Você está na página 1de 42

Farmacologia:

(Grego) pharmakon (fármaco, medicamento, veneno) e logos (estudo)


(Latim) pharmacum (fármaco ou medicamento) (séc. IV)
pharmacologia (séc. XVII)

Fármaco: qualquer composto químico que causa alterações


(bioquímicas, funcionais e/ou estruturais) nos seres vivos.

Farmacognosia Farmacocinética

Farmacodinâmica
Química medicinal Farmacologia
Toxicologia

Farmácia galénica
(tecnologia farmacêutica) Farmacogenética
ADME
Absorção, Distribuição, Metabolização, Excreção
1. Farmacocinética: absorção, distribuição,
metabolismo e excreção
Parâmetros farmacocinéticos principais
D – dose
F – biodisponibilidade (fração absorvida)
C – concentração do fármaco no plasma, sangue ou água do organismo
τ – intervalo entre as doses
V – volume de distribuição (razão entre a quantidade de fármaco que se
encontra no organismo e a sua concentração plasma, sangue ou água
do organismo)

trata-se de um volume aparente, por se partir do pressuposto de que o


fármaco se distribui homogeneamente pelo plasma, sangue ou água do
organismo
Volumes de compartimentos
corporais onde os fármacos se
podem distribuir:

ÁGUA
• Água corporal total (0.6 L/kg)
• Água extracelular (0.2 L/kg)
• Sangue (0.08 L/kg); plasma (0.04 L/kg)
GORDURA
• 0.2-0.35 L/kg

O volume de distribuição, comparado com o volume total de água no organismo, pode ser:
• Igual, se o fármaco se distribui por toda a água do organismo (moléculas pequenas e hidrossolúveis, mas
também capazes de atravessar membranas – ex: etanol);
• Menor, se o fármaco não entrar nas células e se distribuir apenas pela água extracelular (moléculas grandes e
hidrossolúveis – ex: gentamicina ) ou se nem sair do compartimento vascular (moléculas grandes com forte
ligação às proteínas plasmáticas – ex: heparina);
• Maior, se houver acumulação tecidular do fármaco (ex: digoxina – músculo esquelético; cloroquina – tecido
adiposo)
Considere as seguintes tabelas

1. Com base nos valores descritos na tabela 1, calcule o volume


RESPOSTA: 0.6 x 70= 42L
total de água corporal, num homem de 70 kg.

2. Com base nos valores descritos na tabela 2, calcule o volume de distribuição do enalapril,
amiodarona e gentamicina, num homem de 70 kg.
RESPOSTA: V (enalapril) = 0.6 x 70 = 42L; V (amiodarona) =60 x 70 = 4200 L; V (gentamicina) = 0.2 x 70 =14 L

3. Compare o volume de distribuição da amiodarona com o volume total de água corporal.


Comente.
RESPOSTA: O volume de distribuição da amiodarona é muito superior ao volume total de água corporal, o
que significa que a amiodarona se distribui amplamente no organismo, tendo locais de acumulação tecidual.
Parâmetros farmacocinéticos principais

D – dose
F – biodisponibilidade (fração absorvida)
C – concentração do fármaco no plasma, sangue ou água do organismo
τ – intervalo entre as doses
V – volume de distribuição (razão entre a quantidade de fármaco que se
encontra no organismo e a sua concentração plasma, sangue ou água
do organismo)

CL – depuração (clearance)
volume de fluido biológico (plasma, sangue) do qual o fármaco é removido na unidade de tempo

t1/2 – tempo de semivida


tempo necessário para que a concentração de fármaco no fluido biológico se reduza a metade

k – constante (konstant) de eliminação CL


fração de fármaco removida do organismo por unidade de tempo k
V
Para a maioria das vezes verifica-se que a velocidade de eliminação do fármaco
é proporcional à sua concentração:

A depuração é a constante
de proporcionalidade

A depuração total de um fármaco corresponde à soma das várias


depurações parciais

CLsistémica = CLrenal + CLhepática + CLoutras vias


Velocidade de eliminação proporcional à concentração

Cinética de eliminação de primeira ordem


Aplica-se à maioria dos fármacos
 kt
C  Cinicial  e
Cinicial
C  kt
e
C 1
 kt
Cinicial e
Determinação de t1/2
C 1
 kt
Cinicial e
Quando a concentração inicial é reduzida a metade:

1 1 kt1/ 2  ln 2
 kt1/2 e kt1/2
2
2 e

k  t1/2  0.7
CL
k
V V
t1/ 2  0.7 
CL
Eliminação do fármaco – quanto tempo tenho que esperar para que todo o
fármaco tenha sido eliminado?

• 3.3 semividas é o tempo necessário para


eliminar 90% do fármaco
• 5 semividas é o tempo necessário para
eliminar mais de 95% do fármaco

50%

75%

87.5%
93.7% 96.9%
Perfil farmacocinético de um fármaco – dose única

Therapeutic
range
Carga (upload) do fármaco – infusão contínua e doses múltiplas
Carga (upload) do fármaco – doses múltiplas

“Steady state”

3.3 semividas é o tempo necessário para


atingir 90% do estado de equilíbrio
5 semividas é o tempo necessário para
atingir 95% do estado de equilíbrio

• o intervalo entre doses deverá ser próximo do tempo de semivida do fármaco para que haja acumulação do
fármaco e se possa atingir o estado de equilíbrio
• são necessárias cerca de 5 semividas para que um fármaco atinja a concentração de equilíbrio
No equilíbrio:

Velocidade de entrada = Velocidade de eliminação

Dose × F
V CL × Css

τ
No equilíbrio:

Velocidade de entrada = Velocidade de eliminação

D F
 CL  Css

D  F  CL  Css  

D F
C SS 
CL 
Fórmula para estimativa de dose de manutenção

D  F  CL  Css 

Fórmula para estimativa de dose de carga


Velocidade de eliminação independente da
concentração

Cinética de saturação – velocidade de eliminação constante


Exemplos: etanol, fenitoína, salicilatos
No caso de fármacos que seguem uma cinética de saturação (neste caso a fenitoína):
• com as doses mais elevadas não se consegue atingir um estado de equilíbrio;
• um pequeno incremento na dose pode provocar um efeito desproporcionadamente grande na concentração
plasmática do fármaco
2. Monitorização terapêutica de fármacos e
ajuste da terapêutica
Dosage schedule

Após seleção de um medicamento é necessário escolher:

• Quantidade de medicamento (dose)


• Espaçamento entre doses
• Fármacos com janela terapêutica estreita
• Variabilidade interindividual grande nos processos ADME

Exemplos:
antibióticos vancomicina, aminoglicosídeos
(gentamicina, tobramicina, amicacina)
neurologia antiepilépticos
psiquiatria lítio
cardiologia digoxina, antiarrítmicos
transplantes ciclosporina, tacrolimus
pneumologia teofilina

Necessidade de monitorização da concentração plasmática do


fármaco para ajuste da dose
Momento para colheita de sangue para
doseamento do fármaco

► Quando se atingir o equilíbrio, isto é, quando C atingir um valor constante,


ou seja, decorridas 3.3 a 5 semividas após início da terapêutica

► Habitualmente imediatamente antes da toma (vale): a fase após a toma é


irregular por causa de variações na absorção e pela possibilidade de
quedas rápidas por distribuição tecidual
3. Exercícios de Farmacocinética
Dose de manutenção

𝐬𝐬
Dose de carga

Constante de eliminação

Tempo de semivida ( deve ser próximo do t1/2)

3.3 × t1/2 a 5 × t1/2 Tempo para atingir o equilíbrio


Cálculos - I Etanol

Que dose de álcool posso beber antes de conduzir?

Cmáx = 0.2 g/L (valor máximo permitido por lei para condutores
profissionais, ou que tenham a carta há menos de 3 anos)

V = 0.6 L/kg (no homem) V = 0.49 L/kg (na mulher)

No caso de um homem de 70 kg: No caso de uma mulher de 60 kg:

V = 0.6 × 70 = 42 L V = 0.49 × 60 = 29.4 L


D = C × V = 0.2 × 42 = 8.4 g álcool D = C × V = 0.2 × 29.4 = 5.9 g álcool

Conclusão: 8 g de álcool Conclusão: 6 g de álcool


Que quantidade de cerveja posso beber antes de conduzir?

1 garrafa = 330 mL
1 fino = 200 mL

Teor alcoólico = 5 % = 5 mL/100 mL


Densidade do etanol: 0.8 g/mL

Concentração de etanol = 0.8 × 5 = 4 g/100 mL


1 fino = 2 × 4 = 8 g
1 garrafa = 3.3 × 4 = 13.2 g; meia garrafa = 6.6 g

Homem, 70 kg – posso beber um fino, mas nada mais!


Mulher, 60 kg – não posso sequer beber meia garrafa, pois já
ultrapasso a dose permitida!...
Quanto tempo tem de esperar uma jovem que bebeu duas
caipirinhas antes de ir para a estrada? Parte I

C = 0.5 g/L
V = 0.49 L/kg

No caso de uma jovem de 60 kg:


V = 0.49 × 60 = 29.4 L
D = C × V = 0.5 × 29.4 = 14.7 g

Só pode conduzir quando tiver apenas 14.7 g de álcool no organismo


Quanto tempo tem de esperar uma jovem que bebeu duas
caipirinhas antes de ir para a estrada? Parte II

1 caipirinha = 50 mL de cachaça
Teor de álcool na cachaça = 38 a 48 % ≈ 43 % = 43 mL/100 mL
43 × 0.8 = 34.4 g/100 mL

2 caipirinhas → D = 34.4 g
Tem de eliminar 34.4 – 14.7 = 19.7 g de etanol

Velocidade de eliminação do etanol = 0.12 g /h por kg de peso


0.12 × 60 = 7.2 g/h

Para eliminar 19.7 g de etanol é preciso esperar:


19.7 / 7.2 = 2.7 h ≈ 3 h
Cálculos - II Ácido valpróico
1) estimativa da dose para começar o tratamento

11 anos de idade, sexo masculino, com peso de 38 kg, sofre de epilepsia


Css = 50 μg/mL = 50 mg/L
CL = 20 a 30 mL/h/kg ≈ 25 mL/h/kg
V = 0.2 L/kg

CL = 25 × 38 = 950 mL/h = 0.95 L/h


V = 0.2 × 38 = 7.6 L

Para calcular o intervalo entre as doses:


𝟎. 𝟕 × 𝑽
CL = 0.95 L/h; V = 7.6 L 𝒕𝟏/𝟐 =
𝑪𝑳
t1/2 = 0.7 × V /CL
= 0.7 × 7.6 / 0.95 = 5.6 h ≈ 6 h
τ=8h
Para calcular a dose:
Css = 50 mg/L; CL = 0.95 L/h; τ = 8 h; F = 100%

D = CL × Css × τ = 380 mg 
ss
D = 400 mg em cada 8 horas

2) Doseamento do fármaco no soro

Quando se pede o doseamento?


Quando se atingir o equilíbrio, isto é, quando C atingir um valor constante

Tempo para o equilíbrio = 5 × t1/2

= 5 × 6 = 30 h
i.e., no terceiro dia de tratamento, antes da primeira toma da manhã
3) Ajuste da dose, a partir do doseamento do fármaco no soro

Resultado do doseamento: Csérica = 130 mg/L

Concentração demasiado alta! É necessário:


(1) reduzir a dose ou (2) aumentar o intervalo entre doses!

Determinar o valor real de CL: 


ss
D = CL × Css × τ ↔ CL = D / (Css × τ)
CL = 400 / (130 × 8) = 0.38 L/h Quando se iniciou o tratamento, havia
receio de que fossem atingidas
concentrações tóxicas e, por isso, usou-se
Calcular a dose mais adequada: uma concentração-alvo de 50 mg/L (valor
bastante próximo da concentração mínima
Css = 75 mg/L; CL = 0.38 L/h; τ = 8 h eficaz). Após monitorização plasmática do
fármaco já se conhece a depuração real do
sistema, podendo então usar-se uma
D = Css × CL × τ = 75 × 0.38 × 8 = 228 mg ≈ 250 mg concentração-alvo de 75 mg/L, mais
elevada, mas ainda dentro da janela
terapêutica!
D = 250 mg em cada 8 horas
Multiple Oral Dosing
Concentration
160,0
Resumo ácido valpróico
140,0 Concentração em
120,0
equilíbrio prevista
Gráficos para doses múltiplas
100,0

80,0

60,0
Multiple Oral Dosing
40,0 Concentration
160,0
20,0
Steady State
140,0
0,0
0 24 48 72 96
120,0
Time

100,0

80,0
Concentração em
60,0
equilíbrio “real” Multiple Oral Dosing

40,0
(obtida por Concentration
doseamento) 160,0
20,0
Steady State 140,0
0,0 Concentração em
0 24 48 72 96 120,0 equilíbrio após
Time ajuste de dose
100,0

80,0

60,0

40,0

20,0
Steady State
0,0
0 24 48 72 96
Time
Cálculos - III Digoxina

1) estimativa da dose para começar o tratamento

Homem de 50 anos e 70 kg tem fibrilhação auricular. Não é obeso, tem depuração da


creatinina (CLcreat) de 97 mL/min e não tem insuficiência cardíaca. CLnr = 40 mL/min. O
volume de distribuição da digoxina é de 7 L/kg. A biodisponibilidade da digoxina é de
70%.
Css = 1.2 ng/mL = 1.2 μg/L Nota: A digoxina é uma molécula polar, eliminada principalmente
por via renal. Praticamente não sofre reabsorção a partir dos
túbulos renais e, pelo contrário, sofre secreção tubular ativa. É
também excretada por via biliar, com uma depuração constante de
40 mL/min, em indivíduos sem insuficiência cardíaca.

Cálculo do V e CL:
Secreção tubular activa da digoxina → CLdigoxina≈ 30% > CLcreatinina
V = 7 × 70 = 490 L

CL = 1.3 × CLcr + CLnr


CL = 1.3 × 97 + 40 = 167 mL/min
Css = 1.2 μg/L; CL = 167 mL/min = 10 L/h; V = 490 L

Para calcular o intervalo entre doses:


𝟎. 𝟕 × 𝑽
t1/2 = 0.7 × V /CL 𝒕𝟏/𝟐 =
𝑪𝑳
= 0.7 × 490 / 10 = 34.3 h
τ = 1 dia

Css = 1.2 μg/L; CL = 10 L/h; F = 70%


τ = 1 dia = 24 h

ss 
Qual a dose a administrar?
D = (CL × Css × τ) / F
D = (10 × 1.2 × 24)/0.7 = 411 μg
D = 400 μg uma vez por dia
2) Doseamento do fármaco no soro

Quando se pede o doseamento?


Quando se atingir o equilíbrio, isto é, quando C atingir um valor constante

t1/2 ≈ 34 h

Tempo para o equilíbrio


= t1/2 × 5 = 34 × 5
= 170 h, i.e., 7 dias
≈ 1 semana após o início da terapêutica, antes de nova toma
3) Ajuste da dose, a partir do doseamento do fármaco no soro
Csérica = 2.5 μg/L
Problema: demasiado alta, tenho de reduzir para um Css = 1.2 μg/L !!!

Determinar o valor real do CL:


CL = D × F / (Css × τ)
= 400 × 0.7 / (2.5 × 1 d)
= 112 L/dia = 4.67 L/h
ss 

Calcular a dose mais adequada:


Css = 1.2 μg/L; CL = 4.67 L/h; τ = 1 dia

D = (CL × Css × τ) / F
D = (4.67 × 1.2 × 24) / 0.7 = 192 µg
D = 200 µg por dia
Se reduzir a dose para 200 µg e mantiver
o intervalo entre as tomas (24h):

Se mantiver a dose de 400 µg e aumentar


o intervalo entre as tomas (48h):
Concentration
1,6

1,4

1,2

1,0

0,8

0,6

0,4

0,2

0,0 Steady State

0 48 96 144 192 240 288 336 384 432 480


Time

Você também pode gostar