Você está na página 1de 7

Farmacologia das Purinas

1.  Adenosina e recetores da adenosina


As Purinas são compostos orgânicos azotados formados por um anel pirimidínico
fundido a um anel imidazolico. As bases púricas são a adenina e a guanina e são, frequentemente
parte integrante de ácidos nucleicos e biomoléculas energéticas (nucleotídeos e nucleosídeos).

A adenosina é uma purina endógena e um nucleosídeo, composta por


uma base azotada (adenina) mais uma ribose. É um metabolito intermediário que
intervém na síntese de ácidos nucleicos e ATP. Não é um neurotransmissor, mas atua
como um neuromodulador.

A adenosina pode ser sintetizada de várias formas, quer intra, quer


extracelular. Dentro da célula, o composto 5’-AMP intracelular pode sofrer
desforilação, pela 5-nucleotidase, ou, haver hidrólise de S-adenosil-homocisteína (SAH), pela SAH
hidrolase. Fora da célula, o composto 5’-AMP extracelular pode sofrer desforilação, pelo CD73,
sendo, depois, transportada para o interior da célula por difusão facilitada ou pelos transportadores
ENT1 e ENT2, presentes na membrana celular.

Os recetores de adenosina estão


presentes em quase todas as células do nosso
organismo e são recetores acopolados a
proteínas G: os recetores A1 e A3 estão acoplados
à proteína Gi e a sua ativação leva à inibição da
adenilcíclase; os recetores A2A e A2B estão
acoplados à proteína Gs, que ativa a adenilcíclase.
As Xantinas são antagonistas destes recetores.

O recetor A1 é largamente expresso em todo o organismo, especialmente nos


neurónios do SNC e periféricos e está envolvido na modulação neuronal, através do bloqueio da
libertação de neurotransmissores e da taxa de disparo neuronal (efeito neuroprotetor), tendo
efeitos cronotrópico e inotrópico negativos e leva a redução do fluxo sanguíneo renal e da taxa de
filtração glomerular.

O recetoros A2A é, largamente, expresso no estriado, baço, timo, leucócitos e plaquetas


e, em menor extensão, no coração, pulmão e vasos sanguíneos. No cérebro, regula a atividade
motora (bloqueia recetores D2 do estriado), comportamentos psiquiátricos, ciclos sono-vigília e a
morte neuronal. Nos tecidos periféricos, modula a inflamação, consumo de oxigénio do miocárdio,
fluxo sanguíneo coronário, angiogénese, vasodilatação, entre outros.

O recetoros A2B é largamente expresso, embora em baixa concentração. Tem menor


afinidade para a adenosina, sendo principalmente ativado em situações de hipoxia, isquemia e
inflamação, quando presente em elevadas concentrações de adenosina. Está envolvido na
adaptação à hipóxia, aumento da tolerância à isquemia e atenuação da inflamação e promove a
secreção de IL-8 e consequente ativação de mastócitos.

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 1 de 7
O recetor A3 tem baixa expressão na maioria das células e tecidos, com expressão
aumentada na doença de Crohn, cancro do cólon e artrite reumatoide. Tem efeito antiinflamatório,
anticancerígeno e protetor celular.

Tal como acontece com outros recetores metabotrópicos, acoplados a proteína G,


ocorre a dessensibilização dos recetores após exposição continuada ao agonista: os recetores A1
dessensibilizam-se de forma lenta e incompleta; os recetores A2A e A3 dessensibilizam-se de forma
muito rápida.

2. ATP e recetores P2
O ATP, adenosina trifosfato, é uma molécula de extrema importância no funcionamento do
organismo. Para além da sua função de armazenamento de energia tem uma função de sinalização, estando
envolvido em mecanismos neuronais e não-neuronais. Para além disto, o ATP tem uma importante função
como co transmissor, havendo evidência do seu armazenamento juntamente com acetilcolina e
noradrenalina, em neurónios colinérgicos e adrenérgicos, respetivamente.

O ATP libertado pelos neurónios ou por células não-neuronais, atuando de forma autócrina ou
parácrina, tem vários efeitos:

• Transmissão e modulação sináptica;

• Dor e perceção ao toque;

• Efeitos vasomotores;

• Agregação plaquetária;

• Resposta imune;

• Transporte de água e iões;

• Proliferação, migração, diferenciação e morte celular.

O ATP encontra-se armazenado, a nível neuronal, em maior quantidade nas vesículas


sinápticas, seguido de no citoplasma. Para a sua libertação intervêm fatores como o stress mecânico,
distorção e dilatação (no urotélio), aumento da pressão osmótica, hipoxia, estimulação sináptica, agregação
plaquetária ou invasão por organismos patogénicos.

A sua libertação ocorre nas células neuroniais através de exocitose de vesículas sinápticas,
enquanto nas células não-neuroniais pode ocorrer através de outros mecanismos como ABCs
(transportadores ATP binding cassette), conexinas, hemi-canais de panexina e canais membranares de aniões
dependentes de voltagem.

Após ser libertado, o ATP pode atuar diretamente nos seus recetores ou ser degradado a ADP
e AMP através de enzimas como a ecto-ATPase, a ecto-ADPase e fosfatases. Por sua vez, o AMP pode ser
degradado a adenosina através da ecto-5’-nucleotidase atuando, a adenosina, nos seus recetores.

Existem dois tipos de recetores de ATP: P2X (recetor ionotrópico) e P2Y (recetor
metabotrópico). Em relação aos recetores ionotrópicos (com canais de Ca2+ ou Cl-) P2X, sabe-se que é um
recetor de sinalização rápida (10ms) que tem sete subtipos, de P2X1 a P2X7, e que está geralmente presente

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 2 de 7
em células excitatórias, desempenhando por isso um papel excitatório/despolarizante. Apresenta dois
domínios transmembranares, o TM1 (gating channel) e o TM2 (poro iónico), uma ansa extracelular e um local
para ligação ao ATP.

O recetor P2Y é um recetor metabotrópico (acoplado a uma proteína G) de sinalização lenta


(100ms), com oito subtipos (P2Y1, 2, 4, 6, 11, 12, 13 e 14), e que tem na maior parte dos casos um efeito
inibitório/hiperpolarizante. É constituído por sete domínios transmembranares, com 3 ansas extracelulares
e 3 intracelulares e um local de ligação ao ATP. Cada subtipo está acoplado a uma proteína G específica e, os
mesmos, apresentam distribuições distintas que lhes conferem diferentes ações. (ver Tabela)

3. Ação terapêutica de fármaco que interferem com a transmissão purinérgica:


adenosina,dipiridamol, agonistas/antagonistas dos recetores da adenosina
Adenosina

A adenosina tem uma semivida extremamente curta na casa dos 1,5seg. É


administrada sobre a forma de um bólus IV e é usada no tratamento da taquicardia paroxística
supraventricular, síndrome de Wolff Parkinson White (como antiarrítmico) e também com o
objetivo de hipotensão num contexto cirúrgico.

Stress testing farmacológico das artérias coronárias - administração de um fármaco


que permite testar a resposta hiperémica e vasodilatadora dos vasos coronários. Adenosina pode
ser usada neste contexto permitindo uma vasodilatação com pouco risco de isquemia.

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 3 de 7
Os seus efeitos adversos estão alguns associados a vasodilatação - cefaleias, flushing,
náusea, hipotensão, taquicardia – e, também, outros como broncospasmo, dispneia e assístole são
necessários referir. Devido à curta semivida de adenosina estes sintomas não costumam prolongar-
se.

É possível usar adenosina ou agonistas/antagonistas dos seus recetores em diversas


situações:

1. Hipertensão pulmonar primária do recém-nascido


2. Lesão por isquemia/reperfusão
3. Agente Hipolipidémico
4. Testes de stress nas doenças das artérias coronárias
5. Epilepsia
6. Doença Inflamatória Intestinal
7. Anestesia
8. Sépsis
9. Doença de Parkinson - antagonista
10. Asma brônquica – antagonista
O Regadenoson é um agonista A2A que foi aprovado pela FDA e é usado no ”stressing
test” farmacológico coronário com imagiologia de perfusão cardíaca.
O dipiridamol inibe a captação celular de adenosina e, por conseguinte, a
metabolização desta purina. Para além disso, o dipiridamol inibe enzimas da família das
fosfodiesterases. Assim, este fármaco induz um aumento dos níveis de cAMP e cGMP, exercendo
um efeito vasodilatador.
Este fármaco é coadministrado com a aspirina em situações de prevenção da isquemia
cerebrovascular; coadministrado com a varfarina para profilaxia do tromboembolismo em pacientes
com próteses valvulares e também pode ser usado em stress testing farmacológico das artérias
coronárias.
Antagonistas dos recetores de adenosina
Metilxantinas
Neste grupo inclui-se a cafeína, teofilina e teobromina
Cafeína
Trata-se de uma substância pouco seletiva e com pouca afinidade para os seus
recetores que antagoniza. É metabolizada pelo Citocromo P450 em 3 substâncias (paraxantina,
teofilina e teobromina). Desenvolve-se tolerância muito rapidamente e na sua sinalização, inibe a

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 4 de 7
fosfodiesterase 5 aumentando a sinalização de cAMP e cGMP e interfere com sinalização
GABAérgica (instalação de ansiedade).
Promove um estado de vigília, ansiedade, tem propriedades anti convulsionantes
(contribuição na patologia de epilepsia) e potencia memória e cognição-antagonismo A1-daqui
percebe-se o uso crónico da cafeína como proteção de doenças como Parkinson e Alzheimer.
Também foi demonstrado a qualidade sinérgica da cafeína com opióides no capítulo de analgesia
contribuindo para alívio de cefaleias e enxaquecas.
A cafeína aumenta a secreção gástrica, aumenta a diurese, a lipólise, tem um efeito
inotrópico positivo e estimula o SNC o que leva a efeitos adversos como possibilidade de úlcera
péptica, agitação, ansiedade, insónia. Também de referir, a possibilidade de interações
medicamentosas (relembrar que cafeína é metabolizada no Cit.P450 tal como diversos
medicamentos)
Teofilina
Trata-se de uma metilxantina usada pelas suas propriedades broncodilatadoras e anti-
inflamatórias sendo usado em patologias como a asma e DPOC. Atualmente, é cada vez menos
usada, devido a fármacos com melhor eficácia e menos riscos adversos. Neste momento trata-se da
terceira linha de tratamento de asma e apenas usada pelo seu preço reduzido e em doentes que
não respondam a tratamento a agonistas Beta-2 e corticosteroides. Antagoniza recetores A1 e A2 e
ajuda nos movimentos ciliares contribuindo para clearance. Tal como a cafeína, pode ser usada no
tratamento de apneia do prematuro.
Metabolização Hepática pelo CYP1A2 o que leva a interação com diversos fármacos
como por exemplo, macrólidos e quinolonas.
Os seus efeitos adversos incluem desde náuseas, cefaleias e inquietação em doses mais
baixas a arritmias, convulsões e morte em doses altas.
Aminofilina
Composto que inclui teofilina e etilenediamina. Antagonista seletivo A2A e funciona
como antídoto para os efeitos de dipiridamol e adenosina.

4. Ação terapêutica de fármacos que interferem com a transmissão purinérgica:


agonistas/antagonistas dos recetores P2
Agonistas/antagonistas dos recetores P2
Atualmente, embora diversos agonistas se encontrem em estudo, mais importante a
referir são os agonistas P2Y2:
Diquafosol - usado para xeroftalmia ou “dry eye disease”
Denufosol - usado para fibrose cística
Através de diferentes estudos pensa-se que agonistas dos recetores P2 possam ser
utilizados em situações como: obstipação crónica (agonistas P2Y4), doença de Alzheimer (agonistas

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 5 de 7
P2Y6), aterosclerose (atuando sobre o transporte reverso de colesterol – agonistas P2Y13), proteção
de cardiomiócitos de isquemia (agonistas P2Y2), fibrose cardíaca (agonistas P2Y6) e inflamação
(agonistas P2Y2, P2Y4 e P2Y6).
Os Antagonistas P2 estão, normalmente, associados à ideia de anti plaquetários
(antagonistas P2Y12), existem novos estudos que comprovam a utilidade destes fármacos em
diversas situações como dor neuropática (agonistas P2Y12), asma e doença inflamatória intestinal
(agonistas P2Y2, P2Y6 e P2Y11)

Antagonistas P2Y12

Tienopiridinas

Os ticlopidina, clopidogrel e prasugrel foram os primeiros inibidores do recetor P2Y12.


Usados clinicamente como anti plaquetários, mas com utilidade terapêutica em outras situações,
como irá ser referido, posteriormente. Estas tienopiridinas têm em comum serem pro-fármacos
(metabolizados pelo Cit.P450), poderem ser administrados oralmente e serem irreversíveis.
• Ticlopidina. Elevada absorção e biodisponibilidade e um longo tempo de ação o que leva a
que após ser terminado o tratamento, os seus efeitos perduram alguns dias. Os seus efeitos
laterais mais importantes são neutropenia, agranulocitose e trombocitopenia e assim obriga
a realização de hemogramas frequentes. Na prática, tem vindo a ser substituída pelo
clopidogrel e é principalmente usado em doentes que não respondem a aspirina e em
situações de prevenção de episódios cerebrovasculares.

• Clopidogrel- um fármaco com maior potência e menor toxicidade. Metabolizado pelo


CYP2C19 (existência de polimorfismos, levam a variabilidade na metabolização, que significa
resistência a este fármaco em cerca de 1/3 das pessoas). De referir, também, as interações
farmacológicas de fármacos que induzem ou inibem CYP2C19. Este fármaco é usado para
prevenir AVC ou enfartes do miocárdio e em casos de angioplastia coronária; é administrado
sinergicamente com aspirina.

• Prasugrel- fármaco mais eficaz, devido ao facto de todo o prasugrel absorvido sofrer
ativação metabólica. Completamente absorvido no trato GI. Como a ticlopidina, após
termino de tratamento, os seus efeitos perduram alguns dias, mas seus efeitos instalam-se
mais rapidamente no caso do prasugrel. Está associado a menor mortalidade cardiovascular.
No entanto, associado a um maior risco de hemorragias, sendo contraindicado em doentes
com AVC ou AIT.

Tienopiridinas

O cangrelor, ticagrelor e elinogrel vão diferir das tienopiridinas por não serem
metabolizados pelo Cit.P450 e serem reversíveis. Destes, o único sem indicação para administração
oral é o cangrelor (IV).

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 6 de 7
• Cangrelor- análogo de adenosina usado em situações agudas devido à sua semivida de 5
minutos. Usado em por exemplo intervenções coronárias percutâneas.

• Ticagrelor- usado em casos de resistência a clopidogrel sendo mais eficaz que este último.
Efeitos de instalação e termino mais rápidos que clopidogrel. Rápido início de ação e t1\2
de 12h- 2x ao dia. Comprovada redução na mortalidade cardiovascular e de referir a
inibição do ENT1 - inibe uptake de adenosina e aumenta níveis de adenosina extracelular-
recuperação de perfusão coronária em caso por exemplo de enfarte do miocárdio pelo
efeito vasodilatador. Efeitos adverso como dispneia, cefaleias, hematúria.

• Elinogrel- pode ser administrado por via intravenosa ou oral e é utilizado num contexto
agudo, crónico e pré-cirúrgico.
Os recetores P2Y12 encontram-se em diversos locais como células endoteliais,
músculo liso vascular, neurónios, células dendríticas e leucócitos e assim podem interferir em
diferentes patologias. Estudo mostraram a utilidade de fármacos antagonistas P2Y12 em
circunstâncias como tratamento de inflamação (ao diminuir a resposta inflamatória, os antagonistas
parecem diminuir a mortalidade e morbilidade), função vascular (a vasoconstrição despoletada pela
ativação do recetor P2Y12 é inibida pelo ticagrelor e não pelas tienopiridinas), aterosclerose e
cardioproteção (antagonismo P2Y12 parece ter benefícios na diminuição do tamanho do enfarte).

António Mendes e Gonçalo Pereira


Página 7 de 7

Você também pode gostar