do ônus da
prova em matérias de obrigações contratuais e delituais".
É o próprio Demogue quem nos esclarece sobre a matéria, dizendo que há
obrigação de meio quando a própria prestação nada mais exige do devedor
do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o
resultado. Como exemplo cita os serviços profissionais do médico que se
obriga a usar todos os meios indispensáveis para alcançar a cura do doente,
porém sem jamais assegurar o resultado, isto é, a própria cura.
Esse tipo de obrigação é o que aparece na maioria dos contratos de
prestação de serviços de médicos, advogados, publicitários etc., quando a
própria atividade dl devedor é o objeto do contrato. Esta atividade tem de ser
desempenhada da melhor maneira possível, com a diligência necessária para
o melhor resultado, mesmo que este não seja conseguido.
Na obrigação de resultado, o devedor se obriga a alcançar determinado fim
sem o qual não terá cumprido sua obrigação; ou consegue o resultado
avençado, ou deve arcar com as conseqüências. Como exemplos há os
contratos de transporte, de empreitada etc. Em outras palavras, na obrigação
de meio a finalidade é a própria atividade do devedor e na obrigação de
resultado, o resultado dessa atividade. (LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano
Estético: responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 ed.,
2004, ps. 69-70)

4.1. No caso ora em julgamento, avulta da moldura fática apurada pela


instância ordinária que o tratamento pactuado "tinha como principal objetivo a obtenção
de uma oclusão ideal, tanto do ponto de vista estético e funcional, como das condições
periodontais satisfatórias, e uma mastigação eficiente".
Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os
profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo
resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional,
podem ser atingidos com previsibilidade:
Convém, entretanto, ressaltar que, se, em relação aos médicos, a regra é a
obrigação de meio, no que respeita aos dentistas a regra é a obrigação de
resultado.
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 1 de 19
Superior Tribunal de Justiça
[...]
A obturação de uma cárie, o tratamento de um canal, a extração de um dente
etc., embora exijam técnica específica, permitem assegurar obtenção do
resultado esperado.
Por outro lado, é mais freqüente nessa área de atividade profissional a
preocupação com a estética. A boca é uma das partes do corpo mais visíveis,
e, na boca, os dentes. Ninguém desconhece o quanto influencia
negativamente na estética a falta dos dentes da frente, ou os defeitos neles
existentes.
Conseqüentemente, quando o cliente manifesta interesse pela colocação de
aparelho corretivo dos dentes, de jaquetas de porcelana e, modernamente,
pelo implante de dentes, está em busca de um resultado, não lhe bastando
mera obrigação de meio.
Tenha-se, ainda, em conta que o menor defeito no trabalho, além de ser logo
por todos percebido, acarreta intoleráveis incômodos ao cliente.
Haverá, sem dúvida, como observa Sílvio Rodrigues, inúmeros casos
intermediários em que a preocupação estética e a de cura se encontram de
tal modo entrelaçadas que o exame do caso concreto é que dirá se houve ou
não desempenho profissional adequado (ob. cit., pp. 275-276). (CAVALIEIRI
FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros,
6 ed., 2005, ps. 409 e 410)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Os dentistas tanto quanto os médicos são profissionais liberais e respondem


por culpa, mas também são fornecedores de serviço nos moldes do Código
de Defesa do Consumidor. Evidentemente há possibilidade de vários tipos de
danos no desenvolvimento dessa atividade, como o próprio trabalho feito na
boca do cliente até os acidentes com anestesias e extrações que podem
causar deformações.
Assim como os dentistas, também os pedicuros, massagistas, cabeleireiros,
esteticistas etc. podem causar graves danos estéticos por negligência,
imprudência ou imperícia no exercício da profissão. A responsabilidade é
contratual e a obrigação ínsita nesse contrato pode ser ou de "meio" ou de
"resultado".
Para se chegar a uma conclusão sobre o conteúdo do dever jurídico inerente
ao contrato de serviços profissionais, deve-se verificar o que foi tratado entre
cliente e profissional e daí, então, concluir se tal serviço visou um fim em si
mesmo ou apenas um desempenho diligente do profissional. A
responsabilidade será medida de acordo com o objeto do vínculo obrigacional
e conforme as regras já expostas neste trabalho. (LOPEZ, Teresa Ancona. O
Dano Estético: responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3
ed., 2004, p. 125)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

A odontologia é uma especialidade paramédica, que se dedica ao estudo e


tratamento da boca e, mais especificamente, da dentição e do pavilhão que a
abriga, como as gengivas (tecido da mucosa bucal, que envolve o colo do
dente e cobre as partes alveolares do maxilar da pessoa humana).
Trata-se de atividade reconhecida e lícita regulamentada pela Resolução do
Conselho Federal da Odontologia n. 63, de 2005, denominada "Consolidação
das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia".
[...]
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 2 de 19
Superior Tribunal de Justiça
O Código Civil revogado estabelecia expressamente a responsabilidade dos
médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas no art. 1.545.
Contudo, o Código Civil em vigor não repetiu o preceito, nem se referiu
expressamente a esses profissionais. Apenas fez remissão aos arts. 948, 949
e 950, que tratam, respectivamente, do homicídio, da lesão corporal ou outra
ofensa à saúde e de defeito incapacitante, para estabelecer que tais
preceitos se aplicam no caso de indenização devida por aquele que, no
exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia,
cause a morte ou lesões no paciente . Como se verifica, ao se utilizar da
expressão "paciente", deixou evidente que a extensão da responsabilidade
constante do art. 951 atinge apenas os profissionais da área da saúde.
Portanto, previu a responsabilidade desses profissionais por via reflexa.
Seja como for estabeleceu a responsabilidade desses profissionais mediante
culpa, cabendo à vítima o ônus da prova.
[...]
Observou com exação Ênio Santarelli Zuliani que "a prestação que o dentista
assume, em situações convencionais de seu ofício (de menor complexidade,
como obturação, limpeza, tratamento de canal) que correspondem aos
serviços mais exigidos nos consultórios, é considerada como de resultado".
Mas, na mesma linha do nosso entendimento, faz ressalva a "situação de
cirurgiões dentistas que assumem deveres para com acidentados, aceitando
a improvável missão de recuperar o maxilar e a arcada dentária destroçados
em um grave acidente (traumatologia buço-maxilo-facial)". Aqui a obrigação é
apenas de meios, esclarecendo que "em tal hipótese, a técnica perde a
simplicidade que caracteriza o serviço de uma mera extração de dente,
exigindo do profissional uma diligência que a ciência não garante o êxito"
(questões atuais da responsabilidade civil. ADV - Seleções Jurídicas (COAD),
São Paulo, p. 3-34, ago./2004).
[...]
Aliás, essa obrigação de resultado mais se evidencia quando se cuide da
chamada "odontologia estética", bem como de tratamento dentário que
envolva a colocação de prótese, correção ortodôntica com uso de aparelho,
restauração, obturação, extração de dente, limpeza, branqueamento,
colocação de faces de porcelana visando apenas o embelezamento etc.,
voltadas para o aspecto estético e higiênico. (STOCO, Rui. Tratado de
Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 8 ed., 2011, ps.
588-589)

-------------------------------------------------------------------------------------------------------

Quanto aos cirurgiões-dentistas, a responsabilidade é acentuadamente


objetiva, cabendo a indenização pelos prejuízos que causarem. A profissão
não está ligada a situações tão insondáveis e aleatórias como a do médico,
que nem sempre permitem um diagnóstico exato e preciso. Daí, pois, se
inferir que a obrigação revela-se por essência de resultado. Com efeito, os
vários procedimentos seguem uma regularidade repetitiva, envolvendo
situações iguais e definidas, como a obturação de cáries e tratamento de
canais, a extração de dentes, a limpeza de gengivas, a colocação de
aparelho dentário corretivo, a retirada de raízes, a remoção de tártaro, o
implante de próteses, a reparação, a intordução de 'jaqueta' ou pivot, a cura
de abscessos ou acúmulos de pus e cavidades decorrentes de processo
inflamatório, dentre outras espécies de anomalias.
[...]
Em suma, domina a obrigação de resultado, com alto teor de fundo estético,
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 3 de 19
Superior Tribunal de Justiça
comportando a indenização por dano material e moral sempre que
deficientemente feito o trabalho, ou acarretar um processo demasiado
doloroso desnecessariamente, por falta de aptidão ou competência
profissional.
Não é incomum, porém, a obrigação de meio, especialmente nas
restaurações complexas, ou nas inflamações agudas, na restauração de
nervos e da estrutura óssea, na doença periodontal aguda em que se
procede a cirurgia no osso onde está implantado o dente e atingindo a
formação ligamentar que envolve inclusive a gengiva, tendo o
cirurgião-dentista utilizado a técnica comum e disponível pela ciência.
(RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 3 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 339)

4.2. No caso, o acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter
obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os
dentes extraídos terão que ser recolocados".
Igualmente, pondera que o réu não refuta, em sua contestação, que o
tratamento não obteve bons resultados, não provando que isso ocorreu por culpa da
autora.
Com efeito, em sendo obrigação de resultado, tendo a autora demonstrado
não ter sido atingida a meta avençada, há presunção de culpa do profissional, com a
consequente inversão do ônus da prova, cabendo ao réu demonstrar que não agiu com
negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em
decorrência de culpa exclusiva da autora:
5. A AÇÃO INDENIZATÓRIA E O ÔNUS DA PROVA.
O direito processual civil distribui o ônus da prova, de acordo com o art. 333
do Código de Processo Civil, da seguinte maneira:
a) ao autor da ação cabe provar o fato constitutivo do seu direito, isto é, o fato
jurídico com que sustenta a pretensão deduzida em juízo contra o réu;
b) ao réu toca provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor, ou seja, se o réu admite ter ocorrido o fato invocado pelo autor, toca a
ele, contestante, provar o fato superveniente que afirma estar impedindo a
ocorrência do efeito afirmado pelo adversário.
Aplicando-se estas regras a uma ação comum de indenização por
descumprimento de contrato de resultado, ficará a cargo do autor a prova:
a) do descumprimento do contrato;
b) do prejuízo sofrido; e
c) do nexo causal entre este e o descumprimento da obrigação;
Não se exige prova da culpa do inadimplente, porquanto esta se revela
implícita na inobservância do dever de realizar a prestação contratual. Com
efeito, para o direito civil, a culpa é sempre a omissão de uma cautela que o
agente necessariamente deveria observar. E porque a conduta não observou
a cautela exigível, tornou-se "censurável" ou "reprovável", devendo o agente
responder pela reparação do prejuízo que adveio para a vítima do ato
injurídico praticado.
No caso da violação do dever contratual, não tem a vítima que provar a culpa
do inadimplente porque decorre ela naturalmente do próprio desrespeito ao
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 4 de 19
Superior Tribunal de Justiça
dever de cumprir a obrigação negocial.
Pode, eventualmente, o devedor alegar que malgrado o não cumprimento
Objetivo da prestação, o evento não lhe pode ser imputado porque provocado
por caso fortuito ou por ato do próprio credor. Se isto acontecer, estará
invocando fato modificativo ou extintivo do direito normal do contratante que
propôs a ação. O ônus da prova será do réu e não do autor, segundo o art.
333, II, do Código de Processo Civil. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano
Moral. Belo Horizonte: Del Rey, 7 ed., 2010, ps. 98-99)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Assim na responsabilidade contratual, a culpa pode ser presumida ou não.


Não há uma obrigatoriedade de presunção de culpa só por estarmos diante
de um contrato. O parâmetro vai ser o tipo de obrigação assumida pelo
devedor. Se este se propôs a atingir determinado resultado e não o atingiu, é
presumido culpado, devendo demonstrar a sua não-culpa. O credor só deve
demonstrar o inadimplemento. Há, portanto, inversão do ônus da prova, em
que o credor ou vítima do prejuízo fica em uma posição mais cômoda. Ao
contrário, se o devedor somente se comprometeu a ter uma determinada
conduta, cabe ao credor o encargo de provar que por culpa ou dolo do
devedor houve danos a ele. (LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético:
responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3 ed., 2004, p. 70)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Mas, não obstante sua atuação na maioria das vezes seja de resultado, sua
responsabilidade, nos termos da regra de exceção contida no CDC (art. 14,
§ 4º) e 186 do CC, só se configura quando atue com dolo ou culpa. Ou seja,
o profissional obriga-se contratualmente a um resultado específico, mas só
responde pelo insucesso quando tenha um procedimento desconforme com
as técnicas e perícia exigida, por desídia manifesta - que traduz negligência -
ou por afoiteza ou imprudência indesculpável, seja no diagnosticar, seja no
tratamento.
Mas impende lembrar que a distinção entre obrigação de meio e obrigação
de resultado não é inútil e sem consequência. Quando a obrigação do
cirurgião-dentista for apenas de meios, de sorte que se propõe a atuar com
diligência, cuidado, atenção e melhor técnica, mas sem poder assegurar um
resultado específico em razão da natureza da intervenção e da álea que o
tratamento ou intervenção sugeria, sua responsabilidade contratual se escora
na culpa, mas caberá a quem pretende reparação fazer prova dessa culpa.
Quando, entretanto, cuidar-se de obrigação de resultado, ou seja, quando -
ad exemplum - houver promessa de correção da arcada dentária mediante
aparelho ortodôntico ou de implante, não há necessidade de o paciente
comprovar o atuar culposo do profissional, pois presume-se a sua culpa e
inverte-se o ônus da prova. Nesta hipótese, caberá ao profissional fazer
prova de que não agiu com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou
que exsurgiu causa excludente da sua responsabilidade, sob pena de ter de
reparar.
[...]
Não se pode afastar, contudo, a possibilidade de obtenção de compensação
por dano moral, ainda que de forma cumulada com os danos materiais,
quando a conduta do profissional tiver o condão de incutir e fazer repercutir
no paciente temores, angústias, vergonha, sofrimento e deformidades
ultrajantes. (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo:
Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 5 de 19
Superior Tribunal de Justiça
Revista dos Tribunais, 8 ed., 2011, p. 589)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

No geral, as imperfeições que resultarem, ou os defeitos no tratamento, já


refletem a carência de perícia, ou de diligência. Inclusive o desconhecimento
técnico leva à indenização. Se o profissional trata durante longo tempo por
uma doença, quando se descobre, depois, que outra a origem do mal, apesar
de manterem-se os sintomas, é permitida, além do ressarcimento pelos
danos patrimoniais, a reparação pelo sofrimento, pela dor que se delongou,
pelos transtornos a que se viu submetido o paciente.
[...]
Situações comuns que justificam a indenização revelam-se na perda da
capacidade mastigatória, na extração desnecessária de dente ou da arcada,
na execução insatisfatória do serviço, com a decorrente procura de outro
dentista e forçando a novas despesas, no equivocado tratamento para a cura,
no diagnóstico errado. (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 3 ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2007, ps. 339-340)

Nesse mesmo sentido, confira-se precedente deste colegiado:


CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE
CIVIL.NULIDADE DOS ACÓRDÃOS PROFERIDOS EM SEDE DE
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CIRURGIA
PLÁSTICA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DANO
COMPROVADO. PRESUNÇÃO DE CULPA DO MÉDICO NÃO AFASTADA.
PRECEDENTES.
[...]
4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que
demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico.
Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia,
basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou
o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo,
destarte, a inversão do ônus da prova.
5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios
de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de
motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da "vítima"
(paciente).
6. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 236708/MG, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ
FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado
em 10/02/2009, DJe 18/05/2009)

5. Destarte, não merece acolhida a irresignação, pois a autora demonstrou o


malogro do tratamento que, ademais, ocasionou-lhe danos físicos e estéticos.
A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se
tratasse de obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o dever de cuidado e de
emprego da técnica adequada, impondo igualmente a sua responsabilidade".
Desse modo, fica límpido que a decisão tomada pelo Tribunal de origem

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 6 de 19
Superior Tribunal de Justiça
decorreu de fundamentada convicção amparada na análise dos elementos existentes nos
autos, de modo que a eventual revisão da decisão recorrida esbarraria no óbice
intransponível imposto pela Súmula 7 desta Corte.
6. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 7 de 19
Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.238.746 - MS (2010/0046894-5)

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, não me


comprometo com essa tese de que a obrigação, em caso de tratamento ortodôntico,
seja, como regra, de resultado, mas observo que, no caso dos autos, o acórdão
estabeleceu que, mesmo que se tratasse de obrigação de meio, o réu teria faltado
com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada. Esta conclusão não
pode ser revista em grau de recurso especial (Súmula 7).
Acompanho o voto de Vossa Excelência, negando provimento ao
recurso especial.

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 8 de 19
Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2010/0046894-5 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1238746 / MS

Números Origem: 20080214153 20080214153000101


PAUTA: 18/10/2011 JULGADO: 18/10/2011

Relator
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA CELIA MENDONÇA
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : PAULO DORSA
ADVOGADO : JOSÉ DO COUTO VIEIRA PONTES
RECORRIDO : ANA MARIA MARÇAL ALVES
ADVOGADO : SINARA ALESSIO PEREIRA
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Moral

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco
Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1098313 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/11/2011 Página 1 9 de 19

Você também pode gostar