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O Período Muçulmano

Havia-se, pois, chegado à unidade do Direito aplicável a toda a população da


Península, a um sistema de leis territoriais e já não pessoais quando em 711 as
dissensões entre os partidos, por ocasião do novo rei dos Visigodos, provocaram a
invasão muçulmana.

A vinda dos árabes para a Península ocasionou a quebra da unidade estadual que o
Reino Visigótico tinha conseguido.

Durante séculos passam a existir no território hispânico dois blocos diferenciados: o


islâmico e o cristão.
Essa separação política conduziu a uma paralela dualidade jurídica básica. Os
invasores trazem para a Península o direito muçulmano, que continuam a adoptar.
Enquanto, por outro lado, a desorganização político-administrativa provocada pelo
Estado Visigótico faz com que os cristãos, o ordenamento jurídico tradicional, baseado
no Código Visigótico, fique entregue ao seu próprio destino, sujeito à influência de
muitos factores.

É na sequência da Reconquista Cristã que a Península se divide em vários Estados.


Daí que surjam correspondentes sistemas jurídicos que o decorrer do tempo
individualizaria.

O fundamento do direito: natureza confessional do direito


Como já foi referido, a fixação dos Árabes na Península conduziu à perda da unidade
jurídica que o Código Visigótico polarizava.
O direito que os muçulmanos trouxeram consigo tinha natureza confessional. Não
havia uma distinção entre a religião e o direito; o direito ia buscar à religião o conteúdo
dos seus critérios normativos.

O direito muçulmano oferece, pois, carácter muito especial: as normas jurídicas são
exactamente, como os preceitos morais e religiosos, ditados por Deus, fruto da
vontade de Alá manifestada na revelação de Maomé.

Assim, é um direito religioso, cujas leis obrigam os crentes em consciência,


exactamente como os demais ditames divinos. Portanto, afirmava-se como um
sistema jurídico personalista, que apenas abrangia a comunidade de crentes que
integrava o mundo islâmico. Não era a raça que definia o direito aplicável, mas sim o
credo religioso.

Sendo expressão da vontade divina revelada ao profeta, o direito muçulmano não


provém de nenhum órgão legislativo terreno. A actividade jurídica resume-se a
interpretar a Revelação e em aplicar aos casos concretos a norma extraída das
manifestações da vontade de Alá.

Por isso o Direito Muçulmano é predominantemente casuístico, isto é, os juristas


resolvem caso por caso, e só a propósito das diversas situações humanas concretas é
que dizem o que é lícito e o que é vedado fazer.

. As fontes do direito no Estado Muçulmano


Embora seja reduzido o contributo árabe para a evolução do direito peninsular,
convém oferecer, em traços rápidos o quadro geral das suas fontes.

Convém, entretanto, salientar dois aspectos: por um lado, que o direito dos
Muçulmanos,
quando estes chegaram à Península, se encontrava numa fase de formação, que
ainda leva tempo para consumar-se de modo definitivo; por outro lado, sendo um
direito confessional, a criação do direito não oferece autonomia substancial
relativamente à revelação divina.

As fontes básicas do direito muçulmano são: o “Alcorão” e a “Sunna”.

O Alcorão consiste no conjunto de revelações de Alá que os fiéis se habituaram a


recitar e que, segundo Maomé, lhe foram feitas de modo explícito. Só depois da morte
deste se reduziram a escrito. Tais ensinamentos possuem um conteúdo variado, mas
sobressaem as regras de carácter religioso.
A Sunna corresponde à conduta pessoal de Maomé, traduzida em actos, palavras e
silêncios tidos como concordância ao que presenciava. São ensinamentos recebidos
de forma implícita. Conhecidos, de início, apenas pela tradição oral, procedeu-se à sua
compilação, desde meados do século VIII.

Contudo o Alcorão e a Sunna estavam longe de proporcionar resposta a todas as


questões jurídicas. Por isso, desenvolveram-se fontes complementares do direito
maometano. Adquire importância o consenso unânime da comunidade (“ijma”), que
era considerado uma manifestação indirecta da vontade de Deus.

Também a ciência do direito contribuiu de maneira decisiva para a evolução dos


preceitos jurídicos islâmicos, que afeiçoava às novas situações. Os jurisconsultos
faziam isso através da analogia e do raciocínio lógico. As interpretações e as
soluções da ciência jurídica têm aqui um significado idêntico ao dos “iura” romanos,
quer dizer, constituem direito positivo, concretizado nos pareceres de juristas
especialmente qualificados.

Formaram-se quatro ritos ou escolas de interpretação, dos quais prevaleceu na


Península a doutrina maliquita.

O consenso dos especialistas retirou ao costume a categoria de fonte oficial, que, em


todo o caso, concorreu largamente para a formação do direito muçulmano. Também
sucedeu com os precedentes judiciais.

Resta acrescentar que o progresso dos Estados muçulmanos levaria à admissão de


normas jurídicas emanadas da autoridade soberana. Só que o destino desta fonte de
direito foi sempre condicionado pelos preceitos sagrados fundamentais.

Os cristãos e os judeus submetidos ao domínio muçulmano


A doutrina islâmica distinguia entre os idólatras ou pagãos e as “gentes do
Livro” .
As gentes do livro, como os Cristãos e os Judeus, professavam uma religião,
possuíam textos sagrados resultantes de revelações divinas anteriores a Maomé.

Os idólatras ou pagãos estavam obrigados a converter-se ao Islamismo, sob pena de


serem liquidados; As gentes do livro, mediante o pagamento de um imposto de
capitação, podiam conservar o seu credo religioso, embora reduzidos à condição de
protegidos do Islão.

Foi esse o estatuto adquirido pela maioria dos hispano-godos, de que apenas uma
parte mudou de religião – os chamados muladis. Converteram-se ao Islamismo,
sobretudo, pessoas de classe servil, a quem o Alcorão garantia a liberdade no caso de
aceitarem a religião muçulmana. Aos que mantiveram a fé cristã é dado o nome de
moçárabes.
Na verdade, os Muçulmanos só em períodos excepcionais, de grande agitação,
moveram perseguições à população cristã peninsular. Ordinariamente, seguiram o
caminho da tolerância religiosa.
Mas a situação dos moçárabes variava, consoante a sua submissão resultasse de
acordos de capitulação, que levavam a uma dependência absoluta, ou de tratados de
paz, que conferiam certa autonomia político-administrativa.

Neste último caso, os moçárabes continuavam distribuídos em “territórios” ou


“condados”. E, do ponto de vista judicial, conservavam os seus juízes próprios,
perfeitamente diferenciados dos muçulmanos. Também continuavam a reger-se, nas
relações privadas, pelo direito que vinha da monarquia visigótica, designadamente o
derivava do Código Visigótico e, em matéria canónica da Collectio Hispana.

O direito islâmico aplicava-se tão-só às relações mistas entre moçárabes e


Muçulmanos, assim como na esfera penal.
Não resta dúvida que, em consequência do contacto diário com os Muçulmanos, a
população moçárabe veio a aceitar muitos dos seus usos e costumes. Por isso
mesmo, apresenta características diversas dos cristãos que viveram sempre fora do
domínio islâmico. Este elemento moçárabe exerce , mais tarde, uma influência
considerável nos Estados cristãos, quer por efeito das migrações, quer devido às
conquistas efectuadas pelos respectivos monarcas.

Também os Judeus tinham autonomia jurídica. As comunidades hebraicas assentes


na Península, tanto sob o domínio árabe como sob o domínio cristão, continuaram,
igualmente, a tutelar-se pelo seu direito. Ele também um sistema confessional e
personalista.

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