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História da Psicologia

                                                                                                             William B. Gomes
                                                                                                                               Aula 1
 
 
                               INTRODUÇÃO
AO ESTUDO
                 DE HISTÓRIA DA PSICOLOGIA
 
 
1.1. Definição

Psicologia é a ciência da alma, ou da psique, ou da mente, ou do


comportamento. Refere-se, na verdade, a um conjunto de funções  que se distinguem em
três grandes vias: a via ativa (movimentos, instintos, hábitos, vontade, liberdade,
tendências, e inconsciente); a via afetiva (prazer e dor, emoção, sentimento, paixão,
amor); e a via intelectiva (sensação, percepção, imaginação, memória, ideias, associação
de ideias).  Estas três vias articulam-se em grandes sínteses mentais, tais como: atenção,
linguagem e pensamento, inteligência, julgamento, raciocínio e personalidade
(Meynard, 1958). Estas funções também são conhecidas como cognitivas, afetivas e
conativas. As cognições são as capacidades do intelecto, as afeições são os sentimentos
e emoções, e a conação refere-se as nossas atividades, que são as respostas expressivas
ou comportamentais. A conação como uma expressão de si para o outro traz sempre
implicações, sejam boas ou más (Tabela 1).
 
Tabela 1
Manifestações Psicológicas
 
Via Ativa Via Afetiva Via Cognitiva
Movimentos Prazer Sensação
Instintos Dor Percepção
Hábitos Emoção Imaginação
Vontade Sentimento Memória
Liberdade Paixão Ideias
Tendências Amor
Inconsciente Ódio
Grandes Sínteses
Atenção
Consciência
Linguagem
Pensamento
Inteligência
Julgamento
Raciocínio
Personalidade
 
Sabemos que a nossa história de vida se caracteriza por um longo
desenvolvimento físico e mental. Este desenvolvimento pode encontrar, em sua
trajetória, fatores favoráveis e desfavoráveis. Ele recebe influências dos grupos sociais
que nos envolvem em diferentes camadas e de diferentes modos. O desenvolvimento
psicológico consiste na formação gradativa de sínteses mentais. Estas sínteses
expressam-se no nosso modo de ser e de agir que juntamente com nossas características
herdadas constituem a personalidade. Pode-se dizer, então, que o estudo da psicologia
se organiza: no interesse do conhecimento das funções psicológicas básicas em suas três
vias; no interesse de saber como estas funções se desenvolvem; no interesse de saber o
que é facilitador ou impeditivo deste desenvolvimento (Seriam ambientais? Seriam
neurofisiológicos? Seriam restrito a área dos afetos? Seriam problemas na formação de
hábitos? Seriam existenciais? Seriam comportamentais? Seriam cognitivos? Seriam
socioeconômicos? Seriam ecológicos?); no interesse de saber como propor tratamentos
para os fatores impeditivos do desenvolvimento em todas as fases da nossa vida (pré-
natal, infância, adolescência, adulto jovem, adulto, envelhecimento e morte). A
psicologia interessa-se ainda pelo ambiente em que vivemos, pelo arquitetura de nossa
casa, pela organização da nossa cidade (vida comunitária, trânsito, ruídos, violência),
por nosso desempenho na escola, pelo modo como os professores desenvolvem suas
tarefas, pela nossa escolha profissional, pelo nosso relacionamento com a família e com
os amigos, pela nossa adaptação e satisfação profissional, pela escolha de nossos
parceiros afetivos (namoro, casamento, divórcio, relacionamento com os filhos) e pelos
nossos desapontamentos e frustrações. O melhor modo de obter este conhecimento e de
transformá-lo em ferramentas de atuação profissional é motivo de muita polêmica e
inspiração para uma grande proliferação de teorias. Em outras palavras, ainda temos
muito o que aprender sobre a complexidade deste homo sapiens sapiens.
 O campo da psicologia é muito vasto. Inclui atividades consagradas como a
psicologia clínica, escolar, atividades em pesquisas básicas como o estudo dos
processos psiconeurológicos e memória, e um enorme conjunto de possibilidades
aplicadas e de pesquisa que inclui matemática, física, informática, engenharia,
enfermagem, trânsito, ecologia, psicofísica, genética, administração, comunidade,
sociologia, antropologia, educação e marketing. Um estudante de psicologia que é
naturalmente curioso, que gosta de desafios e que consegue antever os rumos do
desenvolvimento social e econômico terá um papel destacado na profissão e muito
sucesso.  Na verdade, a psicologia é uma ciência aplicada, mas também uma ciência
básica de grande importância para qualquer campo de conhecimento. Uma maneira de
entender o vasto campo da psicologia é distinguir suas duas grandes tradições. De um
lado, o interesse em saber o que é o nosso intelecto, isto é, a nossa capacidade de
conhecer (via cognitiva). Do outro, o interesse em saber como e porque somos
diferentes uns dos outros e respondemos de modos diferentes as influências ambientais
(via afetiva e conativa). Por exemplo, por que de uma mesma família sai um filho
altruísta e dedicado às soluções dos grandes problemas da humanidade e um outro
delinquente e criminoso? Por que uma criança vai para a escola e aprende as lições com
a maior facilidade e uma outra apresenta uma grande dificuldade no seu aprendizado?
A psicologia que conhecemos hoje é o resultado da confluência de preocupações
e métodos oriundos da filosofia e da fisiologia. Todas as funções psicológicas decorrem
de processos orgânicos. Avanços nos campos da genética, neurofisiologia e bioquímica
trouxeram importantes esclarecimentos sobre processos psicológicos básicos como, por
exemplo, hereditariedade, agressividade, depressão e ansiedade. Por outro lado, o modo
como formulamos perguntas, encaminhamos modos de resposta e organizamos nosso
conhecimento é muito influenciado por toda a história da filosofia. Assim, o objetivo do
Curso de História da Psicologia é percorrer, brevemente, alguns dos principais
caminhos da psicologia, desde os antigos gregos até a criação dos cursos de psicologia
no Brasil.

 1.2 A natureza do conhecimento histórico


            
Ao iniciar um curso de história da psicologia temos que considerar algumas
questões básicas sobre o estudo de história e sobre a veracidade do conhecimento
histórico. Neste sentido, vamos examinar quatro perguntas, são elas: 1) o que é um fato
histórico? 2) que história da psicologia será apresentada nesta disciplina? 3) como se
estabelecem relações entre fatos históricos? e 4) qual a importância do estudo da
história da psicologia?
O fato histórico refere-se a um episódio que aconteceu em algum lugar do
passado e cuja a verificação é limitada. Esse fato permanece através de efeitos a ele
atribuídos que podem ser verdadeiros ou não.  São vestígios e pistas que podem indicar
sua ocorrência e ensejar interpretações diversas. O problema é como interpretar estes
vestígios para descrevê-los de tal modo que faça sentido e indique sua importância.
Assim, a história é sempre parcial pois apoia-se na seletividade de quem reuniu os fatos
ditos históricos e organizou a narrativa. O que temos são versões dos fatos que ganham
credibilidade de acordo com as evidências apresentadas, como documentos da época ou
fontes primárias. 
As relações entre os fatos históricos são sugestões interpretativas baseadas em
argumentos que podem ser aceitos ou não. Neste sentido, uma pergunta clássica é: são
os fatos históricos encadeados por si mesmos ou somos nós que oferecemos este
encadeamento? Na verdade, os encadeamentos históricos são propostos analíticos de
historiadores. Alguns impõem-se pelo consenso. Outros, são alvos constante de debates.
Outros, sobrevivem como marcos referenciais na forma de consagração de heróis e na
exaltação da sua contribuição histórica. Ainda, o relacionamento e contraste de fatos
históricos envolve um debate importante sobre a natureza do desenvolvimento do
conhecimento. A pergunta é: seria este desenvolvimento contínuo ou descontínuo? O
que está relacionado a quê? O que sucede o quê? As respostas são sempre interpretações
e conjecturas?
Por fim, diante de tantas limitações, vale a pena estudar história? Apesar de
todas estas limitações, a história é o melhor modo de se iniciar em um campo de estudo.
É através da história que se identifica a origem dos conceitos e dos equívocos que
muitas vezes atrasaram ou anteciparam grandes descobertas. É o melhor caminho para o
conhecimento das diferentes tradições, e do desenvolvimento das principais ideias de
uma determinada ciência. É bem verdade que o estudo da história de um campo ainda
desconhecido é, de certa forma, árido e cansativo. Deve-se também alertar que a escolha
da psicologia como objeto de estudo é, muitas vezes, contextualizada em entendimentos
equivocados e míticos que causam grande desconforto e desencorajamento ao jovem
estudante. No entanto, dê uma chance à história. Uma sugestão talvez caiba neste
momento. Por que não colocar em suspensão suas teorias pessoais sobre psicologia? É
como guardá-las bem cuidadosamente numa gaveta ou talvez num cofre para que
ninguém a roube de você. Então, sem preconceitos, embarque nesta viagem às muitas
possíveis origens da psicologia e principalmente aos diferentes modos de estudá-la.
Depois, volte lá onde estão guardadas suas teorias, tente localizar suas origens e, porque
não, levá-las adiante, sempre acompanhado de muito rigor crítico. Você pode ser o
grande teórico da psicologia do próximo século.
 
Disponível em: http://www.ufrgs.br/museupsi/Texto%201.htm

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