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T14 - Imunomodulação no Cancro

NOTA HISTÓRICA - os principais passos para decifrar a biologia da célula T foram: descoberta da IL-2 no início dos
anos 70, os primeiros subsets de células T (Lyt-1, Lyt-2) em meados dos anos 70, a clonagem do TCR em 1982, os
peptídeos antigénicos em 1989, a clonagem do PD-1 em 1992, as Tregs em 1995 e o CTLA-4 como regulador negativo
em 1995.

ATIVAÇÃO DAS CÉLULAS T NAÏVE (PRIMING) - as células T requerem múltiplos sinais (no mínimo 3) para se
tornarem ativas. Para além da estimulação antigénica, é posteriormente necessária co-estimulação positiva (o recetor
co-estimulador chave é o CD28). O terceiro sinal são citocinas.

FIGURA 1 - Os 3 sinais necessários para a estimulação de uma


célula T específica de antigénio. As proteínas antigénicas sofrem
processamento e posteriormente os péptidos são apresentados por
moléculas MHC I ou II para as células T CD8 e CD4, respetivamente.
O segundo sinal é fornecido por moléculas da família B7: B7.1 (CD86)
e B7.2 (CD80) expressos na APC. Estas proteínas interagem com o
recetor CD28. Citocinas inflamatórias como o IFN-α/β, IL-12 e IL-1
constituem o terceiro sinal

• Um sinal co-estimulador sozinho não exerce nenhum efeito na célula T e um sinal específico (antigénio)
sozinho torna a célula T anérgica

SINAPSE IMUNOLÓGICA - importante no reconhecimento imune de antigénios tumorais pelas células T.

• PRIMING PHASE - imunidade anti-tumoral, os antigénios tumorais são apresentados às células T via APCs,
tais como as células dendríticas (DCs) ou macrófagos

• EFFECTOR PHASE - as células T ativadas vão reconhecer os antigénios tumorais apresentados pelas
moléculas MHC expressas pelas células tumorais. As células T CD8+ e CD4+ conseguem reconhecer
peptídeos apresentados por moléculas MHC-I e MHC-II, respetivamente

CHECKPOINTS IMUNOLÓGICOS - moduladores importantes da resposta anti-tumoral das células T. Existe em


células T, células apresentadoras de antigénios (APCs) e em células tumorais. Ativam tanto vias de sinalização imunes
inibitórias como ativadoras. Os checkpoints imunológicos co-estimuladores melhoram a expansão e sobrevivência das
células T.

• CHECKPOINTS IMUNOLÓGICOS CO-ESTIMULADORES - CD40, OX40 (também conhecido como CD134),


4-1BB (também conhecido como CD137), glucocorticoid-induced tumor necrosis factor (TNF) receptor (GITR),
inducible T cell co-stimulator (ICOS, também conhecido como CD278). Não são tão utilizados, estando
presentes em modelos pré-clínicos

• CHECKPOINTS IMUNOLÓGICO INIBITÓRIOS - cytotoxic T-lymphocyte antigen 4 (CTLA-4), programmed cell


death protein 1 (PD-1), lymphocyte-activation gene 3 (LAG-3), T cell immunoglobulin and mucin domain 3
(TIM-3), V-domain immunoglobulin supressor of T cell activation (VISTA). São particularmente importantes e
utilizados na prática clínica o CTLA-4 e PD-1.

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FIGURA 2 - Os checkpoints imunológicos regulam diferentes componentes na evolução de uma resposta imune.

a | O checkpoint imunológico mediado pelo CTLA-4 é induzido nas células T no momento da sua resposta inicial ao antigénio. O CTLA-4
funciona como um atenuador de sinal para manter um nível consistente de ativação de células T face a concentrações e afinidade
variantes do ligando para o TCR. Esta molécula atua a nível central (nos gânglios linfáticos), ao contrário do PD-1.

b | O papel do PD-1 é regular as respostas inflamatórias nos tecidos por reconhecimento do antigénio pelas células T efetoras nos tecidos
periféricos. A indução excessiva de PD-1 nas células T no contexto de exposição crónica ao antigénio pode induzir um estado exausto ou
anérgico nas células T.

CÉLULAS T DE MEMÓRIA RESIDENTES NOS TECIDOS (TILS) - células em sentinela prontas para uma
resposta imediata, que não recirculam. Têm valor prognóstico no cancro humano, sobretudo sólidos (cancro do pulmão,
cancro do ovário onde é co-expressado com o PD-1, cancro da mama e melanoma, carcinomas da bexiga, colorretal,
cervical, da cabeça e pescoço e pancreático)

IMUNOVIGILÂNCIA E IMUNOEDIÇÃO - a imunovigilância é um processo contínuo que está sempre a ocorrer, onde
o sistema imune identifica células cancerosas e/ou pré-cancerosas e as elimina antes que possam causar dano. Apesar
desta vigilância, os tumores desenvolvem-se mesmo na presença de um sistema imune funcional, logo o conceito de
imunoedição fornece uma explicação mais completa no papel do sistema imune no desenvolvimento de tumores.

• IMUNOEDIÇÃO - está dividida em 3 fases (3 Es): eliminação, equilíbrio e escape.

- ELIMINAÇÃO: as células transformadas que escapam ao controlo intrínseco são sujeitas a


mecanismos extrínsecos de supressão tumoral que vão detetar e eliminar tumores em
desenvolvimento antes que se tornem clinicamente aparentes

- EQUILÍBRIO: fase de dormência onde as células tumorais e a imunidade entram num equilíbrio
dinâmico que mantém a expansão tumoral controlada

- ESCAPE: emergência de células tumorais que ora apresentam imunogenicidades reduzidas ou


ativam um número elevado de possíveis mecanismos imunossupressores para atenuar a resposta
antitumoral imune, levando à aparecência de tumores progressivamente maiores

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FIGURA 3 - Imunoedição no cancro e resposta à imunoterapia no cancro.

a | Durante a fase de eliminação, os sistemas imunes inato e adaptativo cooperam para reconhecer células transformadas que
escaparam à supressão tumoral intrínseca e eliminá-las antes que o tumor se torne clinicamente detetável. Se ocorrer destruição das
células tumorais, a eliminação constitui a totalidade do processo de imunoedição.

b | Tumores capazes de sobreviver à fase de eliminação progridem para uma fase de equilíbrio, na qual o crescimento é limitado e a
imunogenicidade celular é editada pelo sistema imune adaptativo.

c | Tumores editados podem então entrar na fase de escape, onde o seu crescimento não é restringido - devido sobretudo à ativação
de vias imunossupressoras e/ou imunoevasoras. Tumores escapados são aqueles que são clinicamente detetáveis como tumores
visíveis.

CICLO IMUNITÁRIO ONCOLÓGICO - a deteção tumoral


(3)
induz a ativação de células da imunidade inata que promovem
funções efetoras e destruição da célula tumoral que,
eventualmente, gera mais sinais de deteção, propagando a
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resposta. Para além do efeito tumoricida direto, estas células
participam em todos os passos da formação de células T e
atividade contra células tumorais (priming, expansão e infiltração
no local do tumor). Este ciclo também é regulado por fatores
inibitórios que limitam as funções das células inatas com
consequências diretas na sua capacidade de eleiminar células
(5)
tumorais e proteção de células T

(1) (7)
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IMUNOTERAPIA - tipo de tratamento que ajuda o sistema imune a lutar contro o cancro. É uma alternativa mais
recente à radioterapia e quimioterapia, que são consideradas mais tóxicas e menos específicas - não só destroem as
células tumorais, mas também células sanguíneas, provocando efeitos adversos como anemias, linfopenias,
trombocitopenias, etc.

• VANTAGEM - capaz de induzir respostas muito prolongadas no tempo e sem necessidade de outras
terapêuticas (ao contrário da quimioterapia que permitia o controlo da doença apenas durante meses). Um
bom exemplo é o ipilimumab

• FENÓTIPOS TUMORAIS - condicionam a escolha da terapêutica. Os tumores podem ser classificados como :

- “HOT” TUMORS” (FENÓTIPO INFLAMATÓRIO): passa pela modulação da resposta imune que
ocorre naturalmente, através de inibidores dos checkpoints imunológicos e citocinas. São
exemplos o melanoma, cancro do rim, cancro do pulmão, cancro da bexiga e tumores com
instabilidade micro-satélite

- “COLD” TUMORS (FENÓTIPO NÃO-INFLAMATÓRIO): passa pela indução de uma resposta


imune contra o cancro, através de vacinas, transferência de células adotivas e anticorpos bi-
específicos.

- COMBINAÇÃO DOS DOIS E COMBINAÇÃO COM OUTRAS TERAPÊUTICAS: a serem


estudadas em ensaios clínicos, mas limitadas na prática clínica pela toxicidade que geram

• INIBIDORES DOS CHECKPOINTS IMUNOLÓGICOS - o CTLA-4 limita o priming das células T nos gânglios
linfáticos e o PD-1 limita as funções efetoras das células T. A combinação das duas terapias é mais eficaz, mas
mais tóxica, não podendo ser aplicada em pessoas mais imunossuprimidas ou idosas

- ANTICORPOS ANTI-CTLA-4: ipilimumab, tremelimumab


- ANTICORPOS ANTI-PD-1: nivolumab, pidilizumab, pembrolizumab (taxa de resposta superior aos
anti-CTLA-4)
- ANTICORPO ANTI-PD-L1: atezolizumab

FIGURA 5 - Bloqueio dos checkpoints. Os pacientes com cancro geralmente montam respostas celulares T ineficazes
devido à upregulation de recetores inibitórios como o PD-1 e CTLA-4 nas células T e expressão de ligandos como o PD-
L1 nas células tumorais. O bloqueio de anticorpos anti-CTLA-4 (A) ou anti PD-1/PD-L1 (B) é altamente eficaz no
tratamento de vários tipos de tumores avançados através da inibição de células T específicas dos tumores por estas
moléculas. O anti-CTLA-4 pode funcionar pelo bloqueio do CTLA-4 nas células T ou em células T reguladoras (Treg).

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• BIOMARCADORES PREDITIVOS DE RESPOSTA

- Tumores com infiltrados CD8+ mais elevados e expressão de PD-1 e PD-L1 respondem melhor ao
anti-PD-1 (cancros da mama e do pulmão)

- TUMOR MUTATIONAL BURDEN - consiste na identificação de mutações somáticas no genoma


de um tumor individual que influenciam a imunogenicidade das células tumorais ao gerarem
neoantigénios (péptidos derivados de produtos de genes mutados que ligam ao HLA e geram
respostas celulares T). Está diretamente relacionado com a resposta à imunoterapia (TMB
elevado, boa resposta)

• IMUNIZAÇÃO ATIVA - existem várias variáveis em jogo no desenho das vacinas: selecção dos antigénios
associados aos tumores, a plataforma/adjuvante a usar (proteínas, péptidos, DNA/RNA, lisado tumoral), as
células dendríticas (Dcs) como alvo terapêutico são a grande promessa atualmente

- VACINAS PREVENTIVAS: as vacinas para o HPV e hepatite B têm reduzido significativamente a


incidência de carcinoma cervical e hepatocarcinoma

- VACINAS TERAPÊUTICAS: têm sido investigadas vacinas que têm como alvo neoantigénios,
provavelmente precisarão de ser combinadas com inibidores dos checkpoints imunológicos

• TRANSPLANTE DE LINFÓCITOS T - em A, temos a transferência adotiva de células T anti-tumorais isoladas


do tumor de um paciente. As tumor-infiltrating T cells (TILs) são extraídas de amostras tumorais cirurgicamente
removidas e depois expandidas in vitro, seguida da reinfusão no paciente linfopénico. Em B, as células T do
sangue periférico do paciente são isoladas e expandidas em cultura e geneticamente modificadas para
expressarem ou um recetor da célula T (TCR) ou um recetor antigénico quimérico (CAR) que conferem
abilidade para o reconhecimento específico e destruição de células tumorais quando reinfundidas no paciente

FIGURA 6 - Diferentes abordagens à transferência adotiva de células T no tratamento do cancro

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• PSEUDOPROGRESSÃO - corresponde a um aumento no tamanho do tumor e pode ser observada antes da


regressão anti-tumoral, como resultado de uma resposta aguda inflamatória anti-tumoral

• TOXICIDADE AUTOIMUNE - são efeitos adversos específicos da


imunoterapia, não sendo observados na quimioterapia. Com a
ativação do sistema imune, também são ativadas outras células que
irão reagir mais com os antigénios do self, despoletando fenómenos
de autoimunidade. Os mais frequentes são resolvidos com o aumento
do espaçamento da imunoterapia ou com imunossupressão
(corticóides). O aparecimento de um efeito adverso não é indicação
para suspender a imunoterapia. O desenvolvimento destes efeitos
adversos poderá estar associada a uma boa resposta à imunoterapia.

• RESISTÊNCIA À IMUNOTERAPIA - ver figura 3

- RESISTÊNCIA INATA: a imunoterapia não promove respostas imunes anti-tumorais ou a


imunossupressão induzida pelo tumor não é superada, não se observando qualquer resposta

- RESPOSTA COMPLETA: a imunoterapia é de tal modo eficaz que leva o tumor de volta à fase de
eliminação

- RESPOSTA PARCIAL: a imunoterapia não supera a imunossupressão induzida pelo tumor,


forçando-o a um equilíbrio on-treatment

- RESISTÊNCIA ADQUIRIDA: o crescimento de determinados clones de células tumorais capazes


de escapar ou suprimir a imunidade anti-tumoral pode resultar num escape secundário

TAKE-HOME MESSAGES

1. O priming de células T requer 3 sinais


2. O CTLA-4 e PD-1 são importantes em diferentes fases
3. A imunoedição no cancro ocorre durante a progressão natural dos tumores

• 3 E’s: eliminação, equilíbrio e escape


• Também pode ocorrer em pacientes tratados com imunoterapia

4. 7 passos importantes são necessários para gerar uma resposta anti-tumoral eficaz
5. Os tumores podem ser categorizados em inflamatórios e não inflamatórios
6. A imunoterapia pode amplificar uma resposta imune pré-existente e está aprovada para um número crescente de
indicações
7. A identificação de biomarcadores é complicada pela complexidade da resposta imune
8. As vacinas e transferência de células adotivas podem ser usadas para induzir uma resposta imune em “cold”
tumors ou refratoriedade à imunoterapia
9. A combinação racional de inibidores de checkpoints imunes com outras terapias pode contribuir para desbloquear
todo o potencial da imunoterapia
10. Pseudoprogressão, toxicidade autoimune e resistência estão associados à imunoterapia

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