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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 3

1. TERMOS E MÉTODOS COMUNS NA ÁREA DA FISIOLOGIA


DO EXERCÍCIO 5

2. REGULAÇÃO INTERNA DURANTE O EXERCÍCIO FÍSICO 12

3. BIOENERGÉTICA 16

4. METABOLISMO NO EXERCÍCIO 29

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 35

02
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
Ementa da disciplina

A disciplina aborda aspectos gerais acerca da ciência da fisiologia do


exercício e do esporte, bem como apresenta tópicos como: regulação interna
durante o exercício, bioenergética e metabolismo durante o exercício. As
informações apresentadas são baseadas em evidências científicas bem
consolidadas.

Objetivo da disciplina

Discutir aspectos relacionados à ciência da fisiologia do exercício e do


esporte.

Objetivos específicos

 Apresentar termos e métodos comuns na ciência da fisiologia do


exercício e do esporte.
 Fornecer informações sucintas acerca da regulação do ambiente interno
durante o exercício.
 Apresentar, de forma detalhada, informações acerca da bioenergética no
exercício.
 Discutir o metabolismo durante o exercício.

Habilidades e competências a serem alcançadas

 Compreender informações fundamentais acerca da ciência da fisiologia


do exercício e do esporte.
 Ser capaz de aplicar os conteúdos estudados na prática clínica.

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

1. TERMOS E MÉTODOS COMUNS NA ÁREA DA


FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Introdução parâmetro é encontrado. Assim, o


objetivo desta seção é apresentar
Para nos aprofundar na ciência conceitos e métodos básicos
da fisiologia do exercício, é vital aplicados na ciência da fisiologia do
compreender termos e conceitos exercício.
vastamente utilizados nessa área,
como trabalho, potência e gasto
energético. Não obstante, é vital que Unidades do sistema
se conheça os testes e equipamentos internacional
utilizados nesse campo,
fundamentando as atividades No intuito de padronizar
realizadas na prática clínica. Por internacionalmente as unidades de
exemplo, para que um nutricionista mensuração, foram instituídas as
prescreva uma dieta a um atleta, ele unidades do sistema internacional
precisa antes conhecer o seu gasto (SI), as quais são aceitas por quase
energético. Logo, esse profissional todos os periódicos de medicina do
precisa entender como esse esporte para uso na publicação de
resultados de estudos científicos.

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Assim, a comparação entre estudos kg enquanto percorre uma distância


é facilitada, tendo em vista que todos de 2 metros. Nesse caso, o trabalho
utilizam as mesmas unidades de é calculado da seguinte forma:
medidas. O Quadro 1 apresenta as
unidades do SI de acordo com o Kg tem que ser convertido em N
parâmetro em questão. (vide força em Quadro 1), sendo
que 1 kg é igual a 9,81 N, logo 10 kg
(exemplo acima) correspondem a
Unidades para 98,1 N.
quantificação
Unidades do SI
do exercício O trabalho, então, se dá pela
humano multiplicação da força (98,1 N) pela
Massa Quilograma (kg) distância (2 m), correspondendo a
196,2 newton-metros (N m) ou
Distância Metro (m)
196,2 joules (j).
Tempo Segundo (s)
Em suma, o trabalho é
Força Newton (N) calculado por meio da multiplicação
Trabalho Joule (J) da força pela distância, sendo o
newton (N) a unidade de medida da
Energia Joule (J)
força e o metro (m) a unidade de
Potência Watt (W) medida da distância.
Metros por
Velocidade Salienta-se que outras unidades
segundo (m s-1)
Newton-metro de medidas também são utilizadas
Torque para quantificar o desempenho no
(N m)
Quadro 1. Unidades do SI para a exercício e estimar o gasto
mensuração do desempenho energético. O Quadro 2 apresenta
humano no exercício. alguns termos utilizados para
Adaptado de Powers & Howley, 2014. expressar o trabalho e a energia.
Ressalta-se, ainda, que, embora o
conteúdo energético de alimentos
Os termos trabalho e potência
normalmente seja apresentado em
O termo trabalho se define quilocalorias, a unidade do SI para o
como o produto da força pela gasto de energia é o joule (J), sendo
distância em que a força atua. Esse que 1 quilocaloria corresponde a
termo se torna mais claro quando é 4.186 joules (J) ou 4,186 quilojoules
exemplificado. Imagine um (kJ).
indivíduo que ergue um peso de 10

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Tabela de Ergometria
Termo Abreviação
conversão
Quilogram 1 kgm = 9,81 Esse termo designa à
kgm
a-metro joules (J) mensuração do débito de trabalho,
Kilopond- 1 kpm = 1 sendo que ergômetro é o aparelho
kpm
metro kgm usado para mensurar um tipo
1 kcal = 4.186 específico de trabalho. Atualmente,
Quilocalori J ou 4,186 kj existem inúmeros tipos de
kcal
a 1 kcal + 426,8
ergômetros, como o step, que foi um
kgm
dos primeiros ergômetros
1J=1
newton-
utilizados, e consiste na subida e
metro (N m) descida de um banco (step) a uma
Joule J 1 J = 2,39 x 10- velocidade especificada. Além desse,
4
kcal existe o cicloergômetro (bicicleta
1 J = 0,102 com freios de atrito, que incorpora
kgm uma correia enrolada em torno da
Quadro 2. Unidades usadas para roda, sendo que a correia pode ser
expressar a quantidade de apertada ou afrouxada para
trabalho ou de energia. modificar a resistência), a esteira
Adaptado de Powers & Howley, 2014.
com motor elétrico (normalmente o
Quanto à potência, esse termo teste é aplicado com a esteira
designa o quanto de trabalho é inclinada, seja no sentido de subida
realizado por unidade de tempo, ou de ladeira) e o braço ergômetro
sendo que a unidade do SI para com pedal, o qual pode ser utilizado
potência é o watt (W), o qual, por sua por indivíduos com deficiência
vez, é definido como 1 joule por física.
segundo. Logo, a equação para o
cálculo da potência é: potência =
trabalho ÷ tempo, e esse parâmetro Mensuração do gasto
descreve a velocidade na qual um energético
trabalho é realizado. A grande O gasto energético humano
diferença entre um atleta e um
pode ser mensurado por meio da
praticante de atividade física,
calorimetria direta ou da
mesmo que bem treinado, consiste
calorimetria indireta. A calorimetria
na potência, visto que atletas
direta consiste na mensuração da
executam um mesmo trabalho que
produção orgânica de calor, a qual
um praticante de atividade física de
ocorre quando o corpo produz e
forma muito mais veloz.

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

libera calor para realizar um tipo de nutriente foi metabolizado. A


trabalho, devido à respiração celular energia liberada quando a gordura é
(bioenergética). Salienta-se que a o único nutriente metabolizado é
taxa de produção de calor é igual a 4,7 kcal L-1 de O2 consumido
proporcional à taxa metabólica. A e quando apenas o carboidrato é
unidade do SI utilizada para metabolizado a energia é igual a 5,05
mensurar a energia do calor é o J, kcal L-1 de O2 consumido.
embora a caloria também seja usada Normalmente, por questões
com esse fim. práticas, o gasto calórico do
exercício é frequentemente
A técnica da calorimetria direta estimado como cerca de 5 kcal L-1 de
consiste na colocação do indivíduo O2 consumido (valor arredondado).
em um calorímetro, que é uma Assim, um indivíduo que se exercita
câmara apertada e isolada do meio com um consumo de oxigênio de 2,0
ambiente (normalmente por um L por minuto gasta cerca de 10 kcal
revestimento de água ao redor da por minuto.
câmara), permitindo a troca de O2 e
CO2 a partir da câmara. O calor O consumo de oxigênio (VO2)
liberado pelo corpo do indivíduo em normalmente é calculado em litros
movimento aumenta a temperatura de oxigênio por minuto (L min),
da água que circula a câmara, porém, também pode ser expresso
permitindo a estimativa da em quilocalorias por minuto (5
produção de calor. Destaca-se que, kcal/L de O2 por minuto).
em vista do custo elevado para se Multiplicando-se as quilocalorias
obter uma câmara para a gastas por minuto pela duração da
calorimetria direta, normalmente atividade, também em minutos, tem
são realizados os métodos de se o gasto energético total do
calorimetria indireta na prática exercício em questão. Não obstante,
clínica. a captação de oxigênio também pode
ser apresentada em mL por kg de
A calorimetria indireta não peso corporal por minuto,
mensura a produção de calor, mas permitindo a comparação entre
mensura o consumo de O2, o qual indivíduos de diversos tamanhos
também é proporcional à taxa corporais.
metabólica. No entanto, para que a
quantidade de O2 consumido seja
convertido em equivalentes de calor,
é indispensável que se saiba qual o

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Equivalente metabólico (MET) Vale salientar que diversos


fatores influenciam o gasto
O MET, que representa o energético durante uma atividade,
metabolismo em repouso, é igual a por exemplo, um tenista que joga
3,5 mL de O2 por kg de peso corporal individualmente terá um gasto
por minuto (valor de 1 MET). O energético superior a um tenista que
gasto energético em atividades joga em dupla.
avaliado em METs significa o
número de vezes pelo qual o
metabolismo de repouso foi Eficiência do exercício
multiplicado durante uma atividade.
Exemplificando, se um indivíduo Eficiência é a capacidade de
corre a três METs, entende-se que o converter o gasto energético em
seu gasto de energia é três vezes trabalho, sendo apresentada como a
superior ao que ocorre em repouso. razão entre o trabalho realizado e a
O valor de METs de acordo com o energia aplicada para efetuar esse
tipo de exercício é apresentado no trabalho. Considera-se como um
Quadro 3. indivíduo eficiente aquele que usa
menos energia para executar a
Exercício físico METs mesma quantidade de trabalho.
Basquete 6,0 Ressalta-se que a máquina humana
Futsal 7,0 não é 100% eficiente, visto que perde
Handebol 8,0 energia na forma de calor.
Vôlei 4,0
Natação 7,0 Diversos são os fatores que
Polo 10,0 influenciam a eficiência do
Hidroginástica 4,0 exercício, como a taxa de trabalho, a
Ginástica 4,0 velocidade do movimento e a
Ballet e Jazz 4,8 composição das fibras musculares
Tênis 7,0
engajadas para executar o
Ciclismo 8,0
movimento.
Remo 7,0
Esquiar 7,0 A eficiência diminui conforme
Musculação 3,0 há aumento da taxa de trabalho.
Yoga 2,5
Quanto à velocidade, quando os
Alongamento 2,5
movimentos são lentos, o gasto
Quadro 3. Valor em METs energético pode ser aumentado,
dependendo do exercício físico.
Adaptado de Ainsworth et al., 2000. tendo em vista que os músculos
envolvidos no exercício precisam

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

parar e recomeçar repetidamente, educadores físicos e nutricionistas,


comprometendo a eficiência. Não os assessorem com excelência.
obstante, a eficiência diminui
quando a velocidade do movimento
é excessivamente rápida.

No que tange à composição das


fibras musculares, evidências
indicam que indivíduos com alto
percentual de fibras musculares
lentas (fibras do tipo I, vermelhas)
apresentam maior eficiência no
exercício em comparação com
indivíduos que apresentam elevado
percentual de fibras rápidas (fibras
do tipo II, brancas). Isso ocorre
porque as fibras lentas exigem
menor quantidade de ATP por
unidade de trabalho realizado.

Considerações finais

Para indivíduos sedentários ou


com um baixo a moderado nível de
atividade física, equívocos na
estimativa do gasto energético
podem não ter um impacto
importante. No entanto, para
atletas, erros drásticos na estimativa
desse parâmetro, sejam para menos
ou para mais, podem ser
devastadores. Assim, o
conhecimento das informações
apresentadas nessa seção é essencial
para que os profissionais que
trabalham com praticantes de
atividade física e atletas, como

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

2. REGULAÇÃO INTERNA DURANTE O EXERCÍCIO


FÍSICO

Introdução sendo empregado, normalmente,


quando o indivíduo está em
O exercício físico, apesar de repouso. Por outro lado, o termo
apresentar diversos efeitos estado estável é empregado para se
benéficos à saúde, é um estresse ao referir a um nível estável e imutável
organismo, o qual tem que se de alguma variável fisiológica, por
adaptar para manter o ambiente exemplo, a frequência cardíaca.
interno sob controle mesmo durante
o esforço físico. Nesta seção, a Exemplificando: um indivíduo
regulação interna durante o que está correndo aumenta a sua
exercício físico será abordada de temperatura corporal e a mantém
forma sumarizada. estável cerca de 40 minutos após o
início do exercício. A esse fenômeno
damos o nome de estado estável.
Homeostase e estado estável Não podemos nos referir a esse fato
como homeostase, pois a
Homeostase significa a
temperatura corporal durante o
manutenção de um ambiente
exercício está muito acima do que
interno relativamente constante,

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

estaria no repouso (homeostase), Assim, a contração uterina estimula


mas, por estar controlada, a liberação de ocitocina que, por sua
chamamos de estado estável. vez, favorece com que as contrações
se tornem ainda mais fortes até que
o bebê nasça.
Feedbacks negativo e positivo

A maior parte dos sistemas Exemplos de regulação


corporais apresenta recursos para
durante o exercício físico
atingir e manter a homeostase ou o
estado estável do organismo, sendo Regulação da temperatura
dois desses recursos os feedbacks corpórea: Esse sistema é controlado
negativo e positivo. por meio de feedback negativo. Os
receptores térmicos do organismo
O feedback negativo é mais
reconhecem o aumento da
comum e o seu objetivo é restaurar
temperatura corporal (comum
os valores de determinada variável.
durante o exercício físico) e
Por exemplo: o aumento da
sinalizam o centro de controle da
concentração de CO2 no sangue
temperatura, o qual está localizado
(acima dos valores basais) estimula
no encéfalo. Como resposta, o centro
a intensificação da respiração de
de controle atua favorecendo a
modo a eliminar o acúmulo de CO2,
perda de calor de forma a estimular
restabelecendo a homeostase. Esse
a vasodilatação cutânea e a
tipo de feedback é denominado de
sudorese. Logo que a temperatura se
negativo, pois a resposta do sistema
normaliza, esse centro de controle é
de controle é oposta ao estímulo
inativado. Quando a temperatura
inicial (no exemplo, o estímulo
corporal está abaixo do adequado,
inicial captado pelos receptores e
esse sistema também é ativado, mas,
enviado ao centro de controle foi o
dessa vez, atua de modo a impedir a
aumento do CO2 no sangue).
perda de calor.
De forma oposta, o feedback
Regulação da glicemia: O
positivo, que é muito mais incomum
sistema endócrino também tem
de ocorrer no organismo, intensifica
como função controlar a
o estímulo inicial, isto é, a resposta
homeostase. Dentre os parâmetros
ocorre na mesma direção do
que esse sistema controla, destaca-
estímulo. Um exemplo desse
se a glicemia. O aumento da glicemia
fenômeno é a intensificação das
estimula a síntese e a liberação da
contrações uterinas durante o parto.
insulina hormônio responsável por

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

permitir a captação da glicose pelas em fadiga, talvez até em exaustão


células. De forma oposta, a redução (interrupção do exercício pela
da glicemia estimula a síntese e a impossibilidade de dar continuidade
liberação de glucagon hormônio que a ele), para que o aumento
promove a glicogenólise hepática e a descompensado da temperatura não
liberação de glicose para a corrente provocasse agravos ao organismo.
sanguínea (dentre outras funções). Assim, a fadiga deve ser
compreendida como um processo
fisiológico, algo que pode até ser
Fadiga retardado, mas jamais impedido
completamente.
A fadiga é caracterizada por
redução da força, da potência e da
velocidade de contração muscular Considerações finais
durante o exercício. Em suma, esse
fenômeno se refere à diminuição do É importante enfatizar que a
desempenho físico durante o prática de exercício físico promove
exercício. É importante adaptação de diversos sistemas
compreender que a fadiga ocorrerá biológicos, visto que, frente a
em qualquer indivíduo que iniciar exposição prolongada de um desafio
um exercício e der continuidade a (como o exercício), a resposta
ele – em algum momento, haverá celular se torna mais eficiente a esse
redução da performance – seja esse estresse.
indivíduo um atleta ou um
praticante de atividade física.

O fenômeno da fadiga é
considerado como um mecanismo
de defesa do organismo, indicando
que o corpo não é mais capaz de
manter as variáveis orgânicas
controladas, o que pode gerar
agravos ao organismo. Por exemplo:
imagine que a temperatura corporal
de um indivíduo em atividade
começa a atingir valores alarmantes,
de forma que o organismo não
consegue alcançar o estado estável.
Nessa situação, o indivíduo entraria

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

3. BIOENERGÉTICA

Introdução possuem vias bioquímicas capazes


de converter os alimentos
A cada minuto do dia, milhares (macronutrientes carboidratos,
de reações bioquímicas ocorrem em proteínas e lipídios) em uma forma
nosso organismo, sendo que, de energia biologicamente utilizável
coletivamente, estas reações são processo denominado de
denominadas de metabolismo. Em bioenergética.
suma, o termo metabolismo engloba
todas as reações celulares, incluindo Durante o exercício físico, a
as que resultam na síntese de demanda celular por nutrientes é
moléculas e são chamadas de elevada, pois há um aumento no
reações anabólicas e as que número de contrações musculares.
resultam na quebra de moléculas e Logo, a necessidade de extrair
são denominadas de reações energia dos alimentos
catabólicas. Para efetuar estas (bioenergética) torna-se ainda
reações bioquímicas, as células maior. Considerando a importância
necessitam de nutrientes, portanto, da bioenergética no contexto da

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

fisiologia do exercício e da nutrição liberada é utilizada para a realização


esportiva, esta seção visa explanar do trabalho, como a contração
detalhadamente esse assunto. muscular (Figura 1).

Adenosina trifosfato (ATP) e


sistemas energéticos
acionados durante o exercício Figura 1. Reação promovida pela
físico enzima ATPase.

Para a execução da contração O ATP acopla a energia


muscular, a energia é fornecida por proveniente dos alimentos em uma
meio da quebra das ligações fosfato forma de energia biologicamente
da molécula de trifosfato de utilizável para todas as células. As
adenosina (ATP). Este é um células musculares armazenam
composto de alta energia, utilizado pequenas quantidades de ATP, cerca
como fonte de energia imediata para de 8 mmol/L por kg de músculo
a contração muscular. Embora fresco. Exercícios físicos reduzem
existam outras moléculas apenas 1 a 2 mmol/L desta
transportadoras de energia na concentração, já que os níveis
célula, o ATP é a mais importante, fisiológicos de ATP na célula não
tendo em vista que, na ausência devem ser reduzidos a valores
desta molécula, a maioria das inferiores a 5 mmol/L. Deste modo,
células morre rapidamente. a célula contempla vias metabólicas
capazes de produzir ATP
A estrutura do ATP contempla rapidamente, no intuito de suprir a
três partes principais – uma porção constante demanda muscular
adenina, uma porção ribose e três durante o exercício físico. Para isso,
fosfatos ligados. A combinação de o ATP é formado por meio de uma
difosfato de adenosina (ADP) com combinação de três vias
um fosfato inorgânico (Pi), que gera metabólicas: 1- formação de ATP
o ATP, requer uma ampla pela quebra de creatina fosfato (CP),
quantidade de energia. Desse modo, 2- formação de ATP por meio da
uma grande porção de energia é degradação de glicose ou glicogênio
armazenada na ligação que une ADP (processo denominado de glicólise)
e Pi, sendo esta ligação denominada e 3- formação oxidativa de ATP. As
de “ligação de alta energia”. No primeiras duas vias não envolvem o
momento em que a enzima ATPase uso de oxigênio, sendo, portanto,
quebra esta ligação, a energia

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

anaeróbias, enquanto a última via é síntese de amônia e inosina


aeróbia, pois envolve o uso de monofosfato (Figura 3).
oxigênio.
A elevada atividade da
enzima AMPD tem sido considerada
Sistema ATP-CP como um indicativo da diminuição
da disponibilidade energética
O sistema mais simples e celular, visto que esta enzima
rápido para produzir ATP consiste catalisa a última reação do
na doação de um grupo fosfato e sua metabolismo do ATP. Neste cenário,
energia de ligação da creatina quando a atividade da AMPD está
fosfato (CP) ao ADP, formando ATP. elevada, a quantidade de AMP tende
Essa reação é catalisada pela enzima a ser superior à de ATP,
creatina quinase e ocorre na mesma evidenciando a escassez de energia
velocidade em que o ATP é quebrado na célula.
em ADP e Pi, isto é, tão rapidamente
quanto o ATP é quebrado, esse é
ressintetizado pelo sistema ATP-CP
(Figura 2).

Figura 3. Reações do sistema


Figura 2. Doação de fosfato da ATP-CP. Abreviações: CP:
creatina fosfato ao difosfato de creatina fosfato, ADP: difosfato
adenosina. de adenosina, ATP: trifosfato de
adenosina, Cr: creatina, AMP:
A segunda reação deste monofosfato de adenosina, IMP:
sistema ocorre entre duas moléculas inosina monofosfato, NH4+:
de ADP e consiste na doação de amônia.
Adaptado de Baker et al., 2010.
fosfato de uma molécula a outra, a
fim de ressintetizar o ATP. Esta As células musculares
reação resulta na síntese de armazenam pequenas quantidades
monofosfato de adenosina (AMP). de CP, logo, a quantidade de ATP
Esta molécula sofre ação da enzima que pode ser formada por meio
adenosina monofosfato desaminase desta reação é limitada. Este
(AMPD), sendo o consumo de sistema, que também pode ser
prótons (H+) necessário a essa denominado de sistema do
reação, e tendo como resultado a fosfogênio, fornece energia para a
contração muscular no início do

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

exercício e durante exercícios de alta As primeiras cinco reações


intensidade e curta duração (inferior constituem a fase de investimento
a 5 segundos), como corrida de 50 de energia, em que ocorre a
metros, salto em altura, utilização do ATP armazenado.
levantamento de peso rápido ou Nesse momento, logo no início da
corrida durante uma partida de via, dois ATP são necessários, tendo
futebol (distância de ~ 9 metros). em vista que é preciso adicionar
Esses exercícios requerem poucos grupos fosfato à glicose e à frutose-
segundos para serem concluídos, 6-fosfato. Salienta-se que, quando a
necessitando de um rápido glicólise começa utilizando o
fornecimento de ATP. glicogênio como substrato (e não a
glicose), há necessidade de
O fato da depleção de CP adicionar apenas um ATP. As
limitar o exercício de alta últimas cinco reações constituem a
intensidade e curta duração sugere fase de geração de energia (Figura
que a ingestão de grandes 4).
quantidades de creatina (dentro do
valor recomendado), por meio da
dieta ou de suplementação, pode
melhorar o desempenho nestes tipos
de exercício físico.

Glicólise anaeróbia

A glicólise anaeróbia é realizada


no sarcoplasma da célula muscular,
produzindo, por cada molécula de
glicose, um ganho líquido de 2
moléculas de ATP e duas moléculas
de piruvato ou de lactato. Estas
reações, que ocorrem entre a glicose
e a formação de piruvato, podem ser
categorizadas em duas fases
diferentes – uma fase de
investimento de energia e uma fase
de geração de energia.

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Conforme demonstrado na duas moléculas de 1,3-


Figura 4, a glicólise é composta por bifosfoglicerato de alta energia.
diversas etapas. A primeira etapa Nesse momento, ocorre a remoção
consiste na fosforilação da molécula de dois grupos fosfato energizados
de glicose por meio do ATP, gerando por duas moléculas de ADP, o que
glicose-6-fosfato, que é convertida a produz duas moléculas de ATP
frutose-6-fosfato. Esta é fosforilada (repondo os ATP utilizados na fase
pelo ATP, produzindo frutose-1,6- de investimento) e duas moléculas
bifosfato (com seis carbonos), a qual de 3-fosfoglicerato, as quais são
é dividida em duas moléculas de oxidadas por remoção de água,
gliceraldeído-3-fosfato, cada uma produzindo duas moléculas de
com três carbonos. Até esta etapa, as fosfoenolpiruvato de alta energia.
reações são pertencentes a fase de Novamente, a remoção de 2 grupos
investimento de energia, visto que fosfato energizados por duas
dois ATP foram necessários para moléculas de ADP gera 2 moléculas
fosforilar moléculas. de ATP (lucro). O piruvato é o
produto final da glicólise, sendo que,
As próximas etapas pertencem quando há oxigênio disponível, o
a fase de geração de energia. As piruvato entra na mitocôndria onde
moléculas de gliceraldeído-3-fosfato será utilizado em outras reações
são oxidadas, produzindo NADH e bioenergéticas. Logo, o lucro líquido

20
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

da glicólise é igual a dois ATP com glicólise, pode participar da


uso de glicose como substrato e três produção aeróbia de ATP. Logo,
ATP com uso de glicogênio como além de ser uma via anaeróbia capaz
substrato. de produzir ATP, a glicólise pode ser
considerada como a primeira etapa
Os hidrogênios (com seus da degradação aeróbia de
elétrons) removidos nas vias carboidratos. A produção aeróbia de
bioenergéticas são transportados ATP será discutida a seguir.
por duas principais moléculas
transportadoras – NAD+ e FAD.
Estas moléculas transportam os Ciclo de Krebs
hidrogênios para serem utilizados
O ciclo de Krebs, também
na geração de ATP que ocorre na
denominado de ciclo do ácido
mitocôndria, por meio de processos
cítrico, tem como função principal
aeróbios. Ressalta-se que quando
completar a oxidação (remoção de
estas moléculas aceitam
hidrogênio) de carboidratos, lipídios
hidrogênios, elas são convertidas às
e proteínas, usando as moléculas
suas formas reduzidas – NADH e
transportadoras de hidrogênio
FADH. Para que a forma reduzida
(energia) NAD+ e FAD. Os
retorne a forma oxidada e continue
hidrogênios (em razão de seus
o transporte (permitindo a
elétrons) possuem a energia em
continuidade da glicólise), o
potencial presente nos alimentos,
piruvato pode aceitar hidrogênios,
sendo que essa energia pode ser
formando lactato e oxidando as
utilizada no ciclo de Krebs a fim de
formas que antes estavam reduzidas
ressintetizar o ATP, por meio da
(NADH vira NAD+). A enzima que
união de ADP e Pi. Neste ciclo, não
catalisa a conversão de piruvato a
há a utilização direta do oxigênio,
lactato é a lactato desidrogenase
sendo esse (O2) utilizado somente
(LDH). Por isso, os produtos da
como o último aceptor de
glicólise podem ser duas moléculas
hidrogênio no fim da cadeia
de piruvato ou duas moléculas de
transportadora de elétrons (também
lactato.
chamada de cadeia respiratória).
Finalmente, a glicólise pode ser
A produção aeróbia de ATP é
considerada uma via anaeróbia, pois
denominada de fosforilação
não há envolvimento direto de
oxidativa, sendo este um processo
oxigênio. No entanto, quando na
que contempla três estágios: 1-
presença de oxigênio na
geração de acetil-CoA, uma
mitocôndria, o piruvato, gerado pela

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

molécula central com dois carbonos, oxidativa, ou seja, de formação do


2- oxidação da acetil-CoA no ciclo de ATP, na cadeia transportadora de
Krebs e 3- processo de fosforilação elétrons (Figura 5).

Tal como a glicólise, o ciclo de moléculas de CO2, momento em que


Krebs também contempla diversas a via recomeça.
etapas. Primeiramente, é requerida
a entrada de duas moléculas de Considerando que cada
acetil-CoA (formada a partir da molécula de glicose que entra na
quebra de macronutrientes – glicólise gera duas moléculas de
carboidratos, lipídios e proteínas) piruvato, que, por sua vez, gera duas
no ciclo de Krebs. O piruvato, moléculas de acetil-CoA, cada
contendo três carbonos, é quebrado molécula de glicose promove duas
para formar acetil-CoA, com dois rodadas no ciclo de Krebs – cuja
carbonos, sendo o carbono principal função é remover
remanescente liberado na forma de hidrogênios e a energia associada a
CO2. Posteriormente, a acetil-CoA se eles. A cada rodada do ciclo de
combina com o oxaloacetato (quatro Krebs, três moléculas de NADH e
carbonos), formando citrato (seis uma molécula de FADH são
carbonos). Em seguida, inicia-se formadas, sendo que, para cada par
uma série de reações bioquímicas de elétrons que passa pela cadeia
para regenerar o oxaloacetato e duas transportadora de elétrons (do

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FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

NADH ao oxigênio), há energia Como este processo ocorre na


suficiente para a formação de 2,5 mitocôndria, as enzimas envolvidas
ATP, enquanto para cada molécula nas reações do ciclo de Krebs estão
de FADH, é disponibilizada energia localizadas dentro das mitocôndrias.
para formação de 1,5 ATP. Logo,
referente à produção de ATP, o
NADH é mais rico em energia do que Cadeia transportadora de
o FADH. elétrons

O ciclo de Krebs promove, Na cadeia transportadora de


também, a formação de trifosfato de elétrons, também denominada de
guanosina (GTP) – um composto de “cadeia respiratória” ou “cadeia de
alta energia, que transfere fosfato ao citocromo”, a energia disponível nas
ADP a fim de ressintetizar ATP. Este moléculas de NADH e FADH é
processo contribui apenas com uma usada para refosforilar o ADP em
pequena quantidade da energia ATP. Os elétrons provenientes dos
convertida no ciclo de Krebs, já que átomos de hidrogênio, presentes nas
a maior parte do rendimento de moléculas de NADH e FADH,
energia neste ciclo é captada pela passam por diversos
cadeia transportadora de elétrons. transportadores de elétrons, os
quais são denominados de
Os carboidratos fornecem citocromos. No momento da
piruvato para iniciar o ciclo de passagem dos elétrons pela cadeia
Krebs, enquanto os ácidos graxos respiratória, ocorre a liberação de
podem passar por uma série de energia suficiente para formar ATP
reações, processo denominado de em três sítios (Figura 6).
betaoxidação, para formar acetil-
CoA. Quanto as proteínas, alguns
aminoácidos podem ser convertidos
em glicose ou piruvato, outros em
acetil-CoA, e outros, ainda, em
intermediários do ciclo de Krebs.

Em suma, o ciclo de Krebs é


responsável por completar a
oxidação de carboidratos, lipídios e
proteínas, bem como por produzir
CO2 e elétrons a serem destinados a
cadeia transportadora de elétrons.

23
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Figura 6. Cadeia transportadora de elétrons.


Adaptado de Powers e Howley (2014).

Os hidrogênios (e seus elétrons) disponível, a fosforilação oxidativa é


chegam na mitocôndria por impossibilitada, sendo que, nestes
intermédio das moléculas casos, a formação de ATP celular
transportadoras de hidrogênio, deve ocorrer por vias anaeróbias.
como NADH e FADH. Pares de
elétrons provenientes de NADH e O mecanismo que explica a
FADH passam, sucessivamente, por formação de ATP pela cadeia
diversos compostos que sofrem transportadora de elétrons é
reações de oxidação-redução, com denominado de “hipótese
consequente liberação de energia quimiostática”, que indica que,
suficiente para produzir ATP em três conforme os elétrons são
sítios distintos situados ao longo da transportados ao longo dos
via. Salienta-se que cada molécula citocromos, a energia liberada
de NADH fornece energia para bombeia os hidrogênios (liberados
sintetizar 2,5 ATP, enquanto cada por NADH e FADH) de dentro para
molécula de FADH possui energia fora da mitocôndria através da
para formar 1,5 ATP. No final da membrana mitocondrial interna,
cadeia respiratória, o oxigênio aceita resultando no acúmulo de íons
os elétrons que passam adiante e se hidrogênio entre as membranas
associa ao hidrogênio, formando interna e externa da mitocôndria.
água (H2O). Na ausência de oxigênio Este acúmulo de hidrogênio é uma

24
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

fonte de energia em potencial, sendo uma série de reações de oxidação-


utilizada para recombinar ADP e Pi, redução. Logo, o oxigênio mantém o
ressintetizando o ATP. último citocromo em estado oxidado
(e não reduzido), permitindo que
Três bombas movem os íons este aceite mais elétrons, dando
hidrogênio da matriz mitocondrial continuidade a fosforilação
para o espaço intermembrana, oxidativa. Na etapa final da cadeia, o
sendo que a primeira (usando oxigênio também é utilizado para
NADH) move quatro íons aceitar dois elétrons (provenientes
hidrogênio para dentro do espaço de NADH e FADH) processo que
intermembrana a cada dois elétrons torna o oxigênio reduzido e se ligar a
movidos ao longo da cadeia dois íons hidrogênio, formando
respiratória. Tal como a primeira, a água (H2O).
segunda bomba transporta quatro
íons hidrogênio para dentro do
espaço intermembrana, enquanto a Cálculo do ATP aeróbio
terceira bomba move apenas dois
íons hidrogênio para o espaço Na glicólise, são gerados 2 ou 3
intermembrana. Ao final deste ATP (a partir da glicose 2 ATP e a
processo, há mais íons hidrogênio partir do glicogênio 3 ATP), bem
no espaço intermembrana do que na como dois NADH (são gerados 2,5
matriz, o que cria um impulso que ATP por molécula de NADH). Na
resulta na difusão de hidrogênio de conversão de piruvato a acetil-CoA,
volta para a matriz por meio de são produzidos 2 NADH. No ciclo de
canais de hidrogênio especializados, Krebs, são produzidos dois GTP
denominados de unidades (equivalente do ATP), bem como
respiratórias. Conforme os íons seis NADH e dois FADH (são
hidrogênio passam por estes canais, gerados 1,5 ATP por molécula de
eles ativam a enzima ATPase e, por FADH). Desse modo, o rendimento
consequência, ocorre a formação de total da degradação aeróbia da
ATP por meio da fosforilação do glicose é de 32 ATP, enquanto o
ADP. rendimento a partir da quebra de
glicogênio é de 33 ATP (Quadro 4).
O oxigênio é importante nos
processos ocorridos na cadeia Quadro 4. Cálculo da
transportadora de elétrons, pois os produção de ATP aeróbio a partir da
elementos da cadeia passam por quebra de uma molécula de glicose.

25
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

ATP a partir
Processo Produtos de Subtotal de
fosforilação
metabólico alta energia ATP
oxidativa
2 (total, se
Glicólise 2 ATP -
anaeróbio)
2 NADH 5 7 (se aeróbio)
Piruvato em
2 NADH 5 12
acetil-CoA
Ciclo de Krebs 2 GTP - 14
6 NADH 15 29
2 FADH 3 32
Total: 32 ATP
Fonte: Powers e Howley (2014).

Produção anaeróbia e aeróbia reservas de creatina fosfato são


de ATP durante o exercício limitadas. De forma diferente, em
físico uma maratona (corrida de 42 km), a
predominância é de vias aeróbias
Embora se discuta muito sobre (ciclo de Krebs e cadeia
“exercício anaeróbio” e “exercício transportadora de elétrons). Em
aeróbio”, a energia necessária para a resumo, quanto menor for a duração
realização da maior parte dos de uma atividade, maior será a
exercícios é proveniente de uma contribuição dos sistemas
combinação de vias anaeróbias e anaeróbios na produção de energia.
aeróbias. A contribuição anaeróbia De modo contrário, quanto maior a
de ATP é maior em exercícios de alta duração, maior a contribuição das
intensidade e curta duração, vias aeróbias para a síntese de ATP
enquanto o metabolismo aeróbio (Figura 7).
predomina em exercícios mais
prolongados. Por exemplo: em uma
corrida de 100 metros, 90% da
energia é proveniente do sistema
ATP-CP. Similarmente, em uma
corrida de 400 metros, a energia
também seria fornecida por vias
anaeróbias (70-75%), porém, com
predominância de glicólise, já que as

26
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Figura 7. Predominância de sistemas energéticos anaeróbios e


aeróbios de acordo com o tipo de exercício físico. Adaptado de Powers
e Howley (2014).

27
28
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

4. METABOLISMO NO EXERCÍCIO

Introdução Necessidades energéticas no


repouso e durante o exercício
Como mencionado nas seções
físico
anteriores, o exercício físico
representa um grande desafio ao No repouso, a energia requerida
organismo humano, sendo que, para manter as funções corpóreas é
durante o exercício, o gasto advinda, quase que 100%, do
energético pode aumentar em mais metabolismo aeróbio. Como
de 25 vezes o gasto no repouso. resultado disso, é possível observar
Logo, a produção de ATP alcança que os valores sanguíneos de lactato
níveis exorbitantes. Nesta seção, o no repouso são baixos e estáveis.
metabolismo no exercício será
discutido em detalhes. Quando há o início repentino
do exercício físico, a princípio, a
energia passa a ser fornecida por
vias anaeróbias, tendo em vista que
o consumo de oxigênio aumenta e
alcança um estado estável apenas
após 1 a 4 minutos do início do

29
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

exercício. Como visto na seção oxigênio nos primeiros minutos de


anterior, nos primeiros segundos de exercício e após o estado estável ser
exercício, o sistema energético atingido. Interessantemente, os
predominante é o ATP-CP, sendo indivíduos treinados atingem o
que a concentração de fosfocreatina estado estável de consumo de
diminui drasticamente durante uma oxigênio mais rapidamente quando
série de exercícios de três minutos. em comparação com indivíduos não
O sistema ATP-CP é seguido da treinados ou pouco treinados e,
glicólise anaeróbia. Esses sistemas portanto, os primeiros (treinados)
são tão eficientes que, mesmo que a têm um déficit de oxigênio menor.
demanda por ATP seja muito maior
com o início do exercício, as Com a finalização do exercício,
concentrações musculares dessa o consumo de oxigênio ainda
molécula pouco se alteram. permanece elevado por vários
minutos (de 5 a 14 minutos), sendo
A partir do momento em que o que quanto mais intenso tiver sido o
consumo de oxigênio atinge um exercício, mais demorado será o
estado estável, o fornecimento de retorno do consumo de oxigênio
energia passa a ser para os valores pré-exercício. A esse
predominantemente por meio do fenômeno (consumo de oxigênio
metabolismo aeróbio. Ressalta-se a aumentado mesmo após o exercício)
palavra “predominantemente”, dá-se o nome de consumo excessivo
evidenciando que todos os sistemas de oxigênio pós-exercício (EPOC). O
energéticos contribuem para a EPOC é necessário para ressintetizar
geração de energia, mas há uma o ATP e a fosfocreatina, repor as
sobreposição dependendo das reservas teciduais de oxigênio, bem
características e do estágio do como para a conversão oxidativa de
exercício. lactato em glicose no fígado (ciclo de
Cori). Não obstante, a frequência
cardíaca, a respiração e a
Déficit de oxigênio e consumo temperatura se mantêm elevadas
excessivo de oxigênio pós- por muitos minutos após o exercício,
exercício (EPOC) o que requer um maior consumo de
oxigênio do que no repouso. Todos
O termo déficit de oxigênio se
esses fatores listados se aumentam
refere ao atraso do consumo de
mais no exercício de maior
oxigênio que ocorre no início do
intensidade quando em comparação
exercício, sendo definido pela
com o exercício de menor
diferença entre o consumo de

30
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

intensidade, explicando o porquê o um teste com exercício incremental,


EPOC é maior após o primeiro onde, conforme aumenta-se a
(exercício de alta intensidade) do intensidade do exercício,
que no segundo (baixa intensidade). aumentam-se também as
concentrações sanguíneas de
lactato. Em indivíduos pouco
Remoção do lactato após o treinados, esse fenômeno ocorre a
exercício 50 – 60% do VO2máx, enquanto em
indivíduos treinados o limiar de
Após o exercício, o lactato que
lactato se desenvolve em
foi acumulado é removido, sendo,
intensidades maiores: cerca de 65 –
principalmente, convertido a
80% do VO2máx. Ressalta-se que o
piruvato e usado como substrato
acúmulo de lactato pode ocorrer
energético no coração e no músculo
tanto em virtude do aumento da
esquelético (aproximadamente 70%
produção de lactato quanto em
do lactato produzido têm esse fim).
razão da diminuição da remoção de
Estima-se que 20% do lactato sejam
lactato.
convertidos em glicose e que 10%
sejam convertidos em aminoácidos.
Combustíveis para o exercício
Interessantemente, evidências
indicam que a remoção de lactato físico
ocorre mais rapidamente durante o No exercício físico, os
exercício leve e continuo (descanso carboidratos e os lipídios são os
ativo), cerca de 30 40% do VO2máx, primeiros nutrientes a serem
do que no repouso. utilizados como fonte de energia,
enquanto as proteínas contribuem
VO2máx e limiar de lactato apenas com uma pequena parcela da
energia utilizada (cerca de 2% do
Dá-se o nome de consumo substrato usado durante o exercício
máximo de oxigênio ou VO2máx a com duração máxima de 1 hora e 5 -
capacidade máxima de transporte e 10% do substrato utilizado em
utilização de oxigênio, exercícios prolongados com 3 – 5
representando um “teto fisiológico” horas de duração). Os estoques de
da capacidade de distribuir oxigênio carboidrato, denominados de
aos músculos em movimento. glicogênio, são armazenadas no
organismo principalmente no
No que se refere ao limiar de músculo esquelético e no fígado,
lactato, esse é obtido por meio de

31
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

sendo que, durante o exercício exercícios de alta intensidade (cerca


físico, o glicogênio muscular fornece de 70% do VO2máx). Isso ocorre
energia para a contração muscular, porque as fibras musculares rápidas
enquanto o glicogênio hepático é são requeridas em exercícios de
utilizado para manter a glicemia maior intensidade e essas possuem
adequada, fornecendo energia para mais enzimas glicolíticas do que
o corpo todo. É válido salientar que lipolíticas, sendo mais bem
dietas deficientes em carboidrato equipadas para metabolizar
comprometem a síntese de carboidratos. Além disso, a lipólise é
glicogênio e dietas ricas nesse um processo lento, o qual é acionado
nutriente intensificam a síntese de apenas após vários minutos de
glicogênio. exercício.

No que concerne aos lipídios, Com base nessas


a gordura corporal armazenada é informações, poderíamos concluir
um combustível importante em que o exercício de baixa intensidade
exercícios prolongados, sendo que seria o mais adequado para reduzir a
os ácidos graxos são o tipo primário porcentagem de gordura corporal,
de lipídio utilizado pelas células porém esse pensamento está
musculares como fonte de energia. equivocado. Apesar do exercício de
Os ácidos graxos são armazenados baixa intensidade utilizar
na forma de triglicerídeos, prioritariamente gordura como
especialmente na célula adiposa, substrato energético, o gasto
mas, também, em outros tipos calórico total nesse tipo de exercício
celulares, como na célula muscular é baixo. Por outro lado, o exercício
esquelética. Em situações de de maior intensidade, por mais que
necessidade (como no exercício não utilize gordura de forma
prolongado), os triglicerídeos são primária, gasta mais calorias do que
quebrados, por meio do processo de o de baixa intensidade. Assim,
lipólise, fornecendo ácidos graxos quando se avalia a quantidade total
como substratos energéticos para a de gordura que foi utilizada,
continuidade do exercício, observa-se que uma maior quantia
importante enfatizar que o exercício foi utilizada no exercício que gastou
de baixa intensidade (cerca de 30% mais energia (de alta intensidade)
do VO2máx) utiliza primariamente comparado com o exercício que
lipídios como fonte de energia, gastou menos energia (de baixa
enquanto o carboidrato é o principal intensidade).
substrato energético durante

32
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

Quanto às proteínas, estas


podem contribuir com o
fornecimento de energia durante o
exercício de duas formas:

(i) por meio do ciclo alanina-


glicose, que ocorre no fígado, onde a
alanina é convertida à glicose, que
pode ser utilizada na síntese de
glicogênio hepático, o qual, por sua
vez, fornece glicose para o corpo
todo, incluindo o músculo
esquelético em movimento e

(ii) alguns aminoácidos, como


isoleucina, leucina e valina, podem
ser convertidos a intermediários
metabólicos nas células musculares,
contribuindo como combustíveis
nas vias bioenergéticas.

33
34
FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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