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Alunos: Luíza Locatelli e Matheus Dias

1- Qual a relação entre os estudos de Stuart Hall e os estudos decoloniais?

Os estudos decoloniais refletem sobre a produção de conhecimento no


mundo e a hegemonia do saber euro-estadunidense. Dessa forma, propõem um
olhar voltado para as chamadas “periferias do conhecimento”, ou seja, países que
foram colonizados e que, ainda hoje, sofrem influência dominante de seus antigos
colonizadores (DIAS, 2020). Portanto, “se o fim dos sistemas coloniais não
representou a superação de suas estruturas de dominação, uma das dimensões
mais significativas nas quais esta dominação se expressa é a do conhecimento”
(DIAS, 2020, p. 50).
A colonialidade do saber refere-se à concepção de que o conhecimento é
influenciado pelo meio (cultura, localização geográfica) em que é produzido. No
entanto, essa influência por muitas vezes não é percebida, justamente por tratar-se
de conhecimentos hegemônicos que, de tão disseminados, não são compreendidos
como uma das visões de mundo, mas sim como a visão de mundo “verdadeira”. Se
pensarmos a produção de conhecimento em comunicação, por exemplo, as teorias
europeias partem do princípio de que um fenômeno pode ser estudado de forma
isolada e que independentemente de onde ocorrer poderá ser analisado da mesma
maneira.
Hall (2003) articula-se com o conceito de decolonialidade do saber ao afirmar
que o processo comunicacional não ocorre sem que haja um movimento de
decodificação dos códigos presentes em determinado evento. Essa decodificação
acontece a partir das subjetividades individuais, mas também das influências
culturais e sociais que permeiam a vida do indivíduo decodificador. Portanto,
segundo o autor:
Os códigos de codificação e decodificação podem não ser
perfeitamente simétricos. Os graus de simetria - ou seja, os graus
de “compreensão” e “má-compreensão” na troca comunicativa -
dependem dos graus de simetria/assimetria (relações de
equivalência) estabelecidos entre as posições de
“personificações” - codificador-produtor e decodificador-receptor.
Mas isso, por sua vez, depende dos graus de identidade/não-
identidade entre os códigos que perfeitamente ou imperfeitamente
transmitem, interrompem ou sistematicamente distorcem o que
está sendo transmitido. (HALL, 2003, p. 391)

Sendo assim, pode-se concluir que há muito valor na produção de


conhecimento gerada na América Latina, bem como em qualquer lugar do mundo, já
que cada pensador e pesquisador irá perceber os fenômenos, nesse caso
comunicacionais, a partir de significados estabelecidos por sua própria cultura. Isto
posto, é a partir de diferentes perspectivas que o conhecimento se enriquece e
permite uma percepção mais ampla da realidade.

2- Hall parte de uma complexidade no sistema comunicacional, em contraste a


modelos transmissivos. Que complexidade é esta? Descreva e dê um exemplo.

Hall (2003) propõe pensarmos o sistema comunicacional para além do


modelo transmissivo “emissor/mensagem/receptor”. Para o autor, devemos refletir
sobre esse processo também como sendo uma estrutura articulada entre momentos
que são distintos mas se interligam durante o processo, são eles: produção,
circulação, distribuição/consumo e reprodução. O autor afirma, ainda, que é através
do discurso que o produto desse processo é distribuído para diversas audiências e
que esse pode produzir efeitos apenas após a sua tradução em práticas sociais.
Dessa forma, o autor afirma que “o acontecimento deve se tornar uma ‘narrativa’
antes que possa se tornar um efeito comunicativo” (HALL, 2003, p. 388).
Podemos enxergar o processo descrito pelo autor através da seguinte
situação: acontece um acidente de carro em uma avenida movimentada de Porto
Alegre. A batida entre os dois carros é o acontecimento verdadeiro, mas sem estar
sob a forma discursiva ele seria apenas um evento “bruto”, já que não poderia ser
noticiado ou relatado. Ou seja, só se torna um evento comunicativo, no momento
em que uma pessoa que presenciou o acidente absorve os códigos ali
apresentados, dá significado à eles a partir de suas percepções e subjetividades e o
relata para outra pessoa que, assim como a primeira, irá dar seus próprios
significados para o evento antes de compartilhá-lo com mais alguém.

3- Morin fala sobre a indústria cultural como dividida entre a originalidade e a


burocratização. Como este entendimento de indústria cultural avança sobre noções
prévias?

Anteriormente, a indústria cultural era entendida como uma padronização da


produção de bens culturais com objetivo de alienar e manipular a população,
estabelecendo um controle sobre a consciência das pessoas, e estimulando desejos
que só poderiam ser satisfeitos através do consumo capitalista. Morin (2011)
avança sobre essa visão ao negar o caráter naturalmente manipulador da indústria
cultural, e descreve uma relação bilateral de adaptação entre a criação e o público.
Segundo ele, a produção cultural passa por uma burocratização que padroniza os
bens para se adaptar às massas, facilitando e ampliando seu consumo, mas que a
originalidade é crucial para que os bens sejam sempre únicos e individuais,
mantendo a audiência sempre interessada. Dessa forma, originalidade e
burocratização andam lado a lado, adaptando as criações originais ao público, mas
também adaptando o público às novas ideias dos criadores.

4- Qual é a complementaridade entre as ideias de Hall e as de Morin, especificamente


no que diz respeito à relação entre indústria cultural e audiência?

Hall (2003) diz que os códigos de codificação e decodificação não são


sempre simétricos, e que o nível de assimetria entre eles pode causar mais ou
menos diferenças na interpretação do discurso em relação à sua produção. Em
outras palavras, uma mensagem dificilmente será decodificada da mesma forma
que foi codificada, pois para isso seria necessário que codificador e decodificador
fossem muito semelhantes em experiências de vida, visões de mundo e repertório
cultural, tornando assim seus códigos simétricos. A partir dessa ideia de Hall (2003),
é possível entender melhor a importância da burocratização da indústria cultural que
Morin (2011) menciona. Os bens culturais, enquanto produtos com objetivo de
atingir o maior número de pessoas, devem buscar aproximar o máximo possível os
códigos do criador dos códigos do público, para que haja o mínimo de assimetria e
desentendimento possível, e a recepção do bem cultural pela audiência possa ser
previsível e lucrativa. Um criador pode querer utilizar referências que não serão
compreendidas pela maior parte das pessoas, mas ao colocá-las em um modelo
padronizado, o público poderá mais facilmente desfrutar da ideia do produtor,
apesar da perda de originalidade no processo .

Referências
DIAS, B. S. N. América Latina por uma epistemologia decolonial da comunicação.
Brazilian Journal of Latin American Studies, [S. l.], v. 19, n. 38, p. 46-74, 2020. DOI:
10.11606/issn.1676-6288.prolam.2020.170987. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/prolam/article/view/170987. Acesso em: 27 jul. 2022.

HALL, Stuart. Codificação/decodificação. Da diáspora: identidades e mediações


culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, p. 387-404, 2003
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX - Volume I: Neurose - A Indústria
cultural. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. ISBN 9788521804802.

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