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DIREITO

PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA SOCIAL

Visão geral sobre previdência social, introdução ao


regime geral, princípios

1. Noções gerais sobre a Previdência Social

A previdência social é um seguro para proteção social dos indivíduos em relação a


eventos ou contingências que gerem dificuldades ou os impossibilitem de prover sua
subsistência através do trabalho. Trata-se, pois, de um seguro social destinado à
proteção de contingências sociais, tais como: doença, desemprego, acidente, dentre
outros eventos que impossibilitem o trabalho.

Sendo assim, a previdência possui um regime jurídico especial se comparado com os


demais seguros. Ela é financiada por toda a sociedade e visa proteger riscos sociais de
impossibilidade de trabalho. Em razão disso, dizemos que esse seguro é um seguro
social. Ademais, possui disciplina própria e não pode ser confundido com o seguro
disciplinado pelo Código Civil (CC). É direcionado por normas de natureza cogente e
eminentemente tem caráter público.

A previdência social tutela contingências e riscos que impossibilitem ou dificultem o


autossustento de indivíduos pelo seu próprio trabalho. O art. 201, da Constituição
Federal (CF/1988) e o art. 1º da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios) tratam em seus
incisos de uma série de riscos sociais a serem cobertos pela sistemática do seguro.

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de
Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:

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I – cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e
idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa


renda;

V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e


dependentes, observado o disposto no § 2º.

O regime de previdência social possui como regra a natureza contributiva,


comportando poucas exceções. Em qualquer hipótese, contudo, o regime diferenciado
do seguro social sempre será dotado de amplo dirigismo por parte do Estado, ou seja,
por ampla carga de regulação estatal. Nesse sentido, existem dois grandes paradigmas
em matéria de custeio ou financiamento da previdência social, isto é, o custeio da
previdência social pode ser dividido em dois grandes grupos:

a) Sistema contributivo: é a regra. Prevê fontes específicas de custeio, destinadas ao


financiamento, à viabilidade e à manutenção do sistema previdenciário. Essas fontes de
custeio diferenciadas são tributos específicos, notadamente as contribuições
previdenciárias. A arrecadação dessas fontes compõe uma base financeira com
destinação certa, ainda que, para garantir a viabilidade da previdência social, seja
necessário o aporte por parte dos entes políticos, com de verbas adicionais do
orçamento geral para a cobertura de eventuais débitos ou o suprimento de deficiências
do regime.
b) Sistema não contributivo: não há prestações previdenciárias específicas para
custear a previdência social. Nesse caso, as prestações previdenciárias são custeadas
por receitas gerais e inespecíficas, receitas dos orçamentos públicos de uma maneira
geral. Portanto, a previdência é custeada com a receita dos tributos em geral e por
meio de um orçamento inespecífico, isto é, pelo orçamento geral através de fontes
inespecíficas.

No histórico do direito previdenciário no Brasil, o Regime Geral de Previdência Social


(RGPS) sempre foi um sistema contributivo, financiado através de contribuições
previdenciárias dos empregadores, dos trabalhadores e de outros atores chamados a
contribuir para o sistema. O sistema sempre foi dotado de fontes próprias para seu

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custo, ainda que não fossem suficientes. No entanto, o Regime Próprio de Previdência
Social (RPPS) dos servidores públicos adotava originariamente um modelo tipicamente
não contributivo até o advento da Emenda Constitucional (EC) nº 20/1998, sendo
financiado, até então, através de recursos do orçamento geral dos entes políticos.
Aponte-se, ainda, que tal contributividade foi reforçada com a EC nº 41/2003,
notadamente nessa emenda, com a criação das contribuições sobre inativos e
pensionistas. Tratou-se, pois, de uma migração do modelo não contributivo para o
modelo contributivo.

Observe-se, assim, que até 1998, servidores, pensionistas ou aposentados, bem como o
próprio ente político, não pagavam contribuições previdenciárias para o financiamento
do regime próprio do qual faziam parte. O RPPS era financiado por recursos oriundos
do orçamento geral do respectivo ente político ao qual estava vinculado. Atente-se,
ainda, que aposentados e pensionistas somente passaram a contribuir a partir de 2003.
A previdência social é estruturada através de três modelos:

a) modelo de repartição ou solidariedade;


b) modelo de capitalização ou de reserva própria; e
c) modelo de diferentes pilares.

a) Modelo de repartição ou solidariedade: remete ao princípio da solidariedade. Há


um grande fundo comum para o qual são destinadas todas as fontes de custeio do
regime. É um modelo público em que toda a sociedade contribui para a formação de um
grande fundo público comum, que arcará com as prestações dos indivíduos que
preencherem os requisitos. Trata-se de um modelo dotado de feição pública e
compulsória, no qual toda a sociedade contribui para o seu financiamento e o produto
da arrecadação é destinado a fundo público geral, cuja missão é o pagamento das
prestações previdenciárias. Neste, é possível constatar pacto intergeracional, porque
os contribuintes de hoje pagam os benefícios dos inativos. Assim, a geração em
atividade financiará as prestações pagas aos inativos, bem como a geração futura
financiará as prestações que serão pagas aos que se encontram em atividade
atualmente. Outro aspecto do sistema, contudo, é não haver correlação entre as
contribuições pagas por um indivíduo e o patamar de cobertura ao qual se terá direito
no futuro. No caso do RGPS e do RPPS, planos básicos de previdência social brasileira
que possuem natureza estatutária, pois decorrem da lei, há um grande fundo único
para o qual são destinadas todas as contribuições previdenciárias, responsável pelo
pagamento dos benefícios e serviços previdenciários. Contribui-se, assim, para o

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sistema e não para si próprio, uma vez que o sistema pagará as prestações apenas
àqueles que necessitarem.
b) Modelo de capitalização ou de reservas próprias: é adotada uma perspectiva
eminentemente individualista, em franca oposição ao modelo solidário. Em tal
modelo existem contas individuais de acumulação, nas quais os indivíduos
depositam recursos próprios para que, futuramente, possam usufruir de um benefício
cuja extensão dependerá da quantidade de recursos acumulada por ele, no qual é
marcante a feição contratual. A base é a contribuição do próprio segurado, destinada a
um fundo individual de acumulação, cujo saldo é destinado a investimentos no mercado
financeiro, possibilitando, em um futuro programado, a extração de rendimentos para o
próprio sustento. Nesse caso, o retorno ao beneficiário dependerá do montante
acumulado e do êxito na gestão dos recursos, normalmente destinada a um fundo de
pensão ou a uma entidade financeira. Não há, portanto, um pacto entre gerações ou da
maioria em prol da minoria. Admite-se a figura de um patrocinador ou instituidor que
faça um aporte de recursos na conta individual do beneficiário sem que isso implique
na perda de seu caráter individualista, por exemplo, a empresa em que o indivíduo
trabalha ou uma associação a qual esteja vinculado. No Brasil, tal modelo é adotado no
regime de previdência complementar, seja ela aberta ou fechada, pública ou privada.
c) Modelo de diferentes pilares: baseia a proteção social em uma conjugação dos
modelos anteriores, em diferentes proporções. O Brasil adota tal modelo, uma vez que
há uma conjugação dos modelos anteriores, isto é, adotou-se o modelo de repartição
para o RGPS e o RPPS, e o modelo de capitalização para a previdência complementar.

Diante do exposto, a seguridade social é composta:

1º pilar: Saúde e Assistência Social (não contributivos);


2º pilar: RGPS e RPPS (contributivos e obrigatórios);
3º pilar: Previdência Complementar (contributiva e facultativa).

2. Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e seus


princípios

A carta constitucional no art. 201 define características que são verdadeiros princípios
do regime geral de previdência. É importante lembrar que todos os princípios da
seguridade social projetam-se para o campo da previdência social, visto que esta é um
dos ramos da seguridade. Contudo, há princípios específicos da previdência social. Por
isso, didaticamente, podemos dividi-los entre os previstos no art. 2º da Lei de
Benefícios (Lei nº 8.213/91) e os previstos na doutrina. Alguns dos princípios previstos

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no art. 2º da Lei de Benefícios são idênticos aos princípios já estudados no âmbito da
seguridade social.

a) Princípios da previdência social previstos na Lei de Benefícios

Os primeiros princípios, elencados no art. 2º da Lei de Benefícios, dispensam nova


análise por serem mera projeção ou derivação dos princípios estudados anteriormente
em unidade de aprendizagem da seguridade social. Meramente para registro, é
relevante conhecê-los:

Art. 2º A Previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:

I – universalidade de participação nos planos previdenciários;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e


rurais;

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios;

IV – cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição corrigidos


monetariamente;

V – irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder


aquisitivo;

VI – valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou do


rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo;

VII – previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional;

VIII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a


participação do governo e da comunidade, em especial de trabalhadores em atividade,
empregadores e aposentados.

Parágrafo único. A participação referida no inciso VIII deste artigo será efetivada a
nível federal, estadual e municipal.

Princípio da universalidade de participação nos planos previdenciários:


trata-se de derivação do princípio da universalidade do atendimento. Nele

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busca-se a expansão subjetiva da malha de cobertura dos planos
previdenciários, seja abarcando situações novas, seja retirando os trabalhadores
da informalidade, ampliando tanto quanto possível a participação dos indivíduos
nos planos previdenciários e deixando a assistência social de fato para o aspecto
residual.
Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais: trata-se de mera projeção do princípio
equivalente no âmbito da seguridade.
Princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios:
bem como o princípio anterior, é uma mera projeção do mesmo princípio no
âmbito da seguridade.
Princípio da previdência complementar facultativa, custeada por
contribuição adicional: é uma derivação da universalidade de atendimento. A
previdência complementar é de adesão facultativa, com contribuição adicional
ao segurado que busca expandir seu grau de proteção em termos de seguro
social.
Princípio do caráter democrático e descentralizado da gestão
administrativa, com participação do governo e da comunidade, em
especial de trabalhadores em atividade, empregadores e aposentados: é
igualmente referente a uma projeção do princípio da seguridade social, porém,
no âmbito da previdência social. Como visto, a gestão quadripartite, em seu
âmbito, dá-se no Conselho Nacional de Previdência Social, disciplinado nos arts.
3º a 5º do Plano de Benefícios.

Após rever os princípios aplicados à seguridade social como um todo, adentraremos aos
princípios específicos da Previdência Social. São eles:

b) Princípios da irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar o


poder aquisitivo

No âmbito da seguridade em geral, preserva-se o valor nominal, enquanto no âmbito da


previdência social preserva-se o valor real, ou seja, que garanta o poder aquisitivo. É
bastante recorrente no senso comum a menção de que o valor do benefício perdeu sua
expressividade em números de salários mínimos. Alguns segurados afirmam terem se
aposentado com 10 salários e atualmente recebem 6 ou 7. Entretanto, não existe no
âmbito da previdência social brasileira a garantia da continuidade do benefício em
termos de número de salários mínimos. Essa expressão econômica não existe, mas
meramente a preservação do poder aquisitivo, segundo o índice oficial de atualização
monetária. Inexiste a preservação da correspondência em número de salários mínimos,
quando da concessão do benefício. A depender da política de valorização do salário

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mínimo, possibilita-se que, com o avançar do tempo, preserve-se o poder aquisitivo da
renda do benefício, havendo discrepância referente ao número de salários mínimos.

A lei diz que a preservação do valor real se faz pela incidência de um índice de correção
monetária, anualmente, sobre a renda do benefício, de forma a preservar o valor real.
Esse índice de correção monetária, no âmbito do Regime Geral, conforme artigo 41-
A, caput, da Lei de Benefícios é o INPC, foi divulgado pelo IBGE. Uma discussão
interessante no âmbito desse princípio dá-se acerca da possibilidade ou não de
incidência de índices negativos ou deflacionários em caso de recebimento de passivos
previdenciários, ou seja, no recebimento de valores atrasados. Supondo que o segurado
tenha um passivo ou valores atrasados a receber, e este seja submetido à correção
monetária para seu pagamento, com incidência mês a mês, competência a competência,
ao longo do tempo, em determinados meses, episódios específicos, torna-se possível o
índice de correção monetária negativo ou deflacionário, fazendo com que, em
determinada competência, a inflação seja negativa.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende ser possível incidir os índices


deflacionários. Esse fato não viola o princípio da preservação do poder aquisitivo
porque releva a análise da correção monetária global do período, independentemente
da competência A ou B. Ocasionalmente, houve índice negativo ou deflacionário,
meramente no cômputo geral, devendo-se observar efetivamente a real variação da
inflação. Nesse caso, preserva-se o poder aquisitivo. Portanto, havendo a deflação em
determinadas competências, não há problema desde que ao final observe-se a efetiva
variação inflacionária total do período. Não se deve reduzir valor aquém do valor
nominal, visto que esse é o piso. Entretanto, ao final deve-se entregar a efetiva
correção monetária do período global, ainda que neste haja um ou outro índice
deflacionário. Assim, não há ilegalidade na incidência em competências específicas de
índices deflacionários, desde que ao final se entregue a prestação com a efetiva e real
variação inflacionária do período, segundo o INPC, o índice oficial.

c) Princípio do cálculo dos benefícios considerando-se os salários de


contribuição corrigidos monetariamente

O benefício é calculado levando-se em consideração o valor das bases de contribuição


dos segurados. O salário de benefício é apurado a partir da média das bases de
contribuição ao longo de sua vida contributiva. Essas não devem ser calculadas em
seu valor histórico do passado, e sim atualizadas a fim de que a renda reflita um valor
real atualizado. Caso contrário, haveria uma defasagem significativa na renda do
benefício, violando a própria preservação do valor real do benefício. O índice a ser

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considerado na correção monetária dos salários de contribuição é o INPC do IBGE,
conforme art. 29-B da Lei de Benefícios.

d) Princípio do valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário de


contribuição, ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao valor
do salário mínimo

Significa que o trabalhador não deve receber por força do seu trabalho um rendimento
inferior ao salário mínimo, seja este horário, diário ou mensal. Por consequência, se um
benefício substitui a renda do trabalho, por óbvio, este não deve ser inferior ao salário
mínimo. Substituindo o benefício, a renda do trabalho, esse benefício não pode ser
inferior ao salário mínimo. Ao revés, se o benefício não substituir a renda do trabalho,
ele pode sim ser inferior ao salário mínimo.

São passíveis de valores inferiores ao salário mínimo meramente os benefícios


previdenciários que não sejam substitutivos da renda do trabalho. Por exemplo: o
auxílio-acidente, em que o segurado permanece trabalhando, embora com limitações,
ou seja, o benefício não substitui a renda do trabalho; e o salário família, quando o
segurado continua trabalhando normalmente, porém recebe um auxílio para fazer
frente às despesas com filhos menores.

e) Princípio da previdência complementar facultativa custeada por


contribuição adicional

A previdência complementar tem natureza privada e é contratual, de adesão


facultativa. A facultatividade é um verdadeiro princípio. Nos planos básicos, há
obrigatoriedade de filiação no âmbito do RGPS e RPPS. Porém, nos planos
complementares, há a facultatividade. Isso vale também para a previdência
complementar dos servidores públicos.

c) Princípios da previdência social previstos pela doutrina

São princípios da Previdência Social elencados pela doutrina:

a) princípio da solidariedade;
b) princípio da contributividade;
c) princípio da obrigatoriedade da filiação;
d) princípio do equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, CF/1988);
e) princípio da territorialidade da filiação;

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f) princípio do tempus regit actum;
g) princípio do in dubio pro misero;
h) princípio da indisponibilidade dos benefícios;
i) princípio da automaticidade das prestações.

Os princípios enumerados de a) a d) são indicados pela doutrina como tal; são


verdadeiras características do próprio Regime Geral da Previdência Social, como
previsto no art. 201 da CF/1988. O princípio da territorialidade da filiação será
abordado detalhadamente na unidade que tratar dos segurados do Regime Geral.

a) Princípio do tempus regit actum

É um princípio muito relevante que permeia todo estudo da matéria, utilizado para
definir a lei aplicável dentro do direito intertemporal, auxiliando a definição sobre qual
lei rege determinado benefício.

Segundo esse princípio, os benefícios são regidos pela lei vigente no momento da
aquisição do direito, ou melhor, através da lei vigente no momento em que o segurado
completa todos os requisitos do benefício. Desse modo, uma vez adquirido o direito,
define-se qual estatuto jurídico regerá o benefício, sem alteração por legislação
superveniente, seja esta gravosa ou benéfica. Em contrapartida, enquanto não houver
completude dos requisitos, toda a legislação superveniente aplica-se ao beneficiário,
seja esta gravosa ou benéfica, por haver mera expectativa de direito.

Dessa forma, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), não há direito adquirido a
regime jurídico, portanto, enquanto o sujeito não adquire o direito, há sua mera
expectativa e submetem-se as alterações legislativas no regime jurídico em que se está
inserido.

É importante diferenciar, em matéria de tempus regit actum, a aquisição do direito com


o efetivo gozo do direito adquirido. Adquirir o direito significa implementar todos os
requisitos; gozar deste significa dirigir-se ao INSS e requerê-lo. São coisas distintas; o
que interessa não é o momento em que o segurado comparece ao INSS a fim de requer
o benefício, mas sim o momento em que houve a implementação no patrimônio
jurídico.

Veja o posicionamento da jurisprudência:

STJ, verbete sumular nº 340: “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por

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morte é aquela vigente na data do óbito do segurado”.

A TNU, igualmente, firmou a tese de que a lei vigente ao tempo da eclosão da


incapacidade laboral dita o estatuto jurídico do benefício previdenciário
correspondente (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), no
Processo nº 5.001.792-09.2017.4.04.7129/RS.

b) Princípio do in dubio pro misero

Esse princípio é de extrema importância, porém de aceitação controversa na doutrina,


porque uma parcela o aceita em razão das peculiaridades do direito previdenciário, e a
outra não, por tratar-se de direito público, não devendo flexibilizar normas legais em
razão do pro misero. Apesar dessa situação controversa na doutrina, a jurisprudência
adota o princípio, que decorre de uma necessidade de igualdade material, por haver no
litígio um indivíduo hipossuficiente de um lado e o Estado de outro. Assim, para
estabelecer a igualdade material, invoca-se o princípio in dubio pro misero. Esse
princípio acarreta duas projeções: a primeira é a possibilidade de sopesar ou flexibilizar
determinados formalismos processuais em prol dos deficientes; a segunda é uma
postura interpretativa tanto dos fatos, quanto do direito, que prestigia a solução mais
protetiva do hipossuficiente.

Uma situação que exemplifica a aplicação do princípio é possibilidade de relevar uma


preclusão temporal, porventura, em prol do hipossuficiente por uma juntada tardia de
documentos. Ademais, tem-se a inversão do ônus para apresentação de documentos.
Como regra, o segurado apresenta a documentação dos fatos constitutivos de seu
direito; o juiz pode requisitar diretamente ao INSS que traga aos autos os documentos
em razão da dificuldade do segurado e sua hipossuficiência, sobretudo no juizado, de
conseguir essa documentação. Segundo a jurisprudência, no julgado do REsp. nº
412.351/RS, o STJ expressamente invocou o princípio do in dubio pro misero, no qual
entende que, havendo colisão entre preceitos constantes em dois diplomas normativos,
deve prevalecer o mais favorável ao trabalhador, em face do caráter social do direito
previdenciário, na observância do princípio in dubio pro misero.

c) Princípio da indisponibilidade dos benefícios

Esse princípio decorre do caráter de direito fundamental do direito previdenciário, bem


como da natureza alimentar da prestação previdenciária. É importante não confundir a
indisponibilidade do benefício com sua disponibilidade. O segurado, por questões de
planejamento previdenciário, pode optar por não requerer o benefício em determinado

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momento, pode desejar esperar por um momento mais oportuno, um momento de vida
mais adequado, de acordo com seu planejamento pessoal previdenciário. Agindo dessa
forma, ele não renuncia ao benefício ou à proteção, mas abre mão momentaneamente
do seu gozo, não dele em si.

Em decorrência do princípio da indisponibilidade, há diversas previsões legais, como:

A ausência de prescrição do fundo de direito (prescreve meramente as


prestações vencidas, não o direito ao benefício em si).
A decadência em matéria previdenciária atinge somente o direito de revisão do
ato de concessão do benefício, não este em si, que nunca prescreve nem decai.
O direito ao benefício não deve ser cedido, alienado, onerado ou penhorado. É
recorrente um devedor ter um valor de benefício penhorado em uma execução e
demonstrar, por meio de seu comprovante, que é renda previdenciária
processual. Desse modo, procede-se pelo desbloqueio, por tratar-se de valor
impenhorável pelo plano de benefício. Veja o art. 114 da Lei de Benefícios.

Nesse ponto, cabe mencionar o posicionamento jurisprudencial acerca da sua


aplicação. O benefício não pode ser penhorado, mas essa regra possui uma exceção
prevista no art. 833, §2º, do CPC: a impenhorabilidade não se aplica na hipótese de
penhora para pagamento de prestação alimentícia, bem como no caso de importâncias
excedentes a 50 salários mínimos.

Art. 833. São impenhoráveis: (...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para


pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às
importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a
constrição observar o disposto no art. 528, § 8º , e no art. 529, § 3º .”

Ademais, o STJ decidiu recentemente que é possível a penhora de 10% do valor do


benefício para pagamento de honorários advocatícios, com caráter alimentar.
Encontramos precedente no REsp. nº 1.732.927.

d) Princípio da automaticidade das prestações

Esse princípio é extraído da interpretação do art. 33, § 5º, da Lei de Custeio (Lei nº
8.212/1991). Segundo este, sempre que houver um responsável tributário pelo
recolhimento das contribuições previdenciárias dos trabalhadores, os benefícios de

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serviços devem ser prestados, deferidos ao beneficiário, ainda que o responsável
tributário não tenha recolhido a contribuição. Nesse caso, há uma presunção em prol
do trabalhador que o responsável o descontou e recolheu as contribuições. O
trabalhador não pode ser prejudicado pela inércia do responsável tributário.

Art. 33. À Secretaria da Receita Federal do Brasil compete planejar, executar,


acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, à fiscalização, à arrecadação,
à cobrança e ao recolhimento das contribuições sociais previstas no parágrafo único do
art. 11 desta Lei, das contribuições incidentes a título de substituição e das devidas a
outras entidades e fundos. (...)

§ 5º O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se


presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo
lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente responsável
pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo com o disposto
nesta Lei.

Cabe à Receita Federal fiscalizar, cobrar e aplicar penalidades ao responsável


tributário, não podendo o trabalhador, o segurado, sofrer as consequências da inércia
do responsável tributário. Havendo responsável tributário, o INSS não deve invocar a
ausência de recolhimento para negar o benefício. Presume-se recolhida a contribuição
a tempo e modo. Visto que esse princípio possui lugar somente em caso de responsável
tributário, do contrário, deixa de existir, porque caberá ao próprio segurado recolher
sua contribuição e fazer prova perante a Previdência Social. Caso não o faça ou prove
sua recolhida, não terá direito ao benefício.

Esse princípio é, portanto, destinado a apenas uma parcela dos segurados, que contam
com a figura do responsável tributário. Em linhas gerais, sempre existirá um
responsável quando o segurado trabalha ou presta serviço para alguém ou para alguma
empresa. Essa empresa ou equiparado promove o desconto do recolhimento da
contribuição. Quando este trabalha por si só, normalmente deve recolher a própria
contribuição.

Obra coletiva do Curso Ênfase produzida a partir da análise estatística de incidência


dos temas em provas de concursos públicos.
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