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Índice

 
Direitos autorais
Dedicatória
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Epílogo
Referência
Agradecimentos
Livros deste autor
Direitos autorais © 2022 Rose Moraes

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação, ou
transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou
outro, sem a permissão expressa por escrito da autora.

Design da capa por: Katy Branco


Revisão: Valéria Nascimento
Diagramação: Rose Moraes
1ª edição
Dedico este livro a todas as pessoas com deficiência que enfrentam diariamente a luta por
seus direitos e por respeito.
Nota da autora

Este romance aborda temas muito importantes: inclusão, preconceito e


depressão. Para a criação do personagem Caique que é PcD ( Pessoa com
Deficiência) foram feitas pesquisas com todo cuidado e carinho. Mas quero
ressaltar que cada indivíduo é único e aqui eu trato exclusivamente da sua
deficiência e como ele se sente com relação a ela.   O livro aborda
preconceito racial e dependência química. Contém partes de relação sexual
explícita e violência física e verbal.

Tenham todos uma excelente leitura.


Prólogo
Oito anos atrás - 20/05/2014

— Você vai ficar despejando suas ignorâncias pra cima de mim logo
cedo, mãe?
— Olha como você fala comigo, Caique! É inadmissível você ainda
querer conferir algo que já fiz. — Minha mãe me olhava com ódio.
— Fui conferir porque você se envolveu. Sou o presidente daquela
empresa e a decisão final é minha. A senhora sabe muito bem que se tem
alguma conferência dessa importância, eu gosto de averiguar pessoalmente
e não pedir a terceiros. O papai era assim.
— Ah, agora eu sou “terceiros”? Caso você não se lembre, sou
acionista na empresa, senhor presidente; e sua mãe! E seu pai era um doido!
Onde já se viu ir pessoalmente conferir uma obra, isso não é para nós, os
Montenegro. — O semblante de soberba estava estampado em seu rosto.
— Você sempre deturpa o que digo. A construção desse shopping é
muito importante e já falei para a senhora que projetos grandiosos assim, eu
tomo as decisões diretamente, sem passar por ninguém. Tenho uma equipe
maravilhosa? Tenho, inclusive meu melhor amigo trabalha nela. Tenho a
senhora na empresa, apesar de ser sempre contrária ao que digo, mas tenho,
mas eu gosto de decidir tudo, afinal, sou o presidente. E a senhora foi dizer
ao Gustavo Meirelles, que eu iria autorizar a utilização de material de
qualidade inferior na construção. Jamais!!!! Já autorizei a compra do
material de melhor qualidade do mercado.
— Vai gastar dinheiro à toa. Você ama esbanjar.
— Esbanjar? Estou pensando na segurança das pessoas que irão
frequentar o local e ao mesmo tempo, trazer mais rendimento pra empresa.
Vamos consolidar o nome que já temos no mercado. Pare de tomar decisões
por mim. Quer me ajudar, dê sua opinião e vamos discutir juntos.
— Você é um idiota como o seu pai. Matheus estaria bem melhor à
frente da empresa.
— Pare de falar do papai. Ele não está mais aqui para se defender das
suas ignorâncias. A senhora é ambiciosa, quer manter a pose, mas
economizando onde não deve haver economia e não é assim que as coisas
funcionam, não quando somos donos da maior construtora do país. Temos
um nome a zelar e a senhora adora sustentá-lo por aí. E quanto ao Matheus,
você prefere ele, pois meu irmãozinho caçula é como a senhora, se não pior.
— Me poupe da sua ladainha, Caique. Esse seu eterno drama me irrita
mais do que me convence.
Observei aquela mulher que tinha o título de minha mãe, mas que
parecia me odiar, subir as escadas da nossa casa e me deixar ali, com mais
uma amostra do seu caráter.
Branca Montenegro era uma mulher ambiciosa, exibicionista e
preconceituosa. Este último, era com tudo que se possa imaginar. Odiava
pessoas pobres, negras, gays... A lista era extensa. E eu também não sabia
ao certo como ela se tornou mãe, uma vez que queria sempre manter o
corpo perfeito, por que ela se preocupava muito com a aparência também.
Só que com o passar dos anos, fui percebendo que era só comigo o seu
desprezo, pois minha irmã Beatriz ela paparicava e o Matheus, ah, esse ela
só faltava lamber o chão que ele pisava.
Meu pai, Augusto Montenegro, nos deixou havia um ano. Morreu em
decorrência de um grave tumor no cérebro e a falta que ele me fazia era
imensurável.
Meu velho construiu seu império de forma justa. Ele era um homem
honrado e de pulso firme, que comandava sua empresa na linha de frente,
mesmo tendo uma equipe para auxiliar. Jamais vi meu pai faltar ao trabalho
e delegar tarefas aos outros. Até hoje, sinceramente, não sabia como ele foi
se apaixonar por minha mãe, mas ficaram juntos por 25 anos e isso me
deixava perplexo tamanha a diferença entre eles.
Um pouco antes de morrer, meu pai me deu mais uma amostra de sua
confiança e amor, dizendo para mim, em uma cama de hospital, que eu era
seu maior orgulho e que ele me amava muito. Que ele iria descansar em paz
sabendo que eu continuaria com seus negócios. Que eu seria perfeito para
comandar sua empresa e que não deixaria nada faltar para minha mãe e
meus irmãos.
Isso enfureceu minha mãe na época, porque queria que o Matheus ou a
Beatriz assumisse a Presidência; assim ela comandaria por trás. Minha
irmã, coitada, não era uma fútil como minha mãe, mas não ligava para os
negócios da família. O negócio dela era a moda. Beatriz havia nascido para
isso e era estrela de grandes campanhas para marcas muito famosas. Seu
nome era forte nesse meio. Minha mãe adorava, pois ganhava roupas que
nem nas lojas tinham chegado e depois ostentava em jantares caríssimos.
Beatriz era muito independente e não seguia muito as loucuras que minha
mãe falava. Estava mais preocupada em cuidar da sua carreira que crescia
cada vez mais. A fama estava se consolidando.
Meu irmão caçula só queria usufruir do dinheiro da família e de vez
em quando batia ponto na empresa. Ele havia se formado em advocacia e
“fingia” que trabalhava lá. Coitado de mim se tivesse ele como referência
de advogado na empresa, já estaria tudo em ruínas.
Minha equipe era muito bem montada e ainda contava com pessoas
que iniciaram com meu pai. Isso me dava um suporte maravilhoso. Nela,
também estava meu melhor amigo, Saulo. Nós nos conhecemos ainda
adolescentes e essa amizade seguiu até os dias de hoje. Estudamos juntos na
mesma escola, na mesma faculdade e ele sim, era um excelente advogado.
Um verdadeiro exemplo de profissional e tinha a minha total confiança. O
irmão que eu não via em Matheus, via em Saulo.
Ele sempre foi meu ombro amigo. Sempre me ouviu quando eu
desabafava sobre a rejeição que sentia por parte da minha mãe, que era tão
contrária ao carinho e amor que meu pai me dava. Sobre meus embates com
Matheus, que parecia querer competir comigo desde que veio ao mundo,
sendo que sempre o tratei com carinho, com os cuidados de um irmão mais
velho.
E por fim, foi Saulo que me amparou quando perdi meu pai. Até hoje
não lidava com isso muito bem e chorava várias vezes, principalmente
quando estava em sua cadeira, na sala da Presidência da AGM Construtora.
Me senti sem rumo e sozinho, pela primeira vez na vida, sem meu pai
ao meu lado. E todos os dias tento ser o melhor e honrar seu nome, da
empresa e o de nossa família.
Com isso, acabava me deixando de lado. Foi muita coisa para absorver
e comandar depois que meu pai nos deixou. Hoje, aos 26 anos, não é fácil
ser quem eu sou, com tantas responsabilidades nas costas. Sendo o rosto da
minha família e da empresa, nenhum escândalo podia ter meu nome
envolvido, até porque, seria mais uma coisa para minha mãe ter contra mim.
Encosto-me no sofá ainda criando coragem para ir trabalhar. Essas
discussões logo cedo com minha mãe acabavam comigo e deixavam meu
humor em frangalhos. Olho em meu relógio e vejo que Saulo está para
chegar. Meu amigo hoje iria comigo, já que seu carro estava em revisão e
nós morávamos no mesmo condomínio de casas.
— Bom dia, senhor Caique. — Olho para Magnólia, nossa querida
governanta e sorrio para a mulher de cabelos brancos. Ela é a doçura da
nossa casa e seu carinho por mim me comove.
— Mag, sem o “senhor”. Bom dia — respondo e me levanto, indo
abraçá-la.
— Tenho medo da dona Branca ouvir e não gostar. Ela já me deu
várias broncas por isso — a senhora responde abraçada a mim.
— Ela foi para o quarto dela, no mínimo, para retocar aquela
maquiagem que nunca pode estar desfeita, mesmo sendo tão cedo.
— Já vai para a empresa?
— Vou, estou só esperando o Saulo. — A campainha tocou nesse
instante.
— Vou atender, deve ser ele — Mag respondeu.
Meu amigo entrou com seu bom humor habitual e deu um beijo
estalado no rosto de Mag, fazendo-a corar e veio até mim.
— Bom dia, patrão.
— Olha esse deboche. — Saulo riu.
— Vamos trabalhar?
— Vamos. Hoje tenho duas coisas muito importantes para fazer. —
Saulo me analisou e sabia que ele estava se perguntando o que era.
— Sei da inspeção na obra. Que outra coisa seria essa? — Uma
sobrancelha foi levantada em minha direção.
— Te conto no carro, vamos!
O tempo estava uma merda. Nublado, ventando e chovendo forte, nem
parecia o Rio de Janeiro. Fábio, meu motorista e segurança, abriu a porta
pra gente e quando Saulo e eu estávamos acomodados, ele nos levou para a
empresa.
Durante o percurso, subo a divisória do carro e logo, Saulo e eu, temos
privacidade.
— O que você está aprontando, Caique?
— E eu sou lá homem de ficar aprontando?
— É, realmente, você é certinho demais, até para o meu gosto.
— Não fale assim, você sabe mais do que ninguém das minhas
responsabilidades.
— Mas não precisa se anular por elas. Você nem vive, Caique. E você
sabe muito bem do que estou falando. — Encarei os olhos do meu amigo.
— Sei, mas, então, é sobre isso a outra coisa que irei fazer hoje. Vou
me encontrar com Natanael de novo.
— Justo ele?
— Por que você cisma com o rapaz?
— Ele não me passa confiança, só isso. Porra, vocês se conheceram no
banheiro de um evento e você logo ficou todo rendido. Me lembro dos seus
sorrisos naquela noite.
— Já estamos saindo há dois meses e estou adorando. Claro que não é
toda hora que consigo me encontrar com ele, mas o Nate não desistiu e isso
me mostra que também sente algo por mim. — Saulo suspirou. — E a
forma que nos conhecemos pouca importa, o conheci e gostei dele. Vou
julgar o rapaz por que o conheci no banheiro? Sério isso?
— Tá, só não quero que se machuque, ok? Você, apesar de ser um
empresário de sucesso e já ter 26 anos, não tem muita experiência com os
homens. E é por isso que falo que você tem que viver, se permitir a
conhecer pessoas. Mesmo que não seja intencional, você vive em uma
redoma, Caique. Fora esse Natanael, só saiu com mais dois e não deu certo.
— Minha mãe não pode suspeitar que sou gay, não agora. Não até eu
acabar essa obra do shopping e fazer dele um sucesso. É o primeiro projeto
grandioso que pego desde a morte do meu pai e sei que ela está só me
observando, esperando um deslize para me dar o bote. Depois ela vai ver o
empresário que sou. Daí, vou tomar as rédeas e me assumir, goste ela ou
não.
— Sabe que por mim você já tinha feito isso mas você se prende muito
ao que ela e os outros vão achar.
— Não é isso, é que, como ela é acionista, tenho medo de que ela faça
algo para me tirar da Presidência.
— Ela não faria isso.
— Há essa possibilidade, Saulo. Os outros acionistas gostam muito
dela também. Se ela arma um motim contra mim, eu caio. Minha mãe é
muito preconceituosa e, também fico com medo da exposição na mídia e o
quanto isso poderia nos afetar. Já presenciei clientes bem preconceituosos
no nosso ramo e você sabe o quanto isso me assusta. No fundo, não é minha
mãe que me preocupa e sim, em não conseguir cumprir a promessa que fiz
ao meu pai, de cuidar dos negócios da família. Me sentiria péssimo em
decepcioná-lo de alguma forma.
— Essa parte até juro que entendo, mas não queria que você se
anulasse por isso. — Suspirei e olhei pela janela quase não enxergando
nada por causa da chuva.

— Estava com saudade! Desta vez você demorou muito para achar um
tempinho pra mim. — Natanael estava ofegante, pois eu já beijava seu
pescoço, apertando sua bunda gostosa e ele tirava a minha gravata.
— Desculpa, meu lindo. Com esse novo projeto do shopping, tenho
ficado atolado de serviço.
— Tudo bem, eu te entendo.
— Homem, que fogo!! — Ri do comentário do cara lindo ao meu lado,
que estava me deixando todo apaixonado.
Tínhamos acabado de transar e realmente eu estava cheio de saudade
dele. Estava louco para tê-lo dentro de mim e hoje não lhe dei sossego.
— Promete que entende que preciso ir?
— Claro! Essa construção é importante para sua empresa. E que
sacanagem essa que sua mãe fez, hein?
— Pois é, por isso preciso ir pessoalmente ver como anda tudo e
acabar com essa história de material de baixa qualidade. Na minha empresa
não vai ter isso.
— Bota ordem, meu CEO. — Nós dois rimos.
Tomei um banho rápido enquanto Nate ficou na cama mexendo no
celular. Saí pelado mesmo, ganhei um olhar gostoso dele e comecei a vestir
meu terno para ir para o meu compromisso.
Quando me virei para ele, meu gatinho tinha um sorriso bonito no
rosto e antes de sair, ainda dei um beijo muito gostoso nele.
— Namora comigo? — perguntei e ele arregalou os olhos.
— Namorar?
— Sim, estou gostando muito de você, Natanael.
A reação dele não era a esperada por mim. Natanael ficou
constrangido, surpreso, assustado, tudo isso, menos empolgado.
— Olha, não precisa responder agora. Pode ser no próximo encontro,
ok?
— Tá bom. Não fica chateado comigo, você me pegou de surpresa.
— Claro que não estou. Já estou com saudades — disse e ele sorriu,
me dando um selinho nos lábios.
— Também já estou. Vai, senão você se atrasa, gatão.
Depois de mais um beijo, saí do motel em que estávamos e na garagem
Fábio já me aguardava com toda discrição. Sempre ligava para ele vir me
buscar, não podia correr o risco de alguém me ver saindo daqui. E eu
sempre que saía com Natanael estava com um carro diferente.
Além de terem a AGM Construtora, que já ganhou vários prêmios por
ser considerada a maior construtora do Brasil, meus pais sempre fizeram
parte da alta sociedade do Rio de Janeiro. Tanto meu pai, quanto minha
mãe, nasceram e cresceram neste meio e eu e meus irmãos nascemos em
berço de ouro.  Nossa família sempre foi muito badalada: capas de revista e
eventos grandiosos. Até porque, os sócios do meus pais também eram
homens poderosos. Fui muito bem recebido quando assumi a Presidência e
senti o peso de estar representando Augusto Montenegro.
Por isso que evitava tanto os escândalos e não era assumido ainda, mas
Nate aceitando namorar comigo, eu enfrentaria tudo por ele, só precisava
acabar esse grande projeto que era tão importante pra mim.
— Desculpe fazer você vir aqui, Fábio.
— Que isso, senhor Caique. É meu trabalho, busco o senhor onde for.
— Mas um motel é um pouco ridículo, você não acha?
— Eu entendo a posição do senhor. É famoso e sabemos o quanto os
jornalistas ficam à espreita.
— Exatamente. Vamos para São Conrado agora.
— Sim, senhor.

                                   (Natanael)

— Tudo ok? — pergunto.


— Tudo, você foi perfeito. Conseguiu o que ninguém jamais
conseguiu. Um furo do “Senhor Perfeitinho”. — Meus dentes rangeram
ouvindo o apelido que deram ao Caique na redação.
— Não fale assim, Jorge.
— Não se apaixonou, não, né, João Miguel?
— Lógico que não. Fiz o que tinha que fazer pelo meu trabalho. Ou
era isso ou iria pra rua.
— Não foi um sacrifício, né? Você é gay e ele é bonito pra caralho.
Uniu o útil ao agradável.
— É, se formos pensar assim... Mas eu pensava mesmo no meu
trabalho, Jorge. Não tinha conseguido nenhum furo ainda e Sidney queria
meu pescoço. Graças a Deus ele me deu esses dois meses para que eu
coletasse algo bom. Preciso ajudar nas contas de casa e não nasci em berço
de ouro como o Caique. Bom, está feito. Vou tomar um banho na banheira
linda que tem aqui e ir embora.
— Isso, tira mais uma casquinha e dá o fora daí. Em alguns minutos os
sites pipocarão com a foto do gostosão como veio ao mundo e também o
áudio de vocês e todo material que você colheu durante os encontros. Cara,
material de quinta pro shopping que a mãe queria aprovar, hein? Isso é um
escândalo! Me tira uma dúvida, onde você deixou esse celular gravando?
— Debaixo do travesseiro para não deixar minha voz reconhecível. —
A risada de Jorge do outro lado não me contagiou. Estava me sentindo
estranho.
— Garoto esperto!
Desliguei o telefone para ir tomar um banho e ir embora. Mais tarde
era só passar na sala do chefe e pegar o meu dinheiro.
Caique jamais desconfiou que saía com um jornalista disfarçado e
nesses dois meses de convivência, tivemos nove encontros. Confesso que
não foi nem um pouco ruim estar com ele. Caique sabia ser um excelente
amante e era muito carinhoso. Qualquer um podia ter se apaixonado por ele,
mas eu precisava do meu dinheiro e do meu emprego, senão não teria mais
como ficar em casa. Minha mãe me expulsaria se eu não contribuísse e eu
sabia que isso tinha dedo do meu padrasto.  Ele já achava frescura eu ter
feito faculdade de jornalismo, como sempre, não me apoiava em nada. E a
falta de um furo para garantir meu emprego, poderia me fazer perdê-lo, já
que eu ainda estava no comecinho do meu trabalho na redação. Isso seria
motivo para ele dizer que sempre teve razão e que eu deveria era estar
virando umas lajes como ele. Desculpe, mas eu não havia nascido para
isso. 
E tudo isso me trouxe até a vida de Caique, o milionário, dono da
maior construtora do país e que ninguém nunca via acompanhado. Os
jornais o apelidaram de “o Senhor Perfeitinho” e Caique era perseguido por
sites de fofoca como o Príncipe Harry lá na Inglaterra.
Cheguei até ele em um evento que consegui me infiltrar com a ajuda
de um contato e puxei assunto quando nos esbarramos no banheiro.
Precisava primeiro sondar o terreno e joguei uma piada que me diria se ele
era gay ou não. Um olhar também entrou na jogada e foi de primeira. Ali
mesmo o paquerei e ao final do tal evento, trocamos beijos escondidos no
banheiro novamente, que praticamente fechamos para nós dois. Dali foi
fácil o primeiro encontro até esse último. Caique sempre me pareceu apenas
um homem jovem, que queria viver as delícias de sua idade, mas que tinha
muitas responsabilidades nas costas.
Talvez sentisse saudades dele, mas nossos mundos eram muito
diferentes e ele agora se dizia apaixonado. Eu era novo e não queria me
prender a ninguém. Sei que não foi certo o que fiz, mas estava feito e a vida
era assim, cada um tomava suas atitudes para sobreviver. Caique seria só
mais um arrancado do armário e logo superaria. Meu padrasto que não
podia desconfiar da minha orientação sexual, senão aí, sim, eu estaria
ferrado.

O acidente

— Meu Deus, essa chuva não para! — falei olhando pela janela.
— A meteorologia disse que a frente fria vai até sexta-feira — Fábio
responde. — E com essa chuvarada precisamos ter mais atenção.
— Isso mesmo — respondi, teclando com Saulo sobre o meu encontro.
— Vamos pegar algumas retenções, senhor Caique.
— Fazer o que, Fábio. O importante é chegarmos bem. Fica tranquilo.
Quase quarenta minutos depois e ainda estávamos na Alta Estrada
Lagoa Barra, pois em alguns pontos tinha muito trânsito. No momento que
pareceu melhorar e Fábio conseguiu andar sem parar tanto, meu telefone
tocou e vi o nome da minha mãe na tela. Revirei os olhos antes de atender.
— Que foi, mãe?
— O QUE FOI? VOCÊ TEM CORAGEM DE ME PERGUNTAR
ISSO?
— Ei!! A senhora está gritando por quê?
— OLHE A INTERNET, SEU IMBECIL. SEU PAI TERIA NOJO DE
VOCÊ NESSE MOMENTO.
Assustado com seu rompante, pedi a Fábio que me emprestasse seu
celular para não sair da linha com minha mãe e olhei na internet. A página
de um grande veículo de comunicação trazia uma foto minha, nu, de costas,
dizendo para todos que eu era gay e que finalmente deixava de ser tão
certinho. Aquilo me assustou por eu reconhecer que era uma foto de hoje.
— Mãe... — falei com a visão turva e o coração a mil.
— MÃE? AGORA VOCÊ VEM FALAR “MÃE”? Não sei quem é
você, Caique.
— CLARO QUE SABE QUEM SOU EU, PORRA! — Me
descontrolei e chorava ao mesmo tempo.
Quanto mais eu passeava pela internet, mais ia achando coisas falando
de mim e até da construção do shopping. E pior, vi outras fotos minha e
todas no mesmo motel que eu ia com o Natanael.
— Não acredito nisso!!!
— Você é um sem-vergonha, Caique. Olha o tipo de homem que
Augusto deixou na Presidência da nossa empresa. Aliás, homem você não
é. Uma bicha é o que você é!!!
—PARA, MÃE!!!! — gritei com ela.
— Senhor Caique, calma! Por favor, calma, o senhor pode passar mal
assim — Fábio falava preocupado, dirigindo, e volta e meia olhava para
mim. Eu estava desestabilizado, chorava e não acreditava no que via. Se as
fotos eram de quando eu estava com Natanael, só podia ter sido ele quem as
tirou, pois nem eram na rua e sim, dentro do quarto!
— EU VOU TIRAR VOCÊ DA PRESIDÊNCIA DA EMPRESA,
CAIQUE! VOCÊ É UMA VERGONHA PARA NOSSA FAMÍLIA. UM
QUALQUER, UMA BICHA NOJENTA. MALDITA HORA QUE EU TE
TROUXE AO MUNDO!
Larguei o celular no banco e me entreguei ao choro com as mãos em
meu rosto. Minha vida estava destruída. Tinha sido arrancado à força do
armário e minha mãe faria um inferno. Perderia a Presidência e o que eu
mais temia aconteceria, iria ser uma decepção para o meu pai. Seu
sobrenome estava exposto de uma forma violenta a julgamento de todos.
Seria a chacota, talvez sócios encerrassem parcerias devido ao escândalo.
— O senhor está bem? — Fábio continuava aflito e eu não conseguia
me acalmar.
— Todos descobriram, Fábio! Todos descobriram que sou gay.
— Meu Deus, como isso?
— Foi o Natanael, tenho certeza. Tem fotos publicadas na internet de
momentos nossos dentro daquele quarto de motel.
— Jesus Cristo.
Meu telefone começou a tocar e Saulo apareceu na tela.
— SAULO, ME AJUDA!!!
— Caique, porra! Onde você está? Que merda foi essa que aconteceu?
Vou acabar com a vida desse sujeito! Foi ele, não foi?
— Com certeza, foi. Os momentos nossos registrados são dentro do
quarto. Ele esteve me fotografando esse tempo todo e não vi. Tem fotos de
mim dormindo, de mim no box, totalmente pelado, nossas pernas juntas. Eu
estava pensando que ele estava respondendo a mãe ou irmã, como ele dizia
e o infeliz estava era me fotografando!!!
— Vou revirar o Rio de janeiro todo atrás dele! Pode ter certeza e
processar todo mundo, até a redação! Onde você está?
— Na Estrada Lagoa Barra, o trânsito está muito ruim e não para de
chover. Eu estou desesperado, Saulo. Minha mãe vai me tirar da
Presidência! — Estava à beira de um colapso.
— Se acalma, Caique. Por favor, se acalma! Passa o telefone para o
Fábio.
— Calma, senhor Caique. Logo estaremos lá. — Fábio me olhou
brevemente apenas para falar isso e eu estendi o telefone para ele pegar.
Depois disso foi tudo rápido demais.
Uma árvore enorme caiu, devido ao temporal, em plena estrada,
fazendo uma van que estava na frente da gente se chocar violentamente em
seu tronco grosso e nosso carro entrou em sua traseira mais forte ainda.
Fábio nem teve chance de frear.
O barulho foi estrondoso e meu corpo foi tirado do banco de trás,
passei parcialmente por cima do banco do carona e meu rosto acertou com
toda força o painel do carro. Fiquei completamente tonto e sentindo uma
dor violenta no pescoço. Escutava de longe a voz de Saulo gritando no
telefone o meu nome. O aparelho estava caído no chão do carro. Quando
olhei para Fábio de relance, vi que o airbag se abriu e meu motorista foi
amparado por ele, mas parecia desmaiado.
Só que não tive nem chance de reagir ao que aconteceria. Escutei uma
buzina incessante e meio lento, olhei para trás, apoiando meus braços no
acento do banco, a tempo de ver um caminhão vindo em alta velocidade
sem frear e arregalei meus olhos, para em seguida ver e sentir o pior
acontecer.
O caminhão se chocou com nosso carro e uma dor alucinante me
apagou por completo.

Reportagens - Mundo dos Famosos online

20/05/2014 14h20. Atualizado há 5 minutos

CEO da AGM Construtora tem sua intimidade vazada na


internet e fotos comprometedoras chegam aos sites de fofoca. A
orientação sexual de Caique Montenegro fica em pauta nos grandes
veículos de comunicação.

                                        xxx

20/05/2014 14:40. Atualizado há 10 minutos

Império da AGM Construtora é manchado por fotos íntimas do


seu CEO e áudios comprometedores sobre materiais duvidosos na
construção do Shopping de São Conrado causam discussões e
revolta na web.

                                        xxx
          20/05/2014 15:52. Atualizado há 2 minutos

     Um grave acidente na Alta Estrada Lagoa Barra envolvendo um


engavetamento de dois carros e um caminhão devido à queda de
uma árvore, deixa três mortos e uma pessoa em estado grave que
precisou ser socorrida de helicóptero.

                                        xxx
          20/05/2014 16:10. Atualizado há 1 minuto.

    O CEO da AGM Construtora, Caique Montenegro de 26 anos


fica gravemente ferido em um acidente na Alta Estrada Lagoa Barra.
Ele foi levado de helicóptero para o hospital Samaritano e segundo
o primeiro boletim médico divulgado, Caique está passando por uma
cirurgia e seu estado de saúde é muito grave. O acidente com o
presidente da AGM Construtora ocorreu no mesmo dia em que
explodiu na internet fotos suas em momentos de intimidade e
declarações do próprio sobre a compra de materiais de péssima
qualidade para a construção do shopping em São Conrado. A
família Montenegro ainda não deu nenhuma declaração.

Três meses depois...

— Ele acordou mesmo, doutor?


— Sim. Neste momento está fazendo exames.
— Ele já sabe de tudo?
— Não. Ficou muito confuso no início e como ele acabou de acordar
de um coma, tudo tem que ser dito com muita calma.
— Vou poder vê-lo?
— Em breve.
Não aguentava mais essa agonia. Durante três meses mal tive cabeça
para trabalhar vendo meu melhor amigo lutando por sua vida todos os dias.
E nem sabia como seria quando ele soubesse tudo que tinha acontecido.
O que ele mais temia não aconteceu de fato. Caique não perdeu a
Presidência da AGM Construtora, o império que ele havia herdado de seu
pai. O vice-presidente gostava muito do meu amigo e junto com outros
sócios não permitiu que ele fosse tirado do cargo apesar de todo esforço de
sua própria mãe, que nem se sensibilizou pelo acidente do filho. Aurélio
Fontes ficaria na Presidência até Caique poder ou até mesmo querer voltar,
pois não sabia como seria sua vida de agora por diante.
Quando ouvi pelo celular tudo que havia acontecido há três meses,
pensei que morreria tamanho meu desespero. Naquele momento eu soube
que Caique havia se envolvido em um grave acidente e só pensava em ir até
ele.
Só que fora tudo que estava acontecendo, como principal advogado da
empresa, tive que limpar muita informação que estava espalhada. Tive que
ter cabeça para dominar a dor que sentia por ele e lutar por tudo que ele
amava.
Com muito custo, convenci a senhora Branca Montenegro a dar uma
declaração afirmando que a questão dos materiais duvidosos que seriam
usados na construção do shopping em São Conrado não passou de uma
conversa, um blefe, e a fiz mostrar as notas de tudo que já tinha sido
encomendado para a obra. Aurélio estava seguindo com tudo que Caique
idealizou.
Então essa história foi desmentida e abafada. Uma coisa a menos.
Beatriz Montenegro, irmã de Caique, se pronunciou em uma entrevista que
deu e falou da saída forçada de seu irmão do armário. Beatriz foi brilhante e
repreendeu essas pessoas que passavam por cima dos sentimentos das
outras para crescer e aparecer. Como era uma modelo de sucesso, sua fala
correu o mundo e na internet, já se via várias reportagens e famosos
defendendo meu amigo.
Mas isso era pouco pra mim e fui atrás da pessoa que causou tudo isso.
Não descansei até a polícia ser acionada e todos os funcionários serem
interrogados. Primeiro abri um processo contra o veículo que usou um de
seus funcionários para seduzir Caique e o expor. Durante a audiência, o
dono da revista disse desconhecer os métodos de seus funcionários e eu
exigi ficar frente a frente com Natanael e foi aí que mais uma mentira
descobri: o ordinário usou um nome falso. Nem seu choro teatral me
convenceu. Processei ele também.

Por fim, apenas restou a dor que eu carregava de ver meu amigo
naquelas condições. Um homem bonito, poderoso, gentil, inteligente e que
sonhava em ser feliz sendo quem ele era de verdade, agora estava passando
pela pior situação da sua vida. Eu não conseguia aceitar, não me
conformava. Mas quando o médico foi taxativo, não tinha o que contestar.
Caique teve uma lesão torácica incompleta. Um milagre ter sido assim.
Ele perdeu os movimentos e a sensibilidade da cintura para baixo. Meu
melhor amigo estava paraplégico e eu não sabia como ele iria encarar, como
ele ia viver com isso. Dúvidas e mais dúvidas me assolavam e eu imaginava
que com ele seria pior. Fiquei inerte por dias quando eu soube. Quando o
desespero batia, eu chorava feito uma criança e só rezava para um milagre.
Agora estava aqui, sentado nessa sala de espera do hospital, esperando
a oportunidade de vê-lo de olhos abertos. Mas ao mesmo tempo morria de
medo, estava covarde, sem saber como contar a sua nova condição.
— Saulo, está tudo bem? — Olhei para o lado e Beatriz se sentava
perto de mim. — Já podemos vê-lo? Quando me ligaram daqui larguei tudo
e vim correndo.
— Ele está fazendo alguns exames, temos que esperar. E sua mãe e o
Matheus?
— Também virão, falei com eles.
— Hum.
— Não brigue mais com eles, Saulo. Vamos priorizar o Caique. Pedi
isso a eles também.
— Não consigo olhar na cara do seu irmão dissimulado e da sua mãe...
— Eu sei o quanto eles são difíceis, mas esses dias mamãe disse que
queria ver o Caique longe desse hospital.
— Desculpe, mas não acredito no amor de mãe dela. — Estava puto e
esgotado. Tudo que vi de Branca Montenegro nesses três meses que Caique
ficou em coma, foram suas tentativas de colocar Matheus na Presidência e
ela seguindo com a vida como se não tivesse um filho paraplégico em cima
de uma cama de hospital.
— Não vou contra seus pensamentos, sei bem a mãe que tenho. Mas
vamos pensar no Caique. A Presidência é dele, as tentativas da minha mãe
foram frustradas e você vingou meu irmão contra aquela revista. Vamos
focar agora nele, somente.
— Desculpe, estou cansado.
— Eu imagino, também estou. Preciso ver meu irmão bem e fora
daqui. Ele não merecia isso, não merecia.
Estava de cabeça baixa quando o médico veio até nós. Até aquele
momento nem Branca e nem Matheus haviam chegado. Dei graças a Deus e
prestei atenção no doutor.
— Ele chama por Saulo, é o senhor?
—Sim, eu mesmo. Sou o melhor amigo dele.
— Vamos entrar juntos. Conversarei com o paciente e será bom o
senhor estar presente.
— E eu, doutor? Sou a irmã dele, Beatriz.
— Senhorita Beatriz, peço que aguarde. Como ele chamou pelo senhor
Saulo, será melhor.
— Tudo bem, estarei aqui. Vai com calma, Saulo. — Olhei para
Beatriz e concordei.
Meu coração estava na boca e minhas mãos tremiam.
— Senhor Saulo, nesses casos, não adianta tentar amenizar, ele precisa
saber da verdade. Apenas vamos explicar tudo que ele precisa saber com
clareza e calma.
— Ele já desconfia?
— Deve estar desconfiando agora, antes ainda estava meio grogue.
Vamos passar naquela sala ali para fazer a higienização corretamente.
— Ok
Assim que entrei naquele quarto, Caique direcionou seus olhos até
mim. Tive uma vontade enorme de chorar por ver seus olhos abertos e por
ver medo, confusão e tristeza neles.
Me aproximei devagar e cheguei ao seu lado na cama. Havia uma
cadeira ali e eu me sentei. Seu olhar me seguiu em todos os meus
movimentos e agora ele me encarava.
— Oi — falei de forma baixa. — Como rezei para te ver acordado de
novo.
— Não me esconde nada. Preciso saber de tudo, de toda verdade. —
Sua voz estava extremamente rouca. Devia ser por causa dos tubos que
utilizou.
— Não vou esconder nada de você, jamais.
— Eu... — Sua voz embargou e meu coração apertou. — Eu não
sinto... minhas pernas. O que houve com elas? O que houve comigo? Meus
braços, mãos, cabeça e tronco se mexem, mas minhas pernas não.
— Você se lembra do acidente, certo?
— Tenho alguns trechos na memória, mas me lembro do caminhão
vindo em nossa direção. — Concordei com a cabeça e respirei fundo,
olhando para o médico que me autorizou com um leve balançar de cabeça a
falar.
— Seu acidente foi um engavetamento causado pela queda de uma
árvore naquele dia. Chovia muito e ela caiu em plena estrada não dando
chance a uma van que estava na frente de vocês e nem ao Fábio de frear a
tempo. Vocês entraram na traseira dela e em seguida um caminhão esmagou
vocês. Isso fez com que o carro em que você estava virasse uma sanfona
entre ele e a van.
— Jesus Cristo.
— Foi um milagre você sobreviver, Caique.
— E o Fábio?
— Ele não resistiu.
— Deus. — Caique fecha os olhos e vejo lágrimas descer por suas
bochechas.
— Nem ele, nem o motorista da van e do caminhão. A polícia
averiguou e depois de muita investigação, viram que o motorista do
caminhão não estava bêbado, ele teve falha nos freios na hora exata e não
teve como evitar a batida, pois estava rápido e já próximo a vocês. A polícia
concluiu que se os freios não tivessem falhado naquela hora, talvez tudo
fosse diferente.
— Fábio e ele devem ter morrido esmagados?
— Fábio, sim, mas o motorista atravessou o vidro do caminhão e foi
jogado na rua. Estava sem cinto. Sua única infração.
— E eu...
— Você foi socorrido de helicóptero depois que te tiraram das
ferragens e ficou em coma por três meses. — Caique tenta processar tudo e
leva as mãos à cabeça toda hora.
— Doutor, agora é com o senhor. Eu vou poder voltar a andar? — Vejo
o médico se endireitar e engolir em seco antes de falar.
— Infelizmente não. — Segurei meu choro nessa hora. — Caique,
você sofreu uma lesão torácica incompleta. E ela te fez perder os
movimentos e sensibilidade da lesão para baixo.
— Isso é paraplegia, certo? O que eu tenho? Se eu não movesse na
parte de cima seria tetraplegia.
— Isso mesmo.
— Como assim incompleta? O que isso quer dizer?
— Incompleta quer dizer que parte das vias que passam por sua
medula espinhal não foram afetadas por sua lesão.
— Isso parece ser bom, certo?
— O que você tem que ter ciência é que você fará tratamentos,
fisioterapias e com o tempo, por ela ter sido incompleta e pelo seguimento
que foi atingido, você pode recobrar alguma sensibilidade. Com o
tratamento é possível devido ao nível de sua lesão.
— Alguma? Só isso?
— Caique, a partir de agora, você tem que focar em você. Tudo que
fizer, pode trazer consequências boas ou não.
— Como assim?
— A lesão está recente, em sua chamada fase aguda e agora você não
sente nada. Mas com tratamentos adequados e sua força de vontade, você
pode vir a recobrar sensibilidade. Virão espasmos e tudo será a resposta do
seu corpo e do seu esforço. Nessa fase inicial você fará uso de sondas e
fraldas e até nisso os tratamentos podem ajudar, com o tempo, a você a
voltar a controlar suas necessidades fisiológicas e se ver livre delas. Como
sua lesão é incompleta, como te expliquei, ainda existem alguns
mecanismos de segurança da medula preservados, então ainda há uma
capacidade do sistema nervoso exercer algumas funções. Portanto, o
tratamento e o comprometimento com ele são de suma importância para que
você possa recobrar alguma sensibilidade e até movimentos abaixo de sua
cintura. Por isso que eu disse que as consequências podem ser boas ou não.
Só serão boas se você se comprometer.
— Mas andar...
— Não, isso infelizmente, não. Foque que, com os tratamentos
adequados, você poderá recobrar sua independência com o tempo. Houve a
lesão, mas de forma incompleta, então você tem essa chance. Muitos às
vezes não têm nem essa oportunidade.
Caique tapou o rosto e chorou copiosamente. Foi um choro
extremamente sofrido. Olhei aflito para o médico, que com um sinal me
mostrou que esse choro fazia parte. Ele agiu como alguém que vê muitas e
muitas vezes essa mesma cena e sabe o quanto o paciente precisa desse
momento.
Esperei ao lado do meu amigo em silêncio e o doutor também,
enquanto fazia algumas anotações em sua prancheta. Quando Caique se
acalmou um pouco, me olhou com os olhos vermelhos e de forma triste
para só depois se dirigir ao médico de novo. Este já tinha um olhar
carinhoso em sua direção.
— Desculpe, doutor, esqueci seu nome.
— Henrique.
— Doutor Henrique, esse tempo de comprometimento para essa tal
“independência” — Caique fez aspas com as mãos e o senti nervoso. —,
são semanas ou meses?
— Meses e anos.
— Minha vida acabou.
— Não diga isso, Caique. Você sobreviveu a um acidente terrível! —
Toquei seu braço.
— Pra quê? Pra ser um inválido? Pra ficar em cima de uma cama? Pra
ter alguém limpando minha bunda e trocando minhas fraldas? 
— Calma, Caique.
— Saulo, deixe-o. Esse rompante faz parte, eu o compreendo. Caique,
eu entendo você, o que está sentindo.
— Desculpe, mas o senhor não entende nada. Tem suas duas pernas
funcionando normalmente.
— Caique!! Não fale assim com o doutor, cara.
— Tudo bem, Saulo. — O médico era extremamente calmo e
concentrado naquela situação. — Caique, sua recuperação e sua reabilitação
não será apenas física. Será neurológica também. Haverá fases e fases, por
isso eu disse que tudo depende do seu esforço e força de vontade. Em
minha profissão vi alguns desistirem quando tinham chances até melhores
que você de recuperação. Entendo sua raiva, seu desespero, mas como
médico, tenho o dever de ser bem franco: não há a possibilidade de voltar a
andar mas há muitas chances de melhorar sua qualidade de vida, de não
depender de ninguém, apenas de você mesmo. Não condicione sua vida à
cadeira de rodas, mas aos seus braços, sua mente e seu coração que por
alguma razão continua batendo. Você verá as fotos de onde foi tirado
naquele acidente, ninguém acreditava na sua sobrevivência. — Caique não
tirava os olhos do doutor.
— Tudo que eu preciso tem aqui?
— Sim, o hospital é completo para sua reabilitação. Mas se quiser
tentar outros métodos, dou todo o encaminhamento.
— Vou sentir dores?
— Sim. Quando os espasmos começarem, e você forçar seu corpo, elas
virão também. Você fará uso de medicamentos que te auxiliarão nesta parte.
Nossa nutricionista já está trabalhando em sua alimentação, até ela será
muito importante em tudo que você fará. Daqui a algum tempo, começará
sua fisioterapia e poderá fazer exercícios físicos e fortalecer seus músculos
dos braços. Um psicólogo será de suma importância para você e aqui no
hospital já tem um à sua disposição. Oferecemos tudo, Caique. Só preciso
do seu querer. Mas por hora, descanse, assimile tudo que falei. Você
acordou de um coma e só autorizei que tudo fosse dito a você por saber que
perceberia suas pernas. Jamais te deixaria sem respostas. Posso pedir sua
irmã para entrar?
— Apenas ela está aí?
— Que eu tenha visto, sim.
— Sua mãe e seu irmão estão vindo ainda — falei.
— Quero ficar um pouco com o Saulo, logo peço para ela entrar.
— Ok, com licença.
Observei o médico fechar a porta e olhei para Caique, que enxugava os
olhos e depois olhou para mim.
— Por que isso aconteceu comigo? Por que, Saulo?
— Não sei, meu amigo, mas o importante é que você está vivo!! E
acho que poderia ter sido até pior. Caique, você estava todo torto em meio a
ferros retorcidos, com várias fraturas e custaram a tirar você. Nunca
esquecerei aquela cena.
— Nunca mais vou ter ninguém — ele disse triste e com os olhos
cheios de lágrimas novamente.
— Não pense assim. Eu li muita coisa durante o tempo do seu coma.
Fui até em palestras, conversei com outros cadeirantes e meu amigo, sua
vida não acabou. Só precisamos que você queira lutar e com o tempo se
adaptar.
— Por que ele fez isso? Eu tinha me apaixonado, Saulo.
— Esse verme já pagou.
— O que aconteceu? O que você fez?
— Eu processei ele e a redação. Sei que ele perdeu o emprego. Mesmo
que existam pessoas que esperam motivos para humilhar os outros na
internet, você ganhou muito apoio quando eu trouxe à tona como sua
intimidade foi exposta. Muita gente apoiou você. E quanto ao vazamento de
que sua mãe tinha cogitado que você comprasse materiais de quinta para o
shopping, a convenci de dar uma declaração e invertemos tudo isso. A obra
segue a todo vapor conforme você idealizou. Aurélio assumiu a Presidência
até você voltar e é como se você estivesse ao lado dele. Os acionistas te
apoiaram também e sua mãe não conseguiu te tirar da Presidência.
— Mas ela tentou, não foi?
— Sim, mas perdeu por 13 votos a favor de sua permanência contra 4
e um dos votos era dela.
— Ela deve ter desejado a minha morte.
— Não diga isso, mas desisto de tentar entendê-la. Ela teve que assistir
boa parte da internet apoiando você, a sua orientação sexual e condenando a
forma que você foi arrancado do armário. Gente famosa nesse meio. O
preconceito dela desceu ardendo pela garganta, com certeza. — Um
pequeno sorriso se fez presente no rosto de Caique, mas logo sumiu.
— Estou com medo das pessoas, não consigo mais confiar.
— Nem pense nos outros agora, apenas em você.
— Eu tinha planos pra ele. E no fim descubro que só fui um furo de
reportagem.
— Fiz o que estava em meu alcance, mas Deus viu tudo e o que é dele
está guardado.
— As famílias, tanto do Fábio, quanto do motorista do caminhão e da
van, receberam assistência?
— Do Fábio, sim, toda. Mas sua mãe não permitiu para os outros.
Principalmente para o do caminhão.
— Não acredito nisso.
— Ela disse que ele era culpado, mesmo eu mostrando que ele não
teve culpa. Foi um acidente, os freios falharam. Não me deixou de forma
alguma procurá-los para amparar. Desculpe.
— Não me peça desculpas, você não tem culpa.
— Você precisa de alguma coisa agora?
— Ficar sozinho.
— Por favor, Caique...
— Só me deixa ficar sozinho. Preciso apenas pensar e talvez dormir,
estou grogue pelos remédios.
— E sua irmã? Ela te ama muito.
— Também a amo, mas agora não quero ver mais ninguém, nem ela e
nem minha mãe e meu irmão.
— Tudo bem, meu amigo, descanse. Estarei sempre com você.
— Eu sei disso.
Capítulo 1
Dias atuais - 30/06/2022

— Obrigado, Flávia. Esses documentos precisam ser autenticados,


ok?
— Sim, senhor Caique. Pedirei que seja providenciado.
— Saulo já saiu da reunião?
— Saiu e disse que só ia pegar um café e vir aqui.
— Ok, obrigado.
Observei minha secretária sair da minha sala, fui até à mesa do café
pegar um copo para mim. Assim que peguei, girei minha cadeira de rodas e
fui até minha grande janela olhar a vista. Estava me sentindo cansado e
estava louco que mais um dia passasse rápido.
Fechei meus olhos momentaneamente e respirei fundo. Depois olhei
para minha mão e vi que tremia um pouco. Minha ansiedade estava a mil e
o meu desânimo ganhando cada vez mais espaço dentro de mim.
Mês passado havia feito oito anos do meu acidente. Oito anos que eu
estava nesta cadeira de rodas. Muitas coisas mudaram ao longo desse
tempo, mas mesmo com algumas conquistas, dentro de mim a inércia havia
dominado.
Minha psicóloga tentava me tirar dessa depressão, mas nada era capaz
disso. Fui amofinando, mesmo conquistando, mesmo lutando. Meu interior
foi morrendo, dia após dia.
O que me segurava era esta empresa. Era o sonho do meu pai que eu
tomava conta e que ao longo desses anos eu só fiz prosperar cada vez mais,
consolidando o seu sucesso.
Ouço batidas na porta e logo Saulo entra com seu sorriso de sempre.
Esse cara é meu alicerce, o irmão que nem mesmo o meu próprio irmão de
sangue nunca foi pra mim.  Esse tempo todo o seu apoio foi fundamental.
— Está tudo bem? — ele pergunta.
— Sim.
— Caique, mentindo pra mim?
— Não estou mentindo. Estou aqui olhando a vista, tomando um
cafezinho e pensando. Louco para ir pra casa também.
— Mal começamos o dia, Caique. Você não vai no coquetel da sua
irmã?
— Não.
— Caique, é a quarta festa em menos de dois meses que você não vai.
Eu tenho reparado você. Não vejo mais em seus olhos a esperança, a força
que vi desde que você iniciou seu tratamento. Olha tudo que você
conquistou, meu amigo!
— Eu sei das minhas conquistas e agradeço a Deus por isso. Mas sou
eu, Saulo. Eu não quero. Me sinto bem em meu apartamento.
— Você fica muito sozinho nele. Mesmo que tenha sido infinitamente
melhor sair da casa de sua mãe, eu tenho medo de você sozinho.
— Medo de que?
— Medo de você e da sua cabeça. Não vou mentir.
— Tem medo de que eu faça alguma besteira?
— Tenho.
— Sou covarde demais pra isso, não se preocupe.
Saulo se aproxima e puxa uma cadeira para ficar na minha frente.
— Não tenho medo apenas de alguma besteira. O jeito que você já está
me dá medo. Você não sai, é de casa para o trabalho e vice-versa. Mal te
vejo sorrir. Quando isso acontece, é mecânico, por educação. Apenas
comigo e Beatriz é mais natural. Está mais magro também. Você ficou bem
mais forte com os exercícios na academia, mas até ela você parou. Você tem
comido direito?
— Tenho. Quando não faço, peço em um restaurante. E quanto a
academia, uma hora eu volto.
— Você precisava ter uma secretária em sua casa.
— Já tenho a que limpa para mim. Não quero outra pessoa lá dentro. É
meu canto, meu refúgio.
— Sabe, acho que você está precisando sair, conhecer alguém, se
divertir.
— Esquece isso, não quero me relacionar com ninguém.
— Não julgue as pessoas pelos dois idiotas que não souberam
compreender você.
— É fácil dizer, mas ainda tenho na cabeça o olhar de pena de um
deles quando não consegui a ereção e as mensagens que recebi mostrando
que o outro estava me traindo. Desculpa, posso até ir em todas as festas do
mundo, só que outra pessoa em minha vida, eu não quero de forma alguma!
Estou farto, saturado e só quero viver em paz.
— Tudo bem, não irei insistir mais nesse assunto. — Passo as mãos
pelo meu rosto exausto.
— O problema não é você, não são as pessoas, não é a empresa. Nem é
esta cadeira que tem sido minha amiga e companheira, o problema sou eu.
Eu lutei, meu amigo, conquistei a minha independência como o doutor
Henrique tanto disse pra mim quando acordei do coma. Tem quatro anos
que não uso mais fraldas ou sondas. Tenho forças nos braços para
locomover minha cadeira. Para mudar dela para minha cama ou sofá, para
cozinhar. Sei tomar meu banho sozinho, recobrei alguma sensibilidade nas
pernas. Às vezes tenho ereção, mesmo que ela não funcione sempre ou se
sustente. E convivo melhor com as dores. Mas eu não aguento mais. Mesmo
com tudo, eu não aguento mais. Sinto como se eu me esvaísse como fumaça
um pouco a cada dia. É um conjunto de coisas na minha vida, não apenas o
meu acidente, entende? E esse acúmulo me sufoca mais a cada dia.
— Não fale assim, Caique. Que tom é esse?
— O tom da minha realidade.
— Eu não quero você se entregando desta forma, você está me
ouvindo? Eu proíbo você! Cadê o cara que não se cansava nos exercícios?
Cadê o cara que chegou nesta empresa de cabeça erguida para comandar o
seu império novamente? Que peitou a mãe e decidiu morar sozinho?
— Era o cara que, no fundo, lá no fundo do coração, esperou por um
milagre. Mas o passar do tempo comprovou que esse milagre não existiria.
Como disse, sou grato a Deus por minhas conquistas, mas eu morro um
pouco a cada dia nesta cadeira e ainda mais passando tudo que eu passo
com minha família. Não importa o que você diga, o que a Patrícia, minha
psicóloga diga, os médicos, não importa. Meu coração está cansado.
Saulo se levantou e começou a andar pela sala nervoso. Odiava trazer
preocupação para ele. Odiei cada internação que já tive até hoje por
complicações, por infecções urinárias, por uma pneumonia que tive, dentre
outras coisas. Saulo sempre tinha um medo absurdo. Ele acabou tomando
aversão a hospitais e agora eu o preocupava novamente.
— Me desculpe por te deixar assim. Só decidi abrir meu coração para
você. Não quero te enganar. Não vou cometer nenhuma besteira, fica
tranquilo com relação a isso.
— Já está cometendo se entregando desta forma. Depressão mata,
Caique.
— Não tenho como evitar.
— Desde quando está desta forma? Eu já venho te reparando diferente,
mas não tenho noção de exatamente desde quando. Sempre te vi em
momentos mais cabisbaixo, mas depois você estava lá sorrindo,
conversando comigo e eu achava que era só fases como o doutor tinha dito.
Mas não era, não é mesmo? Você só disfarçava?
— Sempre foi assim, mas eu me apeguei na esperança. Só que com o
tempo não fui mais capaz de frear a tristeza que me dominava. De uns seis
meses pra cá está bem pior. Mas, olha, só preciso descansar na minha casa.
A manhã é um novo dia e estarei aqui. — Saulo olhou pra mim magoado.
— Não faça parecer banal o que você está sentindo só para me
confortar. Sou seu amigo, porra! Mereço sempre a verdade.
— Por isso eu te disse.
— E agora tenta amenizar.
— Porque não há o que fazer.
— Droga! — Ouvimos batidas na porta e Flávia entrou.
— Desculpe incomodar, senhor Caique.
— Não está, Flávia. O que houve?
— Devido ao problema do mês passado que tivemos com a empresa
que cuida da limpeza, sua mãe quer que agora não seja mais terceirizado e
sim, que contratemos diretamente.
— Ela comentou isso comigo na última reunião e até concordei. Já
tivemos problemas com duas empresas e cansei disso. Mas temos que ver
isso logo, o contrato com eles acaba em três dias.
— Ela me pediu para selecionar currículos no site de empregos para a
entrevistas que ela mesma queria fazer. Mas hoje pela manhã ligou
avisando que não viria por causa do coquetel da senhora Beatriz e que
mandasse as entrevistas pro RH. Agora selecionei 50 pessoas como ela
pediu e não sei o que faço. Será que conseguiremos fazer nesse período que
temos? Pois o RH está trabalhando no processo seletivo do Jovem
Aprendiz.
— Ela ia entrevistar? Coitada das pessoas. De onde ela tirou isso de
entrevistar? — Saulo foi sarcástico e olhei para ele.
— Não sei pra que tanta gente, minha mãe sabe ser exagerada também.
Precisamos de 19 funcionários para cobrir tudo que a firma atualmente faz,
certo?
— Isso mesmo.
— Deixe o RH fazer as entrevistas iniciais. Eles são mais rápidos e
não vai absorver tanto o tempo deles, mas peça que assim que as 19 pessoas
que precisamos se destacarem, você seja comunicada e depois as envie pra
mim de forma organizada.
— Você vai entrevistar também? — Saulo me olha com ar de riso.
— Ficamos todos esses anos com firmas terceirizadas, mas agora essas
pessoas serão efetivadas em minha empresa e quero conhecer todos que
estou colocando aqui dentro. Quero que me conheçam também. Vamos unir
o útil ao agradável, não sobrecarrego o RH, que está com esse processo
importante e conheço os novos funcionários. Pra que horas está marcada a
primeira entrevista, Flávia?
— Para às 13 horas.
— Ok. Hoje vem 25 pessoas então?
— Sim.
— Coordene isso. Se alguma de hoje se destacar, mande pra mim.
Tenho algo importante para a parte da tarde?
— Hoje não, nenhuma reunião. Apenas revisões de contratos que o
senhor solicitou.
— Tudo bem, então estarei tranquilo aqui trabalhando e assim que
surgir alguém, mande vir.
— Sim, senhor.
— Matheus está na empresa?
— Sim, em reunião com um cliente.
— Ok.
Flávia saiu da sala e fui até minha mesa com os olhos de Saulo sobre
mim.
— Vai ficar me olhando agora?
— A conversa não acabou, Caique.
— Tudo bem, mas agora tenho que trabalhar. Tenho entrevistas pra
fazer.
— Vai ser cansativo, quer mesmo isso? O pessoal do RH é ótimo para
isso. A equipe é realmente boa.
— Eu sei, por isso confio na primeira seleção deles, mas quero
realmente conhecer todo mundo.
— Você que sabe, passarei por aqui quando tiver um tempo. Hoje vou
almoçar com um cliente.
— Ok.
Observo Saulo sair e respiro fundo. Fui bem sincero com ele e não me
arrependia. De todas as pessoas que me cercavam, minha maior
consideração era com ele. Então não poderia esconder meus sentimentos.
Ele não merecia.
Olho toda a minha sala e pelo menos em meu coração tenho a paz e a
certeza de que não decepcionei meu velho. Meu pai segue bem
representado enquanto eu for vivo.
Pego em minhas mãos a caneta que ele me presenteou quando me
passou a Presidência. Ela já acabou, mas está aqui na minha frente me
segurando como um bote salva-vidas. Toda vez que minha tristeza tenta me
engolir, olho para ela e me agarro. Só que infelizmente esse mar está se
tornando forte e fundo demais e sinto que a qualquer momento não serei
mais capaz de lutar contra a sua correnteza.
— Bom dia, parceiro!
— Bom dia, Picolé. Sua mãe melhorou?
— Sim, chegou ontem do hospital e agora é se recuperar em casa. Essa
covid ainda tá aí, cara. Sinistro.
— Está mesmo! Graças a Deus sua mãe se recuperou! Mas foi a
vacina, você sabe, né? — respondi.
— Com certeza! Valeu por insistir para ela tomar, não queria me ouvir
na época.
Eu tinha ido comprar pão e leite pro café da manhã e estava subindo a
rua onde eu morava. Logo teria que levar Juliana para a escola e mais um
dia tentar achar algum trabalho.
Desde que essa merda de pandemia afetou o mundo todo, tem sido
muito difícil. Fui demitido do cartório onde trabalhava quando eles
começaram a cortar despesas e desde então fazia bicos para ajudar nas
contas de casa. Cada hora tudo estava mais caro e com criança pequena, era
ainda pior. Tinha acabado de gastar 15 reais em cinco pães e uma caixa de
leite e fiquei assustado.
O sem-vergonha do meu padrasto não ajudava a gente em nada, não
dava um tostão de pensão pra filha dele. Nem tinha como colocar ele na
justiça, o infeliz era tão fodido quanto eu e vivia de bicos. Roberto tinha
largado a gente por outra família e deixou minha mãe criando sozinha a Ju,
que tinha apenas três anos quando ele foi embora.
A gente morava de aluguel aqui em Madureira, na zona norte do
município do Rio e levava uma vida simples. Graças a Deus consegui pelo
menos terminar meus estudos, mas faculdade era algo que não passou de
um sonho, ainda mais depois que perdi meu pai.
Seu Armindo Viana morreu há oito anos em um grave acidente quando
fazia uma entrega. Meu pai trabalhava para uma empresa que vendia
móveis, mas era ruim de pagar e depois descobrimos que nem seus veículos
ela vistoriava direito, já que meu pai bateu com o caminhão por seus freios
terem falhado quando ele mais precisou.
Meu pai não teve chance e foi jogado para fora de seu caminhão em
um engavetamento na Alta Estrada Lagoa Barra em um dia de muita chuva.
Outras pessoas morreram e uma ficou gravemente ferida. Um empresário
cheio do dinheiro. Mamãe quase morreu de tristeza e precisamos amparar
um ao outro. Eu tinha apenas 18 anos na época.
Hoje, aos 26, tinha esperança de um futuro melhor, futuro esse que
achei que tivesse chegado quando Roberto apareceu em nossas vidas, se
dizendo muito apaixonado por minha mãe e me tratando muito bem.
Quando Juliana nasceu trouxe muita felicidade para mim e minha mãe, era
um presente enorme depois de tanto sofrimento que passamos com a perda
do meu pai, com minha mãe tendo que trabalhar ainda mais com suas
costuras e eu pegando qualquer coisa pra ajudar nas despesas.
Tudo foi bom nos três primeiros anos com Roberto, mas o safado traiu
minha mãe e nos descartou por uma mulher mais nova. Agora era apenas
nós três: eu, Juliana e dona Kátia, que era uma mãe maravilhosa, apesar de
braba.
— Caralho, mãe! Acabei de gastar 15 reais na padaria! — Entro
revoltado em casa e flagro dona Kátia levantando-se rápido da mesa da
cozinha com um papel na mão. Ela pensa que não vi que também enxugava
o rosto.
— Tá tudo muito caro, filho. Esse governo está acabando com a nossa
vida. Só os bacanas que conseguem se sustentar direito — ela me responde
de costas, disfarçando e colocando o café pra passar.
— Mãe? O que houve? Não disfarça. Você está chorando?
— Não, meu filho.
Fui até ela e virei seu corpo em minha direção para que ficasse frente a
frente comigo.
— Não mente, mãe. Que papel era esse que você estava lendo?
— Enxerido você, caramba!
— Sou não, mas sou seu filho, moro com você e quero saber o que é
isso.
— Um aviso de despejo — ela disse de forma baixa.
— O quê? Por quê?
— Isso acontece quando tem aluguel atrasado.
— Mas você disse pra mim, quando perguntei, que estava pago, mãe.
Cadê o dinheiro que te dei daquela obra que peguei?
— Botei comida em casa, Fernando. Sua irmã não tinha nem merenda.
A escola não está dando nada, não podia mandar minha filha pra escola e
ela passar fome. Falei com a diretora e ela me disse que a escola não
recebeu o carregamento de merendas. O gás estava acabando também e só
ele está uma fortuna. Minhas costuras estão muito fracas, tentando voltar ao
normal. Aí quando você me deu o dinheiro, tinha um atrasado, mas usei pra
comida e agora juntou o segundo e eles mandaram esse aviso.
— Mas a gente já tem que sair?
— Não, é um aviso. Mas se em 30 dias não acertarmos os dois que tem
juros e juntar o terceiro, aí sim, vem a ordem de despejo
— Imobiliária, filha da puta. Moramos aqui desde os meus dez anos,
mãe. Nunca atrasamos nada e eles ainda colocam juros?
— Eles estão tentando sobreviver como nós.
— Mãe, leva a Ju na escola.
— O que você vai fazer, meu filho?
— Correr atrás de alguma coisa. Temos um prazo e eu preciso fazer
algo.
— O que você tem em mente, Fernando?
— Mãe, o que vier. Já fiz de tudo um pouco. Já trabalhei como
atendente, secretário, office-boy, pedreiro e trabalhei naquela empresa de
limpeza, lembra? Daquele shopping?
— Sim, me lembro. Desculpa, meu filho.
— Mãe! Que isso! Está me pedindo desculpas por quê?
— Por meter a gente nessa. Por não ter pagado o aluguel.
— Você foi uma mãe que deu o que comer aos filhos. Infelizmente
hoje em dia é isso, ou a gente come ou arca com as contas. Vai dar tudo
certo. Vou dar um pulo lá no Rogério e ver se tem alguma obra em vista.
— Tudo bem. Vou acordar a Ju e arrumá-la. Depois vou terminar a
bainha do vestido da Jurema e ir cobrar a Josefa que ainda não me pagou.
— É segunda vez que você fala isso da Josefa. Se te der outro calote,
não faz mais nada pra ela. A gente aqui tentando arranjar dinheiro e outros
dando uma de esperto, eu hein.
Saí do jeito que estava e fui andando até a casa de um conhecido que
sempre arrumava uns bicos pra mim em obras. Só que minha viagem não
foi bem-sucedida. Rogério me informou que até tinha uma em vista, mas
que o cliente cancelou por falta de dinheiro para os materiais. Voltei murcho
pelo caminho e com o cérebro fritando, pensando no que iria fazer.
Nessa hora me lembrei do meu pai, do homem forte que ele havia sido,
que cuidou muito bem de sua família em vida. Meu pai não desperdiçava
nenhum trabalho, pegava tudo que vinha. Infelizmente sempre teve uma
vida sofrida, não concluiu os estudos e com isso sempre foi autônomo. Não
deixou nenhuma pensão pra gente, não deu tempo.
— Presta atenção na rua, seu gostoso. — Olhei pra frente e vi Ricardo,
um carinha que eu estava saindo, mas tínhamos dado um tempo.
— Oi, Ricardo.
— Que cara é essa?
— Preocupação. Preciso de trabalho.
— Eu tava nessa, mas minha tia me chamou pra trabalhar pra ela numa
barraca de hambúrguer. Ela estava com preguiça de ficar lá e me contratou.
— Que bom! Não tenho uma tia dessa. — Ri do meu próprio
comentário.
— Mas mudando de assunto, bem que a gente podia sair de novo. O
que você acha?
— Ricardo, a gente já conversou. Minha mãe quase pegou a gente e
estamos com problemas demais agora pra eu trazer mais um.
— Você não pensa em falar pra ela sobre você, Fernando?
— Penso, mas tenho um medo do caralho. Se minha mãe me rejeitar,
eu fico sem rumo, Ricardo. Preciso cuidar dela e da Ju, elas só têm a mim.
— E se esquece nesse caminho?
— Quando tudo se acalmar eu penso nisso. Mas nem é só por ela que
não vou aceitar sair com você de novo, é porque do jeito que estou
preocupado, nem vou ser boa companhia.
— Vem cá, rapidinho. — Ricardo me puxou para um beco que tinha na
nossa rua e que agora estava mais escondido por uma kombi que estava na
frente.
Assim que entrei com ele, o safado me beijou e ele tinha um beijo
delicioso. Logo eu me via imprensado na parede, tendo minha boca atacada,
enquanto ele se esfregava de forma gostosa em mim. Conheço Ricardo
desde molequinho e minha primeira vez tinha sido com ele, mas a gente
nunca levou pro lado do romance, era uma brotheragem, aquela pegação
gostosa quando dava vontade. 
Logo fiquei duro, o fogo me lambeu a pele, mas o empurrei de leve e
ele juntou nossas testas.
— Desculpa, eu precisava desse beijo gostoso, mas respeito a sua
decisão.
— Gostei dele, não esperava. Mas agora preciso ir em busca de
trabalho.
Meu celular começou a tocar e era um número que eu não conhecia,
mas atendi.
— Alô.
— Bom dia, gostaria de falar com Fernando Viana.
— É ele, pois não.
— Bom dia, senhor Fernando. Meu nome é Flávia e sou da AGM
Construtora. Através da agência de empregos, seu currículo foi selecionado
pra gente conforme nossa procura. Estou ligando para uma entrevista. —
Olhei sorrindo para Ricardo, pois o safado ainda me beijava pelo pescoço e
o empurrei de leve para prestar atenção na moça. Fiz sinal de que a gente se
falava depois. Saí andando com a moça ao telefone comigo.
— Claro! Podemos marcar sim. De que empresa você é mesmo? Seria
para qual trabalho?
— Somos da AGM Construtora e seria para a área de limpeza da
empresa. Vi em seu currículo que o senhor já trabalhou para uma empresa
terceirizada em um shopping. Aqui nós iremos efetivar direto. — A
pronúncia do nome da empresa me fez travar na hora. Não tinha me ligado
na primeira vez porque Ricardo me distraía. Meu coração acelerou no peito.
Esse nome nunca tinha saído da minha cabeça. Fiquei um mês sem
acessar a internet após a morte do meu pai. Só se falava do acidente e do
CEO que estava envolvido no desastre. Ele não tinha morrido, estava em
coma, mas aquilo me machucava tanto, ainda mais por sempre vir
acompanhado das fotos horríveis do dia.
Quando tomei coragem para acessar a internet de novo, se aparecia o
nome dessa empresa, eu nem olhava, mudava de página. E assim eu fiz ao
longo de todos esses anos. Minha mãe então tinha crise de choro se ouvia
algo com o nome desse lugar. A família do CEO meio que culpou meu pai,
mesmo tendo sido comprovado de que foi um acidente.
— Senhor Fernando, ainda está aí?
— Desculpe, estou sim, o sinal tinha ficado fraco.
— Posso marcar a sua entrevista para hoje, às 13 horas? — Fechei
meus olhos com o coração aos pulos. Não sabia que porra a vida estava
fazendo comigo, mas sabia que precisava de dinheiro e um emprego batia
na minha porta. Tentei a todo momento me lembrar que tudo foi um
acidente, que o CEO não teve culpa, que meu pai não teve culpa e muito
menos a AGM Construtora. Minha mãe culpou a todos, mas era uma esposa
desesperada pela perda do marido e assim não podia pensar com clareza. E
por fim, suas palavras de mais cedo voltaram na memória.
“Botei comida em casa, Fernando. Sua irmã não tinha nem merenda,
a escola não está dando nada. Não podia mandar minha filha pra escola e
ela passar fome.”
— Pode marcar, dona Flávia. Estarei aí.
Respondi à mulher do outro lado da linha e a partir de agora eu tinha
mais uma coisa que esconderia da minha mãe. Nenhuma era um crime, mas
ambas eu sabia que a fariam sofrer. Só que ou era isso ou estaríamos na rua
daqui a 30 dias.
— Você pode anotar o endereço? Se não puder, envio para o e-mail
que está em seu currículo.
— Pode mandar para ele, por favor. Estou na rua.
— Ok. Aguardaremos o senhor, bom dia.
— Bom dia e obrigado.
Não tardou para o meu celular apitar mostrando que eu recebia o e-
mail. Fui para casa me preparar psicologicamente. Não sabia quem ia me
entrevistar, mas imaginava que diante de tudo, talvez o homem envolvido
no acidente nem estivesse mais na empresa, sei lá. Que Deus me ajudasse a
conseguir esse emprego.
Capítulo 2

Estava esmagado dentro do ônibus rumo à Barra da Tijuca. Estava


cada vez pior usar esse transporte, não tinha mais ar-condicionado nem
segurança alguma. Tinha vestido a minha melhor roupa, uma calça jeans
preta e uma camisa amarela. Nos meus pés o meu melhor par de tênis e no
meu coração a esperança de que no fim, essa minha decisão de ir a este
lugar fosse bom para minha vida.
Ainda bem que quando eu fosse descer do ônibus, teria que andar um
pedaço até a empresa. Daria para tomar um ar e me desamassar, pois estava
espremido pelas pessoas.
Dei pra minha mãe o nome de outra empresa que pesquisei no Google
e que também ficava na Barra. Não gostei de fazer isso, mas era necessário.
Quando saí do ônibus, parecia que do lado de fora é que tinha ar-
condicionado de tanto calor que fazia lá dentro. E olha que o dia nem estava
quente, mas o aglomerado de pessoas fez ficar insuportável.
Peguei na bolsa que estava comigo meu álcool em gel e limpei as mãos
para depois tirar minha máscara um pouco e deixar meu rosto respirar.
Havia trazido outra limpa caso fosse necessário entrar de máscara na
empresa. Estávamos, aqui no Rio, liberados para andar sem ela, mas eu
sempre a usava em transporte público e sempre tinha meu álcool junto
comigo. Peguei essa merda de covid no início da pandemia. Fiquei bem
ruim, mas me isolei e nem contaminei os outros lá de casa. Agora
estávamos todos vacinados e isso me deixava um pouco mais tranquilo.
Depois de uns 15 minutos andando, vi o grande prédio da AGM
Construtora. Cheguei a parar na calçada pensando em tudo que isso
significava. Pensei no meu pai e pedi ajuda a ele para que eu conseguisse o
emprego e que fosse capaz de ajudar minha mãe para não passarmos
nenhuma necessidade.
Quando entrei no prédio havia uma recepção bonita e me identifiquei
que estava com uma entrevista marcada. Fui direcionado para o setor de RH
e lá fiquei sentado em um sofá enquanto aguardava ser chamado. Quando já
estava ali sentado, há uns cinco minutos, mais dois rapazes e uma moça
chegaram também. Tanto eu quanto eles, chegamos um pouco mais cedo
que o horário marcado.
A única moça presente retocava seu batom, enquanto eu estava
preocupado com os amassados na minha camisa. O lugar era bem chique e
me senti até malvestido.
— Fernando Viana. — Meu nome foi chamado por uma moça
simpática e muito elegante que se identificou como Michele.
Assim que entrei na sala do RH, percebi que a cada canto que eu
entrava, mais luxuoso ficava. Descobri ali que eles estavam fazendo uma
entrevista inicial e caso eu fosse selecionado, seria entrevistado pelo CEO
da empresa. Nessa hora minhas mãos ficaram geladas.
— Fernando, gostei muito de você e te informo que você já é um dos
selecionados. Vou pedir que aguarde em outra sala e a secretária Flávia virá
te buscar para a outra parte da entrevista, ok?
— Eu posso saber o nome de quem irá me entrevistar agora?
— Sim, é o senhor Caique Montenegro, o presidente da empresa. —
Agora eu não lembrava se o nome do CEO na época era Caique, tinha visto
em algum lugar o nome dele, mas ficou gravada apenas o nome da empresa
na minha memória. Muitas vezes só se referiam a ele como o CEO da AGM
Construtora.
— Ok, obrigado. Vou aguardar.
Sentei-me em outra sala e lá esperei. Até que uma moça baixinha e que
usava óculos, chegou perto de mim.
— Boa tarde, Fernando. Nos falamos mais cedo no telefone.
— É um prazer, dona Flávia.
— Seja bem-vindo a AGM Construtora. Venha comigo que o senhor
Caique irá te receber.
A vontade que eu tinha por todo caminho era de perguntar se ele era o
CEO do acidente, mas jamais falaria isso. Meu coração não estava
sossegado dentro do peito.
Passamos por um rapaz que estava com um carrinho de material de
limpeza bonito e ele limpava um quadro.
— Se eu ficar, irei trabalhar como ele? — perguntei à Flávia.
— Sim, eles são da firma terceirizada que temos atualmente. Mas
daqui a três dias o contrato se encerra, por isso estamos contratando.
— Ah, sim.
Pegamos um elevador e no último andar, o 13º, ficava a Presidência.
Flávia pediu que eu me sentasse em uma recepção elegante e espaçosa e
que aguardasse. Foi me oferecido água e café e eu aceitei a água. Precisava
me acalmar.

Já tinha almoçado e estava novamente revisando alguns contratos


quando Flávia bateu na porta e entrou.
— Senhor Caique, o primeiro selecionado já aguarda. O nome dele é
Fernando Viana. Aqui a ficha que ele preencheu e o parecer do RH.
Recebi os documentos das mãos de Flávia e li um pouco sobre
Fernando. Ele tinha 26 anos e uma boa experiência profissional, tinha
trabalhado em várias funções. Morava em Madureira e pegaria BRT* para
chegar aqui. Na referência do RH estava escrito que ele era educado e
solícito. Se expressava bem e era atencioso. Mostrou vontade de trabalhar,
inclusive relatando que havia perdido o último emprego por causa da
pandemia.
— Peça ao Fernando que entre, Flávia. Por favor.
— Sim, senhor. — Enquanto Flavia foi buscar o rapaz, bebi um pouco
da minha água que estava sobre a mesa e me encostei melhor na cadeira no
momento exato em que ele entrou.
Fernando entrou tímido e olhando tudo a sua volta. Quando enfim me
viu, engoliu em seco e se aproximou mais decidido. Ele era um rapaz de
estatura considerável, nem baixo e nem alto demais. Tinha traços fortes no
rosto, que lhe traziam uma beleza marcante. Cabelos em um corte curto nas
laterais e um pouco maiores em cima e olhos observadores. Pude ver
algumas tatuagens nos braços também.
— Boa tarde, senhor Caique.
— Boa tarde, Fernando. Seja bem-vindo a minha empresa. Sente-se,
por favor.
— A senhora Michele do RH me disse que eu faria uma entrevista com
o senhor também. — Ele estava nervoso. Sempre fui observador, mas
depois de ficar paraplégico, passei a reparar mais ainda, até mesmo para
identificar o olhar de pena nas pessoas.
— Eu quero apenas conhecer quem vou efetivar em minha empresa.
Trabalhamos sempre com firmas terceirizadas e agora estou mudando isso.
Michele gostou muito de você e confio muito em minha equipe. Aqui diz
que você tem o segundo grau completo.
— Sim, só não fiz faculdade. Mas terminei meus estudos.
— Onde foi seu último trabalho, Fernando?
— Eu era office boy em um cartório, mas aí veio a pandemia e fui o
primeiro a ser mandado embora. Daí fiz bicos em várias coisas quando
fomos saindo da quarentena.
— Mas hoje ainda está desempregado.
— Sim e estou precisando muito. Tenho criança pequena em casa.
— Aqui não está falando sobre isso. Nós temos um auxílio creche
muito bom e seu filho pode ser incluído no plano de saúde que você recebe.
— Não, desculpe, não expliquei direito. Tenho uma criança pequena
em casa, mas é minha irmã de cinco anos. Não tenho filhos. Eu moro com
minha mãe e ela.
— Então você é o homem da casa.
— Sim. — Ele ficou um pouco triste neste momento. Fernando era
bem fácil de ler, bem expressivo. — Perdi meu pai há alguns anos e meu
padrasto nos deixou por outra família.
— Sinto muito.
— Obrigado. Então, estou em busca de emprego para ajudá-las. Minha
mãe trabalha com costura, mas a quantidade de encomendas não voltou ao
normal depois da pandemia. E precisamos pagar o aluguel antes que nos
despejem. — Doeu ouvir aquilo. Eu tinha meus problemas, mas outras
pessoas tinham os seus. Fernando poderia estar envolvido com algo errado
para conseguir dinheiro, mas estava aqui me pedindo um emprego.
— Vou pedir que sua irmãzinha seja incluída em seu plano de saúde
como sua dependente, mesmo não sendo sua filha.
— Incluída? Isso quer dizer que...
— O emprego é seu, Fernando.
E ele sorriu.
Tinha tempo que eu não via um sorriso tão sincero, tão genuíno. A
felicidade e o alívio estavam estampados no rosto de Fernando. Me senti
bem em proporcionar isso a ele. Tanto, que me peguei sorrindo junto e nem
tinha percebido.
— Não sei como agradecer.
— Seja um bom funcionário apenas.
— Eu serei, prometo.
Ouvimos um pigarro e olhei para porta vendo Saulo parado nos
olhando.
— Entre, Saulo. Deixe-me te apresentar. Esse é nosso novo
funcionário, Fernando Viana.
— Prazer, Fernando.
— Prazer, senhor.
— Estava aí há muito tempo? — perguntei a Saulo.
— Alguns minutinhos. Não quis atrapalhar a conversa de vocês.
— Nem vi você entrar — falei e Saulo sorriu e se sentou olhando o
celular. — Bom, Fernando, espero que goste de trabalhar conosco. Vou falar
com Flávia sobre sua irmã.
— Agradeço muito ao senhor.
— Sei que vai precisar de uma declaração escolar. 
— Ela estuda em uma escola municipal, vou pedir minha mãe para
solicitar.
— Isso. — Sorri de novo.
Saí de trás da minha mesa e fui para frente de Fernando. Notei que ele
se surpreendeu por eu estar em uma cadeira de rodas, mas acho que é
porque ela ficou disfarçada pelo meu blazer em minhas costas. Não vi olhar
de pena nele, foi apenas o de espanto momentâneo.
Estendi a mão e ele a segurou firme.
— Seja bem-vindo. Você começa em quatro dias. Flávia vai te passar
todas as coordenadas. Horários, uniforme, tudo.
— Obrigado, senhor Caique. Estarei aqui. — Fernando se levantou e
como eu estava sentado, e agora perto dele, o achei mais alto de que quando
entrou. Ele falou novamente com Saulo, que o acompanhou até a porta. Me
senti bem em ajudar uma pessoa.
Quando Saulo se virou para mim, ele me olhava com curiosidade.
— O que foi?
— Apenas vi um sorriso seu que não via há anos.
— Sorriso?
— Sim, que você direcionou ao rapaz.
— Que isso, Saulo. Apenas fui educado com uma pessoa agradável. E
me senti extremamente bem em ajudar alguém que claramente precisa
muito de ajuda. Acho que ele está quase sendo despejado de sua casa.
— Sério?
— Sim.
— Vi que também você deu a ele um benefício que é destinado a
filhos.
— Dei. Ele mora com a mãe e irmã de apenas cinco anos. Não tem pai,
já faleceu, e o padrasto os abandonou.
— Uma situação muito difícil.
— Muito.
— Sua mãe ia surtar com isso.
— Problema dela. Vou esperar o próximo da entrevista.

Quando a senhora Flávia disse que eu podia entrar, rezei para todos os
santos que eu conhecia e pra Deus para que tudo desse certo. E lá no fundo,
para que ninguém aqui soubesse de quem eu era filho. Não sei, de repente
senti um medo danado disso. Talvez fosse porque eu estava mentindo pra
minha mãe e nunca se deve fazer isso. Se ela soubesse onde eu estava
tentando um emprego, ia ter um troço.
A sala era um espetáculo e meus olhos tentaram captar tudo que eu
pude naquele momento. Até me virar e vê-lo sentado à sua mesa. Era a
primeira vez que eu ficava de frente pra um CEO, uma pessoa muito
importante de uma empresa tão grande.
Engoli em seco, respirei fundo e dei passos firmes, sendo
acompanhado por um par de olhos muito bonitos que me olhavam com
simpatia. Isso sim já foi uma baita novidade.
— Boa tarde, senhor Caique.
— Boa tarde, Fernando. Seja bem-vindo a minha empresa. Sente-se,
por favor — ele respondeu e me sentei naquela cadeira muito confortável
sentindo três coisas: esperança, medo e um perfume tão gostoso que eu
sabia que jamais iria esquecer.
Na sequência eu passei pela entrevista mais confortável da minha vida.
Isso já começou no setor do RH, pois Michele foi muito simpática e
educada comigo, coisa que para um negro e desempregado no Brasil era de
se admirar.
Mas aqui, de frente para a pessoa mais importante da empresa, o
tratamento não foi diferente. Pelo contrário, ele foi ainda mais agradável e
atencioso. O senhor Caique, era até estranho pensar nele assim, pois nem
velho ele era, chutava no máximo uns 35 anos, mostrou-se preocupado
quando mencionei ser eu, o homem da casa e sua gentileza de incluir minha
irmã em um programa apenas para filhos de funcionários foi incrível. Não
sei como seria o trabalho, quer dizer, até sabia, só não conhecia o nível de
exigência deles. Mas já tinha certeza de que só sua educação e humanidade
comigo já valia qualquer coisa.
O medo inicial até havia sumido, Caique me deixou confortável.
Quando ele disse que o emprego era meu, senti meu coração quase sair do
peito tamanha força com que ele bateu. Nossa casa estava salva e não
teríamos que morar na rua.
Com meu padrasto não dava pra contar. Meu pai era filho único, meus
avós falecidos, de ambas as partes e minha mãe tinha apenas uma irmã e
não se dava bem com ela. Tia Tânia era um ser humano que só sabia
infernizar a vida dos outros. Se não conseguíssemos honrar com o aluguel,
era na rua que iríamos parar.
Mas com certeza a maior surpresa para mim no dia foi descobrir que
meu futuro patrão era deficiente físico. Quase não acreditei quando o vi
naquela cadeira que a princípio ficou disfarçada com seu blazer que estava
no encosto e por isso achei que ele estava apenas sentado em uma cadeira
qualquer. Senti uma pontada de dor em meu peito.
Quando fiquei de pé, após apertar sua mão e depois que ele terminou
de falar as últimas orientações, senti uma vontade absurda e inexplicável de
lhe pedir perdão. Fiquei surpreendentemente tocado por sua condição. 
Um outro homem que também estava na sala e se chamava Saulo, me
acompanhou até a porta e com uma educação exemplar.
Agora, eu estava aqui, com as mãos tremendo, sem acreditar que havia
conseguido um emprego em um lugar tão bonito. E só voltei a realidade
com a senhora Flávia parando na minha frente.
— Tudo bem, Fernando?
— Ah, sim, me desculpe. Tudo bem! O emprego é meu — falei e sorri,
sendo correspondido por ela.
— Fico muito feliz em saber disso. Deixe-me te passar as coordenadas
finais.
Flávia me passou tudo que eu precisava saber. Falou sobre os
uniformes que eu receberia e que eles até davam o calçado. Falou do meu
crachá para acesso ao prédio, do setor que funcionava como refeitório para
os funcionários e do meu salário. Essa parte me fez sorrir ainda mais. Meu
horário seria de oito da manhã às 18 horas, de segunda à sexta. O setor que
eu ficaria responsável, eu saberia só daqui a quatro dias quando chegasse
para trabalhar. Fiquei feliz com isso, eu não precisaria andar por todos eles
limpando.
Observava Flávia preencher um papel com o endereço do lugar onde
eu deveria fazer meu exame médico, quando lhe fiz uma pergunta.
— O senhor Caique foi muito simpático comigo. Ele está como CEO
aqui há muito tempo? — Flávia me olhou e sorriu.
— Ele é um amor de pessoa. E sim, ele está. O senhor Caique é
presidente desta empresa desde que seu pai faleceu em 2013. Nunca houve
outro CEO além dele, quer dizer, apenas o vice-presidente que assumiu
quando ele sofreu um acidente em 2014.
Meu coração disparou tanto que precisei puxar o ar. Então era ele, o
senhor Caique era o CEO que vi tanto falar na internet e que sofreu o
mesmo acidente que meu pai. O caminhão do meu pai havia o deixado em
uma cadeira de rodas. Minha boca havia ficado seca de repente.
— Fernando?
— Ah, oi, desculpa! Me distraí.
— Aqui o endereço do consultório. Te esperamos no dia combinado.
Saí da empresa meio aéreo. Não sabia o que pensar de tudo isso, da
mentira pra minha mãe e do que o senhor Caique pensaria se descobrisse
quem eu era. Mesmo feliz por ter conseguido o emprego e a solução para os
nossos problemas, meu coração estava apertado por tudo. A imagem dele
naquela cadeira não saía da minha cabeça. E por mais estranho que
parecesse, eu me sentia culpado por isso.
Capítulo 3

A felicidade da minha mãe foi tão contagiante que, por instantes, a


agonia que eu sentia foi aplacada. Na mesma hora ela ligou para a
imobiliária e avisou que eu tinha conseguido um emprego e que logo
acertaríamos tudo. Até um jantar especial ela fez pra gente.
— Você vai trabalhar de terno, Fê?
— Não, Ju. Vou trabalhar de macacão. Sou funcionário da limpeza.
— Mas vai ser bonito o seu macacão também, não é?
— Com certeza, sim, lá é tudo muito chique.
— Ela está empolgada, meu filho. Agora você que parece não estar.
— Impressão sua, mãe. Estou também. É que fiquei tão nervoso na
hora, que acho que agora meu corpo resolveu me cobrar e me sinto cansado.
— Vamos jantar e você descansa. Tenho uns trocadinhos ali e amanhã
você vai ajeitar esse cabelo.
— Ele nem está grande, mãe.
— Mas o pezinho que cresce primeiro está. Se eles são tão chiques,
irão reparar em tudo.
Naquela noite custei a dormir. Fiquei pensando em toda minha vida.
Tudo mesmo. Da infância e adolescência com meus pais aqui comigo. Me
lembrei dos meus amigos e bagunças na época de escola. De quando me
toquei que gostava de meninos e do primeiro beijo que dei em um menino
escondido no banheiro do colégio. Da vergonha que senti depois, mas
também da felicidade que fiquei em me entender e aceitar. Me lembrei da
minha primeira vez com o Ricardo, que foi muito boa apesar de dolorida.
Da desconfiança da minha mãe sobre minha orientação sexual e seu
semblante de desagrado, uma das coisas mais tristes pra mim, pois o
resultado disso é ter que namorar escondido, sem poder ser quem sou de
verdade.
Não consegui evitar me lembrar do acidente do meu pai, das fotos
horríveis na internet e da pior tarefa que já me deram na vida: reconhecer o
corpo dele. Minha mãe não tinha condições nenhuma e foi minha essa
responsabilidade.
Daí me lembrei da chegada de Roberto em nossas vidas e da única
coisa maravilhosa que ele nos deu: minha irmã. Amava muito a minha
pequena e faria sempre tudo por ela.
Por fim, o Caique veio em meus pensamentos e nele, ele seria apenas
Caique, sem o “senhor”. Mas na empresa precisava ter todo o respeito,
afinal, ele era meu superior e dono de tudo aquilo. Não conseguia nem
imaginar tudo que ele passou naquele acidente horrível, o durante e o
depois, principalmente.
Dormi chateado e ansioso.

Quatro dias depois...

Pensei que não chegaria à empresa para o meu primeiro dia de


trabalho. Aconteceu um tiroteio horrível. Eu não morava dentro da
comunidade, mas, minha casa ficava bem na entrada dela e por ali andava
uma violência danada.
Neste momento eu estava pegando meu uniforme de trabalho e sendo
guiado até o vestiário dos funcionários. Ele parecia aqueles banheiros de
academia, mas claro, muito bonito, cheio de armários, chuveiros e cabines
de banheiro mesmo. Recebi uma chave e um cadeado para guardar meus
pertences. Tinha até meu nome gravado em uma plaquinha, na porta do
armário e achei bem chique.
Após guardar tudo e trocar de roupa, fui até um grande espelho que
tinha ali e me olhei. Fiquei maneiro com a roupa que não tinha cor berrante
e sim de um azul mais escuro. As botas eram confortáveis e macias.
Assim que saí do vestiário, uma mulher que se chamava Vanessa, que
seria minha coordenadora, me mostrou o meu carrinho de trabalho e me
ensinou que eu era responsável por tudo nele. Inclusive de reabastecê-lo
sempre com antecedência para nunca me faltar nada e eu ter que sair do
meu setor para pegar. Ele era bem equipado e com materiais de boa
qualidade.
Vanessa me informou que eu ficaria responsável pelo setor da
Presidência e isso já me deixou nervoso, mas apenas concordei. Ela não era
mal-educada, mas senti que era bem rigorosa.
— Tudo entendido, Fernando?
— Tudo sim, dona Vanessa.
— Seu setor é apenas o da Presidência, no décimo terceiro andar. Não
precisa limpar nenhum outro. Naquele andar além da sala do presidente,
tem mais três de reuniões, banheiro feminino e masculino, a copa, uma sala
de vídeo conferência e a sala do vice-presidente.
— Sim, senhora. Entendi.
— Vou com você até lá hoje porque é seu primeiro dia. A senhora
Flávia você já conhece, não é?
— Sim, a conheço.
Assim que chegamos, tirei meu carrinho do elevador de serviço e logo
vi Flávia na recepção. Ela me deu um lindo sorriso.
— Bom dia, Fernando. Seja bem-vindo novamente.
— Bom dia, dona Flávia. Obrigado.
— Pode deixá-lo comigo, Vanessa. Os outros já estão em seus setores?
— Sim, Fernando foi o último que encaminhei.
— Ótimo. Agora você fica fazendo a fiscalização, ok?
— Ok, com licença. — Percebi que era o primeiro dia da Vanessa
também.
Assim que ela se retirou, Flávia se dirigiu a mim novamente.
— Preparado para o seu primeiro de muitos dias?
— Se Deus quiser, estou sim!
— Então vem que você hoje tem que começar pela sala de vídeo
conferência porque o senhor Caique tem uma chamada importante. Depois,
ali, naquele quadro, basta você seguir a ordem que está marcada para a
limpeza inicial do dia. No topo, sempre vai haver o primeiro que têm que ir
assim que chegar. Como hoje estou te recepcionando, já falei do primeiro
local. Essas salas de reuniões são usadas diariamente e mais de uma vez por
dia, por isso você fica aqui para sempre manter tudo limpo. Os banheiros
têm que limpar mais de uma vez e repor coisas que forem faltando.
— Pode deixar, sempre irei olhar ali e manterei tudo limpo.
Flávia me mostrou rapidamente todos os lugares do meu setor. Só não
entramos na sala do Caique. Por fim, fui para a sala de vídeo conferência.
Era grande e como estava vazia, estava ótima para limpar, apesar de nem
aparentar estar suja. Como disse, tudo em meu carrinho era de primeira,
então deixei o local limpo e perfumado.
Estava acabando de limpar uma mesa que ficava no canto e que
provavelmente seria para um café, quando levei um susto com o Caique e o
Saulo entrando.
Saulo logo me deu bom dia, que eu acho que respondi, pois fiquei
preso em Caique que também travou na cadeira por alguns instantes.
— Bom dia, Fernando.
— Bom dia, senhor Caique.
— Então você que ficou neste setor.
— Sim, quando cheguei fui comunicado.
— Foi a Flávia responsável por escolher, confio nela. — Caique deu
um pequeno sorriso, desses que nem mostram os dentes e dirigiu sua
cadeira mais para dentro da sala.
— Já estou terminando, desculpem estar aqui ainda.
— Não se preocupe, rapaz, nós que viemos cedo pra cá. Pode
continuar tranquilo — Saulo respondeu simpático e ficou conversando com
o Caique.
Terminei e logo estava guardando minhas coisas. Antes de sair, pedi
licença e da porta olhei para dentro da sala. Caique olhava para um papel
que Saulo havia lhe dado e achei seu semblante bem cansado.
Quando me dirigi para a área dos banheiros, vi uma mulher sair do
elevador e ela era a elegância em forma de gente. Estava vestida com um
vestido azul clarinho, longo, mas bem esvoaçante. Saltos bem altos e cheia
de joias.
Ela olhou para Flávia com cara de quem comeu e não gostou, mas
desejou bom dia. Mas foi seu olhar para mim que me fez ter vontade de
fazer o sinal da cruz. Falei “bom dia”, de cabeça baixa e apertei meu passo.
Antes de entrar no banheiro, olhei para trás e a vi entrando também na sala
de vídeo conferência.
Estava no banheiro masculino, limpando, quando Flávia me chamou
da porta.
— Oi!
— Só queria te passar uma coisa para você não ficar perdido. Aquela
que você viu passar é a senhora Branca Montenegro, mãe do senhor Caique.
O irmão dele trabalha aqui também e se chama Matheus.
— Ah, sim. Obrigado por me informar, dona Flávia.
— De nada.
Fiquei com o olhar daquela mulher na cabeça, mas continuei o meu
serviço. Em uma hora eu já tinha limpado quase tudo, faltava apenas a sala
do Caique, uma de reunião e voltar novamente na de vídeo conferência
assim que eles terminassem por lá.
Trocava o lixo da cesta da Flávia, logo após terminar a sua mesa,
quando a porta da sala se abriu e a mulher com cara de entojo saiu pisando
duro. Novamente o seu pior olhar foi para mim, mas quem ouviu foi a
pobre da Flávia.
— Aprenda a escolher melhor a seleção dos funcionários, sua
incompetente. 
Flávia ficou com dois olhos arregalados e observamos a mulher sair
cuspindo fogo. Ainda estávamos em choque olhando para o elevador, agora
fechado, quando ouvimos a voz de Caique perto de nós.
— Flávia, Fernando. — Olhei imediatamente para ele e devia estar
com cara de apavorado.
— Senhor Caique, eu fiz algo de errado? A dona Branca...
— Claro que não. Você é uma excelente funcionária e faz tudo
absolutamente certo e como eu gosto. — Seu olhar se voltou para mim. —
Fernando, minha mãe falou algo com você? — Engoli em seco. — Pode
falar.
— Não, a mim ela não se dirigiu em palavras, apenas me olhou de uma
forma estranha. — Tive que dizer e isso fez Caique soltar um suspiro forte.
— Venha até minha sala, por favor. — Olhei para Flávia preocupado,
era meu primeiro dia e já era chamado na sala do patrão. Ela me devolveu
um olhar reconfortante, mesmo ainda atordoada pelas palavras da dona
Branca.
Segui o meu patrão empurrando meu carrinho. Se eu fosse mandado
embora era só o devolver para a Vanessa. Mas se o emprego ainda fosse
meu, ia aproveitar para limpar a sala dele.
Assim que entramos na sala, observei Caique ir em direção a um sofá e
virar sua cadeira. Acomodei meu carrinho discretamente em um canto e fui
até ele que apontou para que eu me sentasse no sofá e assim eu fiz.
Como ele estava bem de frente para mim e perto, olhei dentro de seus
olhos e nossa, eles eram de um azul impressionante.
— Peço desculpas pela minha mãe. Ela é uma pessoa extremamente
difícil e com atitudes que muitas vezes não condizem com os meus
pensamentos.
— Ela não me disse nada. Apenas me olhou de forma estranha. Ela se
dirigiu a dona Flávia com aparente raiva e nós ficamos sem entender.
— Você foi o motivo da raiva dela. — Arregalei meus olhos. — Ela
não gostou de ser você aqui neste setor e ouviu poucas e boas de mim.
— Não queria causar uma briga. O que eu fiz? Por que ela não me
queria aqui? — Caique ficou extremamente desconfortável com a minha
pergunta e quando uma luz se acendeu na minha cabeça, olhei triste para
ele.
— É por eu ser...
— Sim. Me desculpe, Fernando.
— O senhor não tem que me pedir desculpas, o preconceito não veio
de sua parte, pelo contrário. Jamais fui tão bem tratado em uma entrevista
como fui aqui e principalmente pelo senhor. É triste conviver com a
mentalidade de algumas pessoas, mas não tenho o poder de mudá-las. Sei
meu valor, a pessoa que eu sou, o homem que minha mãe criou. E enquanto
eu tiver minha consciência tranquila, não serei afetado por mentes assim. —
Caique me observava atento. — O emprego ainda é meu? — Tive que
perguntar.
O franzir das sobrancelhas dele foi tanto que tive vontade de rir. Como
se eu tivesse falado o maior absurdo de todos os tempos.
— Mas é lógico que o emprego é seu. Eu sou o presidente daqui e não
estou atrás daquela mesa à toa. Falei algumas verdades para ela e nada
muda.
— Obrigado.
— Como está sendo o seu primeiro dia?
— Estou indo bem. Está produtivo. Inclusive... — Olhei em volta. —
Preciso limpar a sua sala.
— Fique à vontade. Estarei na minha mesa. — Caique remanejou a
cadeira e se virou. Mas antes que ele continuasse, não consegui segurar
minha língua dentro da boca.
— O senhor hoje está meio abatido. Está tudo bem? — Caique não se
virou para me responder, apenas olhou de lado.
— Estou bem, fique tranquilo. Pode limpar por aqui que não irei te
atrapalhar.
Fiquei de boca aberta por duas coisas: a simplicidade dele, o CEO da
empresa, dizer que não iria me atrapalhar e pela mentira deslavada de que
estava bem, pois era nítido que não estava. Será que ele sentia dores? Não
conhecia bem a vida de um cadeirante. Aliás, isso era uma falha. Devíamos
sempre ser bem-informados a respeito de tudo. Fiz uma anotação mental de
fazer algumas pesquisas.
Fui em meu carrinho e logo comecei a limpar. Fui primeiro na estante
enorme e cheia de livros, troféus e outras coisas que tinha na sala. Caique
permanecia quieto e concentrado em alguns papéis que estavam sobre sua
mesa.
Fiquei pensando na atitude da mãe dele e cheguei a me perguntar como
uma mulher assim podia ser mãe de um homem como ele. Foi nessa hora
que parei segurando um dos troféus e o olhei. 
Caique hoje usava um conjunto de terno azul marinho, mas estava sem
gravata. Seus cabelos lisos e um pouco grandes, estavam jogados para trás
de forma charmosa. A ruga entre as suas sobrancelhas estava lá, mostrando
sua concentração ou chateação com algo, não sabia definir. Me esqueci de
continuar limpando o troféu conforme observava como ele segurava na
caneta. Mas foi uma careta de dor por parte dele que me fez voltar a
realidade e cheguei perto de sua mesa em segundos.
— O senhor está bem? — Caique me olhou com os olhos arregalados e
expressando o incomodo que sentia.
— Estou. — Sua voz saiu fraca e um pouco sofrida. — Está na hora do
meu remédio.
— Eu pego um copo de água — respondi, já indo até uma mesa bonita
que tinha em um canto com água e uma garrafa térmica.
Quando voltei com um copo cheio de água, ele me olhava sério e eu
fiquei sem graça.
— Eu já tenho uma água aqui na mesa, Fernando. Não se preocupe,
consigo me virar.
— Desculpe, não interpretei que não sabia, apenas quis ajudar. —
Caique passou a mão no rosto, jogou um comprimido na boca e bebeu a
água de sua garrafa.
— Você também me desculpe, mas é que gosto de fazer as coisas
sozinho. Já basta estar preso nessa cadeira. Não ser capaz de pegar uma
água pra mim mesmo seria o meu fim.
— Entendo. Não vejo sua cadeira como uma limitação para o senhor.
— Caique encarou meus olhos. — Mas como vi sua expressão de dor, eu só
quis acabar logo com ela. — Ele engoliu em seco. — Deixe-me continuar o
meu serviço.
Fui até à mesa da água e deixei o copo em outra bandeja que vi ser
para copos usados. Voltei para a estante sem mais encarar meu chefe e me
empenhei em ser mais rápido para sair logo de dentro daquela sala. Me
xingava por dentro por estar olhando pra ele, por ter me metido onde não
era chamado e até por ter esquecido de colocar crédito no meu telefone
antes de vir pra cá. Comecei a me xingar por tudo. Estava aborrecido
comigo mesmo.
Quando terminei de limpar aquela estante enorme, troquei de pano no
carrinho para ir para a mesa de centro e tomei um susto com ele chegando
ao meu lado com o copo de água.
— Bebe.
— Por quê?
— Para se acalmar. Você ficou constrangido e agitado depois da minha
ignorância. Não estou num bom dia e já comecei me estressando com
minha mãe, então tudo ficou pior. Você não tem culpa de nada. — Até
sequei a mão na roupa para receber o copo das mãos dele e bebi em um só
gole sendo observado por ele. Aquela água acalmou um pouco o meu
coração disparado.
— Obrigado. Mas eu também agi errado, só que quis apenas ajudar.
— Você não agiu errado, eu que sou difícil e você não sabia. Pode
continuar tranquilo, irei na sala do Saulo. Fique à vontade para limpar a
minha mesa. — Balancei a cabeça concordando e o observei sair da sala. 
Olhei para o copo vazio em minhas mãos e suspirei.
— Que primeiro dia!! Sofro preconceito da mãe do meu patrão e dou
uma de enxerido na vida dele. Deus é mais! — falei sozinho comigo mesmo
e fui continuar meu trabalho.
A mesa do Caique ficou por último. Eu já tinha até aspirado o chão.
Tentei deixar tudo exatamente como estava, apenas levantava, limpava e
deixava no lugar. Estava esvaziando a lixeira dele quando o vi entrar
novamente seguido por Saulo.
— Está muito cheiroso por aqui, Fernando.
— Obrigado. Já terminei, senhor Caique. Com licença, vou me retirar.
— Obrigado, Fernando. Está tudo bem? — Custei a captar o que ele
falava, mas aí me lembrei do momento anterior.
— Está sim.
— Que bom.
Peguei meu carrinho e fui para outro lugar limpar.
Capítulo 4

— O rapaz estava passando mal? — Saulo perguntou.


— Não, por quê?
— Você perguntou se ele estava bem.
— Eu fui ignorante com ele sem querer e Fernando é uma boa pessoa.
Senti uma pontada de dor e ele veio me acudir. Correu para pegar água
quando eu disse que precisava tomar meu remédio. Aí disse que gostava de
fazer minhas tarefas sozinho. Depois disso ele ficou constrangido e
acelerado.
— Ele não te conhece e agiu como qualquer pessoa normal. Você que
anda muito estressado. E eu já falei o que é isso.
— Ah não, Saulo! Nem vem com esse papo de novo. Já falei que não
quero nem tentar me relacionar com ninguém. Não tenho mais a mínima
paciência para o desprezo e a falta de tato das pessoas.
— Você só se relacionou com dois após seu acidente, Caique.
— Que valeram por mil. A decepção foi tanta, que já estou farto. E
meu estresse não tem nada a ver com isso e você sabe muito bem. Estou
cansado de lutar.
— Não fale isso, Caique. Está me estressando já.
— Você que precisa transar. Está muito estressadinho por tudo. Cadê a
Camila ou o Jorge?
— Hum, nem um e nem o outro. A Camila, mesmo sem me falar nada,
percebi que estava se apegando muito e não quero fazê-la sofrer. Não estou
apaixonado e nem pretendo. E quanto ao Jorge, aquele ali é como eu, só
quer foda mesmo.
— Então, é como você mesmo.
— Mas não quero a foda com ele e nem sei por quê. Cansei. O bom é
que ele não liga e a gente segue em frente. Por mais que eu não queira me
prender a ninguém, estou cansado de pessoas vazias.
— Não sou a melhor pessoa do mundo para falar de sentimentos com
você, mas acho você um cara muito foda para ficar apenas nesses encontros
por aí ou com esse pensamento de não se prender.
— Você também é foda.
— Já fui.
— Ah, para! Mas mudando de assunto, o que foi aquilo que deu na sua
mãe?
— Só mais uma exibição da pessoa preconceituosa que ela é. Implicar
com o Fernando por ele ser negro e não o considerar digno de trabalhar no
setor da Presidência? Sério isso?
— CAIQUE! — Matheus entrou gritando em minha sala e Saulo
revirou os olhos. Ele era o deboche em pessoa.
— Isso é jeito de entrar aqui, Matheus?
— Não venha com essa historinha de presidente pra cima de mim. Sou
tão dono dessa porra quanto você.  A nossa mãe está toda nervosa e
chateada pela forma que você falou com ela.
— Ela te disse o porquê?
— Claro, explicou do cara que a incompetente da sua secretária
colocou aqui no setor.
— E você como advogado, acha certo o rapaz não servir para trabalhar
aqui só por que ele é negro? — Matheus engoliu em seco e ficou sem
argumentos. — Fernando é muito qualificado. O currículo dele é muito
bom, está trabalhando aqui na limpeza da empresa porque foi o que
apareceu e ele precisava. É um trabalho digno como qualquer outro, mas
claro que nossa querida mãe só enxergou a cor da pele dele. Então você
abaixa o seu tom comigo porque não vou aturar os preconceitos dela aqui
dentro e muito menos os seus chiliques para defendê-la.
— Eu já conversei com ela sobre esses lances de preconceito. — Ele
tentou disfarçar. — Esse povo fica cheio de “mimimi” e logo rola processo.
— Ele já poderia rolar só por essa sua fala. Se você não tem mais nada
de útil para falar, me deixe trabalhar, Matheus.
— E você não trabalha, Saulo? — Meu amigo olhou com desdém para
meu irmão.
— Já atendi oito clientes e nem meio-dia é. E você? Bateu ponto hoje
só para defender sua mãe? Ou veio contribuir com seu trabalho realmente?
— Não me enche o saco. — Matheus saiu pisando duro e bateu a
porta. — Respirei fundo.
Alguns segundos depois, outras batidas anunciaram a entrada de
Flávia.
— Diga, Flávia.
— Senhor Caique, me desculpe. O senhor Matheus nem me deixou
anunciar a chegada dele e nem permitiu que eu me levantasse da cadeira.
— Ele disse alguma gracinha pra você?
— Apenas que nem me levantasse já que eu não sabia exercer minha
função direito.
— A partir de hoje você tem total autonomia para responder a ele ou a
minha mãe caso lhe faltem com respeito. Não admito isso aqui.
— Sim, senhor.
— Não se esqueça, Flávia.
— Pode deixar. Queria aproveitar e pedir uma coisa para o senhor.
— Diga.
— Tenho um exame da minha coluna marcado para daqui a dois dias
pra saber se vou precisar operar minha hérnia de disco.
— Claro que você pode ir.
— Mas não queria deixar o senhor descoberto e pensando já com
antecedência, caso a cirurgia venha ocorrer, se o senhor quiser, tenho uma
pessoa de confiança para indicar para o meu lugar quando me ausentar para
exames ou até mesmo pra cirurgia. Não sei o que o senhor pretende fazer.
— Confesso que tinha me esquecido disso. Mas quem seria essa
pessoa?
— Meu primo, Guilherme. Ele já se formou e está em busca de um
emprego. É muito responsável, detalhista e pontual. Eu expliquei a ele que
falaria com o senhor.
— Mas ele está ciente que iria apenas te cobrir? Porque não abro mão
de você, Flávia. A menos que queira sair daqui.
— Não, eu não quero. — Flávia sorriu. — E sim, ele está ciente. Seria
uma boa experiência para ele.
— Tudo bem. Marque com ele para vir aqui amanhã que quero
conhecê-lo e vamos combinar tudo. Vá ao seu exame tranquila.
— Obrigada.
Assim que Flávia saiu, voltei a minha atenção para Saulo e respirei
fundo.
— Começar o dia com sua mãe e seu irmão é castigo demais.
— Nem me fale. Agenda cheia hoje?
— Não muito, mas tenho uma reunião importante com aquele
fornecedor que veio de viagem só pra isso. Na verdade, é o compromisso
mais importante de hoje.
— Pra mim só falta revisar mais dois contratos. Já fiz o mais
importante que era a vídeoconferência, então estou pensando em ir mais
cedo pra casa, logo após o almoço.
— E o que pretende fazer lá?
— Ler um livro? — Saulo bufou e revirou os olhos. Ele detestava ler
os meus romances, um absurdo. Só tinha paciência pra ler se fosse algo
referente a sua profissão.
— Vou deixar você trabalhar e vou resolver minhas coisas.
— Ok.
Depois que meu amigo saiu, voltei para minha mesa e mergulhei nos
dois contratos que faltava revisar porque eram os maiores. Acabei, depois
de um tempo, me lembrando de Beatriz e resolvi ligar para minha irmã que
viajou após seu coquetel alguns dias atrás.
— Lembrou que tem irmã?
— Não seja dramática, minha bonequinha. Você também não me ligou
após o seu coquetel e logo viajou.
— Já cheguei envolvida em desfiles. Só consegui te atender agora pois
parei para comer algo antes de mais uma sessão de fotos, mas saiba que
perguntei muito de você para o Saulo no coquetel. E ele me falou que você
anda muito desanimado para sair.
— Saulo fofoqueiro.
— Ele não é, apenas se preocupa como eu. A melhor coisa do mundo
foi você sair da casa da nossa mãe, mas fica sozinho demais naquele
apartamento, Caique.
— Não se preocupe comigo, estou bem e me alimentando direito. Só
ando preferindo ficar em casa e lendo alguns livros do que ficar aglomerado
com pessoas.
— Não mente pra mim, conheço a sua voz.
— Vai terminar de comer. Eu ainda estou aqui revisando um contrato.
Te amo.
— Eu também te amo, seu turrão.
Quando desliguei o telefone, peguei minha garrafa de água e ela estava
vazia. Olhei para a mesa que tinha outras garrafas de água e me lembrei do
meu mais novo funcionário. Me xinguei novamente por ter sido grosso com
ele.
Fui até lá e peguei outra garrafa, bebendo a água em seguida. Isso me
fez lembrar que estava na hora de ir ao banheiro antes que acontecesse
algum acidente.
Com o tempo aprendi, com ajuda médica, a saber os momentos exatos
do dia de esvaziar minha bexiga e intestino. Foi a maior vitória de todas. Eu
me sentia um lixo durante o tempo que usei fraldas.
No banheiro todo adaptado da minha sala, fiz minhas necessidades e
lavei as mãos para retornar ao trabalho. Ali em minha mesa, fiquei
pensando nas palavras de Saulo de que eu deveria sair e conhecer pessoas,
mas eu não queria.
Quando acordei do meu coma me lembrei de tudo que Natanael, que
na verdade se chamava João Miguel, tinha feito comigo. Eu jurei pra mim
mesmo que não queria mais ninguém na minha vida. Mas depois de muita
insistência de Saulo, quando eu já nem usava mais fraldas e tinha recobrado
alguma sensibilidade e ficava excitado, decidi me dar uma chance.
Não que eu fosse um homem cheio de casos quando podia ficar de pé,
isso não acontecia muito. A verdade é que só tive duas pessoas enquanto
meu pai estava vivo. Depois que ele morreu, caíram tantas
responsabilidades em minhas costas, que esqueci de mim totalmente.
Apenas quando conheci João Miguel que decidi ir em frente e me ferrei.
Mas eu era um homem que gostava de sexo e me lembro de que
quando vi que podia ter uma ereção, aquilo me animou e me iludi achando
que tudo podia ser como antes, apesar das circunstâncias. Só que não foi
assim.
Fui humilhado duas vezes, incompreendido e me senti um resto de
homem nas mãos de duas pessoas que tentei me relacionar. Não estava
apaixonado, mas achei que poderíamos curtir. Só que isso não aconteceu.
Tales não teve paciência quando viu que durante algumas transas eu
não conseguia manter minha ereção. Ele não tinha paciência para
preliminares, para me envolver o tanto que eu precisava e eu não o
condenava. Era difícil demais para quem não estava na mesma situação que
eu. Fiquei me sentindo um fardo e o liberei de mim. Só ficamos juntos por
três semanas.
Com Júlio foi pior, ele até tinha paciência, mas depois descobri que
apenas fingia, pois não ficava satisfeito. Tanto que me traiu na cara dura nos
três meses que tentamos ficar juntos. Um amigo dele me mandou uma foto
dele com outro cara, dizendo que não aguentava mais ver o amigo preso a
mim sendo que ele claramente não estava feliz. Ele terminou comigo por
mensagem, provavelmente aconselhado pelo amigo sincero.
Depois disso eu dei um basta e decidi não mais tentar. Quando a
necessidade batia na minha porta, eu mesmo tentava me aliviar. Gozar era
uma bagunça generalizada em meu interior. Parecia que um vulcão explodia
de dentro para fora, quando na verdade eu ejaculava bem pouco.
Meu coração acelerava, minha respiração desestabilizava e a pouca
sensibilidade conquistada me permitia sentir satisfação. Era uma mistura de
dor e prazer.
Os vídeos pornô eram uma distração, apesar de achar muitos sem
graça e forçados, mas eram meu estímulo. Em conversas com minha
psicóloga e meus médicos, todos sempre falavam a mesma coisa, que
quando uma parte da gente não funcionava bem ou realmente não
funcionava, outras ganhavam proporções ainda maiores na percepção.
Eles sempre tentaram me explicar que penetração não era tudo, que
existiam muitas outras formas de prazer. Que eu ia perceber que olhar, tocar
com mãos, com a boca, língua, sentir cheiros, receber carinhos, ia chamar o
meu prazer. Que tudo isso em mim estaria triplicado por causa do meu
corpo que se adaptava a minha nova condição. Eu acreditei nisso? Nunca.
Sempre foi difícil para mim aceitar tudo. O que venho acreditando
desde o meu acidente, são detalhes do meu tratamento; coisas que pude ver
e sentir. Como a recobrada de alguma sensibilidade, mesmo que muito
pouca, mas que foi suficiente para me trazer um pouco de felicidade. Isso
sim eu acreditei, mesmo desejando que fosse muito mais. Mas daí me
falarem que mesmo deficiente eu poderia ter uma vida sexual satisfatória,
isso jamais acreditei. A prova foram as pessoas que me envolvi, onde não
fui homem suficiente e deu no que deu.
Juro que tentei ver vídeos explicando e só conseguia ficar mais
deprimido. A verdade foi que mesmo com toda luta, minha esperança foi se
esvaindo ano após ano e hoje me encontro do jeito que estou: vivo, mas
ancorado no sonho do meu pai, única coisa que ainda me faz abrir os olhos
todos os dias. Não vivo para mim de fato, essa é a verdade.
Suspiro e decido ir embora depois de todos esses pensamentos. Hoje
realmente eu não estava em um bom dia e já previa o que estava vindo pela
frente. Quando ficava assim mais emotivo, eu sabia que viriam dias mais
tensos, dias em que minha depressão ficava prestes a me engolir. Eu estava
sem paciência para as pessoas e acabava sendo ignorante sem sentir, como
tinha sido com Fernando mais cedo. Amanhã ainda tenho que conhecer o
primo da Flávia e precisava estar bem para mais um dia de trabalho.
Desligo meu computador e no momento em que estou guardando
alguns papéis em minha bolsa para levar para casa, ouço batidas em minha
porta e é Flávia novamente.
— Com licença, senhor Caique.
— Diga, Flávia.
— O Fernando quer falar com o senhor.
— Ok. Peça para ele entrar.
Vejo o rapaz entrar um pouco constrangido e já penso que minha mãe
ou irmão fizeram algo com ele novamente.
— O que aconteceu, Fernando? Mexeram com você de novo?
— Não, senhor Caique. Eu cometi um erro, me desculpe.
— O que foi?
— Eu limpei sua sala e não percebi que tinha um banheiro aqui e não o
limpei. A senhora Flávia, que conversando comigo agora, me perguntou
dele e eu falei que não vi. — Dei um pequeno sorriso para o grande erro
que ele achava que tinha cometido.
— Desculpe, senhor Caique. Eu pensei que ele tivesse visto e não falei
nada. Achei que seria melhor vir aqui falar com o senhor.
— Não se preocupem, pelo amor de Deus, é apenas um banheiro. E
Fernando, realmente não te julgo por não ter visto, pois a porta dele é bem
disfarçada a pedido meu, parece até um detalhe da parede — falei e apontei
para a porta em um canto que parecia um adorno de uma coluna na minha
sala. Até seu puxador era diferente.
— Não reparei mesmo, achei que era a parede — Fernando me
respondeu e sorriu, se sentindo mais aliviado. — Posso limpar agora se o
senhor me permitir.
— Não precisa ser hoje, pode ser amanhã. Estou indo embora e nem
vou usar mais. Flávia, hoje a agenda está tranquila, não é? Remaneja para
amanhã o que aparecer. Vou para casa.
— Fique tranquilo, senhor Caique. Está tudo sob controle.
— Mas qualquer coisa de última hora pode me ligar.
— Sim. Vamos deixar o senhor à vontade. Vamos, Fernando.
— Espere. Deixe o Fernando que quero falar com ele.
— Sim, senhor.
O rapaz na minha frente me olhou com curiosidade.
— Tudo bem mesmo no seu primeiro dia?
— Sim, está indo tudo bem.
— Já sabe do nosso refeitório, certo?
— Sei sim, a dona Flávia me passou tudo.
— Conseguiu a declaração de sua irmã para o plano de saúde?
— Sim. Já até trouxe e entreguei no RH.
— Muito bem. Não fique preocupado com o banheiro, amanhã você
estará ainda mais familiarizado com tudo. Não sou esse tipo de patrão
chato. — Sorrimos um para o outro.
— Obrigado, senhor Caique. Vai mesmo para casa? — Fernando era
diferente dos outros funcionários, não que ele fosse intrometido, eu não
enxergava desta forma.
— Vou sim, estou me sentindo cansado e preciso relaxar um pouco.
Amanhã estarei cedo aqui para entrevistar o primo da Flávia que ocupará o
lugar dela enquanto estiver de licença médica.
— Ah, sim. Ela comentou que faria um exame. Falei que precisa fazer
mesmo, com essas coisas de hérnia não se brinca. Bom, deixa eu voltar para
o meu serviço. O senhor precisa de mais alguma coisa?
— Não. Pode ir, Fernando.
O rapaz na minha frente foi saindo e eu me peguei o observando.
Gostava de pessoas gentis como ele, atenciosas. Fernando parecia ser uma
boa pessoa, era isso que meu coração me dizia.
Depois de juntar tudo, prendi minha bolsa em minha cadeira e saí da
minha sala. Me despedi de Flávia e pedi que avisasse ao Saulo assim que
ele chegasse que eu já tinha ido.
Quando parei em frente ao elevador social para descer, olhei para o
lado e vi Fernando esperando o elevador de serviço. Ele tinha as mãos no
bolso e mexia a boca olhando atento para os números acima da porta. Ao
perceber que era observado, ele olhou para o lado e me viu. Seu olhar
atento se suavizou quando meu elevador chegou.
Como ele estava vazio, chamei Fernando para vir comigo.
— Vem neste.
— Eu posso? — Ri de sua pergunta e resolvi brincar com ele.
— Seu chefe não vai brigar. — O sorriso dele foi bonito e veio
andando para perto de mim.
Entramos juntos e ficamos lado a lado.
— Já está indo almoçar?
— Não, a dona Flávia me pediu para entregar um papel pra senhora
Vanessa e ela está lá perto do refeitório.
— Tudo bem.
Quando o elevador parou no andar do refeitório, Fernando ia descer e
eu continuaria para ir ao estacionamento onde meu motorista me esperava.
— Bom descanso, senhor Caique. — Olhei para Fernando saindo do
elevador.
— Bom trabalho, Fernando. — Sorrimos um para o outro e as portas
do elevador se fecharam cortando o nosso contato visual.
No estacionamento, Robert me recebeu e abriu a porta do carro para
mim. Até hoje eu lamentava a morte estúpida de Fábio e mantinha uma
ajuda financeira para sua família, mesmo com a insensível da minha mãe
reclamando disso. E me culpava por não ter ajudado a família do motorista
do caminhão. Mas ao acordar do coma e ver a minha realidade, eu quase
não conseguia pensar em mais nada e ficou por isso mesmo. Eu carreguei
essa culpa todos esses anos.
— Para onde, senhor?
— Para casa, Robert. Chega de trabalho por hoje. Você também está
liberado para fazer o que quiser. Não sairei mais.
— Sim, senhor. Irei buscar então o resultado de um exame.
— Está tudo bem?
— Sim. Apenas rotina mesmo.
— Que bom.
Ainda ficava meio apreensivo dentro de um carro e por isso Robert
andava bem devagar. Ele sabia de todos os meus problemas. Ele era meu
segurança também assim como Fábio foi um dia.
Eu morava em uma cobertura na Avenida Lúcio Costa na Barra da
Tijuca, a 30 minutos da minha empresa. Meu apartamento era todo
adaptado, bem amplo. Minha cadeira tinha conforto para passar por todos
os cômodos. Meu banheiro possuía uma rampa que levava para dentro do
box com minha cadeira de banho e eu mesmo conseguia me virar em tudo.
Na cozinha tudo também tinha altura ideal para um homem sentado em
uma cadeira e de fácil acesso, pois eu amava cozinhar minha própria
comida. Amava a varanda, onde podia chegar e olhar o mar que sempre foi
minha paixão. Até uma piscina de borda infinita adaptada para mim eu
tinha, mas quase não usava. Minha obra de adaptação demorou, mas
quando finalmente ficou pronta, Saulo e Beatriz me ajudaram a decorar
tudo e enfim eu tinha meu canto que sempre sonhei. Só nunca imaginei que
seria nessas condições.
Agora subia pelo meu elevador particular que já saía dentro da minha
sala. Contava com outras tecnologias que eram de muita utilidade no meu
dia a dia e elas estavam por todo meu apartamento.
— Alexa, bom dia. Abra as persianas. 
As persianas da sala se abriram revelando um mar azul no meu campo
de visão. O dia estava ensolarado com um leve vento.
— O dia hoje promete sol quente, mas os ventos são pela frente fria
que se aproxima — Alexa falou.  — Quer ouvir sua música preferida?
— Agora não. Preciso de silêncio.
Suspirei e fui para o meu quarto. Estava me sentindo agoniado dentro
do terno e só queria tirar tudo e ficar de cueca. Assim que me vi livre das
roupas, passei para minha cama e me acomodar em meu travesseiro, me fez
respirar fundo. Conferi por um tempo meu celular, mas sentia um cansaço
absurdo e estava sem ânimo, então o deixei ao meu lado e resolvi descansar
um pouco. Um cochilo me faria bem e logo eu acordaria para comer.
Capítulo 5

Quando cheguei perto da dona Vanessa para entregar o papel que a


Flávia pediu, eu ainda tinha em meu olfato o perfume do Caique que senti
dentro do elevador. Era o mesmo do dia da entrevista.
— Obrigada por trazer, Fernando. Está indo tudo bem lá em cima?
— Está sim.
— Certo, não se esqueça de seu almoço às 12:30.
— Não esquecerei.
— Eu vi que você veio pelo elevador social. Não desça por ele, pode
dar problema. Apenas pelo de serviço.
— Eu só desci por ele porque o senhor Caique me chamou para descer
junto. Eu estava esperando o de serviço.
— Ah sim, então tudo bem.
Voltei pelo elevador de serviço para o meu setor e só saí dele
novamente para vir almoçar. A comida era bem gostosa e ainda consegui
olhar um pouco a internet quando descobri através de outro funcionário que
aqui tinha wi-fi liberado.
Quando retornei ao trabalho, ainda estava tudo calmo, mas às três da
tarde levei um susto com o Saulo, amigo do Caique, chegando aflito na
mesa da Flávia. Eu estava perto, pois molhava uma planta do canto.
— Que horas ele saiu daqui mesmo?
— Eram umas 10 horas, senhor Saulo. Não foi, Fernando? — Flávia se
dirigiu a mim. — Fernando até desceu com ele no elevador.
— Você desceu com o Caique?
— Sim. Eu aguardava o de serviço e ele me chamou para descer com
ele.
— Como ele estava? Digo, parecia com dor ou algo do tipo?
— Não, ele me disse, ainda na sua sala, que estava cansado e precisava
relaxar um pouco. Aconteceu algo?
— Eu cheguei aqui por volta das 13:30 e Flávia me disse que ele já
tinha ido, então liguei pra ele, mas não tive resposta. Aí tive uma reunião
importante e no intervalo dela, mandei mensagem e ele não respondeu.
Agora quando terminou, liguei e nada novamente. O Robert foi liberado por
ele e está em consulta médica buscando um exame. Tive que disfarçar para
não preocupar o homem, ele já nunca sai de perto do Caique. Estou ficando
nervoso, o Caique sempre me atende ou responde minhas mensagens.
— O senhor já falou com a mãe dele?
— Desculpe, Fernando, mas nem me dirijo aquela mulher. — Saulo
bufou, passando as mãos pelo cabelo e ficando despenteado.
— Por que o senhor não vai na casa dele? É longe daqui?
— Não é longe, mas um fornecedor veio de viagem e está chegando
para a reunião mais importante do dia comigo, não posso simplesmente
cancelar. Vou continuar tentando e Flávia, por favor, tente também. São 15
horas e preciso que o Caique me atenda. Estou muito preocupado com ele.
— Saulo saiu bufando para a sala de reuniões.
— Ele gosta muito do senhor Caique. É o melhor amigo dele.
— Você acha que pode ter acontecido algo? — perguntei preocupado.
— Não sei o que pensar. Tenho achado o chefe um pouco cabisbaixo,
mas depois do seu acidente, ele se tornou assim. O senhor Saulo o conhece
melhor do que ninguém e deve ter seus motivos para tamanha preocupação.
— Para ele não responder pode ser que tenha pegado no sono ou
desligou o celular ou deixou vibrando. Uma vez fiz isso e minha mãe quase
me matou. Eu tinha desligado sem querer e nem vi.
— Não descarto isso, Fernando. Ele saiu cedo e disse estar cansado.
— Pois é.
— Vou continuar tentando.
Às 15:30 o senhor Saulo interrompeu a reunião e eu estava novamente
no banheiro masculino repondo o papel higiênico. Ele entrou no banheiro
me chamando.
— Fernando!
— Oi, senhor Saulo.
— Preciso da sua ajuda, por favor. Parei tudo que estava fazendo para
te pedir que vá a casa do Caique.
— Eu?
— Sim, por favor. Não tenho como sair e não quero falar com a mãe
ou irmão dele. Desculpe te pedir isso em seu primeiro dia, mas é muito
importante. São quase 16 horas e ele não me responde. Caique está
sofrendo de uma depressão grave e os papos que ele teve hoje comigo não
saem da minha cabeça.
— Tudo bem, fica calmo. Me dê o endereço que eu vou.
— Aqui, escrevi neste papel. Já liguei para o síndico e para o porteiro
avisando que você vai até lá para que não liguem pra cobertura afim de
confirmar nada e inventei que você ia levar um documento e que tem a
autorização para entrar. Este número aqui é do elevador particular do
Caique e que leva diretamente pra cobertura onde ele mora. Não pedi a eles
que fossem verificar, pois estou tentando evitar um alarde até com vizinhos.
Caique odeia exposição e se ele estiver bem, vai até me xingar pelo que
estou fazendo.
— Tudo bem, entro com toda calma. Vou verificar direitinho para o
senhor. — Saulo respirou fundo.
— Neste momento eu só tenho você para pedir isso, Fernando. Caique
gostou muito de você e confio no julgamento dele.
— Pode confiar, senhor Saulo. Trarei notícias. Aqui meu telefone pro
senhor salvar. Não terei como mandar mensagem, estou sem crédito.
— Ok, salve o meu também. E tome esse dinheiro para o táxi, assim
vai mais rápido.
Saulo já ia saindo e voltou. Ele estava muito nervoso.
— Salva aí a senha do wi-fi da casa dele. Assim que entrar lá terá
como mandar mensagens se quiser.
— Tá bom.
Guardei meu carrinho e avisei à dona Vanessa que faria uma coisa
importante na rua a pedido do senhor Saulo. Ela não me questionou, mas
me olhou desconfiada.
Chamei um táxi em frente à empresa e fui para o endereço que tinha
no papel. Não era longe. Assim que cheguei, fiquei de boca aberta com o
condomínio tão lindo. Na portaria, precisei dar minha identidade, tiraram
uma foto do meu rosto e expliquei que o síndico também estava avisado que
eu vinha da empresa do senhor Caique.
Minha entrada foi autorizada e andei até onde ficava o bloco 1 que era
o dele. Vi crianças brincando em uma piscina, mulheres conversando, um
senhor com dois cachorros na coleira e percebi o quanto a vida ali era
diferente da minha. Era um luxo morar naquele lugar.
Um homem me olhou de forma esquisita quando cheguei na recepção
do bloco 1 e dei meu nome novamente e meus documentos para
conferência. Ele estava parado como se aguardasse alguém e mexia em seu
celular. Quando me dirigi ao elevador particular da cobertura, que ficava
após uma porta de vidro que a moça da recepção destravava, o sujeito me
questionou.
— Aí não é elevador de serviço, cidadão. — Respirei fundo e olhei
para ele.
— Não estou aqui para ir pelo de serviço, senhor. Estou indo
diretamente pra cobertura do senhor Caique, meu patrão, com a autorização
dele. Tenho até o código de seu elevador. — O homem ficou sem graça e
me olhando de cara feia.
Entrei no elevador, muito bonito por sinal e digitei o código. Respirei
fundo enquanto ele subia. Meu telefone tocou nesta hora e era Flávia.
— Oi, dona Flávia.
— Oi, Fernando. Chegou aí?
— Sim, estou no elevador. Logo darei notícias.
— Ok, estou no aguardo.
Quando o elevador se abriu, eu tive que engolir em seco. Jamais tinha
posto os pés em um lugar tão lindo. Nas janelas enormes de vidro, as
persianas estavam abertas e me davam uma visão espetacular do mar e da
piscina. Mas passado esse momento inicial de boca aberta, me concentrei
em encontrar o Caique.
No final da sala gigantesca havia um corredor largo e eu fui até ele.
Enquanto ia até lá, passava pela cozinha mais moderna que já tinha visto na
vida e só a vi, pois ela ficava dividida da sala por um muro de tijolos
transparentes belíssimo.
Quando entrei no corredor, vi a entrada para a cozinha e mais três
portas que estavam abertas. Uma era um banheiro muito chique, a outra um
escritório bem moderno e a porta do fim do corredor, era um quarto de
hóspedes, eu supunha. Mas esse corredor fazia uma curva e nesta curva
havia mais três portas.
Em duas eu vi que eram outros quartos e só me restou a última que
estava entreaberta. Andando devagar, cheguei perto e foi quando o achei.
Caique estava deitado em sua cama, encostado em uma pilha de
travesseiros que pareciam ser bem macios e de olhos fechados.
Assim que entrei, olhei para o lado e vi outro banheiro tão bonito
quanto o primeiro e neste havia uma rampa para o box. Era o banheiro dele,
seu quarto era uma suíte.
Me aproximei com cautela, pois fiquei morrendo de medo dele se
assustar. O quarto era amplo, moderno como toda casa e com os mesmos
tons, creme e branco. De frente para a cama havia uma entrada e ela levava
a um closet cheio de ternos e sapatos. E mais ao fundo uma varanda tão
gigante quanto a da sala que também dava pra uma vista linda da praia da
Barra. Suas persianas também estavam abertas.
Me concentrei em meu patrão e vi que sua barriga se movia
lentamente, ele estava dormindo. Tinha a expressão serena. Meus olhos
foram logo para a mesa de cabeceira a procura de vidros de remédios
vazios. Isso não me trouxe uma lembrança muito agradável. Minha mãe
havia ficado tão depressiva e desesperada com a morte do meu pai, que um
dia tomou vários remédios para dormir e eu tive que levá-la correndo para o
hospital e precisou de lavagem estomacal.
Mas na cabeceira de Caique havia apenas um óculos de leitura, uma
agenda e uma caneta. Na outra, um abajur desligado, um relógio digital e
um negócio redondo. Ao seu lado estava seu celular, que eu dei a volta e
peguei, constatando que ele estava vibrando, por isso ele não escutou as
ligações.
Precisava acordá-lo, mas nem estava sabendo como. Olhei seu corpo
grande sobre a cama. Caique era um homem alto, mas a cadeira disfarçava
sua altura. Suas pernas eram mais finas que seu tronco devido a sua
deficiência, mas não era feio. Caique era tão lindo que nem isso atrapalhava
em nada.
Prevendo que ele ficasse constrangido, fora o susto de me ver ali,
peguei um lençol na beirada da cama e o cobri até sua cintura. Ele se mexeu
um pouco, mas não acordou.
Mandei uma mensagem para Flávia depois de colocar a senha do wi-fi
que Saulo me deu e ver meu telefone conectado. Disse que estava aqui e
que o senhor Caique estava dormindo. Expliquei que não tinha remédios
perto dele. Flávia pediu que o acordasse para verificar se estava tudo bem e
que ia falar com o senhor Saulo.
Me sentei na beirada da cama e toquei seu braço de leve. Sua
temperatura estava normal, ele não estava com febre.
— Senhor Caique — chamei duas vezes e na segunda ele acordou.
Seus olhos se arregalaram de susto e ele olhou confuso para os lados se
certificando de onde estava. Ao ver que estava em casa, olhou para mim
novamente com a testa franzida.
— Fernando? O que faz aqui?
— Desculpe lhe causar esse susto, mas foi o senhor Saulo que me
pediu que viesse aqui. Ele está tentando entrar em contato com o senhor
desde uma hora da tarde e o senhor não respondia. Ele está uma pilha.
— Mas como... — Caique pegou seu celular, que acendeu ao seu toque
como havia feito na minha mão e quando viu a hora e as diversas ligações,
arregalou os olhos e me olhou. — Jesus Cristo, eu dormi tanto assim? São
16 horas da tarde.
— Dormiu. — Dei um sorriso curto. — E como está para vibrar, nem
ouviu as ligações e mensagens. O senhor Saulo disse que não queria falar
com sua mãe e irmão e nem pedir ao síndico para vir aqui e isso acabar
alertando vizinhos. Então me pediu esse favor e eu vim ver o senhor.
Caique esfregou os olhos, parecia mais descansado e suspirou antes de
me olhar de volta.
— Desculpe esse trabalho todo. Estava me sentindo exausto demais.
Pensei em apenas tirar um cochilo e acabei nem almoçando. Apaguei esse
tempo todo. Me senti muito confortável desde que me deitei aqui. —
Caique passou a mão pelos cabelos que se bagunçaram. — Acho que é até
estranho dizer que estou tão cansado se vivo sentado, não é mesmo?
— De forma alguma. Não existe apenas o cansaço físico, o mental
também é bem desgastante. E o senhor está cansado mentalmente. —
Caique me olhou profundamente. — Desculpe se acabei parecendo invasivo
ao dizer isso, não foi minha intenção. — Fiquei bem constrangido.
— Não foi, fique tranquilo. Só achei que não estava tão visível assim
para todos, apenas para quem me conhecia mais intimamente.
— Quem já cuidou de uma pessoa com os mesmos sintomas percebe.
— De quem você cuidou?
— Da minha mãe. Ele ficou muito ruim depois da morte do meu pai.
Passei muitas noites em claro vigiando-a, mas graças a Deus ela se
recuperou.
— E o que ela fez para se recuperar?
— Ela me implorou por ajuda. Uma pessoa depressiva precisa
primeiramente querer sair de tudo isso, junto com acompanhamento
médico. Se se entregar, ninguém mais conseguirá ajudar.
— Você é bem observador, Fernando e não estou dizendo isso como
uma crítica e sim um elogio.
— Sempre fui, sei ler bem as pessoas. Obrigado pelo elogio.
— Você é bem transparente também.
— Sou?
— Sim. Vi como ficou depois que acabei sendo grosso com você. Seu
semblante não escondia nada. Até em seus gestos percebi. Ficou agitado e
pensava tanto que mexia a cabeça como se conversasse aí dentro do seu
cérebro. — Tive que rir do que ele havia dito.
— E depois eu sou o observador.
— Eu sempre me considerei observador, mas vejo que não era tanto,
pois se tivesse sido, tinha evitado uma grande decepção. — Percebi um
certo rancor em sua voz. — Mas depois de ficar deficiente, passei a reparar
bem as pessoas para enxergar pena em seu olhar e fugir disso. Aprendi a
observar de verdade.
— Mas isso é bom no fim das contas. — Caique olhou para seu corpo.
— Nem me lembrava de ter me coberto.
— Eu cobri o senhor. Imaginei que ficaria constrangido.
Caique encostou a cabeça nos travesseiros e me observou durante um
tempo.
— Não precisa me chamar de senhor aqui.
— Mas estou em meu horário de trabalho.
— Fazendo funções que nem são suas. — Sorri concordando.
— Quantos anos o senhor... quer dizer, você tem? — perguntei com
muita curiosidade. Caique era uma pessoa pública, mas não queria
pesquisar nada sobre ele na internet e ver o acidente de novo.
— Tenho 34 anos.
— Nem temos uma diferença tão gigante. Faço 27 anos no dia 24 de
julho.
— Eu fiz 34 no dia 29 de maio.
O telefone dele começou a vibrar e a foto do Saulo apareceu. Caique
fez uma careta engraçada como se soubesse que ia levar o maior esporro e
atendeu.
Escutava os gritos do Saulo de longe. Ri baixo e me levantei da cama
dando privacidade a eles. Fui até a varanda e me assustei com a porta de
vidro se abrindo.
A visão era espetacular. Ali fora havia uma mesa linda com um jarro
de flor.  E a varanda ainda dava a volta e ia dar na piscina enorme que vi de
frente. Era um sonho de qualquer um. Mamãe ficaria encantada.
— Chega de esporro, ok? Você já arrumou uma confusão danada
mandando o Fernando aqui. — Ouvi meu nome e olhei para o meu patrão
ao telefone.
Tive vontade de rir dele e do Saulo. Ambos pareciam muito amigos,
daqueles de época de escola mesmo.
— Quando você sumir com o Jorge, vou mandar alguém atrás de você.
— Opa, acabava de descobrir que o Saulo era gay. Gostei do sorriso do
Caique ao desligar o telefone. Ele me buscou com o olhar.
— Desculpe mesmo por tudo isso, Fernando.
— Não precisa pedir desculpas, Caique. Seu amigo realmente estava
muito aflito. — Ele suspirou.
— Eu sei, e sei que fui o culpado disso. Hoje desabafei com ele e até
me arrependi depois um pouco. Saulo já é muito preocupado comigo e só
contribuí ainda mais.
— São amigos há muito tempo?
— Desde a época de escola.
— Foi o que imaginei. Você precisa almoçar, não?
— Não vou conseguir comer um prato de comida agora. Vou pedir um
lanche pra mim. Não conte ao Saulo. — Sorri de novo.
— Tá certo. Eu vou então voltar para a empresa. Precisa de mais
alguma coisa?
— Você almoçou?
— Sim. A comida da empresa é uma delícia, por sinal.
— Então tome um café, já é hora do lanche.
— Não quero dar trabalho, como algo na empresa.
— Você já está aqui, Fernando.
— E se meu chefe me der uma advertência? — Brinquei e ele sorriu.
— Acho que não vai dar não, ele até que é um cara legal. — Rimos os
dois. — Vou pedir um McDonald’s pra mim porque ainda não almocei.
Você quer um Starbucks? Tem de tudo aqui no condomínio.
— Um capuccino então. Já bebi com minha mãe em um Dia das Mães
e gostei.
— Pode acompanhar um bolo de banana? É delicioso o de lá.
— Tudo bem.
Caique pegou o celular e pediu tudo. Depois me pediu que o deixasse
se vestir e fui esperar na sala. Ele me achou namorando a vista da varanda.
— Bonita, não? — Me virei e olhei para ele. Fiquei surpreso em vê-lo
vestido de modo casual. Caique vestia uma calça de moletom cinza e uma
camisa básica branca. Nos pés, chinelos.
— É linda demais. Imagino à noite.
— Espetacular. Nosso lanche já vai chegar. Vou arrumar a mesa.
— Posso fazer isso — falei e ele que já estava de costas indo para a
cozinha, me olhou sobre o ombro. — Eu faço, Fernando.
Nem falei mais nada, percebi que ele tinha claramente aversão que
fizessem as coisas para ele. Pelo menos recebi os lanches na porta.
— Isso estava muito bom — falei, enquanto limpava a boca com o
guardanapo.
— Gosto muito disso que você comeu, mas hoje meu estômago queria
isso aqui. — Caique comia agora as batatas fritas.
— Agora preciso realmente voltar.
— Tudo bem. Vou pedir um táxi aqui do condomínio pra você. Eu
acabei liberando o Robert.
— É, o Saulo disse que tinha ligado pra ele também e seu motorista
estava em uma consulta médica.
— Ele me disse que faria isso. Que buscaria um exame. Ainda bem
que Saulo não fez o homem voltar correndo. — Ri de seu comentário.
— Obrigado pelo táxi — falei.
Me despedi de Caique e fui de táxi para a empresa. Assim que desci na
frente e ia me encaminhando para o elevador, a dona Vanessa me chamou.
— Só está voltando agora, Fernando? Onde você estava?
— Fui levar um documento que o senhor Saulo pediu para entregar ao
senhor Caique em sua casa. — Menti, ela não precisava saber a verdade.
— A você que ele pediu isso?
— Sim. — A dona Vanessa fez uma cara engraçada e mandou eu subir.
Flávia sorriu ao me ver e perguntou pelo Caique. Conversamos um
pouco e fui ver tudo que estava atrasado. Às 18:15 já estava de roupa
trocada e tinha terminado de calçar meus tênis quando Saulo entrou no
vestiário dos funcionários.
— Obrigado pelo favor, Fernando. — Ele foi gentil.
— Que isso, senhor Saulo, não precisa me agradecer. Graças a Deus
tudo estava bem.
— Ele ainda se achou no direito de brigar comigo pelo estardalhaço.
— Achou que incomodou todo mundo.
— Caique é muito turrão.
— E o senhor, um grande amigo. Agora vou embora, encarar meu
ônibus. — Saulo fez uma cara engraçada.
— Leva muito tempo pra você chegar em casa?
— Uma hora certinho.
— Nossa, longe.
— Tô acostumado. Boa noite, senhor Saulo.
— Boa noite, Fernando.
Capítulo 6

A casa ficou vazia novamente após Fernando ir embora. Geralmente


apenas o Saulo ou minha irmã passavam por aqui. Tinha sido a primeira vez
que recebi alguém estranho, fora do meu minúsculo círculo.
— Alexa, acenda as luzes da sala e cozinha.
Minha casa foi iluminada e lá fora ainda havia um pôr do sol
fantástico. Isso me trazia nostalgia e então quis ouvir uma música.
— Alexa, minha playlist.
A voz de Sam Smith cantando “Fire On Fire” ecoou em minha sala e
conduzi minha cadeira até a varanda que abriu as portas me recebendo.
Respirei fundo e meu peito sentiu uma saudade que eu não sabia nomear,
apenas sentir.
Fiquei ali observando as pessoas andando pelo calçadão, sorrindo,
conversando, andando de bicicleta. Como eu amava minha bicicleta em dias
como esse.
Peguei meu celular que estava em meu colo e fui em uma rede social
que havia descoberto recentemente. Era o Instagram do João Miguel. Nem
sabia por que tinha pesquisado, mas quando vi estava fazendo e acabei
encontrando.
Ele estava bonito, estava mais velho, devia estar com 31 anos caso ele
não tivesse mentido sobre a idade também. Pelo que estava vendo em suas
fotos, ele agora morava sozinho e trabalhava em uma empresa de celular
como gerente.
— Parece que alguém perdeu o sonho de ser jornalista — falei
sozinho, olhando sua foto.
Me lembrava que Saulo me contou que a revista o demitiu e ele não
deve ter ficado bem-visto nesse meio, pois meu amigo não deixou.
— Como pôde me enganar daquela forma tão cruel? Sabia que eu não
era assumido. — Meus olhos estavam cheios de lágrimas quando ouvi meu
elevador fazer barulho e só podia ser uma pessoa. Enxuguei meu rosto
rapidamente.
— Só saiba que ainda estou magoado. — Ri de Saulo, que afrouxava
sua gravata e jogava sua bolsa em meu sofá onde se jogou exausto. — Que
dia cansativo. Só precisava de um carinho gostoso e uma boa chupada.
— Seu indecente. — Mexi com ele.
— Sou filho de Deus também. O que que tem desejar coisas gostosas?
Ele me observava enquanto eu me aproximava.
— Mas você quer isso todo dia, Saulo. — Fiquei constrangido quando
seus olhos grudaram em meu rosto.
— Por que você estava chorando?
— Eu não estava chorando.
— Mentindo pra mim? Sério isso? Você está me preocupando, Caique.
— Estou bem, Saulo. Me deixe em paz, porra. Que saco!
— Eu tenho sentimentos, não seja estúpido comigo. — Revirei os
olhos.
— Você hoje fez um estardalhaço danado e eu estava apenas
dormindo. Alugou o coitado do Fernando em seu primeiro dia.
— Ah, o Fê é legal.
— Fê? Sério isso? Ele sabe que você está com essa intimidade toda?
Ele é funcionário da empresa, Saulo!
— Não, claro, só estou falando com você assim. Ele é um rapaz
bacana. E o que houve com você, Caique? Parece até que nem me conhece
mais, caramba. Nunca cantei ninguém da empresa, estou só brincando. 
— A impressão dele em seu primeiro dia deve ter sido: patrão maluco
e advogado desmiolado. Somado a minha mãe sendo preconceituosa com
ele. Coitado do rapaz.
— O caso da sua mãe tudo bem, mas o restante você está exagerando.
Você está muito mal-humorado. Tratou o rapaz bem, né?
— Óbvio. Até lanchamos juntos e comprei um Starbucks pra ele. Acha
que eu sou o que?
— Neste momento nem estou te reconhecendo. Achando até que eu ia
cantar o cara.
— Desculpa. — Passei as mãos pelo rosto.
— Você almoçou, Caique?
— Sim, um McDonald’s quando acordei. — Saulo me fuzilou com o
olhar. — Não reclame, não ia comer comida às 16 da tarde.  E acho que sou
bem adulto para saber o que como, certo?
— Ok. O que me preocupou mesmo foi não me responder. Me
assustou.
— Não imaginei que desmaiaria daquela forma. Ia ser só um cochilo.
— Saulo concordou com a cabeça.
— Passei aqui só para te ver. Vou embora, tô exausto. Ainda bem que
amanhã não tem nada de urgente marcado. Você vai ficar bem?
— Vou — respondi e tirei o celular do colo, o jogando no sofá assim
que Saulo se levantou e fui andando com a cadeira.
— O que é isso aqui, Caique? — Me virei e xinguei por dentro quando
percebi a merda que fiz. Meu celular estava aberto no meu colo na página
do Instagram do João Miguel.
— Eu...
— Você está tendo contato de novo com esse sujeito? — A decepção
estava estampada no rosto de Saulo.
— Não estou, eu juro.
— Então por que a rede social dele está aberta em seu celular?
— Achei há alguns dias por acaso e antes de você chegar estava
olhando, só isso. Curiosidade.
Saulo se sentou de novo e olhou a rede social toda.
— Gerente de loja de telefonia, hein? Será que dá pra fazer ele perder
o emprego de novo?
— Não faça isso, esquece ele.
— O importante é, você esqueceu? Achei que ele fosse página virada
em sua vida.
— Ele é, não o amo mais há muito tempo, mas como te falei, estou
mais cabisbaixo esses dias e acabei encontrando e fiquei nostálgico, só isso.
Ainda me pergunto como ele teve coragem de me usar daquela forma. Isso
me deixou marcas, Saulo. Não confio em mais ninguém.
Meu amigo vem até mim e se abaixa na minha frente.
— Eu sei que nada disso é fácil e que eu sou a pessoa menos indicada
para falar de sentimentos com você, mas... não deixe isso te dominar. Não
julgue as pessoas pelo que esse cara fez. Eu quero te ver feliz, Caique. Com
ou sem alguém.
— Não posso te prometer nada, mas estou aqui, não estou?
— Aos trancos e barrancos?
— É o que restou pra mim. Vai descansar, vou ficar bem.
— Me liga qualquer coisa e deixa esse telefone fazendo barulho.
— Ok.
Saulo se levantou, beijou minha cabeça e foi embora. Ele era assim,
um furacão ambulante, boca suja, sem vergonha e uma das pessoas mais
incríveis que já tive o prazer de conhecer e chamar de melhor amigo. Um
homem bonito e muito atraente que precisava encontrar o amor, seu coração
era de ouro.

Desde que cheguei em casa estou respondendo perguntas da minha


mãe. Ela quis saber de tudo sobre o meu primeiro dia de trabalho e não
escondia a sua empolgação.
Até Juliana estava em meu colo falando igual a um papagaio que o
maninho dela estava trabalhando. Só sabia sorrir para as duas mulheres da
minha vida. Até uma janta especial minha mãe fez pra mim em
comemoração.
Claro que não contei do preconceito da mãe do Caique e nem que tive
que ir em seu apartamento. Mamãe poderia achar isso estranho. Eu não
achei, fiquei foi tocado pela amizade de Saulo com ele.
Mas falei do quanto meu chefe era gente boa. O quanto ele me tratou
com atenção e respeito, nem lembrando do fato de que ele era o CEO
daquela empresa toda.
Só que o sorriso da minha mãe morreu quando Ricardo me chamou na
frente de casa. Eu que lavava meu prato no momento, quase o deixei cair na
pia de susto ao reconhecer sua voz.
— O que esse garoto quer aqui, Fernando? Não gosto da sua amizade
com ele.
— Mãe, o Ricardo não é metido com nada de errado, que implicância é
essa? — Disfarcei, me fingindo de esquecido. Mas a verdade é que minha
mãe não era besta e ela não havia esquecido de que me pegou com Ricardo
em um beco aqui perto. A gente tinha acabado de se beijar e ainda
estávamos com aquela expressão gostosa no rosto, quando dona Kátia
chegou furiosa perto da gente. No dia inventei a maior lorota, mas ela não
era burra.
— Não estou dizendo que ele esteja metido com nada, mas esse rapaz
claramente gosta de meninos e não quero ele metido com você, Fernando.
Não te criei pra isso. Isso seria a maior decepção da minha vida! — Ela foi
pisando duro para dentro do quarto e bateu a porta. Ju, que estava na mesa
da cozinha, me olhava com os olhinhos arregalados.
— A mamãe está brava, né? O que você fez de errado, Fê?
— Não fiz nada, Ju. A mamãe só não gosta do Ricardo.
— Por que ele gosta de meninos?
— Minha princesa, isso é assunto de adultos, tá bom? Vai brincar que
daqui a pouco vai estar na hora de dormir que amanhã tem aula.
Fui até o meu portão e Ricardo estava lá, todo sorridente. Estava lindo,
de calça jeans, camisa amarela e boné virado para trás.
— O que está fazendo aqui, Ricardo? Minha mãe já ficou puta só de
ouvir sua voz.
— Poxa, mas não fiz nada! E naquele dia ela não nos viu. — Ele
cochichou.
— Mas minha mãe não é besta.
— Só vim pra saber sobre a ligação que você recebeu. Deu certo?
Conseguiu emprego?
— Consegui. — Sorri e ele me acompanhou. — Hoje foi meu primeiro
dia.
— Que notícia boa! Podíamos comemorar.
— Por que imaginei que você falaria isso?
— Porque quer comemorar também, que eu sei.  — Tive que rir do
carinha na minha frente.
Ricardo era muito maneiro. Tinha um sorriso frouxo, era carinhoso,
mas também muito dado, cada hora tinha um. Acho que por isso nunca me
permiti apaixonar por ele, sabia que ia sofrer. Ele era lindinho e uma delícia
na cama, mas para algo sério, ou até mesmo me fazer tomar coragem para
enfrentar dona Kátia, seria impossível.
— Trabalho de segunda a sexta agora, seu mané. Chego em casa umas
7h ou 7h:30min. Cansadão.
— Os sábados existem pra quê? Uma hora a gente vai encontrar uma
brecha. — Ricardo se aproximou, olhou para todos os lados e tascou um
beijo na minha boca que deixou meus joelhos moles. Ele gostava de me
tentar.
Depois disso ele foi embora e eu entrei em casa tranquilo, doido pra
me deitar na minha cama e descansar para amanhã. Mas ao fechar a porta,
eu tomei o maior susto. Minha mãe estava em pé e me olhando com
aparente ódio.
Bati a porta com a mão tremendo, mas tentei agir normal. Só que
quando fui abrir a boca para falar, o tapa na cara que ela me deu fez meu
rosto virar para o lado.
Não tive forças para virar o rosto e encarar seus olhos. As lágrimas já
desciam em abundância. Minha mãe jamais havia me batido.
— Não se atreva a tentar disfarçar o que ficou óbvio para mim. Eu vi.
EU VI!!!! — ela gritou e consegui sentir o nojo em sua voz. — Eu vi aquele
infeliz beijando a sua boca, Fernando. Que decepção!
Quando enfim tive coragem de olhar para frente, me assustei com a
forma que ela me olhava, como se nem me conhecesse. Como se eu não
fosse seu filho.
— Mãe...
— Não dirija a palavra a mim. E se eu souber que você está com ele ou
qualquer outro homem, eu te boto daqui pra fora! — Minha mãe deu as
costas para mim e foi para o seu quarto. Chorei sentado no chão da sala a
noite inteira, sentindo meu rosto queimar.
No dia seguinte, eu estava um lixo para ir trabalhar. Não havia
dormido e ela já me encontrou pronto e bebendo um café em pé, próximo à
pia. Era bem cedo, ela sempre se levantava primeiro.
Não a olhei e quando percebi que tinha entrado na cozinha, virei o
resto do café, que desceu queimando minha garganta. De cabeça baixa me
retirei e fui para meu trabalho. Se tinha uma coisa que eu sabia ser, era
obediente e ontem ela disse com todas as letras que não queria que eu
dirigisse a palavra a ela.
Fui chorando por todo caminho.
Acabei chegando meia hora adiantado no meu serviço e quando dona
Vanessa surgiu, eu já estava até indo para o meu setor.
— Bom dia, Fernando. Caiu da cama?
— Noite ruim, dona Vanessa. Mas já estou aqui para o meu serviço.
Bom dia pra senhora também.
Quando Flávia chegou, eu já estava colocando um saquinho em sua
lixeira.
— Bom dia, Fernando. Chegou cedo, rapaz.
— Pois é, quis adiantar um pouco — respondi simpático, mas ela
percebeu meu semblante.
— Está tudo bem? Você me parece triste.
— Está tudo bem, não se preocupe. Vi que a sala do senhor Caique
está como prioridade, vou logo nela.
— Sim, se não tiver nenhuma reunião importante, ela sempre estará
como prioridade.
— Ok.
Quando entrei na sala do meu chefe, fui primeiro em seu banheiro.
Depois aspirei o chão que era todo de carpete. Limpei a mesa de centro e
estante. Finalizava sua mesa quando ele chegou.
Caique entrou lindo, em um terno todo preto que fazia seus olhos azuis
brilharem. Seus cabelos molhados indicavam um banho logo cedo. Em seus
olhos a mesma tristeza de ontem, mas ele me direcionou um sorriso.
— Bom dia, Fernando. — Eu estava muito triste pela situação com
minha mãe e somado a uma noite que nem tinha dormido, tudo me deixava
péssimo. O “bom dia” do meu chefe, não sei por que, me fez ficar sensível
demais. Meus olhos se encheram de lágrimas quando lhe respondi com a
voz embargada.
— Bom dia, senhor Caique.
— Está tudo bem, Fernando? — Eu ia responder, quando um cara que
eu não conhecia entrou falando alto e meio grosseiro. Os olhos azuis eram
iguais aos do Caique. — Matheus, quantas vezes vou ter que pedir para não
entrar aqui assim.
— Você não está em reunião com ninguém.
— Não sei se você anda enxergando bem, mas eu estava conversando
com o Fernando.
— Ele é só o faxineiro. — Aquilo me incomodou, não por eu ser
realmente o faxineiro, era uma profissão digna, mas pela forma desdenhosa
que o cara se referiu a mim.
— Não me interessa o que ele seja. Saia da minha sala!
— Olha aqui, Caique...
— AGORA! — Meu chefe gritou e eu tentei intervir.
— Eu saio, senhor Caique.
— Fique onde você está, Fernando. Quem vai sair é ele.
O homem me olhou com ódio e nojo e saiu batendo a porta com toda
força. Cheguei a fechar meus olhos.
— Me desculpe por isso, Fernando. Minha família, tirando minha irmã
e meu falecido pai, é podre. — O rancor em sua voz era nítido.
— Eu já terminei sua mesa e toda sua sala. Hoje não esqueci do
banheiro.
— Fernando, olhe pra mim. — Encarei seus olhos e ele estava bem
sério. — Largue tudo isso aí e sente-se aqui.
Deixei as coisas que estavam em minhas mãos no carrinho e me sentei
no sofá.
— Fiz algo de errado?
— Não. Quero saber o que houve com você. Foi nítido para mim o
quanto não estava bem ao me dar “bom dia”. Sua voz saiu embargada.
— Não é nada, senhor Caique. Não vou perturbá-lo com meus
problemas pessoais. — Ele bufou.
— Não sou a melhor pessoa do mundo para aconselhar ninguém, mas
sei ouvir. Se quiser conversar, estou aqui. — Olhei para aquele homem na
minha frente e mal acreditava. — Por que fez essa cara?
— O senhor é meu patrão. Comecei meu trabalho ontem, mal me
conhece e me trata desta forma. Desculpe, mas estou acostumado com um
tratamento muito diferente. Me sinto como se estivesse fora da realidade. —
Ele deu um sorriso murcho.
— Fernando, sempre procurei ser eu mesmo. Sei que com isso não
agrado muitas pessoas. Tenho apelidos por aí como: “banana”, “CEO de
meia tigela” e etc... mas confesso que depois do meu acidente, passei a ser
ainda mais complacente com as pessoas, mais humano do que já era.
Mesmo com toda revolta dentro de mim, porque ninguém tem culpa do que
sinto. Por isso que ontem logo te pedi desculpas. Quando essa revolta sai,
me sinto horrível. Não sou o filho preferido da minha mãe, na verdade,
acho que nem seu amor eu tenho — Arregalei os olhos —, mas nem por
isso me tornei uma pessoa ruim. Tenho orgulho de ser o espelho do que
meu pai foi um dia: uma pessoa boa, humilde, sem preconceitos e
estrelismo devido a posição que ocupa. Para mim, a única diferença entre
mim e você não é a cor da nossa pele ou as nossas contas bancárias e sim,
que eu sou eu e você é você. Não te julgo por nada como meu irmão acabou
de fazer há segundos. Entende o que quero dizer? Ok, sou seu chefe porque
essa empresa é minha, mas nem por isso sou melhor que você. Por isso não
vejo absurdo algum eu estar preocupado ou te oferecendo meu ombro. Se
outros não são assim, não tenho culpa. Eu sou.
— Não te acho um CEO “de meia tigela”. Te conheci na minha
entrevista e ali mesmo eu disse que você tinha me tratado como nunca fui
em nenhum lugar. Fiquei encantado e feliz. E desde então a cada contato
mais próximo, você só me mostra quem é de verdade. Desculpe, esqueci até
as formalidades.
— E quem eu sou de verdade? — ele perguntou e eu encarei seus
olhos para responder.
— Um homem incrível. — Seu sorriso bonito estava lá.
— Acho que se as pessoas passassem menos tempo se preocupando
com classe social, cor da pele e rótulos, tudo seria mais fácil. Veja bem,
tenho dinheiro e mesmo assim sofro preconceito por ser PcD. Imagine as
pessoas sem condições? A humanidade está bem difícil.
— Está mesmo.
Nossa conversa foi interrompida por Flávia batendo na porta e me
chamando. Ela me viu sentado no sofá e brevemente juntou as
sobrancelhas, mas foi muito profissional.
— Desculpe, senhor Caique. É que o Fernando precisa ir à sala de
reunião que logo será utilizada para o fechamento do contrato da reforma da
rodovia.
— Tudo bem, ele já vai, Flávia.
Assim que a secretária saiu, eu me levantei para continuar meu
serviço.
— Obrigado pela breve conversa. — Agradeci.
— Meu ombro continua disponível, fique sabendo. — Sorri.
Observei Caique conduzir sua cadeira até sua mesa e começar a mexer
em alguns papéis. Fui até meu carrinho e antes de sair do lugar, mesmo de
costas para ele, eu acabei falando.
— Ontem minha mãe descobriu que sou gay e me deu um tapa no
rosto. Disse para eu não dirigir mais a palavra a ela e que se soubesse que
eu estava com algum homem, me colocava para fora de casa. — O final
quase não saiu, minha voz embargou de vez.
Um silêncio se instaurou na sala e fiquei sem coragem de olhar para
trás. Mas ouvi o barulho da cadeira de rodas se aproximando, um barulho
suave e esperei. Caique surgiu ao meu lado e olhei para ele.
— Ela já tinha te batido outras vezes?
— Não. Ontem foi a primeira vez na vida. Ainda está gravado na
minha memória o seu olhar. Parecia que ela nunca tinha me visto.
— Como ela soube?
— Tem um carinha que eu saio às vezes, e ele foi até lá em casa ontem
me perguntar se eu tinha conseguido o emprego. Ele estava comigo quando
a dona Flávia me ligou. Minha mãe já não gostou dele me chamar e não vi
que ela estava escondida vendo-o me beijar quando foi embora.
— Ela também não gosta dele.
— Ela tinha uma suspeita de uma vez ter flagrado a gente
conversando, mas na época ela não viu nada. Mas ontem... achei que ela
estava em seu quarto.
— Você falou que às vezes sai com ele. Vocês namoram escondido?
— Não. Nunca namoramos, só curtimos juntos algumas vezes. Nem
tenho sentimentos por ele, só o acho maneiro e o conheço há muito tempo.
Me descobri com ele, sabe? — Encarei Caique, antes estava só olhando
para minhas mãos que seguravam no carrinho.
—Tudo isso é muito complicado. Sei bem pelo que está passando.
Grande parte do ódio da minha mãe por mim é pelo fato de eu também ser
gay. — Arregalei os olhos. — Fui tirado do armário da pior forma e foi
justamente no dia do meu acidente. — Meu coração afundou no peito ao
ouvir seu relato.
— Caique...
— Vamos conversar depois. Será bom você desabafar mais. Assim no
meio do expediente não dá. É um assunto delicado.
— Tudo bem.
— Mas se sente um pouco melhor?
— Sim, obrigado.
Fui trabalhar com um turbilhão de sentimentos dentro de mim: o
desprezo da minha mãe, o tapa que ganhei e as palavras e o carinho do
Caique, uma pessoa que eu mal conhecia e que ainda por cima era meu
chefe.
Capítulo 7

Na hora do meu almoço, estava sentado no refeitório e tinha acabado


de comer. Olhava a internet e uma coisa que Caique havia me dito, não saía
da minha cabeça: ele havia sido arrancado do armário no dia do acidente.
Resolvi pesquisar algo sobre e bastou colocar “Caique Montenegro”
no Google, que imagens do acidente pipocaram. Porra, só sabiam falar
disso mesmo depois de anos. Doeu ver fotos do caminhão que meu pai
dirigia completamente destruído. E agora, como conhecia o Caique, doeu
ainda mais ver seu carro parecendo uma sanfona no meio...
Meu Deus, foi um milagre ele ter sobrevivido...
Engolindo com dificuldade, olhei aquilo mais um pouco, mas depois
fiz a pesquisa de um jeito diferente e aí apareceu.
— Meu Deus, não acredito que foi assim. — Levei a mão à boca
horrorizado.
Uma pessoa pública realmente não tinha paz. Um infeliz de um
jornalista havia fingido para ele e se aproximado intimamente. Caique se
apaixonou, enquanto o cara só queria um furo de reportagem.
— Filho da puta! — Xinguei em voz alta.
— Tudo bem? — Me assustei com a voz dele ao meu lado e deixei até
meu celular cair no chão. Abaixei rápido para pegar e travando logo a tela.
— Ah, oi.
— Desculpa, não queria te assustar. — Olhei em volta e alguns
funcionários que ainda estavam no local nos olhavam com curiosidade.
— Estava distraído... E investigando sua vida... Mas, o que está
fazendo por aqui? Quer dizer, a empresa é sua, claro, é que... Aff, deixa pra
lá, já me embolei todo. — Caique sorriu e me vi sorrindo junto. Era gostoso
quando sorríamos ao mesmo tempo.
— Pedi a Flávia que te chamasse, mas ela me informou que você tinha
descido para almoçar e vim até aqui.
— Por quê?
— Queria saber se estava melhor.
— Na medida do possível estou sim. Não sei como será quando chegar
em casa, mas é o que restou pra mim.
— Não a deixe te bater de novo. — Caique ficou bem sério. — Não
estou dizendo para enfrentar sua mãe de forma violenta, mas não permita
isso. Acho inadmissível uma coisa dessas.
— Não sei nem o que eu faço, Caique — falei, apoiando meu queixo
em minha mão e só aí me liguei no que tinha falado. — Me desculpe.
— Por que está pedindo desculpas?
— Te chamei pelo seu nome sem o “senhor”. — Caique fez o que
menos esperava, revirou os olhos.
— Isso não é o fim do mundo, Fernando. Mas se achar muito ruim,
posso te dar uma advertência para sua consciência. — Arregalei os olhos.
— Não, senhor. A culpa nem é minha, é sua!
— Culpando seu chefe? E posso saber por quê?
— Por falar comigo sendo gente como a gente.
— E eu não sou gente?
— Os patrões nunca são! — Caique explodiu em uma gargalhada que
fez todos do local olharem para ele de olhos arregalados.
— Opa! Quero rir também! — Pronto, Saulo se jogou no banco ao
meu lado e comia um sanduíche.
— Escuta essa, Saulo. Eu não sou gente.
— Oi?
— Patrões não são gente, assinado: Fernando. — Caique apontou pra
mim e Saulo riu de boca cheia.
— Estava te procurando, Caique, e a Flávia me informou que você
tinha vindo aqui.
— Vim saber se o Fernando estava bem. — Senti os olhos de Saulo em
mim meio avaliativos e no amigo também, mas ele logo disfarçou.
— O que houve, Fernando?
— Problemas em casa. Mas estou um pouco melhor.
— O que você queria, Saulo?
— A Flávia disse que o primo dela estava subindo.
— Ah, sim. Vou lá conhecer o rapaz. — Caique me olhou. — Não
retiro o que eu disse. Ok, Fernando?
— Ok.
Observei Caique ir embora e alguns funcionários o cumprimentarem.
— Ele é muito querido por todos que trabalham com ele — Saulo
falou e só aí lembrei que ele estava ao meu lado e o olhei. — Caique gosta
muito de você — ele disse na lata, me encarando e se eu não estivesse
louco, ele estava jogando verde para colher maduro.
— Nos conhecemos a poucos dias, mas nos demos bem. O senhor
Caique me tratou como nenhum outro patrão jamais fez.
— Ele é assim mesmo, mas sabe... — Saulo se levantou e colocou as
mãos no bolso. Ele olhava dentro dos meus olhos enquanto falava. — Já se
aproveitaram muito da boa vontade dele, da pessoa maravilhosa que ele é.
Mas hoje, quem não permite mais isso sou eu. — Engoli em seco. — Passo
como um trator por cima de quem fizer mal a ele ou se aproveitar dele.
Me levantei na hora e comemorei o fato de sermos quase da mesma
altura. Não desviei meus olhos dos de Saulo enquanto lhe respondi.
— Faça isso mesmo, pois um verdadeiro amigo serve pra isso, mas
como senti que isso foi um aviso pra mim, quero deixar bem claro que não
sou esse tipo de pessoa. Fui muito bem-criado e educado para não ser um
mau caráter. — Saulo sorriu e colocou a mão em meu ombro.
— Passou no primeiro teste, Fernando. Foi homem pra dizer isso me
encarando. Mas ainda existem muitos outros. Bom trabalho pra você e
espero de coração que as coisas se resolvam na sua casa.
Saulo saiu andando elegante. Ele era um homem lindo, mas não mais
que o Caique e confesso que o que ele fez agora, conquistou a minha
admiração. Ele defendia o amigo com unhas e dentes e isso era bom. Ou
será que no fundo ele sentia algo a mais?
Decidi voltar ao trabalho antes que queimasse meus neurônios e fui
pelo caminho vendo mais da reportagem que falava do jornalista disfarçado
que enganou o Caique.
— João Miguel... esse era seu nome.
Entrei no elevador e quando ia guardar o aparelho, vi o rosto da minha
mãe na tela e atendi com o coração disparado.
— Oi, mãe.
— Fernando, o cara da imobiliária ligou e estão pedindo os aluguéis
atrasados.
— Mas eles já não sabem que eu consegui o emprego e assim que
receber vou pagar?
— Sabem, eu mesma liguei, mas eles são uns ordinários. Estão falando
que se até amanhã não tiver o pagamento, irão aumentar os juros.
Saí desnorteado do elevador, mal sabia para onde andava e tentava me
acalmar para voltar ao trabalho. Até com as mãos tremendo eu estava e
quem me viu foi Saulo.
— Ei, Fernando! O que houve? Você está branco, cara.
— Eu já te retorno, mãe. — Desliguei o telefone e olhei para Saulo. —
Não é nada, não se preocupe. Vou voltar para as minhas obrigações.
Tentei passar por ele e meu braço foi segurado. Cacete!
— Fernando, eu não sou cego, muito menos burro. O que aconteceu?
Você chegou com aqui com o rosto pálido. Era sua mãe no telefone?
Alguém passou mal? Posso tentar que você seja liberado.
— Eu precisava deste emprego para pagar meu aluguel, recebemos
aviso de despejo. — Olhei para Saulo. Estava morrendo de vergonha.
— Caique comentou algo assim comigo logo após te entrevistar.
— Aí minha mãe ligou para eles e avisou que eu tinha conseguido um
emprego e que assim que eu recebesse, íamos quitar tudo. Mas agora
ligaram para minha mãe e disseram que se não pagar até amanhã, irão
aumentar os juros e cara, eles vão nos despejar. Não vou ter condições de
pagar tudo isso, mesmo trabalhando.
— Cacete, são uns filhos da puta mesmo. Vem, vamos até a sala do
Caique ver uma solução para isso.
Segui Saulo. Flávia me olhou querendo saber o que houve e eu fiz
sinal que já falava com ela. Saulo entrou falando na sala do Caique e
estacou de repente. Eu parei também e vi um rapaz conversando com meu
chefe. Fiquei sem graça e parecia que Saulo também.
— Desculpe, Caique. Esqueci da entrevista — Saulo respondeu.
— Tudo bem, Saulo. — Caique me olhou. — Aconteceu algo? —
Fiquei sem saber o que responder e olhei para Saulo.
— Sim, queria falar algo com você, mas dá para esperar, não é,
Fernando?
— Dá sim.
— Tudo bem, então. Deixe-me apresentar a vocês dois. Este é
Guilherme Santori, primo da Flávia. Guilherme, esse é Saulo, um dos
advogados da AGM Construtora e este é Fernando, nosso funcionário
também. — Vendo que Saulo parecia ter perdido a língua, fui até o rapaz
que havia se levantado e apertei sua mão.
— Prazer, sou o cara que deixa tudo limpinho neste setor.
— Muito prazer, Fernando. — Guilherme sorriu e depois olhou para
Saulo, que só aí se mancou e foi até ele.
— Muito prazer, Guilherme. Seja bem-vindo.
— Obrigado.
— Vou te esperar lá na minha sala, Caique.
— Ok.
Saí atrás de Saulo e ele me pediu que o acompanhasse até sua sala.
— Sente-se, Fernando. Quero o total da dívida, a conta e e-mail desta
imobiliária.
— Senhor Saulo, deixa. Olha, hoje é meu segundo dia aqui e não
posso perder meu emprego. Eu vou tentar me virar, ir lá falar com eles.
— Que eu saiba, ontem, no seu primeiro dia, eu pedi um favor enorme
pra você.
— Não pense que eu estou de alguma forma tirando vantagem disso.
— Fernando, só me dê tudo que eu pedi a você. — Saulo foi sucinto e
balancei a cabeça concordando.
— Vou pedir a minha mãe.
Liguei para minha mãe e ela me passou todos os dados que eu
precisava. Ainda a sentia fria comigo.
— Será que apenas no meu segundo dia, eu consigo um vale com meu
patrão?
— Pelo que conheço do meu amigo, sim. Mas justamente como amigo
dele e advogado da empresa, que estou verificando tudo isso. Espero que
não se ofenda.
— Jamais, pode conferir tudo.
Observei Saulo ligar para a imobiliária e tive vontade de ver a cara
deles quando ele se apresentou como o advogado da AGM Construtora e
meu. Olhei em volta e observei sua sala, tão elegante como a do Caique.
Mexia em meus dedos enquanto ele anotava tudo que lhe era falado e
me sentia cansado. Não bastasse isso, ainda tinha toda a situação com
minha mãe. Como ela me trataria quando eu chegasse do trabalho hoje?
— Fernando?
— Oi.
— Já tenho o total. São dois meses, certo?
— Sim.
— Ok. Vou passar o total para o Caique e pegar sua autorização. Será
descontado do seu primeiro salário.
— Sim, perfeitamente. Obrigado por essa ajuda. — Encarava seus
olhos.
— Nunca deixamos de ajudar nossos funcionários. Caique tem uma
política muito sólida com relação a isso, da mesma forma que seu pai
também tinha. A mãe dele que é meio contra e é por isso que tenho que ver
com ele. Se esse dinheiro sair da conta da empresa, ela verá e questionará.
— Por favor, não quero causar problemas para vocês.
— Vamos dar um jeito.
Alguns minutos depois, Caique entrou na sala e seus olhos vieram
diretamente para mim. Sinceramente estava gostando muito da forma que
ele se mostrava tão humano com as pessoas.
— Estou livre agora. O que houve?
Saulo explicou tudo que acontecia e no final pontuou a questão da
dona Branca e a conta da empresa.
— Transfira da minha conta pessoal, Saulo. — Caique estendeu seu
celular para o amigo.
— Ok, então. — Saulo já mexia no computador e no celular e eu olhei
sem graça para o Caique.
— Me desculpe causar tudo isso.
— Não peça desculpas. Não há necessidade disso.
— Pode descontar tudo do meu salário.
— Pronto, resolvido. Já até chegou o recebido aqui no meu e-mail. 
Passei um Pix para eles — Saulo se levantou e pegou na impressora o
comprovante. — Aqui, Fernando. Não há mais dívidas com eles.
— Muito obrigado pelo que vocês fizeram por mim. Preciso ir fazer o
meu serviço.
— Vá em paz, Fernando. Depois conversamos mais sobre aquele
assunto, ok? — Caique falou.
— Tudo bem.
Saí da sala de Saulo, já ligando para minha mãe.
— Oi, Fernando. — Chegava a doer o tom da sua voz comigo.
— Dívida paga. Não irão mais encher o saco.
— Como conseguiu o dinheiro?
— Como seria, mãe? Pedi um vale no meu trabalho.
— E eles te deram? Assim? Do nada? Hoje é apenas seu segundo dia
aí, Fernando.
— Mas me deram, mãe. Tenho um patrão bacana, só isso.
— Só isso? Tem certeza de que é só isso?
— A senhora está insinuando o que?
— Não sei. Não estou te reconhecendo mais. — Cheguei a parar no
caminho. Não acreditava que estava ouvindo aquilo da minha própria mãe.
— Eu que não estou reconhecendo a senhora. Está sendo capaz de me
maltratar e duvidar de mim apenas por causa da minha orientação sexual.
— Da sua sem-vergonhice, isso sim. Não criei filho pra ficar se
pegando com outro homem. Já dei meu aviso pra você. — Ela desligou na
minha cara.
Respirei fundo e quando ia guardar o celular, dei de cara com a mãe do
Caique saindo do elevador. Ela me olhou de uma forma horrível e veio na
minha direção.
— Que eu saiba o seu setor não é esse?
— Sim, senhora. Eu apenas vim...
— Não me interessa o que veio fazer aqui. Já chega eu ter que engolir
gente da sua laia no setor da Presidência.
— E que laia seria a minha? — Ela não havia me pegado num bom
dia.
— Está me respondendo? Seu desaforado! Caique está maluco, só
pode. Preciso pedir a interdição dele. Olha o tipo de gente que ele contrata
para a nossa empresa. — Todos ali olhavam para nós dois e eu estava me
segurando para não mandar a mulher na minha frente à merda. E só não
mandei por dois motivos: precisava do meu emprego e tinha respeito pelo
filho maravilhoso que ela tinha.
— Estou indo para o meu setor, senhora. Com licença — falei e passei
por ela a passos largos e fui para o elevador de serviço. A sala de Saulo
ficava no 12º andar.
Quando já estava dentro dele, olhei para aquela mulher a tempo de vê-
la me encarando como se eu fosse um inseto a ser exterminado do planeta.
— Não é possível, essa mulher não pariu o Caique — falei sozinho e
tentando me recompor.
Quando enfim cheguei ao meu setor, fui explicar a Flávia a minha
ausência e ela ficou feliz pelo chefe ter me ajudado. Seu primo estava ao
seu lado e ela explicava algumas coisas para ele. Deixei-os trabalhando em
paz e fui fazer o meu serviço. Tinha duas salas de reuniões para liberar.
Capítulo 8

—O garoto é gente boa. Pelo menos é o que parece. — Saulo


comentou.
— Ele é sim. Mesmo com tantos problemas, ainda se mantem uma
pessoa boa.
— É, essa situação de despejo é complicada. Ainda bem que ele
conseguiu esse emprego.
— E nem é só isso. Ele está passando por poucas e boas com sua mãe.
— Com a mãe? Ela está doente?
— Não. Não está aceitando a sexualidade do filho. — Saulo fez uma
cara de desgosto. Sabia que esse assunto era muito delicado para ele.
— Mais uma mãe que não aceita o filho? É... Conheço bem esse filme.
Saulo não tinha o amor dos pais por ter se assumido bissexual aos 19
anos. Seus pais, cristãos, não aceitaram sua orientação e a convivência deles
ficou bem complicada. Até que Saulo se formou, arranjou emprego aqui na
empresa da minha família e conquistou sua independência. A última vez
que perguntei, pois era um assunto delicado para ele, Saulo não falava com
seus pais há quatro meses.
— Seus pais te procuraram?
— Não. Devem desejar que eu morra todos os dias.
— Não fale assim, Saulo. Vamos esquecer esse assunto.
— O garoto pede ajuda para a mãe e a irmã não serem despejadas e ela
ainda rejeita o filho?
— Ela bateu nele ontem.
— Puta que pariu! — Saulo se levantou puto e foi até à mesa de água
em sua sala e bebeu um longo gole. — O que essas merdas de pais tem na
cabeça? Bosta? Porra, o que muda com o fato de quem a gente leva pra
cama, caralho? Não me conformo.
Quando ia tentar acalmá-lo, minha mãe entrou feito um furacão na sala
dele.
— Ah, por isso aquele ser asqueroso estava neste andar. — Tanto eu
quanto Saulo nos olhamos assustados.
— Do que você está falando, mãe? E isso são modos de entrar na sala
dos outros? Logo vejo com quem o Matheus aprendeu os bons modos.
— Cala a sua boca e me respeite! Sou sua mãe!
— Grandes merda. — Saulo soltou e minha mãe olhou para ele
assustada e até eu me surpreendi. Sabia que ele era desaforado, mas ele se
segurava muito com ela.
— O que você falou, Saulo? Você sabe bem com quem está falando,
não é? Você trabalha na empresa da minha família e se eu não quiser você
aqui...
— Eu sou o presidente e decido quem trabalha na minha empresa —
respondi, me colocando na frente dela. — O que está acontecendo com
você? Por que entrou aqui desta forma e está tratando o Saulo assim?
— Eu entro como eu quiser na MINHA EMPRESA, Caique. Tudo isso
aqui é tão meu quanto seu. Aliás, acho que uma interdição pra você viria a
calhar, já que parece estar desmiolado das ideias e a prova foi colocar
aquele insolente para trabalhar aqui.
— Não fale besteiras, Branca. — Quando minha raiva chegava a níveis
alarmantes eu nem a chamava de mãe. Para ela não fazia diferença mesmo.
— De quem você está falando? — Ela fechou a porta com toda força e
apontou o dedo na minha cara. A fúria estava estampada em seus olhos.
— Daquele preto desaforado que limpa o seu andar. Você sabia que ele
acabou me enfrentar? Eu falei que ainda tinha que engolir gente da laia dele
aqui e ele teve o disparate de me perguntar qual era a laia dele. — Saulo
explodiu em uma gargalhada que me fez segurar o riso também.
— Você está rindo de mim, Saulo?
— De você, Branca? Não, que isso. Estou é achando o Fernando muito
foda por não abaixar a cabeça pra você. — Minha mãe de branca passou
para vermelha em segundos de tanta raiva. Ela olhou para mim e eu tinha
cara de paisagem para ela.
— Isso não ficará assim. Eu ainda vou tirar aquele sujeito insuportável
daqui.
— O Fernando não vai a lugar algum — falei mais firme e num tom
mais alto, que a fez de endireitar toda e levantar o nariz. — Ele foi
contratado por mim, é um excelente funcionário e ficará onde está. Mande
no seu setor, no seu filhinho do coração que você precisa urgentemente
ensinar bons modos, embora, nem você os possui. Já falei e vou repetir mil
vezes: eu sou o presidente daqui e já passou da hora de você entender isso.
É tão cheia de classe e só fica dando escândalos pelos corredores. Acho que
suas amigas socialites não conhecem esse seu comportamento.
Branca se debruçou sobre minha cadeira, segurando em seus braços e
chegou seu rosto perto do meu.
— Maldita hora que um dia eu te coloquei no mundo. Hoje você não
passa de um inválido de merda. Aliás, sempre foi, Caique. Um frouxo, um
boçal, que vivia escondido atrás de seu pai. E sim, o Matheus eu tenho
orgulho de chamar de filho. — O nojo que vi tantas vezes em suas feições,
direcionados a mim, estava ali novamente.
— Eu que tenho horror de ter você como mãe. Se não me queria, por
que me teve? Agora, mamãezinha, vai ter que me engolir. Sou melhor que o
bosta do seu filho que é um encostado no dinheiro da família e não tem
nada para se orgulhar, nem a profissão dele, que finge que exerce. Agora
saia daqui, que me irrita olhar para você.
— Você não me conhece, Caique.
Branca saiu e eu respirava como se tivesse corrido quilômetros. Saulo
se abaixou na minha frente com um copo de água.
— Bebe essa água. Deixei você falar e colocar pra fora um pouco da
sua raiva.
— Como uma mãe... — Minha voz quis embargar e eu pigarreei. —
consegue tratar um filho assim? A vida inteira ouço dela que se arrepende
de ter me posto no mundo.
— Também não entendo, meu amigo. — Saulo segurou em minha
mão. — Sua mão está gelada. Se acalma, pode passar mal assim. E sua mãe
não vale o seu sofrimento. — Saulo deu um pequeno sorriso. — Fernando
ganhou minha admiração hoje.
— Preciso falar com ele e ver como está. Ela deve ter sido desprezível.
Coitado do rapaz.
— Se acalma primeiro. Termina sua água. Vou ligar para o seu andar e
ver com a Flávia se ele está bem e trabalhando.
Observei Saulo ir até sua mesa e ligar.
— E.., quem está falando? Ah, sim, Guilherme. Pode me passar para
Flávia, por favor? Obrigado. — Saulo me olhou e eu o observava. —
Flávia, o Fernando está trabalhando direitinho aí? Ah, sim. Não, é que ele
esbarrou com a dona Branca e você já viu, né? Ok, obrigado. — Saulo
desligou o telefone. — Viu? Ele está trabalhando de boa.
— Não comente com ele que te contei sobre a mãe dele.
— Pode deixar. Ei, o que foi? Por que essa careta?
— Está chegando a hora do meu remédio. Vou subir para tomar.
— Quer que eu pegue pra você?
— Não, vou pra minha sala. Minha cabeça está explodindo depois de
tudo isso.
— Quer ir pra casa? Eu tenho que levar um documento para o senhor
Antunes, ele finalmente se decidiu pela reforma de sua empresa e não devo
demorar. Não vou sair mais, fico por aqui até o fim do expediente.
— Não. Tenho um documento para revisar e se eu for pra casa agora,
vou remoer tudo que ela me disse. Alguns embates com ela são mais
nocivos que outros e esse de hoje me machucou. Prefiro me afundar no
trabalho.
— Ok, então vai. Se distraia e não deixe as palavras dela te ferirem
mais do que já feriu.
— Mande um abraço para o senhor Antunes e agradeça a ele por nos
escolher mais uma vez.
— Eu falo, pode deixar.
— O Aurélio fez a vídeoconferência com os americanos?
— Fez sim. Está tudo nos conformes.
Saí da sala do Saulo e fui para o meu andar. Fiquei pensando na
discussão com minha mãe e no quanto aquilo me fazia mal. Meu pai jamais
tinha me tratado daquela maneira e eu não entendi o porquê dela ser assim
comigo.
Já no meu andar, vi de longe Fernando trabalhando e cumprimentei
Flávia e seu primo antes de entrar em minha sala para tomar logo o meu
medicamento.

Quando cheguei em casa naquele dia, minha mãe nem dirigiu uma
palavra a mim. Nem um “boa noite”. Fui aonde sabia que ela guardava as
coisas de nossa casa e coloquei o recibo dos aluguéis pagos.
Depois tomei um banho e brinquei um pouco com Juliana, enquanto
nossa mãe fazia o jantar. Observei materiais de costura espalhados no sofá.
— Ju, a mamãe costurou hoje?
— Sim. Pegou duas encomendas que ela disse. Acho que ela vai fazer
o vestido de noiva da Natália.
— Por que você acha isso?
— Porque hoje a gente viu vestidos numa revista.
— Que bom! Assim entra um dinheiro bom, né?
— Ela disse que quer ganhar muito dinheiro para pagar o aluguel.
A boneca da Ju que estava em minha mão chegou a cair no chão. Olhei
para a cozinha e fiquei observando dona Kátia lavando uma alface. Minha
mãe estava claramente rejeitando até a minha ajuda com as coisas da casa.
Não sabia como seria nossa convivência daqui pra frente depois do tapa que
ela me deu.
“Não a deixe te bater de novo.”
Pensei nas palavras de Caique e encostei minha cabeça no sofá. Ju e eu
estávamos sentados no tapete da sala. Era uma situação tão difícil, que eu
não sabia como administrar.
— A comida está pronta — ela disse da porta da cozinha e eu encarei
seus olhos. Eles estavam sérios em minha direção. Depois ela olhou para
minha irmã. — Vem, amor da mamãe. Vem jantar.
Meu coração apertou por sentir a diferença no carinho. Ela recebeu a
Ju de braços abertos e as duas foram comer. Ali sentado eu estava, ali
sentado eu fiquei. Mesmo com fome não tive forças para ir. A vontade que
eu tinha era de sair pela porta e sumir naquele momento.
Depois de um bom tempo, me levantei e resolvi dormir.

Três semanas se passaram e graças a Deus nada de alarmante


aconteceu em meu trabalho. Vi algumas vezes a dona Branca, mas até
evitava ficar em seu caminho quando ela passava. Flávia fez seu exame e
Guilherme, seu primo, ficou em seu lugar no dia. Ele era um carinha muito
maneiro e nos demos bem.
Saulo não me deu mais nenhum aviso com relação ao meu chefe, em
seu modo “amigo protetor” e por falar em Caique, era incrível como a gente
se dava bem. Eu estava muito destruído pela situação com minha mãe, mas
era chegar na empresa e conversar um pouco com ele para que eu me
sentisse bem melhor.
E olha que nem sentávamos e batíamos papo como dois amigos não. A
gente conversava num curto tempo, enquanto eu limpava sua sala. Mas
mesmo em meio a nossas conversas, eu não deixava de reparar em como ele
ficava mais abatido a cada dia.
Era nítido que Caique parecia estar se entregando de fato a sua
depressão. Em nossas conversas, quando ele mencionou rapidamente como
foi tirado do armário, coisa que eu já sabia por pesquisar na internet, mas
não comentei, ele também me disse que tinha até hoje sua psicóloga.
Mas era muita coisa para uma pessoa assimilar. Ele ficou paraplégico,
tinha um péssimo relacionamento com sua mãe e irmão e sentia uma
saudade absurda do pai. Sem contar o mundo de responsabilidades que só
um CEO tinha nas costas.
E Caique não aceitava de forma alguma a sua condição. Ele era
revoltado consigo mesmo e era triste de se ver. Um dia, antes de entrar em
sua sala, escutei uma conversa entre ele e o Saulo, onde o amigo insistia
para ele sair com ele. Percebi que Saulo tentava sempre trazer o amigo de
volta à vida, mas Caique estava irredutível.
Pelo tom da conversa, percebi que Caique nem se relacionava com
ninguém e um dia, em mais uma conversa entre nós, esse assunto veio à
tona. Eu procurava ser sucinto nos nossos diálogos, para não o assustar.
Percebi que fazia bem para ele falar, desabafar suas dores, sem alguém ficar
insistindo que ele tinha que mudar isso e aquilo. Ele só queria pôr para fora
tudo que o machucava.
Caique se relacionou com dois caras após seu acidente e foi um
desastre. Tive vontade de chorar, não vou negar. Eu conseguia sentir sua dor
em suas palavras, mesmo que ele nem esboçasse nada no rosto.
Se um dia alguém me contasse que eu ficaria próximo a um patrão
meu, eu ia rir desta pessoa. Mas a verdade era que, mesmo de forma
contida, Caique começava a fazer parte da minha vida. O conhecia
praticamente há um mês e tinha ficado encantado com o ser humano que ele
era. Um patrão justo, bom para os seus funcionários e uma pessoa de valor,
que mesmo tão machucada pela vida, ainda tinha forças para fazer o bem.
Quando vi minha irmã ter uma intoxicação alimentar por um
salgadinho de camarão que ela comeu na festinha da amiga, agradeci em
pensamentos ao Caique por eu ter acesso a um plano de saúde e conseguir
um atendimento exemplar para ela. Até direito a internação tinha e Ju ficou
internada cinco dias.
Ela foi muito bem atendida e quando cheguei para trabalhar no dia
seguinte à sua alta, o agradeci muito por ele tê-la incluído no meu plano,
mesmo ela não sendo minha filha. Ele apenas sorriu e se preocupou em
perguntar por ela. Naquele dia ele me entregou um embrulho no fim do
expediente e pediu que eu entregasse a minha irmã.
Chorei emocionado quando dei a ela e vi que se tratava de uma boneca
linda, uma Barbie, que depois eu soube que foi Flávia que escolheu a
pedido dele para deixar minha irmã feliz ao voltar do hospital.
Ele definitivamente não existia, não era possível. Esse gesto foi até
capaz de arrancar um sorriso da minha mãe, que andava muito séria.
Saulo passou a sempre conversar comigo também e até comemos um
sanduíche juntos no refeitório dos funcionários. Ele era um cara pra frente,
sempre alegre e sem papas na língua. Acho que ele enfim percebeu que eu
não faria mal ao amigo dele e eu percebi também que ele não tinha nenhum
interesse amoroso no Caique. Ele o tinha como um irmão mesmo.
Mas foi na sexta-feira, dia 22 de julho, que tomei um susto da porra
com o Caique e percebi ali que já tinha muito carinho por ele, que estava o
vendo como um amigo mesmo, não mais apenas como meu chefe.
Cheguei para trabalhar e o tempo estava uma bosta. Estava ventando
muito e o céu estava nublado. A qualquer momento um temporal cairia.
Percebi Caique diferente no momento em que bati meus olhos nele
naquele dia. Fisionomia fechada, olheiras e desânimo. Ele não conversou
comigo quando limpei sua sala e ficou o dia intocado lá dentro.
Saulo estava tendo um dia cheio e após o almoço foi na empresa de um
cliente e talvez só voltaria quase no fim do expediente. Até ele tinha
discutido com Caique, que naquele dia estava sem paciência para todos.
— O chefe hoje está tão fechado, não é? — comentei com Flávia,
enquanto molhava a planta ao seu lado.
— Muito, Fê. — Ela passou a me chamar assim e eu adorava. — Ele
me respondeu sem me olhar quando fui levar um documento.
— Tô ficando preocupado com ele. Ele não é assim.
— Sua depressão deve estar tomando conta e isso é tão difícil —
Flávia disse, pensativa.
— Pelo menos a mãe dele não está aqui esses dias.
— Nem me fala, duas semanas já sem ela aqui. É um sonho o que
estamos vivendo. — Ri do comentário de Flávia.
Meu dia estava péssimo. Minha semana tinha sido péssima. E a última
noite eu queria esquecer. Estava me sentindo frustrado, sozinho, carente e
um lixo. Tudo isso porque esta semana, não sei por que, eu estava sentindo
um desejo fora do comum. Sentia uma falta absurda de ter alguém, de ter
carinho. Para piorar, olhei novamente o Instagram do João Miguel e vi uma
foto dele beijando um cara.
Não senti ciúmes dele, mas senti ciúmes da situação. Eu não tinha
ninguém. Aos 34 anos, eu vivia sem me satisfazer de fato e com o
agravamento da minha depressão, isso atingiu níveis assustadores.
O resultado de toda a minha frustração foi uma semana de merda, mas
que hoje, sexta-feira, tinha atingido o ápice. Hoje nem havia conversado
com Fernando e o senti me checando todo o tempo em que esteve em minha
sala limpando. Meu funcionário tinha me surpreendido muito e em pouco
tempo se tornado uma pessoa que eu amava conversar. Mesmo que fosse
sempre rápido devido aos seus afazeres e os meus.
Mas hoje, não trocamos nenhuma palavra porque eu estava muito mal.
Não queria conversar com ele e nem com ninguém, mas admito que senti
falta das suas risadas e da forma que ele me animava. Só que seria horrível
se eu descontasse nele o meu rancor e tudo que me afligia, então preferi o
silêncio.
Agora eram três horas da tarde. Minha sala já estava com suas luzes
acesas, devido ao tempo horrível lá fora. A cor do céu se parecia com o meu
interior naquele momento, cinza chumbo. E como para quem já não está
bem, a tendência sempre é só piorar, quando fui procurar meu remédio para
tomar, percebi que tinha esquecido em casa. Jamais tinha esquecido meu
remédio e minha dor começava a dar sinais. Eu não iria embora de jeito
nenhum, tinha muita coisa pra fazer.
— Pronto, dona Vanessa. Consegui consertar.
— Obrigada, Fernando. Acho que em breve vou ter que pedir a troca
da borracha.
— Enceradeiras trabalham muito. Ainda mais aqui, que é todo dia.
— É mesmo. Depois vou passar para dona Flávia. Deixa só virar o
mês. Vai trocar de roupa agora? — minha coordenadora me perguntou no
momento exato que um trovão forte rasgou o céu e caiu a maior chuva.
— Caramba! Que susto! Vou sim, dona Vanessa. Hoje vai ser um
inferno para chegar em casa com essa chuva.
— Vai mesmo.
Observei minha coordenadora ir guardar o equipamento que demos um
jeito e olhei pela janela na minha frente e nem conseguia enxergar nada lá
fora devido ao grande temporal.
Fui para o elevador buscar o meu carrinho que havia ficado no setor da
Presidência. Hoje, além de ajudar a consertar a enceradeira, ajudei em uma
rigorosa faxina no refeitório da empresa. Flávia me avisou que isso ocorria
uma vez por mês. Durante os dias normais, os responsáveis pelo setor
faziam sua manutenção.
Por falar na Flávia, ela já tinha ido embora. Disse que o Caique a
liberou às 17 horas devido ao mau tempo e a distância de sua casa. Como
estive ocupado na faxina do refeitório nem o vi indo embora também.
Assim que cheguei no 13º andar, antes de ir à copa pegar meu carrinho
que tinha deixado no cantinho próprio para ele, vi pela fresta da porta a luz
acesa na sala do Caique. Franzi a testa e fui até lá conferir se apenas a luz
tinha sido esquecida acesa e para minha surpresa, ao entrar, vi Caique perto
do grande vidro da janela, de lado, mas olhando para fora.
— Senhor Caique? — o chamei e quando ele virou seu rosto para
mim, vi que chorava e tinha uma expressão de dor. — Ah, porra! — falei e
corri até ele, parando em sua frente. — O que você está sentindo, Caique?
— Ele apenas chorava. — Caique, fala comigo. Por favor, o que você está
sentindo?
— Muita dor.
— Dor aonde?
— Nas costas. Hoje eu... não tomei meu remédio.
— Mas por quê? Você precisa dele!
— Eu... esqueci.
— Porra, Caique, não faz isso. Caramba! O que eu faço? Vou ligar pro
Saulo, tenho o número dele.
A chuva desabava lá fora, enquanto eu, com os dedos trêmulos,
procurava o número do Saulo em meus contatos.
— Fernando? O que aconteceu? — Ele já atendeu aflito. Deve ter
estranhado eu ligando para ele àquela hora.
— Saulo, o Caique não está bem!
— Ele ainda está na empresa?
— Sim!
— Ele não podia estar aí. Caique têm pânico de temporais e o mundo
está desabando. Mas que merda! O que ele está sentindo, Fernando?
— Ele está chorando e com dor. Disse que esqueceu o remédio dele!
— PUTA QUE PARIU! Eu vou matar o Caique! Caralho! Fernando,
eu estou preso na empresa do cliente. Uma enchente bem na nossa frente.
Eu não tenho como sair e além do mais, estou longe.
— O que eu faço, Saulo? Como posso ajudá-lo?
— Leve-o para casa dele. Lá ele precisa tomar esse remédio e se deitar.
Por favor, Fernando. A Flávia ainda está aí?
— Não, ele a liberou cedo. Eu só o vi aqui, pois vim pegar meu
carrinho antes de ir embora. Achava que ele também já tivesse ido.
— Só resta você, Fernando. A megera da mãe dele ainda está em
viagem e o Matheus, nem sei daquele infeliz. Além do mais, jamais deixaria
o Caique nas mãos deles.
— Ok, assim que eu chegar na casa dele, eu te ligo.
— Ok.
Olhei para Caique e ele me olhava quieto, com lágrimas escorrendo
pelo rosto. Sem nem pensar muito em meus gestos, toquei seu rosto com
carinho e sequei suas lágrimas.
— Presta atenção. Vou levar você pra casa. Aguenta só mais um
pouquinho, tá? Você precisa me ajudar.
— Eu vou tentar, mas... não consigo mover minha cadeira. Não com
dores tão fortes.
— Não tem problema, eu empurro você. Preciso apenas pegar minha
mochila. Consegue me esperar?
— Sim.
Corri no elevador, desci até o vestiário e peguei minha mochila. Nem
troquei de roupa. Voltei na sala do Caique, desliguei seu computador,
peguei a bolsa dele, prendendo em sua cadeira e fomos em direção a saída
de sua sala.
— Espera, Fernando... — ele disse de forma baixa. 
— O que foi? Eu te movi muito rápido?
— Não... — Ele fez uma careta. — Me deixe ligar para meu motorista
primeiro. Ele é meu segurança e vigia meu setor. Pode estranhar você
saindo comigo.
— Ah...
Foi aí que me liguei que nem parei para pensar nisso. Eu, o cara da
faxina, saindo com o dono da empresa se contorcendo de dor, ia ficar meio
estranho. Caique ligou para Robert, e ele ficou de prontidão nos esperando.
Com nossa saída autorizada, fui devagar com Caique para o elevador e
descemos até o estacionamento. Olhava todo o tempo para ele e segurei em
sua mão lhe passando força. Ela estava gelada, mas ele apertou a minha de
volta.
Assim que as portas se abriram, Robert já estava em frente nos
aguardando e mesmo avisado, ele olhou para Caique minuciosamente e para
mim. Engoli em seco.
— Está tudo bem, Robert. Estou com dor demais, esqueci meu
remédio hoje e Fernando vai me ajudar até minha casa.
— Sim, senhor. Me dê a mochila, senhor Fernando. Colocarei no
porta-malas junto com a bolsa do senhor Caique.
— Ok.
Empurrei a cadeira do Caique e quando ficamos na lateral da porta do
carro, fiquei pensando em como ele entraria.
— Senhor, entre primeiro. Vou pegá-lo e ele irá deitado no banco e
com a cabeça em seu colo.
— Tudo bem. — Robert já parecia preparado para uma situação
daquela e dei a volta e entrei no carro.
Ele pegou Caique no colo com todo cuidado de sua cadeira. Entrou
praticamente junto colocando ele deitado no banco. O carro era enorme,
alto e espaçoso por dentro. Com certeza era adaptado assim para uma
pessoa cadeirante.
Caique estava com os lábios brancos, mas suspirou aliviado por estar
deitado. Se não fosse eu sentado ali, ele ficaria esticado no banco, mas
Robert arrumou suas pernas direito, dobrando-as e as apoiando no encosto
do banco, de modo que ele ficasse confortável. Depois puxou o cinto e deu
um jeito de prendê-lo. 
Imediatamente coloquei minha mão sobre seu peito, que ele segurou
firme e a outra estava em sua bochecha. 
Assim que entrou, depois de guardar a cadeira de Caique, Robert olhou
para trás.
— Irei devagar como o senhor sempre me pede, senhor Caique.
— Obrigado, Robert. Está chovendo demais. É aterrorizante.
Logo o carro começou a se mover e pensei no acidente. Chovia demais
no dia, por isso Caique havia ficado com trauma de tempestade.
— Por que você não foi embora mais cedo? — perguntei baixinho e
ele me olhou.
— Tinha coisas pra fazer e me revoltei por ficar dependente de uma
merda de remédio.
— Não faça mais isso.
— Desculpe estar te dando esse trabalho.
— Não estou falando isso por causa de trabalho. Me preocupei, me
assustei em te ver desta forma. Você pode não acreditar, mas existem
pessoas na sua vida que se preocupam e se importam com você, Caique.
Me surpreendendo totalmente, ele levou minha mão que segurava e
que estava em seu peito, até seus lábios e deu um beijo.
— Me desculpe. Estou tendo uma semana horrível. — Me sensibilizei
por seu estado e não dei mais bronca nele.  — Sabe, você está com cheiro
de produto de limpeza — ele disse de forma franca e eu tive que rir. Meu
riso veio com tanta vontade que sua cabeça em meu colo se sacudiu um
pouco. Tapei minha boca tentando me controlar.
— Você está sacudindo uma pessoa com dor! — Ele mesmo segurava
um riso sem mostrar os dentes.
— Desculpe, mas não me faz rir! E é claro que estou com cheiro de
limpeza, acabei de sair do trabalho e nem tive tempo de tomar um banho,
senhor meu chefe.
Robert precisou ir mais devagar por causa da chuva, de alguns pontos
alagados e do trânsito que estava caótico. Percebi que Caique não olhava
em direção a janela e que tinha fechado os olhos.
Nem percebi de fato quando comecei a fazer um carinho em seu
cabelo, mas continuei, pois percebi que isso o fez relaxar completamente.
Levamos um tempo até chegar ao apartamento e já pensava em como
Caique iria sentir dor novamente ao sair do carro. Robert parou pertinho do
elevador e eu descobri que tinha dois meios de entrar por ele: pelo
estacionamento e na recepção que eu entrei quando vim até aqui.
— Chegamos. — Seus olhos se abriram e Caique se mostrava
sonolento.
— Seu carinho em meu cabelo me relaxou muito.
Quando eu ia responder, Robert abriu a porta do carro e entrou na
mesma posição em que deixou o Caique e o pegou com todo cuidado. Eu
logo saí também e fui para perto deles.
— Você pode digitar o código no elevador, senhor Fernando?
— Claro!
— Espera! — Caique pediu. — Me coloque na cadeira de volta,
Robert. Fernando me leva lá pra cima.
Robert então me mostrou onde estava a cadeira e eu a peguei. Quando
ele colocou Caique sentado de novo, ele fez uma expressão de dor que doeu
em mim, mas o teimoso disse que aguentaria.
Peguei minha mochila também e subimos para a cobertura. Assim que
chegamos, Caique me pediu de forma baixa e sofrida que eu ordenasse à
Alexa que acendesse as luzes. Assim eu fiz e foi incrível! Eu era um pobre
bobo mesmo.
Me concentrei em levá-lo, e foi fácil por já saber o caminho. Ao
chegarmos perto da sua cama, tirei minha mochila das costas e fui para
pegá-lo no colo.
— Não precisa, Fernando. Eu acho que consigo.
— Caique, o Robert você deixou. Por que eu não? Posso muito bem te
pegar e te colocar ali.
— Tudo bem...
Peguei meu chefe turrão em meus braços e não deixei de perceber seu
perfume tão marcante ainda mais forte. E mesmo sendo um pouco pesado,
eu o aguentei de boa. Deitei Caique na cama com todo cuidado e seu
suspiro foi audível.
Sem pedir permissão, fui tirar seus sapatos para ele ficar mais à
vontade. Quando já tinha tirado os dois, e ia para as meias, Caique me
questionou.
— O que está fazendo, Fernando?
— Te deixando mais confortável. Tudo bem?
— Não precisa se incomodar comigo.
— Caique, entenda de uma vez: não é incomodo nenhum. Mas antes
que eu tire todo restante...
— Todo? — Seus olhos se arregalaram.
— Sim! Me diga onde está seu medicamento. Saulo disse para tomar
imediatamente.
— Na porta de vidro em meu banheiro, em cima da pia.
Fui até lá, peguei o remédio e depois fui até à cozinha pegar um copo
de água. Quando retornei, ele me olhava curioso e estendi o remédio.
Caique se apoiou com dificuldade para tomar o medicamento.
Depois de deixar o copo na mesa de cabeceira, retirei suas meias sob
um olhar atento e sério.
— Temos que tirar seu blazer. Você não precisa nem se levantar muito,
basta virar um pouco que tiro.
E assim conseguimos, devagar, tirar o blazer. Logo depois fui para a
gravata, e enquanto desatava o nó, com dificuldade, sentia seu olhar em
meu rosto.
— Você não é muito bom com gravatas, senhor Fernando. — Segurei o
riso.
— Nunca namorei um engravatado.
— Precisamos arrumar um para você.
Meu olhar encontrou o dele neste momento e eles me pareceram ainda
mais azuis.
— Está melhorando já.
— Por quê?
— Está fazendo piadinhas.
— Você está me distraindo da dor.
— Prontinho. Livre da gravata.
— Obrigado. Estou cansado demais.
— Dorme um pouco. — Me encolhi com um trovão forte.
— Você não vai embora com essa chuva, por favor. Ligue para sua
mãe.
— E vou dizer o que, Caique? Que estou na casa do meu patrão?
— Sim, diga a verdade e eu vou falar com ela.
— Não! Você não vai, por favor. Não insista nisso.
— Mas então ligue.
Peguei meu telefone e liguei para minha mãe. Ela atendeu no segundo
toque.
— Fernando! Onde você está? O mundo está desabando. Sorte que
nossa casa fica na subida. Está tudo alagado por aqui. O BRT não está
funcionando, vi na TV.
— Mãe, meu patrão passou mal e eu o socorri.
— Passou mal? Coitado, o que ele teve?
— Acabou esquecendo seu remédio e sentiu muitas dores. O amigo
dele não pode socorrê-lo, pois ficou ilhado na empresa de um cliente. E a
mãe está viajando. Então só sobrou eu, e junto com seu motorista e
segurança, o trouxemos para casa. Tô aqui com ele e nem sei como vou
embora. Chove demais.
— Ele está melhor?
— Dei o remédio que ele precisava. Logo fará efeito.
— Se essa chuva não parar, você vai ficar aí?
— É o jeito, mãe. Como vou sair da Barra tarde da noite? E mesmo
que pare a chuva, as ruas continuam alagadas.
— Tudo bem. Mas amanhã venha cedo para casa.
— Claro, né, mãe.
— Ok.
Me despedi e em seguida liguei para o Saulo. Ele ficou mais tranquilo
por estarmos na casa do Caique e ele já medicado. Ele ainda estava ilhado
na empresa do cliente.
— Saulo disse que amanhã você vai se ver com ele. — Caique sorriu
fraco. — Tenta dormir.
— Pode ir ao meu closet e pegue uma roupa limpa para vestir. O
banheiro é todo seu também. Na cozinha, veja alguma coisa para você
comer e fique à vontade. Preciso descansar.
— Tudo bem. Vou aceitar tudo.
Caique suspirou e fechou os olhos cansado. Fiquei ainda olhando para
ele e só depois entrei em seu closet sem nem saber para onde ia. Mais ao
fundo, eu encontrei roupas casuais e peguei uma calça de moletom preta e
uma camisa básica amarela. Vi toalhas por lá também e peguei uma.
Quando saí para o quarto novamente, ele estava ferrado no sono e
resolvi tomar banho no social para não fazer barulho. Depois iria
providenciar algo para comer e talvez até para ele também, caso acordasse
ainda hoje.
Hoje eu dormiria por aqui...era o jeito...
Capítulo 9

Tinha certeza de que minha mãe ia ficar eufórica se estivesse em uma


cozinha como essa. Pra começar, só pelo fato de todos os eletrodomésticos
serem pretos. Um luxo!
Eu estava encantado. Fiquei observando onde ficava tudo. Fui abrindo
portas de armário, gavetas e geladeira para me situar e decidir o que iria
fazer para comer. Iria cozinhar para o Caique também, ele podia acordar
com fome.
Uma hora e meia depois, eu já tinha arroz pronto, soltinho e
branquinho que minha mãe tinha me ensinado a fazer e peito de frango
grelhado no maravilhoso aparelho de grelhar que o Caique tinha. Treco
muito prático!
Tinha feito também uma saladinha simples com cenoura ralada, alface,
tomates e cebola. Tudo bem leve. Estava sentindo falta do meu “neguinho”,
não sabia comer sem feijão, mas não encontrei em lugar nenhum por aqui.
Terminava de coar um suco de laranja que tinha feito quando senti um
cheiro delicioso invadir a cozinha. O cheiro lembrava banho e Caique.
Quando me virei, ele estava na porta da cozinha e de banho tomado.
— Nem ouvi que você tinha acordado. Nem fez barulho.
— Você devia ter me acordado para eu te ajudar. Dormi muito.
— Uma hora e meia só, Caique. E eu me virei por aqui, nem fiquei
perdido. Como está se sentindo? — perguntei, me aproximando dele,
enquanto enxugava as mãos no pano de prato.
— Outra pessoa. Foi ótimo tomar meu remédio, dormir e agora tomar
um banho.
— Sem dores mesmo?
— Totalmente sem. Quando despertei, senti um cheiro delicioso de
comida e foi aí que me lembrei que você estava aqui. Tô com água na boca.
— Sorri.
— Então vem comer! Fiz arroz fresquinho, frango grelhado e uma
saladinha. Tem suco de laranja também! Só não achei feijão.
— Ah, me desculpe. Eu não como feijão, então nem compro. Mas se
você quiser, podemos pedir em um restaurante.
— Não, que isso. Como sem também, imagina. Deixa eu colocar os
pratos.
Coloquei tudo pra gente na mesa e logo Caique chegou perto dela e eu
me sentei.
— Você deve ter tido um pouco de dificuldade por causa dos móveis
serem mais baixos, não? — ele comentou, enquanto colocava seu arroz no
prato.
— Não diria dificuldade, só me abaixei mais quando estava pegando
os ingredientes para preparar.
— Aqui é tudo adaptado para mim por causa da cadeira, por isso nem
tenho armários no alto e preferi uma geladeira com o freezer embaixo.
— Muito prática e linda a sua cozinha. Minha mãe ficaria encantada
com ela — respondi, enquanto colocava a minha salada.
— E como vocês estão?
— Na mesma. Ela ainda está me tratando com indiferença.
— Reclamou muito quando você disse que ficaria aqui?
— Até que não, mas mandou eu voltar bem cedo amanhã.
— Ainda está chovendo muito, né? — Caique comentou.
— Muito. Depois que tomei banho, fui olhar pela janela e nossa, o mar
estava agitadíssimo.
— Minha roupa ficou bonita em você — ele disse me olhando e
levando um pedaço de frango na boca.
— Pelo que vejo somos da mesma altura, por isso deu certinho. —
Sorri ao lhe responder. — Sabia que tive quase um princípio de afogamento
no seu chuveiro?
Caique foi rir e voou arroz pela mesa. Ele chegou a ficar vermelho.
— Não ri de mim, caramba! Tô falando sério. Deixei pra abrir já
embaixo e nossa, que chuveiro é aquele?
— Só você, Fernando. Só você para me fazer rir. Ele é um chuveiro
normal, ué.
— Normal pra você que é rico e só deve ter usado esse tipo de
chuveiro na vida. Ele é quadrado e cabe umas três pessoas debaixo,
abraçadas pela água. E que força a água tem!
— Da próxima vez eu compro uma boia pra você — ele disse e riu.
Olhei para ele com os olhos em fenda.
— Muito bonzinho você. — Estava gostando de vê-lo sorrir. Era a
primeira vez nesta semana que o via mais leve. — Estava aqui pensando.
Hoje, neste momento, é a primeira vez nesta semana que te vejo mais
tranquilo.
— Minha semana foi uma droga. Tenho ciência de que estava
insuportável. Nem eu mesmo estava me suportando.
— E por que isso? Quer dividir? Desabafar? — falei, enquanto me
servia de mais salada. Nessa eu caprichei.
Mas ao perceber o silêncio por parte dele, o olhei e vi Caique com as
bochechas coradas. Sua pele branca me deixava perceber com facilidade.
— Que foi? Ficou com vergonha? Se não quiser, não precisa falar. Só
disse, pois eu mesmo te alugo com minhas ladainhas.
— Não é isso, é que... bom, — Ele pigarreou. — é algo íntimo.
— Tá certo. Deixa pra lá então. Come mais, senão vou devorar esse
frango. — Apontei e ele deu um sorriso fraco.
Ficou um silêncio entre nós. Nada constrangedor, mas só se escutava
os talheres funcionando. Quando já achava que ele não falaria mesmo,
Caique se pronunciou.
— Essa semana foi tensa por eu me sentir carente, pra baixo e
sufocado. Meu estado depressivo fez minhas emoções atingirem níveis
muito altos. Nunca tinha sentido tanto tesão numa única semana. — Olhei
de relance nessa hora para ele, mas sem encarar. Não queria deixá-lo
constrangido. Ele precisava falar. — E ainda por cima vi uma foto no
Instagram do João Miguel que mexeu comigo; ele beijava um cara.
— Sentiu ciúmes dele?
— Não dele, mas da situação. Eu não tenho ninguém há muito tempo  
               e já está se tornando demais pra mim.
— Não pensa em sair e se relacionar?
— Não, Fernando. Não quero a piedade de ninguém. Estou farto disso.
Não quero. Não vou condicionar uma pessoa a ficar comigo. Não sou
homem suficiente pra ninguém. — Nessa hora tive que largar os talheres
com força no prato. Minha mãe me arrancaria a orelha se me visse fazendo
isso. Mas não podia ficar calado diante de tamanho absurdo que ouvia.
— Nem continue falando. — Ele me olhou assustado.
— O que foi? O que eu falei que não deveria?
— Exatamente tudo. Principalmente a parte de que não é homem
suficiente pra ninguém.
— Mas é a realidade, Fernando.
— Que você criou aí na sua cabeça.
— Ah, não venha você também falar igual ao Saulo.
— Só me diz o que você ouviu dos médicos nesse tempo todo.
— Ah, que penetração não é tudo. Que meus outros sentidos ficariam
mais apurados, como paladar, olfato, visão e tato, tudo para suprir minha
deficiência. E que isso tudo trabalharia em conjunto para eu ter prazer.
— Então?
— Mas e a pessoa que estará comigo, Fernando? Como ela sente
prazer?
— Recebendo os seus carinhos.
— Ah, pelo amor de Deus, isso é ridículo.
— Posso dizer para você que não é.
— Ah tá, e posso saber como você tem tanta certeza disso? — Olhava
para Caique e simplesmente não sentia vergonha do que iria contar. Com
ele as coisas fluíam, era impressionante.
— Eu tive minha primeira vez com o carinha que te falei que minha
mãe me flagrou, o Ricardo. E tipo, foi maravilhosa. — Caique prestava
atenção. — Ricardo soube ter paciência comigo, foi gostoso. Mas depois
dele eu já saí com mais três e um deles foi péssimo e com os outros dois foi
bem gostoso também.
— Por que um foi péssimo?
— Ele não gostava de preliminares. Queria logo meter. — A cara do
Caique foi ótima. — Sou versátil, mas tenho maior preferência em ser
passivo. Aí, com esse achei ruim. Ele claramente tinha a opinião que
penetração é tudo.
— Mas eu gosto de preliminares. Só não vejo como apenas elas irão
satisfazer.
— Os outros dois que tive, um teve muita preliminar e penetração.
Mas o outro, nem teve penetração. Foi delicioso do mesmo jeito. Quando
voltei a sair com o Ricardo de novo, usamos muito esse recurso e foi muito
perfeito. Tenho amigos que não suportam penetração. Acham muito
dolorido e não aguentam a dor. O sexo fica muito condicionado ao que se
fala por aí, mas na prática, ele é muito mais do que temos ideia. — Caique
nem piscava absorvendo minhas palavras.
Rindo, ele ficou de cabeça baixa um tempo, mexendo em seu garfo e
depois me olhou.
— Por acaso passou alguma vez na sua cabeça, de estar conversando
com um chefe seu sobre sexo com penetração e preliminares?
Explodimos nós dois em uma gargalhada gostosa.
— Juro que nunca, mas com você tudo tem sido diferente.
— Acho que no fundo, é minha rejeição à minha condição que não me
deixa aceitar. Acreditar no que os médicos falam.
— Já tentou ver vídeos de depoimentos? De outros cadeirantes?
— Já e não tive paciência. Sou um revoltado, Fernando. Essa é a
verdade.
— Pois é, Caique. Acho que tudo só vai mudar na sua vida, na hora
que você se aceitar. — Ele engoliu em seco. — Desculpe se fui duro, mas é
a realidade. Veja, por exemplo. Um exemplo simples. Fiquei encantado com
sua cozinha e queria dar uma assim para minha mãe, mas minha realidade
não permite e tenho que me conformar com a que meu bolso pode pagar. —
Me viro na cadeira e aponto para o fogão dele embutido em um balcão de
mármore lindo. — Um fogão daqueles, nem pensar. Bota aí um Consul de
quatro bocas bem simples. — Caique riu com meu exemplo ridículo. — É o
que dá pra mim e tenho que ser feliz com ele. Sei que você pode dizer:
“mas e se você ganhar na Mega Sena?” Pode ser, mas estou querendo
apenas te mostrar, que temos que ser felizes com o que temos, com o que
somos. Isso não quer dizer conformidade, podemos lutar por mais e eu vejo
que o seu mais, é que se aceitando, vai conseguir se relacionar e descobrir
que pode, sim, receber e dar prazer ao seu parceiro. Muito melhor que viver
amargurado e tendo semanas de merda.
Caique ficou me olhando um tempão e até fiquei com medo de ter sido
sincero demais. Ele ainda não sabia que não podia dar corda pra minha
língua. Achei melhor avisar.
— Devia ter te avisado que dar corda pra minha língua era um
problema. Desculpe se fui muito direto. Deveria ter mais tato.
— Não. Gostei de tudo que você falou. Sou dramático e fraco. Eu sei
que sou. Então por isso é bom quando vem alguém e me diz na lata tudo
que preciso ouvir. Saulo é assim também. Aquele ali às vezes não tem filtro
na boca e o amo muito por isso.
— Só acho que você está perdendo muito tempo se lamentando,
Caique. Você sobreviveu a um acidente terrível. — Olhei para ele com
culpa. — Desculpe, mas vi fotos na internet.
— Tudo bem, eu sei que tem lá.
— Não foi a sua hora. Minha mãe sempre fala que quando saímos de
situações assim, que parecem quase impossíveis, é porque Deus ainda tem
planos para nós. Olha você, está tocando muito bem os negócios do seu pai.
Porque, me desculpe, aquela sua mãe e irmão...
— Nem precisa se desculpar. Eu mais do que ninguém sei como eles
são. Só Beatriz se salva.
— Você está cuidando de tudo de forma extraordinária mas precisa
cuidar de si também. Não abaixe sua cabeça pra ninguém, não diminua o
homem que você é. Se não deu certo com esses dois caras, não foi porque
você era ruim, eles que não mereciam você.
Caique saiu de onde estava e parou sua cadeira, de lado, perto de mim.
A princípio não entendi o que ele faria, mas quando seus braços me
puxaram para um abraço, confesso que meus olhos ficaram úmidos.
Estávamos os dois de lado, mas o abraço se encaixou tão bem e foi tão
gostoso quanto se estivéssemos em pé e de frente um para o outro.
— Obrigado por suas palavras.
— Só falei o que penso e sinto. E vai... eu tenho que fazer uma média
com meu chefe. — Ele me olhou nessa hora e eu ri. — Tô brincando, seu
bobo. — Ele riu. — Sinceramente, de coração, nem te vejo mais assim. Sei
do meu lugar na empresa e do seu, principalmente, mas... vejo você como
um amigo.
— Fico muito feliz que me enxergue assim. Me afastei de muitos por
me olharem de outra forma. Apenas Saulo é o mesmo desde sempre.
Depois do nosso abraço, recolhi nossos pratos e ele me ensinou a usar
a lava-louças. Eu parecia criança vendo aquilo funcionar.

— Gosto dessa sua sala. É tão espaçosa. — Caique que tinha vindo
atrás de mim, parou sua cadeira perto do sofá onde me sentei.
— Eu gostei daqui por isso mesmo, por ser amplo. Fiz as adaptações e
me sinto bem aqui. — Olhava para ele e estava tranquilo por não ver mais
semblante de dor, mas a tristeza nunca dava uma trégua para os seus olhos.
— O que foi? Tô sujo? — Caique se olhou e eu sorri sem graça por ele ter
percebido que eu o reparava.
— Não, desculpe. Estava aqui pensando que estou tranquilo em não
ver mais em você o semblante de dor de horas atrás.
— Ela realmente passou, fique tranquilo. Não vou mais dar uma de
adolescente rebelde.
— Pois é, isso não combina com um CEO. — Caique riu da minha fala
e foi até perto das persianas e espiou lá fora.
— Nossa, ainda chove muito.
— Nem quero olhar aí fora. Vai me dar medo pela altura que estamos
por causa do vento. Você não tem medo do vento aqui em cima?
— Não. — Ele me olhou com uma cara engraçada. — Mas realmente
venta muito aqui se a janela estiver aberta em dias como esse.
Bocejei.
— Tem alguém cansado aí.
— Estou mesmo. Hoje a faxina no refeitório foi pesada.
— E eu acabei mudando a sua rotina.
— Não, nada de pedidos de desculpa de novo. Já falei que está tudo
bem.
— Obrigado por tudo. — Caique me olhava com um semblante bonito
e eu sorri para ele, ficando um pouco tímido de repente.
— É... Acho que vou dormir.
— Eu te deixei sem graça?
— Não...só estou tentando mesmo me acostumar com tudo isso.
— Tudo o quê?
— A ter um chefe bonzinho e estar na casa luxuosa dele. A ter minha
mãe me olhando torto por causa da minha sexualidade... enfim. Muita coisa
diferente na minha vida de repente.
— Pensei que eu tivesse passado do posto de chefe para amigo. — A
expressão dele foi linda ao dizer isso. Tive que sorrir.
— Passou, mas tecnicamente ainda é meu chefe, né?
— Realmente. — Caique sorriu. — Vou te acompanhar até o quarto de
hóspedes.
Fomos juntos e Caique me acomodou no quarto que ficava bem na
curva do corredor que levava para o seu.
— Esse quarto é muito bonito.
— A cama é bem fofa segundo o Saulo. Ele sempre dorme nesse
quando fica aqui.
— Posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Você e o Saulo, nunca...
— Não. Sempre fomos amigos mesmo. Desde o princípio isso ficou
bem claro entre nós.
— O Saulo namora? — Caique me olhou mais atento.
— Está interessado nele? — Até me assustei com sua pergunta. Não
era isso que eu queria aparentar com minha curiosidade.
— Não. Desculpa se pareceu isso. Foi só curiosidade mesmo. — Me
sentei na cama.
— Não, ele não namora. Saulo nunca se prendeu a isso. Enquanto eu
quero amar, como ele sempre fala, Saulo quer aproveitar a vida. Sempre
viajou bastante. Volta e meia tem um cara lindo agarrado ao seu pescoço ou
uma bela mulher.
— Ah, ele é “bi”?
— Sim. Ele ainda usa uma expressão ridícula: “não passo fome assim”
— Dei uma gargalhada.
— Já ouvi essa expressão de um amigo. Cada um com seu gosto e
todos sendo felizes.
— Pois é.
— Você já teve alguma mulher antes de se descobrir? — perguntei.
— Uma namoradinha aos 15 anos. Me lembro de ficar meio
traumatizado quando ela veio me beijar pela primeira vez. Detestei. Depois
de um tempo entendi por quê. E você?
— Nunca cheguei a beijar uma. Desde cedo entendi que gostava dos
“moleques da escola” — falei, fazendo aspas com os dedos e foi a vez de
Caique rir alto.
— Com base no que você me contou lá na cozinha, teve mais parceiros
que eu.
— Jura? Você? Bonito desse jeito? — Tão logo falei, fiquei sem graça.
Caique segurou o sorriso.
— Pra você ver que nem sempre ter olho azul ou dinheiro é garantia de
alguma coisa.
— Não fale assim.
— Mas é a verdade. Só que no meu caso é porque nunca me assumi
pra minha família e por eles estarem sempre na mídia, e consequentemente
eu. Queria evitar escândalos. Mas se soubesse que ia ser enganado da forma
ridícula que fui, preferia eu mesmo ter posto a boca no trombone. Ninguém
merece ser arrancado do armário à força.
— Sinto muito pelo que aconteceu com você. E vou ser sincero, não
sinto apenas por ter sido arrancado do armário, mas também pelo seu
acidente. — Caique me olhava sério. — Não encare nada como pena,
apesar de não ter como não sentir, desculpe.
Caique se aproximou e posicionou a cadeira na minha frente.
— O que eu mais gostei em você desde a entrevista, até esse momento,
foi que me olhou sem piedade. Mesmo que sinta pena. Você me olha e me
trata diferente de todos os outros. Você estranha o fato de estar na casa
luxuosa do seu chefe, mas a verdade é que nos demos bem desde o primeiro
instante. E isso se deve por você ser como eu.
— Como você?
— Sim. Uma pessoa boa, que não fica apontando as diferenças, apesar
delas existirem. Eu sou uma pessoa que nem ligo para classe social e você
também não. Nós temos muita coisa em comum, mesmo vivendo realidades
diferentes. Por isso o papo entre nós flui tranquilo, conversamos sobre
coisas que normalmente só amigos íntimos conversariam. Vai completar
ainda um mês que te conheço e sinto como se já te conhecesse há tempos.
— Sua mãe não pode nem sonhar com isso.
— Não pode mesmo. Não que eu deva alguma satisfação de quem eu
sou amigo, mas não quero você sendo atingido pelo ódio dela.
— Tenho que me policiar na empresa. Depois que pego intimidade...
— Revirei os olhos e Caique riu.
— Você não será um segredo da minha vida. Sou amigo de quem eu
quiser, mas vamos tentar evitar até onde der. Pelo menos na empresa,
principalmente.
— Mas eu só te vejo lá mesmo.
— Bom, pensei que algum dia você gostaria de vir tomar banho na
minha piscina de borda infinita. — Meu sorriso foi gigante e Caique revirou
os olhos sorrindo. — Que amigo mais interesseiro eu arranjei.
— Ei! — Como ele havia se virado, peguei uma almofada da cama e
joguei na cabeça dele. Caique olhou para mim, despenteado, com um
semblante assustado mas ainda assim segurava o riso.
— Você agrediu um deficiente? — Levantei uma sobrancelha.
— Que amigo mais dramático esse que arranjei. Desde quando uma
cadeira vai te impedir de tomar uma almofadada?  — Seu sorriso foi lindo.
— Por isso gosto de você. Me vê como uma pessoa normal.
— Acredite, você é normal. Só não seria se fosse um alienígena. E
olha, não estou vendo nenhuma antena em você e continua branco que só,
não tem nenhum tom esverdeado.
— Você é doido! Isso sim. — Caique saiu rindo de mim e eu fiquei lá,
rindo dele. Estava feliz de proporcionar um sorriso naquele rosto tão bonito.
— Boa noite! — Ele gritou do corredor e eu respondi.
Depois ajeitei a cama para me deitar. Era tudo muito fofinho e
aconchegante. Tirei a camisa e a calça para dormir só de cueca. Odiava
dormir cheio de roupa.
Capítulo 10

Cheguei sorrindo em meu quarto. Um sorriso que não dei essa


semana. Um sorriso que sempre aparecia na presença do Fernando. Jamais
pensei que ficaria tão próximo de alguém novamente. Depois do que
aconteceu entre mim e o João Miguel, a forma que fui enganado, passei a
ter medo das pessoas, a desconfiar de tudo e de todos.
Não que eu apontasse as pessoas, mas eu sempre ficava com o pé atrás.
Mas Fernando nem sequer deu trela para a minha barreira. Aliás, nem eu
dei trela para ela quando o conheci.
Gostei do seu sorriso bonito desde o primeiro dia. Da sua educação, do
seu carisma, do rapaz forte e gentil ao mesmo tempo. Fernando me passava
força, mas ao mesmo tempo uma doçura que poucos tinham.
E com o passar dos dias e semanas, criamos um vínculo que qualquer
um duvidaria, mas como ele era igual a mim, não ligava para o que os
outros iriam falar. Se entregou a essa amizade como eu.
A verdade é que quando estamos conversando, como foi na minha
cozinha há alguns minutos ou agora quando rimos juntos de alguma
besteira, eu sequer me lembrava que tecnicamente éramos patrão e
empregado. Fernando já era muito mais que isso.
Em questão de horas, pois estive a semana inteira de mau humor,
Fernando melhorou meu ânimo. Era tão fácil sorrir com ele.
E é ainda sorrindo que deito na minha cama novamente e ordeno que
Alexa desligue as luzes da sala, da cozinha e do meu quarto. Como está
programado pra isso, meu abajur imediatamente se acende e aí eu vejo na
mesinha de cabeceira o celular de Fernando. Como ele já deve ter apagado,
faço uma anotação mental de amanhã lembrar que o aparelho está aqui para
que ele não o esqueça. Adormeço em segundos. A semana havia sido bem
difícil.
Na manhã seguinte, desperto com um toque de telefone. Penso ser o
meu e tateio a cama à procura dele, mas ao pegá-lo, vejo que não é ele que
toca. Olho para o lado e vejo o celular de Fernando aceso e a foto de uma
mulher muito parecida com ele na tela. Acabei dormindo muito, já passava
das nove da manhã.
A casa está silenciosa, nem ouço barulho na cozinha, então presumo
que Fernando ainda esteja apagado. Resolvo atender o seu celular.
— Alô.
— Quem está falando? Onde está meu filho?
— Bom dia, dona Kátia. Aqui quem fala é o Caique.
— O patrão do meu filho?
— Sim, ele mesmo.
— Bom dia. Onde está o Fernando? Por que o senhor está atendendo o
telefone dele?
— Ele está dormindo lá no quarto de hóspedes — falei, antes que ela
pensasse que ele dormia comigo. Eu mesmo ri do meu pensamento. —
Ontem, ao me ajudar a sair da cadeira de rodas, ele esqueceu seu celular
aqui na minha mesa de cabeceira. Só vi antes de dormir.
— Ah, sim. Tudo bem. O senhor pode pedir que ele venha logo para
casa?
— Ele vai, dona Kátia, não se preocupe. Mas já aviso que seu filho não
sairá daqui sem um belo café da manhã. O que ele fez por mim ontem nem
sei como agradecer. Seu filho é uma pessoa extraordinária.
— Ele é um menino de ouro sim.
— Que bom que a senhora sabe disso. Mas se me permite um
conselho, nunca deixe, por motivo algum, de demonstrar isso a ele. Não o
deixe nunca pensar o contrário.
— Olha, senhor Caique, eu sei bem como cuido do meu filho.
— Claro que sabe. Foi só um conselho de alguém que tem uma mãe
que nunca soube como fazer isso e eu posso afirmar para a senhora: chega
uma hora, que depois de tanta mágoa, tudo se torna tarde demais. Até
mesmo o amor de um filho por uma mãe. Os olhos dele brilham de amor
pela senhora, por sua irmãzinha e nem sei pôr em palavras tudo que ele
seria capaz de fazer por vocês.
— Ele contou não foi? Contou o que fiz com ele.
— Sim e o porquê também. E isso eu também posso afirmar: nada
muda, dona Kátia. O menino que a senhora criou e viu crescer e se
transformar em um homem de valor, levando tudo que foi ensinado a ele,
continua o mesmo. Não é a sexualidade dele que mudará alguma coisa com
relação a isso. Mas a sua intolerância pode mudar o amor dele. O meu pela
minha mãe mudou e não tem mais volta. — Escutei o suspiro de dona
Kátia. — Logo seu filho estará em casa. Meu motorista irá levá-lo. Tenha
um bom dia e foi um prazer falar com a senhora. Espero ter um dia a
oportunidade de conhecê-la pessoalmente.
— Bom dia para o senhor também.
Não sabia se foi certa a minha atitude, mas quando vi, já estava
falando. A relação de Fernando com sua mãe parecia muito bonita e de
forma alguma eu queria que ele perdesse isso. Só eu sabia a falta que uma
mãe de verdade fazia em minha vida.
Perdi meu pai e um buraco ficou em meu peito. Se minha mãe me
amasse e me desse carinho, talvez essa dor pudesse ter sido amenizada.
Respiro fundo, decidido a deixar esses pensamentos de lado e me
concentro em me levantar, fazer toda minha higiene e ir preparar um café da
manhã para Fernando.
Depois de sair do banheiro renovado, me vejo dentro do closet
colocando uma calça de moletom cinza e uma camisa na mesma tonalidade.
Passo um pouco do meu perfume e me olho no grande espelho que tem ao
fundo. O semblante cansado e as olheiras amenizaram. Meu cabelo está um
pouco grande, mas gosto como ele fica quando o penteio para trás.
Quando estou indo em direção à cozinha, passo em frente ao quarto
onde Fernando está e como pensei, ele continuava dormindo, mas não
consigo continuar e fico parado observando-o todo esparramado no centro
da cama. Mais uma vez, sem ter noção dos meus atos, logo eu, tão centrado
em tudo, entro no quarto e paro próximo à cama.
Fernando está descoberto e dorme apenas de cueca. Não consigo evitar
que meus olhos comecem a admirá-lo desde seus pés, proporcionais ao seu
tamanho, passando por sua panturrilha definida até chegar em suas coxas.
A cueca preta fica perfeita, colada em um par de coxas bonitas, mesmo
Fernando sendo um homem magro. E faz um belo conjunto com sua bunda
arrebitada. Fico com vergonha de mim mesmo nessa hora, de como estou
observando cada parte do seu corpo e desvio o olhar.
Só que Fernando se mexe, virando de barriga pra cima e por instantes
fico sem respirar por dois motivos: medo de que ele me pegue no flagra e
pelo volume que aquela cueca preta abriga. Além das tatuagens nos braços,
Fernando tem uma na lateral de seu corpo e no centro do peito.
Meu mais novo amigo é muito bonito e não tenho como negar. Dono
de lábios fartos, já me peguei admirando-os várias vezes enquanto ele sorria
conversando comigo.
Mas Fernando, testando mais uma vez meu autocontrole logo pela
manhã, se mexe de novo e apalpa entre as pernas, se ajeitando e me
deixando vidrado e com inveja daquela mão.
Jesus Cristo, o que estou pensando?
Me viro para sair imediatamente dali e resolvo fazer um café primeiro
antes de acordá-lo.
Já na cozinha, paro em frente a cafeteira respirando fundo e ao passar a
mão sobre minha testa, meus olhos param em meu colo. Porra!
Simplesmente estou excitado e o volume é visível em minha calça,
mesmo estando de cueca. Levo minha mão às minhas partes íntimas e
constato que estou duro mesmo, excitado ao extremo. Um sorriso nasce em
meu rosto toda vez que isso acontece e fico pensando em como cheguei
nesse estágio. Foi apenas observando o Fernando.
Já fiquei assim vendo filmes pornôs, mas sempre é algo rápido, sem
consistência. E neste momento, minha calça poderia ser facilmente furada
pelo meu pau que está brigando dentro da minha roupa. Fico com vontade
de me tocar, mas ao mesmo tempo fico me punindo pela forma que cheguei
até esse nível. Não foi certo o que eu fiz, mas não conseguia tirar os olhos
de Fernando e toda a sua gostosura esparramada naquela cama.
Fecho meus olhos tentando me acalmar, para só depois começar a
arrumar o café na cafeteira e vê-la começando a trabalhar.
O único problema é que a imagem dele não sai da minha cabeça e nem
meu corpo parece não esquecer também. Me aperto por cima da calça e
como estou com uma mão no balcão da cozinha, encosto minha cabeça
sobre o meu braço.
— Está tudo bem, Caique? — Sua voz vem detrás de mim e me
arrepio inteiro. Ela está mais grossa e rouca por ele ter acabado de acordar.
Engulo em seco e tento disfarçar.
— Ia te acordar, estava só passando o café primeiro.
— Por que está disfarçando? Não respondeu a minha pergunta. — Dou
um sorriso. Esse é pior que Saulo.
— Não estou disfarçando, estou falando a verdade.
— Então se vira pra mim. — Aperto meus olhos e puxo mais minha
camisa pra baixo, colocando minha mão sobre também.
— Satisfeito? — pergunto ao me virar e tenho vontade de suspirar
vendo-o em pé, sem camisa e vestido com minha calça de moletom que o
emprestei ontem. Seu rosto está inchado pelo sono e ele me observa
minuciosamente.
— Dormi demais. Minha mãe vai arrancar meu couro quando eu
chegar.
— Não dormiu não. Também acordei agora. E ela não irá brigar, sabe
que você vai tomar um café primeiro.
— Como ela sabe?
— Acordei com seu telefone tocando. Ele acabou ficando na minha
mesa de cabeceira.
— Caramba, desculpa.
— Não tem problema. Mas eu atendi quando vi a foto de uma mulher
na tela e imaginei que fosse ela mesma. Desculpe a invasão.
— Não, tudo bem. É... ela perguntou seu nome? Quer dizer, minha
mãe adora um interrogatório.
— Perguntou só quem estava falando e eu falei que o Caique. Aí
perguntou: “o patrão do meu filho?”
— Foi educada com você, pelo menos?
— Foi, embora tenha sentido ela um pouco na defensiva. Mas no fim
ficamos de boa e ela está ciente que você vai tomar um café da manhã
comigo e meu motorista irá te levar.
— Não precisa disso...
— Essa pauta não é um assunto discutível, Fernando.
— Não pensei que o CEO Caique Montenegro trabalhasse aos sábados
também. — Ele cruzou os braços, levantando uma sobrancelha atrevida pra
mim. Como ficava gostoso assim. Não estou bem, sério.
— Sempre tem um ou outro abusado que faz com que ele faça uma
hora extra. — Seu sorriso foi lindo.
— Vou escovar os dentes e colocar minha roupa.
— Vai com aquele macacão de trabalho? Pode ir com essa que te
emprestei.
— Não, eu tenho a que fui trabalhar dentro da mochila.
— Tudo bem.
Observei Fernando sair da cozinha e suspirei. Olhei para o meu colo e
tudo já estava normal. Quer dizer, menos o meu coração que estava
disparado sem nenhuma explicação.
Quando Fernando retornou para a cozinha, eu já tinha pedido na
padaria do condomínio, pães e frios pra gente. Ele havia tomado um banho
e estava cheiroso. Gostava desse perfume dele que eu sentia às vezes.
— Não se afogou desta vez, né? — Ele riu, enquanto se sentava na
cadeira.
— Não, já fui preparado para a cachoeira que desceria sobre mim.
— Exagerado. — Ri de seu comentário. — Qual o nome desse
perfume que você usa? Ele é gostoso — perguntei.
— É da Natura. Kaiak. E o seu? Acho bem gostoso também.
— Azarro.
— Tá explicado o seu cheiro tão gostoso. Porra! — Rimos os dois. —
E você foi reparar no meu?
— Eu gostei do seu cheiro. Já senti outras vezes.
— Com esse perfume que você está usando, nem deveria sentir mais
nada além dele.
— Mas eu sinto e senti o seu. — Fernando me olhou e abaixou a
cabeça sorrindo.
O interfone tocou e fui atender. Era o rapaz da padaria pedindo
autorização para subir com minha encomenda.
— Vou atender o rapaz da padaria.
Assim que cheguei na sala, pedi a Alexa que abrisse as persianas e um
sábado de tempo nublado com um sol tentando burlar as nuvens apareceu
na vista. O mar continuava agitado.
Em segundos o elevador trouxe Davi, um rapaz simpático, com meus
pães quentinhos.
— Estão quentes, senhor Caique.
— Imaginei, Davi. Muito obrigado.
— Eu que agradeço ao senhor pela preferência.
Quando Davi desceu e eu me virei, Fernando estava na sala.
— Gosto muito quando vejo as empresas dando oportunidades a
pessoas com deficiência.
— Também gosto muito. Davi tem síndrome de Down e já trabalha há
um bom tempo nessa padaria aqui do condomínio. Todos gostam dele e do
seu atendimento. Lá na AGM estamos contratando para o Jovem Aprendiz
e este ano, das 30 pessoas que serão recebidas, exigi que 20 fossem PcDs.
Sempre tem, mas esse ano eu quis mais. Deu muito certo, é maravilhoso ver
as pessoas motivadas.
— Gosto muito dessa forma correta que você fala. Preciso me policiar
e usar o termo certo.
— É, essas nomenclaturas podem estar sempre sendo atualizadas.
Muda com bastante frequência. Em momento nenhum você se referiu,
desde que me conheceu, de alguma forma errada, não se preocupe. O
principal você fez: me tratou como igual. Até mesmo quando eu estava
dando amostras da minha revolta.
— E eu vou acabar com todas elas. — Ele riu e apontou pra mim.
— Vamos tomar café, seu mandão.
Comemos o nosso café da manhã conversando amenidades. Fernando
se interessou mais em saber do Jovem Aprendiz e eu expliquei que teria
pessoas cadeirantes como eu, com Síndrome de Down como o Davi,
autistas, deficientes visuais e auditivos.
Ele ficou eufórico e conversamos muito sobre o assunto. Fernando, o
teimoso, insistiu em lavar a louça do café e quando ele foi pegar sua
mochila, eu fiquei triste por saber que ele teria que ir embora.
— Se você quiser, eu posso levar sua roupa para lavar e te entrego na
empresa na segunda.
— Não se preocupe com isso, Fernando. Deixe-a aí.
— Você vai ficar em casa?
— Vou. À tarde o meu fisioterapeuta vem aqui para a nossa sessão.
— Você faz sempre em casa?
— Não, mas no início da semana liguei e agendei pra cá. Estava de
mau humor e imaginei que chegaria ao fim de semana assim.
— Ainda está?
— Não mais. — Sorrimos. — Vou avisar ao Robert para te levar.
— Obrigado por isso. E não esqueça seu remédio.
— Não vou, senhor enfermeiro. — Ganhei um olhar afiado e confesso
que esperei aquela boca atrevida e sem filtro me dar uma resposta. Mas ele
estava olhando a vista da minha varanda agora, enquanto eu ligava para o
motorista.
— Tá um vento frio. Aqui perto do mar é sempre assim, não é?
— A maioria das vezes. O Robert já está te esperando.
— Vou nessa então. Se cuida e até segunda!
— Você também se cuida e tenta se entender com sua mãe.
— Vamos ver, né?
Fernando foi para o elevador e ficamos nos olhando um tempo, até que
ele apertou o botão e nosso contato visual foi quebrado pela porta se
fechando. Respirei fundo e ainda fiquei ali, inerte, vendo os números que
mostrava acima, diminuírem.
Não queria que ele tivesse ido...

Queria entender o porquê de eu estar triste dentro desse elevador.


Parecia que algo estava faltando e olhando os números diminuírem no visor
me deixava com vontade de parar tudo e subir outra vez.
Minha expressão deveria estar muito diferente, pois assim que a porta
se abriu e Robert me viu, ele franziu a testa e se aproximou.
— Tudo bem, senhor Fernando?
— Tudo sim, por quê?
— O senhor estar com um semblante triste. O senhor Caique está bem?
— Está sim. Ele está muito bem. Eu que ainda devo estar com sono. —
Disfarcei. Robert fez uma expressão complacente e me levou até o carro.
Assim que me sentei naquele banco, e passei meu endereço para
Robert pôr no GPS, mais angustiado fiquei. Olhei para minha mão no banco
e me lembrei de Caique ali, com a cabeça em meu colo e minha mão em seu
peito, enquanto a outra fazia carinho em seus cabelos. Descobri assim o
quanto eram macios e sedosos.
Me perdi tanto nas lembranças que quando olhei para o vidro da
janela, que estava fechado, vi que já estávamos na rua, beirando a praia e a
caminho da minha casa. Meus olhos úmidos me mostravam que alguma
coisa estava errada comigo e eu não estava sabendo identificar o que era.
Robert colocou uma música baixinha no som ambiente do carro e ela
mexeu ainda mais com tudo dentro de mim. Adele cantava “Make Your
Feel My Love” e eu fechei meus olhos, arriando o corpo no banco e
apoiando minha cabeça no encosto. 
Minha mochila estava em meu colo e eu a abracei querendo um
conforto que precisava naquele momento. Sem esperar, o sorriso do Caique
veio em minhas lembranças. A forma como ele me olhava atento quando eu
contava algo ou quando ficou tímido por desabafar comigo que estava com
tesão a semana inteira. Foram lindas as suas bochechas vermelhas naquele
momento.
Acabo suspirando e abro meus olhos vendo que já saímos de perto da
praia. Olho para minhas mãos e dou um sorriso, perdido em pensamentos,
me lembrando do momento em que o peguei em meus braços para colocá-lo
em sua cama, quando estava cheio de dor.
Eu mesmo tapo o meu rosto não querendo admitir de forma alguma
que reparei nele como homem e não somente como um amigo. Mas
constatar isso de certa forma me explica a vontade absurda de voltar e
continuar vendo o seu sorriso direcionado a mim.
— Eu sou um idiota mesmo — falo sozinho, escondendo meu rosto
com as mãos. 
— Tudo bem, senhor Fernando? — Olho para Robert e percebo que
acabei esquecendo que ele podia me ouvir ou perceber minha aflição aqui
atrás.
— Está, Robert. Estou apenas aqui pensando.
— Tudo bem.
Resolvo deixar de lado essa maluquice, porque não passa disso e vou
olhar a internet para me distrair. 

Estou deitado em minha cama e agora não é o Instagram de João


Miguel que estou olhando e sim o de Fernando. Acabei stalkeando o meu
mais novo amigo, que também é meu funcionário e estou admirando suas
fotos. Não são muitas, a rede social dele tem dez fotos ao todo, mas ele está
lindo em todas elas.
O sorriso que tanto gosto está presente em algumas e em outras ele faz
uma expressão séria que, na minha opinião, é sexy pra caramba.
Como estou, de certa forma, fazendo algo escondido, levo um susto
com meu telefone tocando e Saulo aparece na tela.
— Oi, Saulo.
— Não sei se quero falar com você ainda depois de ontem.
— Então pra que me ligou? — Seguro o riso.
— Você está abusadinho, hein, Caique? 
— Aprendi com um certo alguém.
— Eu que não fui.
— Aham.
— Como você está? Está melhor?
— Estou, fique tranquilo. Já até tomei o remédio de agora de manhã.
— Fê ainda está aí? — Essa pequena menção de intimidade com
Fernando por parte do Saulo, me incomoda um pouco.
— O Fernando já foi para casa. Tomou café da manhã comigo e foi.
— Esse menino merece um aumento, viu? Ele é muito bacana.
— Sim, ele é. — Suspirei.
— Vai fazer fisio aí ou na clínica? Hoje parece que vai chover de novo.
— Vou fazer aqui. Armando vem após o almoço.
— Ótimo. Amanhã passo aí pra te ver. Estou cansado dessa semana
louca que tivemos e ontem ainda fiquei ilhado lá no cliente e cheguei bem
tarde em casa.
— Descansa então. Depois da fisioterapia devo dormir um pouco.
— Isso descansa também. E, por favor, Caique, não faça mais isso, ok?
— Não vou fazer. Saulo...
— Oi.
— Você tem o celular do Fernando, né? Poderia me passar? — pedi,
rezando para que ele não fizesse nenhuma pergunta sobre isso.
— Claro! Envio para o seu WhatsApp. Algum problema com ele?
Algo que eu possa ajudar?
— Não, não. Só queria ter mesmo, caso precise em algum momento.
Esqueci de pedir.
— Tranquilo, eu te passo.
Me despedi de Saulo e no minuto seguinte chegou o contato de
Fernando em meu aplicativo de mensagens. Como Saulo compartilhou dos
seus contatos, estava salvo como Fê AGM e eu adicionei assim para depois
mudar.
Eu ainda não via a foto dele, claro, não estava em seus contatos e então
resolvi mandar uma mensagem para que ele tivesse o meu número também.
Caique: “ Oi, Fernando. Sou eu, Caique. Saulo me passou seu
contato. Acho que posso ter o telefone do meu amigo :)
Fiquei pensando se mandava a mensagem com emoji no final. Optei
por mandar assim mesmo e enviei. Após esse gesto percebi minhas mãos
suadas e precisava ocupar minha cabeça para parar de pensar besteiras. Fui
fazer algo para o almoço porque logo meu fisioterapeuta iria chegar.
Capítulo 11

Robert não veio até à porta da minha casa. Pedi que ele me deixasse
na esquina. Não queria os caras que ficavam aqui na entrada da comunidade
reparando naquele carro bonito e chamativo pela elegância.
Quando cheguei em meu portão, olhei para a esquina e vi que ele ainda
estava lá. Devia estar me esperando entrar. Assim que entrei, esperei um
pouco e olhei para fora de novo. O carro já tinha sumido.  
Juliana logo pulou em meus braços quando cheguei.
— Tava com saudade, Fê!
— Eu também, meu amor. Dormiu bem?
— Dormi sim, na cama com a mamãe. Estava dando muito trovão e a
luz piscou algumas vezes.
— O temporal foi brabo mesmo. — Nessa hora percebi minha mãe na
porta da cozinha. Ela tinha pregadores presos na barra de sua blusa, devia
estar lavando roupa. Ela tinha um olhar mais sereno na minha direção.
— Oi, mãe. Bom dia.
— Bom dia, meu filho. Traga logo o seu macacão para lavar. — O
“meu filho” foi uma surpresa, mas ela logo voltou para os seus afazeres.
Fiz cócegas em Juliana, a beijei mais um pouco e fui para o meu
quarto. Estava tirando minhas coisas de dentro da mochila quando meu
celular fez barulho de mensagem no bolso da minha calça.
Assim que peguei e abri o WhatsApp, vi que era de um número que
não estava na minha lista de contatos, mesmo assim cliquei na mensagem.
Sentei-me na cama com as pernas bambas.
Caique: “ Oi, Fernando. Sou eu, Caique. Saulo me passou seu
contato. Acho que posso ter o telefone do meu amigo :)
Li três vezes a mensagem para ter certeza de que não estava vendo
coisas. Ele havia me mandado mensagem. Pediu ao Saulo o meu telefone!
Salvei seu número com as mãos tremendo e respondi.
Fernando: “ Claro que você pode ter o meu telefone :) afinal, você
é meu amigo ou não é? ”
Sorria igual a um idiota com o coração disparado, mas minha mãe na
porta me deu o maior susto.
— Estou esperando seu macacão até agora.
— Desculpa, mãe. Me distraí aqui. — Peguei o macacão e entreguei a
ela.
— Está tudo bem?
— Sim, está. Por quê?
— Estou te achando acelerado.
— Impressão sua. Está tudo bem. — Dona Kátia concordou com a
cabeça e ia saindo do quarto, mas voltou. Eu tinha sentado na minha cama
de novo.
— O seu patrão é muito educado. Ele falou que eu liguei pra você? Ele
que me atendeu.
— Falou sim. Eu esqueci meu telefone no quarto dele quando o ajudei
a se deitar. O Caique é muito educado sim.
— Caique... você fala dele com intimidade.
— Ele me pediu que não o tratasse por “senhor” fora da empresa. E ele
realmente não é velho.
— Quantos anos ele tem?
— Tem 34 anos.
— Novo ainda. E deficiente. Como isso aconteceu? Ele nasceu com
algum problema ou foi acidente?
— Acidente há alguns anos. — Minha mão tremia, enquanto eu
respondia.
— Tadinho. Mas ele leva a vida bem, né?
— Leva sim. — Não ia comentar sobre sua depressão, era algo íntimo
dele.
— Bom é que ele tem dinheiro e condições mais favoráveis para viver.
Nosso país para os deficientes é péssimo.
— PcD.
— O quê?
— O termo certo a ser usado é PcD: pessoa com deficiência.
— Não sabia.
— Nem eu, ele que me ensinou. — Minha mãe sorriu de forma
carinhosa e se sentou ao meu lado na cama.
— Ele parece gostar muito de você. — Meu coração parou na
garganta, enquanto eu tentava entender o que ela queria dizer com aquilo.
Confesso que estava mais preocupado em saber se ela falava de
sentimentos, no caso, os dele, do que com alguma cisma de que eu pudesse
estar tendo algo com meu chefe.
— Por que a senhora está dizendo isso?
— Eu sei que você conversou com ele sobre a nossa discussão. Ele me
disse. — Engoli em seco. — E ele também me pediu com todo carinho que
não brigasse mais com você. — Com certeza eu ia ter algum problema no
coração até o fim dessa conversa. Ao mesmo tempo meu celular fez barulho
de novo e eu estava louco para ver se era ele.
— Mãe, eu...
— Me desculpe — ela pediu de cabeça baixa e as lágrimas já
inundavam os meus olhos. — Eu perdi a cabeça naquele dia. Não é fácil pra
mim aceitar algo assim, fui criada de outra forma, com outros
ensinamentos. Mas eu sei que tenho que respeitar as suas escolhas.
— Eu não escolhi ser assim. — Minha mãe me olhou. — A gente não
escolhe ser gay, nós somos assim. Gostar de alguém do mesmo sexo que o
nosso não é uma opção. É a minha orientação sexual.
— Tenho muito medo. — Sua voz embargada cortou o meu coração.
— Vejo tantas coisas na internet e no jornal. Passa toda hora na TV jovens
que sofreram preconceito, que foram esfaqueados, mortos. Eu sei que eu
errei ao te bater e talvez isso me iguale a essas pessoas.
— Não diga uma coisa dessas, mãe.
— Mas é a verdade, meu filho. A primeira violência partiu de mim e
isso é inadmissível. Mas não posso mudar o passado, só te pedir perdão
pelo que fiz. Eu vou tentar aceitar, só te peço paciência comigo.
— Você não é obrigada a aceitar ou achar bonito. Só te peço respeito,
mãe. Não tenho como mudar, é o que sou.
— Só não fica com esse Ricardo, pelo amor de Deus. — Minha mãe
revirou os olhos e segurei o riso.
— Por que essa implicância com ele?
— Porque o vejo sempre com uma pessoa diferente. Ele é de todo
mundo. Já que vou ter que aceitar um genro, que pelo menos seja um rapaz
decente. — Foi inevitável pensar no Caique, mas sacudi minha cabeça para
tirar tamanho absurdo. Não sabia de onde estava vindo isso.
— Se serve para a senhora ficar tranquila, eu nunca gostei dele. Nunca
tive sentimentos amorosos. Ricardo é mais meu amigo.
— Mas ele te beijou!
— Ah, mãe... — Cocei minha cabeça sem graça. — Eu sou homem,
né, tenho minhas necessidades.
— Tá bom, Fernando. Não precisa falar mais nada não. — Ela
suspirou em pé, já na porta do quarto. — Só tome cuidado, ok? Por favor. E
se previna!
— Pode ficar tranquila que sempre me preveni.
— Tudo bem. Hoje o almoço é sopa. Esquenta lá que vou lavar seu
macacão.
Assim que minha mãe saiu, olhei meu celular.
Caique: “ Fico feliz de não ter ganhado uma bronca. E da próxima
vez que meu motorista te levar, quero que você fique na porta de casa.”
Fernando: “Seu carro é muito bonito e chama atenção. Minha casa
fica perto da entrada da comunidade e lá ficam uns caras estranhos e
com armas. Não queria que eles vissem. E além do mais, Robert me
esperou entrar para ir embora.”
Fiquei com o da próxima vez... da mensagem na cabeça. Haveria
próximas vezes? Suspirei.
Caique: “ Estou aqui na cozinha vendo que ainda tem o seu arroz
gostoso e que deixou frango temperado na minha geladeira.”
Fernando: “ Sim! Até esqueci de avisar. Você só tem que grelhar.”
Caique: “ Queria você almoçando aqui comigo. O apartamento
acabou ficando vazio depois que você foi embora.”
Quase caí pra trás ao ler aquilo e me levantei da cama precisando ir até
a janela respirar um pouco. O que estava acontecendo?
Fernando: “ Vou almoçar a sopa da minha mãe e a propósito, o
que você fez com ela?”
Caique:  “Como assim?”
Fernando: “ Ela me recebeu diferente e agora pouco tivemos a
conversa mais importante da minha vida. Ela me pediu desculpas pelo
tapa e disse que vai tentar me entender. Me contou também que você
conversou com ela.”
Caique: “ Fico muito feliz em saber disso. Eu apenas fui sincero e
disse a ela que seu filho era um rapaz incrível, um menino de ouro.”
Meu sorriso não saia do meu rosto.
Fernando: “ Obg por isso.”
Caique: “Obrigado por ter surgido na minha vida.”
Ok. Depois dessa eu precisava sair desse telefone. Meu coração estava
igual a um maluco aqui, batendo desesperado e minha cabeça a ponto de
dar um nó.
Fernando: “Preciso ir esquentar a sopa do almoço.”
Caique: “ Vai lá. Estou terminando aqui. Logo minha fisio vai
começar.”
Fernando: “Bom almoço.”
Caique: “ Pra você tbm.”
Fui esquentar a bendita sopa completamente no mundo da lua. Nunca
quis tanto que chegasse uma segunda-feira para que eu fosse trabalhar.
— Está tudo bem, filho? — minha mãe me perguntou da porta do
quarto.
Após o almoço, eu resolvi deitar um pouco só que não dormi. Até
estava sonolento, mas não consegui parar de ler e reler as mensagens do
Caique. Isso estava me deixando confuso, ansioso e pensativo.
— Está sim, mãe. Tô cansado e fiquei aqui deitado um pouco. Cadê a
Ju?
— Está na casa da Laurinha brincando de boneca. A mãe dela veio me
pedir. Estou te achando meio aéreo desde a hora do almoço. Foi por causa
da nossa conversa?
— Não, fica tranquila. Gostei muito da nossa conversa. Só estou
pensando em tudo mesmo. Na nossa vida, no meu trabalho...
— Nunca te perguntei, no seu trabalho não tem ninguém chato, não?
Sempre tem um. — Me virei de lado e encarei minha mãe.
— A mãe do Caique. O ser mais desprezível que já conheci na vida. —
Mamãe arregalou os olhos e veio se sentar perto de mim.
— Meu Deus, meu filho. Ela fez algo com você?
— Já foi ignorante e preconceituosa. — Admiti. Mamãe ia se levantar
já puta, mas segurei seu braço e a fiz se sentar novamente. — Caique me
defendeu dela em todas as vezes. — Seu olhar se suavizou um pouco. —
Sinceramente, mãe, ainda tento entender como uma mulher daquela pôs no
mundo o Caique. O irmão dele é outro insuportável e o queridinho da
mamãe pelo que pude entender. Apenas a irmã se salva. Caique fala com
muito carinho dela.
— Esse rapaz... o seu chefe, o Caique, ele parece ser uma pessoa muito
boa pelo que você fala e pela forma que ele falou comigo.
— Ele é sim. — Meu sorriso não foi capaz de esconder a minha
admiração. — Ele se preocupa com seus funcionários, nos trata com
carinho e atenção. — Ainda sorria, enquanto falava e traçava um desenho
imaginário no braço da minha mãe.
Ela tocou meu queixo e me fez olhar em seus olhos. Conhecia aquele
olhar, ela estava me estudando.
— Posso ver uma foto dele? — Meu coração veio na boca. E se ela
reconhece ele como o CEO do acidente? Mas acho que não. Mamãe
também evitava ver fotos desse dia.
Como ele agora estava nos meus contatos e eu nos dele, conseguia ver
sua foto no aplicativo de mensagens e ela era linda. Mostrei a minha mãe.
— Nossa! Como ele é bonito! — Minha mãe me olhou e voltou sua
atenção para a foto. — Que olhos lindos, tão azuis...
— Sim, ele é bem bonito. Mas o mais lindo dele é seu interior. Mesmo
machucado pela vida, ele consegue ser gentil com todos.
Minha mãe me devolveu meu celular e se levantou. Foi para perto da
janela e de lá ficou com um olhar pensativo olhando para a rua.
— Ele não pertence ao nosso mundo, meu filho. Por mais que peite a
mãe e seja um homem independente, ele tem grandes responsabilidades. É
um CEO, essa gente é famosa e muito rica. Se a mãe é desse jeito, quem
entrar na vida dele, ela fará um inferno.
— Por que a senhora está falando isso pra mim? — Ela me olhou com
carinho.
— Para que você corte o que está nascendo em seu coração pela raiz,
enquanto dá tempo. Depois que enraíza, dói e machuca deixar para trás. —
Me sentei na cama e a olhava atento.
— Mas do que a senhora está falando?
— Do que vi em seus olhos quando falou dele. Há muito mais do que
apenas admiração.
— Não, mãe. Olha...
— Fernando, você é meu filho. Eu sei ler você. Por isso está tão aéreo
hoje. Ontem você dormiu lá. Mesmo que não tenha acontecido nada, esteve
mais perto, mais na intimidade dele, com ele. Isso mexe com a gente. Você
o ajudou em um momento ruim. O pegou nos braços para deitá-lo na cama.
Essa admiração já deve ter mudado em alguma parte do caminho e você
nem percebeu. Quanto mais próximo, mais mexido irá ficar. — Engoli em
seco. Palavras me faltaram. — Se a mãe já foi preconceituosa com você e
eu imagino o porquê, só irá aumentar se ela ver vocês envolvidos.
— E que “porquê” seria esse?
— Você é pobre, não pertence a mesma classe social que ele. Ele é
rico, CEO. Você é preto e ele, branco de olho azul, de família importante,
enquanto nós somos “favelados” para gente como eles. É nesses termos que
gente como a mãe dele, se refere a pessoas como nós. Ela não vê
sentimentos, apenas enxerga o preconceito. — Meus olhos se encheram de
lágrimas na hora.
Eu estava sentindo tanta coisa diferente, que não parei para pensar
nessa perspectiva. Mas balancei minha cabeça negando. Negando tudo que
eu podia. Ele não era assim, ele não ligava para nada disso, mas
principalmente, e essa parte me fez ficar murcho, ele não me via dessa
forma. Caique só não queria se envolver com ninguém.
— Ele não é assim, mãe, mas... não se preocupe. Não tenho realmente
chance alguma e nem é por todas as nossas diferenças.
— É pelo que, então?
— Ele se decepcionou muito. Não quer ninguém em sua vida. Sou
apenas amigo.
Minha mãe veio até mim e se abaixou na minha frente com as mãos
em meus joelhos.
— Eu não quero que você sofra, mas quero que saiba que não existe
essa de “não querer ninguém”. Quando a gente se apaixona, os medos
perdem força e as decisões viram borrões nas lembranças. Ele pode não ser
como ela, mas essa história não vejo como poderia acabar bem. Me
preocupo com você, meu filho.
— Eu vou tomar cuidado. Minha cabeça está confusa e nem sei o que
pensar direito.
— Se essa mulher fizer algo com você, eu dou na cara dela.
— Fica calma. Não vai acontecer nada. — Dei um beijo na testa da
minha mãe.
Depois que ela saiu do meu quarto, continuei pensando tanto, que
cheguei a adormecer e só fui acordar na hora do lanche.
Capítulo 12

Estava acabado em cima da minha cama. Sempre que passava por


uma sessão de fisioterapia ficava exausto. Mas ao mesmo tempo amava
todas as dores que sentia e os espasmos que vinham com mais frequência.
Me sentia mais vivo.
Já tinha tomado banho e sabia que logo apagaria pelo conforto que
minha cama me proporcionava naquele momento. Só não tinha apagado
ainda porque estava me martirizando pela mensagem que mandei para o
Fernando. Não as mensagens em si, mas a que eu disse que queria ele aqui
para almoçar comigo e que meu apartamento tinha ficado vazio. Não era
nenhuma mentira, desde a hora que ele foi embora, eu fiquei sentindo um
treco esquisito no peito e tive vontade de descer no elevador atrás dele.
Mas quando o agradeci por ter surgido na minha vida, Fernando logo
cortou o assunto e falou sobre almoço. Fiquei com a sensação de que acabei
falando demais e agora estava com medo. Não queria perder a amizade
dele.
Acabei apagando de tanto pensar e um pouco aborrecido.
Acordo com o barulho das minhas persianas batendo forte contra o
vidro da janela do meu quarto que estava aberta e vejo que o tempo está
preto novamente e um novo temporal se formava. Meu quarto estava até
escuro por isso.
Acabei me virando de lado e vi meu celular na beirada da cama, quase
caindo. Quando vou pegá-lo, percebo que ele pisca a luz de mensagem e o
nome do Fernando na tela faz meu coração se agitar.
Observo as horas também, são 16 horas. Dormi muito. Logo estou
abrindo a mensagem dele e vejo que tem dez minutos que  me enviou.
Nando: “Dormi a tarde toda e acordei com esse tempo feião.
Lembrei de você. Não que você seja feio, mas porque ontem o tempo
estava assim e eu estava aí kk”
Deito minha cabeça em meu braço e dou um sorriso. Gostei de saber
que ele acordou e se lembrou de mim, mesmo que tenha sido por causa de
um tempo feio. Bocejo e vou para minha cadeira.
Ao me olhar no espelho do closet, vejo que estou com o cabelo todo
para o alto, e com a cara amassada. Depois de tomar um copo de água, paro
perto da mesa da cozinha e tiro uma foto de como estou e envio para ele.
Nando: “ Jesus! Que cabelo é esse? Levou um susto?”
Começo a rir.
Caique: “Apaguei após a fisio. Até minha cara está amassada.”
Nando: “Bem que eu notei que algo estava fora do lugar nela.
Também acordei a pouco. A sopa da minha mãe tem esse poder.”
Recebi uma foto dele, deitado em sua cama, sem camisa e com uma
coberta cobrindo da sua barriga pra baixo. Fernando havia posicionado o
celular no alto, me dando uma ampla visão. Fiquei olhando tanto a foto dele
que esqueci de mandar resposta.
Fui até meu quarto e após fechar a janela, voltei para sala .
— Alexa, acenda as luzes. Qual a previsão do tempo?
— Teremos chuvas fortes até segunda-feira à noite. A frente fria
começa a se dissipar na tarde de terça-feira.
Não gostava desses temporais, eles me deixavam nostálgico. Sentei no
meu sofá e fiquei navegando na internet. Respondi alguns e-mails
importantes, mesmo sendo sábado e depois tive vontade de olhar alguns
sites adultos.
Estava enjoado desses vídeos. Alguns eram muito mecânicos, os que
me prendiam mais eram os que tinham alguma história no fundo. Estava
quase desistindo de procurar, porque só aparecia coisa chata, quando um me
chamou atenção.
Um cara de terno, sentado em um escritório, olhava um computador
quando outro rapaz entrou. Percebi que eles simulavam uma entrevista. O
que mais me chamou atenção foi o rapaz que iria ser entrevistado. Como ele
lembrava o Fernando! Meia dúzia de palavras depois e lá estavam os dois se
pegando. Quando já tinha passado a parte inicial e eles estavam na cama,
foi gostoso de ver. Nem processei direito o momento em que deixei de olhar
pra tela do notebook e passei a olhar a foto que Fernando havia me enviado
no WhatsApp.
Eu ouvia os gemidos do filme, mas olhava cada detalhe de Fernando
naquela foto. Um formigamento se fez presente abaixo do meu umbigo e
aquela bagunça dentro de mim começou. Parei o vídeo e tirei o note de
cima de mim. Meu coração estava disparado, mas de repente tudo passou.
Fechei meus olhos derrotado. Carente, querendo absurdamente seus
lábios nos meus. Desliguei a tela do telefone e fiquei ali emburrado, com
raiva de mim mesmo.
— Você é patético, Caique. Se iludindo mais uma vez. Uma não foi o
suficiente pra você, não é? — falei sozinho, me sentindo cansado.
Mas desta vez, apesar do meu aborrecimento, do prazer que não vinha
e me frustrava, meu coração sentiu outra coisa junto. Olhei para a foto do
Fernando de novo e senti medo, medo do quanto estava gostando do sorriso
dele. Medo do que o perfume dele me fazia sentir. Medo da necessidade que
eu estava de que ele me enviasse outra mensagem e principalmente, medo
de chegar na segunda-feira para trabalhar e perceber, ao olhar para ele, que
estava gostando dele mais do que deveria. Mais do que um simples amigo
deveria sentir.

No domingo acordei sem muito ânimo e como de costume, pedi à


Alexa que me lembrasse da agenda da semana para já preparar meu espírito
para o que viesse. A boa notícia era que mais uma semana eu seria
contemplado com minha mãe viajando e  consequentemente, meu irmão
nem aparecia para trabalhar. Ao final de tudo que Alexa me disse, ela me
perguntou se eu queria saber do lembrete do dia de hoje. Estranhei, pois não
me lembrava de nada, mas pedi que me dissesse.
— Hoje, 24 de julho, é o aniversário de 27 anos do Fernando.
Foi o suficiente para a névoa do sono dissipar e eu me ajeitar na cama.
— Ele nem me lembrou ontem, nenhum comentário. Caramba!
Fiquei sem saber se mandava mensagem. Era cedo ainda e ele devia
estar dormindo. Decidi me levantar para pensar com mais clareza. Só não
queria que passasse em branco da minha parte.

Acordei no domingo com minha mãe e irmã cantando parabéns pra


mim. O café da manhã foi especial e recebi muitos beijos das duas. Olhei
meu celular várias vezes esperando não sei o que.
Precisava controlar minha cabeça e meu coração. Podia estar
confundindo tudo e não queria correr o risco de perder a amizade do
Caique.
Eu não mandei mais mensagens e nem ele me mandou. Alguns amigos
vieram me ver, mas preferi não sair. Amanhã iria trabalhar e acordava cedo.
À tarde estava jogado no sofá vendo um filme quando me chamaram
no portão. Quando cheguei para atender, um homem segurava um buquê de
rosas vermelhas e uma caixa.
— Pois não?
— O senhor é Fernando Viana?
— Sou eu mesmo.
— O senhor Caique Montenegro pediu que lhe entregasse. — Meu
coração que tinha sido acalmado na marra, voltou a disparar e recebi
aquelas flores e a caixa com as mãos tremendo.
— Preciso assinar algo?
— Aqui, por favor.
Assim que entrei, minha mãe que vinha do seu quarto junto com a Ju,
onde estava fazendo um vestido de noiva, arregalou os olhos e Ju ficou
eufórica.
— Mas que coisa mais linda, meu filho!
— Você ganhou, Fê?
— Ganhei. — Estava atônito ainda.
— Me deixa colocar na água, filho. Tenho um vaso que irá servir e
coloco no seu quarto. Aqui, ó, tem um envelope.
Sentei-me no sofá e antes de abrir a caixa, eu abri o envelope.

Fernando,
Queria brigar com você por não ter me lembrado do seu
aniversário quando nos falamos ontem. Sorte que sou um homem
organizado e tinha colocado em minha agenda eletrônica. Te desejo
tudo de melhor em sua vida. Muita saúde e paz. Amor e conquistas.
Continue sendo esse cara tão especial.
Um grande abraço,
Caique

Fiquei passando a mão pela letra dele no papel e me vi sorrindo por ele
ser tão organizado a ponto de não esquecer meu aniversário.
— Abre a caixa, Fê! — Voltei ao planeta Terra pela voz da Ju e
comecei a abrir a caixa.
— Minha nossa, ele não fez isso!
Segurava em minhas mãos uma camisa linda, rosa e super maneira. Na
mesma hora me levantei, tirei minha camisa e a vesti. Caique sabia meu
tamanho por ver que suas roupas davam em mim.
— Uau!! Que gato! Tinha camisa também?
— Sim, nessa caixinha, mãe.
— Quem te mandou tudo isso, filho?
— O Caique — falei e olhei pra minha mãe. Não vi nenhum semblante
fechado nela. Dona Kátia me olhou com carinho.
— Como ele sabe o seu tamanho? — Uma sobrancelha foi levantada
em minha direção.
— Na sexta, antes dele dormir um pouco, ele me pediu que pegasse
qualquer roupa sua para vestir e ficar à vontade. Vesti uma camisa e uma
calça de moletom. Temos a mesma altura e largura. Foi assim que ele
soube. — Minha mãe riu. — Eu só não esperava mesmo é que ele se
lembrasse. Comentei tem um tempo e foi tão rápido.
— Ele é atencioso.
— Muito. Vou guardar minha camisa.
Fui para o meu quarto e depois de guardar meu presente, resolvi
mandar uma mensagem.
Fernando: “Amei meu presente surpresa. Não precisava se
incomodar. Você foi na rua pra isso?”
A resposta chegou rápido.
Caique: “Você merece. E não, não fui à rua. Tenho meus meios de
conseguir. Feliz aniversário mais uma vez.”
Fernando:”Obg! Mesmo assim você é doido. Nunca tinha recebido
rosas na vida.
Caique: “Espero que tenha gostado delas.”
Fernando: “Eu amei, de verdade.”
Caique: “Fico muito feliz. Amanhã nos vemos.”
Fernando: “Sim! Amanhã!”

Respirei fundo e voltei para sala.


Cheguei adiantado 30 minutos no meu trabalho na segunda-feira.
Minha mãe até se assustou em me ver de pé, arrumado e já saindo quando
se levantou. Mesmo com medo dessa história e eu dizendo a ela que só
tinha perdido o sono e ia logo trabalhar, dona Kátia sorriu e disse que eu
fosse com calma.
Agora já estava devidamente uniformizado e guardava minha mochila
em meu armário. Mas antes passei meu perfume mais uma vez e tinha que
admitir que estava com frio na barriga. Pensei muito em tudo que minha
mãe falou o final de semana inteiro.
Ela tinha razão, mas eu precisava descobrir uma forma de acalmar meu
coração. Depois de vários mantras dentro do vestiário e enquanto abastecia
meu carrinho, cheguei mais calmo no setor da Presidência.
Apenas a moça da copa estava presente. Fui ao quadro olhar o rodízio
de limpeza de hoje e não tinha nada urgente.
— Fernando, saiu um cafezinho, vai querer? — Sorri para Soraia e
aceitei de bom grato, já que tomei apenas um copo de vitamina antes de sair
de casa.   — O tempo não melhorou, né? — Soraia comentou
— No rádio disse que vai assim até amanhã, mas depois melhora.
— Só espero que não caia outro dilúvio na hora da gente sair.
— Pois é. — Bebi um gole do meu café. — Será que dona Branca
continua viajando?
— Olha, não sei mas espero sinceramente que sim. É uma paz, viu? —
Ri do comentário de Soraia.
Depois de tomar meu café, fui logo na sala do Caique para deixar tudo
liberado por lá e ir para as outras salas.
Assim que entrei, me lembrei logo de como o encontrei na sexta-feira
e meu coração apertou, mas procurei pensar que aquele dia tinha passado e
que ele havia sorrido comigo depois.
Comecei a limpeza pelo banheiro. Quando acabei, fui para sua mesa e
depois pra estante.
Estava abaixado, arrumando alguns livros que havia tirado do lugar,
quando senti seu perfume. Encaixei o último livro e olhei para o lado, para
a entrada da sala. Ele estava lá. Lindo, de terno cinza e gravata azul como
seus olhos.
Mesmo que eu não quisesse deixar meu coração ficar balançado por
ele, a forma como ele me olhava não cooperava. Nem eu me levantei e nem
ele saiu do lugar. Ficamos nos olhando por intermináveis segundos, até que
ele pigarreou, me trazendo pra realidade de novo e entrou em sua sala.
— Bom dia — ele disse.
— Bom dia. — Me levantei quando respondi e sorri. Ele me devolveu
o sorriso.
— Achei que só eu tinha caído da cama hoje.
— Parece que não. — Cocei minha cabeça, sorrindo envergonhado e
ele também deu um sorriso tímido.
Fomos interrompidos por Flávia chegando na porta e nos dando bom
dia.
— Vocês chegaram cedo hoje — ela disse, sorrindo.
— Caíamos da cama — Caique respondeu. — Bom, vamos trabalhar.
Mais uma semana sem dona Branca por aqui.
— Jura? — Acabei falando e Flávia me olhou de olhos arregalados,
segurando o riso. Mas foi a risada de Caique que me encantou.
— Juro. Mais uma semana de paz.
Continuei limpando sua sala e logo depois Saulo entrou com seu bom
humor de sempre.
— Bom dia, Fê! — Até me assustei em como ele me cumprimentou
mas sorri e respondi.
Quando estava aspirando o chão, olhei de relance para o Caique e ele
assinava alguns documentos que Saulo lhe dava. Gostava de vê-lo em modo
CEO. Parecendo sentir que era observado, seus olhos encontraram os meus.
Isso não ia prestar.
Fugi de seu olhar e comecei a guardar minhas coisas para ir para outro
lugar.
Mas a segunda-feira foi assim, com nossos olhares se cruzando toda
hora. Trabalhei meio aéreo e volta e meia encontrava com ele pelos
corredores. Ele nunca saiu tanto de sua sala como neste dia.
Na hora do meu almoço, estava comendo no refeitório quando Saulo
se sentou ao meu lado.
— Caique me contou que ontem foi seu aniversário. Meus parabéns,
Fernando.
— Obrigado, Saulo.
— Fez quantos anos?
— 27.
— Na flor da idade.
— Num é? — Rimos os dois.
— Tô achando o Caique bem melhor hoje. Tá mais leve, concentrado e
trabalhando com vontade.
— Também estou achando. Que ele fique bem sempre.
— Queria muito que ele saísse e conhecesse alguém. Ia fazer bem
conversar, ver gente nova, mas ele não me ouve. — Saulo me olhava.
— Quem sabe uma hora ele não aceita? Só não fique insistindo.
Conversei com ele sobre isso na sexta-feira e ele prometeu pensar. — Saulo
sorriu.
— Obrigado por tratá-lo tão bem. E... me desculpe por aquela
encurralada que te dei aqui mesmo, quando disse que passava por cima de
quem tentasse fazer mal a ele.
— Tudo bem. Você estava agindo como um verdadeiro amigo. Te disse
isso.
— Acho que todos nós vamos embora cedo hoje.
— Por quê?
— Tempo muito feio e Caique não quer ficar aqui e pegar mais um
temporal. O dia está tranquilo.
— Ah, sim.
Saulo ainda ficou por ali conversando comigo e aproveitou pra comer
um pouco. Depois ele foi embora para sua sala e fui olhar a internet um
pouco antes de voltar ao batente. Ainda tinha um tempo, mas minha
navegação foi interrompida por uma mensagem.
Caique: “Fazendo o quê?”
Ri da mensagem. Parecíamos amigos adolescentes conversando. Era
gostoso e surpreendente devido ao que ele era meu.
Fernando: “Acabei de comer e estava navegando na net. E você?”
Caique: “Assinando documentos, enquanto tomo um suco e como
um sanduíche natural. Hoje não estava a fim de comida. Vem pra cá.”
Senti minha alma desfalecer com esse “vem pra cá”. Passei a mão pelo
meu rosto sentindo euforia, medo, vontade e algo a mais que não sabia
identificar. Minha mãe foi capaz de enxergar em mim algo que nem eu tinha
percebido ainda. Não percebi, não por falta de atenção ou por não me
conhecer. Não percebi por que foi tão natural a nossa aproximação, que
tudo foi ganhando proporções.
Caique é um homem lindo, atraente, gostoso e por mais que tenha as
suas revoltas, que vejo claramente não ser apenas por seu acidente, e sim,
por um conjunto de várias tristezas em sua vida, me descobri atraído por ele
de uma forma que nem sei explicar. Acho que pode ter sido o fato dele me
ouvir com carinho e atenção e me ver de verdade. Em momento algum a
sua deficiência foi um obstáculo, algo que me fizesse repensar. Pelo
contrário, eu sequer pensei nisso.
Me preocupo é com o que minha mãe falou: nossas diferenças. Ele, eu
sei que não está nem aí, mas tem sua mãe e tudo que ele não sabe de mim.
De quem sou filho.
A realidade é que isso é o que me deixa mais receoso diante de tudo
que venho sentindo. E lendo esse “vem pra cá”, me sinto culpado, como se
estivesse enganando a pessoa mais especial que conheci em minha vida.
Só que no momento não tenho coragem de falar. Tenho medo do que
ele possa vir a pensar de mim e isso deixa minha cabeça cheia de conflitos.
Caique: “Bom, só se você quiser minha companhia.”
Outra mensagem chegou e me fez sorrir.
— Ah se você soubesse que não é apenas sua companhia que quero de
você. Quero muito mais e não estou sabendo lidar com isso — falei
baixinho.
Fernando: “Tô subindo, antes que você morra sentindo minha
falta”
Caique: “Não sei o que faço com essa pessoa abusada.”
Entrei no elevador rindo e decidido a deixar um pouco, só um pouco,
as minhas neuras de lado e sentir essa coisa gostosa em meu coração e que
tinha o poder de me dar um frio na minha barriga. Frio esse que aumentava
conforme eu me encaminhava para sua sala.
— Já voltou, Fê?
— Não totalmente. Vou na sala do senhor Caique, ele me chamou.
— Mas nem te liguei — Flávia falou.
— Pelo “zap”! — respondi, balançando o celular e Flávia me olhou de
forma engraçada. Não sentia medo se ela viesse a desconfiar dos meus
sentimentos. Era uma pessoa querida.
Bati e em seguida abri aquela porta que me levaria até o ser mais lindo
que já conheci. Estava louco com essa gravata que ele usava hoje. E esses
olhos azuis me observando conforme eu me aproximava, me deixava mais
nervoso ainda.
— Já aviso que estou com preguiça pós almoço, meu chefe — falei e
me sentei na cadeira à sua frente. — Ele sorriu.
— Tive um final de semana  preguiçoso, não muito diferente dos
outros, mas que me deixou ainda assim. Estou aqui trabalhando, mas com
vontade de ir embora. 
Observei bem seu semblante à procura de alguma recaída em seu
ânimo.
— Não me olhe assim. Estou bem, só queria estar na minha casa vendo
um filme, jogado no sofá. Tenho esse direito também. — Caique pontuou.
— Claro que tem!
— E na companhia de um amigo. Que no caso seria você. — Tentei
disfarçar o sorriso que queria dar.
— Preciso trabalhar, chefinho.
— Não se o seu chefe não quiser.
— Como assim?
Caique olhou lá pra fora e depois me olhou.
— Vem mais chuva. Já avisei a Flávia que remanejasse o que
tivéssemos agora à tarde para amanhã e às 14 horas iremos fechar toda a
empresa. Já mandei avisar nos outros setores.
— Mas pode isso?
— Eu que decido. O que mais me prenderia seria se tivesse o Jovem
Aprendiz agora à tarde, mas ele se encerra às 13 horas. Estamos com tudo
em dia e há um grande temporal vindo. — Olhei para ele com os olhos em
fenda.
— Que combinou com a vontade do CEO de ir para casa.
Caique saiu de trás de sua mesa e parou ao meu lado.
— Muito esperto você, Nando — ele disse e apertou com carinho meu
queixo.
Derreti? Com certeza. Ele me chamou de Nando!!
— Mas deixa eu entender. Você me convidou para ver um filme?
— Convidei.
— Mas, e se chover muito de fato? Ficarei ilhado na sua casa de novo.
— Amanhã vem trabalhar comigo. — Meu queixo deve ter ido ao chão
e fiquei sem conseguir dar uma resposta.

O momento em que me decidi dar ao Fernando um presente de


aniversário, eu não medi esforços para isso. Liguei para a floricultura que
tinha no condomínio e paguei um bom dinheiro para que o entregador fosse
em Madureira em pleno domingo. O meu bairro e o de Fernando eram
distantes e aos finais de semana, eles só entregavam por perto.
Depois liguei para um amigo que tinha uma importante loja no Barra
Shopping de roupas masculinas e um de seus funcionários veio até minha
casa trazendo dez camisas do meu tamanho, que era, por acaso, o mesmo
tamanho de Fernando.
Escolhi uma de tonalidade rosa, que imaginei que ficaria linda nele e o
rapaz já veio equipado para embalar tudo para mim. Depois o da
Floricultura passou aqui e pegou comigo o restante do presente, levando
tudo para Fernando.
Quando recebi sua mensagem feliz pelo presente recebido, tive
vontade de vê-lo mais uma vez, mas ainda tinha todo restante de domingo
até finalmente chegar a segunda-feira para poder reencontrá-lo.
Minha ansiedade me fez acordar cedo pra caramba, tomei café e fui
para a empresa. Robert se surpreendeu de me ver tão bem, devido ao meu
estado na sexta-feira.
Mas feliz mesmo eu fiquei quando cheguei em minha sala e ele já
estava lá. Chegou tão cedo quanto eu.
Não sabia definir o que estava sentindo, mas era uma grande verdade
que Fernando vinha mexendo comigo e não era de hoje. Nossa proximidade
venceu as barreiras estabelecidas por mim mesmo. Nem percebi quando ele
passou por elas e me vi encantado.
Como já disse, tínhamos muito em comum e era muito fácil sorrir com
ele. Na sua presença eu não me sentia aflito ou de mau humor. Mesmo
nessa última semana que eu não estava muito bem, foi ele, justamente ele,
que me trouxe a paz de volta, mandando meus demônios para longe de
novo.
Fernando era lindo, principalmente agora, ali, abaixado perto da minha
estante e me olhando nos olhos sem desviar. Não tinha medo do seu olhar,
nele não havia julgamentos ou cobranças. Havia apenas carinho, respeito e
igualdade. Ele me via, me enxergava muito além dessa cadeira. Aliás, às
vezes, tinha a impressão de que ele nem a enxergava, apenas a mim.
Depois disso comecei a trabalhar, mas Fernando não saia do meu
campo de visão. Fosse em minha sala ou pelos corredores. E sempre nossos
olhares se cruzavam, como se ele também estivesse buscando pelos meus
como eu estava pelos dele.
Por isso não me surpreendi quando o chamei para ver um filme
comigo. Jamais tinha feito isso, de fechar minha empresa cedo, porém,
também tinha outro motivo. Soube por Saulo que muitos funcionários
ficaram ilhados pelo caminho na volta para casa com o temporal de sexta e
hoje o tempo estava igual, outro viria.
Uni o útil ao agradável e com base em minha agenda tranquila de hoje,
sem reuniões ou nada de urgente, decidi liberar os funcionários. Claro que a
ausência da minha mãe contribuía para isso também. Ela não me encheria o
saco.
Só que a falta de resposta por parte de Fernando começava a me deixar
apreensivo e começando a achar que fui afoito demais.
— Desculpe, se não quiser ir, não há problema algum.
— Eu quero. — Sua resposta fez meu coração mais uma vez disparar.
Isso vinha acontecendo muito nas últimas semanas e sempre era por causa
dele.
— Que bom. Vou terminar algumas coisas até o nosso horário de saída.
— Eu também tenho que terminar. — Fernando se levantou e foi
saindo. Parecia aéreo, mas estava com um semblante bonito no rosto.
Cuidei de mais algumas coisas, falei com um fornecedor e 13:45 Saulo
entrou em minha sala.
— Estava pensando em ir pra sua casa e a gente ver um filme, o que
acha? Vamos ficar de bobeira mesmo. Nem acredito, em plena segunda! —
Olhei para ele e fiquei sem saber o que dizer, mas falei a verdade.
— O Fernando vai comigo hoje. Eu o convidei para ver um filme. —
Senti vontade de dar mais explicações e com isso não encarava o Saulo. —
Gosto da companhia dele, mas claro que gosto da sua também. De sexta pra
sábado foi bem legal, conversamos sobre muitas coisas e por isso hoje tive
essa ideia...
— Caique?
— Ele tinha pensado na chuva, mas...
— Caique? — Olhei para o meu amigo.
— Que foi?
— Por que tanta explicação?
— Eu...
— Ei, você não precisa ter apenas eu de amigo e nem deve. Fernando é
um cara muito bacana e merece sua amizade também. Se você quer assistir
filme com ele, não tem problema e nem vou ficar chateado. Venho
reparando que vocês estão se dando melhor a cada dia.
— Mas se você quiser vir com a gente...
— Caique, se você quisesse mesmo que eu fosse, já teria me chamado.
Se eu não tivesse falado nada, você nem ia comentar.
— Desculpa.
— Nós dois não precisamos disso. Somos muito mais que isso, ok? Vai
te fazer bem ter contato com pessoas novas. Quem sabe ele não te convence
a sair? Mas por hoje um filme com seu amigo novo está de bom tamanho.
— E você?
— Vou pra casa. Vejo algo na TV ou durmo. Qualquer coisa. Farra só
no final de semana. Você estando bem, eu também estou.
Olhava para meu amigo e sentia uma vontade enorme de falar as
coisas que andava sentindo. Mas se nem eu tinha certeza, como ia dizer?
Saulo foi embora e logo um barulho de mensagem chegou em meu celular.
Nando: “Já troquei de roupa. Não vou subir mais. Te espero no
estacionamento junto com o Robert.”
Sorri e comecei a desligar tudo.
Estava agora no meu carro, indo para casa com Fernando ao meu lado.
Desta vez algumas coisas estavam diferentes: eu não sentia dor, não estava
deitado com a cabeça no seu colo, embora não me faltasse vontade e ele
tinha trocado de roupa. O tempo lá fora era o mesmo, porém, a chuva ainda
estava armando e deveria vir forte. O céu estava muito escuro. Queria
chegar antes que ela caísse.
Ele falava com a mãe nesse momento e por seu semblante tranquilo,
ela não deveria estar brigando. Fiquei olhando seu perfil e pensei que fazia
muito tempo que eu não sentia meu coração tão ansioso. Já tentei várias
vezes me lembrar de quando comecei a reparar nele de forma diferente, mas
não conseguia recordar do momento exato. Com ele tudo fluiu, aconteceu e
me envolveu.
— Pronto. Avisei a ela.
— Ficou chateada? — Fernando sorriu.
— Não. Nossa conversa no sábado foi muito sincera. Naquele dia
voltei a ver minha mãe de verdade.
— Admito que sinto uma pequena inveja. — Ele me olhou com
ternura.
— Posso dividir minha mãe com você. — Sorri.
Nessa hora ficamos com nossos olhares presos um no outro. Isso vinha
acontecendo muito. Foi por isso que percebi que Fernando vinha mexendo
comigo, vinha invadindo minha cabeça sem eu me dar conta.
Mas uma freada brusca de Robert, me deu um susto tão grande, que
meu corpo foi jogado para frente. Eu só não caí no chão do carro, porque
Fernando teve um reflexo muito rápido e se jogou na minha frente.
Na verdade, ele caiu, mas ao mesmo tempo se atirou para o meu lado.
Por fim, ele que estava de joelhos no chão do carro, agarrado a minha
cintura e eu debruçado sobre ele.
— Porra! Caique, você está bem? — Fernando explodiu em um
rompante. — Onde está seu cinto? Você não pode estar sem ele, caramba!
— O que foi isso? — Minha voz saiu tremula e Robert que havia
parado o carro, me olhou aflito.
— Senhor Caique! O senhor está bem? Meu Deus, Senhor Fernando, o
senhor se machucou? — Robert saiu do carro e veio abrir a nossa porta. —
Uma moça de bicicleta sofreu um acidente na nossa frente, se eu não
freasse, iria passar por cima dela.
— Como ela está, Robert? Você chegou a encostar nela? — eu
perguntava e tremia ao mesmo tempo. Minha voz saía entrecortada pelo
pânico que eu estava.
— Não encostei nela não, eu freei.
— Vá vê-la, Robert! — Meu motorista fechou a porta e voltei minha
atenção para Fernando com ele tocando em meu rosto.
— Como você está, Caique? Me desculpa por ter xingado, mas levei
um susto do caralho.
— Eu tô bem — respondi, tremendo demais.
— Não tá, para de mentir pra mim. Se acalma, por favor. Seus lábios
estão brancos. Queria ter água aqui para te dar. — Fernando continuava
ajoelhado no chão do carro.
— Você se machucou? — Comecei a apalpar Fernando
descontroladamente, nervoso e com medo dele ter se machucado.
— Estou bem, Caique. Estou bem e estou falando a verdade.
Meus olhos capturaram Robert trazendo a menina nos braços e a
colocando na calçada. Meu coração estava a mil. Logo vi mais cinco
ciclistas chegando perto dela e um deles falando no celular. Robert retornou
para o carro e entrou.
— Senhor, ela apenas se ralou no braço e na perna, mas não quebrou
nada. Como eu disse, consegui frear, ando sempre devagar. Ela estava aqui
na ciclovia de forma correta, um pouco à nossa frente. Foi um cara de
patinete que a fechou e derrubou a menina.
— Graças a Deus nada de mais grave aconteceu — falei, encostando
minha cabeça no encosto do carro.
— Robert, vamos embora. Ele não está bem. Aquele pessoal está com
a menina?
— Está sim, são amigos dela. Eu falei que meu patrão era deficiente e
estava preocupado aqui no carro. Eles me pediram para avisar que estava
tudo bem e ainda me agradeceram por ter conseguido frear a tempo.
— Então vamos, essa situação não fez bem a ele — Fernando pediu.
— Não quero mais você andando sem cinto, Caique — ele falou e depois
ficou sem graça. — Desculpe, quem sou para...
— Alguém que se preocupa comigo. — respondi e toquei seu rosto. —
Eu sempre uso, sempre, mas hoje entrei e acabei me distraindo, me
desculpa. — Se levanta. Vem, senta aqui. Tem certeza de que não se
machucou?
— Tenho, fica tranquilo.
Fernando se levantou fazendo caretas e se sentou no banco. Mexeu nos
joelhos conferindo se não tinha se machucado mesmo. Eu ainda tentava
controlar minha respiração. Sentia meu corpo tremer.
Robert foi devagar para desviar das pessoas que ainda estavam paradas
perto da menina e logo estávamos em nosso caminho novamente. Senti uma
mão quentinha segurar a minha que estava no banco e olhei para Fernando.
— Você ainda está tremendo. Se acalma, ok?
— Ok — respondi e puxei o cinto com minha mão livre e me prendi.
— Ele sorriu e fez o mesmo. Nossas mãos continuaram unidas até a minha
casa. Era o melhor calmante.
Assim que entramos a chuva desabou, mas agora estava seguro e com
a melhor companhia.
— Fica à vontade, Nando. Se quiser, pode deixar sua mochila no
mesmo quarto que você dormiu. A roupa que usou na sexta está dobrada em
cima da cama, limpa e passada. Hoje a minha secretária veio limpar tudo
por aqui e ligou me avisando.
— Tá bom, mas quero saber de você antes. Vamos beber uma água?
— Está bem.
Fomos até à cozinha e Fernando pegou água pra mim e para ele.
Ficamos na mesa nos olhando.
— Robert sempre dirige bem devagar. São minhas ordens desde o
início. Custei muito a entrar em um carro novamente. Fiquei muito tempo
dentro do hospital e depois tive muito atendimento em casa também. Se
tinha que ir pra lá, uma ambulância deles me levava. Acho que só entrei
num carro de novo, assim, com motorista, uns dois anos depois. Foi quando
conheci o Robert, que veio muito bem recomendado por um grande amigo
do meu pai.  — Bebi mais da minha água.
— Ele te trata com muito carinho e cuidado. Aquele dia em que você
sentiu dores, ele te pegou no colo com uma desenvoltura impressionante.
— Ele foi treinado pra isso, além de ser uma pessoa gentil e
extremamente cuidadosa. Meu carro é todo adaptado, por isso é tão grande
e tem um bom espaço por dentro. Se eu quisesse dirigir sozinho, poderia,
ele é próprio para cadeirantes, mas nunca gostei de dirigir e sempre precisei
de segurança, então... Mas Robert é uma excelente pessoa. Até hoje
lamento muito a perda de Fábio, meu motorista no dia do acidente. Robert
me lembra muito ele na forma que me trata.
— Está mais calmo?
— Estou.
— Nunca mais se esqueça do cinto, por favor.
— Não esquecerei, sempre é a primeira coisa que coloco, mas hoje...
— Olhei para Fernando. — Muita coisa na cabeça. — Ele ficou me
olhando. — Ainda dói o seu joelho?
— Não, esquece ele. Desculpa meu rompante de novo.
— Não precisa me pedir desculpas. Você me protegeu. — Passei
minhas mãos pelo meu rosto. — Mesmo depois de tantos anos, tudo é muito
vivo na minha memória e qualquer coisa é suficiente para um gatilho.
— É uma coisa que não dá para esquecer mesmo. Você tem com quem
conversar sobre isso? Tipo um psicóloga? Acho que você comentou isso
comigo, sobre ter uma.
— Tenho, faço tratamento há anos. Tem algumas semanas que não a
vejo, pois ela foi em um congresso, mas semana que vem temos sessão.
Conversaremos bastante.
— Isso é muito bom, mas saiba que pode conversar comigo também se
quiser. — Sorri.
— Obrigado. Vamos voltar a nossa programação normal?
— Vamos. — O sorriso dele foi gostoso.
Fernando foi até o quarto de hóspedes colocar sua mochila e eu fui
atrás para ir ao meu quarto. Já estava sem gravata e sem blazer quando ele
chegou na minha porta.
— Posso tomar um banho? — ele perguntou todo tímido.
— Claro que pode. Pegue aqui uma toalha pra você. Margarida
colocou aqui de volta a que você usou.
— Gostei do nome dela.
— Ela é a flor da minha vida realmente. Desde que vim morar aqui, a
contratei e ela é de muita confiança. Limpa tudo, lava e passa pra mim. Faz
tão rápido que fico surpreso.
— Você não tem cara de ser bagunceiro.
— Não sou mesmo. — Nós dois rimos.
Depois que pegou a toalha, Fernando foi tomar banho e eu fui também.
Caprichei muito nesse banho e saí dele fresco e procurando uma roupa
legal, mesmo que fosse ficar em casa. Me sentia mais calmo e feliz por ele
estar aqui. Se tivesse acontecido o pequeno acidente no trânsito sem a
presença dele, não sei sinceramente como eu estaria.
Quando Fernando voltou ao meu quarto, perguntou se podia entrar. Ele
não sabia se eu estava me vestindo ainda.
— Posso entrar?
— Pode, estou no closet penteando o cabelo.
Ele ficou parado na entrada, encostado no batente, com as mãos no
bolso da calça. Ele era sedutor sem fazer esforço.
— Meu cabelo está enorme. Preciso dar um jeito.
— Gosto dele assim. — Olhei para ele através do reflexo do espelho.
Sempre que isso acontecia era difícil deixar seus olhos, eles me prendiam.
— Já usou o seu maior?
— Já. Usei black power, totalmente raspado e teve uma vez que fiquei
de dreads.
— Um camaleão.
— Gosto de mudar às vezes.
— Acho dreads sexy, mas gosto de como seu cabelo está agora. —
Fernando sorriu tímido, mas algo me dizia que ele não era tão tímido assim
em outras questões. — Vamos fazer um balde de pipoca e ver nosso filme?
— Vamos!
Enquanto eu fazia a pipoca, pedi a Fernando que fosse escolhendo um
filme. Ele adorou meu sofá de assistir TV. Era como se minha sala fosse
dividida em dois ambientes: um sofá para receber visitas e outro, grande,
com seus acentos compridos para frente como uma cama, para ver TV.
— Que tipo de filme você gosta? — ele me perguntou, enquanto eu
voltava pra sala com nosso balde de pipoca no colo.
— Romance, terror, comédia e ação. Só não gosto de ficção científica.
— Eu não gosto muito de terror.
— Sério?
— Sim, desde pequeno.
— Vamos ver uma comédia romântica ou ação.
— Se importa se for filme antigo?
— De maneira alguma.
— Vamos ver “A Múmia”, com o Brendan Fraser? Adoro esse filme.
— Por mim, ótimo. — Eu só queria a companhia dele mesmo mas
também gostava desse filme.
Coloquei o balde de pipoca no colo dele e saí da cadeira indo para o
sofá. Sempre ficava confortável aqui, tinha almofadas grandes e fofas para
nos encostarmos. Era como uma cama mesmo.
— Pega refrigerante pra gente na geladeira? — pedi e ele foi.
Mostrei para Fernando onde estavam as mesinhas de canto para
bebidas e ele colocou uma do meu lado e outra do dele. Só estávamos
separados pelo balde de pipoca.
— Alexa, apague as luzes.
Meu apartamento ficou uma delícia, apenas com a claridade da TV.
Como não abri as persianas, mesmo sendo dia, aqui estava escuro, apenas
com uma leve claridade que passava por baixo das persianas. E além do
mais, o mundo desabava lá fora.
Começamos a ver o filme concentrados. Adorava a risada de
Fernando. Só que eu também me prendi no filme e minha atenção só foi
tirada dele quando nossas mãos se encontraram disputando o último
montinho de pipoca.
Novamente aquela conexão no olhar estava ali e vi quando ele engoliu
em seco. Fernando também havia percebido o mesmo que eu.
Capítulo 13

Talvez eu devesse ter declinado do convite. Talvez eu devesse não me


perder a cada vez que ele me olhava. Talvez eu devesse ter ouvido minha
mãe e feito de suas palavras o meu mantra. Talvez eu não devesse estar
aqui, agora, com o coração batendo todo errado porque minha mão
encostou na dele dentro do balde de pipoca.
Talvez eu devesse muitas coisas, mas eu só queria, a todo tempo, me
perder na imensidão azul de seus olhos. Sentir o seu perfume que eu já era
capaz de reconhecer a metros de distância. Queria sempre conversar com
ele e o proteger de tudo.
Eu só sabia querer, quando na verdade deveria recuar. Havia coisas
sobre mim que ele não sabia e que eu ainda não tinha coragem de contar.
Não queria perder esse carinho, essa conexão cada vez que ele me olhava.
Não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que ele sentia também. Só
queria estar certo de alguma coisa, mas eu não estava. Neste momento eu só
sabia desejar absurdamente a sua boca na minha, assim como ela estava,
brilhosa pela manteiga da pipoca. Devia estar uma delícia.
— Pode ficar com o último montinho de pipoca — falei.
— Não, ele é seu.
— Por quê?
— Você é a minha visita.
— Que anfitrião mais educado.
— Sou muito. — Ele sorriu e eu suspirei na sua frente.
Olhei para o monte de pipoca e vi que tinham umas seis. Dividi para
nós dois e o olhei sorrindo.
— Pronto, não iremos nem discutir. Três pra cada. — Caique jogou a
cabeça para trás rindo e meus olhos inspecionaram o seu pescoço, onde um
cordão bem fininho, que devia ser de ouro, enfeitava e o tornava mais
charmoso.
— Muito obrigado por não me deixar com água na boca.
Comi minhas três pipocas ainda olhando para ele e depois lambi meus
dedos tendo ele como telespectador. Caique fez o mesmo e eu provei do
meu próprio veneno. Droga!
Ele tirou o balde vazio do meio de nós e colocou na mesinha onde
estava sua bebida, que ele tomou um longo gole. Me ajeitei de forma
correta e com isso cheguei mais perto dele. O filme rolava e os personagens
agora trocavam tiros com os defensores do local onde estava a múmia
enterrada, mas meu coração só sabia bater desenfreado a cada movimento
de Caique ao meu lado.
Voltamos a prestar atenção total no filme, mas um comentário dele, um
tempo depois, me fez olhar para ele e isso me desarmou completamente,
mais do que antes.
— Sempre achei que essa múmia deveria meter mais medo. Ela é meio
cômica.
Eu estava sentado de frente para a TV, mas com a cabeça apoiada no
encosto e a virei para ele quando falou. Só aí notei de verdade o quanto
estávamos perto.
— Mas esse filme tem um lado cômico mesmo. O Rick é engraçado.
— Caique riu e imitou minha posição, virando a cabeça para o meu lado.
Foi o suficiente para que eu visse sua respiração se tornar irregular e o filme
ser totalmente esquecido.
Ficamos assim. Parecíamos congelados naquela posição. Até que sua
mão mais próxima de mim se levantou e veio até meu rosto.
— Tem alguém sujo de sal. — Sorri tímido.
— Minha mãe sempre me fala que para alguns alimentos pareço
criança. Sempre me sujo.
— É normal. Quando estamos comendo algo que gostamos, o gostoso
é se lambuzar mesmo.
Ok, era uma simples frase, mas meu cérebro processou de outra
maneira e cheguei a sentir meus olhos mais pesados. Que poder era esse
que ele tinha?
— Mas passo vergonha às vezes, sabia? — falava baixo, como se
ninguém pudesse escutar a nossa conversa.
Pela sua posição, de frente para a TV, o carinho em meu rosto era feito
pelas costas de sua mão e ele não parou. Com isso, me virei de lado,
ficando todo virado para ele e segurei sua mão que me fazia carinho. Não
resisti e dei um beijo nela.
— Alguém está com cheiro de pipoca com manteiga. — O seu sorriso
de lado foi destruidor e eu não conseguia mais soltar sua mão e nem deixar
de olhá-lo.
Caique se ajeitou, puxou sua mão da minha apenas para ter apoio com
ela ao se virar de lado como eu e trouxe a outra para o meu rosto.
Agora ele estava numa posição melhor para me tocar e o que ele fez,
me deixou todo mole naquele sofá. Caique fazia um carinho na minha
bochecha e dela, devagar, ficou traçando o contorno do meu lábio inferior.
Percebi que ele se sustentava sentado de lado pelo braço e fiquei com
medo de ser incomodo para ele.
— Não te cansa ficar assim? Se sustentando em seu braço?
— Não. Com o tempo peguei bastante mobilidade neles. Fiz muito
exercício físico para ter força. Consigo me virar de lado e até mesmo de
bruços quando me deito. Aqui, agora, me virando para você, estou de boa.
— Respirei fundo. — Se não estou com dores, tudo fica tranquilo e mais
fácil.
Minha mão cobriu a sua em meu rosto e cheguei a fechar meus olhos
com a cabeça apoiada no encosto do sofá. Nunca tinha sentido nada
parecido. E foi de olhos fechados, que escutei algo que não esperava.
— Por que você é tão lindo? — Abri os olhos para encontrar os dele
vidrados em minha boca. Aquilo foi um fósforo caindo na gasolina, que no
caso era eu. Minha boca, que sempre tinha vida própria sem nem esperar os
meus comandos, não conseguiu se segurar.
— Me beija, Caique.
Aquele par de olhos azuis se fixaram nos meus. Muitas coisas
passaram por eles, isso foi nítido, mas seja lá o que tenha sido, não o
impediu de me beijar.
Jamais serei capaz de esquecer como foi maravilhoso o primeiro toque
dos seus lábios nos meus. Foi carinhoso e gostoso. O desejo lambeu meu
corpo sem dó. Abri minha boca para recebê-lo melhor e Caique mergulhou
em mim, me tomando de vez.
A mão dele que antes estava em meu rosto, passou para minha nuca,
dando a ele controle para devorar meus lábios. Uma de minhas mãos foi
para o seu rosto e a outra para sua cintura, onde agarrei sua camisa.
Foi o beijo mais profundo e mais intenso que já havia dado. Foi um
beijo cheio de vontade. E da minha parte eu tinha a certeza que era, eu
queria muito, há muito tempo. Mesmo que não tivesse percebido essa
vontade antes.
Mas Caique me mostrava que ele não se sentia tão diferente assim de
mim. Quase soltei um gemido quando ele sugou meu lábio inferior e ainda
deu uma mordidinha no final.
Eu escutava longe os tiros e gritos do filme que passava na TV. Estava
em uma bolha com ele, envolvido pelo seu beijo e seu perfume que eu tinha
certeza de que ficaria em mim por todos os lugares.
Custamos a parar de nos beijar. Ele prolongava com selinhos e eu me
dava cada vez mais para ele.
Ao final, nós dois respirávamos sem fôlego. Tenho por mim que
ficamos prendendo a respiração por mais tempo do que era permitido pela
lei da natureza humana. E sem contar, que conforme ele me beijava, eu fui
me aproximando mais de seu corpo. Por isso que agora tínhamos nossas
testas unidas, minhas duas mãos em seu rosto e a dele no mesmo lugar, mas
me fazendo um carinho gostoso.
Ficamos bastante tempo assim, absorvendo o que tinha acontecido. Da
minha parte, eu ainda tentava me recompor, achar meu fôlego e meu
raciocínio. Sentia mil coisas juntas ao mesmo tempo: surpresa, medo,
desejo, queria mais e não sabia o que se passava na cabeça dele.
— Não quero soltar você — ele disse e eu não consegui deixar de
sorrir, mesmo de olhos fechados ainda. — E quero te beijar de novo assim
que recobrar meu fôlego.
Tive que olhar para ele.  Caique estava lindo de olhos fechados,
entregue, controlando a respiração. Matei algumas de minhas vontades e
toquei seu rosto com mais vontade. Ele estava barbeado. Contornei suas
sobrancelhas e fui em seus cabelos que eu já sabia que eram macios.
Não resistindo mais, fiz um carinho com meu nariz passando pelo seu.
Foi sua vez de sorrir de lado. Ele absorvia meu toque em seu rosto e
suspirava. Como eu estava bem perto dele, fui passando meu nariz por sua
bochecha e nunca tinha visto pessoa mais cheirosa. Desci pelo seu pescoço
absorvendo seu cheiro e deixei um beijo ali, vendo sua pele se arrepiar.
Fui até a gola de sua camisa e deitei minha testa em seu ombro,
envolvido por tudo que acontecia. Ele fez o mesmo, não sem antes beijar
meu pescoço também. Nessa hora eu sorri novamente.
Abri meus olhos e acabei vendo o colo de Caique. Ele estava excitado
pelo que havia acontecido entre nós e havia uma ereção mal contida pela
sua roupa. Fiquei muito feliz por ele e por ele ter sentido isso por mim.
— Caique?
— Oi.
— O que foi tudo isso?
— Eu não sei explicar ainda pra você e confesso que não quero pensar
nisso agora. — Ele levantou a cabeça e eu fiz o mesmo. Nos encaramos. —
Não quando eu só penso em beijar você de novo.
Desta vez eu o beijei. Nossas bocas já se reconheciam como se já
tivessem se encontrado há tempos e não há alguns segundos.
De repente, ele soltou minha boca e se ajeitou no sofá de novo, ficando
novamente de frente. Fiquei até perdido.
— Vem, senta aqui no meu colo.
— Não vou te machucar? Meu peso?
— Não, pode vir tranquilo.
Me levantei, ficando de joelhos para mudar de posição. Foi nessa hora
que percebi o quanto estava excitado. E no meu caso havia um agravante:
estava apenas de calça, sem cueca. Olhei para ele bem tímido e olha que eu
não era disso. Mas ali, com ele, eu fiquei.
Caique percebeu que havia sido por isso e sorriu de lado. Ele estava
sorrindo mais e toda vez eu me derretia.
— Não fique com vergonha de mim. Por incrível que pareça, estou da
mesma forma.
Me sentei em seu colo e ele logo segurou em minha cintura. Apoiei
meus braços, um de cada lado de sua cabeça, no encosto do sofá.
— É que eu fiquei tímido por dois motivos: é nosso primeiro beijo e
porque tomei banho e não coloquei cueca. — Caique me apertou mais na
cintura e juntou mais nossos corpos. Senti meu pau encostar em sua barriga.
— Fernando, eu só consigo pensar no seu beijo. Ele acordou meu
corpo e saber que eu acordei o seu, é maravilhoso.
— Lógico que você acordaria o meu corpo. Desejava muito o seu beijo
e olha onde estou? Nos seus braços.
Nos beijamos de novo e desta vez eu comandei mais. Nossas cabeças
não paravam quietas e nem as mãos de Caique, que me apertavam a cintura,
subiam pelas minhas costas por dentro da camisa e depois desciam e iam
pra minha bunda.
Com essa loucura de beijo, eu acabei me esfregando nele, no volume
que eu sentia. Era um verdadeiro amasso naquele sofá. Só que eu tinha
medo de machucá-lo de alguma forma e fui tentando me controlar para não
fazer nada forte demais.
—  Você não está me machucando. Não precisa ficar preocupado —
ele disse, percebendo que eu freava meus movimentos. — Você está é me
deixando maluco com seus beijos e sua pele gostosa que estou tocando.
— Também estou perdendo a cabeça com você. — Admiti. —
Perdemos o filme, já até acabou.
— Um certo alguém roubou toda a minha atenção. — Capturei seus
lábios fazendo até um barulho alto quando os soltei.
— Como chegamos aqui? — perguntei.
— Acredito que seja porque é prazeroso demais ficar perto de você e
conversar com você. Me vi cada dia mais envolvido. Quando dei por mim,
já desejava sua boca.
— Assino embaixo de tudo que você disse. — Ganhei uma mordida
gostosa em meu queixo. — Só que nós somos...
— Esquece o que nós somos. Por algumas horas, esqueça. A não ser
que você... — Coloquei um dedo em seus lábios.
— Eu quero muito, não duvide disso. Só não quero que pense que vim
aqui com essas intenções. Eu apenas, com seu convite, imaginei que
poderia passar mais algumas horas ao seu lado. Com você tudo é tão
natural, tão gostoso. Só me deixa ficar aqui. — O abracei e deitei minha
cabeça em seu ombro, com o rosto enterrado em seu pescoço. — Preciso
me acalmar, Caique. Estou muito excitado.
— Pode ficar onde você quiser. Desculpe se fui muito afoito.
— Não me peça desculpas por me desejar. É que eu te desejei tanto,
que fiquei com medo de atropelar tudo e hoje...
— Nos beijamos pela primeira vez.
— Isso. Você me entende?
— Lógico que entendo. O que achei incrível, foi a segurança que me
deu. Nem pensei que de repente você poderia não querer porque...
— Não continue, por favor. — Encarei seus olhos. —  Nem pense em
dizer o que ia falar. Eu beijei você e desejei você. Fico todo derretido
quando tenho sua atenção.
— Você fica?
— Fico. — Sorri. — Porque você é o homem que me interessou. A
única coisa que ponderei nisso tudo, era se eu estava me iludindo.
— Por quê?
— Porque não achei que você poderia me notar.
— E por que não?
— Sou seu funcionário, somos tão... — Desta vez meus lábios foram
calados por dedos finos e compridos.
— Nem pense em dizer o que ia falar.
— Usando minhas palavras?
— Exatamente. Achei você lindo desde sua entrevista, mas confesso
que o que me prendeu a você foi a forma que nos demos bem logo de cara.
A pessoa maravilhosa que você se mostrou. Não sei te dizer quando os
sentimentos mudaram, quando passei a te enxergar de outra forma.
— Eu também não. Só que depois que fui embora no sábado, tudo que
eu quis foi voltar. — Caique olhava todo o meu rosto com carinho. Eu via
em sua fisionomia.
— Depois que você foi embora naquele dia, meu apartamento ficou
vazio. Tive vontade de pegar o elevador e ir atrás de você e te trazer de
volta.
Sorri e deixei um selinho em seus lábios.
— O que a gente faz agora? — perguntei. Já me sentia mais calmo e
pelo que senti, ele também.
— Podemos ver outro filme, mas agora com você em meus braços. O
que acha?
— Hummm, gostei dessa ideia. — O sorriso do Caique foi de orelha a
orelha.

Eu parecia que estava entorpecido. Meu coração mostrava toda a sua


resistência, pois não desacelerava de forma alguma. Na TV passava agora
uma série chamada “Young Royals” que Fernando disse que adorava.
Por falar nele, estava deitado por cima de mim, com a cabeça em uma
almofada que coloquei no braço do sofá na minha lateral. Eu estava com
uma mão em sua cabeça, onde fazia um cafuné gostoso e a outra em seu
peito, sentindo o seu coração bater.
Ainda não estava acreditando que havíamos nos beijado. Olhava para
ele ali, tão relaxado por cima de mim e me perguntava se era verdade. Se
era verdade que ele se interessou por mim.
Não consegui impedir que certos pensamentos viessem à tona.
Fernando era lindo, jovem, cheio de saúde e disposição. O que ele poderia
querer com um homem como eu? O que eu teria para oferecê-lo como
homem? Sabia que isso era minha depressão me dominando e me deixando
inseguro, porque depois de João Miguel, era a primeira vez que eu me...
Sacudi minha cabeça pelo rumo dos meus pensamentos. O que eu
sentia afinal? Olhei para o homem sobre mim e fiz carinho em seu rosto e
ele me retribuiu com um sorriso lindo e voltou sua atenção para a TV.
Eu havia tido uma ereção monstro com o nosso beijo, assim como tive
quando o vi dormindo apenas de cueca no sábado, mas sabia que não seria
sempre assim. O que ele acharia disso? Eram tantas questões fritando o meu
cérebro que comecei a ficar com dor de cabeça.
Tomei um susto com ele colocando seu rosto na frente do meu. Havia
se virado de lado e se apoiado no braço.
— Que foi? Seu semblante está estranho.
— Sou tão fácil assim de se ler?
— Muito. Você é transparente. Divide comigo o que está passando aí
dentro da sua cabeça. — Adorava o quanto ele gostava de conversar comigo
e para uma pessoa que sentia tudo que eu tinha dentro de mim, conversar
era um remédio e tanto.
— Bobagem.
— Tem a ver com a gente?
— Sim. — Fernando tocou meu rosto e me deu um beijo nos lábios.
— Não pensa muito. Não foi isso que você disse pra mim?
— Não tive como evitar.
— Então acho que preciso te beijar mais.
— Acho uma ótima ideia.
Uma labareda começava em meu corpo quando a língua de Fernando
entrava em minha boca. Que coisa gostosa! Ele deixava meu cérebro em
pane com um único beijo.
O nosso beijo parecia nunca ter fim e quando ele precisava de fôlego,
soltava minha boca, mas nunca deixava de me beijar. Eu ganhava beijos
pelo pescoço, mordidas em meu queixo e no peito, mesmo estando de
camisa.
— Eu gosto do teu perfume. Vou ficar com ele espalhado em mim. —
Estava adorando ganhar elogios dele. Me deixava feliz.
— Eu também estou ficando com o seu.
Senti sua mão entrar por debaixo da minha camisa e ela veio para o
meu peito, onde ele apertou, arranhou de leve e suspirou enterrando seu
rosto ali, por cima da minha roupa.
— Você está me deixando sem juízo, Caique.
— Isso é bom ou ruim? Eu acho muito bom. — Sua risada me fez
cócegas no peito.
— É bom, mas preciso pensar com clareza. Só que seu perfume não
deixa, sua boca não deixa — Ele me olhou. — Minha vontade de você não
deixa.
— Faça tudo que tiver vontade. — Ele engoliu em seco e se deitou
novamente sobre mim, colocando as mãos para trás, embaixo de sua
cabeça.
— Vamos com calma.
— O que você quiser.
— Eu vou dormir aqui hoje?
— Não tenha dúvidas. — Ele riu.
— Como vou conseguir resistir a vontade de te beijar na empresa?
— A porta da minha sala tem chave, sabia? — Fernando riu alto e eu
acompanhei.
— Você é um CEO bem taradinho, sabia?
— Culpa sua. Totalmente sua — falei bem sério.
— Posso saber por quê?
— Ué, eu estava quieto no meu canto, mas você aceitou a entrevista.
Você foi à minha empresa e chegou todo lindo para conversar comigo. Você
me fez sorrir todos os dias, mesmo quando estava de péssimo humor. Você
cuidou de mim quando mais precisei, me pegou em seus braços e ainda
cozinhou pra mim. Você invadiu minha cabeça e me fez cometer um ato que
nunca fiz.
— O quê?
— Te olhei dormindo no sábado de manhã apenas de cueca e fiquei
excitado pra caramba. — Fernando arregalou os olhos. — Você me fez ter
vontade de fechar a minha empresa em plena segunda só para te sequestrar
pra mim.
— Então tinha todo um interesse por trás.
— Não imaginava, de coração, que isso entre nós aconteceria, mas
queria ficar mais tempo perto de você. Me sinto vivo, feliz e querido ao seu
lado. Está vendo como tudo é sua culpa?
— Nunca fui tão feliz em ter culpa de alguma coisa. Se for condenado
por esses crimes, vou preso sendo feliz.
— O que eu faço com você, Nando?
— Hoje você pode me beijar muito, que tal?
— Só se você me beijar também.
Novamente Fernando chegou perto de mim e deu uma mordida em
meu lábio inferior.
— Com muito prazer, meu CEO.
Capítulo 14

Sentia meus lábios inchados e com um dolorido gostoso. Fazia um


tempo que eu não beijava tanto. Em resumo: minha sessão “filmes com
Caique” foi um fiasco no sentido de ver filme. A gente só sabia se beijar.
Estava agora aqui em sua cozinha, passando um café, enquanto
esperava o pão chegar. Caique tinha ido ao banheiro.
— O cheiro está pelo corredor — ele entrou falando e eu o olhei
sorrindo.
— Meu café é bom.
— O que não é bom em você? — Seu olhar foi caloroso em minha
direção.
— Tenho defeitos, sabia? Não sou perfeito.
— Me fala um defeito seu? — Sorri com sua pergunta.
— Não controlo minha boca. Ela tem vida própria. Quando vejo já
falei e muitas vezes o que não deveria.
— Como quando respondeu minha mãe lá na empresa?
— Ela te contou? — Arregalei os olhos.
— Chegou soltando fumaça na sala do Saulo. Ele riu na cara dela
quando ela disse a resposta desaforada que você deu.
— Jesus Cristo, que vergonha!
— Não sinta, ela mereceu. Mal-educada. — Caique deu um muxoxo
engraçado.
— Tive que perguntar qual era a minha laia. Achei um absurdo. —
Cruzei os braços, puto, só com as lembranças daquele momento.
— Esquece ela.
— Me diz um seu.
— Sou muito perfeccionista.
— Ah, isso não é um defeito.
— É sim, sou chato às vezes. — Caique coçou a cabeça. — Gosto de
tudo muito certinho. Quando algo não sai como eu quero, fico me
corroendo ou até mesmo me culpando.
— É, não pode ser assim também. Nem tudo sempre será como
queremos.
— Sabe uma coisa que me incomoda há anos e me sinto muito
culpado, apesar de na época não estar ao meu alcance?
— O quê?
— Se eu tivesse lúcido logo após meu acidente, minha atitude seria dar
todo amparo para quem sofreu junto comigo. — Engoli em seco. — Fábio,
o meu ex-motorista, recebeu e sua família até hoje recebe. Fiz questão
quando já podia raciocinar de alguma forma. De manter toda a ajuda.
— Entendo.
— Mas Saulo me contou que na época minha mãe não permitiu que a
mesma assistência fosse dada ao motorista do caminhão que se envolveu no
acidente. Pelo contrário, ela o culpou, mesmo Saulo levando até ela o
resultado da perícia da polícia de que ele não teve culpa. Ele também sofreu
um acidente por seus freios falharem. — Meu coração quase saía pela
minha boca. — O da van então, coitado, outro que não ajudei.
— Você não tem culpa disso. Não tinha condições de pensar. — Minha
voz saiu estranha e me virei disfarçando e fingindo que pegava talheres pra
gente comer. 
— Eu fiquei tão ruim depois de tudo, tanta coisa mudou na minha
vida, que não consegui pensar em mais nada. Podia ter pedido o Saulo para
achar a família dele. Ele deveria ter família. E se ele fosse pai? — Meus
olhos se encheram de lágrimas e estava difícil de segurar o choro. — Mas
não pedi e até hoje me sinto mal por isso.
— Não carregue uma culpa que você não tem — falei firme e
respirando fundo. O interfone tocou nessa hora e dei graças a Deus.
— Nosso pão chegou! — Caique falou.
Caique foi receber e eu enxuguei meus olhos na camisa e bebi um
copão de água. Precisava contar a ele com calma e da melhor forma.
Quando ele retornou, eu já estava mais calmo. Resolvi mudar de assunto.
— No dia que fiz seu jantar, observei que você tem muitas coisas
saudáveis por aqui.
— Minha alimentação tem que ser bem balanceada para que tudo em
mim funcione bem. De vez em quando posso dar uma abusadinha, mas só
porque sigo tudo de maneira correta. — Sentia orgulho vindo dele por fazer
as coisas certas. — Meus sanduíches são saudáveis, abuso da água e sucos
naturais também. Refrigerante só às vezes. E o feijão que você sentiu falta,
eu não como porque me dá muitos gases e me deixa com uma sensação
estranha. Então evito. — A passada de mão na barriga foi engraçada.
— Você tem acompanhamento de nutricionista?
— Sim, sou muito bem acompanhado. Nutricionista, psicóloga e meu
fisioterapeuta. Até hoje faço consulta com o mesmo médico que me operou.
— Que bom, que bom mesmo. Assim você pode ter uma melhor
qualidade de vida.
— São pessoas muito profissionais e que eu confio.
— Você disse que fez muito exercício físico para ter força nos braços.
— Sim, sou preparado na físio, mas fiz muita academia também. A
musculação é uma grande aliada. Parei tem um tempo, alguns meses só,
mas quero voltar. — A animação em seu rosto me deixou feliz.
— Volta sim. Só vai te fazer bem. Vamos comer?
— Vamos!
Me sentei à mesa e Caique serviu café para nós dois, enquanto eu
cortava meu pão.
— Você fez ou faz academia? — Caique me perguntou.
— Já fiz em uma gratuita que tinha lá no meu bairro, em uma praça.
Mas depois parei.
— Seu corpo é bonito, definido. — Olhei para ele e seu olhar estava
lindo pra mim.
— Observou quando me viu dormindo, foi?
— Foi. — Ele riu. — Um par de coxas...
— Vai me deixar tímido de novo.
— Gosto de te deixar tímido também. — Caique terminava de fechar
seu pão e me olhou de novo. — Queria te contar uma coisa.
— Conta. — Mordi meu pão, prestando atenção nele que agora
adoçava seu café.
— Tem quatro anos que deixei de usar fraldas e sonda.
— Imagino que essa deva ter sido sua maior conquista.
— Sim, foi a maior. Foi um belo trabalho em equipe: minha psicóloga,
meu médico, a nutricionista e eu. Foi muito difícil, mas a vontade de ser
livre foi maior. Por isso fui a pouco no banheiro. Bebemos comendo pipoca.
Aprendi a saber meus horários. — Caique riu sem jeito.
— Você é livre para se expressar como quiser. Só você sabe de suas
lutas.
— Claro que tudo também só foi possível pela forma que eu me
comprometi com o tratamento e o tipo de lesão que tive. Recobrei alguma
sensibilidade da cintura pra baixo. As ereções vieram, em algumas partes eu
sinto se me toco. Mesmo que não seja completamente, mas sinto alguma
coisa.
— Fico muito feliz que esteja dividindo isso comigo.
— Senti vontade.
— Sabe uma coisa que eu vi e achei o máximo?
— O quê?
— Você entrando sozinho em seu carro. Da outra vez você estava com
dor e Robert te colocou nele. Mas hoje, foi você próprio.
— Sempre sou eu mesmo. Da mesma forma que vou para a cama ou o
sofá. Nunca quis também uma cadeira dessas automáticas. Sempre quis eu
mesmo conduzir, me virar, sabe? Me sinto mais livre e independente.
— Isso é muito bom. Sinto orgulho de ver você confiante. Não gostei
nem um pouco de te ver pra baixo.
— Tenho meus momentos. Desculpa. — Seu olhar expressava que
realmente ele sentia.
— Não me peça desculpas. Só me prometa que vai querer acabar com
eles.
— Eu prometo. Vou querer como sua mãe quis um dia. — Sorri pela
comparação.
— Isso. Vou estar ao seu lado. Quer dizer, só se você quiser.  —
Caique segurou minha mão por cima da mesa.
— Eu quero. Mas preciso te pedir uma coisa e não brigue comigo. Só
me ouça e seja sincero.
— Ok.
— Não vai ser de uma hora para outra que vou conseguir deixar
minhas neuras, medos e inseguranças de lado. E sei que hoje apenas nos
beijamos pela primeira vez. Mas quero, por favor, que se algo não te
agradar ou você não quiser mais, me fale. Não finja por medo de me
magoar. Diga tudo, vai ser melhor. É só o que eu te peço.
— Eu prometo pra você mas quero que saiba de uma coisa e entenda.
Enfie aí nessa cabecinha, porque estou falando a mais pura verdade: não
vejo sua deficiência como um empecilho para o que está acontecendo entre
mim e você. Estou falando isso, porque sei em que sentido você mais tem
medo. Sinto um tesão enorme em você e sei que podemos ter todo prazer
juntos, independente se você terá uma ereção ou não. Se ela se sustenta ou
não. Vou te mostrar isso.
— Vai ser agora? — Não aguentei e explodi em uma gargalhada alta
que Caique me acompanhou.
— Já falei que você está muito tarado.
— E eu respondi que tudo é sua culpa.
— Estou falando sério. Só te peço, se liberte, se permita e me sinta.
Não tem como dar errado.
— Já estou sem concentração para o pão.
— Acalme esse facho, senhor CEO. — Caique quase se engasgou com
o pão de tanto rir.
Após nosso lanche, Caique atendeu ao telefonema de um sócio em seu
escritório. Fui até o quarto em que eu dormiria e arrumei minha roupa bem
esticada para amanhã ir trabalhar. Estava olhando o celular deitado na cama
quando ele veio até mim.
— Problemas? — perguntei.
— Não, era só uma dúvida que ele tinha, mas o documento que ele
queria esclarecimento está lá na empresa.
Ele estava tão lindo e relaxado ali falando comigo, que não resisti e fui
até ele. Como vi mais cedo a forma que ele abaixava os braços de sua
cadeira para entrar no carro, abaixei cada um deles, tendo ele me olhando
atento. Depois, me sentei em seu colo, de frente para ele, com uma perna de
cada lado. Um pouco acima das rodas, e fora os braços, sua cadeira tinha
apoios e ali coloquei minhas pernas.
Caique chegou a ofegar com minha atitude.
— Não esperava isso.
— Não resisti. Está tudo bem eu me sentar aqui? Assim?
— Mais que perfeito. — Sorri e o beijei.
Acho que até sonharia com seus beijos. Era uma boca gostosa, macia e
me beijava com tanta vontade, que eu perdia o comando do meu próprio
corpo.
— Eu tenho certeza de que sua boca foi feita para estar na minha —
ele disse.
— Que frase clichê! — Rimos os dois.
— Já viu que sou romântico. Te dei rosas vermelhas.
— Eu amei minhas rosas.
Enquanto o beijava, Caique movimentou a cadeira e andou comigo.
Depois parou e a girou devagar.
— O que está fazendo?
— Dançando com você.
— Sem música? — Ri dele.
— Alexa, minha playlist.
“Photograph” de Ed Sheeran ecoou dentro do quarto. Aliás, pela casa
toda. Caique comandou sua cadeira pela casa comigo em seu colo e olhando
para ele encantado. Quando chegamos na sala, propriamente no centro dela,
ele me beijou e eu me entreguei a tudo que estava sentindo.
Como foi gostoso beijá-lo ao som daquela música. Parecia um sonho.
A forma que ele me abraçava, quase fundindo os nossos corpos, fazia tudo
dentro de mim pedir por ele.
Por isso não resisti quando suas mãos puxaram minha camisa pelos
meus braços. Minha boca era devorada e eu estava duro de novo, doido para
que ele me tocasse. E foi isso que fiz ele fazer.
Peguei em sua mão e a levei até a frente da minha calça, onde Caique
apertou e eu gemi sem controle. Mas o abusadinho foi além e enfiou a mão
dentro da minha roupa e me segurou em suas mãos. Eu era só gemidos em
seu colo, enquanto ele me tocava.
— Você está me provocando ao máximo — falei em seus lábios.
— Ninguém manda ser gostoso. — Caique continuava os movimentos
e antes que eu me gozasse todo, segurei sua mão.
— Eu vou gozar em nós dois assim, seu doido.
— Não vou reclamar. — Perdi o juízo de vez. Era impossível resistir
com ele cheio de fogo daquele jeito, com respostas na ponta da língua e me
tocando.
Abaixei a frente da minha calça, me expondo para ele, e deixei que
fizesse o que quisesse comigo. E Caique abusou disso.
Nos próximos minutos fomos apenas gemidos, beijos, sua mão me
masturbando e eu perdendo o fôlego. Cheguei ao prazer em sua mão,
mordendo seu ombro e tentando controlar meus gemidos que estavam
descontrolados. Virei uma massa de corpo em cima de Caique.
Sentia sua outra mão, a que estava limpa, em minha nuca fazendo um
carinho. Eu chegava a estar suado.
— Você é ainda mais lindo quando goza. — Ele cochichou em meu
ouvido e eu sorri sem forças. — Vou cuidar de você. — Vi que Caique
limpou sua mão na camisa que tirei e nos levou pelo corredor. Era gostoso
estar ali em seu colo. Me sentia cuidado.
Quando percebi, ele nos levava até o seu banheiro. Olhei em volta.
— Vou tomar banho aqui?
— Sim, vou entrar junto com você. Posso?
— Lógico que sim.
Desci do colo de Caique e observei ele jogar a camisa suja no cesto e
tirar a sua também e jogar ali. Assim que ele me olhou, desci minha calça
pelas pernas com a cueca junto e fiquei completamente nu na sua frente.
Não tinha mais o que esconder dele.
Seus olhos percorreram todo o meu corpo e aquele sorriso de lado
estava lá, sedutor, todo pra mim.
— Gostoso. — Sorri. — Entra ali. — Ele apontou para o box. Fui até
lá e subindo a rampa, ainda ouvi seu suspiro.
Liguei o chuveiro, tão forte quanto o outro e me molhei todo. O box
era bem espaçoso. Lá de dentro, observei Caique retirar sua calça e cueca e
jogá-las no mesmo cesto. Como os braços de sua cadeira já estavam
abaixados, ele logo passou para uma outra que havia no canto, que ele
deveria usar para tomar banho.
Após destravar suas rodas, ele entrou no box com facilidade. Logo
estávamos juntos e ele se aproximou. Como o chuveiro era grande e largo,
ele se molhava também.
Não resisti e o beijei debaixo d’água quando me inclinei sobre ele.
Depois me abaixei e passei a mão pelo seu peito molhado e deixei um beijo
bem no centro dele. Com esta cadeira, Caique podia abrir suas pernas e
assim ele fez. Fiquei no meio delas, de joelhos no box.
Depois de mais um beijo em sua boca, desci beijando seu peito e fui
até suas coxas. Deixei um beijo carinhoso em seu membro que estava de
lado em sua perna. Nessa hora olhei para ele e se não foi impressão minha,
ele tinha seu nariz vermelho, como as pessoas branquinhas ficavam quando
prendiam o choro.
Em momento nenhum o deixei constrangido com isso, apenas me
levantei e peguei a esponja e sabonete líquido. Me abaixei de novo e lavei
seu corpo. Ele me olhava atento e diminuiu a força da água.
Lavei tudo, mostrando a ele carinho, nunca com intuito de diminuí-lo
em alguma coisa e ele entendeu.
— Minha vez — foi o que ele disse quando acabei de tirar todo o
sabão do seu corpo.
Me levantei e foi maravilhoso sentir suas mãos em mim. Para que ele
lavasse o meu tronco, me debrucei sobre ele novamente, beijando sua boca,
enquanto ele me lavava. Depois, logo senti sua mão em minhas partes
íntimas e sorri com sua carinha de safado.
— Vira de costas. — Me virei e fechei meus olhos quando senti sua
mão em minha bunda, acariciando, apertando, tirando uma casquinha
gostosa. Mas precisei me apoiar com as duas mãos na parede do box
quando ele me abriu e senti seus dedos perto da minha entrada.
Sem vergonha alguma me expus mais para ele, que soube aproveitar
bem o momento, me rodeando, acariciando e introduzindo um dedo em
mim. Rebolei sem vergonha em sua mão, enquanto ele me penetrava com
carinho, me laceando e me levando a loucura num simples banho.
— Aguenta mais um? — Sua voz estava mais grossa, exalando tesão.
— Aguento. Me dá.
Dois dedos de Caique brincavam dentro de mim agora e eu revirava os
olhos sentindo um prazer absurdo.
— Abre mais as pernas, Nando. — Obedeci a sua ordem.
Escutei barulho na cadeira e por baixo vi Caique juntar suas pernas de
novo e com isso ele pôde se aproximar mais de mim. Gemi alto quando sua
boca me tocou. Coloquei uma mão para trás e segurei sua cabeça,
apertando-o de encontro a mim, enquanto ele me torturava com sua língua e
dedos.
Era uma cena pra lá de sensual. Eu, de pernas abertas, escorado na
parede do box e Caique por trás de mim, me chupando e metendo em mim
seus dedos.
Quando soltei sua cabeça, me masturbei, gemendo no processo.
Caique retirou seus dedos de mim e me devorou com sua boca. E foi nesse
momento que ele me apertou com mais vontade, com o rosto colado em
meu corpo e gemeu sofrido.
Olhei por baixo do meu braço e vi que ele estava duro e um pouco de
esperma havia saído do seu pau. Caique estava tendo prazer comigo e sorri,
deixando-o à vontade para se recuperar.
— Parece que os fogos de Copacabana estouraram dentro de mim —
ele disse sem fôlego.
Me virei e ele foi com a cadeira um pouco para trás. Fui até ele e me
abaixei de novo, abrindo suas pernas para que pudesse entrar no meio delas.
De joelhos, eu o chupei, colhendo com minha língua seu prazer. Caique
amoleceu em minhas mãos, recebendo meus beijos.
Quando olhei para os seus olhos, o senti surpreso e feliz.
— Foi o momento mais maravilhoso da minha vida — ele disse.
— Os meus tem sido desde que te conheci.
Nos beijamos de novo e terminamos nosso banho. Estava nas nuvens,
tudo parecia um sonho e eu não queria acordar.
Capítulo 15

Eu só sabia sorrir desde que saí do banho mais magnífico que já tive.
Me sentia cansado, mas um cansado bom, de homem satisfeito. Minhas
duas mãos acariciavam uma pele gostosa e fresca pelo banho. Fernando
estava com a cabeça em meu peito, com um de seus braços envolvendo
minha cintura e uma de suas pernas jogadas sobre as minhas.
Cheiro seus cabelos e observo seu ressonar tranquilo. Ele se entregou
ao sono assim que deitamos em minha cama. Agora com a playlist
desligada, o apartamento estava em um silêncio gostoso e nós dois
iluminados pelo meu abajur. Quando deitamos aqui já eram 18 horas e
agora deveriam ser por volta das 19.
Eu não consegui dormir. Estava feliz demais com tudo que sentia.
Nosso sexo não teve penetração, mas isso não foi empecilho para nada. Dei
e senti muito prazer apenas com nossos beijos e podendo tocar em seu
corpo.
Fechei meus olhos pensando em tudo que duvidei, mas Fernando em
minutos me mostrou que sim, eu era capaz de dar e receber prazer. Acho
que nunca serei capaz de esquecer a cena dele se sentando em meu colo, na
minha cadeira. Me senti tão foda naquele momento, em poder conduzi-lo,
em poder carregar o homem que estava mexendo com tudo dentro de mim,
mesmo que não fosse com meus braços e em pé. Mas eu o estava
carregando e isso era o que importava.
— Suas mãos passando assim em minhas costas está tão bom — ele
disse baixinho, sonolento e me fez sorrir mais.
— Está gostoso te ter aqui assim, em meus braços, dormindo
descansado após transarmos.
Fernando levantou sua cabeça, apoiando em seguida em meu peito e
me olhou.
— Eu gostei muito de transar com você — ele disse na lata, de forma
crua e sexy.
— Vai querer fazer de novo em algum momento? — Seu sorriso de
lado foi lindo.
— Não tenha dúvidas disso. — Segurei em seu rosto e trouxe seus
lábios até mim.
— Estava aqui pensando. E desde já me desculpe pela comparação,
mas não há como não fazer. Minhas duas relações após meu acidente, não
foram assim. Entre a gente foi tão diferente.
— Por isso que te disse que não foi culpa sua. Que não era porque
você não conseguiu uma ereção que seria o errado. As pessoas que
estiveram com você que não eram para estar com você. Cada um tem um
jeito de agir e pensar.
— A forma como você reagiu aos meus toques, me fez sentir querido,
desejado.
— Porque essa era a verdade. Tudo que sinto é verdadeiro. Eu desejo
você, Caique. — Fernando passou a mão em meu peito e depois em meu
rosto. — Pra mim você é como qualquer outro homem. Aliás, tem só uma
diferença.
— Qual? — Fiquei ansioso por sua resposta.
— Você é o cara mais especial que já conheci. Não que os outros
tenham sido ruins, mas com nenhum eu senti metade do que você tem me
feito sentir. E não digo apenas hoje, onde tivemos mais intimidade. Até
mesmo antes, em nossas conversas. Tudo sempre foi diferente.
— Eu confesso pra você que tinha pegado aversão de me envolver. A
decepção que sofri me machucou. Quebrou minha confiança em um nível
absurdo. E junto com tudo que passei depois, foi um fiasco o conjunto da
minha vida. Mas quando você surgiu com seu sorriso tão bonito, nem
minhas barreiras foram capazes de frear tudo que meu coração começou a
sentir.
— O que tudo isso quer dizer?
— Eu ainda não sei, juro.  Mas está gostoso tudo que estou sentindo.
— Fiz um carinho em seu rosto.
— Também não sei nomear, mas sei que ficar assim — Fernando
cheirou meu peito, me fazendo fechar os olhos. — está sendo bom. —
Olhava para ele encantado agora. — Estou todo esparramado em cima de
você.
— Sinto de leve um peso bom nas pernas. — Fernando sorriu.
— Precisamos pensar no seu jantar.
— E no seu, né?
— Posso fazer um macarrão pra gente. O que acha? Você gosta?
— Hummm, eu gosto sim.
— Eu vi que tem na despensa.
— Ele é todo seu, mas se quiser, podemos pedir algo também. Não
precisa ficar cozinhando.
— Eu gosto, sério.
— Então, tudo bem.
Ficamos mais um pouco de chamego e Fernando se deitou na cama,
comigo por cima dele. Era incrível como a gente se encaixava bem. Me
virei, ficando com meu tronco por cima de seu peito. Ele me beijou todo
entregue e isso era algo que nem em sonhos imaginava mais pra mim.
Jantamos uma macarronada deliciosa que ele fez e tive que implicar
com ele, pois se sujou todo de molho e isso rendeu boas risadas. Ele estava
escovando os dentes e eu estava no closet pegando uma camisa para dormir,
quando meu telefone tocou e estranhei, mas era Saulo.
— Oi, Saulo. Aconteceu algo?
— Não, meu amigo. Só ligando pra saber de você. Dormi a tarde toda
e agora não tenho sono pra dormir. Está tudo bem? Foi bom seu filme com
o Fê?
— Foi maravilhoso. Ele está escovando os dentes para dormir — falei
sem pensar, ainda mais porque não tinha segredos pro Saulo. Mas só aí me
liguei que não tinha comentado de fato o que vinha acontecendo e que hoje
se concretizou.
— Ele está aí ainda? Vai dormir na sua casa? — Fiquei sem saber
como agir, mas tentei ser natural. Precisava conversar com ele.
— Vai sim. Choveu muito, só agora pouco amenizou e ele acabou
ficando aqui. Já jantamos e vamos dormir — falava com Saulo de costas
para a entrada do closet e não vi que Fernando me olhava.
— Ah... — A falta de uma resposta melhor por parte de Saulo me
mostrou que ele ficou confuso e sem entender de fato tudo que estava
acontecendo.
— Amanhã nós conversamos, ok? Preciso falar com você.
— Só me responde uma coisa: você está bem? Feliz?
— Como há muito não me sentia.
— Tudo bem então. Amanhã conversamos. Mande um abraço pro
Fernando. — O corte na intimidade com o nome do Nando não passou
desapercebido por mim.
— Ok. Descansa, senão amanhã vai estar com cara de coruja. — Saulo
riu e disse que eu estava imitando ele, que sempre falava assim comigo se
eu não dormia direito.
Assim que desliguei e me virei, vi Fernando sentado na cama. Não
fiquei sem graça, mas reparei que ele me encarava.
— Era o Saulo. — Levantei o telefone mostrando a ele.
— Ele sabia que eu viria aqui?
— Sim, eu comentei que íamos ver um filme.
— E agora estranhou o fato de eu dormir aqui de novo.
— Sim, mas expliquei da chuva. — Fernando abaixou a cabeça e
apertava a cama nas beiradas onde segurava. — Ei, o que foi? — Me
aproximei dele.
— Saulo é um amigo muito bacana. E te ama de verdade. Será que ele
vai aceitar o que está acontecendo?
— Primeiro, sim, ele é meu melhor amigo. Segundo, eu decido o que é
melhor pra mim. O que eu quero, nem ele e nem ninguém interfere nisso.
Mas, por outro lado, ele gosta muito de você também. Acho que só uma
pessoa nesse planeta que Saulo ia tentar me impedir de ficar a qualquer
custo, mas com toda razão.
— O João Miguel.
— Ele mesmo. Saulo o odeia.
— Você vai amanhã contar pra ele?
— Vou. Não tenho segredos com ele e vai estar muito óbvio, não vou
conseguir disfarçar. E se eu não falar, aí sim ele ficará chateado, tentando
entender por que escondi isso dele. — Peguei na mão de Fernando. —
Olha, não quero que você se sinta pressionado com nada disso. Estamos
ficando como qualquer um ficaria. Estamos curtindo essa coisa gostosa que
surgiu entre nós. Falar pro Saulo não é uma sentença de que você está preso
a mim e que se não der certo, ele vai te odiar, nada disso. Ele é só meu
amigo.
— Não estou me sentindo pressionado. Comigo não tem isso. Sou
bastante sincero com as coisas que quero e sinto.
— Quero que seja mesmo. Quero que me fale tudo, o que está
gostando e o que não está. Somos adultos e o que mais me encantou em
você, foi justamente o fato de não condicionar a forma de me tratar, de se
relacionar comigo, com o fato de eu ser um PcD. Você está me tratando
como trataria qualquer outro homem.
— Não.
— Não?
— Não. Não estou te tratando como trataria qualquer outro homem.
— Como assim? — Fiquei confuso. Fernando estava sério.
— Nada com você é como com qualquer outro homem. É tudo
melhor... é tudo diferente. Nunca senti nada do que estou sentindo, nunca
fui tratado como estou sendo. E confesso que isso está me deixando com
medo. — Sorri com carinho para ele. — Está tudo fora do meu controle,
entende? Sinto como se pudesse chorar por dias se algo te ferir, ou sentir
um ciúme violento a ponto de voar no pescoço de alguém.
— Vem cá. Senta aqui.
Abaixei os braços da minha cadeira e Fernando veio para o meu colo
como mais cedo. Nossa, como eu amava isso!
Uma vez sentado, ele me abraçou apertado e pela primeira vez, desde
que o conheci, o senti vulnerável. Invertemos o papel nessa hora. Ele
sempre tão forte e eu sempre frágil, agora era eu o forte e ele parecia um
menino precisando de carinho.
— Nunca passou pela minha cabeça conhecer alguém como você
nessa vida, Nando. Considero isso um presente.
— Tem coisas sobre mim que você ainda não sabe.
— Mas temos todo o tempo para nos conhecermos, não esquenta com
isso. — Fiz ele olhar para mim. Seus olhos úmidos me cortaram o coração.
— O mais importante você já me mostrou, isso aqui. — Coloquei meu dedo
em seu peito. — Esse coração enorme que você tem. Em menos de um mês
ele já me fez sorrir mais do que já sorri em meus anos de vida.
Principalmente nos últimos oito anos. — Ele deu um sorriso bonito, de
lado.  — Mas me fala, você seria mesmo capaz de voar no pescoço de
alguém por ciúmes de mim? — Seu sorriso se tornou perverso e sexy.
— Não tenha dúvidas disso. Ninguém mexe com o que é meu. — Foi
minha vez de sorrir.
— Sou seu então?
Fernando não me respondeu com palavras, ele me tascou um beijo que
me deixou mole em cima da cadeira.
— Acho que já está respondido — ele disse ao final do beijo e eu mal
raciocinava.
— Muito bem respondido. Vamos nos deitar?
— Vamos.
Foi maravilhosa a sensação de jogar uma coberta sobre mim e
Fernando que estava novamente sobre o meu peito. Dormi em paz e me
sentindo feliz.

Assim que descemos do carro no estacionamento da AGM, senti que


Fernando queria me beijar, mas ele se segurou. Disse que ia para o vestiário
e nos despedimos com um “já nos vemos.”
Me olhei no espelho do elevador e pela primeira vez em anos, usei
mentalmente a palavra bonito para me elogiar. Estava de terno preto e sem
gravata. Fernando disse que gostava assim, que eu ficava sexy com o
colarinho aberto. Meus cabelos penteados para trás, ainda úmidos pelo
banho, davam um charme e deixavam meus olhos bem destacados.
Assim que saí do elevador no meu andar, Flávia que estava já em sua
mesa, me olhou com um sorriso e senti ela me reparando mais que de
costume.
— Bom dia, senhor Caique.
— Bom dia, Flávia. Chegou bem em casa?
— Cheguei sim. Parecia que todos na rua estavam indo embora cedo
também, acho que era o medo do temporal. Mas ela quando desabou, eu já
estava segura.
— Que bom!! A agenda está cheia hoje, não?
— Teremos algumas reuniões em que sua presença será solicitada.
Estou até aguardando o Fernando para liberar a primeira sala.
— Ele está trocando de roupa, logo chegará. — Flávia me olhou de
forma engraçada por eu já ter essa informação e concordou com a cabeça.
— Saulo já chegou?
— Sim, ele passou por aqui, mas foi para sua sala de novo.
— Ok. Ligue para ele e avise que já estou aqui.
— Sim, senhor.
— Alguma novidade sobre minha mãe?
— Não, nenhuma.
— Deve estar curtindo a viagem dela ainda. Sempre que vai em algum
desfile da Beatriz, ela esquece da vida e viaja para outros lugares. E o
encostado do meu irmão?
— Hoje está na empresa. O empresário Adolfo Rodrigues tem uma
reunião com ele para ver os trâmites da sua empresa.
— Ok. Isso ele sabe fazer. — Flávia riu. — E sua cirurgia? Seu primo
foi bem naquele dia em que ficou no seu lugar.
— Ah sim, eu ia falar com o senhor. Fizeram meu agendamento para
primeiro de agosto.
— Ótimo. Avise ao Guilherme para ficar a postos, essa semana ele tem
que vir trazer seus documentos.
— Sim, o avisei sobre isso. Hoje ele ia tirar algumas xerox para vir.
— Certo. Vou para minha sala.
— Senhor Caique, queria que o senhor soubesse que muitos
funcionários elogiaram a sua postura de fechar ontem para que todos
chegassem em segurança em suas casas. Muito obrigada por sua
consideração conosco.
— Não precisa agradecer, Flávia.
Nesse momento, Fernando saiu já devidamente uniformizado do
elevador de serviço, ao mesmo tempo que virei minha cadeira quando ouvi
o som da chegada de alguém.
Aquela delícia de homem havia dormido comigo, em meus braços, na
minha cama e com a cabeça em meu peito, e mesmo assim, vê-lo ali
aqueceu meu corpo por dentro e meu coração disparou.
Nem fazia ideia de como deveria estar a minha cara, mas olhava para
ele encantado. O engraçado de tudo, era que ele me olhava da mesma
forma, como se não visse mais ninguém ao nosso redor, que no caso era a
minha secretária.
Fernando veio empurrando seu carrinho e parou perto de mim.
— Bom dia, senhor Caique.
Era incrível como um pouco de intimidade já nos dava o poder de
reconhecer um timbre de voz diferente. Naquele momento, Fernando usou
um que me dizia que estava louco para se sentar em meu colo de novo e me
beijar.
— Bom dia, Fernando. — Seu sorriso de lado me mostrou que ele
também percebeu minha voz diferente e só depois da minha resposta que
ele se lembrou da Flávia. — Bom dia, Flávia.
Flávia olhava para ele e para mim de volta, até que o respondeu.
— Bom dia, Fê.. — Fernando sorriu e eu podia passar o dia todo ali,
olhando para ele. — Hoje tem que ir primeiro naquela sala de reunião 1.
— Quero o Fernando na minha sala antes, Flávia. — Nando olhou para
mim de olhos arregalados. — Será rapidinho. Quero que ele me ajude em
algo na minha estante. — Desculpa ridícula que usei.
— Claro, senhor Caique.
— Vem, Fernando.
Fui conduzindo a minha cadeira e assim que passei na porta, a segurei
e Fernando entrou com seu carrinho e o deixou no canto. Eu já arriava os
braços da minha cadeira e passei a chave na porta no momento exato em
que ele se virou para mim.
— Vem cá. — o chamei e ele veio sorrindo. O sorriso que eu amava
ver. Meus braços estavam esticados para recebê-lo.
Fernando se sentou de lado, acho que não queria me amassar muito,
mas me agarrou pelo pescoço e logo aquela boca que me levava à loucura
devorava a minha.
Esquecia da vida em seus lábios e só queria ficar grudado nele
recebendo seus carinhos.
— Somos dois loucos — ele disse sem fôlego, ainda com seus lábios
nos meus.
— Não ia conseguir ficar sem um beijo seu aqui.
— Preciso liberar a sala de reunião.
— Precisa nada. — Ele sorriu gostoso.
— Preciso, senhor, meu chefe.
— Deu tesão esse “senhor, meu chefe”
— Safadinho. — Ganhei uma mordida nos lábios. — Vai comandar
sua grande empresa que eu vou trabalhar. Prometo pensar em você o tempo
todo.
— Vai vir me ver?
— Eu logo venho limpar sua sala.
Observei Fernando se levantar, se ajeitar no macacão, pois tinha ficado
animado com nosso beijo e sorri por ver o desejo que ele sentia por mim. 
Quando ele destrancou a porta e a abriu para sair com o carrinho, deu
de cara com Saulo que já ia bater para entrar.
— Bom dia, Fernando. — Saulo foi simpático.
— Bom dia, Saulo. — Meu amigo deu passagem a Fernando e ele foi
para a sala onde aconteceria em breve a reunião.
Ainda o olhava sair, com cara de bobo, quando percebi que meu amigo
nem tinha entrado. Ele me olhava da porta. Pigarreei e pedi que entrasse.
— Entra, vai ficar aí?
— Estava esperando você notar a minha presença. — Revirei os olhos.
— Deixa de charme, lógico que já tinha te visto aí.
— Tenho minhas dúvidas. — Ele entrou falando. — Por instantes me
pareceu que você só enxergava o Fernando na sua frente. — Travei ao
fechar a porta. — O que aconteceu com os braços da sua cadeira?
— Eu os abaixei, só isso.
— Aham.
Depois que fui para a minha mesa, Saulo se sentou na cadeira em
frente e ficou me olhando.
— Você está mais bonito hoje. — Olhei para ele e sorri.
— Obrigado. Apenas tomei banho e coloquei o primeiro terno que vi.
— Não me refiro a sua beleza na aparência. Isso você sempre é. Mas
seu sorriso está diferente, seus olhos. Tem algo que você queira dividir
comigo?
Respirei fundo e fiquei mexendo na caneta que estava na minha mão.
Até que olhei para Saulo. Meu amigo de tantos anos, minha fortaleza, o
cara que mais confiava nesse mundo.
— Eu fiquei com o Fernando ontem. — Saulo me olhou mais atento.
— Vocês se beijaram então? Como foi isso?
— Não sei te dizer ao certo como ou quando passei a enxergá-lo de
outra maneira. Mas de sexta para sábado foi maravilhoso tê-lo em meu
apartamento. Nossas conversas são fluidas, sem desvio de tema, nem nada.
Conversamos sobre tudo. Descobri que é muito fácil sorrir com ele e a
presença dele me faz bem. Estava tão mal nesta semana que passou e na
sexta, depois de me socorrer, ele me trouxe a paz em instantes, apenas por
estar comigo.
Suspiro antes de continuar e falava olhando para caneta em minha
mão, que eu escondia e liberava a ponta.
— No sábado de manhã, eu o olhei dormindo no quarto de hóspedes
apenas de cueca. Sabia que era errado, mas não consegui parar. Fiquei
excitado e até me culpei depois. Quando ele foi embora naquele dia, senti
meu apartamento vazio e desejei que ele voltasse. — Neste momento olhei
para Saulo. — Domingo enviei um buquê de rosas e uma camisa para ele de
presente de aniversário. E ontem, quando ele me pediu que o beijasse, eu
não resisti mais.
— Ele pediu?
— Pediu. Estávamos vendo um filme no sofá e comendo pipoca. Na
verdade, eu comecei um carinho no rosto dele, queria tocá-lo de alguma
forma e ele pediu.
— O que você sentiu?
— Me senti vivo de novo. Ele me beijou com desejo. Eu vi o corpo
dele acordar por mim.
— Meu amigo, claro que acordaria.
— Mas você sabe que eu não acreditava. Tive decepções.
— Três bostas que passaram por sua vida. Um pior que o outro. Eu só
nunca, sinceramente, imaginei com o Fernando.
— Por quê?
— Porque achava que seria amizade mesmo. Eu via desta forma, estou
surpreso.
— Mas teve mais coisa. — Saulo arregalou os olhos.
— Vocês transaram?
— Sim. Depois do momento inicial de beijos e carinhos. Em outro
momento ele se sentou em minha cadeira e tudo só esquentou.
— Vocês estão demais, hein? — Saulo riu. — Me conte mais.
— O que mais você quer saber, seu safado? O resto é intimidade.
— Ah, para. Eu te conto minhas coisas.
— Você é sem filtro.
— Não. Eu só conto pra você.
— Ele é muito gostoso. Gozou apenas com o toque das minhas mãos e
meus beijos.
— Delícia. — O sorriso de Saulo foi safado.  — Fernando é um
homem bonito e faz um belo par com você.  Você conseguiu gozar com ele?
Teve ereção de novo?
— Sim, tive e gozei gostoso — respondi tímido. — Estou me sentindo
tão feliz.
— Só vai com calma, ok? Tem que ter certeza dos sentimentos dele
primeiro.
— Prometemos um ao outro nada de cobranças. Estou curtindo o que
está acontecendo. E pedi a ele que se não quisesse mais, me falasse a
verdade.
— E como você vai ficar se ele te disser isso?
— Irei respeitar e seguir meu caminho. — Fiquei pensativo.
— Você está apaixonado, Caique. Basta olhar para você quando fala
dele. Como ficou vidrado nele quando Fernando saiu daqui.
— Eu só sinto, Saulo. Não tenho como ir contra.
— Não vá, se permita. Mas tenha os dois pés no chão, ok?
— Ele me beija com muita vontade. Fica todo mole em meus braços.
Saulo, ele nem liga para essa cadeira. Acho que ele nem a vê.
— Quem realmente gostar de você, vai estar ao seu lado independente
de qualquer coisa. Vai sentir prazer com seu toque, com seus beijos e você a
mesma coisa.
— Estou até sem concentração para trabalhar.
— Mas você precisa ter. Temos reuniões hoje. E outra coisa: sua
família nessa história. Não deixe que eles interfiram. Sabe que sua mãe já
odeia o Fernando. Quando souber disso, vai ser um inferno.
— Não quero nem saber dela. Deixei de viver muita coisa, mas hoje
sou assumido e me relaciono com quem eu quiser.
— Fico preocupado com ele.
— Ela não fará nada contra ele, não irei permitir.
— Estou com vocês. No que eu puder ajudar, ajudarei. Só vai com
calma. Cutucar a onça com vara curta não é uma boa opção.
— Eu sei. Por enquanto, meu apartamento será nosso refúgio. — Saulo
sorriu.
Fui para as minhas reuniões. Era dia de trabalhar, mesmo que
Fernando povoasse meus pensamentos.
Capítulo 16

Limpei todo setor da Presidência me sentindo nas nuvens. Faxinei


banheiros sorrindo como um idiota e lembrando a todo momento das mãos
de Caique sobre mim. Seu perfume em meu uniforme me trazia saudade,
mesmo ele estando logo ali.
Já tinha ligado para minha mãe e dado sinal de vida. Disse que já
estava no trabalho e senti que ela queria me fazer um interrogatório, mas
falei que em casa conversávamos.
Agora descia para o meu almoço e só sabia suspirar. Estava ferrado,
essa era a verdade. Caique não era só mais um carinha que eu saía, assim
como foi com Ricardo um dia. Não dava mais para continuar tentando me
enganar, estava claro para qualquer um, até minha mãe havia percebido. Eu
estava apaixonado por ele sem sombra de dúvidas.
Não tinha mais como contestar tudo que eu estava sentindo. A
necessidade de tocá-lo a toda hora, a vontade de beijar sua boca e como
meu corpo pedia por ele. Precisei me controlar diversas vezes, meu corpo
acordava só com as lembranças.
Conversei com algumas pessoas enquanto me servia  e depois me
sentei mais afastado, perto da janela que dava pra rua. A chuva havia
parado, estava só nublado. Eu estava quase no final quando Saulo se sentou
na minha frente. Ele e Caique estavam atarefados hoje pela manhã e quase
não vi os dois.
Coloquei um pedaço de carne na boca, já imaginando que ele sabia de
tudo, com certeza.
— Pode falar. Sou todo ouvidos.
— Como sabe que vou falar algo? — A cara dele foi engraçada,
enquanto cortava seu frango.
Saulo era um homem lindo, só um pouco mais alto que eu, sempre
elegante em seus ternos. Seu cabelo era curto, muito bem aparado e num
tom castanho. Só em cima era levemente mais alto, não tão liso quanto o de
Caique. Seus olhos eram de um verde escuro, que até se passavam por
castanhos às vezes.
Tinha dias que ele estava barbeado, mas em outros deixava uma barba
rente ao seu rosto. Ficava charmoso nos dois estilos. Sempre cheiroso, ele
era charmoso com todos, mas tinha um jeito só dele, debochado, com
respostas afiadas. Será que essa característica era de todos os advogados?
Não sabia dizer, mas combinava muito com ele.
— Sei por que você já chegou me olhando. E como estava com o
Caique, ele já deve ter contado a você sobre nós.
— Se ele não tivesse falado, você ia se entregar agora.
— Vocês são muito amigos. Lógico que ele ia falar com você e ele me
disse que ia falar.— Saulo riu e bebeu seu refrigerante.
— Tô surpreso.
— Achou ruim? Tem algo contra?
— Eu? Imagina. Tinha anos que não via meu amigo sorrir tanto. —
Sorri com sua fala e suspirei. — O que eu falei pra ele, digo pra você: vai
com calma, ok? Tanto por ele e seu histórico, quanto por você mesmo. Sabe
que vai enfrentar aquele ser dos infernos, né? — Segurei meu suco na boca,
rindo de Saulo.
— Já pensei nisso também. Fico mais preocupado com ele do que
comigo mesmo. Tenho horror daquela mulher.
— E eu... e olha que conheço há anos. Mas esquece essa bruxa essa
semana. — Saulo bebeu mais do seu refrigerante. — Voltando; fiquei
surpreso, mas feliz. Sério, eu gostei disso.
— Pensei que eu ganharia outro sermão. — Saulo levantou uma
sobrancelha pra mim.
— Já dei meu recado aquele dia e ele continua de pé, mas gosto de
você, Fê.
— Obrigado. Também gosto de você e admiro muito sua amizade pelo
Caique.
— Ele comentou uma coisa comigo, mas até me pediu para não
comentar com você.
— E você vai trair a confiança dele?
— Vou por estar preocupado com você. — Franzi a testa.
— O que é?
— Ele me contou sobre sua mãe. Como está a relação de vocês?
— Graças ao Caique, voltamos as boas. — Dei um sorriso de lado.
— Como assim?
— Não sei exatamente o que ele falou, mas no sábado, quando
amanheci na sua casa, ele acabou atendendo minha mãe no meu telefone
enquanto eu dormia. Seja lá o que ele tenha dito, amansou o coração da fera
e neste dia mesmo tivemos uma conversa sincera, forte e essencial.
— Caique não existe, cara.
— Existo e estou bem aqui preocupado em ver vocês tricotando e meu
nome rolando no meio. — Levei um susto e Saulo explodiu em um
gargalhada gostosa. Ele tinha um timbre alto de voz, e como era bem
grossa, sua risada saía rouca.
— Fomos pegos no flagra, Fê!
— Pois é, nem tivemos tempo de falar mal dele. — Olhei para o meu
CEO lindo e que me olhava curioso.
— Tô preocupado, sério. — Caique resmungou.
— Não fique, meu amigo. Fernando só me atualizava de sua relação
com sua mãe e me disse que você ajudou a selar a paz.
— Quero conhecer dona Kátia. — Cheguei a engolir em seco.
— Uma hora você conhece — respondi um pouco nervoso e quando
olhei para frente, peguei Saulo me olhando fixamente. Ele tinha olhar de
gavião.
Trabalhei muito naquela terça-feira e conforme chegava o final do
expediente, eu já ficava com saudade do Caique, pois hoje iria normalmente
para casa.
— Fê, o senhor Caique está te chamando na sala dele.
— Ok, Flávia. Estou indo.
Estava na copa bebendo um copo de café e fui para a sala do meu
chefe que estava me deixando doido. Assim que entrei, fechei a porta por
segurança e fui até ele que já me esperava no meio da sala.
— Estou puto que hoje quase não parei para te namorar. — Ri de seu
comentário.
— Primeiro, você é muito importante e atarefado. Segundo, ontem
fechou a empresa, normal que hoje fosse assim.
— Vem cá, vem.
— Agora já estou sujo e suado. Você está limpinho.
— Não me importo com nada disso — ele disse e meu coração
disparou.
Abri o zíper do meu macacão que ficava no meu peito e o deixei
arriado em minha cintura, ficando com meu peito de fora. Caique me
comeu com os olhos. Me aproximei dele e o espertinho já tinha abaixado os
braços da cadeira.
— Senta de frente. Amo muito essa posição.
Assim que estava em seu colo, tive minha boca devorada e só aí tive a
real noção do quanto queria isso. Nosso beijo estava carregado de saudade.
Forte, molhado, intenso e até barulhento. Era a afobação, a vontade que
ficou retraída o dia todo.
Fiquei logo excitado e desci mais o zíper do meu macacão. Uma mão
abusada soube se aproveitar disso e sentir sua mão gelada em meu sexo
quente me fez gemer em sua boca.
— Não podemos fazer isso aqui, Caique. Nem sei por que fui abrir
minha roupa. — Revirava os olhos com os movimentos da sua mão em
mim.
— Porque você me quer como eu te quero. Fica de pé aqui do meu
lado. — Minha mente estava tão louca pelo tesão que custei a processar os
comandos dele, mas logo me levantei, quase nu e parei ao seu lado. Caique
me tomou em sua boca.
Mordi meus lábios para não gemer alto e a cena não podia ser mais
perfeita. Ele todo vestido, em sua sala e eu ali, semidespido e meu pau em
sua boca. Caique me chupava com vontade e uma mão minha estava em
seus cabelos e a outra em seu rosto, onde sentia meu sexo dentro de sua
boca.
O macacão já tinha caído aos meus pés e Caique apertava minha bunda
no processo. Nem sei quanto tempo ficamos ali, mas a vontade de gozar
estava forte e precisávamos parar.
— Caique, estou com vontade de gozar. Precisamos parar. — Me
segurando em sua mão, Caique me olhou e aqueles olhos nublados de tanto
tesão me deixaram de pernas bambas.
— Estou aqui para o que você quiser. — Cheguei a respirar pela boca e
Caique me abocanhou de novo, sugando com mais vontade. Não tive mais
forças para evitar nada.
Tive que me apoiar na cadeira conforme me desmanchei. Minhas
pernas ficaram fracas e  Caique não se desgrudava de mim, me sugando, me
tomando inteiro pra ele. Nem uma gota foi desperdiçada.
Precisei me sentar de novo em seu colo e ganhei carinho em seus
braços.
— Você vai me matar assim, sabia? — eu disse esgotado.
— Eu que vou. Esperando ansioso para ter seu gosto de novo em
minha boca. Você está me deixando maluco, Nando.
— Gosto quando você me chama de Nando — falei de olhos fechados
e ainda ganhei um beijo na testa.
Quando enfim tive forças para me levantar, fui me ajeitar e Caique não
tirava os olhos de mim.
— Já está na hora de irmos embora — ele disse meio triste.
— Está. Mas vamos nos falando, certo?
— Com certeza. — Beijei sua boca.
— Meu gosto está em você — falei.
— E vai comigo até minha casa.
— Não vai lavar a boca, seu doido?
— E perder esse mel? Nunca! — Rimos os dois.
— Preciso ir. Minha mãe já deve estar ansiosa.
— Vai contar pra ela?
— Contar eu vou, só não sei se hoje. Quero ir com calma pra gente não
brigar de novo.
— Verdade. Vê o que for melhor pra vocês dois.
Me despedi de Caique e fui para casa. Fui o caminho todo pensando
nele. Quando cheguei em meu bairro encontrei alguns conhecidos e já na
minha rua, dei de cara com Ricardo.
— E aí, gostoso!
— Oi, Ricardo.
— Chegando agora?
— Sim. Trabalhei muito hoje.
— Não esqueci nosso beijo aquele dia no teu portão.
— E que deu uma merda danada.
— Como assim?
— Minha mãe nos viu!
— Cacete, mas como?
— Na janela escondida. Achei que ela estivesse no quarto.
— Putz! Desculpa, Fernando.
— Brigamos feio, mas agora fizemos as pazes. Ela já sabe sobre mim
mesmo, então conversamos.
— Então agora a gente pode curtir de boa, sem problemas. — Ricardo
tocou em meu rosto e eu me afastei do seu toque. — Pô, qual é, Fernando?
Vai fugir de mim agora? Justo agora que podemos aproveitar?
— Estou com uma pessoa. — Ricardo fez cara de surpreso.
— Então a fila andou, né?
— Não faz drama, Ricardo. Você saía comigo e com a torcida do
Flamengo ao mesmo tempo. Nunca te cobrei nada.
— Eu sei. Mas é que sempre gostei mais de tu.
Balancei a cabeça negando e fui sincero.
— Tô apaixonado. Muito apaixonado, pra falar a verdade. — Ricardo
ficou me olhando e por incrível que pareça eu o senti triste.
— Você é maneiro pra caralho, Fernando. Merece ser feliz. Talvez se
eu tivesse agido diferente, a gente agora podia estar curtindo juntos. Mas,
vou fazer o que? Espero que esse mané cuide bem de você.
— Ele cuida. Deixa eu ir, tá? Minha mãe está me esperando.
— Ok.
Não foi surpresa ver minha mãe me olhando de braços cruzados no
portão. Assim que me aproximei dela, sua cara não era das melhores.
— O que aquele sujeito queria com você?
— Me chamar pra sair. — Fui sincero e até ela se surpreendeu. Não ia
ter mais segredos com relação a minha sexualidade com ela.
— E você aceitou? — Sua voz até embargou nessa hora e sendo ainda
mais sincero respondi.
— Não. Falei pra ele que não íamos mais sair, pois estou apaixonado
por outra pessoa. — Minha mãe me olhou com os dois olhos arregalados e
ficou sem saber o que dizer.
Entrei em casa e Ju que brincava na sala, veio me beijar. Depois de dar
atenção a minha irmã, fui à cozinha e bebi água. Senti minha mãe como
uma sombra atrás de mim, mas não falava nada.
Fingi que não a estava vendo só para ver seu comportamento, fui para
o meu quarto e comecei a tirar a roupa para tomar um banho. Depois de
limpo e fresco, estava no quarto de volta e tinha acabado de vestir a
bermuda, quando ela bateu na porta e eu autorizei sua entrada.
Ela entrou, se sentou em minha cama e ficou me olhando enquanto eu
me penteava.
— Seus cachinhos crescem rápido. Sorte que as laterais e atrás é bem
cortado — ela comentou.
— Sim, gosto desse meu corte.
— Você vive mudando.
— Gosto de mudar. Faz bem pra autoestima. — Sorri.
— Você é muito bonito, meu filho.
— Sou como você, mãe. — Ela sorriu.
— Estou te achando com um semblante bom, leve e descontraído.
Feliz.
— E estou. Resolvemos esse problema da nossa casa. Estou em um
trabalho legal...
— E apaixonado. — Sabia que ela queria entrar nesse assunto.
— Sim, mãe. — Fui me sentar ao seu lado. — Tenho consciência de
tudo que você me disse em nossa conversa, mas também tenho consciência,
agora, de tudo que estou realmente sentindo.
— Ficar lá mais uma vez te deu as certezas que precisava?
— Sim. Eu fiquei na casa dele, o beijei e fizemos amor pela primeira
vez. Dormi em seus braços. — Minha mãe engoliu em seco, mas senti que
ela ficou feliz de me ter ali, abrindo o meu coração.
— Se preveniu, meu filho?
— Mãe... — Cocei a cabeça. — Ainda não chegamos nessa parte em
si, mas quando chegar irei me prevenir. — Tentei ser sutil com ela para que
me entendesse e não ficasse constrangida. — Foi muito toque, mãos e
beijos.
— Entendi. Ele é... como você disse?
— PcD. Pessoa com Deficiência.
— Isso. E... foi bom para ele também? Não imagino como ele deve se
sentir sendo assim.
— Bom, o Caique tinha muito medo, essa é a verdade. Os dois caras
que ele se envolveu depois do seu acidente, o trataram como lixo.
— Coitado, meu Deus.
— Mas eu o tratei como o homem que ele é. Não vejo empecilho
nenhum em ele ser cadeirante.
— Tem certeza, meu filho? Cuidado com os sentimentos dele. Se você
não quiser mais, seja muito sincero.
— Ele também me pediu isso, mas mãe, estou apaixonado por ele. Por
tudo nele. Sei que por isso enfrentarei muita coisa, mas vale a pena, sabe?
Cada centímetro do Caique vale a pena. Ele é a pessoa mais maravilhosa
que já conheci. Como homem, amigo, patrão e pessoa. Só quero ser feliz.
— E você vai, meu filho. Só tenha cuidado, por favor. Já tenho medo
dessa mãe dele.
— Ele quer conhecer a senhora.
— A mim? — Minha mãe sorriu.
— Sim.
— Uma hora a gente marca. Preciso até me arrumar nesse dia. Dar um
jeito na casa. — Sorri. — Mas estou feliz de te ver bem. Principalmente de
você ter se aberto comigo. Desculpe mais uma vez o meu comportamento.
— Vamos esquecer. — Meu celular fez barulho no bolso da mochila.
— Deve ser ele.
— Deve. Ainda não mandei mensagem avisando que tinha chegado.
Minha mãe sorriu e saiu do quarto. Peguei meu telefone e era ele
mesmo.
Caique: “Já chegou, meu gato?”
Fernando: “Sim, seu gostoso.” Desculpe não mandar logo
mensagem, mas estava conversando com minha mãe.”
Caique: “Está tudo bem?”
Fernando: “Está tudo maravilhoso.”
Caique: “Fico muito feliz. Também já estou em casa e de banho
tomado. O único problema é que estou querendo você e não está aqui.”
Fernando: “E eu quero você também.”
A noite foi difícil de dormir. Mesmo cansado, eu não parava de pensar
no Caique. Não sabia se ele já estava dormindo, mas enviei uma mensagem.
Fernando: “Saudade da sua boca.”

Acordei cheio de preguiça e vi meu celular piscando ao meu lado.


Quando peguei e vi que era uma mensagem do Fernando, de ontem, tarde
da noite, sorri. Ele pensou em mim antes de dormir.
Era fato, não tinha como evitar. Estava completamente apaixonado por
ele. Sei que devia ter medo disso, mas ele não me deixava ter medo, eu via
nele sinceridade em seus gestos e palavras.
Fui me mexer e senti uma pontada de dor. Não era bom quando
amanhecia assim. Iria tomar meu café e logo depois o meu remédio.

Já estava pronto para o trabalho e já tinha tomado minha medicação,


mas as dores insistiam. Isso me deixava desanimado, elas eram incômodas
demais. Movimentei minha cadeira até o elevador, mas as dores
aumentaram tanto que me deu vontade de chorar.
Liguei imediatamente para o meu fisioterapeuta.
— Oi Caique, bom dia!
— Bom dia, Armando. Estou te ligando porque estou cheio de dor,
mesmo já tendo tomado meu medicamento.
— Fizemos físio no sábado, é normal que sinta algum desconforto.
Estamos fazendo aquele novo exercício, lembra? — Tinha me esquecido
desse detalhe. Muita coisa nova na minha cabeça e no meu coração.
— Tinha esquecido! Fiquei preocupado, pois na segunda me
movimentei um pouco mais.
— Como assim?
— Estive com uma pessoa. Ele se sentou em meu colo no sofá e na
cadeira.
— No sofá suas costas estavam apoiadas pelo menos em almofadas?
— Sim, tinha algumas e bem fofas. Não fiz grande esforço.
— Ok. Isso é importante para te dar segurança. Na cadeira, basta não
ter ido muito para frente com peso.
— Não fui. Ele se sentou de frente pra mim e fiquei com as costas
eretas. Na verdade, ele não me deixou fazer esforço algum.
— Ótimo. Então as dores devem ser mesmo pelo novo exercício. Você
teve ereção nessa relação? — Fiquei um pouco tímido, mas respondi.
— Tive sim, duas vezes na mesma tarde.
— Ejaculou?
— Sim, uma vez.
— Isso também contribui. Não deixa de ser um esforço. Mas é
saudável pra você e tudo só me leva a crer que seja mesmo o exercício. Mas
iremos continuar com ele, mesmo que cause algumas dores iniciais. Só vai
te fazer bem no futuro, ok?
— Tudo que seja bom pra mim eu topo. E Armando?
— Sim.
— Quero voltar pra academia.
— Ótimo, Caique! Mas vou te pedir que volte em setembro, assim
teremos um mês já desse novo exercício.
— Ok, combinado.
— Aconselho a você que fique em casa se puder. Permaneça deitado,
pelo menos hoje. Aliviará bastante.
— Tudo bem — respondi murcho.
Voltei para o meu quarto e tirei toda a minha roupa. Me deitei apenas
de cueca e respirei fundo sentindo alívio. Liguei pro Saulo e pra Flávia e
logo depois pro Fernando.
— Oi!! Que surpresa me ligando! Sempre manda mensagem.
— Oi, meu lindo! Já na empresa?
— Quase na porta dela. Que voz é essa? O que aconteceu, Caique? —
Sua preocupação me fez um carinho naquele momento.
— Não se preocupe. Eu iniciei um novo exercício na fisioterapia no
sábado e ele está me dando algumas dores. Começou hoje. Mas já liguei
para o Armando e ele disse que era normal. Só me pediu para descansar em
casa.
— Tem certeza de que não foi nossas estripulias? Eu no seu colo várias
vezes?
— Não. Eu contei tudo a ele e ele disse que não.
— Tudo bem. Vou morrer de saudade. — Sorri já visualizando sua
expressão falando isso.
— Também vou. Foge e vem ficar aqui.
— Caique, que explicação darei pra isso? Justamente em um dia que
você não vai? Vamos com calma, tá?
— Tudo bem, tem razão. Bom trabalho.
— Descansa, viu? Vou pensar em você.
— Eu também vou pensar em você.

Entrei na empresa preocupado com Caique, mesmo ele tendo me dito


que era por causa de um exercício. Fui para o andar da Presidência checar
se estava tudo bem, falar com Flávia e pegar sua agenda para ver se
tínhamos algum compromisso juntos.
— Pelo que vejo aqui, senhor Saulo, as reuniões eram somente com
ele. Sua agenda segue normal.
— Ok, Flavia. Muito obrigado.
— Meu primo vem trazer os documentos hoje. Minha cirurgia será
agora em agosto. O senhor Caique já está ciente.
— Tudo bem. Mande-o levar na minha sala. Vou receber e enviar pro
RH. Caique já o entrevistou, então está tudo ok.
— Sim. Outra coisa, acabei de selecionar para o senhor Caique, dez
projetos futuros. Tem construção de estádio de futebol, uma escola e até
mesmo outro shopping. Estamos recebendo bastante clientes nesses últimos
dois meses. Nosso fluxo sempre foi bom, mas junho e julho foram
excepcionais.
— Que ótimo, Flávia! Posso já ir dando uma olhada? Já vejo toda
parte burocrática que iremos modificar.
— Vou imprimir e te mando.
— Isso, imprime. Quero destacar coisas importantes para o Caique.
Ele não vem hoje, mas vamos adiantando tudo. Meu compromisso hoje é
por aqui mesmo. Matheus que vai visitar um cliente.
— Ah, ele hoje lembrou que tem que trabalhar? — Amava a Flávia,
ela era das minhas.
— E não é que lembrou? — respondi debochado.
— O senhor que carrega tudo nas costas. Analisando contratos e
fazendo planejamento dos negócios junto com o senhor Caique e o senhor
Aurélio. Vendo as questões dos funcionários. Se bobear, até a dona Branca
trabalha mais que ele. Mesmo que ela fique é dando palpites em tudo sem
realmente entender nada. — Dei uma gargalhada com Flávia. — Desculpe,
mas fico às vezes com pena do senhor Caique e essa família que ele atura.
Só a dona Beatriz é um amor como ele.
— Também tenho, Flávia. Procuro sempre estar perto dele, tentando
protegê-lo.
Fernando chegou no andar com seu carrinho de limpeza nesse
momento e a julgar pelo seu semblante, ele já sabia do Caique. Fui até ele
para nos falarmos com mais privacidade.
— Oi, Fê. Já sabe, né?
— Sei. Será mesmo que é só por causa do exercício?
— Ele garantiu que sim. Caique não tem o costume de mentir com
essas coisas.
— Vou trabalhar preocupado.
— Ele não pediu para você ir até lá?
— Pediu, mas não posso largar o trabalho do nada, Saulo. As pessoas
irão até estranhar.
— Realmente. Bom, vou te deixar fazer suas tarefas, porque tenho as
minhas me esperando. Qualquer coisa estou na minha sala, ok?
— Tá bom. Bom trabalho pra você.
— Igualmente, Fê. — Apertei o ombro do rapaz na minha frente e
dava pena de como ele estava murcho.
Já em minha sala, cuidei de obrigações que estavam pendentes, liguei
para três clientes e conferi oito contratos. Ao final estava com a vista
cansada e fiz uma anotação mental para ir em um oftalmologista. Andava
com muita dor de cabeça e com dificuldade para enxergar. Uns óculos, pelo
menos para leitura, era certo.
Meus olhos pararam em uma foto minha onde eu estava com Caique e
Beatriz em uma viagem há alguns anos. Tínhamos ido a Milão onde Bia
estreava como modelo da Gucci em um desfile importante. 
Me lembro de me divertir, passear com o Caique por ruas lindas e ver
meu amigo feliz. Foi um pouco antes dele sofrer o acidente. Era capaz de
tudo para defendê-lo. O tinha como um irmão, como minha família.
Neste momento me lembro de uma situação que aconteceu ontem e
que me deixou pensativo desde então: a forma como Fernando ficou
nervoso quando Caique mencionou querer conhecer sua mãe.
Tudo que vi de Fernando até hoje, em poucas semanas, foi muito bom.
Um rapaz educado, prestativo, com opiniões próprias e muito carinhoso
com meu amigo. Para minha surpresa, os dois se entenderam mais que uma
simples amizade, mas eu precisava de mais. Depois daquele infeliz do João
Miguel, eu prometi a mim mesmo fazer um verdadeiro pente fino na vida
de quem se aproximasse de Caique.
Não pensei de imediato, pois o que eu via era uma amizade, mas agora
as coisas estavam indo para outro patamar, era chegada a hora. Com esses
pensamentos ligo para o setor do RH.
— Pois não, senhor Saulo.
— Michele, preciso que me dê acesso a toda ficha do Fernando Viana.
A todos os seus documentos.
— Vou liberar agora.
— Obrigado.
Logo chegou um e-mail no meu computador com o acesso e entrei no
sistema. Olhei tudo dele. Currículo, identidade, CPF, certidão de
nascimento...
— Filho de Armindo Viana e Kátia Teles Viana. — Algo ali me
chamou atenção. Eu tive a impressão... — Armindo Viana... eu já vi esse
nome em algum lugar. Só não estou lembrado de onde — falei ali sozinho.
Precisava pensar. Bom, ali tinha os telefones de seus outros empregos
e extraoficialmente eu iria ligar e conhecer mais um pouco do Fê.
Isso era serviço do RH, de verificar os antecedentes dos funcionários, e
com certeza já tinham feito isso, mas queria eu mesmo ouvir e conhecer
mais um pouco do nosso funcionário.
Liguei para as três empresas que tinha o número e só ouvi elogios ao
rapaz. Características que eu mesmo já tinha comprovado. Meu coração se
acalmava um pouco. Na terceira, inclusive, o ex-patrão dele ainda estendeu
o assunto e disse que ficou muito sensibilizado quando deu ao Fernando o
seu primeiro emprego, logo a morte do seu pai. “Ele chorava muito algumas
vezes” Foi o que o homem disse. “Uma morte tão estúpida, bater com o
caminhão...”
Quando o homem ia continuar, meu ramal com a Flávia tocou e
precisei encerrar a conversa com o senhor Tadeu.
Então o pai do Fê era caminhoneiro... fiquei pensando, enquanto
atendia o telefone.
— Oi, Flávia.
— Senhor Saulo, meu primo está aqui. Vou mandá-lo até sua sala e ele
está levando também a pasta com os futuros clientes que selecionei e
imprimi. 
— Ok. Obrigado.
Desliguei o telefone e passei as mãos pelo rosto. Pensei nesse primo da
Flávia. Já tinha o visto rapidamente quando entrei na sala do Caique,
enquanto ele era entrevistado e no dia que substituiu nossa secretária, só o
vi quando cheguei, pois, naquele dia fiz muitas visitas a clientes.
Mas o pouco que vi dele, o achei bonito. Parecia novinho e era bem
mais baixo que eu. Só que eu tinha uma política desde que entrei aqui: não
me envolvia com funcionários, e nem os paquerava. E olha que já passou
foi gente linda por aqui. Teve a Irene com aquelas pernas que me deixavam
babando, mas lógico, não demonstrava e o Sérgio, um rapaz do
almoxarifado que me deixava com vontade de ir toda hora lá pegar resmas e
grampos para grampeadores. Sorrio comigo mesmo.
Eu era um galinha, essa era a verdade. Não parava com ninguém e
tinha aversão da palavra “namoro”. E não, nunca sofri nenhuma decepção
amorosa, eu apenas não me via preso a alguém. Gostava da minha
liberdade. Desde que saí da casa dos meus pais para me virar sozinho,
quando eles me viraram as costas por eu me assumir bissexual, eu taquei o
foda-se. Não queria papinho de amor na minha vida. Gostava muito de
sexo, gostava de ambos os gêneros e estava sempre com alguém em meus
braços.
Nunca iludi ninguém e se via que a pessoa estava se apegando a mim,
cortava logo. Não queria quebrar o coração das pessoas ou usá-lo para me
dar bem. Só queria viver em paz, sentindo prazer e sendo feliz com minha
solitude.
Me perco tanto em pensamentos que me esqueço da pesquisa que fiz
de Fernando e tomo um susto com batidas em minha porta.
— Pode entrar — falei.
Minha porta foi aberta e eu precisei me encostar na cadeira.
— Bom dia, senhor Saulo. Flávia disse que eu poderia vir aqui e ainda
me pediu para entregar isso.
Ele hoje estava vestido com uma calça jeans clara, um blusão branco,
dobrado até os seus cotovelos e seus cabelos lisos, que caíam levemente em
sua testa, estavam jogados de lado.
Podia sentir o perfume que vinha dele. Ele estava perto e me estendia a
pasta que Flávia disse que me mandaria por ele. Assim que recebi de sua
mão, ele deu um sorriso bonito e se sentou na minha frente.
— Obrigado, Guilherme. Esse é o seu nome, certo?
— Sim. Guilherme.
— Muito bem. Você trouxe os seus documentos?
— Sim, todos aqui. — Ele me estendeu um envelope e eu o peguei.
Nossos dedos roçaram um no outro.
— Irei mandar tudo para o RH. Você começa quando?
— A Flávia me disse que já avisou ao senhor Caique que eu já fico
aqui a partir do dia primeiro.
— Ótimo. Vou te dar o encaminhamento para o exame médico, ok?
— Tudo bem.
Preparei o documento e entreguei a Guilherme.
— Isso é tudo, rapaz. Te aguardamos na segunda-feira aqui.
— Estarei sim. No mesmo horário da Flávia.
— Isso. — Ele sorriu novamente e se levantou, indo para a porta.
Antes de sair, ainda olhou para mim novamente, fez um cumprimento de
cabeça e saiu.
Fiquei momentaneamente sem saber o que fazer em minha própria
sala, até que peguei o envelope dos documentos de Guilherme. Senti o
cheiro do seu perfume e cheirei o envelope. Ele estava registrado ali pelas
suas mãos.
— Guilherme Santori, 23 anos. Novinho como pensei. — Sorri.
Cheirei mais uma vez o seu perfume naquele papel e guardei seus
documentos para enviar ao RH.
Capítulo 17

A empresa não era a mesma coisa sem ele. Tudo estava chato e até o
meu serviço estava cansativo e irritante hoje. Depois da hora do almoço,
após regar as plantas do andar, estava ajudando a Soraia a guardar as louças
que ela tirou o dia para lustrar e deixar a postos para uma reunião
importante que teria na próxima semana, quando Saulo entrou na copa.
— Fernando, tenho um documento importante para o Caique e preciso
que você vá levar até ele, por favor.
— Ca-claro. — Fui pego de surpresa e até gaguejei. Saulo estava
realmente sério e estranhei.
— Me acompanhe, por favor. — Olhei para Soraia e ela me deu tchau.
Saulo parou na mesa da Flávia e também falou com ela.
— Flávia, o Fernando vai ser dispensado agora. Preciso enviar um
documento urgente para o Caique e ele vai levar o documento pra mim. De
lá poderá ir para sua casa.
— Posso pedir ao office boy que leve bem rápido, se preferir, senhor
Saulo. Ou escanear por e-mail.
— Não. Quero que seja o Fernando e Caique prefere assim também.
Ele quer o documento original e não escaneado. Ele não está podendo se
levantar e o Murilo teria que entrar e ele nunca fez isso. Ele prefere o
Fernando que já esteve em sua casa.
— Tudo bem então, sem problemas. Pode ir, Fernando. Até amanhã.
— Até amanhã, Flávia — respondi meio tenso. A frase “ele não está
podendo se levantar” estava ecoando na minha cabeça.
— Fernando, esse é o envelope. É algo muito importante, ok? — A
seriedade de Saulo estava me matando e eu estava sem graça de perguntar
mais pelo Caique já que ele não me dava abertura.
— Ok.
— Assim que estiver pronto, avise na recepção da entrada que a Lúcia
irá chamar um táxi pra você.
— Sim.
Saulo foi embora me deixando até com dor de cabeça. Fui rápido ao
vestiário, troquei de roupa e nem tomei banho. Na recepção, falei com a
mulher mais linda que já tinha visto na vida. Lúcia era negra, com lindas
tranças de tom caramelo e um amor de pessoa. Parecia uma modelo. Ela
sempre foi muito simpática comigo.
Assim que meu táxi chegou, entrei nele com o coração a mil e fui para
casa de Caique. Meu celular vibrou no bolso da calça e quando olhei, era
uma mensagem de Saulo.
Saulo AGM: “ Abre o envelope que está com você.”
Franzi a testa e fui abrir o documento tão importante. Era um e-mail
impresso do Caique para o Saulo.
------------------------------------------------------------
De: caiquemontenegro@agmconstrutora.com.br
Para: saulorodrigues@agmconstrutora.com.br
Assunto: Me salve

Caro amigo,
Você pode, por gentileza, liberar o Nando? Estou precisando
urgentemente da boca dele. A saudade já está me deixando irritado.
Já chega essa cama chata onde me encontro deitado.
Atenciosamente,
Caique, um CEO desesperado.
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Eu não acreditava no que estava lendo. Saulo me deu um susto da


porra e tudo era uma encenação dos dois? Quero ficar com raiva, mas o
sorriso também insiste em sair.

Fernando: “ Isso não se faz! A cara que você chegou me deixou


assustado pra caralho. Vou matar o Caique e você depois.”
Saulo AGM: “ kkkkkkkk desculpe, mas como ele começou a
brincadeira, me mandando um e-mail assim, entrei no clima. Kkkkk
DESCULPA! Vou te mostrar a foto do e-mail que enviei de resposta.”
 
---------------------------------------------------------
 
De: saulorodrigues@agmconstrutora.com.br
Para:  caiquemontenegro@agmconstrutora.com.br
Assunto: CEO dramático

Caro chefinho,
Como sou um funcionário exemplar, atenderei a sua solicitação.
Mandarei seu funcionário levar um documento muito importante até
sua casa e em instantes ele chegará.

Atenciosamente,
Saulo, o advogado pervertido.
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Não consegui segurar o riso e cheguei ao condomínio de Caique com


lágrimas nos olhos de tanto rir. Minha entrada já estava totalmente liberada
e fui até à razão da minha saudade.
Assim que a porta do elevador se abriu e vi sua sala, a saudade
aumentou. Larguei minha mochila no chão mesmo e corri até seu quarto.
Assim que cheguei na porta, o vi deitado e ele me olhou sorrindo.
Entrei sério e seu sorriso foi morrendo em seu rosto.
— Oi — ele disse com cautela.
— Oi.
— Está chateado comigo? — ele perguntou e eu me segurei para não
pular em cima dele. Cruzei os braços.
— Isso é jeito de me chamar aqui? Levei um susto do caramba com a
cara séria do Saulo. Em hora nenhuma ele me disse que era disfarce.
— Desculpa. Ele é maluco. Não sei o que ele fez, mas já digo que não
foi combinado comigo. — Amoleci nessa hora. Belo trote que eu queria
passar nele também.
— Neste momento, eu só queria ter a cara sem-vergonha do Saulo para
fingir alguma coisa — disse, me aproximando de sua cama e me sentei. Ele
ainda me olhava. — Mas não consigo mais disfarçar a felicidade que estou
sentindo por estar aqui. — O sorriso mais lindo se abriu.
— Desculpa o meu amigo doido, mas eu precisava muito te ver.
Me debrucei sobre ele e beijei sua boca com vontade. A saudade me
corroeu o dia todo.
— Como eu estava precisando desse beijo — ele disse e me beijou de
novo.
— Se eu estiver fedendo, a culpa é do Saulo também que me deixou
tão nervoso, que nem tomei banho.
— Nando, até cheiro de produto de limpeza fica gostoso em você.
— Nem vem, Caique.
— Tô falando sério. Mas em todo caso, você pode tirar toda a sua
roupa e eu tomo banho com você.
— Você está de cama e pensando sacanagem?
— Eu olho pra você e penso em tudo. Além do mais, já passaram as
dores, estava só esperando você chegar.
— Passou mesmo? — Fiz um carinho em seu rosto e ele beijou minha
mão.
— Passou. É do exercício mesmo. Eu nem me lembrava dele.
— Por que será?
— Por que um certo alguém entrou na minha vida com tudo? — Sorri.
— Vou tomar um banho então. Pode ser no seu banheiro?
— Deve.
Me levantei da cama e andei como se fosse tirar a roupa dentro do
banheiro, mas na verdade parei e olhei para ele de forma provocante. Tirei
minha camisa devagar e larguei no chão cheio de charme. Depois fui
abrindo o botão da minha calça sem tirar os olhos dele.
— Alexa, toque Body Say da Demi Lovato — ele disse e eu morri de
vergonha.
— Ei!! Música vai me deixar tímido, Caique.
— Vai nada. Continua, por favor.
— Demi Lovato, hein? Não sabia que gostava dela.
— Gosto de tudo um pouco. Internacional e nacional.
— Gostei de você dizendo o nome da música. Foi tão sexy. — Eu
abria meu zíper.
— You're delicious ( você é uma delícia ) — Caique falou em inglês e
eu sorri. Deixei minha calça descer pelas pernas. — You look so sexy in
this underware ( Você está tão sexy nessa cueca)
— Está me dando tesão você falando em outra língua. Não entendi
nada, mas sei que é bom. — Ele sorriu e eu amava quando isso acontecia.
— Je suis plus amoureux de toi à chaque instant. (Estou a cada
momento mais apaixonado por você).
— Eu não sei o que você acabou de dizer, mas juro, isso me deixou
duro. — Sua risada foi deliciosa e me deixou mais apaixonado. Ela só
terminou quando tirei minha cueca e ele viu realmente como eu estava. —
Você fala quantas línguas?
— O quê?
— Quantas línguas você fala?
— Desculpa, mas nem me lembro agora. Só consigo pensar no que a
minha língua quer fazer em você. — Sorri de lado e me masturbei na frente
dele.
Isso mexia muito com o Caique. Claro que mexia com qualquer
homem que visse quem ele desejava na sua frente se masturbando, fosse
homem ou mulher. Mas eu notava a respiração dele mudando, sua
expressão.
Ele havia me dito sobre seus médicos dizerem que outros sentidos
ficariam aguçados por causa da sua deficiência e Caique me mostrava isso.
Ele mesmo nem se dava conta. Estava envolvido demais.
Olhei para o que minha mão fazia em mim mesmo e com a outra, colhi
minha excitação que já brilhava na cabeça do meu sexo. Depois olhei para
ele e levei meu dedo na boca. Caique lambeu seus lábios. 
— Me dá, Nando. — Caique praticamente gemeu as palavras.
Me aproximei dele decidido a excitá-lo ao máximo. Quando ele veio
me tocar, fiz que não e ele franziu a testa.
— Fica com as mãos atrás da sua cabeça.
— Mas...
— Agora. — Ele engoliu em seco e fez o que eu pedi.
Subi sobre o seu corpo e com uma perna de cada lado, cheguei meu
sexo até seus lábios e fiz um carinho. Caique logo colocou sua língua para
fora e provou o que ele tanto queria e que saia em abundância de mim.
Seus olhos azuis estavam vidrados em mim, absorvendo todas as
minhas expressões e todos os meus sons. Caique sempre absorvia tudo de
mim como se fosse o seu ar para viver.
— Me chupa inteiro agora. — Ordenei e mergulhei em sua boca,
movendo meu corpo devagar em um entra e sai delicioso.
Senti suas mãos me tocarem na cintura e uma das minhas mãos
segurou sua cabeça com carinho para ele ter apoio. Caique gemia me
devorando.
Olhei para trás e vi que ele estava bem “acordadinho” e sorri. Saí de
sua boca devagar, sob seus protestos e desci pelo seu corpo. Foi nessa hora
que ele viu o quanto estava excitado e sorriu.
Tirei sua cueca devagar e voltei pelo caminho beijando seu corpo
inteiro. Segurei com carinho seu pau e o lambi com os olhos grudados em
Caique. Ele chegou a suspirar. Sabia que era disso que ele precisava:
carinho, desejo e atenção.
Depois de provocá-lo bastante, me virei ao contrário e fizemos um 69.
Caique gemeu antes de me receber em sua boca e me torturou com aquela
língua atrevida e sedenta. Esqueci da vida naquela posição e revirava meus
olhos com seus dedos me invadindo sem dó. Estava quase lá.
— Nando, senta em mim. — A princípio não entendi, achei que era em
seu rosto, mas ele completou. — No meu pau, meu lindo. Quero que você
me sinta.
Meu coração disparou e meus olhos se encheram de lágrimas. Mas
tudo por pura felicidade. Não por mim e sim por ele. Caique me veria
conectado ao seu corpo e eu sabia o quanto isso era importante para ele.
Só que eu pensei na camisinha. Não tinha nenhuma ali, só lá na sala
em minha carteira. Mas eu não queria sair daquela cama.
— Não temos camisinha aqui. Eu sei que você é limpinho, mas não
está acostumado comigo. Eu sei que sou, mas ...
— Eu confio em você, Nando. Mas quero que fique tranquilo e saiba
que não foram todos que tiveram essa confiança, ela está sendo apenas
direcionada a você. — Sorri e fui em direção ao seu sexo.
Cuspi em minha própria mão e o lubrifiquei bastante. Ia ser algo
íntimo, carnal e muito esperado por ele.
— Vira de frente pra mim, quero ver seu rosto enquanto entro em seu
corpo.
Me virei ainda o masturbando e me posicionei sobre ele. Fui devagar,
estava preparado por ele mesmo, mas Caique era grande. Conforme senti
que nos conectamos, fui descendo devagar e nessa hora olhei em seus
olhos. Eles brilhavam.
Fiquei exposto pra ele de um modo que eu sabia que ele estava tendo
uma ótima visão. Uma vez com ele dentro de mim, passei a me movimentar
e quiquei em seu colo algumas vezes. Caique chegou a morder os lábios,
hipnotizado com a cena.
Movimentei meu corpo pra que ele acertasse bem fundo dentro de mim
e gemi alto. Isso o incendiou e ele chegou a passar as mãos nos cabelos,
louco para me tocar. Chegou a ficar com o tronco apoiado nos cotovelos
para se sentir ainda mais perto de mim.
— Você é tão lindo — ele disse e sua voz estava completamente rouca.
— Sabe o que eu disse em francês pra você? — Balancei a cabeça negando,
não tinha nem voz naquele momento.  — Que a cada momento eu me
apaixono mais por você.
Sorri e ele me acompanhou, mas vi seu sorriso morrer quando ele viu
que perdia a ereção.
— Ah, não — ele disse nervoso.
— Calma. Não acabou, meu amor — falei e Caique encarou meus
olhos com os seus levemente arregalados.
Realmente não tinha mais ereção, mas eu estava quase me
desmanchando, precisava apenas de um toque. Fui para perto dele e ele
logo veio me penetrar com sua mão, como se sentisse que eu só precisava
disso. Nossa conexão era absurda.
Assim que o senti, meu prazer transbordou em seu peito, espirrando
até em seu rosto e isso arrancou um sorriso dele. Mas Caique deitou a
cabeça e apertou os olhos com força, mordendo seus lábios.
— Está tudo bem? Eu te machuquei?
— Não, eu sinto uma queimação quando meu prazer vem, mesmo que
eu não ejacule assim como você.
Coloquei a mão em seu peito e seu coração estava disparado como o
meu e foi minha vez de absorver cada expressão sua. Seu olhar se tornou
suave e ele sorriu cansado.
— Você teve prazer comigo? — perguntei.
— Muito, mesmo tendo perdido a minha ereção. Desculpa.
— Ei, está me pedindo desculpas por quê?
— Queria ter te dado prazer conectado a você.
— Mas você me deu. Por que acha que eu logo gozei? Estava quase lá.
Foi delicioso te sentir. Mas posso dizer uma coisa?
— Claro.
— Eu amo essa conexão que a gente tem. Eu apenas vim a sua procura
e você sabia que precisava colocar seus dedos em mim. Nem tinha dito
nada. Acho isso muito foda. Mais gostoso que um sexo com penetração. —
Caique sorriu tão bonito que não resisti mais. — Eu também me apaixono a
cada dia mais por você.
— Repete isso?
— Foi isso mesmo que você ouviu, meu CEO. Estou completamente
apaixonado por você.
— Namora comigo? — ele pediu e eu sorri.
— Se você não me pedisse, eu ia me sentar em seu colo e pedir no seu
ouvido. — Seu sorriso era deslumbrante.
— Mas assim, sabe, eu só acho que você pode fingir que eu não disse
nada e fazer isso aí. — Ri alto.
— Eu faço tudo que você quiser.
Beijei sua boca com vontade e logo senti que meu amor não estava
mais pensando na sua perda de ereção. Isso realmente não me importava.
Nós dois éramos mais do que isso.
Há muito tempo fiz essa mesma pergunta pra outra pessoa e recebi um
olhar surpreso e nada empolgado. Na época eu não sabia da verdade por
trás e quando eu soube, foi a maior decepção da minha vida.
Mas hoje, a mesma pergunta retornou a minha boca e além de ter a
melhor das respostas, fui contemplado com um olhar doce e um sorriso que
estava se tornando tudo na minha vida.
Olhei para Fernando largado em cima de mim. Nu, satisfeito e todo
meu. Sorri, mesmo ainda lamentando ter perdido minha ereção na melhor
parte. Meu medo era que ele pensasse que eu não estava gostando de algo,
mas ele, mais do que eu mesmo, sabia que não se tratava disso..
Não sei descrever o que senti vendo-o se entregando a mim, gemendo
alto e me tendo dentro de seu corpo. Nem em meus melhores sonhos eu tive
uma visão tão perfeita.
Fernando era diferente de todos. Era a pessoa mais deliciosa e incrível
que já passou pela minha vida e eu estava ficando maluco por cada
centímetro dele.
— Você me deixou dormir — ele resmungou com o rosto na curva do
meu pescoço.
— Você ficou cansado, meu lindo. O que que tem descansar? Amo
quando dorme enroscado em mim.
— Adoro dormir assim, por cima de você. Você é tão cheiroso. — Ri
de seu comentário e fiz um carinho em sua bochecha.
— Não queria que você fosse embora, mas acho que abusaremos da
boa vontade de sua mãe, não é? — Fernando me olhou.
— Já sou bem grandinho, mas a respeito muito e tem pouco tempo que
fizemos as pazes. Ela está me aceitando e quero ir com calma.
— Tudo bem. — Beijei sua testa.
— Mas, eu indo pra casa normalmente durante a semana... —
Fernando traçava um círculo em meu peito e sorriu quando olhou para mim
novamente. — Posso descolar com ela de dormir com você de sexta para
sábado e de sábado para domingo. Mas domingo tenho que ir para casa.
Dois dias dormindo com ele. Dois dias sentindo seu cheiro e o calor do
seu corpo. Não poderia ser mais feliz.
— Já chegou a sexta-feira?
— Apressadinho.
— Vamos tomar um banho?
— Vamos.
Fernando se levantou e eu o observei até ele sumir dentro do banheiro.
Só aí fui para minha cadeira. Graças a Deus realmente a dor havia passado.
Quando tinha me levantado para almoçar à tarde, já me sentia bem melhor,
mas fiquei receoso por nossa estripulia.
Cheguei no banheiro e ele estava debaixo do chuveiro. Passei para
minha outra cadeira e fui até ele.
— Você está todo sujo no peito. Deve estar todo se colando.
— Não ligo. Veio de você.
— Também não, estava até deitado sobre você. — Nós rimos.
Fernando me deixou dar banho nele e ele novamente fez o mesmo
comigo. Gostava da forma que suas mãos me tocavam. Elas percorriam
todos os lugares sem distinção. A verdade era que Fernando me tratava sem
“não me toques” e até mesmo nas vezes em que se preocupou se me
machucou, eu percebi carinho e cuidado e não como se fosse uma pergunta
por me achar frágil em algum aspecto. Fernando me via, me tratava por
igual. Tinha cuidados sem me inferiorizar.
Estava agora em minha cadeira normal e secava meus cabelos com a
toalha quando ele se aproximou completamente nu e se aproveitando que os
braços da cadeira estavam abaixados, ele se sentou em meu colo e me
abraçou.
O apertei de encontro a mim e sorri com o que disse em meu ouvido.
— Namora comigo?
— Eu vou adorar ser seu namorado. — Fernando me olhou e deixou
um beijo carinhoso em meus lábios. — Sabe o que eu queria?
— O quê?
— Fazer coisas normais com você.
— Como assim?
— Ir no cinema, passear na rua, ir à sua casa. Viver tudo que nunca
vivi na minha vida.
— Mas você sabe no que isso implica, certo? Você é conhecido.
Fazendo isso vai me assumir publicamente.
— Isso incomoda você?
— Nem um pouco, mas me preocupo com você. Sua família...
— Pouco me importo. A única pessoa da minha família que me
importa é minha irmã e sei que ela vai te adorar. O resto dispenso. —
Fernando me olhou com um olhar triste.
— Não entendo como sua mãe pode ser daquela forma.
— Também nunca entendi, mas é assim desde que me entendo por
gente. Me lembro das poucas vezes que estive em seu colo, que ela brincou
comigo. Fazia mais isso na presença do meu pai. Mas quando ele estava
distante, era como se ela nem me visse. Fiquei muito com babás e elas que
me deram amor. Quando na verdade esse era o papel dela.
— E seu pai? Como era com ele? — Meu sorriso se abriu.
— Meu pai foi tudo pra mim. Se preocupava, brincava comigo e
sempre estava segurando minha mão. Mesmo em jantares importantes que
frequentávamos. Se orgulhava em me mostrar aos amigos e conforme fui
crescendo, me passou todos os seus ensinamentos. — Fernando sorriu,
enquanto fazia carinho em meus cabelos molhados.
— Nunca teve vontade de se abrir com ele? De contar sua orientação?
— Tive. Inúmeras vezes. Mas o amava tanto, que isso me trouxe
medo. Se eu perdesse o seu amor, nem sei o que seria de mim.
— Por que acha que perderia?
— Não sei. Meu pai foi minha família, o amor da minha vida. Meu
espelho. Me senti rejeitado a vida inteira pela mulher que me trouxe ao
mundo e meu pai e o seu amor por mim, curavam de certa forma essa
ferida.
— E com seus outros irmãos? Beatriz é a do meio?
— Sim, ela é. Meu pai sempre nos tratou por igual. Mas ele era um
homem muito inteligente e assim que Matheus começou a crescer e virar
um adolescente, ele viu que ele se parecia muito com minha mãe em
comportamento. Então ele tentava ser mais rígido com quem dava mais
trabalho. Só que ele puxava a orelha e minha mãe passava a mão na
cabeça. 
— Como ela se comportou quando ganhou seus dois irmãos?
— Como a mãe do ano! — Fernando arregalou os olhos e depois
fechou a expressão.
— Como é?
— Isso mesmo que você ouviu. Nenhum dos meus dois irmãos jamais
sentiu ou teve que ouvir as mesmas atrocidades que eu. Para nenhum deles
foi dito nem sequer uma vez que ela se arrependeu de pôr no mundo.
— Ela é uma filha da puta! — Fernando explodiu e até se levantou do
meu colo. Senti frio e me cobri com a toalha. — Como uma mulher pode
dizer isso para o seu próprio filho? Que ela gerou? Que ela pôs no mundo?
Isso é inadmissível!
— Isso porque nem te contei tudo que ouvi quando ainda estava em
cima de uma cama e usando fraldas. — Minha voz embargou e fui para o
meu quarto, indo direto para o closet pegar uma roupa.
Senti o momento em que Fernando parou na entrada dele e o olhei
através do espelho. Ele estava com uma toalha enrolada na cintura e uma
expressão nada boa em seu rosto. Ela me passava raiva.
Vesti minha cueca e short em silêncio.
— Eu juro pra você. Se sua mãe me maltratar naquela empresa ou a
você na minha frente, eu não vou ser capaz de medir meus atos. Não usarei
de violência, mas ela vai me ouvir a mandando para os quintos dos infernos.
— Me virei em direção a ele. — Não vou ter o mínimo de respeito por uma
pessoa assim. Foda-se se ela é a dona dali também. Me mande embora, mas
calado eu não vou ficar.
— Dali você não sai. Eu sou a porra do presidente e quem decide sou
eu — falei com raiva da minha própria mãe. — Vem cá.
Fernando veio até mim e se sentou de lado em meu colo.
— Desfaz essa expressão. Não quero você absorvendo os meus
problemas.
— Você aguentou tudo por tempo demais sozinho. Não estou aqui
apenas para te dar carinho e transar gostoso. — Arqueei minha sobrancelha
e segurei o riso. Ele ficava ainda mais lindo com raiva. — Estou aqui para
dividir tudo com você e te defender se for preciso. — Segurei em seu
queixo e capturei seus lábios.
— Estava precisando de um herói, sabia?
— Ele chegou.
Beijei sua boca e Fernando ficou todo molinho em meus braços. Uma
de minhas mãos desatou o nó de sua toalha e o toquei intimamente.
— Você é tão safado, meu CEO.
— Eu amo ser safado com você. — Ele sorriu e eu tive a certeza de
que também faria tudo por ele.
Depois de nos beijarmos muito no closet, com direito a uma
masturbação deliciosa que fiz nele e que o fez gemer em meu colo, fomos
lanchar juntos.
— Me fala da sua família também — pedi e Nando parou de cortar seu
pão e me olhou.
— O que você quer saber? Pode perguntar.
— Como era o seu pai? Sua relação com ele? — Fernando ficou me
encarando um tempão até que respondeu.
— Era como o seu foi pra você um dia. — Sorri. — Meu pai era o meu
herói, o homem em que eu me espelhava. Ela jamais deixou faltar nada pra
gente. Tratava a mim e a minha mãe com muito respeito e amor. Ela era a
rainha dele. Eles ficaram juntos desde que ela tinha 15 anos e ele 17.
— Poxa, que bonito.
— Por isso ela quase enlouqueceu quando o perdemos. Eu quase
enlouqueci também. — Fernando ficou com um olhar perdido e triste. —
Mas tenho as melhores lembranças dele, do pai maravilhoso que ele foi pra
mim.
— Como o seu pai morreu? — perguntei e Fernando ficou um bom
tempo de cabeça baixa sem me responder, até que falou.
— Acidente no trabalho dele. — Percebi que isso o machucava e não
insisti em mais detalhes.
— O meu teve um tumor cerebral. — Fernando me olhou triste e
segurou minha mão.
— Sinto muito.
— Você acha que ele te apoiaria sobre sua orientação? — Tentei
suavizar a conversa.
— Algo me diz que sim. Ele sempre me compreendeu muito, até mais
que minha mãe. Mas ambos fizeram um ótimo trabalho juntos como pais.
— Fizeram mesmo. — Meu lindo deu um sorriso de lado. — E seu
padrasto?
— Quando ele chegou em nossas vidas não foi ruim. Me tratava bem e
fez muito bem a minha mãe. Parecia que daria certo. Ele não estava ali para
substituir meu pai, essas foram as palavras da minha mãe quando me contou
sobre ele. Mas estávamos sozinhos e precisávamos de ajuda, de alguém que
cuidasse de nós. Eu começava a trabalhar, mas ainda assim era pouco. Aí
ele chegou e trouxe carinho e conforto pra gente. Depois a Juliana nasceu e
parecia que pela primeira vez a tristeza dava uma trégua na nossa vida.
— Mas isso não prosseguiu... — Fernando observava minha expressão
de pesar e a dele não estava diferente.
— Não. Ele acabou trocando minha mãe por uma mulher mais nova e
nos deixou. Ele também começou com vício em bebidas e dei graças a Deus
dele se afastar da gente e da Ju, principalmente.
— Como dona Kátia ficou?
— Ela já tinha passado pela maior tristeza da sua vida. E naquele
momento, tinha dois amores para dar forças a ela: a Ju e eu. Ela levantou
sua cabeça e cuidou dos filhos.
— Ele nunca ajudou vocês em nada?
— Não. Com isso minha mãe não permitiu mais que ele visse a Ju e
ele pouco se importou. Viramos apenas nós três.
— Caramba. Onde mora esse sujeito? Perto de vocês?
— Não. Em Anchieta. Bom, isso eu soube há um tempo. Não sei se
continua lá. Pra falar a verdade, pode parecer cruel, mas nem sei se ele
sobreviveu à pandemia. Nunca mais soubemos dele.
— Nem tem que saber mesmo. Ele não ligou pra vocês.
— Exato. — Fernando fazia a faca rodar na mesa com um semblante
pensativo.
— Então nem existe uma pensão para sua mãe de nenhum dos dois.
— Não. Meu pai sempre foi autônomo, tinha pouco estudo. Não
deixou nada. E o Roberto era um fodido que só sabia se virar bem, mas
nada de concreto.
— Sinto muito por tudo que vocês passaram. — Fernando me olhou e
segurou em minha mão.
— Passamos e sobrevivemos. Estamos bem hoje e tenho um ótimo
trabalho graças a você. Não está me faltando mais nada e minha casa está
segura. — Apertei suas mãos e dei um beijo em cada uma delas. — Queria
te contar uma coisa. Queria...
O interfone do apartamento começou a tocar e tive que pedir licença
ao Fernando para atender.
— Pronto.
— Sou eu, Caique.
— Saulo? Mas você nem usa o interfone. A portaria deve ter
estranhado.
— Ah, sabe como é. Agora tem o Fê. Ele ainda está aí?
— Tá sim, mas pode subir. Estamos lanchando.
— Ok.
Voltei para perto de Fernando e ele agora mordia seu pão.
— É o Saulo. Ele está subindo.
— Ah, sim.
— Ainda brinquei com ele porque o safado nem usa o interfone, já
sobe direto. Mas aí ele disse que agora tem você. — Fernando sorriu.
— Ele é um espertinho, isso sim. Ele me mostrou os e-mails que vocês
trocaram antes de eu vir pra cá.
— Saulo é terrível. Depois a gente continua a nossa conversa, tá?
— Tudo bem. — Nando piscou pra mim.
— Tô entrando, hein? Não quero ver ninguém pelado! — Saulo disse
assim que as portas do elevador se abriram.
— Tô com as mãos ocupadas! — Fernando respondeu e eu dei uma
gargalhada.
— Ah, fala sério! Vocês dois são gatos, mas eu tô sozinho, sem
ninguém pra me dar uma mãozinha. — Saulo entrou e já olhou pra cozinha
com seu sorriso tão característico. — Hum, quero ficar com as mãos
ocupadas assim. Estou com fome.
— Pega aí, acabei comprando um pouco a mais — falei e logo Saulo
tirou o blazer para comer conosco.
— Deixa eu lavar as mãos, vim da rua e mexi com dinheiro. — Meu
amigo foi para o banheiro.
— Logo tenho que ir. Saulo já até saiu da empresa. Seria meu horário
de ir para casa — Fernando disse e eu fiz cara de triste para mexer com ele.
— Mas não se esqueça do nosso final de semana. — Ele piscou pra mim.
— Ainda sou seu amigo, Fê? — Saulo perguntou assim que voltou e já
foi se servindo do pão.
— Estou pensando no seu caso ainda, espertinho. Me deu um susto do
caralho.
— Desculpa, mas me empolguei. Vocês são realmente fofos. — Olhei
para a cara do meu amigo revirando os olhos, mas rindo.
— Foi tudo bem na empresa? — perguntei a Saulo.
— Foi. Tudo nos conformes, chefe! Na sua mesa estão documentos de
dez contratos futuros. Coisa boa vindo aí.
— Ótimo!
— Sinalizei neles algumas coisas importantes pra você checar depois.
E, ah, hoje atendi o primo da Flávia, o Guilherme. Ele foi lá levar os
documentos para começar segunda.
— Ah, sim. Flávia já acertou tudo comigo. Ele é um bom rapaz.
— Gostoso também. — Saulo soltou a pérola enquanto dava uma
mordida em seu pão cheio de presunto. Fernando riu e eu olhei para o meu
amigo com os olhos em fenda. — Ei, minha regrinha, se esqueceu? Mas
não sou cego.
— Ele é novinho, né? — Fernando perguntou.
— Tem 23 aninhos.
— Você nem costuma sair com caras dessa idade — falei.
— Realmente.
— Você tem quantos anos, Saulo?
— Tenho a mesma idade do bonitão aqui, 34 anos.
— Ah, 23 não é ruim. — Levantei uma sobrancelha para Fernando e
ele me tacou uma casca de pão.
— Gosto de gente mais experiente. O mais novo que saí, acho que
tinha 27 anos.
— E daí para os 40 ou 50... — Mexi com ele.
— Uau! Mas não tem problema também. Acho que o que importa é se
a pessoa te atrai. Seja ela com 23 ou 50. Eu penso assim. — Fernando
concluiu.
— É... mas ele tem um agravante. Trabalha na empresa e nunca me
envolvi com ninguém do meu trabalho. Minha regra número um.
— Tem a dois? — Fernando se divertia.
— Sim. Tenho duas regras na minha vida: não pegar ninguém do meu
trabalho e não me envolver emocionalmente.
— Poxa, Saulo. Amar faz bem. — Olhei para Fernando e sorri da
forma que ele falou.
— Trato as pessoas bem, não uso ninguém, mas me envolver eu não
quero. Me dá até urticária pensar em ficar preso a um namoro. Acho vocês
fofos, mas cada um no seu quadrado. Vocês amando e eu voando. —
Fernando gargalhou e eu acompanhei. Já conhecia as filosofias do meu
velho amigo.
Aquele restante de dia foi gostoso. Robert levou Fernando para casa e
eu já pensava no final de semana com ele aqui. Saulo ainda ficou um pouco
comigo, conversamos sobre a empresa e depois ele foi descansar.
Quando me vi sozinho não fiquei deprimido. Meu coração sentia algo
bom e sabia que amanhã teria muito o que conversar com minha psicóloga
que havia me mandado mensagem à noite dizendo que estava de volta da
sua viagem.
Capítulo 18

Assim que entrei na sala de Patrícia, ela me olhou e sorriu. Estava


elegante como sempre sentada em sua poltrona confortável.
— Bom dia, Paty.
— Bom dia, Caique. — Senti que ela me observava. Assim que me
ajeitei em seu sofá, a encarei. — Estou te achando diferente.
— A mim? O que você está vendo de diferente?
— O principal é o seu semblante. Você está calmo e feliz. Sem a
tensão de sempre. Fiquei algumas semanas fora e nem tive nenhuma
chamada sua. Pode me contar o que aconteceu?
— Eu me apaixonei. — Patrícia arregalou um pouco os olhos.
— Fiquei um mês fora e isso acontece? Quer dividir comigo?
— Ele é um novo funcionário da minha empresa. Eu mesmo participei
de sua entrevista e criamos um vínculo de amizade.
— Sim. — Patrícia anotou algo em seu caderno tão acostumado em
receber minhas dores.
— Nem percebemos direito quando já estávamos desabafando um com
o outro. Eu já conversava abertamente com ele e ele comigo. E também não
sei te dizer quando passei a desejá-lo e não mais a seus serviços na empresa.
— Qual o nome dele?
— Fernando.
— Nome bonito. Quantos anos tem?
— 27 anos.
— Como sua família está lidando com isso?
— Eles não sabem. — Patrícia me olhou preocupada. — Ainda. Mas
em breve vou tornar isso público.
— Então é sério mesmo?
— Sim.
— Ele te lembra algo do João Miguel? — Franzi a testa.
— De forma alguma. Nem como pessoa ou pelo comportamento.
— Ele lidou bem com o fato de você ser PcD?
— O mais natural possível. Às vezes tenho a impressão de que o
Nando nem vê essa cadeira.
— Mas é importante que ele a veja.
— O que eu quis dizer foi: ele não me limita, ele não condiciona nosso
relacionamento a ela. Para ele sou um homem como todos os outros.
— Isso é muito bom. Já tiveram relações?
— Sim. Duas vezes.
— Como você se sentiu?
— Completo. Não me senti um homem pela metade. E confesso que
percebi algumas coisas que você e os médicos vieram falando pra mim
todos esses anos.
— O quê?
— Não preciso exclusivamente da penetração para sentir e dar prazer.
Tocá-lo, sentir seu perfume, beijar sua boca, ver seu corpo nu e sentir todas
as partes dele me acende por completo.
— E ele? Como reagiu a isso? Você sente reciprocidade nele? Em seus
sentimentos e corpo? Chegou a ter alguma ereção nessas duas vezes?
— Fernando é muito receptivo a mim, ao meu toque. Seu corpo e
reações não deixam ele mentir. E sim, nas duas vezes tive ereção. Em uma
ejaculei e na outra veio a sensação, acompanhada da queimação. Mas me
senti plenamente satisfeito.
— É ótimo ouvir tudo isso, Caique.
— Na segunda consegui penetrá-lo, mas no meio do caminho perdi a
ereção.
— O que você sentiu? Pode se abrir. — Nessa hora Patrícia me olhou
atenta.
— Na hora, péssimo. Tive medo de que ele achasse que eu não estava
gostando de algo e que por isso a perdi. Senti vergonha. — Fechei meus
olhos e abaixei minha cabeça. Depois olhei para os meus dedos cruzados
em meu colo. — Foi difícil, mas consegui passar por esse momento com a
desenvoltura dele, que apenas em me olhar, me mostrou o que queria.
Mesmo que isso tenha acontecido, Fernando chegou ao prazer em meus
braços. — Respiro fundo. — Eu só queria, sabe, por algum momento
aguentar até o fim com ele. Nem que fosse uma vez. Ele merece isso.
— Ele chegou ao prazer em seus braços, Caique. Mesmo com você
tendo perdido a ereção.  Fernando mostrou a você que isso é apenas um
detalhe e que pode ser superado. Ele não depende dela para sentir prazer
com você. Por que se martiriza tanto?
— Porque eu não queria que nada disso tivesse acontecido. Eu queria
ser capaz de andar por aí. De dançar com ele, de carregá-lo no colo.  —
Meus olhos estavam repletos de lágrimas. — Mas sabia que ele adora se
sentar em meu colo, de frente para mim e com isso já o carreguei várias
vezes? Até dei uns rodopios ouvindo música com ele.
— Viu? Você carregou o seu amor. Isso é o que importa. — Patrícia se
ajeita na poltrona. — Caique, preciso que me responda uma coisa: você está
condicionando sua felicidade e aceitação no Fernando? Só através dele
consegue sentir essas duas coisas? Seja sincero.
— Não. Por incrível que pareça, não. Com ele estou aprendendo.
Fernando tem sido um aprendizado diário. Ontem não fui trabalhar e
precisei ficar de repouso por algumas dores devido a um exercício novo na
fisioterapia, então fiquei pensando bastante. E achei incrível como vocês
sempre tiveram razão e eu que fui tão relutante.
— Você teve duas experiências ruins pós-acidente que contribuíram.
Não te julgo. — Patrícia tinha uma expressão pensativa.
— Pode ter sido isso mas Fernando entrou na minha vida e trouxe
tanta verdade... Ao lado dele até me esqueço que sou PcD. Sei lá, é a forma
dele agir, de me tratar. De não colocar a minha cadeira como um empecilho.
Pelo contrário, ele abusa muito dela. — Patrícia dá um sorriso bonito. —
Então tenho me descoberto, me aceitado. Sei que acabei de reclamar da
perda da ereção e de coisas que eu queria fazer de pé, mas... descobrir tudo
que estou sendo capaz tem me ajudado muito. Não tenho ido dormir mal-
humorado ou cabisbaixo. Meu coração tem se mantido calmo.
— Reclamar dessas coisas faz parte. Você é humano. Mas o fato de
estar se descobrindo é um grande avanço. Gigantesco, na verdade.
— Se hoje ele se separasse de mim, eu sinto que iria sofrer muito, mas
não por estar dependente dele, e sim pelo sentimento que tenho por ele. As
lições dele ainda ficariam.
— Isso que eu queria saber. Você não é somente capaz de dar e receber
prazer com o Fernando. Ou ser feliz só com ele. Hoje você sente essas
coisas por ele por estar apaixonado.
— Eu sei disso. Neste final de semana ele ficará dois dias comigo.
— Aproveite e seja feliz. Se entregue sem reservas. Sentiu vergonha
do seu corpo com ele? Como me relatou com os seus ex?
— Ele nem me permitiu sentir isso. Estando com ele, minha atenção é
toda em seus gestos e carinhos. — Peguei meu celular e abri o Instagram de
Fernando e o mostrei para minha psicóloga. — Este é ele.
Patrícia recebeu o aparelho de minhas mãos e sorriu ao vê-lo.
— Mas que rapaz bonito, hein? Que sorriso!
— Lindo, não é? Morro de ciúmes dele, Paty.
— É normal e até saudável sentir. Só não crie neuras na sua cabeça.
Tem tomado seus remédios direito?
— Tenho sim.  Vou voltar pra academia em setembro!
— Só estou recebendo notícias boas hoje e fico muito feliz. Gostaria
de um dia conhecer o Fernando.
— Posso trazê-lo aqui. Quer dizer, se ele quiser.
— Isso, não o force. Mas pode passar o meu convite.
Foi ótimo conversar com minha psicóloga. Expor meus sentimentos
mais internos. Era tudo que eu estava precisando para me sentir mais forte e
aliviado.
O que eu estava sentindo por Fernando, estava sendo melhor do que
qualquer remédio. Não estava atribuindo somente a ele a minha luta para
sair do buraco em que eu me encontrava. Era verdade que meus sentimentos
por ele estavam ajudando muito, mas o mais importante, foi que eu quis.
Como a mãe dele um dia quis, eu também estava querendo mudar. Me
decidi por lutar para ser feliz.
Era um conjunto: Fernando, Saulo que sempre esteve comigo, minha
psicóloga, meus remédios e minha força de vontade. Eu estava muito
apaixonado e meus sentimentos estavam me dando forças. Mas
estranhamente, eu sentia em meu peito, uma força por mim mesmo, fora
tudo isso.
Eu queria ser feliz e nada ia me impedir disso. Estava cansado de só
sentir pena de mim.
A semana passou voando. A impressão que eu tinha era que eu pisquei
e a sexta-feira chegou. Estava me sentindo leve, apaixonado e feliz. Ria de
coisas bobas, sequestrava meu namorado dentro da empresa e roubava
longos beijos em minha sala. Foi assim a semana inteira.
Eu inventava as coisas mais loucas para levá-lo a minha sala e quando
ele entrava e trancava a porta, eu não pensava em mais nada. Claro que não
foram apenas beijos. Teve um dia que deixei Fernando completamente nu,
sentado em meu colo, de frente pra mim e o masturbei. Mesmo me
chamando de louco, ele se entregou, gemeu no meu ouvido e chegou ao
prazer em minha mão.
Ri de sua preocupação se não tinha sujado meu terno e por pouco,
muito pouco, eu não disse o quanto eu o amava.
Me dei conta do tamanho dos meus sentimentos na quarta-feira,
quando ele entrou, depois de mais um chamado meu, sorrindo todo lindo e
me chamando de doido. Fernando veio tão leve para perto de mim e
simplesmente se atirou em meu colo e me deu um beijo que jamais iria ser
capaz de esquecer. Algo simples, nenhum momento extraordinário, mas que
foi tão sincero, que jamais senti tudo aquilo em meu coração.
Mas confesso que estava com um pouco de medo também. Não que eu
duvidasse do quanto ele me queria, mas será que ele sentia na mesma
magnitude que eu? Será que ele me amava? Fernando poderia estar até
apaixonado, mas amando já era outra história e eu tinha medo de me
decepcionar. E o pior, medo de assustá-lo ao dizer os meus reais
sentimentos e ele de alguma forma se sentir pressionado. Precisava ir com
cautela. O que estávamos vivendo era maravilhoso e eu não conseguia mais
ficar longe dele.
Hoje ele iria comigo para minha casa. Passaria duas noites dormindo
em meus braços e eu estava radiante e eufórico. Até desmarquei a sessão de
fisio desta semana, pois não queria nenhuma dor atrapalhando o nosso
momento. Depois desse final de semana, Armando poderia até me virar de
cabeça para baixo para compensar e eu nem iria reclamar.
Nando: “Ca, já troquei de roupa e estou te esperando com o
Robert.”
Outra coisa que me deixou todo bobo. Do mesmo jeito que o chamava
de Nando, eu também havia ganhado um apelido: agora eu era o “Ca”. A
primeira vez que ouvi foi tão gostoso, que eu fui igual a um idiota no Saulo
contar. Meu amigo riu de chorar da minha cara e disse que eu era um bobo
apaixonado. Jurei que ia rir muito da cara dele quando se amarrasse em
alguém, então ele logo fechou a cara e ficou emburrado. Minha vez de rir
dele.
Caique: “Estou descendo, meu gostoso. Logo estaremos juntos.”
Nando: “ Ansioso, dlç ♥”
Estava pegando minha bolsa quando Saulo entrou na sala.
— Já vai, meu CEO?
— Lógico! Tenho alguém muito especial me esperando.
— Eita que esse final de semana vai ser foda, literalmente. — O
comentário de Saulo me causou uma risada.
— E o seu, como vai ser?
— Sei não. Mais tarde, se eu estiver disposto, depois de tomar banho e
jantar, vou à caça.
— Previna-se! E juízo.
— Sempre faço as duas coisas. Flávia estava se despedindo de mim.
Será que ela demora a voltar?
— Ainda não sei, mas o importante é que quero vê-la bem, sem as
dores horríveis que sente às vezes. Na segunda-feira, o Guilherme estará aí
e sei que estaremos bem cobertos.
— Sim, ele parece ser um bom rapaz.
— Bom, deixa eu ir.
— Vai, meu CEO! Vai viver na libertinagem!
— Até parece. Nando e eu temos um pouco de tudo. Não é só safadeza
o tempo todo.
— Meu querido, ele ainda não tinha passado dois dias com você,
direto! O negócio vai pegar fogo.
Pisquei pro meu amigo e fui embora. No caminho, me despedi mais
uma vez de Flávia e lhe desejei uma ótima cirurgia.
Quando cheguei no estacionamento da empresa, Nando estava
encostado no meu carro olhando seu celular e quando levantou a cabeça e
me viu, um sorriso lindo estampou seu rosto. A gente já não conseguia
disfarçar o que estava sentindo. Decidi ali não mais esconder de Robert que
nos observava.
— Oi, meu lindo. Finalmente cheguei. — Peguei em sua mão e ele
arregalou os olhos olhando para Robert de banda. — Não se preocupe,
Robert será a primeira pessoa a saber.
Olhei para o meu motorista / segurança e ele fez uma expressão
carinhosa e complacente.
— Robert, Fernando é meu namorado e quero que cuide dele da
mesma forma que cuida de mim. 
— Não tenha dúvidas disso, senhor. — Olhei de volta para Fernando e
ele tinha um sorriso envergonhado no rosto, mas depois de suspirar, me
recebeu como eu sabia que ele queria. Ele se curvou sobre mim e deixou
um beijo em meus lábios.
— Agora sim podemos ir. — Sorri e ele me acompanhou.

Eu não acreditava no que estava vendo. Tinha demorado a sair hoje da


empresa, pois deixei várias coisas pendentes porque essa semana faltei mais
do que vim trabalhar. Minha mãe estava viajando e eu queria mais era
aproveitar.
Então por isso meu horário de ir embora coincidiu com o do meu
irmãozinho e daqui de dentro do meu carro, flagrei algo que nem
imaginava. Assim que cheguei no estacionamento, já achei muito estranho
o funcionário que limpava o andar da Presidência, estar encostado no carro
do Caique na maior folga e intimidade. Por isso mesmo que não deixei que
Robert ou ele me vissem e entrei no meu, disfarçadamente, aproveitando
que outras pessoas mais distantes saíam e seus carros faziam barulhos de
destravamento.
Esperei paciente e ao ver Caique chegar e pegar na mão dele, já me
deixou em alerta. Só que o beijo a seguir não me deixou mais dúvidas e
sabia que nossa mãe iria surtar quando soubesse dessa história.
— Você é muito otário mesmo, meu irmão. Parece que não aprendeu
nada com tudo que já te aconteceu. Mais uma vez se envolve com um
oportunista, que claramente está atrás do seu dinheiro. Olha a aparência do
sujeito. Otário!! Até parece que ele ia mesmo se apaixonar por um cara de
cadeira de rodas. — Bati com força no volante, sentindo a raiva me
dominar. — Isso não vai ficar assim, Caique. Não vou deixar meu
patrimônio correr riscos porque você achou de se relacionar com quem não
vale nada, com quem não é do nosso mundo.
Peguei meu telefone e liguei pra minha mãe, enquanto via o carro do
Caique sair da empresa levando aquele marginal.
— Oi, meu amorzinho. Sorte ter me ligado agora, mamãe estava
saindo para jantar com algumas amigas.
— Oi, mãe. Desculpa te atrapalhar, mas acho que vou te causar uma
indigestão antes mesmo de você comer.
— O que aconteceu, meu filho? Você está com uma voz estranha.
— Ah, eu tô puto, mãe. O Caique é um otário mesmo. Nada do que ele
passou serviu pra abrir os olhos desse burro.
— Fala de uma vez o que houve, Matheus.
— Mãe, o Caique tá pegando aquele cara que limpa o andar dele e que
você detesta.
— O que? Não, isso não pode ser verdade.
— Pois é sim. Ninguém me contou, eu acabei de ver aqui no
estacionamento. Achei estranho quando cheguei pra pegar meu carro e vi o
sujeitinho encostado todo folgado no carro do Caique. Aí depois comprovei
que ele o aguardava, pois seu filhinho chegou cheio de amor pra dar e eles
ainda se beijaram na frente do Robert!
— Eu não acredito nisso!
— Pois acredite. O que vamos fazer, mãe?
— Eu vou chegar na segunda e acabar com essa sem-vergonhice
dentro da minha empresa. Não quero saber se seu irmão é presidente, esse
preto imundo vai para o olho da rua!
— Mas o Caique precisa autorizar, mãe e ele não vai aceitar.
— Então eu faço a vida desse marginal um inferno tão grande que ele
vai pedir pra ir embora. Já chega toda vergonha que passei no passado
quando o idiota do Caique se deixou ser enganado e todo mundo ficou
sabendo que ele era uma bicha. A maior decepção da minha vida! Maldita
hora que eu trouxe esse menino no mundo. Maldita hora!! — Minha mãe
falou com tanto ódio que me assustou. Eu presenciava isso há anos. Sempre
era a mesma coisa, ela mostrava claramente que apenas tolerava o meu
irmão. Era uma diferença gritante seu comportamento comigo e com a Bia.
Cresci escutando que ela havia se arrependido de ter posto ele no mundo e
sinceramente, muitas vezes isso me dava um nó na cabeça. Não sabia
sinceramente o que pensar com relação a isso. Mas neste momento, eu só
tinha uma certeza: esse sujeitinho precisava se afastar da vida do burro do
meu irmão. Era meu dinheiro em jogo.
— Eu te ajudo, mãe. Essa palhaçada vai acabar.
— Ok, meu filho. Obrigada por me avisar. Vai pra casa descansar. Vai
sair hoje?
— Não, vou receber uns amigos. Nada demais, só uns três pra ver uns
filmes e jogar conversa fora.
— Está bem. Não beba muito.
— Tá bom, mãe. Te amo.
— Também te amo, meu filho.
Desliguei o telefone e mandei mensagem para um parça meu.
Matheus: “ Juninho, tudo certo pra hoje? Quero me divertir.”
Juninho: “Tudo, meu brother. Três gostosas pra você e uma
carreira de pó dos melhores. Vai comer as três, ligadão”
Matheus: “Beleza! Tu vem, né?”
Juninho: “Claro! Eu que tô com o pó e vou levar as minas no meu
carro, bem disfarçado como você pediu. Tua mãe não vai chegar
mesmo, né?”
Matheus: “Não, ela ainda está na Espanha. Vai pegar o voo de
volta amanhã à noite. Hoje a mansão é só nossa. Quero cheirar muito e
comer muita buceta.”
Juninho: “Ah, tu vai!! As meninas também são da parada.”
Matheus: “ ÓTIMO!”
Juninho: “Se liga, não esquece de me dar hoje o dinheiro do último
carregamento que você me pediu. Os caras estão cobrando.”
Matheus: “Não vou esquecer. Peguei essa semana lá na empresa.
Hoje vou te pagar e encomendar mais. O pó era dos bons, meus amigos
ficaram loucos com ele. Estão tudo pedindo mais.”
Juninho: “Tu está virando o fornecedor deles kkkkk”
Matheus: “ Tem problema não. Eu vendo pelo dobro e faturo por
fora.”
Liguei meu carro e fui embora. Precisava comer alguma coisa, liberar
os empregados e tomar um banho. Já esperaria todo mundo pelado mesmo.
Hoje ia foder até perder os sentidos.

Assim que pisei na sala da cobertura do Caique, o cheiro de sua casa já


me soava familiar. Olhei para ele e ganhei um beijo em minha mão que era
segurada.
— Fica à vontade.
— Tô me acostumando com a sua casa.
— Pois acostume-se mesmo. A única diferença é que não vou te pedir
que coloque sua mochila no quarto de hóspedes. Coloque no meu quarto, no
meu closet. — Sorri e deixei um beijo em seus lábios.
Caique ordenou que a Alexa abrisse as persianas e logo um pôr do sol
lindo iluminava a sala.
— Amanhã vai fazer sol — comentei.
— Podemos ir pra piscina. O que acha?
— Nem vou questionar. — Caique riu e fomos para o seu quarto.
Enquanto ele tirava seu terno, eu também tirava minha roupa e pegava
as limpas que trouxe na mochila e colocava em uma prateleira vazia que vi
num cantinho do closet. Só de cueca, voltei para o quarto com uma toalha
que peguei.
— Posso usar outra de suas toalhas?
— Você pode usar o que você quiser, minha delícia.
— Hummm, então vamos fazer assim: eu tomo banho e uso sua língua
pra me secar. O que acha? — Caique chegou a engolir em seco e eu ri. —
Estou mexendo com você!
— Bom, eu não reclamei e nem questionei. Pode usar ela também.
— Safado! — falei já indo pro chuveiro.
— Você que faz a proposta indecente e eu que sou safado? Estava aqui
humildemente tirando meu blazer e gravata.
— Que santinho, né? — Coloquei só a cabeça pra fora do banheiro.
— Sou quase um anjo, meu amor.
— Olha aqui. — Apontei para o chão como se estivesse
acompanhando algo andar. Caique franziu a testa.
— O quê?
— Sua auréola de anjo passou rolando aqui no chão. — Caique
explodiu em uma gargalhada e eu entrei rindo no chuveiro.
Tomei um banho espetacular, dando bastante atenção a todas as partes
do meu corpo. Já havia cuidado mais intimamente da minha higiene em
casa e só queria ficar perfeito para o Caique, suas mãos, sua boca e todo
restante. — Fechei meus olhos respirando fundo. Ele me deixava assim,
sem juízo, mais safado do que eu já era.
Quando ele entrou no chuveiro, eu estava de costas e senti sua mão
apertando minha bunda.  Sorri e me virei para ele. Seus olhos se
arregalaram um pouco quando ele me viu por completo.
— Tem alguém animadinho aí?
— Pois é. Nem respeita mais meus comandos.
— Posso saber o que fez ele ficar assim?
— Meus pensamentos em você. — Caique suspirou e sorriu de lado.
— Você não imagina o bem que me faz quando me diz essas coisas.
— Só digo o que realmente sinto.
— Saber que mesmo eu assim, sou capaz de te despertar desejo...
— Já te disse que te vejo como um homem normal, porque você é um
homem normal. Desejo seu corpo e suas mãos em mim a todo instante. Mas
chega de conversa, estou precisando de atenção aqui. — Fiz beicinho no
maior charme e Caique sorriu e eu acompanhei. Ele segurou meu pau e meu
corpo deu aquele choque gostoso.
Em resumo: o banho foi regado a beijos, Caique me chupando e eu me
segurando pra não gozar. Queria estar com tudo quando a gente fizesse
amor depois.
Acabamos indo assistir um filme e Caique pediu um jantar no
restaurante pra gente. Comemos no sofá mesmo assistindo TV e depois eu
fiquei cheio de preguiça com a cabeça em seu colo.
— Posso fazer uma pergunta?
— Claro — respondi, enquanto passava os canais. O filme tinha
chegado ao fim.
— Uma sexta à noite. Céu estrelado, Rio de Janeiro pegando fogo por
aí e a gente aqui, no silêncio da minha cobertura. Não te incomoda? —
Ajeitei até minha cabeça no colo dele e encarei bem seus olhos. 
— Por que você acha que me incomodaria? Preciso entender.
— Você tem 27 anos, Nando. É lindo, cheio de vida e saúde e poderia
agora estar em alguma boate ou barzinho se divertindo. Mas está aqui
comigo, jogado no sofá, em meu colo. — Sua expressão era de dúvida e eu
ia acabar com ela agora.
— Não é por que sou cheio de saúde, lindo, como você diz, e com 27
anos que tenho que gostar dessas coisas. Gosto de me divertir e sair? Sim,
mas isso que estamos vivendo aqui é muito melhor na minha opinião. Estou
na casa do cara que estou apaixonado, no colo dele, recebendo seus
carinhos.  Acabei de comer uma comida deliciosa, assistindo um filme legal
e não trocaria nada disso por essa realidade aí que você citou. Não tente se
sabotar, achar uma desculpa para colocar na sua cabeça que talvez isso que
estamos vivendo seja fruto da sua imaginação. Se eu estou aqui com você, é
porque é o único lugar que eu realmente quero estar.
— Desculpa se pareceu isso. Nunca estive tão feliz e relaxado como
me sinto hoje e às vezes tenho medo de que tudo isso acabe.
— Só vai acabar se você quiser.
— Eu não quero. Não consigo mais me imaginar sem ter você nos
meus braços. — Sorri e me levantei um pouco, me apoiando em meu braço
e deitei minha cabeça no peito de Caique. Ele logo me abraçou pelos
ombros.
— Então pare de tentar imaginar. Também não me imagino sem você.
Estou me acostumando muito com seu cheiro. — Cheirei o peito dele e
deixei um beijo em seu pescoço. — Em estar assim, protegido por você.
— Você que me protege o tempo todo.
— Eu não sinto isso. Me sinto acolhido por você, cuidado. E aqui, em
seus braços, nada pode me fazer mal — confessei.
— A partir dessa próxima semana eu vou assumir você — ele disse e
eu levantei minha cabeça e ficamos cara a cara.
— Como assim? — Franzi as sobrancelhas.
— Não vou mais esconder que estamos juntos. Nós vamos sair,
passear e com certeza repórteres irão nos ver. Talvez seu rosto apareça em
alguma revista. Se importa? — Fiz uma cara engraçada que fez Caique
sorrir, mas dei de ombros.
— Eu comecei a me relacionar com você sabendo de tudo isso, não vai
ser agora que vou sair correndo. Não sou mais capaz disso.
— Minha mãe e meus irmãos também irão saber. Esta semana minha
mãe volta e minha irmã também vem ao Brasil. Quero muito te apresentar a
ela. Só não sei o dia que ela chega. A danada quis fazer surpresa do dia. Me
disse na mensagem que me enviou.
— Nem os repórteres me preocupam tanto quanto a sua mãe. Mas não
penso em mim e sim em você. Não quero que ela te ataque. Seus irmãos eu
levo de boa.
— Ela não vai fazer nada que eu já não esteja acostumado.
— Não quero que você se acostume com maus tratos e ignorâncias.
Quero que se acostume com meus carinhos e meus beijos.
— Ah... isso eu já estou muito acostumado. — Sorri e dei um selinho
nele.
— Estou falando sério. Não vai ser fácil. Somos adultos e inteligentes
o suficiente para saber o que vem por aí. Sou funcionário da sua empresa e
já sabemos o que as más línguas irão dizer.
— As más línguas só têm poder se acreditarmos nela e dermos ibope.
Podem dizer o que for, eu conheço o meu Fernando. — Coloquei minha
mão em seu rosto e suspirei. Pensei em tudo que escondia, tanto dele quanto
da minha mãe e nesta próxima semana eu ia contar aos dois.
— Você também conhecerá minha mãe nesta próxima semana, ok? —
Caique abriu um lindo sorriso.
— Sério? Preciso levar um presente para ela e pra Ju.
— Não se preocupe com isso. Elas irão adorar você, tenho certeza. —
Caique me beijou e eu logo me entreguei a tudo que seu beijo me fazia
sentir.
— Você não gozou no banheiro.
— Eu me segurei.
— Por quê?
— Queria guardar para outro momento. — Nós dois rimos e ficamos
de chamego.
— Você está tão vestido. — Olhei para o ser abusado na minha frente.
— Estou apenas de cueca box.
— Muita roupa. — Sorri, mas não me levantei para tirar a minha. Me
posicionei para tirar a dele.
— Quero você sem nada. — Caique se apoiou nas mãos e se
suspendeu um pouco e eu tirei sua pequena peça de roupa.
Ele estava encostado, relaxado nas almofadas do sofá e suas pernas
esticadas pra frente. Com cuidado, as ajeitei e separei um pouco. Ele me
olhava com curiosidade, mas prendeu o ar quando viu que mergulhei entre
elas.
— O que você quer aí? — ele perguntou com um sorrisinho.
— Provar você. Cheirar você. Amar você. — Sou olhar era profundo
ao final da minha frase.
Segurei Caique em minha mão e fiquei distribuindo carícias e beijos
em toda sua parte íntima. Passei meu rosto em seus pelos bem aparados e
dei ao meu homem um espetáculo de carinhos.
Ele me olhava atento, absorvendo cada gesto meu. Mesmo com ele
ainda mole em minha mão, comecei a lamber e até a dar leves chupadas.
Estava todo na intenção de carinhos mesmo. Que ele visse que eu o amava
de todas as formas.
Eu amava o Caique, constatei isso quando percebi o quanto vê-lo sorrir
era importante pra mim. O quanto seu toque me satisfazia. O quanto sua
voz e seu olhar tão lindo mexiam comigo. Caique havia se tornado meu
ímã. Não conseguia ficar longe dele, sem tocar nele. E essa semana, lá na
empresa, isso ficou provado. Eu não conseguia me concentrar em nada, só
queria os carinhos dele.
Nunca senti nada disso por ninguém. Gostei de algumas companhias,
gostei muito da companhia do Ricardo, mas aquele ali então eu jamais
poderia me deixar apaixonar. A verdade é que os poucos homens que me
relacionei até hoje eram mais por sexo.
Mas com Caique tudo havia ganhado uma proporção diferente. E
pensar que começou com uma amizade improvável entre chefe e
empregado. Só que foi justamente o tendo como amigo, que seu jeito
diferente me encantou. Caique era diferente, era uma pessoa boa, sem
preconceitos, honesto, carinhoso, sensível e extremamente atencioso. Hoje
era muito difícil encontrar alguém com todas essas qualidades juntas. Não
foi difícil me apaixonar e amá-lo, era a consequência mais esperada diante
de tudo que ele me fazia sentir.
Senti o momento exato que ele endureceu em minhas mãos. Ele havia
aprendido a explorar o visual e agora, tudo que antes ele não acreditava,
estava acontecendo. Caique passou a se entregar aos seus outros sentidos,
eles iriam conduzir o seu prazer.
Ele gemeu quando o coloquei inteiro na boca. Sabia que ele não sentia
com clareza o que acontecia, mas com certeza seu cérebro lhe passava a
sensação. Andei pesquisando em meu horário de almoço e descobri muita
informação. Nossa mente era poderosa e ele conhecia toda a sensação de
receber um oral. Seu cérebro mandava em forma de lembranças o que se
sentia, o toque da minha língua, o molhado e o quentinho da minha boca.
Embora ele tenha me dito que recobrou um pouquinho de sensibilidade.
Eu caprichei. Fiz de Caique o meu sorvete e mostrava a ele o quanto
aquilo estava bom pra mim também. Adorava como estávamos aqui: o
silêncio e escurinho do ambiente, só nós dois e a privacidade de poder ficar
pelado e fazer o que quiséssemos.
Peguei o controle da TV e tirei todo som, queria apenas os gemidos
dele e o som que eu mesmo fazia quando o abocanhava. Fiz alto os
barulhos, engasguei o levando em minha garganta e a cada movimento meu,
mais ele se desestabilizava.
— Eu preciso ter você na minha boca, por favor — Caique pediu e eu
me levantei, tirando a cueca e ficando de joelhos.
— Deita de lado. Eu te ajudo.
Caique se movimentou. Ele tinha uma força incrível nos braços e
observei que ele mesmo, ao posicionar seu corpo, trouxe as pernas para
onde ele queria. Sorri com sua desenvoltura e nem questionei a dispensa da
minha ajuda. Eu respeitava muito a individualidade dele.
Assim que ele se deitou, passei minha perna sobre sua cabeça e meu
amor me tomou em sua boca. Gemi alto, estava sensível demais. Mas voltei
minha atenção para onde estava e logo um 69 acontecia naquele sofá que já
era meu lugar preferido da casa.
Ele também fazia barulho conforme me chupava e ficamos
concentrados em nossa bolha de prazer, mas eu estava disposto a
enlouquecer meu CEO de vez, então me levantei, tirando meu sexo de sua
boca e praticamente me sentei em seu rosto. Caique gemeu abafado.
Ali eu rebolei, tendo sua língua e lábios me devorando e me abri mais,
me expondo totalmente para ele. Eu gemia enlouquecido com o que a boca
dele fazia. Cheguei a ficar em posição de agachamento, com as mãos
apoiadas em seu peito e ele teve mais liberdade para me penetrar com
aquela língua safada.
Ele gemia de lá e eu gemia de cá. Estava tão intenso que meu sexo
pingava de tanto tesão. Mas de repente, Caique me fez sentar mesmo em
seu rosto e gemeu sofrido e abafado. Seu corpo todo tremeu e seu aperto em
minhas coxas chegou a doer. Olhei para o seu pau e ele pulsava, batendo em
sua barriga, quando um pouco de esperma saiu. Mas Caique continuava
gemendo e me apertando.
Pensei logo que seu prazer ainda se prolongava, ele apenas não gozava
de forma abundante. Quando seu aperto afrouxou, seus braços caíram no
sofá e eu logo saí de cima dele.
Caique respirava como se tivesse corrido uma maratona e minha mão
em seu peito, me mostrou que o coração dele batia desgovernado.
— Ca, está tudo bem? — perguntei preocupado e ele me olhou de
relance. Seu rosto estava até vermelho.
— Nunca senti nada parecido. Ainda sinto pontadas, como se eu ainda
estivesse tendo espasmos. Sei que me gozo saiu pouco, mas a sensação é
que gozei muito. Pode ser difícil para você compreender, mas...
— Eu compreendo. Andei pesquisando — confessei. Caique sorriu
fraco.
— Nem quando podia andar eu senti tanto prazer. Você literalmente
acabou comigo. Hoje não sou mais ninguém.
— Eu cuido de você. — Sorri para ele. — Só não quero que por esse
esforço imenso, você sinta dores. Seu coração ainda está acelerado.
— Me sinto feliz e vivo assim. Essa é a verdade. Agora vem um sono
louco que me tira de órbita. — Caique sorriu fraco. — Eu só vou me
recompor para ir pra cadeira e irmos para o quarto.
— Não, eu vou levar você.
— Não precisa, eu sou pesado...
— Por favor, me deixa cuidar de você. Você confia em mim?
— Totalmente — ele respondeu e sorriu de lado, já quase fechando os
olhos.
Me levantei, ordenei a Alexa que acendesse as luzes e desligasse a TV.
Tirei a cadeira de perto do sofá e me posicionei de uma forma para trazê-lo
para perto de mim e consequentemente para a beirada do sofá. Caique me
ajudou como pôde.
Assim que estava fácil pra mim, o peguei em meus braços e ele me
abraçou pelos ombros, apoiando seu rosto em meu corpo. Levei meu amor
até seu quarto e o deitei na cama devagar. Voltei à sala e peguei sua cueca e
vesti a minha.
De volta ao quarto, o vesti com cuidado e me deitei ao seu lado,
puxando o edredom fofinho sobre nós. Caique logo me puxou para o seu
peito, onde me aninhei e suspirei.
— Acabei não lhe dando prazer.
— Mas é claro que me deu. De onde tirou isso?
— Eu gozei rápido e você não.
— Ca, prazer vai muito além de gozar. Me senti muito satisfeito em
proporcionar prazer a você. Nossa cumplicidade já é nosso prazer.
— Onde você estava esse tempo todo, Nando? Como eu precisei de
você... — Caique balbuciou já sendo levado pelo sono.
— Estive por aí, esperando a vida me levar até você — respondi e o
olhei. Caique já estava de olhos fechados, entregue ao cansaço. Fiz um
carinho no seu rosto, deixando um beijo em seu queixo. — Eu te amo —
sussurrei.
Assim que coloquei minha cabeça novamente em seu peito, eu
apaguei.
Capítulo 19

Acordei com um barulho e sem Fernando em meu peito. Abri os


olhos, pisquei várias vezes e tateei minha mesinha de cabeceira atrás do
meu celular: 3:45 da manhã.
Olhei para o lado e Fernando havia se separado de mim e estava de
bruços na cama. Ele balbuciava alguma coisa e se mexia. Como a luz do
abajur estava acesa, eu fiquei o observando até que ele apertou os lençóis e
se esfregou na cama como se estivesse tendo relações. Fernando estava
tendo um sonho erótico.
Me virei de lado ao mesmo tempo que ele virou sua cabeça para o lado
que eu estava e pude ver sua expressão. Era a própria luxúria.
Fiquei um pouco inseguro, pois não sabia com o que ele estava
sonhando. Aliás, com quem. Ele se esfregava de forma gostosa na cama,
seu quadril ondulava. O gemido que saiu de sua boca nos próximos
segundos, fez os pelos do meu braço se arrepiarem.
— Caique... — ele disse e meu coração disparou. Era comigo que ele
sonhava. Não pude deixar de sorrir.
Eu precisava fazer alguma coisa, meu namorado estava claramente
precisando de mim. Então me virei de bruços e com o auxílio dos meus
braços fui até ele. Nessa hora eu dei graças a Deus por ter sido sempre tão
focado nos exercícios. Eu tinha muita força nos braços. Mesmo sem
mobilidade da cintura pra baixo, eu conseguia me mover pra onde eu
quisesse. Só não conseguia quando estava com muitas dores.
Com isso consegui chegar perto do Nando e beijei sua bunda por cima
da cueca. Ele parou seus movimentos e gemeu baixinho. Me apoiando em
um braço e com a outra mão livre, fiz carinho em seu rosto e fiquei dando
beijos carinhosos em suas costas para que ele acordasse.
Fui pra cima de Fernando, colando meu peito em suas costas e puxei
cada uma de minhas pernas para ficarem entre as suas. Uma vez em cima
dele, comecei a beijar seu pescoço e ele suspirou. Com minhas mãos fazia
carinho em seus braços e ele novamente falou meu nome.
— Eu tô aqui, meu amor. Te dando carinho.
— Me fode — ele pediu baixinho.
Senti uma pontada no peito quando levei a mão ao meu sexo no
automático e vi que não estava excitado, mas não esmoreci e me concentrei
em dar prazer e carinho a ele. Empurrei meu corpo para o lado, descendo
para cama novamente e agora dava beijos em seu rosto para que ele
despertasse totalmente.
O safado logo empinou aquela bunda linda e só me deixava doido
assistindo. Fui presenteado com mais um gemido gostoso, enquanto ele
ainda estava entregue ao seu sonho.
Quando Nando abriu os olhos confuso, pois achava que ainda estava
sonhando, deu de cara comigo olhando para o seu rosto.
— Caique? Mas o que...
— Você estava sonhando comigo e aqui estou.
— Sonhava que te comia. — Sorri.
— Mas depois me pediu pra te foder.
— No sonho você deitou em minhas costas.
— Eu fiz isso realmente, mas desci para te fazer mais carinho e te
acordar.
— Está gostoso. — Ele fechou os olhos e se entregou aos meus beijos.
Nos próximos minutos, Fernando gemeu alto conforme eu chupei
meus próprios dedos e entrei em seu corpo, depois que ele, desajeitado,
tirou a própria cueca. Acertava sua próstata e soube que ele chegava ao
prazer conforme senti a pressão em meus dedos e seu corpo se arrepiava e
tremia na cama.
Ainda sem fôlego, ele conseguiu dizer uma coisa que me fez muito
bem naquele momento.
— Eu amo fazer amor com você.
Ainda fiquei prolongando seu prazer, sem tirar os dedos de dentro dele
e meu amor sorria de olhos fechados. Amava a sua entrega a mim.
— Não te causou desconforto vir pra cima de mim?
— Não.
— Sujei a cama. — Fernando fez uma careta.
— A gente troca o lençol.
Foi isso que fizemos a seguir e logo meu amor dormia em meus braços
de novo e me entreguei ao sono satisfeito por ter lhe dado prazer.
De manhã cedinho, acordei primeiro e o deixei dormindo para fazer
nosso café da manhã. Estava me sentindo feliz e amado. Na sala, ordenei
que as persianas fossem abertas e um dia lindo de sol se revelou. Sabia que
Fernando ia querer curtir a piscina.
Terminava de bater uma vitamina quando ele me abraçou por trás na
cozinha e disse algo que fez meu coração disparar.
— Bom dia, meu amor.
Era uma simples demonstração de carinho, mas naquele momento foi
tudo para o meu coração que já o amava absurdamente.
— Bom dia, meu amor — respondi conforme ganhei um beijo na
bochecha.
Me virei para olhar para ele e Fernando estava lindo, com a cara
inchada de sono, um pouco descabelado e apenas de cueca.
— Fiz um café gostoso pra gente e estava aqui batendo uma vitamina
pra mim.
— Parece deliciosa. Posso beber também?
— Pode. Ela só tem frutas que regulam o intestino.
— Será que vai me dar dor de barriga? — Ele fez uma cara engraçada
e eu ri.
— Acho que não. Em mim não dá.
— Acho que vou ficar no café mesmo. — Rimos os dois. — Nossa!
Está um dia lindo!
— Está mesmo. Vai dar pra curtir a piscina. — Fernando sorriu de
orelha a orelha.
Depois de um café da manhã gostoso, onde ganhei pão na boca e
deixei que ele provasse minha vitamina, agora estávamos indo pra piscina.
A previsão era de 35 graus pra hoje e naquele horário o sol estava todo em
cima de nós.
Minha piscina era adaptada. Possuía uma rampa própria para acesso de
cadeirantes que mandei construir quando reformei toda minha cobertura. Eu
podia descer até uma certa parte, que me deixava com água até os ombros
se eu estivesse acompanhado. Se estivesse sozinho, ficava na parte que a
água alcançava minhas pernas. Para aventuras na piscina eu tinha outra
cadeira para não molhar a minha do dia a dia.
— Você pode ir até ali? — Fernando tentava entender como
funcionava.
— Sim. Entro na água e ao mesmo tempo estou seguro. Esta cadeira
tem travas como todas as outras e se estou sozinho só fico até aquele nível.
Como estamos juntos, posso vir até aqui.
Ele ficou observando enquanto eu descia e quando me viu na água,
sorriu. Logo ele se juntou a mim e estava achando uma gostosura ele com
aquela sunga branca.
— Existe em vários lugares acessibilidade para PcD nas praias. Aqui
no Rio tem em Copacabana, no Leblon, no Recreio e aqui na Barra. São
dois projetos importantes — comentei.
— Ah, eu já vi aqui na Barra quando vim com amigos. Se eu não me
engano, é no Posto 3.
— Isso mesmo. O Adaptsurf e o Projeto Praia Para Todos são
maravilhosos e totalmente gratuitos. Saulo já me levou no Projeto Praia
Para Todos daqui da Barra. Tem esteiras que levam a cadeira de rodas pela
areia até à água e as cadeiras são adaptadas como essa. Os voluntários são
maravilhosos. Conheci muita gente bacana.
— Isso é tão bom. Imagino a felicidade das pessoas. No dia que eu vi
esse projeto, era um garotinho que aparentava uns dez anos que estava na
água. Ele sorria tanto...
— É uma sensação única, Nando. Esse projeto nos permite sentir isso,
sabe? Eu amo o mar e cheguei a pensar que jamais entraria nele de novo.
Eu tenho acesso a essa piscina, mas muitos não têm. E além do mais, nada
se compara com entrar no mar.
— Quero ir um dia com você.
— Podemos ir sim!
Estava uma delícia curtir um dia de sol quente na piscina com uma
companhia tão especial. Me divertia olhando Fernando mergulhar e
acompanhava seu corpo vindo de encontro a mim por debaixo d´água,
emergindo pertinho de mim pra me beijar.
— Você já fez fisioterapia aqui? Na piscina?
— Sim, umas três vezes. Eu faço fisioterapia na clínica do Armando.
— Ficou fora da cadeira?
— Sim. Armando me fez segurar no ferro das bordas. Por quê?
— Queria te tirar da cadeira e que ficasse em meus braços. — Me
surpreendi com seu pedido. — Eu aguento você de boa e aqui na água é
ainda mais fácil. — Engoli em seco ainda surpreso. — Mas se você tiver
medo, tudo bem. Acho que foi uma ideia meio louca, né?
— Não, não foi. Vai ser minha primeira vez. Assim, quer dizer, de
forma romântica. Com o Armando não teve nada de romântico. —
Fernando sorriu e eu acompanhei. — Vou abrir o cinto que me prende e
afastar as pernas. Fica melhor, certo?
— Fica. Vou te pegar de frente e te segurar pelas coxas. Você me
abraça pelo pescoço.
— Ok.
Abri o cinto que me prendia e destravei a parte das pernas, o que me
possibilitava abri-las, como na cadeira de banho. Assim que fiz tudo sob o
olhar atento de Fernando, olhei pra ele e estendi os braços sorrindo. Seu
sorriso foi gigante e logo ele colocava sua mão embaixo das minhas pernas,
indo um pouco para debaixo da minha bunda.
Foi gostoso passar os braços em seus ombros molhados e com o rosto
pertinho de sua bochecha, eu o beijei de forma carinhosa.
— Vou te levantar, amor — ele disse e eu fiquei todo mole com sua
voz.
Logo Fernando me levantava da cadeira e minhas pernas abertas,
possibilitava meu encaixe em seu quadril. Quando ele foi andando para o
meio da piscina, eu senti uma euforia em meu coração e o abracei mais.
Eu sorria.
Tudo que eu sabia fazer era sorrir. Meu amor me segurava em seus
braços e tive que me controlar para não chorar igual uma criança. Parecia
uma coisa boba para quem olhasse de fora, mas para mim significava
muito. Só entrei nessa piscina sentado em minha cadeira ou com meu
fisioterapeuta.
Mas agora eu estava nos braços da pessoa que eu amava e ele brincava
comigo, se divertia, sorria, conforme se balançava comigo em seus braços.
Fernando rodou comigo, me beijou e depois me pediu para segurar o folego
que iríamos afundar.
Assim que ele fez isso, debaixo d’água eu abri meus olhos e ele
também. Olhei em volta e depois para ele, que deixou um selinho em meus
lábios e emergimos de novo. Conforme eu jogava meus cabelos para trás,
Fernando me olhava profundamente.
— O que foi?
— Você é absurdamente lindo — ele disse e me deixou tímido.
— Vou acreditar, hein?
— Pois acredite. E assim, na água, todo molhadinho, é ainda mais. —
Tive minha boca beijada, enquanto Fernando andava comigo pela água.
Mas o momento mais emocionante, foi quando ele soltou minhas
pernas, sempre me segurando firme pela cintura e me pegou nos braços, de
lado, me fazendo boiar.
Contemplei o céu azul e o sol irradiando. Fechei meus olhos depois
sentindo a água em minhas costas, confiando totalmente no homem que
estava comigo.
— Vou te colocar de frente de novo, peixinho. — Sorri e concordei.
Ficamos um tempão assim, namorando, curtindo um ao outro sem se
preocupar com mais nada. Depois de bastante tempo, nossas barrigas
roncaram, principalmente a do Nando e ele me colocou na cadeira
novamente para sairmos.
— Tenho medo de subir com você em meus braços e escorregar nessa
rampa.
— Não tem problema, meu amor. Eu saio na cadeira.
Conforme eu saía da água, ainda vi Fernando dar mais alguns
mergulhos e depois sair se sacudindo todo.
— Eu amei o que você fez comigo na água — confessei. Nunca iria
esquecer.
— Podemos fazer muitas e muitas vezes. — Ele sorriu e me observou
quando mudei para a minha cadeira normal.
— Preciso tirar logo essa sunga ou vou molhar o assento todo.
— Deixa eu te ajudar. Se suspende aí.
Adorava a forma que ele era prático e que não via problemas ou
empecilhos em nada.
— Um CEO peladão na cobertura. — Ele mexeu comigo e eu caí na
gargalhada.
— Um CEO de pinto murcho por causa do frio que está sentindo. —
Meu amor me deu o roupão e também vestiu o dele.
— Mas ele acordado mete respeito em qualquer um. — Levantei uma
sobrancelha pra ele e sorri de lado.
— O que eu faço com toda a sua safadeza? — perguntei.
— Se aproveita dela que eu deixo.
Entramos rindo em casa e novamente pedi nosso almoço no delivery.
Desta vez comemos na cozinha.
— Você não fez faculdade, mas tinha vontade? — perguntei a
Fernando.
— Tinha, mas na época da matrícula, mesmo se eu tivesse condições,
não saberia qual curso fazer.
— E hoje sabe? — Ele parou de cortar seu filé e me olhou.
— Algo que fosse relacionado com informática. Amo mexer com
computador. Sempre usava o do Ricardo quando ia na casa dele — ele disse
e fez uma careta. — Desculpa.
— Por que está me pedindo desculpas?
— Por ter falado do Ricardo.
— Ele fez parte da sua vida. E você me disse que também eram
amigos.
— Sim, isso mesmo.
— Então você não tem um na sua casa?
— Não, nunca tive condições. — Fernando colocou comida na boca e
ficou pensativo.
— Entendi.
— Acho bem maneiro esse lance de criar sites. Designer gráfico que
fala. — Ele mostrou empolgação na voz.
— Isso mesmo. Existe esse curso na faculdade.
— Era uma que com certeza eu faria.
— Você ia se sair bem. — Sorri com carinho para ele.
— Como sabe?
— Porque você é bom em tudo que faz. É persistente, não se abate
com dificuldades. Pelo contrário, elas parecem te dar mais gás.
— Gostei da sua análise. Me deu até tesão. — Tive que rir desse
safado.
— Amor, tudo te dá tesão — falei rindo
— Fazer o que se tenho o namorado mais lindo do mundo — ele disse
aquilo assim, despreocupado, levando mais um pedaço de bife à boca e nem
se tocou do quanto me fazia feliz com aquela simples declaração.
Eu devia estar parecendo um bobo apaixonado. Estava vivendo com
Fernando tudo que sempre sonhei na minha vida e me permitindo inúmeras
coisas pela primeira vez.
A verdade é que Fernando achou um homem aos cacos, depressivo,
amargurado e desacreditado, mas ele não tinha a noção do quanto vinha me
remendando, do quanto já colou partes de mim que achei que eram
descartáveis. Fernando estava fazendo um belo trabalho de restauração
comigo e isso só me fazia amá-lo ainda mais.

Algumas horas mais tarde...

— Porra, Fernando! — Joguei minha cabeça para trás, puxando o ar


com força. Tudo porque meu namorado está ajoelhado na minha frente me
abocanhando com vontade.
Estou em minha cadeira, que ele me fez abaixar os braços e travá-la no
lugar. Estamos perto da varanda do meu quarto, com uma vista linda da
noite estrelada e quente do Rio de Janeiro e meu homem está sendo
banhado pela lua cheia que brilha no céu. Ele me pediu pra acender apenas
a luz do abajur pra criar um ambiente mais sexy.
Tudo começou no banho, onde ele me provocou e depois saiu do box
como veio ao mundo, me chamando com o dedo. Eu estava excitado, minha
ereção tinha acordado totalmente. Fernando era um estímulo e tanto.
Agora ele me chupava, me deixando bem babado, pois disse que ia
sentar em mim.
— Agora eu quero sentar.
— Vem, senta! Sou todo seu!
Foi lindo vê-lo se encaixar em mim fazendo caretas de dor e tesão,
mas quando seu olhar encontrou o meu, o que eu vi me arrepiou até a alma.
Hoje ele estava “pro crime”, como tinha dito há alguns minutos.
Fernando cavalgou em mim gemendo alucinado e eu ficava cada vez
mais bêbado de tanto tesão que sentia. Segurava em sua cintura, enquanto
ele tinha os pés, levemente tocando o chão por causa das rodas da minha
cadeira, que por sinal se sacudia toda, mas ainda bem que tinha trava e era
resistente.
Quando ele me beijou, rebolando em meu colo, soltei sua cintura e
apertei sua bunda, fazendo ele se esfregar mais em mim e logo meu peito
recebia seu prazer quente que escorreu. Não gozei desta vez, a última tinha
sido muito forte, mas o prazer que senti, vendo que mantive minha ereção
até ele se acabar em meus braços, foi melhor que tudo.
Nando desabou sobre mim exausto e eu fiquei fazendo carinho em
suas costas suadas.
— Você ainda está duro dentro de mim. — Sorri satisfeito com o rosto
em seus cabelos.
— Você faz isso comigo. Hoje não a perdi no meio do caminho.
— Não teria problema se perdesse. — Ele me olhou nessa hora. —
Essas mãos maravilhosas sabem muito bem fazer todo serviço. — Sorriu
safado.
— Não sei nem nomear o que você está fazendo comigo. — Ele tinha
um olhar lindo e ficou fazendo carinho no meu rosto com o dele.
— Quando fiz aquela entrevista, jamais imaginei que ficaria assim
com você. Nunca passou pela minha cabeça.
— E nem pela minha mas saiba que essa foi a surpresa mais
maravilhosa que já tive na vida. — Olhava para ele apaixonado.
— Foi tão gostoso passar o dia aqui com você — Fernando disse e
deixou seu rosto próximo ao meu pescoço. Nem ligávamos de estar os dois
suados e melados. — Você fala quantas línguas? — ele perguntou de
repente e eu ri.
— A pessoa que muda de assunto do nada.
— Eu me lembrei que você não me disse da última vez que perguntei.
Sua língua estava focada em fazer coisas comigo. — Tive que rir e não foi
pouco.
— Minha língua sempre quer fazer coisas com você. Mas respondendo
a sua pergunta, falo cinco idiomas. — Fernando me olhou com os olhos
arregalados.
— Sério? Aquele dia você falou inglês e francês, certo?
— Sim, mas falo também italiano, espanhol e alemão.
— Gente, como pode isso? Você estudou muito!
— Bastante. É para os negócios, mas o inglês já é o suficiente.
— Acho tão bonito isso...
— Eres lo mas hermoso que llego a mi vida — falei e Nando sorriu.
— O que isso quer dizer?
— Você é a coisa mais linda que surgiu na minha vida.
Depois dessa declaração em espanhol, ganhei um beijo que deixou
meus neurônios tão embaralhados que nem o português eu era mais capaz
de falar. E mais uma vez dormimos abraçados e eu me sentindo em paz.

Quando acordei naquele domingo, sentir o cheiro do Caique, o calor


dos seus braços e o dolorido em meu corpo onde ele esteve ontem, foram
motivos que me fizeram sorrir de olhos fechados.
Abri os olhos devagar para olhar o homem que eu amava dormindo
tranquilo e relaxado. Hoje era dia de voltar para casa e mesmo que as
mulheres da minha vida estivessem me esperando, eu já sofria por deixá-lo.
A verdade era que eu queria os três juntos de mim o tempo todo:
minha mãe, a Ju e o Caique.
Por já estar sofrendo de antecipação, me recusei a levantar da cama e
mesmo que estivesse com fome, nada era capaz de me tirar dos braços dele
naquele momento.
Fiquei sobre um dos meus cotovelos e beijei o centro de seu peito, para
depois beijá-lo até o queixo. Nessa hora ele abriu os olhos e o que vi dentro
deles me pegou de surpresa: Caique me olhava com amor. Não era uma
simples paixão, ele me amava, disso não tive dúvidas. Mesmo sem as tais
palavras, ficou muito claro pra mim.
— Bom dia, meu amor — ele disse.
— Bom dia, meu lindo. Fiquei sem coragem de me levantar. Ficar aqui
te beijando é a melhor coisa do mundo. — Seus olhos azuis haviam me
prendido ainda mais.
— Então beija mais — ele pediu e eu fui para sua boca.
Caique deu impulso com o próprio corpo e com isso me deitou na
cama. Com a força de seus braços, ele se pôs sobre meu peito e senti pelo
movimento do seu braço que ele puxava sua perna para cima de mim. Ele
fez o mesmo movimento com a outra, sem deixar de me beijar.
Abri minhas pernas e o acomodei melhor. Foi fantástico receber seu
beijo assim, como ele em cima de mim. Gostava de ver ele fazendo o que
queria. Amava sua determinação.
— Posso pedir para ser meu namorado de novo? — Fechei meus olhos
com seu carinho em meu nariz.
— Quantas vezes você quiser — respondi.
— Mas devo te lembrar antes que não pode mais mudar sua resposta?
— Minha resposta será “sim” em todas as vezes que me pedir. —
Olhei em seus olhos, fazendo carinho em seu rosto. — Porque eu te amo e
não sei mais ficar sem você.
Caique paralisou e ficou me olhando. Ele estudava o meu rosto, cada
centímetro dele, até que suspirou.
— Eu amo você, Fernando. Amo tudo que você me faz sentir.
Principalmente a força que você me dá para encarar a minha vida. Você
transformou tudo ao meu redor e me devolveu o que eu havia perdido há
muito tempo.
— O quê?
— O amor. Eu não acreditava mais nele, nem nas pessoas, mas em
você eu acredito. Porque o que eu sinto aqui dentro por você, não me deixa
duvidar de nada, de absolutamente nada. Você abriu meus olhos pra muita
coisa em um curto espaço de tempo. Você faz com que eu me enxergue de
verdade, como homem principalmente. — Beijei seus lábios com carinho,
em um beijo calmo e cheio de sentimento.
— Você é o homem que eu sempre desejei ter pra mim. Em todos os
aspectos. Todos!
— Diz que me ama de novo? — Sorri.
— Eu te amo.
— Eu também te amo. — Caique deitou sua cabeça em meu peito e eu
passei a mexer em seus cabelos.  — Eu te amo muito. — Ele repetiu e eu o
apertei em meus braços. Aos 27 anos eu me sentia completo pela primeira
vez na vida. Tinha meios de cuidar das minhas meninas e tinha um homem
maravilhoso ao meu lado. Não poderia ser mais feliz.
Na hora de ir embora foi um custo. Caique desceu comigo em seu colo
pelo elevador e me levou pela garagem do prédio aos beijos. Nós dois
ríamos juntos até vermos Robert já se posicionando perto do carro para me
levar. E com a pergunta que fiz, Caique diminuiu a velocidade da cadeira.
— Amor, o Robert trabalha nos finais de semana também? Ele não tem
família?
—Robert é sozinho e ele mesmo me pediu para estar sempre a postos,
fosse o dia que fosse. Gosta de se manter em movimento. Segundo ele, isso
preenche sua vida.
— Isso é tão solitário.
— Sempre achei também, mas com o tempo vi que isso era dele
mesmo. Quando o conheci soube que veio para o Brasil aos 28 anos. Ele
nasceu nos Estados Unidos. Deixou pais e irmãos por lá. Parece que não se
dava bem com o pai, que é um ex-combatente do exército americano,
extremamente rude com todos. Batia nele e nos irmãos. Aqui conseguiu
trabalho como segurança particular, por causa de seu histórico.
— Qual histórico dele?
— Ele também foi do exército americano e já até viajou em combate.
Ele é um sniper.
— Uauuu. Mas por que deixou sua vida e carreira lá?
— Ele disse que a vida no exército não era como ele esperava e juntou
isso com as brigas na família que ficaram cada vez piores. A mãe nunca
ficou ao lado dele, sempre ficou ao lado do marido no tratamento que ele
dava aos filhos. Ele foi o único com coragem para arrumar as malas e ir
embora. Ele decidiu vir para o Brasil por já ter amigos aqui e queria uma
vida completamente diferente do que ele conhecia. Logo conseguiu ser
segurança de gente importante e fez sua carreira e um novo currículo.
— Ele tem quantos anos?
— Tem 50 anos.
— Ele é um homem bem afeiçoado pra idade dele. Nunca se casou,
será?
— Já me disse que não. Quando mais novo teve algumas namoradas,
mas disse que se decepcionou muito e outras não entendiam a profissão
dele, o perigo e as ausências. Desde quando começou a trabalhar pra mim,
apenas vive de encontros. Encontros que eu quase o forço a ir, porque se
deixar pro conta dele, não sai de jeito nenhum.
— Ele deve ter se acostumado com a solidão. Agora entendo o nome
dele ser diferente, ele é americano então. Bem que notei um sotaque em sua
fala.
— Também acho que se acostumou. Confio muito nele e nos damos
muito bem. E sim, o nome é devido ao seu local de nascimento. Ele me
disse que o sotaque suavizou bastante, era bem mais carregado.
O assunto morreu quando chegamos perto do segurança que eu nunca
tinha visto sorrir, mas que sempre tinha um olhar tranquilo e até carinhoso
direcionado ao meu namorado.
— Hora de levar esse rapaz pra casa, Robert — Caique falou dando
um muxoxo. E esse gesto até fez o sisudo segurança segurar um riso que
não foi desta vez ainda que eu vi.
— Eu o levarei em segurança, senhor Caique.
— Gente, parece que vou ser transportado não sei pra onde. Só vou
para casa — falei com as mãos na cintura e olhei para o meu CEO birrento.
— Amor, foi nosso combinado. Minha mãe arranca meu couro se eu não for
hoje.
— Tudo bem. Não quero problemas com a dona Kátia.
Dei mais um beijo em Caique e Robert abriu a porta pra mim. Ele
ficou olhando para o meu namorado e quando Caique revirou os olhos e foi
indo para o elevador, percebi que Robert não sairia enquanto não visse o
Caique em segurança. Sorri e fiquei de dentro do carro olhando para o
homem elegante e todo de preto parado com a porta aberta.
Quando Caique subiu, Robert entrou e seguimos viagem. Fiquei
pensando em tudo que Caique me contou e minha língua coçou para puxar
assunto com ele, mas não via como começar. Até que decidi ser sutil.
— Você trabalha há muito tempo pro Caique, né, Robert?
— Trabalho sim, senhor. Uns seis anos. — Era engraçado ele me
chamar de senhor sendo tão mais velho que eu.
— Vejo que é nítido seu carinho por ele. — Seu olhar encontrou o meu
no retrovisor, por breves segundos e desviou.
— Tenho sim, muito carinho por ele.
— Hoje é domingo. Não quis curtir uma folga?
— Minhas folgas são quando preciso resolver algo em caráter especial
e coincide com o senhor Caique estar em casa e em segurança. Do
contrário, estou sempre à disposição dele. Seja o dia que for.
Depois dessa sinceridade toda até me calei. Era fato, Robert se sentia
feliz em trabalhar pro Caique e meu amor se sentia seguro e confiava
plenamente nele. Depois de já ter me calado e ter se passado uns 15 minutos
que conversamos, Robert me surpreendeu com um comentário.
— Desde que trabalho para o senhor Caique, jamais o vi sorrindo
como agora. Desde que o senhor entrou na vida dele.
Meu sorriso merecia ser fotografado naquele momento.
— E como sei que é muito importante para ele, não o deixarei mais na
esquina de casa. Irei lhe deixar na porta. — Revirei os olhos, mas sorria.
— Tá bommmm, Robert. Vou deixar você fazer o seu trabalho em paz.
É que onde moro tem muita gente de bem, mas muito bandido também.
Esse carro chama atenção, entende? Fico com medo.
— Então se é pelo carro, faremos diferente. Paro na mesma esquina
que te deixo e vou te acompanhar a pé até sua porta.
— Com essa cara de segurança? De terno e tudo? Não sei o que será
pior, Robert.
— Daremos um jeito. — Foi tudo que ele disse e seguimos para minha
casa.
Minha vontade era de rir, mas estava me segurando o máximo que eu
podia. Estava indo para minha casa, com Robert ao meu lado. Detalhe: ele
não parecia mais tanto um segurança assim.
Ele tinha uma camisa no porta luvas do carro e a trocou rapidamente
para me acompanhar, assim, não ficava tanto com cara de segurança. Ele
estava com sua calça social preta, mas com uma camisa básica cinza com
alguns dizeres em inglês nas costas. Parecia apenas um homem bem
arrumado.
— É aqui que eu moro, Robert. Obrigado por me trazer até na porta.
— Fico mais tranquilo, senhor Fernando.
— Por favor, “senhor Fernando” não. Pode me chamar de Fernando.
— Mas...
Nessa hora minha mãe abriu o portão de casa e Robert ficou mudo.
Mamãe olhava pra mim e para ele sem entender.
— Mãe, este é o Robert. Segurança do Caique. Ele veio me
acompanhar até aqui.
— Muito prazer, senhor Robert. Sou Kátia, mãe desse rapazinho.
— Apenas Robert, por favor. É um prazer conhecê-la. — Robert
estendeu a mão para minha mãe, que me olhou antes de entregar sua mão.
Ela estava toda tímida. Segurei o riso. — Preciso voltar, senhor... quer dizer,
Fernando. Entre com sua mãe.
— Vou entrar. Obrigado, Robert.
— Foi um prazer — mamãe falou e me puxou para dentro.  — Que
homem estranho esse, meu filho.
— Estranho? Por que diz isso?
— Ah, sei lá, só achei estranho. Meio sério, mas observador. Ficou me
encarando tanto.
— Ele é assim mesmo, mãe. É muito responsável e foi do exército.
Deve ser por isso o modo observador. Eles devem aprender isso por lá.
— Deve ter sido isso, não estou acostumada com essas coisas. Nem
seu pai e nem Roberto foram assim.
— Fazer o quê. O Robert é. Ele tem a mesma idade que você, sabia?
— Aquele homem tem 50 anos?
— Tem. Deu quantos anos pra ele?
— Ah, uns 40 no mínimo.
— Ele é bem conservado.
— Hum. E seu final de semana como foi?
— O paraíso! — Levantei os braços e minha mãe riu da minha
felicidade. — Cadê a Ju?
— Na Claudinha brincando. Eu estava colocando os cristais no vestido
de noiva.
— Vou te ajudar!
O restante do meu domingo foi tranquilo e cheio de preguiça. Ainda
falei com meu amor por mensagem e fui dormir cedo para amanhã começar
mais uma semana de trabalho.
Eu só não fazia ideia de que ela seria terrível e que tanto meu amor,
quanto eu, iríamos sofrer bastante.
Capítulo 20

Cheguei na empresa no horário e cheio de sono, mas logo troquei de


roupa e fui abastecer meu carrinho de limpeza.
— Bom dia, Fernando.
— Bom dia, dona Vanessa.
— Tudo abastecido?
— Tudo. Acabei de conferir.
— Ótimo, vou subir com você, mas vou no décimo andar. Parece que o
funcionário de lá está atrasado.
Dona Vanessa subiu comigo e desceu no 10º andar. Eu continuei
subindo para o meu trabalho. Estava leve e feliz.
Estava feliz. Hoje era o meu primeiro dia na AGM e era uma
oportunidade e tanto. Sabia que era temporário, apenas até Flavinha voltar,
mas era uma grande experiência pra mim. E além do mais, vai que meus
serviços eram apreciados e uma vaga em algum setor surgisse?
Estava louco para ter meu emprego para arrumar um canto pra mim.
Estava morando com Flávia desde que saí da casa dos meus pais. Minha
prima era uma luz na minha vida e me ajudou muito em um período muito
turbulento da minha vida.
Deixando de lado esses assuntos desagradáveis, eu estava focado em
me sair bem e conseguir meu lugar ao sol. Tinha escolhido a melhor roupa
que eu tinha: uma calça social creme e uma camisa, também social, branca.
Estava elegante e cheiroso. Era o secretário do presidente e precisava estar
apresentável.
Estava indo me sentar quando o elevador fez barulho e “ele” saiu de lá
de dentro. Na primeira vez que estive aqui, o vi de longe e sua beleza havia
me chamado atenção, mas foi no dia em que entreguei meus documentos
para ele e que fiquei realmente, frente a frente, falando diretamente com sua
pessoa, que minhas pernas realmente tremeram na base.
Saulo era lindo. Isso era incontestável. Ele tinha presença. Não era
daqueles homens sérios que vemos por aí, pelo contrário, já tinha
presenciado seu sorriso algumas vezes, mas ele tinha um olhar astuto, como
se sempre estivesse investigando as pessoas e era debochado. Gostava de
fazer piadas e minha prima o adorava. Me lembro dela comentar quando
falava da empresa.
Me ajeitei todo e me sentei na cadeira como era a ideia inicial. Quando
levantei minha cabeça, dei de cara com ele me olhando, enquanto
caminhava na minha direção.
— Bom dia, Guilherme. Primeiro dia, hein? — ele disse e colocou as
mãos dentro dos bolsos da calça.
— Bom dia, senhor Saulo. Sim, primeiro dia.
— Está indo tudo bem até agora?
— Sim. Tudo bem. Já atendi alguns telefonemas e anotei recados. Já
organizei o quadro de tarefas do Fernando conforme a agenda de hoje. E
por falar nela, já atualizei para o seu aplicativo em seu celular e para o
senhor Caique . Hoje o senhor tem duas reuniões com a presença dele.
— Muito bem, rapaz. Flávia que te explicou tudo isso?
— Sim, ela me passou cada detalhe.
— Muito bem. Vou indo pra sala de reunião. O Caique está chegando,
liguei pra ele. Avise que estou lá, ok?
— Sim, pode deixar. — Saulo fez um cumprimento de cabeça e foi
andando. O observei até entrar e suspirei. Uma pessoa inalcançável pra
mim, então foco no trabalho.
Dez minutos depois meu chefe chegou e assim que me viu deu um
sorriso bonito.
— Bom dia, Guilherme! Seja bem-vindo.
— Bom dia, senhor Caique. Muito obrigado. O senhor Saulo o aguarda
na sala de reuniões.
— Obrigado por me informar. Vou passar na minha sala antes.
— Sua agenda já está atualizada com todos os compromissos de hoje.
— Obrigado.
O elevador fez barulho e Fernando surgiu com seu carrinho. Havíamos
nos dado bem logo de cara desde que nos conhecemos. Sorri para ele e ele
me devolveu o sorriso, mas foi seu olhar para o senhor Caique que me
surpreendeu.
Só que a surpresa maior foi quando olhei para o meu chefe e o olhar
apaixonado dele estava visível para quem quisesse ver.
— Bom dia — Fernando disse e eu respondi.
— Bom dia, Fernando.
— Bom dia, meu amor. — Quase engasguei com a balinha que
chegava ao fim na minha boca. Fernando sorriu tímido, mas parecia não ter
sido pego de surpresa. Ele se aproximou do senhor Caique e deixou um
beijo em seus lábios.
Meu queixo devia estar arrastando no chão e Soraia, da copa, estava
parada igual uma estátua na entrada com dois olhos arregalados.
O senhor Caique me olhou em seguida.
— Guilherme, você está sendo a primeira pessoa fora do meu convívio
particular que está sabendo de mim e do Fernando. Ele é meu namorado. —
Sorri todo bobo.
— Desejo muitas felicidades ao dois. Vocês formam um belo casal!
— Obrigado, Guilherme — Fernando me respondeu.
— Vou para minha reunião com Saulo e minha sala ficará livre, amor.
— Vou agora pra lá.
— Toma um cafezinho da Soraia primeiro. Vai com calma.
O senhor Caique se retirou e eu olhei para Fernando.
— Uauu!
— Fico todo tímido com essas coisas, mas ele disse que queria me
assumir.
— E tem que assumir mesmo. Vocês são adultos, lindos e estão
apaixonados. Estranho se ele não assumisse.
— É, também estou muito apaixonado por ele. Mas também sei por
outro lado tudo que irei enfrentar.
— Você está se referindo a família dele ou o fato dele ser famoso e o
povo adorar uma fofoca?
— As duas coisas, Guilherme. Só que por ele eu enfrento, sabe? Vou
ficar firme.
— Isso, seja forte e não me decepcione. — Fernando riu e decidiu ir
logo na sala do chefe.
Passados uns 20 minutos, o telefone tocou do ramal do 10º andar e era
a senhora Branca Montenegro. O telefone piscava no ramal de sua sala.
— Presidência, bom dia.
— Quem está falando?
— Bom dia, senhora Branca. Sou o Guilherme.
— Cadê a Flávia?
— Está de licença médica e estou em seu lugar.
— Hum. Meu filho já chegou?
—  Está em reunião com o senhor Saulo.
— O funcionário Fernando também chegou?
— Sim, senhora.
— Quero que peça imediatamente que ele venha ao meu andar limpar
minha sala.
— Irei pedir agora mesmo.
— Gostei mais de você do que da entojada da Flávia. — E ela desligou
o telefone na minha cara.
Respirei fundo e já olhei para a porta do senhor Caique com pena do
Fernando. Quando me levantei da cadeira para chamá-lo, ele estava saindo.
— Estava indo te chamar.
— O que foi? Você está com uma cara...
— A senhora Branca acabou de ligar e pediu que você fosse limpar a
sala dela.
— Eu? Cadê o funcionário do andar?
— Não sei, ela não falou nada sobre.
— Em que andar essa mulher fica?
— No 10º.
— Ah, a dona Vanessa me falou quando cheguei que o funcionário de
lá estava bem atrasado. Não acredito nisso. Justo eu.
— Vai com calma, Fernando. Não perde sua cabeça com ela.
— Essa mulher é o demônio, Guilherme. Tome cuidado com ela.
— Ela acabou de falar mal da minha prima pra mim. Você acredita?
— Acredito. Você ainda não viu a forma que ela trata as pessoas e o
próprio filho, mas eu vou lá. Deus me ajude.
Observei Fernando descer de elevador e fiquei apreensivo. Um tempo
depois, Saulo saiu da sala de reunião falando no celular e me olhou antes de
pegar o elevador e descer também. Vi o vice-presidente, o senhor Aurélio ir
para a sala onde estava o senhor Caique.
— Bom, eles estão trabalhando. Vou fazer o mesmo. — Só não tirava o
Fernando da cabeça e como ele deveria estar lá naquela sala.

Contei os segundos até aquele inseto que precisava ser exterminado


entrar na minha sala. Desde que meu filho me ligou para contar a pouca
vergonha que estava acontecendo, não consegui ter mais sossego.
Caique era um idiota. Burro! Não bastasse a forma ridícula que foi
enganado no passado, agora ele caía no mesmo golpe. Inclinação para ser
mais um jornalista esse preto desaforado não tinha, era apenas um pobre
mesmo em busca de um pote de ouro e enganar o imbecil do meu filho, era
bem fácil, mas isso ia acabar.
— Bom dia. — Ele me cumprimentou e eu o observei bem. O infeliz
não era feio, mas não queria sua laia misturada a minha família e
usufruindo dos meus bens.
— Quero que limpe minha sala — falei e olhei para minha mesa e
meus papéis.
Ele começou a pegar suas coisas no carrinho e vi que olhou ao redor,
provavelmente para decidir por onde começar. Ele preferiu a estante, então
olhei para a mesa de centro, onde havia deixado, de propósito, um bolo de
dinheiro.
— Vê se não quebra nenhuma das minhas coisas. Caso contrário, vai
ser descontado de seu salário.
Ouvi quando ele respirou fundo e estava doida que ele perdesse a
cabeça. Um chamado meu e os seguranças o colocariam pra fora daqui, mas
o infeliz limpou com cuidado e aquilo estava me irritando.
Quando ele terminou por ali, foi justamente para a mesa de centro. Ele
olhou para o dinheiro e depois pra mim. Eu o encarava séria vi quando ele
pegou todas as notas.
— Se roubar, eu entrego você à polícia — falei e logo me armei, mas o
seu caminhar até minha mesa me surpreendeu. As notas foram jogadas bem
na minha frente.
— Eu não preciso do seu dinheiro. Estou aqui apenas para limpar.
— Se não precisa, por que está querendo dar o golpe no meu filho? —
Seus olhos se arregalaram brevemente, até ele ficar sério novamente.
— Pelo visto então já sabe que seu filho e eu estamos juntos. Achei
estranho ser chamado aqui, justo eu.
— Quero que saia das nossas vidas. O que você quer com ele? Olhe
pra você, ele é um homem preso a uma cadeira de rodas. Do que isso serve?
— Risquei um fósforo e joguei em um tanque de gasolina.
Fernando espalmou suas mãos na minha mesa com bastante força me
assustando.
— Lave sua maldita boca para falar dele. O homem de cadeiras de
rodas que você se refere com desdém é seu filho, porra! Que espécie de mãe
é você?
— Eu vou chamar os seguranças e te jogar na rua, seu infeliz. Pra
minha família você não entra.
— Eu não quero sua família! Eu amo seu filho, e somente ele me
interessa.
— Ama? Ama nada, seu ridículo. Você está atrás de dinheiro. Isso que
você ou qualquer outro quer quando se aproxima daquele idiota.
— Pois saiba que você pode me chamar do que quiser. Pode querer me
humilhar, mas eu não deixarei o Caique. Você não manda na minha vida e
nem na dele.
— Eu mando onde eu quiser e farei de tudo para defender minha
família de pretos imundos como você. E agora você vai sair daqui com os
seguranças que irei chamar. Aqui você não trabalha mais.
— A senhora está redondamente enganada. — Caique deu um
empurrão na porta com força e me encarava com ódio da entrada da sala.

Assim que saí da minha reunião, fui em direção a minha sala, mas
antes olhei para o corredor e não vi Fernando.
— Guilherme, o Fernando ainda está aqui dentro?
— Não, senhor Caique. Ele está no 10º andar limpando a sala da dona
Branca. Ela solicitou. — Senti todo o sangue do meu corpo gelar.
— Ele está a quanto tempo lá?
— Uns 20 minutos.
Movimentei rápido a minha cadeira e passei rápido pela recepção indo
para o elevador. Enquanto esperava aflito, olhei para Guilherme e ele
também me olhava nervoso.
— Guilherme, o Fernando fica somente neste andar. Qualquer
chamado, seja minha mãe, meu irmão, a Vanessa, qualquer um, eu quero ser
comunicado imediatamente. Posso estar em uma reunião importantíssima,
mas você pode me interromper, ok?
— Sim, senhor. Me desculpe por não avisar.
— Tudo bem, você não sabia.
Desci com o coração aos pulos e passei pela recepção do andar
bufando de raiva. A secretária me olhou assustada, provavelmente pela
minha expressão. Já perto da porta pude ouvir a voz da minha mãe falando
alto.

“Eu mando onde eu quiser e farei de tudo para defender minha família
de pretos imundos como você. E agora você vai sair daqui com os
seguranças que irei chamar. Aqui você não trabalha mais.”

Empurrei aquela maldita porta com toda força e tanto ela quanto
Fernando me olharam assustados.
— A senhora está redondamente enganada — falei e ela me olhou com
aquela pose altiva que eu detestava.
— Essa empresa é minha também. — Ela cuspiu as palavras com ódio.
— Mas eu sou o presidente e a palavra final é minha. Portanto, o
Fernando ficará exatamente onde ele está. — Meu namorado andou para
perto de mim e segurei em sua mão. Ela estava gelada e ele com um olhar
assustado.
— Ela já sabe de nós — ele disse baixinho.
— E que bom que já sabe que estamos juntos. Assim me poupa de
ficar contando da minha vida pra você.
— Você é um boçal!!! — Ela gritou, vermelha de tanta raiva. — Vai
levar mais um golpe, seu imbecil. Olha pra esse cara, o que ele vai querer
com você além do nosso dinheiro? O que você pode dar a ele como
homem?
— Bom, passei o final de semana fodendo bem gostoso com ele. —
Fernando apertou minha mão com força e me olhou assustado. Já minha
mãe, ficou com tanto ódio, que bateu com a mão em alguns porta-retratos
que tinham na sua estante e jogou tudo no chão. O barulho foi enorme e a
secretária veio correndo.
— Dona Branca! Posso ajudar?
— Chame os malditos seguranças para tirar esse verme daqui!! — ela
gritou e Estefani me olhou.
— Não chame. Se tiver que chamar alguma coisa, chame só um
hospício pra ela. Não quero nenhum segurança aqui e feche essa porta. — A
secretária fechou a porta, mas ela foi aberta em seguida por Matheus, meu
irmão.
— O que está acontecendo aqui, mãe? — O filhinho da mamãe entrou
falando e olhou para minha mão unida a de Fernando e foi para perto da
nossa mãe.
— Seu irmão é um imbecil!! Está me destratando por causa desse
sujeito. Não me deixou chamar os seguranças para tirá-lo daqui e disse
coisas obscenas pra mim. Já está aprendendo direitinho a ser um favelado.
— Revirei os olhos com o teatro.
— Olha só, a senhora que me ofendeu primeiro...
— Pode ir calando a sua boca, sujeito. — Dei um tranco em minha
cadeira quando Matheus veio cantar de galo pra cima do Fernando e entrei
entre os dois.
— Você que veja bem como vai falar com ele. De todos dessa
empresa, é o que menos pode abrir a boca para falar dessa maneira com
alguém. Não passa de um parasita que suga o dinheiro da família. Finge que
trabalha e vive em farras. Sabe se lá mais o que faz por aí. Então não venha
dar uma de machão pra cima dele e nem de mim. Quem provocou tudo foi
ela — Apontei pra minha digníssima mãe que já tinha até parado de chorar
seu choro fingido e me olhava com nojo e raiva. Se ela pudesse, naquele
momento, arrancava minha cabeça. — Ela que veio ofender a gente. A mim
e a ele. Tudo porque soube que estamos juntos.
Quando Matheus ameaçou falar, eu falei mais alto.
— Cala sua boca que ainda não terminei. — Ele deu um passo para
trás. Nunca tinha falado com eles assim. — Para encerrar essa reunião
desagradável em família, eu vou falar uma única vez: Fernando e eu
estamos namorando, não é da conta de vocês e nem de ninguém. E sim, isso
se tornará público porque não tenho motivos para escondê-lo. Ele não saíra
desta empresa e quero que o respeitem. Mais uma ofensa contra ele e
processo os dois. Vamos, Fernando.
Esperei meu namorado pegar seu carrinho e saímos os dois daquela
maldita sala, mas eu ainda ia voltar, só queria tirar Fernando dali e deixá-lo
em segurança.

Assim que aquela maldita porta bateu, me livrando daqueles dois


infelizes, eu perdi todo o meu controle. Derrubei tudo da minha mesa no
chão, mais itens da estante e quase arranquei as cortinas da sala. Estava
descontrolada.
— MÃE! PARA! VOCÊ VAI SE MACHUCAR! — Escutava a voz de
Matheus longe, mas estava tão fora de mim que só chorava descontrolada.
— Eu ODEIO ELE! ODEIOOOOOOOO!!! Devia ter interrompido
essa gravidez. Devia ter me livrado desse fardo que carrego a vida inteira.
Ele quase acabou com tudo, quase!! Quase perdi meu verdadeiro amor. E se
ele não aceitasse? E se ele...
— Mãe, do que a senhora está falando? Se acalma! — Só quando ouvi
a voz de Matheus novamente, foi que me dei conta do que falava. Estava
farta. Farta de ter que fingir que gostava de ser mãe.
Meu filho me virou de frente para ele com força e ficou me olhando.
Eu devia estar um horror, mas aqueles dois me levaram ao limite.
— Do que a senhora estava falando? E não adianta desconversar. Foi
muito sério tudo que disse. — Matheus era esperto e me observava. Estava
muda, de repente havia perdido a fala. — Mãe, eu vi a vida inteira a
senhora maltratando o meu irmão. Só o tratava melhor perto do papai e só.
Sempre jogou na cara dele que tinha se arrependido de ter trazido ele ao
mundo. — Matheus de repente arregalou os olhos e se afastou de mim. —
Mãe, você finge que é mãe dele? O Caique é adotado ou filho só do papai?
Engoli em seco e sabia que Matheus não me deixaria em paz. Respirei
fundo tentando me acalmar. Meus nervos tremiam.
— Caique, infelizmente, é meu filho — falei com os olhos cheios de
lágrimas.  — Mas ele não é filho legítimo do seu pai. — Matheus caiu
sentado no sofá com os olhos arregalados, pálido.
— Mas... Mãe, você enganou o papai todos esses anos?
— Não! Está me tomando pelo quê, Matheus? Seu pai sempre soube,
sempre, desde o começo. — Me sentei na minha cadeira e segurando as
lágrimas eu comecei a contar. — Na minha juventude eu tive dois casos.
Casos mesmo. Não ia casar com nenhum dos dois homens com os quais me
deitei. Meus pais jamais aceitariam, eles não eram da nossa classe, mas eu
era jovem, cheia de vida e entre festas que ia com minhas amigas, conheci
os dois.
Passei as mãos em meus cabelos e suspirei.
— Um foi em uma festa a bordo de um iate. Aparentemente ele era
rico, mas não servia pra mim e nem eu estava apaixonada. Havia bebido
naquela noite e entre conversas, acabamos na cama. Nem me lembrava do
nome dele no dia seguinte. Depois o vi em outra festa acompanhado com
uma mulher. Devia ser casado. Fingimos que nem nos conhecíamos. Uma
semana depois, em outra festa, conheci outro homem e este eu desejei mais.
Ele claramente estava ali por ser amigo de alguém com dinheiro, mas era
bonito e estava apresentável.
— Mãe...
— Me deixe falar agora que comecei. Ele era legal e tinha uma boa
conversa. Dormimos juntos no quarto de hotel que ele estava hospedado.
Quarto do amigo rico, como imaginei. Entrei disfarçada, claro, e naquela
noite transamos. Como eu, ele não queria nada sério e seguiu sua vida. Dois
meses depois disso tudo, conheci seu pai em um jantar de nossas famílias
que se conheciam e eu nem sabia. Me apaixonei no instante em que o vi. —
As lágrimas desceram pelo meu rosto nessa hora por me lembrar de
Augusto. — Ele também se encantou por mim e parecia um sonho que ele
havia me notado. Ele foi gentil e atencioso. Quando meu pai nos viu
conversando, percebi em seu semblante que ele aprovava muito e minha
felicidade foi completa. Passamos a nos encontrar, a passear juntos e ele a
frequentar nossa casa. Estava sendo tratada como uma princesa, mas nesses
dois meses em que nos conhecíamos, logo após ele me pedir em namoro, eu
descobri que estava grávida e o pior, nem sabia quem era o pai.
Matheus passou as mãos no rosto atordoado.
— Sabia com certeza que devia ser de um dos dois homens que transei
no intervalo de uma semana, mas não sabia de qual e nem sabia como achá-
los.
— Vocês não se preveniram? Mãe, você podia pegar uma doença!
— Eu tomava remédio, mas o infeliz falhou. Como eu não sei, mas
falhou! — Bati na minha mesa com força. — Eu me vi grávida, estando
apaixonada e pensava que perderia o amor da minha vida! — Meu queixo
tremeu nessa hora. — Odiei essa criança no momento em que soube da
existência dela dentro de mim. Ela me faria perder tudo, iria acabar com
minha vida e meus pais me odiariam de quebra por perder um casamento
tão bom e a nossa altura.
— Meu Deus!
— Enquanto tentava pensar no que iria fazer, um dia, saindo com seu
pai, eu passei mal e ele me levou para um hospital. Quando acordei, a
enfermeira já tinha dado os parabéns a ele por eu estar grávida. Só que nem
tínhamos transado ainda, seu pai era todo certinho e acreditava que eu era
virgem, coitado.
— Como foi a reação dele?
— Ele estava ao meu lado assim que abri os olhos e segurava minha
mão. Mas no minuto seguinte me contou tudo que a enfermeira havia lhe
dito. Chorei muito e pedi perdão a ele. Mas... não disse toda verdade. —
Encarei os olhos de Matheus.  — Disse que antes de conhecê-lo, fui
ludibriada por um homem, um amigo do meu pai e confiando nele,
acabamos indo pra cama, mas que ele apenas me iludiu com sua conversa
mole e me deixou. Que até meu pai tinha rompido relações com ele. Jamais
falaria que tinha dormido com dois homens e que nem sabia quem era o pai.
Seu pai iria pensar o que de mim?
— E ele?
— Colocou a mão sobre a minha barriga e disse que aquela criança
seria dele. Que ela não tinha culpa e que a amaria como um verdadeiro pai.
— Solto o ar com força. — Só que eu não queria ser mãe naquela época.
Poxa, estava perdidamente apaixonada pela primeira vez e queria aproveitar
tudo! Queria casar linda, vestida de noiva e viajar com meu marido. Um
bebê só iria atrapalhar tudo e de fato atrapalhou.
— Como assim?
— Resumidamente: seu pai logo marcou nosso casamento para não
deixar minha barriga crescer antes e ser um escândalo. Meus pais sempre
acreditaram que Caique era dele. E por eu passar mal toda hora, nem
viajamos em lua de mel. Fiquei enfurnada em casa sentindo a criança
crescer dentro de mim, enquanto seu pai me tratava feito um cristal. Eu
tinha que fingir que amava todo o seu relacionamento com o bebê, mas na
verdade só amava sua atenção comigo. O bebê, eu preferia ter abortado.
— Meu Deus, mãe. Não fale assim.
— EU NÃO QUERIA!!
— E nem quando ele nasceu seus sentimentos não mudaram? —
Matheus seguia atônito com meu relato.
— Não. Vi meu corpo lindo se acabar e sofri no parto. O pior foi eu
precisando de carinho por estar dolorida e fragilizada e ter que ver seu pai,
na sala de parto, o beijando assim que ele saiu da minha barriga. Seu pai
viveu pra nós e eu tive que fingir a vida toda que amava o meu filho. Ainda
bem que existiam babás para dividir essa tarefa comigo. Ele era a minha
cara, não gostava de me enxergar nele.
— Meu pai nunca transpareceu nada.
— Mesmo que me doa dizer, seu pai o amou no minuto que soube dele
e quando seu irmão nasceu, ele o amou ainda mais. Ele jamais me
discriminou pela suposta história que contei e formou sua família.
— Mãe, diante disso tudo, eu preciso perguntar uma coisa e quero que
você seja muito sincera e responda olhando em meus olhos.
— Pergunte.
— Você realmente ama a mim e à Beatriz? — Foi nesse momento que
meu sorriso surgiu, mesmo estando tão abalada. Me levantei e fui me sentar
perto de Matheus e coloquei minhas mãos em seu rosto.
— Quando vocês nasceram foi que eu encontrei a felicidade
novamente. A primeira vez foi ao conhecer seu pai e depois com o
nascimento de vocês, que eram frutos do meu amor e vieram no momento
em que eu queria ser mãe. Ter vocês dois apagou lembranças amargas que a
maternidade me trazia. — Matheus me abraçou.
— Eu te amo, mãe.
— E eu a você, meu filho. Você é meu orgulho.
— Nem com o acidente dele você não passou a vê-lo com outros
olhos?
— Não consigo mudar o que sinto, isso já é bem definido dentro de
mim. Com o acidente, só pensei duas coisas: ou ele ficaria livre de mim ou
eu dele. Mas cá estamos nos tolerando. Arranje algum funcionário que
possa limpar isso tudo pra mim, menos aquele ser.
Matheus já catava algumas coisas que estavam pelo chão.
— O que faremos com essa história de namoro dele?
— Quero que você investigue esse sujeito. Algum podre, nem que seja
o nome sujo, ele deve ter. Quero qualquer coisa que eu possa usar contra
ele.
— E se não acharmos nada?
— Eu invento, mas com o Caique ele não fica.

“Não consigo mudar o que sinto, isso já é bem definido dentro de


mim. Com o acidente, só pensei duas coisas: ou ele ficaria livre de mim ou
eu dele. Mas cá estamos nos tolerando.”
As palavras dela ainda ecoavam na minha cabeça. Quando pensei em
mover minha cadeira para sair dali, percebi que não me lembrava de como
fazia e forcei meu cérebro a funcionar.
Sai de perto de sua porta, não precisava escutar mais nada e antes que
eu virasse o corredor que daria para recepção, o meu estado de choque deu
lugar ao choro. Chorei como no dia em que acordei do meu coma e descobri
que estava paraplégico. Chorei como no dia em que perdi meu pai.
Um choro silencioso, onde minhas lágrimas desciam sem controle.
Chorei entendendo agora por que nunca fui querido ou amado por minha
própria mãe. Chorei por não ser filho de sangue do homem que eu tinha
como meu exemplo, meu herói, mas chorei também por saber que mesmo
não sendo filho dele, ele me amou desde o primeiro instante e vi esse amor
em seus olhos durante todos os anos que convivemos juntos.
Chorei por carregar com orgulho o seu sobrenome como prova de seu
amor. Chorei porque eu precisava por pra fora toda a dor que eu sentia
naquele momento.
Movi minha cadeira e passei aos prantos pela recepção e Estefani veio
até mim aflita.
— Senhor Caique, posso lhe ajudar? O que o senhor está sentindo? —
ela me perguntou e eu já estava dentro do elevador.
— Você não me viu. Apenas faça isso por mim, ok? Eu não voltei para
falar com minha mãe, certo?
— Sim, senhor. Não direi nada.
— Obrigado.
Quando o elevador fechou suas portas, chorei mais e só queria estar
em um lugar naquele momento, por isso fui direto para o estacionamento da
empresa. Como estava sem meu celular, procurei pelo meu carro e por
Robert. O achei sentado no banco da frente, com a porta do motorista aberta
e ele olhava o celular.
— Robert. — Meu motorista me olhou na hora e se levantou com a
sobrancelha franzida e veio até mim.
— Aconteceu alguma coisa, Caique? — Foi a primeira vez que ele se
referiu a mim sem formalidades e confesso que gostei.
— Me tire daqui, por favor.
Sem mais perguntas, ele abriu a porta pra mim e eu não tive forças
para mudar para o banco. Estava no meu limite. Nem precisei pedir, Robert
me pegou em seus braços e me colocou sentado, para ir logo depois guardar
minha cadeira.
Coloquei meu cinto e fechei meus olhos com a cabeça no encosto do
banco.
— Para onde vamos? Para casa? — Olhei para ele e não tinha controle
nenhum sobre minhas lágrimas.
— Para o cemitério.
Estava aflito e não conseguia me concentrar em nada. Fazia quase
meia hora que Caique tinha voltado pra sala da sua mãe e não retornava.
— Toma, Fernando. Bebe essa água. Você está tremendo muito.
— Liga pra lá e pergunta se ele ainda está com a mãe, Guilherme. Por
favor.
Observei Guilherme ir ao telefone e ele franziu a testa e me olhou. Já
fiquei em alerta.
— O que foi?
— A Estefani disse que o senhor Caique não voltou pra lá.
— Como assim não voltou? Cadê o Caique?
Nessa hora, Saulo saiu do elevador e fui andando até ele.
— O que foi, Fernando? Que cara é essa?
— Saulo, a mãe do Caique já sabe da gente.
— Porra!
— Ela me chamou pra limpar a sala dela só pra me humilhar e Caique
foi até lá. Eles tiveram uma discussão horrível e o irmão do Caique também
chegou e foi pior.
— Cadê o Caique?
— Aí que está. Ele me tirou de lá e me deixou aqui dizendo que
voltaria para falar com eles. Que a conversa não tinha acabado. Mas
Guilherme acabou de ligar pra lá e a secretária disse que Caique não voltou
pra lá, mas tem meia hora que ele foi.
— Merda. Ele está com o celular?
— Não sei. — Saulo foi até a sala de Caique e fui atrás.
— Merda! O celular dele está aqui. Deixa eu ligar pro Robert. —
Saulo levou o celular no ouvido e eu estava aflito ao seu lado. — Droga!
Ele não atende.
— E agora, Saulo?
— Senhor Saulo? — Olhamos para a porta e Guilherme estava parado
com a secretária do 10º andar ao seu lado. — A Estefani quer falar com o
senhor.
— Estefani, você não viu o Caique?
— Senhor Saulo, eu vi sim. Ele me pediu para não dizer nada, mas
depois fiquei pensando que deveria ser para a mãe ou irmão dele. O senhor
Caique esteve novamente no andar e foi em direção a sala da dona Branca,
mas depois saiu de lá aos prantos.
— Ah, não! — disse com o coração aos pulos.
— Ele chorava muito mesmo e me pediu que não falasse que ele
esteve ali de volta.
— Então ele não entrou na sala da mãe dele. — Saulo me olhou.
— Bom, parece que não, senão não me pediria isso. — Estefani
comentou.
— Ele escutou alguma coisa que o machucou muito, Saulo. Nós
deixamos o Matheus e a Branca juntos naquela sala. Meu Deus. — Levei as
mãos à cabeça.
— Vem comigo, Fernando. Vamos ao estacionamento, se Robert não
estiver lá, pelo menos está com ele. Guilherme, desmarque o que tivermos
pra hoje e remaneje, por favor.
— Sim, senhor.
Fui com Saulo e até larguei meu carrinho na sala do Caique. No
estacionamento, realmente seu carro não estava na vaga e quando Saulo foi
pegar o telefone para ligar novamente para Robert, ele mesmo estava
ligando de volta.
— Robert!! Onde o Caique está?
— Imaginei que o senhor estivesse preocupado ou até mesmo o senhor
Fernando. — Escutei Robert falar, pois Saulo colocou no viva voz. —
Estamos no cemitério. O senhor Caique saiu aos prantos da empresa e me
pediu que o trouxesse pra cá. — Respiramos fundo por achá-lo.
— Ok, Robert. Estou indo pra aí.
— Tomara que ele não brigue comigo.
— Não vai. Fica tranquilo. — Saulo me olhou assim que desligou o
telefone. — Vamos atrás dele. Não sei o que houve, mas para ele ir até o
pai, o negócio foi bem sério.
— Meu Deus, vamos logo.
Fui de uniforme mesmo com Saulo em seu carro. Estava aflito e de
certa forma me sentia culpado. Não devia ter perdido a cabeça com a mãe
dele.
— O que tanto você pensa, Fê? Quase posso ouvir suas engrenagens
trabalhando.
— Não devia ter perdido a cabeça com a dona Branca. Me sinto
culpado por tudo isso.
— Pelo amor de Deus, Fernando. Você não tem culpa de nada. Aquela
mulher é insuportável. Ninguém aguenta ela.
— Mas eu perdi a cabeça. Enquanto ela estava me ofendendo, eu me
segurei ao máximo, mas quando ela ofendeu o Caique, eu não consegui me
segurar. Eu não aguento ninguém fazendo mal a ele. — Olhei para Saulo
com os olhos cheios de lágrimas.
— Você o ama demais, puta que pariu! — Saulo sorriu. — Graças a
Deus meu amigo encontrou alguém que lhe desse amor.
O caminho não foi longo e logo entrávamos em um cemitério
silencioso com algumas pessoas por ali na entrada. Avistei o carro do
Caique estacionado e eu e Saulo descemos. O amigo do meu namorado
sabia aonde ir e quando chegamos relativamente perto, encontramos com
Robert.
— Onde ele está, Robert?
— Ali, Fernando. — Olhei para onde Robert apontava e a cena cortou
o meu coração. Caique estava debruçado sobre um túmulo preto, todo de
mármore. — Ele está na mesma posição desde que chegamos. Pediu para
ficar sozinho.
— Vai você, Fernando. Não vou invadir o espaço dele. Você ele vai
aceitar de boa, tenho certeza — Saulo disse.
Concordei com a cabeça e fui devagar até o meu amor. Conforme
fiquei mais perto, pude ouvir que ele chorava e precisei segurar meu próprio
choro. Oh, meu amor, o que fizeram com você?
Parei ao lado dele e olhei para a foto do senhor de terno que estava
estampada mais acima no túmulo. Conhecia o famoso senhor Augusto
Montenegro, o pai mais amado. Meu amor era louco por ele e sofria muito
com sua ausência.
Toquei em seu ombro de leve e Caique levantou seu rosto. Ele estava
com o rosto vermelho banhado em lágrimas. Por instantes ele ficou confuso
de me ver ali, mas logo me puxou pela cintura e se entregou ao choro ainda
mais com o rosto colado ao meu corpo.
— Oh, meu amor. O que fizeram com você? Fiquei louco te esperando
e você não voltava. Chora, coloca pra fora tudo que está te machucando
nesse momento. — Fazia carinho em seus cabelos enquanto falava com ele.
Caique parecia descarregar um peso enorme. Estava frágil e eu não
deixaria nada, absolutamente nada, lhe fazer mal naquele momento.
Quando ele levantou sua cabeça, aqueles olhos azuis, que agora
estavam vermelhos pelo choro, me encararam. Depois ele olhou para o
túmulo de seu pai novamente.
— Ele... eu... não sou filho de sangue dele. — Meu corpo todo gelou.
— O que você está dizendo?
— Eu voltei na sala da minha mãe para continuar a conversa como te
falei, mas ao ficar bem perto da porta, ela estava entreaberta, então eu ouvi
ela contando sobre seu passado para o meu irmão. — Caique me olhou e
lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto. — Agora eu entendo por que ela
me odeia tanto.
— Ela não te odeia. — Tentei aliviar a situação, mas Caique sorriu
sarcástico.
— Você não ouviu tudo que eu ouvi. Ela não apenas me despreza, ela
me odeia. Fui uma gravidez que ela não queria, de um homem que ela nem
sabe o nome. — Arregalei meus olhos. — Ela dormiu com dois homens em
um período de uma semana de diferença e não sabe de qual engravidou. Aí
conheceu meu pai um tempo depois e se apaixonou por ele. Ao ser pedida
em namoro, descobriu ao mesmo tempo que estava grávida e me odiou
desde o primeiro instante.
— Seu pai então foi enganado todo esse tempo? — Caique sorriu e
olhou para o túmulo de novo.
— Não. Ela passou mal e ele descobriu no hospital que sua namorada
estava grávida. Não era dele, pois ainda não tinham tido relações, ele a
respeitava muito. Ao acordar, ela contou a ele uma mentira, omitindo que
tinha dormido com outras pessoas. Disse que tinha sido com um amigo do
meu avô que ela pensava que se casaria com ela. Não quis correr o risco de
meu pai pensar mal dela. Branca contou que na mesma hora meu pai
colocou a mão sobre a barriga dela e disse que me amaria e cuidaria de mim
como um verdadeiro pai. Que eu não tinha culpa. — Levei as mãos a boca
tentando conter a minha emoção ao ouvir tudo aquilo. — Ela fingiu que
ficou feliz, quando na verdade queria ter me abortado. Deixou bem claro
isso no restante do seu desabafo.
— Meu Deus, que história!
— Ela me culpou por tudo. Por não ter tido lua de mel, por não poder
aproveitar o casamento com o homem que amava, por estragar seu corpo e
até por ele me beijar assim que saí da barriga dela, pois queria sua atenção e
ele estava todo emocionado por meu nascimento.
— Ca, ele realmente te amou. Não foi apenas por você ter vindo da
mulher que ele amava. Seu pai, mesmo não sendo biológico, foi seu
verdadeiro pai e te amou muito.
— Isso é tudo que me conforta diante de tantas revelações. Mesmo
sendo tão indesejado, não fui por ele. Dele, eu recebi amor desde o primeiro
contato, dentro da barriga dela, até o seu último suspiro. Sabe o que ele me
disse antes de morrer? — Balancei a cabeça negando. — Que eu era seu
maior orgulho. Que me amaria pra sempre.
— Então não pense em mais nada que ela tenha dito.
— Não é fácil ter a confirmação de que a mulher que me colocou no
mundo me detesta e que por ela, eu deveria ter morrido naquele acidente. —
Me abaixei na frente de Caique.
— Eu sei que não é. Sei bem como me senti quando ganhei um tapa da
minha mãe que só havia me dado amor nessa vida. Mas foque que você já
sabia mais ou menos de toda essa verdade, do desamor dela. Você apenas
confirmou. Quanto ao seu pai, saber que não tem o mesmo sangue que ele,
é o de menos. Porque ele realmente foi seu pai, te amou do início ao fim e
quanto a isso não restam dúvidas. Mal ou bem, ela apenas reforçou isso pra
você. — Caique suspirou e enxugou o rosto com as mãos.
— Como soube que eu estava aqui?
— Robert ligou para Saulo. Não brigue com ele.
— Eu vi quando Saulo ligou a primeira vez e pedi a Robert que não
atendesse. Precisava ficar um pouco sozinho com meu pai.
— Eu entendo. Desculpe se invadi seu espaço.
— Você pode tudo na minha vida. — Sorri e segurei suas mãos.
— Ela não sabe, né? Que você ouviu tudo.
— A única que me viu foi a Estefani, a secretária, e eu pedi a ela que
não comentasse.
— Ela não falou com sua mãe, mas veio até o Saulo falar porque ficou
preocupada com você. Pode confiar nela.  — Caique sorriu de forma fraca.
— Vamos embora? Você precisa descansar de tudo isso. Eu vou com você,
depois me entendo com meu chefe. — Caique sorriu desta vez de forma
mais bonita e deixou um beijo em meus lábios.
— Ele iria adorar você. Tenho certeza de que meu pai me aceitaria.
— Eu também tenho.
— Me empurra? Meus braços estão até sem força.
— Claro, meu amor.
Empurrei Caique em sua cadeira e chegamos perto de Saulo e Robert.
Saulo logo abraçou o amigo e disse que assim que ele quisesse, podia
conversar com ele. Por hora apenas levamos meu amor para casa. Ele
precisava ter um momento de paz.
— Caique, vou voltar pra empresa e fico de olho pra você em tudo.
— Obrigado, meu amigo.
— Eu deixei minhas coisas todas no armário. Só meu celular está no
bolso — falei.
— Quando sair, eu levo na casa do Caique pra você, Fê. E levo suas
coisas também, Caique.
— Obrigado, Saulo.
Com meu amor já acomodado, Robert nos levou embora e eu sentia o
Caique cabisbaixo. Já em seu apartamento, o levei para o quarto e peguei
meu amor em meus braços para deitá-lo na cama. Novamente eu estava
sobre ele, tirando sua gravata.
— Parece que agora você tem um engravatado — ele disse e eu sorri.
— Tenho e o amo muito. — Ficamos nos olhando e deixei um beijo
em seus lábios.
Depois tirei seu sapato, meias e o ajudei com o cinto que usava.
— Tenta dormir um pouco. Vou ver algo pra gente comer e te acordo
depois, tá?
— Obrigado, amor.
Tirei meu macacão e coloquei um short e uma camisa do Caique.
Liguei pra minha mãe enquanto ia pra cozinha.
— Oi, meu filho.
— Oi, mãe. Tô ligando pra avisar que estou aqui na casa do Caique e
não no trabalho.
— Ué, por quê?
— Ah, mãe. Ele teve um início de semana que jamais vai esquecer.
— O que houve com ele?
— Teve uma briga horrível com a mãe para me defender e depois
escutou uma conversa entre ela e seu irmão, onde ela contou que ele não era
filho biológico do pai.
— Meu Jesus Cristo. Coitado! Como ele está, meu filho? Tadinho
desse rapaz, tanta coisa acontece na vida dele.
— Ele está bem mal, mãe. Estou indo fazer uma comida pra gente e
deixei ele dormindo um pouco.
— Cuida dele, meu filho. Você vai voltar hoje pra casa?
— Realmente ainda não sei, mãe. Estou com medo de deixá-lo sozinho
aqui. Vou ver como ele ficará até mais tarde.
— Tudo bem. Me mantenha informada.
— Tá bom. Beijo, mãe.
— Beijo, meu filho. Mande um beijinho pra ele também.
— Mando sim.
Depois de falar com minha mãe, fui ajeitar uma comida pra gente. Já
tinha feito arroz fresquinho, salada de verduras e tirado as coxas de frango
que assei com batatas no forno. Agora batia um suco, quando senti alguém
atrás de mim e desliguei o liquidificador.
— Já acordou, amor? Nosso almoço já está pronto. Estava apenas
fazendo um suco gostoso pra você beber — falei e me virei, secando as
mãos no pano de prato quando dei de cara com uma mulher. Ela era loira e
alta. Linda pra caramba e tinha lindos olhos azuis. Caraca, era a irmã do
Caique, só podia ser.
— Olá — ela disse e eu, cheio de vergonha, respondi.
— Olá.
— Vim ver meu irmão, mas não te conheço.
— Sou Fernando. — Ela continuou me olhando e eu completei cheio
de coragem de repente. — O namorado dele. — Ela sorriu. Nossa, como ela
era bonita! Aliás, toda família era, até mesmo os desagradáveis.
— Meu irmão na última mensagem, disse que tinha algo muito
especial para me contar. Acredito que seria sobre você.
— Pode ser. — Sorri, novamente tímido.
— Cheguei de surpresa hoje. Ele sabia que eu viria esta semana, mas
não falei o dia. Só que liguei pro Saulo para saber onde meu irmão estava,
se estava na empresa e ele me contou da briga com nossa mãe e que o
Caique foi até ao cemitério hoje. Nem passei em outro lugar, vim direto pra
cá.
— Pois é, a segunda não começou nada bem pra ele.
— Como começou tudo isso? Você sabe? — A bela moça na minha
frente me olhava com curiosidade e preocupação.
— Começou por causa de mim.
— De você?
— Sim. — Coloquei o pano de prato na mesa e cruzei meus braços,
me encostando na pia. — A verdade é que sua mãe me detesta e hoje, por já
saber que eu e seu irmão estamos juntos, me chamou para limpar a sala dela
e me humilhou.
— Limpar a sala dela? Como assim?
— Sou funcionário na AGM. Limpo o andar da Presidência. — Beatriz
arregalou os olhos e depois balançou a cabeça negativamente.
— Odeio a postura da minha mãe. A forma que ela desmerece as
pessoas.
— Enquanto ela estava me ofendendo, eu estava aguentando como
podia. Mas quando ela falou do seu irmão, eu perdi a cabeça e a respondi à
altura. Quando ela ameaçou chamar os seguranças, Caique entrou na sala e
a briga começou. Até seu outro irmão estava no meio.
— O parasita do Matheus. — Beatriz bufou e colocou na mesa da
cozinha a sua bolsa. — Ela deve ter magoado muito o meu irmão para ele
ter ido ao cemitério.
— O que magoou o seu irmão não foi esta discussão. Ele me tirou da
sala dela e me levou ao andar dele novamente. Aí ele disse que ia voltar lá
para continuar a conversa com ela. Só que ele nem entrou na sala
novamente, de fora, ele escutou toda uma conversa dela com o Matheus e
descobriu coisas que o deixaram estarrecidos.
— Jesus Cristo! O que foi?
— Isso somente ele vai te contar, mas é bem forte. Caique está
arrasado e muito sensível.
— Preciso vê-lo, meu Deus.
— Ele está dormindo em seu quarto. Já ia acordá-lo para comer.
— Sua comida é muito cheirosa, Fernando. É um prazer te conhecer.
— Posso dizer uma coisa? — perguntei.
— Mas é claro!
— Em apenas cinco minutos perto de você, já vejo o quanto é
diferente da sua mãe e irmão. — Beatriz sorriu e se aproximou.
— Não concordo com nenhuma atitude dos dois e jamais me igualei a
eles. Caique sempre foi meu exemplo a ser seguido. Sou louca por ele e até
me culpo por viver sempre fora e deixá-lo aqui à mercê desses dois, mas se
eu ficasse depois que ele saiu de casa, enlouqueceria. Então uni o útil ao
agradável e aproveitei que minha carreira fora estava deslanchando cada
vez mais e embarquei nela. Vivo mais lá do que cá, entende?
— Entendo e digo, para sua saúde mental, faz bem, viu?
— Adorei você, Fernando! — Sorri. — Vou vê-lo agora.
— Vai sim e venham almoçar. Vou esperar vocês.
Capítulo 21

Senti braços ao redor de mim e por instantes pensei que fosse o


Fernando, mas o perfume que senti, me mostrou na verdade quem era e a
envolvi em um abraço gostoso.
— Era hoje que você chegava — disse ainda de olhos fechados.
— Estava com muita saudade — ela respondeu e eu abri meus olhos
para dar de cara com olhos tão azuis quanto os meus.
Minha irmã estava debruçada sobre mim e me olhava com carinho.
— Oi.
— Oi, meu amorzinho. Eu não viria direto pra cá, ia passar em casa,
mas... tentei te ligar e você não atendeu. Então liguei pro Saulo e as coisas
que ele me disse, me deixaram preocupada. — Engoli em seco e desviei o
meu olhar do seu. — Olha pra mim, Caique. Me conta o que houve. Saulo
só me disse que houve uma briga feia entre você e a mamãe e que você foi
ver nosso pai no cemitério. — A menção ao meu pai fez meus olhos se
encherem de lágrimas. — E agora pouco conheci seu namorado e ele
também me disse que foi bem grave. Só não entrou em detalhes. — Olhei
para Bia e dei um sorriso fraco.
— Você o conheceu então.
— Sim. E que rapaz simpático e bonito, hein? Se apresentou como seu
namorado. Confesso que senti que ele estava com as defesas um pouco
armadas, mas o achei forte e decidido. Ele não viu que era eu que entrava
na cozinha, estava de costas batendo um suco e falou com tanto amor
pensando que era você, que me encantou.
— Fernando é tudo isso e mais um pouco. E coitado, claro que ele tem
que estar com a defesas armadas, só recebe ataques o tempo todo da minha
família. — Respirei fundo. — Bia...
— Fala, meu amor. O que aconteceu? Me conta, por favor.
— Não sou filho legítimo do papai. — Beatriz se levantou na mesma
hora e se sentou na cama.
— O que você está dizendo, Caique?
— Isso mesmo que você ouviu. Depois da briga com nossa mãe e o
Matheus, eu levei o Nando pro meu andar novamente e voltei para
continuar a conversa com aqueles dois, mas ao chegar perto da porta, eu
ouvi nossa mãe contando sua história para o Matheus. Ela não sabe de
quem sou filho, teve outras pessoas em sua vida, mas logo depois conheceu
o nosso pai e ele acabou assumindo a gravidez dela.
— O quê?
— Agora entendo todo ódio que ela sente por mim. Porque não é
desprezo, minha irmã. Ela me detesta, ela não queria ser mãe quando ficou
grávida de mim. Eu atrapalhei a vida dela.
— Mas diante do que você está falando, então o papai assumiu você
desde o início. Nem brigou com ela.
— Sim, ele me amou desde o primeiro momento. — As lágrimas
escorreram e Bia as secou. — Mesmo assim ela queria ter me abortado. Ela
fingiu todos esses anos. Carregou um fardo, como a mesma se referiu. As
palavras dela foram horríveis. Ela só ama você e Matheus por serem fruto
do amor dela com o papai. Ela não deu a entender tudo que estou falando,
ela disse com todas as letras quando contou seu passado ao Matheus.
Beatriz estava com os olhos arregalados e estática.
— Eu vou te contar exatamente com todas as palavras o que ela disse.
Todas estão gravadas dentro de mim.

Tinha terminado de colocar os pratos na mesa, quando escutei a


Beatriz falando alto pelo corredor e fui ver o que era. Quando saí nele, a vi
vindo feito um furacão e Caique atrás.
— Segura ela, Fernando!
Só tive tempo de pegar aquele furacão pela cintura e ela estava tão
rápido, que eu a suspendi.
— Me solta, Fernando! ME SOLTA! Ela vai me ouvir. A Branca vai
me ouvir!
— Calma, Beatriz. Por favor, calma. Olha como o seu irmão está.
Pense nele. O Caique está precisando da gente — falei abraçado as costas
dela. Baixinho em seu ouvido.
— Ela não podia ter dito tudo isso. Ela o magoou. — Beatriz começou
a chorar e se virou, me abraçando. — Olhei para Caique e meu amor
enxugava o rosto.
— Se acalma. Depois você pode falar o que for com ela, mas ela ainda
nem sabe que seu irmão ouviu tudo. — Beatriz me olhou e eu podia ver e
sentir o quanto ela estava nervosa.
— Eu entrei de cabeça na minha profissão para não ficar perto dela.
Não aguentava seu comportamento, a forma que sempre tratava as pessoas.
Se ela me ama tanto por eu ser fruto do seu amor, minhas mágoas com ela
só aumentam e já até me condenei por isso. Só que cada vez que eu a via
tratando com desprezo o Caique e os empregados da nossa casa, eu
detestava tudo aquilo e isso ficou marcado em mim. Eu sempre amei minha
mãe, mas ela já me decepcionou muito e mais agora. Depois que o Caique
saiu de lá, passei a fazer do mundo a minha casa. Qualquer lugar era melhor
do que ficar debaixo do mesmo teto que ela. Me fazia mal.
— Esse tempo que você vai ficar no Brasil, fica aqui comigo.
— Ficarei em um hotel. Não quero atrapalhar você e o Fernando.
— Você não vai atrapalhar nada, Beatriz — disse.
— Tudo que meu irmão mais precisa agora é de você, Fernando.
Quero que ele viva tudo que sempre sonhou. Vou estar aqui pertinho e o
vejo sempre. Não deixe o veneno daquela mulher separar vocês dois —
Beatriz falou olhando pra mim e pro Caique.
— Não vou deixar — Caique respondeu.
— Vamos nos acalmar e comer? A comida vai esfriar se demorarmos.
Precisamos todos esfriar a cabeça e ter um momento de paz. Tudo isso é
muito pesado.
Beatriz só pediu para ir ao banheiro antes e meu amor veio pra mesa se
servir.
— Está tudo tão cheiroso — ele disse e me olhou com carinho. O
sentia muito pra baixo.
— Fiz com amor — respondi e sorrimos um para o outro.
Passamos a tarde os três juntos e no fim do dia Saulo chegou com
minhas coisas e as do Caique. Disse que nem a mãe e nem o irmão ficaram
na empresa depois de tudo. Ele ficou estarrecido quando soube de tudo que
Caique escutou. Chegou a ficar pálido e sem ação.
Na hora que eles foram embora, Saulo levou Beatriz. Ele morava no
mesmo condomínio de casas da mãe do Caique e a Bia estava decidida a
conversar com a mãe. Caique autorizou que ela falasse que ele sabia de
tudo, não viu motivos para esconder isso e vimos que Beatriz precisava pôr
para fora tudo que estava entalado.
— Eu vou ficar com você — falei.
— E sua mãe e irmã? Não as deixe sozinhas.
— Mas hoje você não pode ficar sozinho. — Caique abaixou a cabeça
e meu coração apertou. Então eu tomei uma decisão. — Vem comigo? —
Ele me olhou.
— O quê?
— Vem comigo pra minha casa. Vem conhecer minha mãe e minha
irmã. Vai te fazer bem. Você pode dormir na minha cama. Minha casa não
tem essa acessibilidade toda, mas dá pra você se movimentar.
— Sua mãe não vai brigar?
— De maneira alguma. Deixa eu só avisar.
Liguei para minha mãe e falei sobre levar o Caique. Como estávamos
distante, daria tempo dela dar um jeitinho a mais na casa que nem estava
desarrumada. Ela ficou até empolgada e disse que faria um jantar mais
gostoso. Apenas expliquei que para ela não podia ter feijão para ele.
Confirmei se tudo estava calmo por lá e ela disse que sim.
— Mãe, só não toque em assunto família e nem trabalho, ok? — pedi
por dois motivos: queria acalmar o Caique e não ficar falando de sua
família toda hora e para que o assunto AGM não surgisse. Até sexta eu
contaria aos dois, como já tinha decidido. Só não queria hoje,
especificamente, Caique estava fragilizado.
Meu amor tomou um banho, fez tudo que precisava fazer e arrumou
uma bolsa com seu terno de amanhã e uma roupa reserva, caso precisasse.
Insisti que ele ficasse em casa, mas ele estava decidido a seguir em frente.
Assim que descemos, Robert nos esperava.
— Robert, vou pra casa do Fernando e dormirei lá.
— Sim, senhor.
— Amanhã de manhã você me pega para me levar para a empresa.
— Ok.
Já dentro do carro, segurei na mão de Caique.
— Vai ser bom se distrair — falei.
— Queria muito conhecer sua mãe. Vai ser bom estar com ela no dia
de hoje.
— Vai sim. Já te falei uma vez que eu divido minha mãe com você. —
Caique sorriu e deitou a cabeça em meu combro.
Meu coração estava acelerado, mas eu confiava que estava fazendo a
coisa certa. Meu amor precisava de todo amor naquele momento.
Quando o carro parou em frente à minha casa, saí olhando tudo a
minha volta e realmente estava tranquilo. Enquanto Robert pegava a cadeira
do Caique, abri meu portão e minha mãe e Juliana logo surgiram na porta.
— Estou nervosa, filho.
— Não fique, mãe. Ele é um amor. — Olhei para trás e vi que Caique
estava recebendo ajuda de Robert para subir com a cadeira na calçada.
Tinha me esquecido do quanto nossas ruas eram péssimas para os
cadeirantes. Quando fui ajudar, Robert já tinha dado um jeito e logo Caique
chegava perto de mim.
Quando ele surgiu no portão, Juliana sorriu e se aproximou.
— Oi!
— Oi, princesa. Você então é a famosa Ju?
— Sou muito famosa. — Caique deu um sorriso lindo e era isso que eu
queria.
Minha mãe também se aproximou.
— Seja bem-vindo a minha casa, Caique.
— É um prazer conhecer a senhora, dona Kátia. — Minha mãe sorriu e
apertou a mão do meu namorado.
— Vem, está tudo arrumadinho para te receber.
— Não precisava se incomodar. — Caique entrou na pequena varanda
que tinha entre o meu portão e a porta da sala.
Robert surgiu atrás de nós com as bolsas e Ju olhou pra cima.
— Você é muito grande, moço! — E então eu vi algo surpreendente.
Robert sorriu e caramba, era um sorriso muito bonito. Ele se abaixou na
frente da minha irmã.
— Ficou melhor agora?
— Agora sim! — Ju estava super à vontade com ele. Parecia até que
conhecia o homem — Eu sou a Juliana.
— Eu sou o Robert.
— Que nome engraçado!
— Ju! Minha filha, respeite o moço. — Minha mãe estava toda
envergonhada novamente.
Robert olhou para ela ainda abaixado na frente da Ju e mais
encabulada minha mãe ficou.
— Meu nome é de outro país, por isso é um pouco diferente.
— Uauuu, você morou em outro país? Qual?
— Estados Unidos.
— Que legal!! — Pronto, ninguém mais a segurava.
Entramos todos e confesso que fiquei com vontade de chorar vendo o
que minha mãe tinha feito. Ela reorganizou os móveis da sala e abriu mais
espaço.
— Tio Caique, você fica o tempo todo nessa cadeira? — Pensei em
repreendê-la, mas Caique me olhou negando.
— Até que não. Vou para o sofá, pra cama e até pra piscina, sabia?
Nadei junto com o seu irmão. — Juliana sorriu e observou enquanto Caique
saia da cadeira e ia para o sofá.
— Mas para andar por aí você usa a cadeira de rodas?
— Sim, preciso dela. Minhas pernas não se mexem e ela me ajuda
muito.
Juliana então olhou para Robert ainda parado na porta e foi buscá-lo.
— Senta aqui, tio Robert.
Robert estava envergonhado, mas se sentou no outro sofá.
— Sua casa é muito bonita, dona Kátia.
— Mantenho arrumadinha, Caique. Vocês querem uma água ou um
café?
— Eu quero água, mamãe. — Todos riram com a abusada da Ju que
estava sentada ao lado de Robert.
— Ok, madame — mamãe respondeu.
— Eu aceito uma água — Robert disse e Caique não quis nada.
— Vou colocar as bolsas no meu quarto. — Coloquei tudo por lá e
voltei para sala e me sentei ao lado do Caique e ele me abraçou.
Logo estávamos todos conversando e minha mãe estava sendo muito
carinhosa com o meu namorado. Robert brincava com Juliana que tinha ido
buscar todas as suas Barbies para mostrar pra ele.
— Me desculpe se aquele dia no telefone eu fui um pouco invasivo
com a senhora — Caique falou e minha mãe que estava ao seu lado sorriu.
— Você abriu meus olhos. Essa é a verdade. Pude conversar de forma
calma com meu filho e tudo ficou bem. Eu estava me culpando muito pelo
meu comportamento. Me sentindo um lixo de mãe. — Caique então
segurou nas mãos da minha mãe, a pegando de surpresa.
— A senhora é uma mãe maravilhosa. Erros, estamos todos passíveis
de cometer, mas a senhora se arrependeu e deu uma oportunidade de ouvir e
compreender seu filho. A senhora foi mãe. Quem dera eu tivesse tido em
minha vida uma mãe como a senhora. — Minha mãe ficou com os olhos
cheios de lágrimas e uma escorreu. Caique a secou.
— Por isso meu filho está tão apaixonado por você. Você é muito
gentil.
— Seu filho que é o homem mais extraordinário que tive o prazer de
conhecer. — Meu sorriso rasgou o meu rosto.
— Tio Caique! — Ju se debruçou toda no colo de Caique. — Você vai
dormir aqui hoje?
— Vou sim. Quer dizer, você me permite?
— Claro que eu deixo. O tio Robert também? — Olhamos todos para
Robert que ficou até vermelho.
— Eu... eu... — Aquele homem enorme gaguejou e Caique deu uma
risada.
— Tenho um colchonete que está em bom estado. Se você quiser, pode
dormir nele aqui na sala. — Robert piscou várias vezes e eu e Caique nos
entreolhamos. — Tenho até uma escova de dentes nova sobrando. — Minha
mãe estava sendo muito simpática.
— Fica, Robert — pedi. 
— Não sei o que o senhor Caique pensa disso.
— Claro que você pode ficar, Robert. Você está sendo convidado —
Caique falou.
— Tudo bem, eu fico. — Minha mãe sorriu e a Ju, ah, essa vibrou!
Na hora do jantar, minha mãe retirou uma das cadeiras para que
Caique se acomodasse melhor perto da mesa. Robert quis comer sentado no
sofá vendo o jornal e teve a companhia da minha irmã.
— Vou te servir, meu filho — minha mãe disse e isso não foi pra mim
e sim pro Caique. Ele ficou paralisado. Fiquei até com medo de sua reação,
mas sua emoção me mostrou outra coisa.
— Ei, está tudo bem? — perguntei baixinho e ele me olhou.
— Sim. Nunca esteve tão perfeito.
Minha mãe tinha pegado o prato e estava abrindo as panelas para
depois se virar pro Caique.
— Fiz ensopadinho de carne com legumes e arroz fresco. Fernando me
explicou que você não come feijão.
— Sim, não como, mas isso que a senhora fez eu adoro.
— Mãe, o Caique gosta de se...
— Deixa, Nando. Ela pode colocar. — Minha mãe sorriu e começou a
colocar a comida dele. Meu namorado me olhou nesse momento. — Jamais
tive uma mãe que colocasse uma comida pra mim — ele disse e suspirou.
Fiz um carinho no seu rosto.
— Aqui, meu filho. Coma antes que esfrie. — Caique olhou pra minha
mãe e senti que até ela ficou presa em seus olhos tão azuis. Era ela o
chamando de filho que estava mexendo com o coração do meu namorado.
— Obrigado, dona Kátia.
— Apenas Kátia, meu querido. Gosta de suco de melancia?
— Gosto.
— Vou pegar pra você.
Caique estava todo bobo e por instantes ele esquecia tudo que o
machucava com relação a sua família. Olhei para sala e Robert tinha
deixado seu prato de lado, para cortar uma carne da Ju que estava grande e
achei linda a forma que se deram bem. Minha irmã sempre foi assim, um
doce de criança e que se dava bem com todos, sem distinção.
— Aqui, meu querido. Coloquei gelo porque não gelou o suficiente.
— Obrigado, Kátia.
Levantei para pôr minha comida e minha mãe estava ao meu lado.
— Obrigado por ser tão gentil com ele — falei e beijei seu ombro.
— Ele é um amor. Gostei dele de verdade.
— Eu estou aqui se estão falando de mim. — Minha mãe riu e eu sorri
olhando pro meu amor e piscando um olho pra ele.
O jantar foi tranquilo e especial. Dona Kátia continuou mimando o
Caique e ele adorando. Sentia que minha mãe fazia por realmente ter
gostado muito dele e não pelo que ela soube que ele havia passado.
Na sala, Robert e Juliana brincavam de Barbie. Pois é, Ju estava
adorando sua nova companhia para brincadeiras.
— Vou pedir ao seu Jorge se podemos guardar o carro na garagem dele
— comentei.
Graças a Deus meu vizinho permitiu guardar o carro e assim eu ficava
mais tranquilo durante a noite. Na hora de dormir, minha mãe arrumou o
colchonete para o Robert e lhe deu travesseiro e coberta. Ele a agradeceu e
se não fosse impressão minha, ele a olhava de uma forma intensa.
Ju apagou ainda na brincadeira de Barbie com ele e Robert se ofereceu
para carregá-la até a cama. Minha mãe aceitou a ajuda e ele foi todo bobo
colocar minha irmã para dormir.
Em meu quarto, Caique trocou de roupa e foi pra minha cama, que era
de solteiro. Só que eu peguei alguns edredons que tinha e depois de dar um
a ele, comecei a fazer minha cama no chão.
— Ei! Onde você pensa que vai dormir?
— Aqui, ué! — respondi, apontando para o chão.
— Não vim dormir aqui para colocar você no chão. Nem pensar um
absurdo desses. — Coloquei as mãos na cintura.
— As crianças estão brigando por quê? — Minha mãe perguntou da
porta e toda vez que ela falava algo, Caique se desmanchava.
— Ele quer ir dormir no chão, Kátia. Isso é um absurdo! — Minha
mãe sorriu, balançando a cabeça.
— Filho, dê um jeito nisso. Não estresse o Caique. Boa noite pra
vocês.
Olhei para o Caique de boca aberta e o safado se sentia. Até colocou as
mãos atrás da cabeça na maior pose.
— Você e ela estão de complô contra mim, né?
— Não, meu amor. Só quero você junto de mim e não no chão.
— Essa cama é pequena, amor. Vou ter que dormir praticamente em
cima de você.
— E eu vou adorar. — Sorri e fui fechar a porta.
Deixei os edredons onde estavam mesmo e tirei camisa e short,
ficando apenas de cueca. Após o jantar havia tomado um banho gostoso e
estava cheiroso para dormir com meu amor.
— Vou te amassar todinho. Já aviso.
— Eu quero muito isso.
Apaguei a luz e meu quarto ficou iluminado apenas pela luz do poste
que atravessava minha janela pela pequena fresta da cortina. Me deitei na
beiradinha, mas com a metade do corpo por cima de Caique, que me
abraçou e me apertou de encontro ao seu corpo.
— Você está confortável mesmo? — perguntei baixinho com o rosto
em seu pescoço quentinho e cheiroso.
— Estou sim. Sua cama é fofinha.
— Mas não grande como a sua.
— Não importa. Você está comigo e isso a torna ainda melhor. —
Caique nos cobriu mais e foi maravilhoso estar com ele também na minha
casa, protegido daquela família horrível.
Quando entrei na casa da minha mãe naquele início de noite, eu estava
com o estômago embrulhado. Era como se a família que eu conheci e pela
qual fui criada, fosse uma farsa enorme diante de tantas revelações. O jeito
da minha mãe eu já conhecia, mas saber da história do Caique me
desnorteou e me deixou com essa sensação horrível.
Não conseguia esquecer a voz embargada do meu irmão contando tudo
que ouviu. Assim que parei no meio da sala, minha mãe desceu e se
surpreendeu por me ver ali. Não tinha dito a ela também que chegaria hoje.
— Meu amor!! Que surpresa boa! Fico tão feliz quando está aqui,
minha filha. — Não esbocei nenhum tipo de felicidade. Sequer a
cumprimentei de volta. Se para o Matheus estava tudo bem ela nos amar,
mesmo que não amasse o meu irmão, para mim não estava. — Ei, que
carinha é essa? Não vai falar comigo direito?
— Por que você odeia tanto o meu irmão? — Minha pergunta a pegou
desprevenida. Minha mãe piscou várias vezes e pareceu aturdida.
Ela estava de robe e sem maquiagem, coisa rara de se ver. Parecia ter
saído do banho, chegava até mim o cheiro de seu creme corporal. Ela usava
o mesmo há anos. Esse cheiro sempre foi pra mim o cheiro da “mamãe”.
— Que pergunta é essa, Beatriz? Eu amo meus filhos. — Meu
estômago embrulhou mais.
— Mentira.
— Minha filha, o que está acontecendo?  Você chega de viagem,
aparece de surpresa e vem falando coisas sem sentido?
— Ele ouviu.
— Ele quem, Beatriz? Ouviu o que? Do que diabos você está falando?
Não estou entendendo nada. — Ela passou as mãos pelos cabelos nervosa e
já sem paciência.
Andei até perto do sofá e coloquei sobre ele minha bolsa de mão.
Minhas malas já haviam ficado em um hotel. Saulo me ajudou a organizar
tudo. Não ficaria aqui como sempre ficava e nem no meu irmão, pois ele
agora tinha o seu amor.
— Você não está entendendo, não é? — Olhei para ela com um olhar
cético. — Que tal começarmos a nossa conversa falando a respeito da
mentira que você contou ao papai sobre quem era de fato o pai do Caique?
Vi minha mãe perder até a cor dos lábios. Ela cambaleou e se segurou
no encosto do sofá. Dona Branca ficou me olhando um tempão e nada dizia.
— Ele sabe, mãe. Seu filho escutou tudo, os minuciosos detalhes da
conversa que você teve com o Matheus. O Caique agora entende. Ele agora
compreende por que você o odeia tanto, porque só recebeu seu desprezo a
vida inteira.
— Ódio? Desprezo? Ele é um ingrato!! — Ela explodiu. — Eu o criei,
dei do bom e do melhor. Estudou nas melhores escolas, teve os melhores
brinquedos. Sempre viveu no conforto, nunca lhe faltou nada!
Me aproximei dela e olhei dentro dos seus olhos tão iguais aos meus.
— Faltou a ele uma mãe. — Ela prendeu a respiração. — Faltou a ele
o principal: amor de mãe. Tudo que você acabou de mencionar pra mim,
que se orgulha de ter dado a ele, é balela perto do que o amor verdadeiro de
uma mãe significa. Você podia ter morado com ele embaixo de uma ponte e
ainda assim, se tivesse o amado de verdade, ele estaria feliz. Como pôde
fazer tudo isso? O fato dele ser filho de um homem que você nem lembra o
nome e na verdade nem sabe qual é, não é motivo para odiá-lo. — O tapa
em meu rosto ardeu e só concretizou a mágoa que eu sentia.
— Você me respeite. Respeite os meus sentimentos, as minhas
vontades e o que eu sinto. EU NÃO QUERIA SER MÃE NAQUELA
ÉPOCA. — Olhei para ela com raiva.
— Tivesse consciência de seus atos então.
— Eu fui obrigada! Minha vontade era ter abortado, mas seu pai foi
justamente cair de amores por ele. Babou igual a um bobo por um filho que
nem era dele.
— Porque ele era uma pessoa muito melhor que você e enxergou que a
criança não tinha culpa de nada. Não havia pedido para nascer. Mas você, a
mãe da criança, nunca enxergou isso e seu filho sentiu o seu desamor a vida
inteira!
— Beatriz, minha filha...
— Poupe-me de seu sentimentalismo. Depois do tapa em meu rosto,
vejo ainda melhor o que você é. — Olhava para ela com rancor.
— Me desculpe, eu perdi a cabeça. — Seus olhos estavam cheios de
lágrimas e ela tentou vir me tocar e eu me afastei.
— Nunca suportei ver a sua diferença com ele. E quando meu irmão
saiu dessa casa, eu quis sair também. Seu jeito esnobe com todos sempre
me irritava e desagradava.
— TUDO ISSO É CULPA DAQUELE INFELIZ! EU VOU ACABAR
COM AQUELE INSETO.
— De quem você está falando?
— Daquele subalterno que limpa o andar da Presidência e que agora
está armando um golpe pra cima do idiota do Caique e ele não percebe!
— Ah, o Nando? Adorei aquele menino. — O choque no rosto da
minha mãe foi divertido. Ela arregalou os olhos e veio com fúria para perto
de mim e segurou em meus dois braços.
— Como pode dizer isso? Olha aquele sujeito, um preto imundo que
está de olho no dinheiro da gente! — Me soltei do seu aperto com raiva.
— Uma pessoa maravilhosa. Um rapaz educado, gentil, atencioso e
que trata meu irmão como ele merece: com amor.
— Onde você esteve para ter contato com esse marginal?
— Na casa do meu irmão, ora. Ele estava lá.
— Meu Deus, é pior do que eu pensava. Ele já está se infiltrando no
meio da gente. — Minha mãe parecia uma louca.
— Mãe, olha o seu comportamento. Olha as coisas que você está
falando. O marginal que você se refere, foi buscar meu irmão dentro do
cemitério, onde chorava por descobrir que não era filho legítimo do papai.
Isso não dói em você? Saber que seu filho está sofrendo? Você está
ofendendo um rapaz que o ama! Caique finalmente encontrou alguém que o
ama de verdade. O Fernando não é nenhum marginal, é um rapaz
trabalhador e honesto. Eu fiquei algumas horas perto dele e fiquei
encantada. Só que pra você sempre importou classe social e cor da pele, não
é? Meu irmão, o seu filho, está sendo feliz.
— Esse infeliz não vai entrar pra minha família.
— Sorte que isso não depende de você — falei com deboche. — Estou
indo embora.
— O quê? Você não vai ficar aqui?
— Não. Estou em um hotel. Só vim falar que estou muito magoada
com você. Se para o Matheus você nos amar e não fazer o mesmo pelo
Caique está tudo bem, para mim não está. Sempre te amei, mãe, mas a
partir de hoje tenho essa mágoa muito grande de você.
— Agora vou ser julgada por algo do meu passado?
— Não estou te julgando por nada que tenha feito no seu passado.
Você podia ter dormido com uns 20 homens que pra mim pouco importava.
Até com a mentira que contou para o papai, apesar de feio, não me importo.
O que me importa e incomoda ao extremo é sua falta de amor pelo meu
irmão. A pessoa mais maravilhosa que conheci na vida. Isso me machuca
como se fosse comigo e jamais irei esquecer. Não se atreva a mexer com o
Fernando, deixe o rapaz em paz.
Virei as costas e saí daquela casa me sentindo um pouco aliviada, mas
não estava feliz. Não era assim que eu queria a minha família.

Quando Beatriz bateu a porta com força, eu chorei. Desabei sentada no


sofá. Chorei como não chorava há anos. Todas as palavras da minha filha
ficavam indo e vindo na minha cabeça.

“Ele sabe, mãe. Seu filho escutou tudo, os minuciosos detalhes da


conversa que você teve com o Matheus. O Caique agora entende. Ele agora
compreende por que você o odeia tanto, porque só recebeu seu desprezo a
vida inteira.”

“Se para o Matheus você nos amar e não fazer o mesmo pelo Caique
está tudo bem, para mim não está.”

— Eu não queria que ele descobrisse assim, não queria. Eu não queria
que isso viesse à tona. Eu não queria.
Fiquei repetindo aquilo ali sozinha e Matheus chegou e me encontrou
chorando no sofá.
— Mãe!! O que aconteceu? — O abracei e chorei mais.
— A Bia esteve aqui. O Caique escutou a nossa conversa. Sua irmã me
disse coisas horríveis e tudo isso é culpa daquele marginal. Ele já está
acabando com a nossa família — disse aos prantos nos braços do meu filho.
— Meu Deus, o Caique ouviu? Ela disse como ele está? Nem sabia
que a Bia vinha hoje. — Olhei para o Matheus.
— Disse que ele ficou arrasado e foi até no túmulo do seu pai.
— E o que a senhora está sentindo sabendo disso?
— Não sei. Não sei explicar. É estranho. Nunca quis que ele soubesse
disso. Era algo meu. Só que agora ele sabe e a culpa é daquele marginal!
Tudo começou por causa dele.
— Eu já pedi a um amigo para investigar e até sexta teremos algo
sobre esse sujeito. Meu amigo é bom nessas coisas.
— Ele estava na casa do seu irmão! — Matheus balançou a cabeça em
negativo.
— Caique é burro mesmo. Não tem jeito, mãe. — Olhei mais para o
Matheus e o achei estranho.
— Filho, seus olhos estão muito vermelhos. Está sentindo algo neles?
Não está ardendo? — Ele logo se levantou.
— Devo estar com alguma irritação.
— Precisa ir a um oftalmologista. E se for conjuntivite?
— Vou esperar até amanhã e vejo o que faço. Esquece isso, estou
preocupado com você.
— Vou ficar bem, meu filho. Só quero ver aquele sujeito longe de
nossa família.
— Ele vai, mãe. Vamos conseguir nos livrar dele.
Capítulo 22

Despertei com Caique balbuciando algo e quando olhei para ele, meu
namorado suava e balançava a cabeça negando algo. Seu coração estava
disparado e uma de suas mãos apertava o edredom com força, enquanto a
outra apertava a mim.
— Não, pai. Por favor, não me deixa aqui — ele disse e chorou, um
choro sofrido, das lágrimas escorrerem.
— Amor! Amor, por favor, acorda. Caique, acorda! — Ele abriu os
olhos e olhava tudo ao redor assustado, até que me viu. — Você estava
sonhando.
— Eu sonhei com o dia que meu pai morreu. — Seu olhar triste me
dava pena.
— Seu coração está disparado. — Caique colocou sua mão por cima
da minha. — E sua mão está gelada, meu amor. Vou pegar água pra você,
ok?
— Desculpe te acordar.
— Está tudo bem.
Me levantei e fui até a cozinha. Robert dormia tranquilo com um braço
sobre o rosto. Peguei água pro Caique e voltei para o quarto. Ele logo se
apoiou no braço e bebeu a água que eu trouxe. Não deixei de perceber sua
mão tremendo enquanto segurava o corpo.
— Obrigado.
— Não vai trabalhar amanhã — pedi e ele me olhou conforme se
deitou. — Tira um dia de folga. Não foi fácil o que você descobriu. Imagino
o quanto deva estar doendo.
— Vem cá. — Caique me puxou para os seus braços e me deitei por
cima dele com a cabeça em seu peito. — Eu fico com você. — Olhei para
ele.
— É... eu não pensei que eu ficaria. Podem falar da minha falta.
— Não vão, desde o momento que eu ligar falando dela. Preciso que
cuide de mim.
— Dengoso.
— Você está fazendo isso comigo.
Nos abraçamos e dormimos embolados debaixo do edredom. No dia
seguinte, acordei primeiro e Caique estava ferrado no sono. Me levantei
devagar e fui escovar meus dentes. Ao passar pelo quarto da minha mãe,
espiei lá dentro e vi Juliana dormindo. Mamãe já tinha se levantado.
Ao me aproximar da sala, vi que Robert também já tinha se levantado
e suas roupas de cama estavam devidamente dobradas. Logo ouvi sua voz e
a da minha mãe vindo da cozinha.
Cheguei devagar e eles conversavam tomando uma xícara de café.
Robert falava algo de seu país e mamãe prestava atenção e perguntava sobre
sua família. Eles estavam tão entretidos, que nem me viram chegar. Quando
dei “bom dia”, mamãe quase deu um pulo da cadeira e Robert se
empertigou todo, ficando como uma estátua. A vontade de dar uma
gargalhada veio forte, mas me segurei.
— Bom dia, gente.
— Bom dia, Fernando — Robert respondeu sem me encarar.
— Bom dia, meu filho. Acordou cedo. — Fiquei pensando, eu
acordava cedo todo dia. Qual era a novidade?
— Vim ver o café pro Caique e o Robert. Comprar pão.
— Eu fui lá, meu filho. Já comprei tudo. Fiz café fresquinho —
mamãe falava e mexia na geladeira. Ela ficou tímida? Foi isso? Muito
esquisito esses dois.
Me sentei ao lado de Robert e só aí ele me olhou.
— Caique teve um pesadelo esta noite.
— Ele ainda está muito abalado pelo que houve?
— Sim, Robert. E como está... — Fiquei olhando para o homem na
minha frente e pensava que ele era como um pai pro Caique. — Você o trata
como um pai, sabia? — Vi seus olhos brilharem e ele abaixou o olhar,
depois olhou pra minha mãe e pra mim novamente. Ficou completamente
sem jeito.
— O maior sonho da minha vida sempre foi ser pai — ele disse e
prestei mais atenção em suas feições. — Quando fui selecionado para
trabalhar com ele, nosso primeiro contato foi por telefone e gostei do som
de sua voz. Da calmaria que ela me passou. E ao vê-lo pessoalmente, eu só
quis protegê-lo de tudo. Na minha cabeça, enfiei que nada o machucaria,
absolutamente nada. Dou minha vida por ele. Criei um carinho de pai, eu
acho. — Até minha mãe tinha ficado paralisada escutando.
Pela minha visão periférica vi Caique parado e ele havia escutado
tudo. Soube no momento em que o olhei de frente e vi que enxugava uma
lágrima que tinha escorrido pelo seu rosto. Olhei para Robert de novo e ele
tinha a cabeça baixa. Ficou assim o tempo todo enquanto desabafou
comigo.
— Seu carinho é muito bonito, Robert. E sinceramente, não vejo nada
que te impeça de ter um amor de pai por ele.  — Robert sorriu fraco de
cabeça baixa, como se achasse que não era digno disso e foi nessa hora que
Caique chegou ao lado dele e tocou seu braço.
O pobre levou um susto tão grande que ficou pálido e sem graça, mas
Caique segurou em sua mão e ele as olhou unidas.
— Ontem descobri que não sou filho legítimo do meu pai — Robert
arregalou os olhos. —, e isso está doendo muito. Ele sempre foi e sempre
será meu pai. Ele me deu amor e me criou. Nada muda. Mas quero que
saiba que ouvir suas palavras agora foi muito bom. Você tem meu carinho,
confiança e amizade desde o início. Eu deixo você ser um pouco meu pai
também.
Estava vendo a hora que o Robert iria desabar, mas ele se segurava ao
máximo.
— Sinto muito pelo que descobriu.
— Só mais uma facada com relação a minha mãe. Agora entendo por
que me despreza tanto.
— Não absorva isso. O senhor é muito mais do que isso.
— Não vamos mais usar o senhor, ok? Sou apenas o Caique para as
pessoas que estão em meu coração. — Robert sorriu tão lindo que me
derreti todo. O homem tinha ganhado o dia. Olhei para minha mãe e a
coitada se debulhava em lágrimas perto do fogão. — Agora preciso usar o
seu banheiro, Kátia.
— Ele é todo seu, meu querido — ela respondeu, fungando o nariz.
— Eu te ajudo, amor. Vamos.
Acompanhei Caique até o meu banheiro e me xinguei por não pensar
nesse problemão.
— Ca, vai ser difícil aqui. Meu banheiro não tem acessibilidade
nenhuma pra você. Não pensei nisso. Desculpa.
— Calma, amor. Sempre tem um jeito. Consigo passar para o seu vaso
de boa, basta travar a cadeira. E o melhor você tem.
— O quê?
— Aquele chuveirinho ali. — Sorri.
— Estou com medo de te deixar só.
— Só aviso que talvez eu molhe um pouco o chão.
— Pode molhar o quanto precisar, eu enxugo. Promete me chamar se
tiver dificuldade?
— Prometo.
Observei Caique ir à pia primeiro e escovar seus dentes. Ele havia
trazido uma necessaire com seus objetos pessoais. Depois o deixei sozinho
para sua higiene particular. Ele levou cerca de meia hora no banheiro e
quando saiu de lá estava tranquilo e satisfeito. Para que ele não se sentisse
incomodando, fui logo secar o chão e nem estava tão molhado assim.
Juliana acordou um tempinho depois e mamãe nos explicou que hoje
ela não tinha aula. Havia dedetização em sua escola. Minha irmã ficou
super dividida para quem dava atenção naquele café da manhã. Bom, minha
mãe e eu fomos esquecidos. Caique e Robert eram a atração.
Sua gargalhada foi alta quando ela passeou no colo de Caique pela
casa. E gritou quando Robert a pegou e a levantou no alto como se ela
estivesse voando. Riu tanto que soluçou.
— Não vou trabalhar hoje, Robert. Já avisei ao Saulo e ao Guilherme
que nem eu e nem o Fernando iremos. Coitado do Guilherme, começou
ontem e já se viu no meio de tanta confusão.
— Ele é gente boa, Ca. Vai tirar de letra — falei.
— Estou a sua disposição — Robert respondeu.
Barulho de tiros chamou a nossa atenção e Robert que estava sentado
no sofá, levantou rápido com a mão na cintura. Ali eu descobri que ele
andava armado.
— O que é isso? — ele perguntou. — Foram tiros, não é?
— Sim. Quando fui comprar pão, já vi uma movimentação de policiais
no início da rua. E esses tiros são os caras do morro avisando que eles irão
entrar — minha mãe falou e foi em direção a janela, mas Robert a segurou
pelo braço na hora.
— Não chegue perto da janela, Kátia. É perigoso.
— Fique tranquilo, Robert. Ainda não começou. Quando tudo começa,
é bem diferente e o barulho, ensurdecedor. — Ela foi até a janela e nos
contou que carros de polícia subiam a rua. — Caique, não estou te
expulsando da minha casa, mas é melhor você sair logo daqui. Não sei
como ficará depois.
— Não vou sair daqui e deixar vocês. Todo mundo vem junto comigo.
— Caique estava sério como nunca vi.
— Meu querido, estou acostumada. Ficarei lá no meu quarto com
Juliana e estaremos seguras. Vá com ele, meu filho. Já que hoje ele não irá
trabalhar, cuide mais um pouco dele. — O carinho na voz da minha mãe era
palpável.
— Isso não é um assunto negociável, Kátia. Vocês duas virão comigo e
o Fernando. Com certeza você tem telefone de algum vizinho pra ligar
depois pra saber se já acalmou tudo por aqui. Não vou embora deixando
vocês. — Minha mãe arregalou os olhos com o modo CEO do Caique e foi
até ele e segurou em suas mãos.
— Não se preocupe. Tenho um vestido de noiva para terminar e
ficaremos bem. Amei ter você em minha casa e saiba que sempre será bem-
vindo aqui. Sempre. — Dona Kátia deu um beijo na testa do meu namorado
e ele ficou todo emocionado.
— Poxa, Kátia...
— Sem discussões. Vai pra casa em paz. — Minha mãe olhou pra
mim. — Filho, por que vocês não dão um passeio no shopping pra distrair
um pouco? Caique pode ir ao shopping, não é?
— Claro que posso. Já falei pro Nando que quero fazer todos os
programas com ele.
— Ótimo! Filho, vou aproveitar e te dar duas contas pra pagar, tá bom?
Assim não preciso sair e elas vencem hoje.
— Pode me dar mãe. — Olhei para o meu amor. — Quer conhecer o
shopping de Madureira? — perguntei rindo.
— Quero tudo com você!
Caique colocou uma roupa reserva que havia trazido além do terno de
trabalho e eu me arrumei e coloquei a camisa que ele tinha me dado de
presente de aniversário.
Enquanto nos arrumávamos, mamãe foi com Robert tirar o carro da
casa do vizinho e Juliana estava inconformada que Robert e Caique iriam
embora.
— Nossa, eu escolhi muito bem. Você ficou uma delícia com essa
camisa. — Sorri para o meu namorado.
— Gostei da sua roupa também. — Caique vestia uma calça creme e
uma camisa branca. Nos pés colocou um tênis bonito. — Está preparado
para ser visto em público comigo?
— Eu te amo e não irei esconder você.
Já com as contas de casa no bolso, uma Juliana de bico e minha mãe
dando tchauzinho, Caique e eu fomos para o Madureira shopping. Sabia que
agora minha mãe fecharia a casa toda e ficaria segura lá em seu quarto com
a Ju trabalhando. Era triste, mas já estávamos acostumados com a violência
a nossa volta. Só que Caique não se conformava.
— Elas tinham que ter vindo com a gente.
— Minha mãe ficará bem. Não fica preocupado. — Caique não se
conformou, mas teve que aceitar.
Descemos no estacionamento e fui ao lado de Caique. Robert ficou
mais afastado nos dando privacidade, mas estava com os olhos no meu
namorado.
— Vamos logo pagar as contas da sua mãe?
— Sim, melhor. A loteria deve estar vazia esse horário.
Só que não estava, tinha uma fila horrorosa.
— Poxa, não demos sorte.
— Tem fila de prioridade. Me dá aqui.
— Tem certeza?
— Claro. — Caique foi com minhas contas e até me afastei para
esperar por ele.

Jamais tinha entrado na fila de uma loteria, mas estava achando


interessante e até deixei uma senhora que estava atrás de mim passar na
minha frente. Olhei as contas do Fernando e vi que era conta de luz e água.
Quando chegou minha vez, deixei o dinheiro em meu colo e entreguei
as contas pra moça.
— Vocês aceitam débito aqui?
— Sim, se for da caixa econômica. — Bom, meu banco era outro.
Olhei minha carteira e estava com dinheiro. Observei onde Fernando
se encontrava. Ele estava mais afastado e mexia em seu celular.
— 330 reais, senhor.
— Ok. Aqui o valor.
Paguei as contas do Fernando e coloquei seu dinheiro nos recibos que
recebi. Esperava que ele não ficasse chateado. Quando saí da loteria, ele me
olhava meio sério e já fiquei com medo.
— Paguei, amor.
— Caique, o meu salário bateu na minha conta.
— Sim, lá na empresa é logo no início do mês.
— Mas não está descontado o vale que eu peguei com você.
— Eu sei. Mandei não descontar.
— Não, Caique. Poxa, isso não é justo.
— Não é justo eu deixar meu namorado ser descontado.
— Quando você mandou não descontar?
— No mesmo dia que te dei.
— Não éramos namorados ainda.
— Mas eu simpatizava muito com você e não queria que descontasse.
— Pra tudo você tem resposta, né?
— Sim!! — Fernando revirou os olhos sorrindo. — E toma seus
recibos. — Dei nas mãos dele as contas pagas e quanto ele viu o dinheiro,
arregalou os olhos.
— Você não usou o dinheiro? Mas como...
— Devolve pra dona Kátia o valor dela.
— Mas Caique...
— Vamos passear!! Nunca vim ao Madureira Shopping!! É bonito,
hein? — Fui na frente e Fernando veio resmungando atrás de mim.
Logo o assunto “dinheiro” foi deixado de lado e aproveitamos o nosso
passeio. Cheguei a pegar em sua mão e ganhei beijos em público também.
Aquilo estava me fazendo muito bem.
Fernando ficou louco por um tênis que viu em uma vitrine e insisti que
ele fosse experimentar.
— Não tenho dinheiro pra isso, Caique,
— Usa o dinheiro das contas que sobrou.
— Não. Devolverei pra minha mãe. — Amava o quanto ele era
responsável.
— Vai experimentar o tênis.
— Você não vai gastar dinheiro comigo de novo. Ainda não engoli o
lance do vale.
— Esquece isso.
— Vou experimentar apenas para ver se é confortável. Uma vez fiquei
tão a fim de um e quando calcei, era uma bosta. — Ri do seu jeito de falar.
Fiquei olhando os calçados na vitrine enquanto Fernando foi dentro da
loja e não esperava quem eu iria encontrar, ou melhor, reencontrar.
— Caique? — Olhei para o lado e João Miguel estava parado com um
sorvete nas mãos e de uniforme. Ele era gerente de uma loja de telefonia.
Só não sabia que era daqui.
Meu coração disparou, mas não por sentir algo por ele, eu só não
estava preparado para revê-lo assim, tão de repente.
— Oi. — respondi seco e ele ficou me olhando.
— Amor, viu o que te falei? Era uma bosta por dentro. — Fernando
veio todo alegre e me abraçou e beijou meu rosto. Só depois disso ele olhou
para o rapaz na minha frente e se endireitou.
— Conhece ele? — perguntou.
— Este é o João Miguel. — Fernando o olhou na hora de cara feia e
ainda foi pra perto dele. — Nando, espera! — Tentei segurá-lo em vão.
— O que você quer com ele?
— Eu não quero nada, cara. Só o vi aqui e vim cumprimentar. —
Fernando deu uma risada debochada.
— Cumprimentar? Mas você é bem cara de pau, né, sujeito? Destruiu
a vida dele e ainda acha de cumprimentar? Some daqui. Esquece que ele
existe ou quebro a sua cara. — Fernando empurrou o peito de João Miguel
e o sorvete dele caiu no chão.
— Olha o que você fez, seu otário! — João Miguel ficou puto e
quando pensou em vir pra cima de Fernando, Robert entrou no meio.
— Encosta nele e vai se ver comigo. — Meu ex chegou a dar passos
para trás.
— Chega, gente! — falei mais alto e algumas pessoas já olhavam. —
Nando, Robert, me deixem falar com ele. — Meu namorado me olhou com
mágoa, mas eu precisava disso. — Vai ser rápido, Nando. Robert, fica com
ele.
Nando saiu andando, puto da vida, com Robert atrás dele.
— Que belo namoradinho você foi arranjar, hein? Sem educação.
— Muito melhor que você que não vale nada. — Seu semblante se
fechou. — Como pôde fazer aquilo comigo? — disse com toda raiva que
existia em mim. — Você foi baixo! Um ordinário!
— Para de me ofender!
— Então veio falar comigo pra quê? Pra zombar de mim? Tenho nojo
de você, João Miguel.
— Me desculpa. Eu era imaturo e não queria perder meu emprego.
— E usa os sentimentos dos outros? Deixa eu te dar um conselho: a
vida traz de volta pra gente tudo que fazemos de ruim com as pessoas.
— Eu sei disso. Perdi meu emprego, fui processado pelo seu amigo e
expulso de casa pela minha mãe e meu padrasto que não aceitaram a minha
orientação.
— Karma, meu querido. Você só entende o mal que causa quando tudo
volta pra você — falei sem remorso nenhum. — Você foi a maior decepção
da minha vida. E se me perguntam de um arrependimento, você é o único
que menciono. — João Miguel engoliu em seco.
— Espero que um dia possa me perdoar.
— Você ficou marcado como decepção e arrependimento, mas não
sinto absolutamente nada por você. Nem meu desprezo você merece. Fique
longe de mim. E se me vir na rua outra vez, finja que não me conhece
porque lamento muito ter te conhecido um dia.
Fui saindo de perto dele.
— Sinto muito pelo seu acidente. — Olhei para ele.
— Não sinta. De você não quero nada. Só distância.
Fui para onde Fernando estava sentado e podia ver seu bico
emburrado. Robert me viu e se afastou devagar. Parei na frente do meu
namorado e ele se recusava a me olhar.
— Olha pra mim.
— Não quero.
— Por favor. — Ele me olhou contrariado. — Eu precisava desabafar.
Estava guardado há muito tempo aqui dentro. — Apontei pro meu peito. —
Precisava dizer na cara dele que sentia nojo da pessoa dele e que só queria
distância.
— Queria quebrar a cara daquele sujeito de merda.
— Não vale a pena. Ia estragar o nosso passeio. — Toquei seu rosto.
— Ei, desmancha esse bico e me dá um beijo? Tô precisando.
Fernando me puxou para mais perto dele. Meus lábios ganharam os
seus e assim eu sabia o quanto era amado por ele.
— Se encontrarmos com ele de novo e me mandar sair de perto, eu
largo você.
— Birrento.
— Sou mesmo.
Almoçamos juntos e foi uma novidade conhecer uma praça de
alimentação tão barulhenta, mas eu gostei. Fernando ligou para sua mãe e
realmente estava tendo operação na comunidade, mas ela estava bem e
segura dentro de casa. Só pediu que ele não voltasse logo, que ficasse
comigo, pois não dava para entrar na rua por causa dos policiais espalhados
e alguns protestos que ela soube que estavam acontecendo.
Fomos para minha casa e no caminho falei com Saulo para saber da
empresa. Minha irmã já tinha me mandado mensagem falando que tinha
conversado com nossa mãe. Beatriz estava triste, mas se dizia aliviada. Eu
nem sabia o que sentia com relação a Branca.
Capítulo 23

Quando cheguei no trabalho naquela manhã, já sabendo que Caique


não viria, fui ao seu andar falar com Guilherme. Ele já estava a postos e
digitava algo em seu notebook. Estava tão distraído que nem olhou em
minha direção quando o elevador chegou. Por isso levou um susto quando
cheguei perto.
— Bom dia, Guilherme. — Conforme ele se assustou, a franja de seu
cabelo caiu mais em seu rosto.
— Bom dia, senhor Saulo. — Ele jogou os cabelos para trás. Seus
olhos eram interessantes. Bem redondos e observadores. Como se ele não
deixasse passar nenhum detalhe. — Não vi o senhor chegar. Estava
distraído digitando.
— Caique te ligou?
— Sim, ligou. Ele e o Fernando não virão.
— Se a mãe dele ou irmão passar aqui e perguntar por um dos dois,
pode responder que hoje eles não vieram. Tiraram o dia para descansar
juntos. — O sorriso de Guilherme foi, digamos, encantador.
— Ok, eu respondo isso. — Olhei em volta.
— Hoje você ficará apenas com a companhia da Soraia por aqui.
Aurélio viajou esta manhã a negócios. Uma viagem rápida.
— Sim, o dia hoje será bem silencioso por aqui.
— O que está digitando?
— Um resumo da pauta da próxima reunião que o senhor terá com o
senhor Caique. Dos contratos novos que chegaram e que a Flávia deu a
vocês. O contrato de mais um shopping é o que está já agilizando tudo para
começar.
— Ótimo!! Estava louco para esse começar. Obra grande! Mas os
outros são muitos bons e Caique disse que pegará todos. Como ficou o
Jovem aprendiz? Já teve retorno?
— Todos os candidatos aprovados.
— O Caique ficará radiante com isso. Não gosta de dispensar
ninguém.
— Quando ele me ligou, disse que me deixaria no e-mail o projeto
para estender a adaptação de toda calçada ao redor do quarteirão da
empresa. Disse que ficou cansado de esperar pela Prefeitura.
— Ele vai fazer do bolso dele essa obra. A empresa que já tinha
acessibilidade, quando ele voltou, mudou ainda mais. E ele vinha me
falando que estava louco para mudar toda a calçada em torno, não só aqui
na frente. Mesmo assim irei fazer contato com a Prefeitura novamente. Isso
é serviço deles.
— O senhor Caique é muito gentil com todos. Ele se preocupa. Tem
gente que coloca acessibilidade em suas empresas por mero protocolo. Para
cumprir as regras. Mas ele faz mais que isso.
— O pai dele já era assim, mesmo sem saber que um dia seu filho seria
PcD. E Caique seguiu os passos e depois de tudo que aconteceu... ele sabe
como é ficar sem acessibilidade. Quando está no carro comigo, fica
indignado com as calçadas que vê pelas ruas.
— Eu que não sou, já fico. Imagino ele. — Fiquei observando-o
quando sua atenção se voltou para o computador novamente.
— Na minha sala tem uma mesa sobrando, vem comigo, trabalhe de lá.
Ficar aqui sozinho não será bom. Vou pedir a Soraia que desça também e
fique no refeitório. Hoje nesse andar não terá nada.
— E se dona Branca passar aqui?
— Foda-se ela — respondi e Guilherme arregalou os olhos me olhando
sair.
Já estava em minha mesa trabalhando quando ele bateu na porta.
— Entre.
Como ele era baixinho, parecia uma criança carregando notebook e
papéis. Me levantei e o ajudei a se instalar na mesa. Logo ele digitava e eu
também.
— Notícias da Flávia, Guilherme? A cirurgia aconteceu ontem
mesmo?
— Sim, mas foi à noite. Acabou atrasando um pouco. Foi tudo bem.
Hoje já liguei cedo e falei com o namorado dela. Ele madrugou por lá.
— Graças a Deus. Flávia é uma querida.
— Minha prima é uma pessoa de ouro. Nunca serei capaz de pagar
tudo que ela já fez por mim nessa vida.
— Vi pelo seu endereço, em seu currículo, que você mora com ela. É
isso?
— Sim. Ela me acolheu quando saí da casa dos meus pais. Aí estava
procurando emprego para conseguir ter meu canto. — Fiquei olhando pra
ele e morrendo de curiosidade de perguntar por que saiu da casa dos pais,
mas me contive.
— Aqui será uma boa experiência pra você.
— Será mesmo. Espero logo conseguir me efetivar em algum lugar.
Guilherme voltou a digitar e eu fiquei pensando na possibilidade de ele
ser efetivado aqui. Ele estava cobrindo a licença médica da prima, mas nada
impedia dele ficar aqui também. Falaria com Caique.
Quase perto do almoço, entrei na internet um pouco e fiquei
navegando sem rumo. Vi uma reportagem falando do Caique, de seu
acidente no passado. O caso era mencionado por ter ocorrido outro acidente
na mesma estrada. Mais abaixo, falava do meu amigo e era triste ver sua
tragédia ser um exemplo para uma reportagem. Havia outros também. Pelo
menos estavam alertando para perigos no trânsito em dias de chuva.
Fiquei mergulhado naquilo e vi que além do Caique, falava das
pessoas que morreram naquele dia. Vi o nome de Fábio e doeu, ele era um
cara muito responsável e família. Falava de Bruno Aguiar, o motorista da
van e de Armindo Viana, o motorista do caminhão que falhou os freios.
Ao terminar de ler a frase, meu coração pulou dentro do peito e li com
mais atenção. Armindo Viana...
Olhei para Guilherme e ele anotava algo e olhei para a tela do
computador de novo.
— Eu conheço esse nome...
— Falou comigo? — Guilherme perguntou.
— Não, não. Mas você pode me ajudar. Liga pro RH e pede para me
mandarem acesso novamente a ficha do Fernando, por favor?
— Claro.
— Não pode ser o que estou pensando. Será? — falava em voz alta,
mas ali quieto no meu canto.
— Pronto, senhor Saulo. O acesso está em seu e-mail.
— Obrigado, Guilherme.
Assim que abri os documentos, fui direto na certidão de nascimento e
no nome do pai do Fernando. Tive que me levantar da cadeira. Na hora veio
nas minhas lembranças o que o seu ex patrão falou pra mim.
“Ele chorava muito algumas vezes”
“Uma morte tão estúpida, bater com o caminhão...”
— Senhor Saulo, o senhor está bem? Está um pouco pálido. — Olhei
para o Guilherme e fiquei sem fala. Fernando era filho do motorista que
bateu no carro do Caique? Que a Branca fez questão de dizer que era
culpado mesmo sendo comprovado que não?
— Eu acabei de descobrir uma coisa que me deixou assustado, confuso
e estou sem saber como agir.— Precisei desabafar com ele.
— Quer conversar? Tome essa água aqui primeiro. — Guilherme foi
no canto da sala e pegou água para mim. Me sentei aturdido na cadeira. —
Foi tão grave assim?
— Assim, grave não é, dependendo da perspectiva. Ou melhor, das
intenções.
— Não entendi. — Passei as mãos pelo meu rosto.
Puxei uma cadeira e pedi a Guilherme que se sentasse.
— Caique, há alguns anos, sofreu um acidente de carro que o deixou
paraplégico.
— Sim.
— Foi um engavetamento em um dia de chuva por causa de uma
queda de árvore e foi terrível. Não sei realmente até hoje como ele
sobreviveu. Mas três pessoas morreram nesse dia: o motorista da van, que
foi o carro que bateu na árvore e o carro do Caique entrou na traseira dele, o
motorista do meu amigo e um motorista de caminhão, que perdeu os freios
e fez o carro do Caique virar sanfona.
— Jesus Cristo.
— Pois é, só ele mesmo. Jamais esquecerei aquele dia. Esse motorista
do caminhão, por estar sem cinto, foi arremessado pelo vidro e morreu na
hora.
— Coitado, meu Deus. — Guilherme levou as mãos a boca.
— O que eu acabei de descobrir, é que esse motorista é o pai do
Fernando. — Guilherme mudou sua expressão de susto para confuso.
— Do Fernando? E vocês não sabiam disso?
— Aí é que está. Não. Quer dizer, pelo menos eu não sabia. E acredito
que o Caique também não, senão ele tinha comentado comigo. Quando vi o
nome do pai dele em seus documentos na primeira vez, tive a sensação de
que já tinha visto aquele nome, mas não me recordava. Aí agora acabei de
ver na internet e por isso pedi a ficha do Fernando novamente.
— Mas calma, Saulo. Quer dizer, desculpa, senhor Saulo.
— Sem o “senhor”, Guilherme.
— Você tem certeza de que é a mesma pessoa? O que te garante que a
pessoa do acidente seja o pai do Fernando? Só o fato de ter o mesmo nome?
— O mesmo nome, ambos trabalhavam com caminhão e morrerem em
um acidente com ele. Um dia liguei para ver referências do Fernando e seu
ex patrão comentou comigo que o pai dele morreu de forma estúpida,
batendo o caminhão.
— Bom, isso já é muita coincidência. Mas isso é um problema? Não
entendi.
— Como falei, depende das reais intenções do Fernando. Você não
acha coincidência demais ele vir trabalhar justo na empresa do cara que está
envolvido na morte de seu pai?
— Mas pelo que entendi, ninguém teve culpa, foi uma fatalidade.
— Exatamente, mas a cabeça das pessoas é um mistério, meu querido.
E Caique já sofreu uma decepção muito grande neste mesmo dia terrível.
Ele foi arrancado do armário pelo cara que estava saindo com ele e que na
verdade era um jornalista disfarçado.
— Minha nossa senhora.
— Pois é. Entende agora a minha desconfiança? O meu medo?
— Eu vi os dois ontem quando chegaram, Saulo. A paixão nos olhos
dos dois.
— Eu vi muito mais que você e por isso não estou sentenciando o
Fernando, mas estou chocado com isso e querendo saber se o Caique sabe.
E se não sabe, por que o Fernando está escondendo.
— Será que ele não tem medo?
— Medo de que?
— Disso mesmo, dessa desconfiança de que ele queira uma vingança.
Ele pode ter conseguido um trabalho aqui, acabou se apaixonando e devido
ao histórico do senhor Caique, que ele já deve saber, tem medo de ser mal
interpretado.
— Ele estava quase sendo despejado com sua família quando veio
trabalhar aqui.
— Então, uma oportunidade de serviço surgiu na melhor hora. Como
vocês chamam para entrevista aqui? Com base em que?
— Entramos em sites de empregos e colhemos os que convém com
nossa necessidade.
— Pronto. O dele estava lá e ele caiu justo aqui. Ele só não esperava
que conheceria seu amor. E justo o senhor Caique.
— Caramba, oh cabeça a sua, hein?
— Você pensaria também, mas ficou nervoso. — Sorri e cocei a
cabeça. — O que fará com essa informação?
— Ainda não sei, mas pretendo falar com o Fernando sozinho. Não
irei levar ao Caique agora. Se eu ver uma mísera conduta da parte do
Fernando que me levante suspeitas, aí o negócio muda de figura.
— Mas você acredita que pode ter algo?
— Não. Quer dizer, cara, eu gosto pra caralho do Fernando. Esse, se
tiver algo por trás, vai ser uma baita decepção pra mim também.
— Não tire conclusões precipitadas. Não sem antes falar com o
Fernando, ok?
Encarei aqueles olhos expressivos e o convidei para almoçar.
— Vamos almoçar?
— Eu?
— Sim. Só tem você na minha frente. Vamos aqui no refeitório
mesmo.
Desci com Guilherme e a comida estava com um cheiro delicioso. Já
tinha ligado para todos os setores e conferido se tudo estava funcionando
normalmente. O dia de trabalho estava produtivo e tudo corria bem.
Estávamos comendo quando meu telefone tocou e o nome da Branca
surgiu na tela me causando indigestão.
— Alô.
— Onde está meu filho, Saulo? Ligo para a sala dele e não me atende e
nem em seu celular.
— Você está na empresa?
— Não, hoje me dei folga.
— Claro. Ele não está aqui também, se deu folga — respondi
debochado e Guilherme me observava curioso. Eu reparava que ele
colocava nos cantos do prato todas as cebolas, pimentões, salsas e tomates.
— Como um presidente faz isso?
— Você disse tudo, ele é o presidente e pode fazer o que quiser. Não é
porque ele não está aqui que a empresa parou. Todos os setores estão
funcionando normalmente. Caique tem profissionais trabalhando para ele.
—Você é um folgado, Saulo. Eu sou sua chefe também. Tenha mais
respeito.
— Você que veio questionar a conduta dele pra mim e eu tive que
explicar como um presidente pode proceder. — O telefone foi desligado na
minha cara. Bufei.
— Quem era?
— A mãe do Caique. — Guilherme arregalou os olhos.
— E você a respondeu assim?
— Estou cagando e andando pra ela. — Guilherme sorriu como se não
acreditasse que eu fiz realmente o que fiz e olhei pro seu prato.
— Por que separou isso?
— Odeio essas coisas.
— São temperos. O mais gostoso da comida.
— Não gosto. — Juro que a carinha que ele fez foi linda. Precisava me
controlar.
— Ok, senhor “odeio essas coisas”. Coma a sua comida.
— Ei, apenas não gosto de temperos.
Foi gostoso almoçar com ele. Guilherme tinha um papo legal apesar da
pouca idade e isso me surpreendeu em alguns aspectos, principalmente
quando ele analisou a situação do Fernando me trazendo mais clareza aos
meus pensamentos.
Ele trabalhou em minha sala o dia todo e até me ajudou com algumas
dúvidas que tive em um cálculo. Nessa hora percebi que sua letra era bonita
e diferente, enquanto a minha era um garrancho horroroso. Nem sabia como
o Caique a decifrava.
No fim do dia, estava desligando meu computador e olhava Guilherme
arrumando suas coisas também. Ele era um baixinho gostoso. Mesmo
magro, sua bunda ficava linda na calça que ele usava e o conjunto inteiro
era bem charmoso, eu tinha que admitir. Se o visse fora daqui e ele fosse
mais velho, ia fazer de tudo para beijar sua boca, mas algumas coisas
contribuíam para isso não acontecer.
— Estou pronto — ele disse, me tirando dos meus pensamentos e
percebi que fiquei tempo demais reparando nele e pensando besteiras.
— Você tem namorada? — perguntei do nada e me surpreendi comigo
mesmo. Ele ficou surpreso pela minha pergunta totalmente sem noção
naquele horário.
— Não. Sou gay. — Fiquei surpreso e também sem saber o que
continuar falando.
— E você, tem namorada? — ele me devolveu a pergunta.
— Nem namorada e nem namorado. Não sou chegado a namoros.
Deus me livre! — respondi categórico.
— Bissexual então.
— Sim, sou bi. Foi por isso que saiu da casa dos seus pais? — Agora
não conseguia segurar mais minha boca.
— Também. É muito mais complicado. Você tem boa relação com os
seus?
— Não. Não me aceitaram. Não falo com eles há meses.
— Eu não falo com os meus há um ano. Sou uma aberração, segundo
meu pai e um perdido segundo minha mãe. Eles agora dão amor pra minha
irmã. Ela sempre foi a perfeita.
— Você também é. Não duvide disse. Não se baseie somente no amor
deles. — Guilherme sorriu.
— Foi bom te conhecer mais, senhor que não namora.
— Não namoro mesmo. Tenho regrinhas pra minha vida e assim sigo
feliz: não namoro, não me envolvo com pessoas aqui da empresa e nem me
apaixono. Isso me traz uma paz interior! — Fomos conversando, enquanto
saíamos da sala.
— Mas solidão também, não? — Guilherme perguntou quando apertou
o botão do elevador.
— Acontece às vezes, mas nada que uma garrafa de vinho não resolva.
Durmo e acordo novo em folha.
Entramos rindo no elevador e ele parado ao meu lado, sua cabeça batia
em meu peito. Senti vontade de bagunçar seu cabelo sempre certinho, mas
me contive.
— Bom, eu fico aqui. Preciso pegar meu ônibus. Ele saiu do elevador
e me olhou. Eu ia para o estacionamento.
— Bom descanso, Guilherme.
— Pra você também, Saulo. Pensa em tudo que te falei sobre o
Fernando.
— Pode deixar. Obrigado por aquela conversa.
— Disponha.
A porta do elevador se fechou quando ele já tinha virado de costas e eu
fui para minha casa. Amanhã tinha que ter uma conversa séria com o
Fernando.

— Você vai ficar bem? Por que não liga pra sua irmã vir aqui?
— Ela me avisou que foi na casa de uma grande amiga que não via há
um tempo. Vou ficar bem. Ir pra sua casa, conhecer sua mãe e irmã, passear
com você, me fez um bem danado.
— Pena que encontramos aquele sujeito. Comentou com Saulo?
— Nem se prenda a isso. João Miguel é passado. Mas foi até bom
descarregar o que estava entalado. E não, não falei com o Saulo isso por
telefone. Esse assunto é delicado e meu amigo esquentado. Nem comentei
também que fui pra sua casa, quero contar pessoalmente.
— Vai trabalhar amanhã, né?
— Vou. Minha vida tem que seguir. Só mesmo aceitei seu conselho de
relaxar um pouco e foi realmente muito bom. Vou ter muito assunto para
falar com minha psicóloga. Vai pra casa, tem que aproveitar que agora está
calmo. Por mim até elas estavam aqui junto com você. 
— Um dia trago elas aqui, tá bom?
— Eu te amo — Caique disse e eu o beijei com amor. — Você é tão
importante na minha vida. Tão especial.
— Você que é na minha. Nunca se esqueça disso.
Fui para minha casa. Já eram 19:30 quando cheguei e a rua estava
silenciosa. Ficava sempre assim depois de uma operação na comunidade.
Pelo caminho, ainda pude ver pneus queimados que foram usados para
impedir o avanço da polícia.
Assim que entrei, Ju veio me receber e minha mãe atrás. Ambas
estavam bem e ganhei um beijo da minha rainha.
— O jantar está pronto, filho. 
— Estou com um pouco de fome.
— Cadê o tio Caique e o tio Robert? A mamãe me contou que o tio
Caique é seu namorado. — Olhei pra minha mãe com um sorriso no rosto e
ela ficou toda sem jeito. Era um grande avanço.
— Ele ficou na casa dele, quietinho e bem. Ia ler um livro. Ele adora.
E o Robert foi para casa por hoje. Ele precisa descansar também.
— Foi bom o passeio, meu filho?
— Foi ótimo, mãe. Caique ficou encantado com o Madureira
Shopping. — Nós dois rimos. — Acho que namorando comigo ele vai se
tornar povão. — Minha mãe riu alto.
Observei a Ju correr para o quarto e suspirei olhando pra minha mãe.
— Tivemos surpresas também. Um ex dele trabalha lá e veio falar com
ele.
— Mas aqui?
— O nome dele é João Miguel. Foi a maior decepção amorosa do
Caique.
— E ele ainda falou com esse sujeito? — As mãos na cintura da minha
mãe, fizeram ela ter a mesma postura falando do Caique, como falava de
mim e do Ricardo.
— Ele precisava muito. Falou poucas e boas. Disse que se sentiu mais
leve.
— Você morreu de ciúmes pelo visto. Está me contando com um bico
maior que seu rosto. — Revirei os olhos.
— Queria quebrar a cara daquele mané.
— Se acalme. Foque que o Caique hoje está com você e não com ele.
Meu olhar parou no rosto da minha mãe. Ela era tão linda. Mesmo com
dois filhos e muitas pancadas da vida, minha rainha era um mulherão.
— Por que está me olhando tanto?
— Por dois motivos: quero fazer um elogio e contar uma coisa. A
senhora é muito linda e se um dia quiser ter alguém, jamais vou impedir. A
senhora merece ser feliz.
— Por que está falando isso agora?
— Vi a forma que Robert olhava pra senhora.
— Eu nem reparei nesse moço, meu filho. — Levantei uma
sobrancelha para ela. — Tá, não posso negar que ele é muito bonito e
chama atenção com aquele tamanho todo, mas olhe pra mim.
— Estou olhando e cheguei à conclusão que você é linda e merece ser
feliz, só isso. Com o Robert ou com qualquer outro.
— Ok. Mas o que você quer me contar?
— É sério.
— Está me deixando com medo.
— Não fique. Mas senta aqui. — Peguei as mãos da minha mãe a
trouxe para o sofá. — Eu te amo, mãe e até hoje só tive dois segredos para a
senhora.
— Dois? — Seus olhos se arregalaram um pouco.
— Sim. Minha sexualidade foi um deles.
— Mas isso nós resolvemos.
— Exato. Agora o outro, é uma coisa que omiti da senhora.
— Estou ficando nervosa, Fernando.
— Não fique. Apenas me ouça e procure me entender. É tudo que te
peço.
— Tudo bem.
— O nome da empresa onde trabalho não é SWG engenharia. —
Havia dado outro nome, de outra empresa na Barra para esconder o nome
verdadeira da empresa do Caique.
— E por que você mentiu sobre isso?
— Porque sou funcionário da AGM Construtora. — Minha forma de
falar foi calma e deixei que ela processasse o que eu tinha dito. À medida
que ela entendeu onde eu estava, se levantou do sofá e levou as mãos na
boca.
— Eu não acredito nisso, Fernando! Você está trabalhando na empresa
daquela gente? Daquela gente que acusou seu pai do acidente que também o
matou? — Seu timbre de voz até aumentou.
— Não existe “aquela gente”. Existe o Caique que você conheceu e
gostou muito. — Sua boca se abriu e sua expressão era de susto, raiva,
angústia e confusão. — Você o conheceu, mãe. Ele também estava naquele
acidente. Mas o mais importante é: ele sabe que foi apenas um acidente. Ele
sabe que meu pai não teve culpa de nada e ainda se culpa de não ter ajudado
a família do motorista do caminhão. Mas se você insistir que ainda existe
“aquela gente”, uma única pessoa se enquadra nesse termo: a mãe dele. —
Respirei fundo para me acalmar um pouco. — Foi essa mulher desprezível,
que eu já tanto te falei, que acusou o papai e não o Caique. Foi ela, que
mesmo com as provas, queria acusar alguém para manter a farsa de que se
importava com a vida do filho.
Me levanto e fico na frente da minha mãe.
— Essa mulher quis que o próprio filho morresse ali para se livrar do
fardo de ser mãe dele. — Minha mãe chorou sofrido e se afastou de mim,
indo para um canto da sala. De lá ela me olhou com o rosto banhado de
lágrimas.
— Por que você foi justo pra lá?
— Porque foi o que apareceu. Lembra que te contei que fui à obra e
não tinha serviço e depois recebi a ligação? Isso foi tudo verdade. Eu só
omiti o lugar mesmo. Mãe, eu não me perdoaria se você e Juliana fossem
parar na rua. Eu teria vergonha do homem que sou se tivesse deixado que
isso acontecesse. Eu chorei debruçado no caixão do meu pai e prometi a ele
que cuidaria de você, custasse o que fosse. — Paro um pouco de falar e com
as mãos na cintura, olho para o chão. — Quando a Flávia naquele dia me
disse o nome da empresa, eu quis entender o que a vida queria de mim.
Porque justo aquela empresa estava me chamando. Daí eu pensei em suas
palavras para justificar ter usado o dinheiro que dei e não ter pagado o
aluguel. Você colocou comida em casa, mãe. Não pensei em mais nada e
fui. Eu precisava.
— Devia ter me falado.
— Você não me deixaria ir. Eu honrei o sobrenome do meu pai indo
naquela entrevista. — As lágrimas rompem a barreira nessa hora e enxugo
meu rosto de forma ríspida. — Eu só não esperava ... — Encaro minha
mãe.  — Não esperava conhecer o Caique. Não esperava descobrir na
entrevista que ele era o CEO que tanto vi falar na internet que tinha sofrido
o mesmo acidente que meu pai. Pensei até que pudesse ser alguém antes
dele. Mas não era. Ele hoje está em uma cadeira de rodas por causa daquele
maldito acidente que também tirou a vida do meu pai e nenhum dos dois
tem culpa de nada. Eu amo os dois demais. — Não consigo mais me
controlar e choro sentado no sofá. Até que sinto a mão da minha mãe em
meu ombro e olho para ela.
— Eu gostei tanto dele.
— Ele é um amor de pessoa, mãe. É, depois do meu pai, o homem
mais maravilhoso que já conheci na minha vida. É generoso, carinhoso,
amigo e um chefe maravilhoso para os seus funcionários. Foi tudo uma
fatalidade da vida. Deus me tirou um e me deu o outro. Mas esse veio para
ser meu amor. — Enxugo mais uma vez o meu rosto e fico mexendo nos
meus dedos enquanto falo. — AGM Construtora é por causa do nome do
pai dele: Augusto Montenegro. Ele se orgulha tanto do império do pai. O
ruim no meio disso tudo é aquela mulher que leva o título de mãe dele.
— Eu senti pena, não nego, de vê-lo naquela cadeira. Mas ao mesmo
tempo senti uma força muito grande vindo dele. — Minha mãe sorri. —
Quando olhei dentro dos seus olhos tão lindos, senti um carinho enorme por
ele.
— E ele sentiu por você. Estava todo bobo com você o servindo e o
chamando de filho. Ele nunca teve esse carinho, mãe.
— Como uma mãe pode fazer isso com um rapaz tão bom?
— Não tenho essa resposta. Bom, agora a senhora sabe os dois
segredos que tive em minha vida. Não escondo mais nada da senhora e
nunca mais esconderei. — Minha mãe toca em meu rosto.
— Ele sabe, meu filho? Do seu pai?
— Não. Mas vai saber. Como aconteceu tudo isso com ele ontem,
decidi contar primeiro pra senhora e até sexta conto a ele.
— Converse como falou comigo. Passei anos odiando tudo e todos que
tivessem ligação com esse lugar. Mas também acho que ter conhecido ele
primeiro, me fez compreender melhor tudo que você me contou agora.
— Desculpe por ter escondido isso, mas o emprego foi muito
importante. Inclusive, aqui as contas pagas. — Estendi os recibos pra minha
mãe.
— Mas o dinheiro está todo aqui, Fernando.
— Só falta o do Uber que vim agora. Caique que pagou essas contas.
Ele entrou na fila e não vi quando usou o próprio dinheiro.
— Um CEO na fila de uma loteria? — Minha mãe riu.
— Ele adorou, tá? E também hoje recebi meu salário e não foi
descontado aquele vale. Até briguei com ele, mas não se tem argumentos
com um empresário, mãe. Oh, homem difícil. Então usei o seu dinheiro só
para vir de Uber. Não queria que o Robert viesse aqui de novo com aquele
carro. Não depois do problema de hoje.
— Esse rapaz não existe.
— Sem saber, sem ter a mínima ideia, ele está ajudando a família do
motorista do caminhão e amando o filho dele.
— Ele vai te entender, tenho certeza.
— Assim espero, mãe.
Dormi aquela noite mais leve e ainda mais decido a me abrir com o
Caique. Meu amor merecia a verdade.
Na manhã seguinte, cheguei em meu trabalho e fui direto para o
vestiário. Já estava de uniforme e apenas terminava de fechar o cadeado
quando Saulo entrou e trancou a porta.
Estranhei esse comportamento mais o encarei tranquilo.
— Bom dia, Saulo.
— Bom dia. — Seu tom e semblante estavam estranhos. Pensei logo
em Caique. Havia falado por mensagem com ele cedo, mas só de trajeto até
aqui era 1 hora.
— Aconteceu algo? O Caique está bem?
— Ele está bem. Está vindo para a empresa.
— Por que você está estranho e até trancou a porta ao entrar?
— Por que escondeu que é filho de Armindo Viana? O motorista do
caminhão que sofreu o acidente junto com o Caique. — Engoli em seco e
dei um passo para trás.
Não sabia como ele havia descoberto. Poderia ser pelos meus
documentos, mas isso não era suficiente já que havia pessoas com nome
iguais no mundo. Meu pai não era nenhum caso raro. Eu só sabia de uma
coisa, precisava ficar calmo para explicar, pois com Saulo, qualquer
comportamento estranho, ele acharia que eu estava mentindo.
— Como soube disso?
— Pegando referências suas. Um ex-patrão seu comentou que seu pai
morreu em um grave acidente de caminhão. Na hora não lembrei do nome
do seu pai, tive a sensação de já ter visto, só que não lembrei. Mas ontem,
ao ver uma bendita reportagem mencionando esse acidente novamente, o
nome dele estava lá. — Saulo caminhou calmamente em minha direção
com as mãos no bolso. — E se me restasse alguma dúvida, você acabou de
confirmar. — Seu olhar era afiado em minha direção. Respirei fundo.
— Eu não vou negar. Era meu pai sim. Eu tinha 18 anos na época
quando o perdi. Mas imagino que já tenha passado de tudo pela sua cabeça,
não é mesmo?
— E você acha que não há motivos pra isso? Além do histórico do
Caique, você esconde uma coisa dessas.
Me afastei dele e comecei a falar andando pelo vestiário.
— Jamais imaginei que meu currículo fosse selecionado para que eu
trabalhasse aqui. Antes disso, eu só evitava ver publicações que
mencionassem esse dia e tinha gravado na cabeça o nome da empresa. Nem
o nome do Caique eu sabia, pois se referiam muito a ele como o CEO da
AGM na época. Graças a Deus as reportagens foram diminuindo com o
tempo.
— Foram mesmo. Só vi essa ontem porque teve um acidente na
mesma estrada e mencionaram outros que aconteceram por lá. — Saulo
continuava sério.
— Mas quando a Flávia me ligou e falou que era daqui, eu quase não
acreditei. — Olhei para Saulo. — Mas foi no pior momento da minha vida.
Eu precisava demais, eu te contei isso. Estava correndo o risco de ir com
minha família pro olho da rua. Então tive que pensar rápido e aceitei.
Morrendo de medo, mas aceitei. Menti pra minha mãe, inventei outro nome
de empresa e vim.
— Por que mentiu pra ela?
— Ela não me deixaria vir. Ia preferir ir para a rua. — Saulo engoliu
em seco. — A Branca foi bem cruel em acusar meu pai.
— Eu sei disso. Mostrei todas as provas para ela e mesmo assim
aquela mulher não me escutava.
— Menti pra minha mãe e vim entregando a Deus o meu destino. Só
queria um trabalho, Saulo. Só queria honrar a promessa que fiz sobre o
caixão do meu pai de cuidar da minha mãe. E olha que na época nem tinha
a Ju. Nunca pensei em vingança, se for isso que passou pela sua cabeça.
Sou só um pobre e trabalhador, que precisava de um emprego.
— Mas por que esconder isso, Fernando?
— Porque eu vim trabalhar, mas não esperava conhecer o Caique. Não
esperava conhecer um cara tão formidável. Eu soube pela Flávia, no dia da
entrevista, que ele era o CEO do dia do acidente. Cheguei até a pensar que
fosse outro antes dele, mas Flávia garantiu que após a morte do senhor
Augusto, houve apenas ele. — Dou um sorriso fraco e me sento no banco
que há ali. — E descobri isso depois de passar pela entrevista mais foda da
minha vida. Onde conheci um chefe humano, carinhoso e atencioso. Um
homem como poucos. Cheguei a me sentir culpado pela sua deficiência.
— Não diga besteiras. Nem você e nem seu pai tem culpa de nada. Foi
um acidente.
— Eu sei disso, mas não consegui evitar. E depois... veio a amizade e...
o amor. — Olhei para Saulo. — Eu não esperava me apaixonar, muito
menos por ele. Só que aconteceu e eu fui remoendo isso dentro de mim e
vendo a melhor maneira de contar. Tentei algumas vezes, mas fui
interrompido. Tinha decido contar esta semana, aí ontem veio essa bomba
toda. — Me levanto e vou para perto de Saulo. Paro na sua frente. — Até
sexta irei contar a ele. Ontem contei pra minha mãe.
— Como ela reagiu?
— Levou um susto e chorou, mas expus meus motivos assim como
estou expondo pra você. Mas ela também ficou apaixonada pelo Caique.
— Ela o viu? Quando?
— Caique não comentou ainda com você, mas depois que você e
Beatriz saíram da casa dele na segunda, ele foi comigo para minha casa. —
Saulo arregalou os olhos.  — Conheceu minha mãe e minha irmã. Ele e
Robert dormiram lá com a gente. — Saulo me olhava abismado. — Ontem
seu amigo estava passeando comigo em pleno Shopping de Madureira,
pagou uma conta na loteria, tomou sorvete, comemos no McDonald's e... —
Meu semblante se fechou só por me lembrar daquele cara.
— E?
— Esbarramos com o tal de João Miguel.
— O quê? — Se eu antes achava que a cara do Saulo estava feia,
estava redondamente enganado. — Vocês viram aquele merda?
— Pior que vimos. Quase quebrei a cara dele. — Saulo ameaçou sorrir
nesse momento. — Derrubei até o sorvete dele. O idiota estava
uniformizado, devia trabalhar em alguma loja de lá. Aí ele ameaçou vir pra
cima de mim e Robert interveio.
— E o Caique nisso tudo? Como ele ficou?
— Pediu para ficar sozinho com ele. — Saulo já ia explodir em
xingamentos, mas o segurei. — Disse poucas e boas para ele. Ele disse que
precisava desabafar. Fiquei puto na hora, com um ciúme filho da puta, mas
entendi o lado dele. Depois disso continuamos nosso passeio e depois
fomos pra casa dele.
Respirei fundo e foi minha vez de colocar as mãos no bolso.
— Eu não sou como esse cara, Saulo. Eu amo de verdade o Caique. Só
simplesmente foi uma coincidência eu ser filho do homem que sofreu o
mesmo acidente que ele. Um dia na casa dele, Caique me confessou que se
sentiu culpado todos esses anos por nunca ter ajudado a família do homem
do caminhão. Foi difícil segurar minhas lágrimas naquele dia.
— Ele hoje ajuda e ama o filho dele.
— Foi exatamente o que eu disse pra minha mãe ontem.
— Cara, que louco tudo isso.
— Eu sei. Só espero que ele me entenda.
— Ele te ama, Fernando. Conte a ele.
— Eu vou contar sim. Ter dito ontem a minha mãe me deu mais
coragem. Acho que no fundo sempre tive medo de que ele me comparasse
ao João Miguel se soubesse disso. Medo de que ele duvidasse do meu amor.
Não sou nenhum mentiroso ou enganador. Só fiquei com medo.
Saulo ficou me olhando um tempão e me surpreendendo, se aproximou
e me deu um abraço.
— Me desculpe. Quando descobri, fiquei até pálido. Só vinha na
minha cabeça que o Caique poderia estar sendo vítima de outro plano
maldito. Foi o Guilherme que me acalmou e me pediu que te ouvisse
primeiro.
— O Guilherme? — Olhei para Saulo.
— Sim, ele estava em minha sala e viu o momento que descobri.
Contei um pouco do Caique para ele e conversamos.
— Eu vou contar, tá? Não se preocupe.
— Se precisar de ajuda, me grita.
— Pode deixar.
Quando fui para o meu setor, estava com minhas pernas bambas.
Encarar a desconfiança de Saulo era difícil. O homem era como um touro
para defender o Caique, mas no fundo eu gostava disso, meu amor tinha um
amigo incrível.
Eu vinha da sala de reunião quando Caique chegou e sorriu para mim.
Deixei meu carrinho onde estava e fui até ele, lhe dando um beijo nos
lábios.
— Bom dia, meu CEO.
— Bom dia, gostosura da minha vida.
Ouvimos um suspiro e foi Guilherme que chegava a estar apoiado nas
mãos vendo a cena. Quando viu que o olhamos, ficou todo desconcertado.
— Melhor que Netflix, não é? — Caique soltou, me fazendo cair na
gargalhada e Guilherme não sabia onde enfiava a cara, além de ficar todo
vermelho. Até Caique riu dele. — Relaxa, Guilherme. Vai virar um tomate
vermelho desse jeito.
Fomos rindo pra sala do Caique e deixei meu mais novo amigo
sorrindo e todo tímido.
Ainda estava desconcertado quando Saulo chegou no andar. Ele me
olhou assim que saiu do elevador e veio assim até minha mesa.
— Por que você está com as bochechas vermelhas desse jeito? Seu
olhar havia sido quente em minha direção, se não fosse impressão minha.
— Ah, fiquei desconcertado com o senhor Caique beijando o Fernando
aqui na minha frente. Ele ainda disse que devia ser melhor que Netflix. —
Saulo gargalhou e eu fiquei preso em seu sorriso, mas disfarcei, claro.
— Esse meu amigo está muito saidinho.
— Conversou com o Fernando?
— Sim. Ele me esclareceu tudo e confio nele. Não vi mentiras em seus
olhos. E olha que sei ver um mentiroso de longe.
— Ele então é mesmo filho do homem?
— Sim. Mas vai contar ainda essa semana ao Caique.
— Graças a Deus.
O dia estava tranquilo. Reuniões, atendimentos, Fernando limpando
tudo e eu atolado de papéis. Senhor Caique ficou feliz e tranquilo ao falar
com minha prima no telefone e ela contar que sua cirurgia tinha sido ótima.
Na hora do almoço, Fernando saiu com o senhor Caique e Saulo.
Achei que tinham ido ao refeitório, mas eles não estavam por lá. Quando eu
retornava para o andar, vi os três entrando, mas eles não me viram.
— E o que você achou dele vermelhinho? — Fernando perguntou
rindo.
— Achei uma graça, mas eu já tinha te dito que achava o Guilherme
bonito. — Arregalei meus olhos e vi que falavam de mim. — Mas parou aí,
Fernando. Já falei que não me envolvo com ninguém da empresa, é minha
regra primordial e além do mais, ele é muito novinho, não tem experiência.
Não estou aqui pra criar ninguém. 
— Não fale assim, Saulo. O garoto não é nenhuma criança.
— Pra mim é, ora.
Observei eles subirem e voltei para o refeitório para beber um pouco
de água. Pelo caminho de volta vim suspirando. Era como eu pensava,
Saulo era inalcançável. Eu não servia pra ele e ele nem me conhecia direito.
Eu era uma criança pra criar, segundo suas palavras e não queria me meter
com homem assim. Estava farto de decepções.
Sempre tive o dedo podre para homens, dos três que me envolvi,
nenhum prestou e o último foi pior. Os dois primeiros tinham minha idade,
mas depois acabei me encantando por um homem de 28 anos quando eu
tinha apenas 19. Diogo foi um abusador, um homem nojento, que só
pensava em si e me menosprezava. Nosso namoro durou dois anos, anos
esses que sofri terror psicológico, apanhei, fui estuprado e humilhado.
Flávia foi minha salvação, ela denunciou esse infeliz e recebi uma
medida protetiva com relação a ele. Preso ele não ficou, pagou uma fiança
alta e respondeu em liberdade. Não deu muita coisa pra ele esse processo,
mas pelo menos tinha se afastado e soube por Flávia que um dia ela o viu e
ele estava acompanhado de uma mulher grávida. Ele carregava outra
criança. Coitada.
Fiquei um pouco traumatizado e passei a evitar situações que eu sabia
que iriam me machucar. Saulo era uma situação: bonito, inteligente,
cheiroso, mais velho, tudo que eu gostava em um homem. Contudo, eu já
tinha minhas respostas. Ele não se envolvia com ninguém que trabalhasse
com ele e não queria me criar. Confesso que essa última doeu.
Meus pais sempre me chamaram de infantil, dizendo que eu não sabia
o que queria da minha vida e que por isso era essa aberração. Só que
mesmo quando mais novo, eu sempre soube tudo que queria pra mim, só
não tive pessoas ao meu lado, apenas a Flávia.
Eu não era uma criança que precisava ser criada. Era um homem que
precisava de amor, carinho e proteção alguma vez na sua vida. Digo isso na
parte romântica, pois minha prima me dava todo apoio. Corria atrás, todos
os dias, dos meus sonhos. Tinha concluído meus estudos, me formei e agora
lutava por um emprego.
Cheguei em minha mesa um pouco cabisbaixo. Cada vez que uma
pessoa me menosprezava de alguma forma, doía muito. Cresci ouvindo que
não era capaz das coisas e conforme me assumi, isso só piorou. Talvez
ainda chegasse o dia que alguém iria olhar pra mim e me dar valor. Alguém
que iria acreditar em mim, me ouvir, pedir conselhos, me fazer sentir que eu
era alguém a ser enxergado.
— Guilherme para o Planeta Terra? — A voz de Saulo me tirou dos
meus pensamentos. Eu já estava na minha mesa e mexia em minha caneta.
Olhei para ele, para o seu rosto bonito e senti desapontamento. Talvez
nem amizade poderíamos ter. Se eu era uma criança pra criar, o que ele
haveria de querer conversar comigo? Acho que nem meus assuntos iriam
servir para ele.
— Desculpe, me distraí. O senhor precisa de alguma coisa? — Suas
sobrancelhas se juntaram.
— Aconteceu algo?
— Não.
— Você está estranho.
— Impressão sua.
— Eu já disse que não precisa me chamar de senhor.
— Prefiro. Estou em meu trabalho e não tenho intimidade com
ninguém aqui. O tratarei como trato o senhor Caique. — Ele se endireitou
todo e senti que cutuquei o seu ego.
— Ok, como quiser.
— Deseja algo?
— Não mais. Me viro. —  Saulo saiu andando e entrou no elevador.
Melhor assim, muito melhor assim. Sem intimidades.
Capítulo 24

— Sua mãe te ligou de novo depois de ontem?


— Não, desistiu.
— O que será que ela queria?
— Sei lá. Não sei se era pra falar da conversa que teve com a Beatriz
ou outra baboseira. Saulo comentou que ela até ligou para ele me
procurando. Vamos ver se amanhã dará o ar da graça aqui na empresa.  —
Estava na sala do Caique, em seu colo, com a cabeça em seu ombro.  — Eu
comentei com ele que vi o João Miguel. — Percebi com essa fala do
Caique, que Saulo não comentou que já sabia por mim. Ele realmente não
falou nada sobre nossa conversa.
— Como ele ficou?
— Indignado. Xingou alguns palavrões e quis brigar por eu ter pedido
para falar com ele a sós. Mas daí expliquei o motivo e contei tudo que falei
para aquele cara.
— Melhor mesmo ter contado. Ele poderia ficar chateado se soubesse
desse encontro de outra forma.
— Ele riu de mim por eu ter amado fazer coisas diferentes e ficou feliz
quando contei de sua mãe. — Dei um beijo em seu pescoço nessa hora.
Era fim de expediente, eu logo iria para casa e a gente ficava assim
grudadinho antes de se separar. O dia tinha sido relativamente tranquilo,
sem perturbações ou grandes coisas para fazer. Meu namorado ficou um
pouco mais animado com grandes projetos que estavam chegando na
empresa e eu me sentia bem leve desde a conversa com minha mãe e com
Saulo hoje de manhã.
— Amanhã quando sairmos, vou com você pra sua casa, pois quero
conversar sobre um assunto — falei e olhei para Caique.
Como estávamos pertinho, recebi um beijo em meus lábios, carinhoso
e ele tornou a me abraçar apertado.
— Tá bom. Só de saber que vai comigo, já me faz desejar logo que
chegue amanhã. O fim do dia para ser mais exato. — Sorri. — É algo
grave?
— Não, mas é algo que quero te contar e precisa ser na paz da sua
casa.
— Tudo bem. Amanhã conversaremos.
Beijei meu amor com vontade e meu coração se mantinha tranquilo.
Depois que falasse tudo, não haveria mais nada que me deixasse receoso
com relação ao Caique.
Fui para casa sob seus protestos, ele queria pagar um Uber pra mim e
eu não deixei.

A quinta-feira no trabalho começou comigo liberando a sala de


videoconferência e Guilherme atendendo muitas ligações. Com a chegada
de novos projetos estava um entra-e-sai danado e até o vice-presidente
estava de volta da viagem de negócios. E pelo que eu soube por Caique,
com mais contratos e alguns internacionais. O nome Montenegro estava
indo longe.
Quase pertinho do almoço, quando os corredores já estavam mais
tranquilos, eu vinha da sala da última reunião com meu carrinho, quando vi
a mãe e o irmão do Caique saindo do elevador.
Na hora meu coração disparou, o semblante deles não era nada bom.
Senti pelo meu amor, que estava tranquilo em sua sala, conferindo os papéis
que foram assinados com seus futuros parceiros de negócios.
— Espere um minuto, tenho que avisar da sua entrada, senhora
Branca.
— Não tem que avisar coisa nenhuma, sujeito. Incompetente como a
outra secretária. — Branca foi ríspida com Guilherme e ele ficou com dois
olhos arregalados. Coitado, não estava acostumado com ela.
Eu fiquei paralisado diante da forma que Matheus me olhava, era algo
como: “agora você se ferra”. Ele parou na minha frente.
— Você é um filho da puta. — Seu dedo veio parar na minha cara e me
assustei. Dei um tapa com vontade na sua mão e o empurrei pelo peito.
— Tá maluco, seu otário? É falta de educação meter o dedo na cara
dos outros — disse com raiva. — cheirou cedo hoje, foi? — falei e por
instantes ele vacilou. Hum, parece que sem querer falei algo íntimo dele.
— Se você encostar no meu filho de novo, seu marginal, eu chamo a
segurança!
Nessa hora Caique abriu a porta assustado e olhou para todos nós.
— Mas o que está acontecendo aqui?
Matheus agiu tão rápido que não tive como me defender. Ele me
segurou pelo braço e passou comigo aos trancos pela porta, fazendo até
Caique ter que se afastar no susto.
— SOLTA ELE, MATHEUS!! — Caique gritou e o infeliz me
empurrou no chão.
— Eu tinha dito que você era um idiota, Caique. — Branca começou.
— Com essa sua eterna vontade de viver uma história de amor, sabendo que
não tem mais condições pra isso. Você está sendo enganado bem debaixo do
seu nariz, SEU BURRO! Mais uma vez você está sendo feito de idiota!
— ME DEIXA EM PAZ, BRANCA! — Caique explodiu. —
ESQUECE QUE EU EXISTO, PORRA. NUNCA ME QUIS E AGORA
VEM FINGINDO PREOCUPAÇÃO COMIGO?
— Estou pouco me lixando pra você, seu imbecil, mas se meu dinheiro
está envolvido, eu me meto sim. Você está tentando enfiar na nossa
garganta esse seu relacionamento com esse marginal, mas ele não irá entrar
para a minha família. NÃO VAI!!
— O que está acontecendo aqui? — Saulo entrou correndo.
Provavelmente Guilherme ligou para ele. Eu tinha me levantado, mas
estava com Matheus na minha frente, me impedindo de ir até Caique.
Estava tentando me controlar, mas eu estava quase voando nele e a gente ia
acabar na polícia.
— O que está acontecendo aqui? — Branca tinha ódio e nojo
estampado no rosto quando respondeu a Saulo e seu olhar se voltou para
mim. Cheguei a dar um passo para trás com medo. Mas aí ela se aproximou
do filho e meu coração disparou. — O que está acontecendo, é que descobri
que seu amigo aqui, Saulo, está sendo feito de idiota e mais uma vez está
sendo enganado.
— Qual a maluquice da vez, Branca? — Caique perguntou e olhei para
Saulo e ele também me olhou com as sobrancelhas franzidas.
— Seu namoradinho, seu caso, é filho do motorista do caminhão que
te deixou numa cadeira de rodas! — Caique paralisou e meu corpo inteiro
tremeu. Meu Deus, não. Ele não pode saber assim. Não dessa forma.
— O que você está dizendo?
— Isso mesmo que você ouviu. Esse Fernando é filho do Armindo
Viana e só se aproximou de você, seu burro, para vingar a morte do pai.
Sendo que aquele homem que foi o culpado de toda a sua desgraça.
— MEU PAI NÃO TEVE CULPA DE NADA! — Gritei já com
lágrimas escorrendo. — Caique me olhou estarrecido diante da minha
confirmação.
— Você não passa de um marginal tentando dar um golpe do baú, seu
otário. Eu descobri tudo! — Matheus falou e me deu outro empurrão no
peito, me fazendo cair sentado no sofá da sala.
Saulo veio pra cima dele e o empurrou para longe de mim.
— Se encostar nele de novo, Matheus, eu chamo a polícia pra você.
— Chama mesmo, que assim esse marginal já sai daqui algemado. —
O infeliz gritou e foi pra cima do Caique.
Ele colocou as mãos nos braços da cadeira e começou a destilar seu
ódio.
— Está vendo, idiota? Mamãe tentou te avisar, mas você é um fraco,
Caique. E todo mundo só te engana, irmãozinho.
— Solta a minha cadeira, seu miserável.
— Não fala assim comigo! Sou seu irmão.
— Me solta!
— Não solto! Você vai ter que escutar a gente.
— ME SOLTA!! — Caique gritou
— Solta ele, Matheus! Eu vou arrebentar você.
— Tá vendo, Caique. Você até precisa de proteção. É um fraco mesmo.
Em um piscar de olhos, o punho de Caique acertou o rosto de Matheus
com tanta força, que só vi o sangue jorrar e ele cair no chão se contorcendo
de dor.
— Você quebrou meu nariz, seu filho da puta.
— Meu filho!! Como você pode fazer isso com seu irmão, Caique? —
Branca foi para perto de Matheus no chão e tentava ajudá-lo.
— EU QUERO QUE VOCÊ E ELE VÃO PARA O QUINTO DOS
INFERNOS. SAIAM DA MINHA SALA!
— Mas eu também...
— SAIAM AGORA!!!!!  — Nunca vi Caique gritar tanto, ele estava
descontrolado e eu só sabia tremer, sem saber se podia chegar perto dele.
— EU VIM TE AVISAR, SEU INGRATO. ELE ESTÁ TE USANDO!
— Branca também gritou, enquanto tentava estancar o sangue do nariz do
filho.
— Eu não acredito em nada do que você disse!
— Ele confessou que é filho do homem, seu burro. É surdo também?
— Vai à merda você e seu filhinho. Saiam da minha sala agora! Saulo,
chame os seguranças. — Saulo saiu da sala.
— Você não pode fazer isso comigo. Sou sua mãe e acionista da
empresa, junto com o Matheus.
— Não me interessa. Saiam daqui. Vou denunciar vocês à polícia.
Matheus me impediu de me locomover, segurando minha cadeira e ainda
empurrou Fernando no chão. Está tudo gravado nas câmeras da minha sala.
— Foi aí que descobri que ali tinha câmeras e a gente já tinha estado de
forma mais íntima nesta sala, Jesus Cristo.
Matheus se levantou e apontou a mão suja de sangue pro Caique.
— Você vai se ver comigo, Caique.
— Some da minha frente, Matheus. E leva sua mãezinha com você.
Os seguranças chegaram e Branca deu um chilique.
— Não encostem em mim. Sou a dona dessa empresa também. Seus
idiotas.
— Acompanhem esses dois para fora da minha sala e da minha
empresa. AGORA! — Caique estava muito exaltado e eu assustado.
Branca saiu com Matheus empurrando todo mundo e dizendo que só ia
embora para levar o filho ao hospital e Saulo entrou novamente na sala
batendo a porta. O silêncio foi doloroso. Eu só escutava a respiração
acelerada do Caique e via sua cabeça abaixada.
O choro ardia a minha garganta conforme eu tentava segurar e não
sabia o que fazer. Eu demorei muito pra contar pra ele, meu Deus, muito.
— Caique. — Saulo interrompeu o silêncio e me doeu ver os olhos do
Caique quando ele olhou para o amigo. — Se acalma, por favor, e escute o
Fernando. — As sobrancelhas do Caique se juntaram.
— Você sabia disso? — Saulo engoliu em seco.
— Eu soube ontem.
— E por que não me contou? — Caique falava com o amigo como se
eu nem estivesse ali. Seu olhar não se dirigia a mim.
— Porque o Fernando ia te contar. — Caique soltou um riso sarcástico
e minhas mãos ficaram mais geladas. — Eu conversei com ele, Caique.
Você mais do que ninguém sabe o quanto sou desconfiado com todos, quase
neurótico, ainda mais se tiver relação com você. Quando ainda nem estava
tendo nada entre vocês eu dei uma encurralada nele no refeitório. — Caique
olhou para Saulo e nessa hora seus olhos vieram pra mim.
Eu parecia um bicho acuado no canto. Sabia que estava errado de ter
demorado a contar. Poderia ter evitado toda essa situação, mas eu não
queria nada do que a mãe dele insinuou. Eu amava o Caique e só queria que
ele acreditasse no meu amor.
— Eu estou farto da minha família. Estou farto de tanta coisa que nem
sei explicar.
— Por favor, Caique... — Tive coragem de falar. Ele olhou para mim e
me doía o quanto estava arrasado.
— Agora eu só quero ficar sozinho. Depois conversamos.
Ele virou sua cadeira, me dando as costas e foi até sua mesa. O
enxerguei através de borrões. Minhas lágrimas inundavam meus olhos.
Olhei para Saulo e ele tinha um olhar de pesar em minha direção.
Fui andando para a porta e saí sem dizer mais nada. Do lado de fora,
peguei meu carrinho e o coloquei onde podia ficar guardado.
— Fernando, você está bem? — Guilherme estava atrás de mim e o
olhei.
— Foi você que chamou o Saulo?
— Sim, foi. Fiquei desesperado quando vi aquela cena e só pensei
nele.
— Obrigado. Tô indo embora. Talvez amanhã a gente se veja.
— Mas...
Fui para o elevador e desci para trocar de roupa.

— Eu quero ficar sozinho, Saulo. — Não olhava para o meu amigo


que continuava parado no meio da sala.
— Caique, por favor, escute o Fê. Cara, não é verdade nada disso que
sua mãe e seu irmão inventaram. Se ouvir o que ele tem a te dizer, vai ver
que estou falando a verdade. Não vou ficar aqui contando tudo que ele me
disse, porque quem tem que falar é ele.
— E por que ele já não me contou? Por que escondeu tudo isso? Olha,
Saulo, eu amo o Fernando absurdamente e sei que ele me ama. Pelo amor
de Deus, ninguém é capaz de fingir o amor que ele me demonstrou nesse
tempo que estamos juntos. Ninguém. Sei disso porque com o João Miguel,
mesmo havendo química, eu sentia que ele não estava tão envolvido assim,
eu que estava. Então movido pelos meus sentimentos, eu tentava levar
aquela história adiante. Mas com o Fernando é diferente. Tudo é diferente.
Mas eu quero entender por que ele escondeu isso de mim. Porra, eu falei
pra ele um dia na minha casa que eu me sentia culpado por nunca ter
ajudado a família do motorista do caminhão. E mesmo assim, naquele
momento, ele não abriu o jogo comigo. Por quê?
— Medo.
— Medo de que, caramba?
— Isso ele vai te explicar. Dê uma chance a ele, por favor. Vocês se
amam, não deixe aqueles infelizes vencerem.
— Eu preciso esfriar a minha cabeça. Tudo que aconteceu aqui foi
grave demais. Jamais bati em alguém e acabei de socar a cara do meu
irmão. Tudo bem que ele é uma merda de ser humano, mas ainda assim,
olha a que ponto chegamos? Tudo isso me faz tão mal, meu Deus. E agora
uma situação chata dessa com o Fernando no meio.
— Se acalma, ok? Eu vou vê-lo e te deixar sozinho. Pensa com
sabedoria. Com todo amor que você sente por ele.
Observo Saulo sair da minha sala e fecho meus olhos derrotado. A
forma que Fernando me olhava todo o momento da confusão, não saía da
minha cabeça. Em seus olhos havia súplica e medo e no meu, confusão.
Estava muito chateado com tudo, com mais uma humilhação da minha
família. Pelo Fernando ter me escondido algo que ele sabia que era
importante pra mim e por eu o amar muito e mesmo assim vê-lo sair da
minha sala arrasado.
Que dia de merda.

— Guilherme, cadê o Fernando?


— Ele deixou o carrinho ali e foi trocar de roupa. Entendi que ia
embora, pois me disse que talvez me visse amanhã.
— Porra.
Corri para o elevador e desci. No vestiário, entrei chamando por ele e
nada do Fernando. Saí da empresa e o vi andando na rua indo em direção ao
caminho do BRT. Corri e o peguei pelo braço. Ele levou um susto danado.
— Desculpa, não queria te assustar.
— Me pegando assim, você quer me matar do coração, isso sim.
— Aonde você vai?
— Vou para casa, Saulo. Não tenho mais nada pra fazer aqui hoje. Não
vou aguentar ficar aqui com o Caique mal olhando pra mim. Não dá.
— Vem comigo.
— Pra onde?
— Só vem, Fê.
Fernando veio comigo até o estacionamento da empresa e saímos em
meu carro. Ele levou um susto quando se viu na entrada do condomínio do
Caique.
— O que estamos fazendo aqui?
— Logo você irá saber.
Parei na portaria por praxe. Todos já me conheciam e com ordens do
próprio Caique, eu tinha acesso liberado em seu apartamento. Ele estivesse
ou não. Quando parei na garagem, Fernando me olhava sem entender.
— Vamos subir, você vai tomar um banho, descansar sua cabeça e até
tirar um cochilo.
— Mas o que você está dizendo, Saulo? Você está doido? Eu não
posso ficar no apartamento do Caique sem ele aqui.
— Pode sim. Entrou comigo e eu tenho acesso. Quero que fique aqui,
não vá para casa. O Caique só precisa de um respiro e quando ele voltar pra
casa, vocês conversam.
— Saulo, vou estar invadindo o espaço dele.
— Não. Eu vou falar com ele. Confia em mim.
Fernando subiu contrariado, mas ao entrar na casa do Caique, seus
olhos deixaram à mostra o quanto ele estava mal.
— Preciso voltar. Faz o que falei, ok? Não vai embora, por favor.
Voltei para a empresa e ia falar com meu amigo turrão.
Fiquei sem saber o que fazer. Para onde eu olhava dentro daquele
apartamento, tinha uma lembrança minha e do Caique. Nem pedi para
Alexa ligar nada e nem abrir as persianas, fui apenas para o quarto de
hóspedes. Não quis ficar em seu quarto sem ele ali presente.
Deixei minha mochila num canto e fiquei sentado na cama sentindo
como se tudo estivesse errado. Caique devia estar me odiando por tudo e o
que eu estava fazendo em sua casa?
Mas não conseguia ir embora. Eu podia ser chutado, mas ia me
explicar antes e dizer o quanto o amava, para caso ele tivesse se esquecido.

Não conseguia me concentrar em nada. Beatriz havia me telefonado e


disse que Branca tinha ligado para ela do hospital onde levou o Matheus e
contou tudo. Minha irmã se posicionou e falou na cara de nossa mãe que ela
agiu totalmente errado.
Branca ainda insistiu que queria me defender e à empresa ,mas Beatriz
disse que não acreditava. Depois de falar com minha irmã e jurar que ia
ouvir o Fernando, eu mesmo liguei para Branca.
— O que você quer? — Foi assim que ela atendeu.
— Conversar.
— Você me expulsou aos berros da empresa, Caique. Chamou
seguranças para sua mãe e bateu no seu próprio irmão.
— Conversar sem fingimentos. Não sou nada pra você. Apenas o bebê
que um dia você não conseguiu abortar. — Ela ficou muda com a minha
rispidez. — E que tem que aturar como presidente da empresa. Pois bem,
você é acionista aqui, Matheus também é, assim como Beatriz. Somos a
família de Augusto Montenegro e temos uma empresa de nome apesar de
nossas diferenças. A partir de hoje, o que faço da minha vida pessoal, com
quem eu namoro ou apenas transo, o que como ou aonde vou, não diz mais
respeito a você. Iremos nos tratar apenas como colegas de trabalho. O que
dirá respeito a todos nós juntos é só o que for relacionado à empresa. A vida
de cada um de vocês não me interessa.
— Mas se você ficar com aquele marginal, meu dinheiro está em jogo.
— Não. Se eu me casar com o Fernando, é minha parte na herança do
meu pai que dividirei com ele. Mesmo não sendo filho biológico, sou
registrado, reconhecido por ele. Tenho os mesmos direitos. Essa você tem
que engolir. — Só escutava sua respiração agitada do outro lado. — Não se
meta mais com ele, Branca. Não se meta mais na minha vida. Tome conta
dos seus filhos, Matheus e Beatriz.
— Gostando ou não, você é meu filho também.
— Sou um mero acidente. Sou um boçal, encostado no meu pai, o
bebê que você nunca deveria ter trazido ao mundo. Sou o inválido, o idiota,
burro e o fraco. São esses os adjetivos que você sempre dirigiu a mim.
Nunca ouvi a palavra “filho” com amor saindo de sua boca. Portanto, a
partir deste momento, eu não lhe considero mais a minha mãe. Pra mim, a
partir de agora, você será apenas a Branca Montenegro e o Matheus, o outro
filho que meu pai teve. Não me interessa ter nenhum tipo de afeto por ele
que jamais foi o meu irmão. De irmão nessa vida tenho apenas o Saulo e a
Beatriz. Diga ao seu filho, que tome juízo e trabalhe direito. Que cumpra os
horários dele. Porque ele, além de acionista, é advogado da empresa e Saulo
trabalha praticamente sozinho.
— Tudo isso por causa daquele...
— Se o chamar de marginal mais uma vez, eu processo você por
racismo, calúnia e difamação. Se você ou o Matheus dirigir mais um
preconceito a ele, a polícia entrará na jogada e acho que tudo que você mais
odeia é um escândalo. Não vou medir esforços para defendê-lo de você ou
de qualquer outra pessoa. Não mexa comigo, Branca e nem com o
Fernando, você não irá gostar do resultado. Passar bem. — Desliguei o
telefone e parecia que um peso havia saído dos meus ombros.
Minhas mãos estavam tremendo. Tomei um pouco da minha água e
bebi meu remédio. Sabia que a tensão ia me cobrar em dores depois.
Arrumava coisas espalhadas na minha mesa, quando Saulo entrou em
minha sala sem bater. Levei até um susto.
— Você já foi mais educado. — Ganhei uma revirada de olhos.
— Como você está?
— Bem, na medida do possível. Acabei de falar com a Branca pelo
telefone. Liguei para ela.
— Mas pra que você foi ligar pra sua mãe, Caique?
— Ela não é minha mãe. A partir de hoje é apenas uma acionista da
empresa. Ela e o filho dela. — Saulo engoliu em seco. — E liguei
justamente por isso. Para romper relações afetivas com ela e que daqui por
diante, apenas pela empresa que teremos algo em comum. E a ameacei
também, caso mexa comigo e o Fernando novamente. Faço um escândalo e
envolvo a polícia se for preciso.
— Bom, essa sim foi uma ótima ligação. — Olhei para o meu amigo
apreensivo pensando em Fernando.
— Onde ele está? Chame-o, por favor. Preciso que ele me explique
isso. Meu Deus, eu me sentindo culpado e simplesmente entrei pra família
que me condenei esse tempo todo por não ter ajudado.
— Ele foi embora. — Meu coração disparou e me senti pior.
— O que? Preciso falar com ele.
— Vá pra casa e descanse. Ele também vai descansar, tenho certeza.
Aí vocês conversam estando mais calmos.
— Ele saiu até sem almoçar?
— Sim.
— Caramba. Eu vou na casa dele.
— Não, Caique. Por favor, vá pra casa. Faz o que estou te pedindo.
— Tudo bem. Não tenho mais condições de ficar aqui hoje. Quando o
Aurélio voltar do almoço com o cliente, entregue a ele esses documentos
assinados.
— Ok.
Fui para casa e no caminho contei a Robert tudo que havia acontecido.
Ele foi mais uma pessoa que me pediu que ouvisse o Fernando. Estava me
sentindo péssimo por tê-lo tratado mal e agoniado por ele estar longe de
mim.
Assim que entrei em meu apartamento, estava sentindo o cansaço do
estresse. Tudo estava silencioso e solitário. Assim como dentro de mim.
Mandei mensagem para Saulo como ele me pediu e avisei que já estava em
casa, que tinha acabado de entrar. Mas a resposta dele foi estranha.
Saulo: “Abrace o seu amor.”
Fiquei olhando pra tela meio confuso e resolvi ir logo tomar um banho
e tentar descansar. Talvez mais tarde fosse no Fernando. Não ia aguentar até
amanhã.
Quando passei por um dos quartos de hóspedes, parei minha cadeira
tão rápido que cheguei a ir para frente. Voltei para trás e fiquei paralisado
vendo Fernando deitado na cama, todo encolhido e dormindo.
— Mas... — Só aí me lembrei de Saulo e sua mensagem. Com certeza
isso tinha dedo dele, Fernando não ia conseguir entrar aqui sem a ajuda
dele, eu não estando presente.
Entrei no quarto e cheguei a fechar os olhos momentaneamente
sentindo alívio, saudade, um pouco ainda de mágoa e amor. Ah, esse último
era muito. Não queria de forma alguma que ele tivesse passado por tudo
isso e quando meu irmão o empurrou, eu só queria estar de pé para ir rápido
até ele e surrar aquele infeliz.
Me aproximei mais e o observei. Fernando estava todo vestido, mas
sem os sapatos. Encolhido e deitado sobre os braços. Nem usava os
travesseiros. Fiz um carinho em seu rosto devagar e ele se mexeu e abriu os
olhos. Estes estavam bem vermelhos. Meu amor havia chorado muito.
— Caique! — Sua voz saiu rouca quando pronunciou meu nome. Em
seus olhos havia um misto de susto e súplica.
— Oi, Fernando. O que faz aqui?
— Foi o Saulo que me trouxe pra cá. Eu estava indo para casa e ele me
pediu que entrasse no carro dele e saímos da empresa. Quando vi estávamos
aqui.
— Sabia que tinha dedo dele nessa história. — Suspirei. — Você
comeu algo?
— Uma maçã que peguei em meio as suas frutas.
— Só isso?
— Só. Não estava com cabeça para comer. E você almoçou?
— Não. Vou comer um sanduiche natural daqui a pouco. Preciso de
um banho primeiro.
— Caique, eu...
— Eu vou te ouvir, não fique preocupado. Só preciso de mais um
tempinho, ok?
— Tudo bem — ele respondeu murcho.
Fui para o meu quarto e por lá tomei um banho refrescante e coloquei
uma roupa confortável. Depois fui em direção à cozinha e vi Fernando
sentado na sala olhando para o nada.
Fiz dois sanduíches, um pra mim e outro para ele e enchi dois copos de
suco.
— Vem comer, Nando.
Quando Fernando entrou na cozinha, nem parecia o rapaz alegre que
deixava sua marca em minha casa sempre que estava aqui. Ele estava
cabisbaixo e sem jeito. Ficamos um de frente para o outro e dei a ele seu
sanduiche e suco.
— Coma, por favor. Não quero você apenas com uma maçã na barriga.
Ele tocou em seu sanduíche e em seu copo de suco, mas não encarava
meus olhos.
— Olhe pra mim — pedi. — Converse comigo. Por que me escondeu
que era filho do Armindo? Saulo não me disse nada do que conversaram.
Quero ouvir da sua boca. — Fernando suspirou, mas não desviou o seu
olhar.
— Nunca soube o seu nome. Só sabia o nome da sua empresa, porque
teve toda a acusação por parte da sua mãe ao meu pai e tudo saiu infinitas
vezes na internet. Sempre que eu via algo relacionado a isso, se referia a
você como o CEO da AGM Construtora e eu fiquei depois um bom tempo
sem acessar internet. Eu sofria muito. Mesmo com tudo que aconteceu,
sabia que toda a troca de acusações tanto por parte da sua mãe quanto da
minha, era porque ali eram mulheres sofrendo pelos seus. Eu sabia que
tinha sido um infeliz acidente.
Fernando bebeu um gole do seu suco e se sentou antes de continuar a
falar.
— Tivemos que nos virar e nos acostumar sem meu pai. Isso já te
contei.
— Sim.
— Aí quando veio o aviso de despejo pra minha mãe, eu entrei em
desespero e precisava achar o que fosse. Foi quando Flávia me ligou para a
entrevista. Só que quando ela disse o nome da empresa, eu quase tive um
troço. Mas o que pesou na minha decisão de ir em frente, foi a situação da
minha família. Eu jurei, Caique. Jurei para o meu pai que cuidaria da minha
mãe. E agora tínhamos a Ju, então não me vi na confortável situação de
recusar. Mesmo sendo na sua empresa.
— O que sua mãe disse disso? Peraí, ela sabe, não sabe? Quem eu
sou? Ela me tratou tão bem.
— Soube ontem. — Levei as mãos à boca e fiquei olhando para o
Fernando. — Não disse a ela que iria para a AGM, inventei outro nome. De
resto eu falava tudo normal. Ela não me deixaria trabalhar, ela tinha horror a
tudo que envolvia a morte do meu pai. Então ontem quando cheguei em
casa eu abri o jogo com ela. Contei tudo. Abri meu coração como estou
abrindo pra você. Para ela eu expliquei que precisávamos do emprego e que
tudo tinha sido apenas uma coincidência. Que quem acusou meu pai foi a
dona Branca e não você. E pra você eu explico que jamais, em momento
algum, eu pensei em vingança ou qualquer das baboseiras que sua mãe
inventou. Eu só queria um emprego, precisava muito e foi a sua empresa
que me ofereceu. Aí te conheci e tudo foi mudando. Eu só queria um
emprego e acabei me apaixonando.
— Por que não me disse aquele dia aqui na cozinha?
— Tive muito medo. Quanto mais ficava envolvido, mais medo eu
tinha e buscava o melhor momento para contar sem ser mal interpretado. O
ruim foi que acabei sendo mal interpretado de qualquer jeito. — Ficamos
nos olhando um tempão. Como eu o amava, meu Deus. — Não sou como o
João Miguel. Não há nenhum interesse por trás. Nem meu pai e nem você
tiveram culpa do que aconteceu. Eu entendi isso desde o início. Mesmo
quando nem sabia o seu nome. Mesmo quando só sabia que um CEO estava
entre a vida e a morte. Eu rezei por você também, que sobrevivesse, que
tivesse uma chance. Mesmo que meu pai não tenha tido.
Fernando secou o rosto e ficou mexendo em seus dedos.
— Foi tudo uma sucessão de coisas que eu não esperava na minha
vida: perder meu pai, me tornar o responsável da casa, ir trabalhar justo na
sua empresa e me apaixonar por você. — Ele me olhou nessa hora e o
sentia aflito. — Eu te amo, Caique. Não acredita em nada do que eles
falaram. Não sou assim.
— Foi um choque descobrir pela boca da Branca. Eu fiquei com tanto
ódio, mas tanto. Você deu munição a eles.
— Eu sei. Desculpa.
— Cada vez que lembro, tenho vontade de socar a cara do Matheus de
novo.
— Não queria que você tivesse passado por isso.
— Eu me culpei todos esses anos e hoje faço parte da família que
sempre quis ajudar. — Dou um sorriso fraco e Fernando me acompanha. —
Você não tem noção nenhuma, Fernando. Não tem noção do quanto eu amo
você. — Seus olhos brilharam nessa hora. — Se tivesse, teria a certeza de
que eu jamais acreditaria neles. Eu já fui enganado. Eu tinha química com o
João Miguel, mas eu não sentia nele a reciprocidade que sinto em você.
Ninguém é capaz de fingir o amor que você me dá.
Saí de onde estava e fui para o seu lado. Parei minha cadeira de lado
para que ficasse bem próximo a ele e toquei seu rosto.
— Desculpe se fui um grosso, mas fiquei transtornado com toda
aquela situação. Não queria descobrir isso por eles e sim saber por você.
— A única pessoa que precisa pedir desculpas sou eu. Se tivesse
falado logo, nada disso teria acontecido. Eles iam tentar, mas você já
saberia de tudo. Não ia ser pego desprevenido.
Fernando encostou sua testa na minha.
— Eu tive tanto medo de perder você — ele disse.
— Você só vai me perder se não me quiser mais.
— Eu estou perdoado?
— Bom, não sei ainda. Depende de algumas coisas.
— Que coisas?
— Se você vai me beijar agora ou terei que ficar esperando.
Seu sorriso foi lindo e carregado de emoção. Fernando capturou meus
lábios de leve, me deixando sentir a maciez da sua boca. Depois com a
língua, ele contornou meu lábio inferior antes de dar uma mordida
provocante.
Depois disso ele passou seu nariz pelo meu e por todo o meu rosto,
fazendo um carinho gostoso. Quando ele parou e me olhou nos olhos, pude
sentir a força de tudo que ele sentia por mim.
— Eu amo você demais. Desejo você demais. Não imagino minha vida
sem você.
— Não precisa imaginar, só quero estar nos seus braços. O tempo
inteiro.
O beijo depois dessa declaração não foi mais tão calmo e Fernando
saiu de sua cadeira, enquanto eu me virava e abaixei os braços da minha.
Em segundos meu amor estava em meu colo e me beijava aflito, afobado e
até desajeitado.
Não sentia nele vontade de sexo, não era isso, ele queria se certificar
que ainda me tinha. E eu o beijei da mesma forma, mostrando a ele que eu
estava ali e era totalmente dele.
— Amo você no meu colo. — Fernando ainda tinha os olhos fechados
e respirava rápido de tanto que me beijou.
— Adoro ficar aqui, assim, todo enganchado em você. Me sinto tão
seu.
— Antes de vir embora, eu liguei pra Branca. — Fernando me olhou.
— O que disse a ela?
— Que não a considerava mais minha mãe. — Seu olhar ficou triste.
— Caique...
— Não há mais o que dizer, Nando. Ela nunca me amou. Ouvi tudo
muito bem. Ninguém me contou. Se meu pai não tivesse me amado mesmo
ainda na barriga dela, ela tinha me abortado. Simples assim. Então deixei
isso bem claro e que nosso contato agora era somente pela empresa e nada
mais. Que ela não mexesse mais com você e nem interferisse em minha
vida, ou ia conhecer um Caique que ela nunca conheceu.
— Sinto muito por tudo isso. De verdade. — Abaixei minha cabeça e
depois olhei para ele sorrindo um pouco.
— Ainda está de pé aquela proposta que me fez?
— Qual?
— De dividir sua mãe comigo? — Seu sorriso foi lindo.
— Você conquistou o coração dela.
— E ela o meu. Agora eu quero que você coma, por favor.
— Eu não conseguia comer chateado.
— Quer agora comer comida? Podemos pedir.
— Não, seu sanduíche está ótimo.
— Então vamos comer.
Fernando foi para sua cadeira e começamos a comer mais tranquilos.
Mandei mensagem pro Saulo e ele vibrou por termos feito as pazes.
— Você nunca comentou comigo que sua sala tinham câmeras. Nós já
ficamos à vontade lá dentro. Estou com vergonha. — Fernando comentou,
antes de morder seu sanduíche.
— Não se preocupe com elas. Apenas eu, Saulo e Robert temos
acesso. Contudo, só se algo de muito grave acontecer comigo ou eu
solicitar, que eles irão ver as filmagens. Estamos protegidos.
Meu interfone tocou e eu estranhei. Quando atendi, era minha irmã
pedindo autorização para subir.
— É a Bia.
— Pensei que ela tivesse passe livre aqui.
— Depois que soube de você, ficou cheia de dedos, com medo de
atrapalhar algo. — Fernando riu.
Beatriz entrou em meu apartamento e ao ver Fernando comigo, ela
sorriu.
— Graças a Deus vocês estão bem. — Minha irmã deu um beijo em
Fernando e depois em mim.
— Nós conversamos, está tudo bem.
— Desculpe por tudo que você passou, Fernando. Não há desculpas ou
justificativas para o que minha mãe e irmão fizeram.
— Só quero esquecer e se possível nem cruzar o caminho deles. Só me
interessa o seu irmão. — Bia sorriu e me olhou. Sentia o seu olhar triste.
— Ei, o que foi? — Bia abaixou a cabeça e suspirou. — Olhei para
Fernando e ficamos sem entender.
— No dia que fui falar com ela, ganhei um tapa no rosto. — Cheguei a
sentir uma tontura e me segurei na mesa.
— O que você está dizendo?
— Isso mesmo. Não te contei por mensagem, mas fiquei remoendo
isso.  Aí quando ela me ligou para falar do que você tinha feito, com ela e o
Matheus, eu não tive pena. Sou muito ruim por isso?
— Claro que não, meu amor. Só a gente sabe o que está passando. Mas
eu preciso te dizer uma coisa, preste atenção: esse problema todo é entre
mim e ela. Vocês sempre se deram bem, mesmo que você não concordasse
com certas atitudes. Sempre vi amor por parte dela com você e de você com
ela. Não quero que...
— Pode parar. Já disse e repito: não está tudo bem ela me amar e não
te amar. Que isso, gente?! Isso não existe, Caique. Nós três nascemos dela.
Você pode dizer o que for que não vai me convencer. E depois do tapa
então, muita coisa mudou. Vou retornar para minha casa com nossa relação
bem diferente.
— Não queria que isso tivesse respingado em você.
— Você é meu irmão, claro que iria. Jamais seria conivente com nada
disso. Fiquei foi enjoada com as atitudes dela com você. — Beatriz olhou
para Fernando. — Não deixe que eles separem vocês. Cuida do Caique,
Fernando.
— Não tenha dúvidas disso.
Ficamos os três juntos naquele restante de tarde e Fernando acabou
dormindo na minha casa. Foi uma noite regada a beijos. Como previsto,
senti um pouco de dor, mas recebi tanto amor que logo tudo passou.

Duas semanas depois...

Alerta de gatilhos para consumo de drogas

Estava com meus amigos. Ri do Juninho enquanto esperava ele acabar


com sua carreira de pó. Estava de boa já, hoje a maconha que foi minha
companheira. Tinha saído da empresa e vim direto aqui para uma festinha
particular. Estávamos na Cidade de Deus. Conhecia muita gente aqui.
Juninho morava aqui com toda sua família, mãe e irmãos.
Ainda usava um curativo por causa do meu nariz quebrado. Maldito
Caique. Por causa dele também, minha mãe exigiu que eu não faltasse mais
e mostrasse ao meu irmãozinho que eu trabalhava melhor e mais que o
Saulo. Eu nem olhava na cara dele e ele também agia como se eu nem
existisse.
O ódio que senti nem sei medir e agora todo dia tinha que bater ponto
naquela maldita empresa. Só muita droga mesmo para me fazer aguentar
tanto trabalho. Odiava. Gostava do dinheiro, mas não nasci para trabalhar.
— Hoje nem pode usar o que gosta, né, playboy? — O dono dos
bagulhos falou comigo. Ele ficava sempre perto nos olhando, tomando
conta.
— Pois é. Tive só que fumar mesmo. Saco isso. Tenho que ficar mais
uma semana com essa merda no nariz. Recebeu teu dinheiro?
— Recebi, tu paga bem. Só não esquece o de hoje.
— Porra, vai me cobrar por cinco cigarros de maconha?
— Tá achando que faço caridade, mermão? Aqui tudo é pago. Ia pagar
até se fosse só um. — Odiava essa cara. Ele adorava me extorquir.
Juninho chegou perto de mim e me pediu calma.
— Presta atenção no que tu fala, Matheus. Edinho não tem paciência,
tá ligado? Estamos na comunidade dele. Fumando os bagulhos dele. E tu só
está aqui por causa de mim. Esse cara sabe ser vingativo.
— Tá bom. — Observava o tal Edinho falar com uns caras que
chegaram na porta e um deles lhe deu umas dez trouxas de coca. Meus
olhos chegaram a brilhar. Tudo que eu precisava. Ele largou na mesa que
Juninho tinha usado e todos foram saindo e a gente atrás. Hora de ir para
casa.
Mas ao passar perto daquela mesa, não resisti e peguei rápido as
trouxas e enfiei tudo dentro do meu terno. Ia deixar o pagamento da
maconha, mas ia levar uns brindes. Ele nem ia se ligar quem pegou. Paguei
na saída o que consumi e fui embora.
No dia seguinte na empresa, guardei meus bagulhos na gaveta da
minha mesa. Fiquei com medo de deixar em casa e minha mãe ver de
alguma maneira ou até mesmo algum empregado. Já tinha trazido outras
drogas pra cá, sempre era mais seguro.

Enquanto isso na Cidade de Deus...


— FALA, PORRA!!
— Eu não sei, eu não sei!! Não fui eu, Edinho. Eu juro!!
— Eu vou repetir caso você não tenha escutado direito: quero o
endereço do teu amiguinho. Eu sei que não foi você, mas tu tem culpa
também, já que foi o responsável por trazer ele aqui.
— Não me mata, por favor! Por favor, Edinho, não me mata!
— Você só não vai ter um castigo pior porque considero a tua família.
Viu como sei ser bonzinho? Mas tá proibido de trazer quem quer que seja
pra minha comunidade.
— Eu não vou trazer, eu juro! — Olhava para a cara do moleque que
vi crescer e que não sabia que eu era o verdadeiro pai dele. Aliás, nem o
otário do pai dele sabia, Cristina enganou muito bem. Decidi abrir mão dele
porque na época eu tava meio baqueado, mas fiz a mãe dele prometer que
nunca ia sair de perto de mim e isso ela cumpriu. Por isso que diante disso
tudo, ele não ia morrer e peguei leve na surra. O moleque tinha que
aprender.
— Endereço, Juninho.
— Ele não guarda nada que consome na casa dele.
— Por quê?
— Medo da mãe descobrir. Ele é o filho adorado dela.
— Então onde está?
— Com certeza na empresa onde ele trabalha e que é dele também.
— Ele vai ter o que merece!
— O que você vai fazer, Edinho?
— Ele vai aprender a não mexer com meus bagulhos e ainda por cima
querer dar uma de esperto dentro da minha comunidade. Se eu não recobrar
o que me pertence, vou dar um jeito da sujeira ir pra ele, já que guarda tudo
lá. Sei muito bem como fazer e os policiais sabem bem como procurar,
ainda mais se for um que conheço e que é a pedra no meu sapato. Aquele ali
é esperto e vai logo se ligar.
Mandei Juninho pra casa depois que escreveu o endereço e dei a
ordem aos meus homens.
— Nessa madrugada a gente vai invadir a empresa. A porra deve ter
alta segurança e alarme. Vamos até onde der procurando tudo, mas sem
quebrar nada além da porta principal e nem trazer nada que não seja minhas
cocas.
— Por que, chefe? Deve ter coisa boa lá dentro.
— Para dar aos policiais a direção certa de quem eles devem ir atrás.
Matheus pensa que é esperto, mas é burro. E se ele for preso, dou cabo dele
na cadeia em dois tempos. Comigo não se brinca.

Escutava um barulho longe e repetitivo, mas a névoa do sono não me


largava. Tive uma festinha particular com meu amor e fomos dormir bem
tarde. Isso não era certo porque tínhamos trabalho no dia seguinte. Tateei a
mesa de cabeceira, mas ao fazer isso, foi que me liguei que não era
despertador e sim o alarme de segurança da empresa.
— Porra! — Uma ligação de Saulo quebrou aquele barulho estridente.
— Saulo! O que está acontecendo na empresa?
— Caique, chamei a polícia, meu alarme tocou. O chefe de segurança
me ligou em seguida. Bandidos tentaram assaltar a empresa.
— Assaltar a empresa?  Mas... só se for por computadores. Lá não tem
dinheiro, porra.
— Não sei, estou a caminho. Parece que teve troca de tiros.
— Eu custei a acordar, mas quando vi o alarme...
— Eu já tinha te ligado e você não ouviu.
— Estou indo pra lá.
— Ok!
Fernando se mexeu nessa hora e me olhou coçando os olhos.
— O que foi, amor?
— Tentaram assaltar a empresa.
— O quê? — Fernando se sentou num pulo.
— Meu alarme tocou e o de Saulo. Com certeza da minha família
também. — Foi eu fechar a boca e o rosto de Branca apareceu na tela. —
Oi.
— Caique!! Tentaram assaltar a empresa. Estou indo pra lá com seu
irmão.
— Já falei com Saulo, estou indo também.
— Deve ser coisa do marginal que você anda. — Como eu odiava
quando ela falava isso.
— Observa bem as coisas que você fala ou tudo pode ficar bem
estranho pra você.
Desliguei o telefone e olhei para Fernando.
— Deixa eu adivinhar, ela me acusou?
— Juro que ainda vou mandá-la pra puta que pariu na frente de todos.
— Se acalma. Vamos nos levantar e ir até lá.
No caminho, Beatriz me ligou e pedi que ela ficasse em seu hotel, não
havia necessidade dela estar presente. Assim que cheguei na frente da
empresa, tinha cinco carros de polícia e meus seguranças.
Vi Saulo, Branca e Matheus na porta. Do outro lado da rua dois
repórteres.
— Gente, eles não dormem? — Fernando perguntou.
— Deve ser o turno da madrugada — respondi mal-humorado e meu
namorado soltou um riso sarcástico.
Assim que saí do carro, Fernando me acompanhou e logo o
Comandante da polícia veio falar comigo.
— Boa noite, senhor Caique.
— Boa noite, Comandante Pazini. Este é Fernando, meu namorado. —
Eu já conhecia o Comandante de outras situações delicadas da minha vida.
Ele cumprimentou o Nando de forma gentil. — O que aconteceu aqui?
— Não acredito em tentativa de assalto.
— Como assim?
— Nada foi levado. Nem um computador sequer. O senhor guarda
dinheiro aqui?
— Não, de forma alguma.
— Sua mãe está meio irredutível insistindo que foi tentativa de assalto,
mesmo eu dizendo que não. Meus oficiais já averiguaram tudo. Os
marginais chegaram até o 4º andar, mas o alarme não deixou que
prosseguissem. Parecia que procuravam algo.
— Eram quantos?
— Foram ao todo dez homens. As câmeras registraram.
— Meu Deus. — Fernando se pronunciou.
— Esse tipo de coisa nunca aconteceu aqui. Não sei o que pensar. Tem
alguém ferido? Meu segurança informou ao Saulo que teve troca de tiros.
— Teve um que levou um tiro na perna quando eles chegaram. Lá
dentro não tem nada quebrado.
— Preciso ajudá-lo. Não me importa se algo foi quebrado lá dentro.
— Sua mãe fez uma acusação bem séria lá dentro. — O olhar do
Comandante foi rapidamente para Fernando e voltou para mim.
— Pode falar o que foi, Maurício. — Deixei até as formalidades de
lado. Fernando me olhou nessa hora.
— Ela acusou e pediu que eu investigasse um rapaz chamado
Fernando. Funcionário da empresa e seu suposto namorado. — Fernando
bufou ao meu lado. — Olhei para meu amor e fui sincero.
— Você quer abrir agora uma acusação contra ela? — Fernando
arregalou os olhos assustado. — Olhei para Maurício de novo. — Maurício,
minha mãe é uma preconceituosa e é contra meu namoro. Já ameacei que
vou denunciá-la por racismo, calúnia e difamação.
— Deixa isso pra lá, Caique. Quero distância da sua mãe. — Fernando
estava chateado demais.
— Entendo.
— Fernando dormia em meus braços quando tudo aconteceu e nem se
ele não estivesse comigo. Confio plenamente no meu namorado. Isso é a
maior sandice que minha mãe poderia dizer.
— Acredite, entendo perfeitamente.
— Sei que entende.
— Vou investigar a fundo e pela minha experiência, peço sua
autorização para examinar toda sua empresa. Cada sala, cada gaveta.
— Por que quer fazer isso?
— Eles não vieram roubar, Caique. Algo aqui os interessava muito.
— Você acha que alguém, algum funcionário, possa ter escondido algo
aí dentro?
— Não descarto essa possibilidade.
Saulo veio em nossa direção. Eu permanecia na entrada da empresa.
— Maurício já falou tudo com você?
— Já sim. Eu autorizo a investigação. Não quero que minha mãe ou
meu irmão saibam dela. E não quero nenhum funcionário revistado, quero
tudo com muita calma e respeito.
— Não comentei nada disso com eles. Apenas com Saulo e você —
Maurício respondeu.
— Ótimo. E como vai ser?
— Amanhã, eu e meus oficiais vamos chegar de surpresa pela manhã.
Vamos entrar em todos os lugares e salas. Peço nesse momento que
ninguém saia ou entre na empresa. Fique tranquilo que não irei revistar
funcionários, isso é contra a lei, mas quero olhar todas as dependências da
empresa.
— Você tem minha autorização.
— Já acionei o conserto da porta principal, Caique. Estão chegando.
Vai pra casa descansar, vou ficar aqui. Estou mais perto — Saulo disse.
— Ok. Saulo, avise ao Bruno, que assim que Mauricio chegar amanhã,
as portas se fecham e quem estiver do lado de fora não entra e ninguém sai.
Isso serve para todos. E veja a questão do segurança que se feriu. Dê toda
assistência a ele.
— Pode deixar comigo.
— Confio em você, Maurício.
— Obrigado, Caique.
— E sua família, as crianças, estão bem?
— Todos bem.
Minha mãe ficou lá de dentro da empresa me olhando e ao Fernando.
Virei as costas e nem fui falar com ela. Já dentro do carro, meu telefone
tocou e era a própria.
— Oi.
— Quero saber o que foi decidido com o Comandante. Esse cara só
queria falar com você.
— Ele vai tentar, pelas câmeras de segurança, identificar os bandidos e
ir atrás. E pedi também que aumentasse a segurança nesta área.
— Só isso?
— E você quer mais o que? Eles não levaram nada, mas ele vai atrás
dos bandidos, ora.
— Você está muito calmo, Caique. Não engulo essa história e nem
confio nesse marginal ao seu lado.
— Acho bom é você parar de inventar mentiras e deixar o Fernando
em paz. Boa noite.
Passei as mãos pelo rosto cansado e Fernando estava quieto.
— Ei, está tudo bem?
— Está sim.
— Não mente.
— Não estou mentindo, mas é que dói, sabe? Esse preconceito da sua
mãe. Poxa, nunca fiz nada pra ela. Mesmo que eu já tenha passado por
situações assim, a gente nunca se acostuma, sempre dói. Todas as vezes dói.
— Vem cá. — Abracei meu amor e ia conversar com Maurício depois.
Mais uma da minha mãe e ela seria notificada a comparecer a delegacia.
Mesmo que o Fernando não quisesse.
— Você parecia ter intimidade com o Comandante da polícia.
— O conheço há alguns anos. Já precisei ir à delegacia algumas vezes
por importunação logo que voltei a público depois do acidente. Toda hora
era alguém me perseguindo, principalmente esses colunistas fofoqueiros de
plantão ainda falando da forma que saí do armário. E em minhas idas,
acabei conhecendo o Maurício. Um bom homem. Ele é casado com outro
homem. — Fernando me olhou.
— Sério? Eu vi você perguntando pelos filhos dele.
— Sim, são adotados. Um casal.
— Que legal! Você conhece o marido dele?
— Só por foto que conheço ele e as crianças. A foto está estampada na
mesa do Comandante. Mas sei que se chama Rafael. As crianças são Igor e
Giulia.
— Que família linda!
— É mesmo. — Sorri e Fernando ficou me olhando. — Que foi?
— Pensa em ter filhos um dia? Isso já passou pela sua cabeça?
— Passou muito rápido um questionamento que me fiz antes do
acidente e depois dele não me permiti pensar mais nisso. E você?
— Gosto de crianças, mas não sei se levo jeito para ser pai. Não sei, é
algo que realmente nunca parei pra pensar.
Beijei seus lábios e fomos para casa abraçados.
Capítulo 25

Caique e eu chegamos na empresa bem cedo e tudo estava em paz.


Até a porta principal já estava devidamente no lugar. Dois carros da polícia
estavam por perto.
Fui trocar de roupa e meu amor subiu para o seu andar. Assim que
cheguei por lá, Guilherme já se encontrava e Saulo também. Vinha
percebendo que esses dois estavam estranhos. Nem brincadeiras o Saulo
aceitava se tivesse o Guilherme na conversa e o outro também fazia uma
expressão séria se estava conversando comigo e o advogado chegava perto.
Ia descobrir em algum momento o que aconteceu.
Por hora me concentrei em meu serviço e meu amor no dele. Como
programado, o Comandante da polícia Maurício chegou com seus oficiais e
muitos funcionários ficaram olhando. Eu vi o momento em que ele entrou,
pois estava falando com a dona Vanessa sobre a encomenda de um produto
que eu ia precisar e estava acabando.
Vi quando os seguranças da empresa fecharam as portas. Maurício me
viu indo para o elevador e encontrou comigo acompanhado de mais três
policiais. Os demais foram fiscalizar já no térreo.
— Bom dia, Fernando.
— Bom dia, Comandante.
— Caique ficou bem depois de tudo?
— Ficou sim.
— Vamos olhar tudo com calma por aí.
— Boa sorte.
— Obrigado.
Soube pelo Caique que assim que ele chegou, fez uma reunião com o
vice-presidente e ambos ligaram para acionistas, explicando tudo que
aconteceu e avisando que a polícia hoje ia dar uma busca na empresa.  Os
secretários de cada andar ficaram responsáveis de acompanhar o oficial que
estaria vistoriando. A ordem era para nenhum funcionário ser revistado,
apenas gavetas, armários e estantes. Tudo com muita calma e educação.
— Levei um susto com esse policial aqui — Guilherme falou.
— Ontem bandidos entraram aqui. Ficou sabendo?
— Não. Nem olhei a internet hoje.
— Ah, já deve estar lá. Ontem tinha dois repórteres aí fora.
— Mas levaram algo, Fernando?
— Nadinha. Por isso os policiais estão hoje aqui investigando.
Maurício olhou todo o andar do Caique. Os demais policiais que
subiram no elevador com a gente, foram ficando em outros andares.
Vinha da copa quando vi Caique conversando com Maurício.
— Seu andar está limpo, Caique. Vou descer.
Nessa hora, o rádio comunicador do Comandante tocou e ele estava
sendo chamado no 10º andar. Caique foi atrás e ainda me chamou para ir
junto. Quando chegamos lá, a confusão estava armada e era justamente pela
mãe do Caique que tentava conter um Matheus descontrolado.
— Ainda bem que você chegou, Caique! — Branca estava pálida e
nervosa. — Primeiro que eu não sabia de nada que esses policiais viriam
aqui, mas como é para investigar tudo que aconteceu, eu aceito. — Caique
só a observava. — Eles já entraram na minha sala. Só que agora foram para
a do Matheus e ele surtou. Está se sentindo invadido, Caique. É seu irmão,
deixe-o fora disso.
— Não. — A resposta do meu amor foi curta e grossa e Branca
arregalou os olhos. — Os policiais entraram na sua sala e na de todos, até
na minha. Irão entrar na dele também. — Caique olhou para o Comandante
da polícia. — Pode entrar, Maurício. Toda sua.
— Mas não vai mesmo!! É MINHA SALA, MINHAS COISAS. QUE
ABSURDO É ESSE?
— Tem algo a esconder rapaz? — Maurício perguntou e Matheus ficou
paralisado. — Não, não é? Então, com licença.
Maurício praticamente o empurrou para o lado e entrou na sala do
Matheus. Ele ficou como um bicho enjaulado ao lado e mordia os cantos da
unha e olhava toda hora lá pra dentro. Estranhei aquele comportamento e
olhei para Caique que também me olhou franzindo a testa.
— Fica calmo, filho. Já está acabando. — Branca tentava acalmá-lo
em vão.
— Caique, venha até aqui, por favor. — Maurício chamou quando
abriu a gaveta da mesa de Matheus e todos olharam lá pra dentro e o
silêncio se fez presente.
Caique foi até lá e ao dar a volta, vi seus olhos se arregalarem tanto
que fiquei nervoso.
— O que está acontecendo, Caique? — O semblante do meu namorado
ao olhar para a mãe foi tão frio que até ela sentiu e engoliu em seco. Ela
apertava as mãos ansiosa.
Caique então colocou a mão dentro da gaveta e foi colocando em cima
da mesa várias trouxas de droga. Meus olhos estavam arregalados e tomei
um susto quando Matheus simplesmente correu, empurrando a mãe com
tanta força, que ela ia levar um tombo feio. A sorte foi eu estar ao seu lado e
segurá-la em meus braços. Ela arfou de susto.
— MATHEUS!!! — ela gritou.
— Segura ele! — Maurício ordenou e três policiais cercaram o
Matheus e o pegaram pelos braços.  Ele e Caique saíram da sala e Branca,
assim que se recompôs do quase tombo, foi até lá e olhou o que estava
sobre a mesa.
— O que é isso?
— Trouxa de droga, Branca. Seu filhinho, seu amado, está usando
drogas e ainda trouxe seus bagulhos para dentro da empresa!
— Não, não pode ser. O Matheus não faria isso! Não faria!! Deve ter
sido esse marginal que colocou isso aqui para acabar com minha família!!
— Você é louca! — falei com raiva. — Seu filho tentou fugir e nem
tentou negar nada! Abre o seu olho!! — Caique segurou minha mão e eu
tremia de nervoso.
Saulo chegou no andar essa hora e ficou sem entender a confusão.
— O que está acontecendo?
— Saulo, você precisa defender meu filho! Estão acusando ele e meu
menino não fez nada! — Branca estava descontrolada e Matheus chorava,
sendo segurado pelos policiais.
— Matheus trouxe drogas para a empresa — contei para Saulo e ele
fechou o semblante.
— Branca, pare de uma vez por todas e enxergue o filho que você tem.
O filho de ouro você despreza e o que não vale nada você ama. Ele que se
vire! — Branca olhou para todos com olhos arregalados e cheguei a ficar
com pena. Eu sei, sou um otário, mas ali eu via uma mãe descobrindo a pior
das verdades. Há aqueles que irão dizer que ela merecia, mas eu não
conseguia ser assim. Tudo podia ser tão diferente.
— Como pôde fazer isso, Matheus? Na empresa? No sonho do nosso
pai! — Caique era a decepção em pessoa.
— VAI PRA PORRA TODOS VOCÊS! — O mimado explodiu de vez
e tentava se soltar como um louco. — TIVE QUE USAR MUITA DROGA
PARA ATURAR ESSA MERDA AQUI. ODEIO TUDO ISSO!
— MATHEUS!!! Não fale isso! O que está acontecendo com você?
Essas coisas são realmente suas? — Branca ia enfim se ligando na verdade.
— São!! Eu uso drogas, mãe. Uso de todo tipo há pelo menos uns seis
anos. — O choque no rosto da Branca fez ela ficar petrificada.
— Como pôde fazer isso comigo? Eu sempre te dei amor!
— Não sou o filho perfeito se é isso que você quer saber. O da cadeira
aí. — Matheus apontou Caique com o queixo. — Que pode ser considerado
um santo. Aguentou seus maus tratos e ainda lhe dirige a palavra até hoje.
— Cale sua boca, seu infeliz. — Caique se enfureceu. — Seu merda!
Aqui você não pisa mais, tá me ouvindo?
— Vai pro quinto dos infernos, seu burro! Inválido! Acha que seu
namoradinho vai te aguentar muito tempo? Ele vai logo estar dando pra
outro e te largar, otário!
Nem processei quando passei por todos e acertei um murro na cara do
Matheus.
— Filho da puta. Cala a tua boca! — falei e fui puxado por Maurício,
que me entregou nos braços de Saulo e que precisou fazer força para me
conter e me pedia calma.
— Levem ele daqui! Não quero mais olhar pra cara dele. — Caique
ordenou e os policiais começaram a puxar o Matheus e Branca chorou
desolada.
Só que não sei como, Matheus se soltou dos policiais e veio com tudo
pra cima de Caique e acertou um soco tão forte nele, que fez sua cadeira ir
para o lado e Caique voou batendo seu corpo no chão, mas foi Branca que o
amparou a tempo para que ele não batesse a cabeça.
A cena era um tanto quanto diferente: Matheus descontrolado,
novamente segurado pelos policiais e agora algemado. Caique parcialmente
no chão, mas amparado por sua mãe.
— Caique!!! — Saulo e eu gritamos juntos e corri na direção dele e me
ajoelhei no chão ao seu lado. — Amor, pelo amor de Deus!!— Caique
cuspiu sangue e seu supercílio estava aberto, sangrando bastante e já
manchava toda a roupa de Branca.
— Meu rosto...
Saulo afastou a cadeira e eu, com cuidado, ajeitei o corpo de Caique no
chão e o deixei esticado. Branca chorava segurando a cabeça dele em seu
colo e olhava Matheus ser levado.
— Chame um médico, por favor — pedi, mas Saulo já ligava.
Maurício se abaixou preocupado perto de Caique.
— Caique, sinto muito por isso. Seu irmão vai preso agora.
— Você não tem culpa. Obrigado pelo seu excelente serviço. Era isso
que eles queriam, não é? Os bandidos?
— Exatamente. Conheço bem essa tática e vou te afirmar: eles
queriam se vingar do seu irmão. De alguma forma sabiam que ele trouxe
pra cá. Matheus vai responder por porte de drogas e lesão corporal cometida
contra pessoa com deficiência. Já aviso que a pena não será leve. —
Maurício olhou para Branca. — Seu filho vai responder por tudo, dona
Branca e não vai se safar. — Branca nem voz tinha mais.
— Uma ambulância está vindo — Saulo falou nervoso.
— Queria te tirar do chão, mas tenho medo, amor.
— Eu só caí de lado, não houve nada.
— Não pense assim, você não sente. Um médico tem que te examinar
— Branca falou e Caique olhou para cima, nos olhos da mãe que ainda o
segurava sentada no chão. Ela parecia em choque com tudo.
Maurício recolheu as drogas e coordenou a ida de Matheus para a
delegacia. A ambulância chegou e paramédicos colocaram Caique em uma
maca e o levaram para o hospital. Eu e Branca fomos juntos na ambulância.
Saulo foi seguindo com seu carro.

Estava cheio de dor de cabeça naquela sala de espera e vi Branca vindo


da enfermaria. Ela tinha ido tomar remédio de pressão. Beatriz chegou
nessa hora e veio em mim primeiro.
— Cadê o Caique? Como está o meu irmão, Nando? O Saulo me ligou
contando tudo que aconteceu.
— Ainda não sei. Só sei que iam fazer exames nele.
— Meu Deus. — Só depois disso que Beatriz olhou para a mãe e a viu
toda suja de sangue.
— Mãe! Você está ferida? — Branca mal conseguia falar.
— Não. É o sangue do Caique que se derramou sobre mim depois que
seu irmão deu um soco nele.
Bia se sentou ao meu lado e segurou minha mão. Branca estava na
nossa frente e olhou para esse gesto. Saulo tinha ido tentar ter notícias. Meu
telefone começou a tocar e era minha mãe na tela.
— Oi, mãe.
— Filho, está tudo bem? Eu tive uma sensação tão estranha. Você e o
Caique estão bem? — Comecei a chorar, não aguentei, e minha mãe ficou
desesperada do outro lado. Beatriz pegou o telefone da minha mão e falou
com minha mãe. Para isso, ela colocou no viva a voz para que eu escutasse.
— Oi, sou a irmã do Caique.
— Olá. Me chamo, Kátia. O que houve para o meu filho estar
chorando?
— Meu irmão teve mais um desentendimento familiar e meu irmão
Matheus o socou no rosto e Caique caiu da cadeira.
— Jesus Cristo! Como ele está? Onde vocês estão? Eu vou pra aí!
— Calma, dona Kátia. Meu irmão foi fazer exames e ainda não temos
notícias. Mas se a senhora quiser vir, estamos no Samaritano, na Barra.
— Mãe, você está muito longe — falei choroso e era observado por
Branca.
— Não importa. Vou pedir a Solange que pegue a Ju na escola pra
mim e vou pegar um Uber. Logo chegarei.
— Estamos aguardando, Kátia. A propósito, sou Beatriz.
— Um prazer, Beatriz. Seu irmão é um rapaz de ouro.
Branca observou toda conversa e ficou me olhando um tempão. O
olhar dela nunca era bom pra mim. Beatriz foi para perto dela e segurou em
sua mão.
— Mãe, você está com as mãos geladas. Está com frio? — Bia tirou o
blazer elegante que usava e colocou na mãe.
— Obrigado.
— Ele está fazendo tomografia do corpo todo. — Saulo chegou
falando.
— Ele não bateu a cabeça no chão, eu segurei — Branca falou e Saulo
olhou para ela.  Ele então se sentou ao seu lado.
— Branca, eu não irei defender o Matheus. Seu filho escolheu os
caminhos dele. Não pensou em você, na família e em ninguém. — Branca
estava com os olhos cheios de lágrimas. — Ele foi capaz de bater no irmão
deficiente. Poderia causar algo pior no Caique que lutou anos pelas poucas
conquistas que teve. — Branca abaixou a cabeça. — Mas vou ver um amigo
advogado bom que cuide do caso dele. Não prometo nada, mas ele não
ficará desamparado. Faço isso pela amizade que tenho com a família de
vocês há tantos anos e principalmente pelo senhor Augusto. — Branca
chorou mais.
Ficamos ali quase uma hora e minha mãe conseguiu chegar. Quando
ela parou ao meu lado, todos olharam para ela e eu fui o último.
— Mãe! — Me levantei e a abracei.
— Calma, meu filho. Como ele está? Já tem notícias?
— Não.
Assim que a respondi, o doutor veio falar conosco e Beatriz e Saulo
ficaram logo de pé.
— Bom dia.
— Doutor Henrique, como está meu irmão? — Percebi que todos já
conheciam o médico. Ele devia ser o que acompanhava o Caique desde o
acidente.
— Caique está bem. Os exames me certificaram que nada foi
comprometido nele a mais do que ele já tem. Foi mesmo apenas o corte no
supercílio, onde ele levou três pontos e o roxo causado pelo soco, mas ele
está bem. Fiquem tranquilos.
— Graças a Deus — foi minha mãe que falou alto.
— Estou só terminando os últimos procedimentos e logo vou liberá-lo.
O médico saiu e Saulo se aproximou de nós.
— Então essa é a famosa dona Kátia — ele disse sério e senti ainda
suas defesas armadas pelo que ele sabia que havia acontecido entre mim e
minha mãe.
— Sim, Saulo. Esta é minha mãe. — Toquei em seu braço e ele
entendeu meu sinal. Ele enfim estendeu a mão a ela.
— É um prazer, senhor Saulo.
— Mãe, esta é a Beatriz que falou com a senhora.
— Prazer, Beatriz.
— O prazer é todo meu, dona Kátia. Seu filho é um amor de pessoa.
— Obrigada. — Minha mãe sorriu, mas fechou seu semblante quando
seus olhos pousaram em Branca. Eu fiquei sem saber se apresentava as
duas, mas Saulo foi mais desaforado.
— Kátia, está é Branca Montenegro, a mãe do Caique.
— Prazer. — Minha mãe respondeu entre os dentes. Branca ficou
muda olhando para ela, mas minha rainha nem se abalou. Era bom tê-la ali
perto de mim.
Saulo atendeu o telefone e falou com Robert sobre o estado de Caique.
— Robert estava preocupado. Está aqui no estacionamento. Depois
que liguei pra Bia, avisei a ele. Ele veio com o carro pra cá.
— Bom que assim o Caique vai seguro para casa — falei.
Passados alguns minutos, o médico retornou acompanhando o Caique.
Meu amor já estava em sua cadeira e com um curativo no supercílio.
Somente nessa hora a Branca se levantou e Caique olhou sério para ela, mas
ao ver minha mãe ao meu lado, seu sorriso foi lindo demais.
— Kátia!!
— Olá, meu querido! — Branca olhou dele para minha mãe e vice-
versa.
Minha mãe se aproximou dele e lhe deu um beijo na testa.
— Está tudo bem?
— Agora vai ficar. Foi só um susto e mais algumas decepções. Você
veio de longe.
— Precisava estar com o Fernando e te ver.
— Você vai dar atenção a essa gente e nem vai falar comigo, Caique?
— Branca enfim sendo Branca.
— Não estou vendo “essa gente” aqui. Estou vendo meu namorado e a
mãe dele. Que saiu de longe e veio me ver. Não está com seu filho por quê?
Já falei com você sobre nossa relação, Branca.
— Amor. — Toquei o rosto de Caique e ele me olhou. — Calma. Não
precisa brigar agora, ok? Vamos ter um momento de paz. — Seu olhar se
suavizou para mim e Caique respirou fundo.
— Quero ir pra minha casa.
— Nós vamos.
— Você vem também, Kátia? Cadê a Juliana? — Caique perguntou.
— Ela está na escola e uma vizinha, minha amiga, vai buscá-la para
mim.
— Então venha conosco.
— Tudo bem.
Observei Branca sair de perto de nós sem falar nada e ir embora pelos
corredores. Olhei para Bia e ela só balançava a cabeça em negação.
— Bia, vá ficar com ela, por favor — Caique pediu. — Ela não pode
ficar sozinha hoje. Compreendo que o filho dela foi arrancado do pedestal.
— Tudo bem. Fica bem, meu irmão. Qualquer coisa me liga.
Beatriz beijou a todos nós e Saulo se ofereceu para levá-las.
— Caique, Aurélio está à frente de tudo na empresa, ok? Antes de vir
pra cá eu passei no seu andar e contei tudo por alto. Ele ficou preocupado
com você e disse que está disponível para qualquer coisa que você precisar.
— Obrigado, Saulo. Veja as questões de jornalistas também.
— Sim, tinha um burburinho na frente da empresa e com certeza viram
Matheus ser levado.
Fomos para o estacionamento do hospital e Robert nos esperava. Vi de
longe Branca e Beatriz entrando no carro de Saulo. Minha mãe entrou no
carro do Caique e ficou encantada com ele por dentro. Fomos os três para a
casa do meu amor.

— Seja bem-vinda a minha casa, Kátia.


— Obrigada, meu querido. Nossa, nunca estive em um lugar tão
bonito!
— Foi isso que pensei também, mamãe.
Minha mãe se sentou no sofá e Caique parou na frente dela.
— Precisa colocar algo nesse roxo do seu rosto — minha mãe falou.
— O médico me receitou uma pomada. — O semblante de Caique
estava cansado. — Estou é mais cansado que tudo. Nunca imaginei passar
por tudo isso hoje.
— Sinto muito, amor, que no fim, seu irmão que estava fazendo coisas
erradas.
— Conheço muito bem o Matheus para saber que ele não é flor que se
cheire. Nem sei como ficará o caso dele.
— Saulo falou com sua mãe que não ia defender seu irmão, mas que
em respeito a amizade dele com a família e principalmente por seu pai, ele
ia arranjar um bom advogado para o Matheus.
— Não sei o que eu faria sem o Saulo na minha vida. — Caique olhou
para minha mãe. — Desculpe o comportamento da Branca lá no hospital,
Kátia.
— Não se preocupe, querido. Nada me afetou. Estou feliz em ver
vocês dois bem. Principalmente você.
— Eu só acho que rolou um belo de um ciúme por parte da Branca. —
Caique me olhou como se eu tivesse dito que estava saindo da vida dele. —
Que foi? Eu estou de fora e percebi, ora.
— Você está louco, Fernando. Isso é impossível. O máximo que
aconteceu ali foi um ego ferido, porque não dei atenção a ela e sim a sua
mãe.
— Pode até ser. — Nós dois olhamos pra minha mãe. — Enquanto
desprezamos e não temos concorrência, é uma coisa, mas quando vemos
que alguém pode tomar o nosso lugar, a questão muda de figura.
— Vou é tomar um banho. Vocês hoje não estão bem. Sério. — Caique
foi saindo e me pediu para mostrar a casa pra minha mãe.

Tínhamos acabado de almoçar. Caique pediu um almoço no


restaurante pra gente. Neste momento ele tinha ido ao escritório atender um
telefonema da irmã e ligar para o Saulo.
— Tô apaixonada nessa cozinha.
— Eu falei para ele que a senhora ia amar. É uma delícia cozinhar
nela.
— Você fica tão à vontade aqui, meu filho.
— Aqui é nosso refúgio, mãe. Gosto muito daqui.
— Voltei, gente. Falei com Beatriz e a Branca tomou um banho, um
remédio e está dormindo. Ela vai ficar lá com ela. E o Saulo também disse
que está tudo bem na empresa, que já contatou o advogado para o
desnaturado do meu irmão e que a notícia já foi postada na internet. A cara
do Matheus está estampada lá, mostrando a sua prisão.
— Infelizmente não tinha como não acontecer, né?
— Pois é. Mas minha empresa não vai ficar manchada. O Matheus que
procurou ele mesmo tudo isso e não quero saber. Ele que se resolva com o
advogado e a Branca que cuide do seu filhinho. — Minha mãe me olhou
com pesar e eu só levantei os ombros. Não podia fazer nada. — Kátia, o
Robert irá te levar para casa em segurança.
— Obrigada.
— Tem mesmo que ir agora?
— Tenho. Minha pequena sente falta de mim.
— Volte com ela outra hora, por favor.
— Não precisa pedir. Eu volto. Olha, já que o Robert vai me levar, vou
dar a ele uma bolsa com coisas para o Fernando e ele fica com você aqui até
o final de semana. O que acha? — Não deu para disfarçar os meus olhos e
os de Caique brilhando, mas fui com calma.
— Mãe, vocês irão ficar sozinhas.
— Meu amor, estamos bem em nossa casa.
— Me promete que se você vir que vai ter operação de novo, vai me
ligar? Mando o Robert na hora buscar as duas — Caique pediu.
— Eu prometo. Qualquer coisa estranha eu ligo sim.
— Obrigado, mãe. Fala pra Ju que estou cuidando do tio Caique. —
Meu amor sorriu de orelha a orelha.
— Eu falo.
— Kátia. — Caique foi para perto da minha mãe e segurou em sua
mão. — Eu não sei nem como me expressar para dizer o quanto sinto pelo
que aconteceu com seu marido. — Vi ternura nos olhos da minha mãe.
— Foi uma fatalidade, meu querido. Foi terrível para vocês dois. Foi
muito doloroso e jamais esquecerei, mas sei que onde ele estiver, está
tranquilo por estarmos com você e sendo tão amados.
— Eu amo muito seu filho e vou cuidar muito bem dele. — Fiquei
emocionado. — E de você e da Ju também. Vocês são minha família. —
Caique me olhou risonho. — O Nando disse que dividiria a senhora
comigo. — Minha mãe sorriu.
— Agradeço a Deus por ter posto no caminho do meu filho alguém
como você. — Minha mãe beijou as mãos do meu namorado. — Descanse e
fique tranquilo. Estamos todos com você.
Saio da sala de Aurélio e estou esgotado. Chego a parar na porta e
passo as mãos pelo rosto. Discutimos assuntos importantes sobre os novos
projetos para que Caique pudesse descansar esses dias e não se preocupar
com nada. Contei a ele tudo que aconteceu no 10º andar com mais calma e
ele ficou estarrecido. Estávamos preocupados também com as reportagens
sobre o que aconteceu e acalmando os acionistas.
Lá dentro com ele consegui ligar para um amigo advogado, expliquei a
situação do Matheus e ele aceitou pegar o caso. Queria mais era que o idiota
apodrecesse na cadeia, mas Diogo disse que ia conseguir que ele
respondesse em liberdade, apesar de ressaltar que ia ser difícil por causa do
Comandante da polícia que era linha dura. Eu adorava o Maurício, um gato
aquele homem, pena que era casado.
Já tinha dado todo o parecer para Caique tanto da empresa quanto do
seu irmão. Agora precisava comer alguma coisa ou ia cair duro. Olhei para
frente e Guilherme estava em sua mesa guardando alguns papéis e depois vi
que se levantou e se preparava para ir almoçar também.
Estava chateado com ele. Parecia infantilidade da minha parte, mas
não gostei quando outro dia ele foi ríspido comigo e eu não tinha feito nada.
Ficou cheio de formalidades e isso se estendeu pelas semanas seguintes.
Não sabia sinceramente que bicho tinha mordido ele.
Andei devagar e acabei parando em frente a sua mesa. Devia ter
passado direto.
— O senhor tem mais notícias do senhor Caique? — Odiava a
formalidade, mas lhe respondi com educação.
— Eu falei com ele há pouco. Está bem. Está na companhia do
Fernando e da mãe dele.
— Que bom que ele tem pessoas queridas perto dele. O senhor precisa
de algo? Estou indo almoçar.
— Não preciso de nada não. Estou indo também.
— Ok.
Guilherme então saiu colocando sua carteira no bolso e nem sequer
olhou para trás. Fiquei observando enquanto ele entrava no elevador e
sequer me perguntou se eu estava descendo naquele momento também.
Esperei o bendito elevador de novo e fui para o refeitório da empresa.
Assim que cheguei lá vi Guilherme em um canto perto da janela comendo e
assim que estava com meu prato em mãos, fui abusado e me sentei bem na
frente dele.
Ele levou um susto, mas me fiz de desentendido e comecei a
desembrulhar meus talheres.
— Posso fazer uma pergunta? — perguntei, enquanto cortava meu
frango.
— Claro — ele respondeu meio sem graça.
— Por que de uma hora para outra você ficou esquisito comigo? —
Guilherme grudou seus olhos nos meus. — Porque a gente se falava super
bem e do nada você veio cheio de senhor pra lá, senhor pra cá e todo sério.
Pensa que eu não reparei? Eu reparei.  — Bufei e cortei com mais ódio o
meu frango. Estava quase esganando o coitado.
— O frango já está morto, senhor Saulo. — Parei e olhei para o
engraçadinho que colocava uma garfada de comida na boca.
— Pode me responder, por favor, senhor Guilherme?
— Eu lhe trato com respeito. Tem que ser assim em todo local de
trabalho.
— Pra porra o local de trabalho. — Meio que explodi, mas pigarreei e
tentei me recompor. Guilherme largou os talheres no prato.
— Não sei por que quer tanto falar comigo, se sou um inexperiente pra
você.
— Mas do que diabos você está falando?
— Eu ouvi, tá? Ouvi quando conversou com o Fernando e disse a ele
que me achava bonito, mas que parava por aí, pois eu trabalhava na mesma
empresa que você e que não queria pegar criança pra criar.  — Engoli em
seco. — Não que isso me diga alguma coisa. Eu só analisei a partir daí que,
se eu sou uma criança pra você, não temos assuntos em comum. Bom
almoço. — Guilherme se levantou e foi para o seu andar novamente. Eu
fiquei ali com cara de tacho.
— Puta que pariu! — Fiquei puto comigo mesmo.
— Nunca pensei que passar uma pomada fosse tão bom — Caique
falou de olhos fechados enquanto eu estava por cima dele e passava a
pomada que o médico mandou colocar em seu rosto por causa do roxo.
Já eram 22 horas e minhas roupas já estavam aqui trazidas por Robert
logo depois dele deixar minha mãe em casa. Caique e eu já tínhamos
jantado, tomamos banho e estávamos aqui de chamego, enquanto eu
passava a pomada em seu rosto.
— Você está muito dengoso, senhor Caique.
— Quem manda você ter dedos maravilhosos.
— Sabia que você também tem? — Caique abriu os olhos e me olhou
de forma profunda. — Mas foi só um elogio, ok? Quero você descansando e
não me comendo feito um louco. — Ele riu de forma gostosa.
— Obrigado por estar aqui comigo. Nem acredito que vai ficar até
domingo.
— Vou sim. — Subi mais em seu corpo e beijei seus lábios.
— Sabe o que eu estava pensando?
— No que?
— Se eu estivesse passando por tudo isso sem ter você na minha vida.
— Fiz um carinho em sua bochecha. — Saber do meu pai, da verdade sobre
os sentimentos da minha mãe, das merdas do meu irmão. Isso ser muito
ruim. Já foi, mas com você ao meu lado, fui mais forte para enfrentar.
— Às vezes fico pensando na forma que as coisas aconteceram entre
nós.
— Por quê? Fomos muito rápidos? Você se arrepende de algo?
— Não. De forma alguma. Penso é no quanto as coisas se encaixaram
tão bem. No que eu senti e como me senti na entrevista com você. A nossa
convivência, dia após dia. Na amizade que criamos. Como te falei, nunca
tive um chefe como você, mas o que sinto, é que você nunca realmente
chegou a ser o meu chefe. Você foi mais desde o início. Era como se...
estivéssemos apenas seguindo a linha desenhada no destino. Era pra gente
se encontrar, se conhecer, ser amigos e se apaixonar. Não fomos aqueles
amigos de cinco anos de amizade, foi em menos de um mês.
— Pra você ver o quanto nos demos bem.
— Sim. Me lembro até hoje do apoio que você me deu com relação a
questão da minha mãe. Isso foi tão importante pra mim. E foi isso que mais
mexeu comigo.
— Eu fiquei balançado desde o início pela forma que você me tratou.
Não tive seu olhar de pena e sim, compreensão. Você ficou muito à vontade
comigo, até mesmo depois de eu ter sido grosso aquela vez.
— Você não foi grosso, só estava acostumado a ter suas defesas
armadas.
— Defesas essas que você nem se importou. A verdade é que você me
enxergou, Fernando. Você me viu ali, em meio as minhas dores, as minhas
inseguranças e frustrações. Você me viu mesmo eu sendo deficiente. Isso
não te impediu em nada. E porra, eu que estava acostumado à rejeição, às
coisas horríveis que minha mãe falava, aos relacionamentos que foram
péssimos, me vi encantado com suas atitudes. Nem foi carência. Você
realmente mexeu comigo em todos os sentidos.
— Eu amo você exatamente como você é. Por dentro e por fora. Eu
sempre tive muito controle, sabia? Com relação aos meus sentimentos. Saí
com o Ricardo por muitos anos e mesmo assim nunca me permiti gostar
dele mais do que deveria. Sabia que ia sofrer. Mas com você foi tão natural
que nem mesmo percebi quando já tinha entrado em meu coração. Minha
mãe que percebeu primeiro.
— Sério?
— Sim. Daí, quando ela abriu meus olhos, foi que fui notando o
quanto ficava feliz em te ver, em estar com você. Já era tarde demais para
voltar atrás.
— Ainda bem que você não voltou. — Caique segurou em meu rosto e
me deu o maior beijão. — Adoro quando você me beija assim — ele disse
entre meus lábios.
— Você me devora quando me beija. Não faz assim hoje, não quero
sexo. — Logo dois olhos azuis me fitavam com curiosidade. — Não me
olhe assim. Hoje não, você sentiu dores devido ao tombo e estresse. E ficar
com você assim já é gostosinho. — Eu beijei mais a boca dele e depois
soltei. O pirracento bufou. — Prometo amanhã fazer um amor gostosinho
com você.
Ficamos abraçados um bom tempo e eu sentia a mão de Caique fazer
carinho em meu braço que estava em seu peito.
— Adoro essa abelha que você tem desenhada perto das flores.
— Ela mostra que eu sou um docinho, mas que também tenho ferrão.
— Eu mesmo ri da minha invenção. Só que eu tinha um namorado pior que
eu.
— Eu adoro seu ferrão e o mel que sai dele. — Caímos os dois na
gargalhada.
— O que eu faço com você, Ca?
— Bom, como não quer me dar seu ferrão e mel agora, dorme
agarradinho comigo.
E foi isso mesmo que fizemos. Foi maravilhoso dormir mais uma vez
em seus braços.
Capítulo 26

Jamais pensei que entraria em uma cadeia. E ainda mais por um dos
meus filhos. Os três sempre receberam a melhor educação e estudo. Sempre
tiveram do bom e do melhor e hoje, os três possuíam profissões dignas.
Mas aqui estou eu, indo ver Matheus, justo ele, que foi me causar
tamanha decepção. Sou levada à uma sala estranha e fria e logo depois um
policial enorme trouxe meu filho.
— Mãe! — ele diz assim que me vê, mas estou parada e logo me
sento. O policial sai, nos deixando a sós. 
Matheus se senta na minha frente e fica me olhando.
— Não vai falar comigo? — ele pergunta.
— Estou ainda tentando processar como você veio parar neste lugar.
— Mãe, eu posso explicar...
— Explicar o que, Matheus? Esse tempo todo eu chamando aquele
Fernando de marginal e você que estava sendo um.
— Não sou um marginal!! — Ele bateu na mesa com força me
assustando. Aquele não era meu filho. Seus rompantes me davam medo.
— O que é então? A palavra certa é qual? Traficante? Você levou
drogas para o nosso maior bem. Manchando o nome do seu pai, da empresa.
Justo você...
— Justo eu o que? O seu filho preferido? — Como aquilo doía, meu
Deus. — Desculpa não ser perfeitinho como o cadeirante lá.
— Não fale assim dele.
— AHHH — Matheus começou a rir descontrolado, parecia um
maluco. — Você não tem vergonha, não é?
— Vergonha de que?
— De que? De maltratar o seu filho a vida inteira, INTEIRA!!! E
agora que estou aqui você cair de amores por ele?
— Não estou caindo de amores por ninguém. O assunto aqui é entre eu
e você. Você que mencionou o Caique e ele não tem nada a ver com o
assunto. E sabe por quê? — Fiquei com raiva. — Ele pode ser o que for,
mas sempre foi honesto, até demais para o meu gosto, mas sempre foi. E
mesmo com tudo que passou na vida dele nunca se sujeitou a usar drogas
ou fazer coisas erradas. Você me decepcionou, Matheus. Eu amo tanto você,
meu filho. Mas isso está difícil de suportar.
— Eu não gosto daquela empresa! Não gosto de trabalhar!
— Como pode dizer isso? Se não trabalharmos, não manteremos os
negócios do seu pai!
— E por que ele não me colocou como presidente?
— Neste momento vejo que foi uma sábia decisão — falei sem
remorso e Matheus se levou rápido, derrubando a cadeira.
— Pois fique com sua empresa e aquele presidente de merda que você
não sabe nem quem é o pai!
— Você me respeite!! — Me levantei com raiva.
— Você deveria ter vergonha de como tratou seu filho todos esses
anos. Estou com ódio dele, mas se eu fosse tratado por você como ele foi,
nossa, eu te odiaria, mãe.
— Posso saber por que está nesse assunto? Me atacando desse jeito?
Você que fez a merda e eu que tenho culpa? Eu te dei amor, e nem isso dei a
ele. Te dei educação, estudo e fui para você a mãe que não fui para ele. E
agora, olhe onde ele está e onde você está. Concluímos então que não tem
nada a ver uma mãe e sim o caráter, não é? — Isso o atingiu em cheio.
— Veio aqui pra que? Me humilhar?
— Não, te ver e tentar entender o porquê de tudo isso. E também
avisar que estou acompanhada do advogado que o Saulo conseguiu para
você. O nome dele é Diogo Magalhães e ele vai te defender e talvez, ainda
hoje, consiga que você responda em liberdade.
— Imaginei que o amiguinho queridinho do meu irmão não iria me
defender.
— Ainda bem que você sabe. — Respiro fundo e ajeito minha roupa.
— Só quero deixar uma coisa clara para você, Matheus. Na minha casa, no
meu lar, onde vivi ao lado do seu pai, drogas não irão entrar. Esse apoio
você não terá de mim. Aliás, enquanto estiver envolvido nisso, não ficará
perto de mim. Se decidir se tratar, terá a mãe que sempre esteve ao seu lado.
— Eu não tenho mais casa pra ir? É isso?
— Casa você tem, mas sem drogas. E se chegar alterado perto de mim,
na minha casa não fica mais. Ou aprende na marra, ou pode me esquecer.
— Você vai ter coragem de me abandonar assim? — Seus olhos
estavam cheios de lágrimas.
— Não estou te abandonando, mas deixando claro que quero meu filho
de volta e não o que estou vendo na minha frente.
— E se eu não conseguir?
— Já sabe o tipo de mãe que eu sei ser. Mesmo ficando morta por
dentro, não estarei ao seu lado para ver sua queda. Porque é isso que
acontece com quem usa essas coisas. No início é festa, tudo maravilhoso.
Mas com o tempo, a droga suga sua alma e toda vida em você e eu não
quero ser testemunha disso. Não iria aguentar.
Fui para perto da porta.
— O advogado irá entrar. A sua chance de fazer tudo diferente começa
agora.
Assim que saí da sala e dei a vez ao advogado, desabei. Chorei muito.
Meu peito parecia que estava comprimido e meu segurança veio ao meu
encontro.
— Dona Branca, a senhora está bem?
— Não, mas vou me recompor. Vamos sair deste lugar.
Carlos me acompanhou até o carro e assim que me vi dentro dele,
enxuguei meu rosto.
— Vamos para casa?
— Vamos.
No caminho me vi ligando para o Caique.
— Oi, Branca. — Odiava a forma que ele se referia a mim agora, mas
jamais iria admitir.
— Vim ver seu irmão.
— Hum.
— Por favor, Caique. Mostre um pouco de consideração.
— Você me pedindo isso? Mas tá legal, vamos lá. Como ele está?
— Péssimo. Descontrolado. Ele até me ofendeu.
— Ele vai voltar pra casa quando sair de lá?
— Pra onde mais seu irmão iria? Mas já dei meu aviso a ele. Se ficar
mexendo com drogas, não ficará perto de mim.
— Vai conseguir virar as costas para o seu filho?
— Caique, por favor... — Minha voz embargou e ouvi o suspiro dele,
mas foi uma voz mais longe que me chamou atenção.
“Amor, não seja tão ríspido. Sei que é difícil pra você, mas ouça.”
Era aquele sujeito. Ele devia estar com Caique em sua casa. Isso me
fez pensar que nem conhecia sua casa, mas eu escolhi assim.
— O Matheus ficou em uma cela diferenciada? Você sabe?
— Sim, o oficial que me recebeu disse isso. Ele tem nível superior e
não tem antecedentes criminais.
— O advogado já foi vê-lo?
— Sim. Quando saí de lá, deixei ele entrando para falar com seu
irmão.
— Eu já ouvi falar desse Diogo Magalhães. Ele é bom.
— Assim espero. Aquele lugar é horrível. — Chorei de novo.
— Você foi sozinha?
— Fui. Não quis deixar sua irmã ir junto. Ela até se ofereceu. Mas li
não é lugar para minha filha.
— Onde você está agora?
— No carro indo para casa.
— Procure descansar, logo ele volta pra casa. Diogo deve conseguir
um habeas corpus. Deseja mais alguma coisa? — Abaixei minha cabeça e
vi minhas lágrimas caírem em minha saia. Já balançava a cabeça em
negativa antes mesmo de responder.
— Não. Não preciso de mais nada.
— Vou desligar então.
— Ele está aí?
— Ele quem?
— O Fernando.
— Sim, está.
— Ok. Bom dia pra você.
Eu mesma deliguei o telefone e fui chorando até minha casa.

Estava no sofá da sala e após Branca desligar o telefone, eu fiquei


olhando para o celular em minha mão.
— Foi tão ruim assim a conversa? — Olhei para Fernando e neguei. —
Por que você ficou assim?
— Porque me sinto um idiota, essa é a verdade.
— Idiota por quê?
— Porque senti pena dela mesmo diante de todas as verdades que sei.
— Pois eu penso o contrário. Sinto orgulho de você. Você mostra com
isso que não é como ela, que tem um coração. Eu também senti pena dela lá
na empresa quando viu no que o Matheus estava envolvido. E olha que só
tenho dela o ódio. Mas vamos pensar que isso tudo talvez seja necessário
para que ela repense um pouco suas atitudes como mãe e pessoa.
— Ela não vai mudar, Fernando. Não vou me iludir a esse ponto.
— Não digo que vai. O que ela queria no telefone agora?
— Me contar que foi ver meu irmão e que o lugar era horrível. Estava
o tempo todo com a voz embargada, sofrida.
— Ela está sofrendo. A Bia não foi com ela?
— Ela disse que não deixou. Que ali não era lugar para minha irmã.
— Isso ela está certa. Então vejo que no momento que estava sofrendo,
foi você que ela procurou.
— Ela perguntou se você estava aqui.
— Nunca me esquece.
— Desta vez falou seu nome. Acho que foi a primeira vez, se não me
engano. Ela só fica se referindo a você como marginal.
— Tô nem aí pra ela. Só me importa você. — Fernando tocou meu
rosto fazendo um carinho.
Dormimos agarrados e de manhã tomamos café da manhã juntos. Eu
tinha me sentado aqui no sofá para ler notícias e ele estava ao meu lado
mexendo em seu celular.
Hoje era quinta-feira e eu não ia pra empresa. Na verdade, só voltaria
lá na segunda. Precisava realmente descansar dos últimos acontecimentos
da minha vida.
— Sabe quem quer muito te conhecer? — falei e ganhei seu olhar de
volta.
— Quem?
— Minha psicóloga. Depois que falei de você na primeira vez, logo
que ela voltou de sua viagem, ela deixou um convite pra você. Não precisa
ir se não quiser, mas ela disse que você será muito bem-vindo.
— Quando você vai nela novamente?
— Amanhã.
— Eu vou com você.
— Tem certeza?
— Absoluta. E no sábado, nada de cancelar a fisio por eu estar aqui.
Quero ver também.
— Tudo bem.
O dia estava lindo, ensolarado e nós fomos para a área da piscina
novamente. Apesar de ter posto a sunga, eu não estava com vontade de
entrar na água, mas fiquei aproveitando o dia bonito, o homem lindo que
nadava e a paz que sua companhia me trazia.
Fiz contato com Aurélio e através do meu iPad, fizemos uma pequena
reunião por vídeochamada, onde discutimos orçamentos e tudo sobre
materiais para os novos projetos. Confiava muito nele e quando não estava
presente, sabia que ele comandava a empresa perfeitamente junto com
Saulo.
Minha mãe também não iria aparecer, tinha certeza, ela não teria
cabeça até ver o Matheus longe da cadeia.
Aurélio terminava de me mostrar as contas do último orçamento
quando minha visão foi desviada da tela para Fernando que saía da piscina.
Ele estava gostoso, todo molhado e nesse momento se ajeitava dentro da
sunga.
— Ok, Aurélio. Confio em você para decidir se vamos em busca de
outro melhor ou seguramos esse. Sei que você tem a mesma política que eu
e vai escolher o melhor, apenas isso.
— Tenha certeza disso, Caique. Vamos levantar mais um grande
shopping e a AGM mostrará o seu trabalho.
— Conto com você. Por hoje é só, mas qualquer coisa pode me ligar.
Deixarei meu celular disponível.
— Ok. Descanse esses dias. Tudo foi muito difícil. Você precisa.
— Obrigado.
Encerrei a vídeochamada e deixei o iPad de lado, observando meu
amor se enxugar. Quando ele me olhou, deu um sorriso tão lindo que
segurei um suspiro e o chamei com o dedo.
Ele largou a toalha na cadeira e veio para perto de mim.
— Você me desconcentrou na reunião.
— Eu? Mas eu estava ali na água. Agora que saí.
— Foi nessa hora mesmo. Principalmente quando ficou se ajeitando
dentro da sunga. — Fernando riu de lado e se abaixou perto da minha
espreguiçadeira.
— Ao invés de prestar atenção na reunião, estava me olhando ajeitar
meu pau, senhor CEO? — Tinha me esquecido que ele sabia ser desbocado
e gostoso. Fernando se transformava quando a gente estava transando.
— Em minha defesa, digo que seu pau é muito gostoso e ele me tira a
concentração a qualquer hora do dia. Independentemente do que eu esteja
fazendo.
Fernando me olhou com um olhar felino e se levantou. Ele olhou para
os lados como se tivesse se certificando de algo e tirou pra fora da sunga
aquela delícia e ficou na altura do meu rosto.
— Estamos na cobertura, querido. Nossa privacidade aqui é garantida
— falei e o enfiei em minha boca. Adorava a forma que ele fechava seus
olhos nesse momento.
Sem dúvidas era uma quinta-feira perfeita. Um dia bonito e eu
chupando meu namorado na varanda.
Fernando teve que se apoiar na cadeira e começou a se mover de
encontro a minha boca. Meus olhos encheram de lágrimas quando ele ia
mais fundo. Nada era tão gostoso quanto os gemidos dele.
Eu nem conseguia fechar meus olhos. Absorvia cada expressão dele:
ora de olhos abertos e caídos, ora com eles fechados e mordendo aqueles
lábios que eram o meu ponto fraco ou quando me olhava atrevido e
empurrava mais aquele pau grande na minha boca.
Sem muita esperança, levei minha mão dentro da minha sunga e sentir
que estava duro me deu mais embalo para enlouquecer meu namorado com
minha boca.
— Porra, Caique — ele disse isso com a voz sofrida, gostosa, de quem
queria muito mais.
Parei de chupá-lo e o segurei em minha mão, batendo em meu rosto.
— Senta no teu namorado, senta. Tô prontinho pra você.
Só quando falei que Fernando olhou para o meu colo e com um sorriso
safado, ele tirou a cueca.
— Vem cá antes, vira.
Assim que ele se virou, mergulhei entre as bandas daquela bunda
gostosa e o preparei para mim. Era uma cena tão sexy: ele abaixado, com as
mãos no joelho e eu o lambendo inteiro. Minha outra mão continuou
trabalhando em mim mesmo com medo de perder a ereção. O que percebi
desde que estava com Fernando, é que no início eu ficava obcecado de ter
ereção, mas conforme fomos nos envolvendo mais, relaxei disso e me
concentrei nele, nas coisas que ele me fazia sentir. Foi a melhor coisa que
fiz.
— Vem, amor.
Fernando, já com uma perna de cada lado da espreguiçadeira, mirou
certinho em meu pau e cuspiu, me lubrificando e se sentou em mim. A
expressão dele se encaixando, era a coisa mais linda que eu poderia ver na
vida.
Meu amor sabia me provocar e ali sentado, ele se apoiou e me deixou
ver seu corpo me sugando, me recebendo em seu interior. Eu gemi, mesmo
sem sentir de fato tudo que ele me proporcionava, mas era a visão dele que
me enlouquecia.
Ele veio pra minha boca enquanto sentava em mim com vontade,
subindo e descendo e me deu um beijo tão pornográfico, que meu coração
parecia que ia explodir no peito tamanho o frenesi que eu me encontrava.
— Não quero que acabe — eu disse, olhando em seus olhos. Ele sabia
que eu me referia a minha ereção.
— Se acabar, vou ficar de quatro sobre você e seus dedos maravilhosos
vão me comer até me fazer gritar. — Meu amor era uma delícia e a gente
combinava tanto que eu tinha até medo. Nunca tinha experimentado esse
sentimento todo na minha vida.
Eu não perdi a minha ereção. Foi a segunda vez que consegui ir até o
fim. Enquanto Fernando gozava em meu peito, espirrando até em meu
rosto, eu senti a queimação dentro de mim anunciando o meu prazer e meu
coração disparou ao máximo.
Meus dedos ficaram brancos de tanto apertar a cadeira que estava. Era
uma mistura dentro de mim. Dor e prazer duelavam. Devia ter gozado
dentro dele, não tinha essa certeza. Vê-lo suado, gozado, era meu deleite.
Terminamos com Fernando sobre mim, sem se importar com nossos
peitos grudando. Seu rosto em meu pescoço e eu ouvindo sua respiração
descontrolada.
— Você acabou comigo, amor — falei e ele me olhou.
— Eu estava quieto, mas o senhor ficou desejando o meu pau. Deu
nisso. Olha a bagunça.
— A bagunça mais perfeita da minha vida. Acho que quero viver
bagunçado. —Fernando riu e me beijou.
Foi um beijo completo, daqueles que nossas bocas nem se desgrudam.
Sua língua quase dava um nó na minha e nessas horas eu sentia o quanto ele
me queria.
Quando o beijo acabou, ele logo ficou todo preocupado comigo e eu
particularmente nem me incomodava com isso. Era seu amor falando.
— Você está bem, amor?
— Estou. Consegui pela segunda vez ir até o fim.
— Já conversamos que não precisa se preocupar com isso.
— Eu sei. Relaxei, mas fico realmente feliz. Desde que estamos juntos
essa foi a segunda vez.
— Já te dei a solução quando perdê-la.
— Eu sei, você ama as minhas mãos maravilhosas.
— Só acho que devemos fazer um seguro para elas. — Caí na
gargalhada.
Era isso que ele fazia comigo. Fui tão neurótico com minha vida
sexual depois do acidente, mas Fernando entrou na minha vida trazendo
leveza até para esses momentos mais delicados. Ele me mostrava sempre
que me queria fosse do jeito que fosse. E isso me fazia amá-lo ainda mais a
cada dia.
— Só estou sem forças — confessei.
— Me deixa cuidar de você?
— Deixo. Sou todo seu. — Eu sabia o que viria. Meu amor ia me
pegar em seus braços cheio de amor.
Fernando se levantou ainda levemente duro, pegou uma toalha e se
limpou para depois vir me limpar. Eu o observava passar a toalha em meu
peito e meu olhar devia estar apaixonado na direção dele. Minha perna
esquerda se mexeu um pouco em um espasmo, isso sempre acontecia
quando eu tinha prazer.
— Sente dor quando acontece isso?
— Não. São reflexos do prazer que eu tive.
— Vamos fazer uma coisa antes de entrar. — Olhei para ele curioso e
vi quando foi no chuveirão e o abriu.
Fernando voltou, tirou minha sunga pelas minhas pernas e me pegou
em seus braços. Era realmente gostoso ficar nos braços dele.
Ele andou até o chuveirão e entrou embaixo comigo. Sorri e passei a
mão nos cabelos, jogando-os para trás. Passei a mão em meu peito,
terminando de me limpar e depois o beijei embaixo daquela água.
Voltamos os dois pingando para a espreguiçadeira e ele me sentou com
cuidado. Tinha almofadas ali para as minhas costas ficarem confortáveis.
Elas eram mais finas e cobriam todo o encosto da cadeira de sol.
Nando se secou e a mim. Pegou roupões e me deu um. Novamente me
pegou em seus braços e fomos assim até à sala, onde ele me colocou no
sofá.
— Amo quando cuida de mim assim, sabia?
— Tive medo de que interpretasse de forma errada. Gosto realmente
de cuidar de você.
— Nunca vi nada em você que me menosprezasse. Nunca. Amo muito
estar amparado em seus braços.
Ele me entregou o iPad e meu celular e tive meus lábios beijados antes
dele me deixar ali confortável e dizer que ia fazer uma comidinha pra gente.
Era a vida que pedi a Deus com toda certeza.

Acordei recebendo beijos por todo o meu rosto e sorri de olhos


fechados.
— Eu dormi?
— Bom, se você babando no sofá e roncando quer dizer isso, acho que
dormiu sim. — Abri meus olhos devagar e o encontrei lindo e me olhando.
— Ficou tão bom aqui, tão confortável, que apaguei.
— Percebi. Começou a olhar alguma coisa no iPad e depois quando
olhei para você de novo, o coitado já estava escorregando para o sofá. Vim
aqui, deixei ele na mesa e vi que você estava ferrado no sono. Fiz uma
comida pra gente. Vamos comer?
— Vamos. — Bocejei e Fernando riu da minha preguiça.
— Tem alguém mole aí?
— Preguiça pós-sexo.
— A melhor de todas.
— Você não está com sono?
— Um pouco. Depois que eu comer, acho que apago na sua cama.
— Oba! Quero ir junto. — Rimos os dois.
Almoçamos uma comida deliciosa e realmente à tarde apagamos na
minha cama.
Esses dias que Fernando passou comigo foram os melhores. Eles me
energizaram, tiraram de mim todos os sentimentos ruins das últimas
semanas. Na sexta ele foi ao consultório da minha psicóloga me
acompanhando e ambos conversaram. Ele ficou um momento a sós com ela
e quando saiu de lá, tinha os olhos marejados. Ele me garantiu que foi uma
das melhores conversas que já teve na vida e eu me tranquilizei.
No sábado, ele acompanhou de perto minha fisio e até me ajudou em
alguns exercícios. Armando ficou satisfeito de me ver feliz e teve até
exercício na piscina. Quando Armando foi embora, continuei lá nos braços
de Fernando.
No domingo, quando ele foi embora, deixou uma certeza em meu
coração: eu o amava como nunca tinha amado ninguém na minha vida e
queria muito fazer nossa história dar certo.
Retornei para a empresa na segunda-feira me sentindo outro homem.
Estava mais confiante para enfrentar o que viesse. Às vezes, os
pensamentos pessimistas queriam achar espaço dentro de mim, eles não
tinham sumido de vez. A diferença agora era que eu sabia confrontá-los e
quando eles insistiam, eu deixava lembranças minhas com Fernando
dominarem a minha mente. Isso ajudava muito. Seria uma luta árdua, mas a
grande questão de agora era que eu estava disposto a ganhar essa batalha.
Dia após dia.
Soube que Branca retornou também, mas ainda não tinha cruzado com
ela. Saulo me contou que o advogado conseguiu que no fim desta semana
meu irmão fosse liberado. Não foi tão fácil como ele pensava, Maurício
estava sendo bem casca dura com Matheus e eu realmente queria que meu
irmão pagasse por seus atos preso ou solto.
A segunda estava sendo um dia relativamente trabalhoso. Tive reunião
com os empresários do novo shopping que construiríamos aqui no Rio de
Janeiro e foi uma reunião promissora. Tudo estava se encaminhando muito
bem.
Meu amor estava tranquilo fazendo seu serviço e sempre que eu estava
pelos corredores, a gente se comia somente no olhar. Fiquei todo bobo hoje
quando ele chegou trazendo um pedaço de bolo que dona Kátia fez
especialmente para mim. Estava uma delícia. Comi um pedaço assim que
ele me deu e ia comer mais após o almoço.
Estava agora, justamente saboreando ele após ter almoçado em minha
sala, quando Guilherme ligou avisando que minha mãe queria falar comigo.
O bolo quase parou na metade do caminho, mas autorizei sua entrada.
Ela entrou tranquila e elegante como sempre. Isso eu não podia falar
dela, Branca era linda. Sempre impecavelmente arrumada e cheirosa, usava
suas joias e roupas com muita elegância. Seus saltos eram sempre tão altos,
que eu me perguntava como ela se equilibrava. Estranhei o fato dela ter
deixado que sua presença fosse avisada.
Eu continuei comendo o meu bolo e esperava ela falar alguma coisa.
— Atrapalho? — ela perguntou.
— Não. Já almocei. Estou apenas terminando minha sobremesa.
— Está bonito esse bolo.
— Foi dona Kátia que fez pra mim.
— Quem é dona Kátia?
— A mãe do Fernando.
Branca andou até a cadeira que ficava em frente da minha mesa e se
sentou.
— Você se deu muito bem com eles. Como a conheceu?
— Fui à casa dela. — Seus olhos se arregalaram levemente.
— E onde eles moram?
— Em Madureira. — O choque foi visível em seu rosto, mas ela se
segurou muito para não questionar. Eu senti. — Mas você não veio aqui
falar da família do Fernando, né?
— Não. Na verdade, vim falar do seu irmão. Não me interessa a vida
dessa gente. — Estava bom demais a sua calma.
— Aconteceu algo com ele? — perguntei sem ânimo.
— Não. Está levando. Ninguém fica bem na cadeia, mas ele procurou
tudo isso. Quero conversar sobre o que você acha da permanência dele na
empresa.  — Realmente agora tinha ficado surpreso e ela percebeu. — É
meu filho e eu o amo muito, mas ele não está bem. Foi capaz de fazer tudo
isso e colocou nosso trabalho em risco escondendo drogas aqui dentro.
A parte do “é meu filho e o amo muito”, doeu dentro de mim por saber
que por mim ela não sentia o mesmo, mas foquei em nossa conversa.
— Hoje alguns acionistas me procuraram e pediram uma reunião.
Tenho certeza que será sobre isso mesmo. A permanência dele aqui.
— Eu já dei meu intimado a ele. Não verei meu filho se acabar com as
drogas. Se ele não procurar tratamento, não ficarei ao lado dele. Mas se
mostrar que quer melhorar, darei todo meu apoio. Só que com relação
aqui...
— Realmente ele não tem condições de voltar pra cá envolvido com
essas coisas. Minha relação com ele não está legal. Nada vai ser mexido nos
direitos do Matheus, mas ele, neste momento, não tem condições de
trabalhar aqui. Ache uma clínica e eu pago todo mês como se estivesse
dando o salário pra ele. Preciso tranquilizar os outros acionistas. Seria bom
você estar presente e falar exatamente o que pensa.
— Vou estar sim. E vou conversar com o Matheus assim que ele sair.
O tal advogado Diogo parece ser bom.
Terminei meu bolo e fechei o potinho da dona Kátia. Branca me
observava e sentia que ela queria falar mais alguma coisa.
— O que você quer falar? Tem mais alguma coisa. — Ela engoliu em
seco e ficou mexendo em seus anéis.
— Queria falar sobre o que você escutou, mas não sei por onde
começar. Não sei se me explico, se peço desculpas, se tento... não sei.
Sinceramente não sei o que dizer. Fui muito sincera no meu relato, é
realmente tudo que sinto. Então não sei mais o que posso dizer.
Pela primeira vez eu estava vendo minha mãe vulnerável. Sem jeito e
com vergonha.
— Primeiro me responde: o que está fazendo você estar tão diferente?
— Diferente?
— Sim. Aceitou entrar aqui depois de ser anunciada, não xingou
quando falei do bolo de dona Kátia e nem que fui à Madureira. Ontem me
ligou para desabafar sobre a visita na cadeia e ainda perguntou se o
Fernando estava em minha casa sem chamá-lo de marginal.
— Caique... eu estou cansada. Nem forças para brigar eu tenho mais.
Só espero que sua escolha não esteja equivocada. Realmente não gosto
desse rapaz e nem de onde ele vem. Estou vendo meu filho sofrer e me
sinto de mãos atadas.
— Minha escolha não está equivocada.
— Como pode ter tanta certeza? Só conhece esse rapaz a o que... um
mês?
— Isso não quer dizer nada. Tem gente que está há anos ao lado de
alguém e mal conhece a pessoa. Tempo não dá resposta de nada. O
sentimento sim. O que eu sinto pelo Fernando nunca senti por ninguém e eu
sinto o mesmo nele.
— Como sentiu com aquele jornalista?
— Não, Branca. Com aquele jornalista eu não sentia a mesma
reciprocidade. Mas estava apaixonado e insisti para que desse certo. Com o
Fernando não preciso insistir, ele me dá amor quando nem peço.
— Você que sabe, Caique. — Ela suspirou. — Não tenho como me
desculpar pelas minhas atitudes com você. Eu apenas não queria ser mãe
naquele momento. Agi errado depois, reconheço que sim. Só não sei ser
diferente.
— Toda mulher tem o direito de não querer ser mãe. Não é porque é
mulher que tem que ser e está tudo bem. Mas doeu todos os dias a falta do
seu amor. Ainda mais quando eu via você dando de sobra aos meus irmãos.
— Seus olhos estavam mais brilhantes nessa hora. — Me culpei e me
perguntei todos os dias o que eu tinha feito de errado para você me
desprezar tanto. E hoje descubro que foi apenas porque nasci. Você tem
noção de que se não fosse meu pai, eu jamais saberia o que era amor
parental?
— Tenho. Eu não odeio você, quero que saiba disso. Sei das minhas
palavras duras, mas elas apenas externaram uma revolta dentro de mim. Sei
que te tratei com desprezo, sim, mas não odeio você.
Tentei em vão conter meus olhos de se encherem de lágrimas, mas o
assunto doía dentro de mim; era como cutucar uma ferida.
— Do mesmo jeito que você está cansada eu também estou. Meu
relacionamento com Fernando está me desintoxicando de tudo que me feriu
todo esse tempo.
— Espero que possa me perdoar um dia. Não vou interferir em seu
relacionamento. Mesmo que eu tenha minhas ressalvas com ele. Estou
focada no Matheus e em sua melhora.
— Só quem precisa amar o Fernando sou eu — respondi afiado, mas
educado e ela sorriu abaixando a cabeça.
— Ok. — Branca enxugou seu rosto com cuidado para não borrar a
maquiagem.
Nesta hora, bateram na porta e foi Fernando que entrou. Pelo seu olhar
ele já sabia que ela estava ali comigo e ele buscou vestígios de alguma briga
feia. Seu olhar estava felino.
Ele demorou estudando meu rosto. Com certeza ele estava molhado e
vermelho, mas era a tranquilidade que estava confundindo ele. Fernando
não se intimidou e entrou fechando a porta. Ele passou pela minha mãe e
deu boa tarde, vindo até mim.
— Está tudo bem? — Suas mãos, com carinho, enxugaram o meu
rosto.
— Sim, está. Acabei o bolo, estava uma delícia.
— Que bom.  — Fernando olhou para minha mãe e ela também olhava
para ele.
Branca se levantou ainda o olhando...
— Obrigada por ter me segurando no dia da confusão. — Olhei para
Fernando confuso.
— Quando o Matheus tentou correr, ele empurrou sua mãe e ela caiu e
poderia ter batido a cabeça na mesinha da água. Eu a segurei a tempo.
— Eu nem vi isso. Estava transtornado.
— Bom, já conversamos tudo, Caique. Vou para minha sala. A Bia fica
somente até quinta.
— Ela me avisou. Vai para a semana de moda de Londres.
— Isso. Com licença.
Branca estava quase na porta quando Fernando foi até ela e parou na
sua frente, fazendo com que ela se assustasse.
— Queria dizer uma coisa pra senhora.
— Diga.
— Eu amo seu filho. — Segurei um sorriso. — Mesmo que a senhora
não acredite, eu amo. E meu pai não teve culpa naquele acidente. Ele
sempre foi muito responsável, tinha filho e esposa para criar. Jamais seria
imprudente daquela forma. Foi tudo um acidente. Foi tudo algo que marcou
nossas vidas, a minha e a da senhora. Deus me tirou meu pai e acabou me
dando seu filho um tempo depois. Não entrei aqui com o pensamento de
vingança, nada disso, eu apenas precisava de trabalho para cuidar da minha
família. Eu prometi para o meu pai em cima do seu caixão. Amar seu filho
nesse caminho, foi Deus me dando um presente que eu nem sei sou tão
merecedor assim, mas ele deu. — Fernando enxugou seu próprio rosto. —
Eu só precisava dizer isso olhando em seus olhos.
Fernando voltou para perto de mim. Minha mãe ainda ficou parada um
tempo e depois olhou para nós dois. Seu rosto estava sério. Ela saiu sem
dizer nada.
— Eu precisava dizer tudo aquilo para ela.
— Eu sei. Vem cá, senta aqui.
Meu amor se sentou em meu colo e me abraçou.
— Vocês conversaram?
— Sim. Sobre o Matheus e sobre tudo que a escutei falar naquele dia.
— Foi bom?
— Na medida do possível foi sim. Ela só me mostrou mais uma vez
que não se arrepende de nada. Ela não pode me dar o que não tem.

A semana passou e Matheus deixou a cadeia na sexta-feira, dia 2 de


setembro. Ele aceitou, depois de uma conversa com a mãe, ir para uma
clínica se tratar da dependência química. Ia responder em liberdade até seu
julgamento.
Na segunda-feira seguinte, Flávia retornou para o seu trabalho e
Guilherme foi efetivado na empresa. Eu já sabia que ele seria, mas não
comentei nada para ser surpresa. Ele se tornou secretário do vice-
presidente.
O mês de setembro passou quase voando. Minha mãe e Juliana foram
na casa do Caique em um sábado e Saulo apareceu também para fazer um
churrasco. Uma das partes mais legais foi Caique chamar o Robert para
participar.
Vinha notando que sempre que ele via minha mãe, seu sorriso aparecia
e notei minha rainha se arrumando mais que o normal ultimamente.
Principalmente quando ela sabia que Robert me levaria para casa.
O dia do churrasco foi muito divertido e Ju se acabou com Saulo na
piscina. Minha irmã caiu de amores também pelo advogado que só faltou
dar comida em sua boca. Senti até um certo ciúme disso por parte de
Robert. Contei tudo pro Caique e ele passou a reparar também.
Participei de outras sessões de fisio com meu namorado e fizemos
programas juntos: fomos ao cinema, a outros shoppings e até a um motel.
Caique não tinha boas recordações deles, mas dei bastante lembranças boas
para apagar as ruins. Caique voltou pra academia e dei todo o meu apoio.
Um dia olhando a internet, vi meu nome em um site, ligado ao Caique
e em outro, uma foto nossa de longe, mas foi em uma grande revista, onde
Caique tinha sido convidado para uma entrevista, que eu apareci ao seu
lado. Morri de vergonha. Agora era oficial, todos sabiam de nós.
Mas foi no final de setembro que algo bem chato aconteceu....
Caique tinha ido novamente na minha casa e quando estávamos saindo
já no final da tarde, para irmos para a sua casa e de lá, jantar fora, fui
parado na rua por Ricardo. Caique estava se preparando para entrar no
carro.
— Fernando! — Olhei para trás e vi meu ex. Estava bonito, todo
arrumado. Devia ir para alguma festa, afinal, era sexta-feira.  Olhei para
Caique e ele reparou no rapaz que se aproximava.
— É o Ricardo. Aquele que te contei que eu ficava.
— Ah, sim.
Me virei para o Ricardo e quando ele se aproximou pude sentir seu
perfume que sempre foi muito gostoso.
— E aí, Ricardo. Tudo bem?
— Oi. Minha mãe pediu pra te lembrar de ir mais tarde comer um
pedaço de bolo com ela.
— Ah, hoje é o aniversário da tia Rita. Mande um beijão pra ela, mas
não poderei ir. Estou indo jantar com meu namorado. — Ricardo então
olhou para Caique atrás de mim e eu saí da frente para apresentar os dois.
— Ricardo, este é Caique, meu namorado. Amor, esse é ...
— Ricardo, o ex dele. — A mão coçou para dar um soco no Ricardo.
Meu namorado sempre muito educado, apertou a mão do exibido na
minha frente.
— É... Fernando, posso falar com você rapidinho?
— Estamos saindo, Ricardo...
— Fala com ele, amor. Vou entrando e te espero, ok?
— Tudo bem — respondi meio contra vontade.
Observei Caique entrar e Robert guardar sua cadeira e entrar no carro
também. Quando vi que ele fechou a porta, olhei para Ricardo e ao puxei
para um pouco mais longe.
— Que história é essa de ex?
— Ué, não sou teu ex não? Tô louco agora?
— Pra ser ex, você precisaria ter sido meu namorado e não fomos.
Fomos ficantes. Você ficava com geral e comigo. Também saí com outros.
Não havia compromisso. E você se apresentou como se fosse um ex-
namorado.
— Tá bom, Fernando. Isso é o de menos. Quero saber o seguinte: qual
é a sua com esse cara?
— A minha com esse cara? Do que você está falando, Ricardo? Eu o
apresentei como meu namorado, isso que ele é. O que mais você quer
saber?
— Se ele dá conta do recado. — Fiquei chocado com a audácia. —
Porra, Fernando. Beleza, não fomos namorados, mas ficamos muitas vezes
e durante muito tempo. Conheço você, teu jeito. Sei que gosta muito de
sexo. A gente acabava uma rodada e tu pedia mais, sempre mais. Esse cara
ao menos transa com você? Ele consegue? Pô, quando você finalmente se
assumiu pra tua mãe e a gente podia curtir, tu me rejeita e aparece agora
com esse cara. 
— Não abre a tua boca pra falar merda, Ricardo. Você não sabe nada
da minha vida nem da vida dele. Estou muito feliz, apaixonado e sim, meu
homem dá muito bem conta do recado. Aceita que a gente não vai mais sair
que vai ser melhor. Você sempre foi de todo mundo mesmo. Se gostasse de
mim de verdade, tinha me dado valor quando me tinha. Agora dá licença
que meu amor está me esperando e temos compromisso. Mande um beijo
pra sua mãe e diga que quando der vou vê-la para dar um abraço. — Estava
puto com as coisas que Ricardo havia dito. — E aproveita pra estudar um
pouco e prestar atenção nas coisas que você fala.
— Tá me chamando de burro?
— Não, mas de sem noção. Aprenda a tratar as pessoas com respeito.
Isso que você tem que aprender.
Dei a volta no carro para entrar e finalmente sairmos. Eu só não sabia
que Caique tinha ouvido tudo, mesmo eu tendo me afastado um pouco com
Ricardo.
Assim que entrei, ele me olhou aparentemente tranquilo e eu que
estava de bico.
— Que foi? Algum problema?
— Só esse sem noção que veio me encher. Mas deixa pra lá, vamos
curtir nossa noite. — Caique sorriu sem mostrar os dentes e Robert saiu
com o carro.
Era nossa noite de comemoração de dois meses juntos e jantamos em
um restaurante lindo. Caique estava muito carinhoso e ainda me presenteou
com um cordão fininho de ouro como o seu. Fiquei todo bobo. Eu dei a ele
uma carteira que escolhi a dedo e ele amou.
Mas eu estava estranhando o fato dele estar mais calado e até meio
aéreo. Quando chegamos em casa, ele logo foi trocar de roupa para tomar
banho e nem me chamou. Nessa hora eu soube que tinha algo errado.
Não insisti e nem invadi seu espaço, fui tomar banho no social e
quando saí de lá, Caique ainda não estava na sala. Fui devagar até seu
quarto e ele não estava na cama e nem mais no banheiro. Imaginei então o
closet e foi lá mesmo que o encontrei.
Caique estava de cueca, mas estava parado olhando suas camisas. Só
que percebi que ele estava era longe, pensando em alguma coisa.
— Amor, está tudo bem? — Ele me olhou com carinho, mas estava
sério.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Por que quando acabamos de fazer amor, você dorme em meus
braços?
Fiquei sem entender sua pergunta, mas fui sincero.
— Eu fico cansado. Você me faz gozar tão gostoso que meu corpo fica
mole. Você não gosta que eu durma? É isso?
— Não, não é isso. Mas por que você não me pede mais? — Franzi a
testa.
— Não peço mais o que?
— Mais uma rodada de sexo.
Quando ele disse isso eu percebi que ele havia escutado minha
conversa com o Ricardo. Droga!! Ricardo e sua língua grande e
desnecessária.
— Você ouviu minha conversa com o Ricardo?
— Ouvi. Eu abri a janela do carro. Você estava com uma expressão
indignada e queria saber se ele estava te importunando.
— Estava indignado sim. Achei ridícula a postura dele ao se apresentar
pra você dizendo que era meu ex com ar de ex-namorado e nunca fomos
isso. No máximo é -ficante. Eu percebi que ele quis claramente te afrontar,
isso que me deixou puto. E depois veio falando aquelas coisas ridículas.
— Perguntou se eu dava conta do recado porque você era insaciável e
sempre pedia mais. Comigo você nunca pediu mais. Por quê? Uma pessoa
muda assim, de uma hora pra outra?
— Caique, eu não mudei de uma hora pra outra, sou eu mesmo. Cada
relacionamento é de um jeito. E tipo, Ricardo e eu, era aventura. Eu não era
assumido, então me encontrava escondido e poxa, qualquer pessoa sabe que
tudo escondido fica dando aquela adrenalina. Eu iniciei minha vida sexual
com ele. Fazia escondido, então quando estava com ele, queria aproveitar
ao máximo por não saber quando eu poderia novamente. E isso foi mais no
início, nas últimas saídas nem foi assim. Depois que minha mãe ficou
desconfiada, eu desacelerei com ele até parar de sair. Já tinha problemas
demais para arranjar mais um.
Andei até perto do meu namorado e puxei um pufe que havia ali e me
sentei na sua frente.
— Com você é diferente, mas sabe por quê? Porque com você eu estou
experimentando pela primeira vez um relacionamento de verdade,
completamente assumido pro mundo, inclusive pra pessoa mais importante
da minha vida: minha mãe. Com você nada é escondido, com você eu
também estou amando de verdade e sendo correspondido. Em resumo: você
me passa segurança. E essa segurança se reflete em nosso sexo também.
Não preciso ficar no afobamento, tendo várias rodadas de sexo por noite por
não saber quando poderei novamente. Eu posso com você sempre, basta a
gente estar com vontade. Se eu estivesse com tesão agora e você também,
bastava eu tirar minha roupa aqui e sentar no teu colo e me dar inteiro pra
você. Então não te peço várias rodadas de sexo, porque quando a gente faz
eu já me sinto tão satisfeito e feliz, que meu corpo relaxa profundamente. E
sem contar que me sentir assim e poder dormir em seus braços depois, é tão
melhor quanto o próprio sexo em si. Jamais dormi nos braços do Ricardo.
Era fazer, me limpar e correr pra casa.
Caique me ouviu calado, prestou atenção em cada palavra.
— Não se sabote, por favor. Estamos tão bem. Esses dois meses que
estamos juntos, como namorados e os três ao todo que te conheço, tem sido
os melhores da minha vida. Não sinto falta de nenhum ex e muito menos
carente de algo. Você me completa como pessoa, chefe, amigo, namorado e
homem.
— Eu te amo — ele disse até com a voz um pouco rouca.
— Eu também te amo muito e só consigo pensar que daqui há alguns
anos, quero continuar te dizendo isso de novo e de novo. Sempre.
— Casa comigo. — Senti até meus olhos se arregalarem. — Sei que
para qualquer um pode parecer rápido demais, mas por que esperar se a
gente se ama tanto? Fico triste quando você está aqui comigo e tem que ir
embora. Fica tão vazio o meu apartamento.
— Não acho que seja apressado. Minha mãe me contou que assim que
meu pai fez 18, ele se juntaram. Meus avós permitiram que ela, com então
16, morasse com ele. Foi o amor mais lindo que já vi na vida.
— Eu já tenho 34 e você 27. — Sorri da explicação dele.
— Está tentando negociar meu sim, senhor CEO?
— Sou ótimo em negociações.
— Não duvido nada. Tenho que pensar nas minhas meninas. Não
posso sair de casa assim do nada.
— Você não irá abandoná-las. Quero dona Kátia e Juliana aqui
também, morando conosco. — Meu coração até disparou. — Ainda posso
me lembrar da sensação que fiquei quando as deixei naquele dia que tinha
operação onde você mora. Elas não merecem ficar no meio do perigo.
Quero cuidar delas também e não se trata apenas da dívida que sinto que
tenho com seu pai e sim, por ter me apaixonado por elas também. Amo
quando a Ju me chama de tio Caique. — Meus olhos estavam cheios de
lágrimas. — Eu adoro ver suas roupas aqui.
Só aí percebi que ele olhava para as minhas camisas que já tinham no
seu closet quando entrei e pensei que ele olhava as dele.
— Quero ver um bom colégio pra Juliana também.
— Não sei o que minha mãe dirá de tudo isso. Preciso conversar com
calma com ela. Ela tem suas costuras.
— Transformo um dos quartos de hóspedes em uma sala de costuras
para ela já que gosta tanto. Você pode fazer uma rede social que mostre o
trabalho dela e ela não precisará deixar de fazer o que mais gosta. Não
quero controlar a vida de ninguém, mas quero vocês junto de mim, quero
cuidar de vocês. Amo vocês demais.
Abracei meu amor e dei um beijo nele com todo sentimento que eu
tinha dentro de mim.

Três meses depois

Estávamos na metade de dezembro e a empresa se preparava para a


festa de fim de ano. Eu tinha ganhado a semana de folga para resolver a
mudança para a casa do Caique. Tinha que resolver questões da minha
também, deixar a casa ajeitadinha e ir à imobiliária. Nesta semana toda só
falei com Caique por telefone. Só hoje sexta que íamos finalmente ficar
juntos.
Depois da conversa que nós dois tivemos no closet após nosso jantar
de dois meses de namoro, conversei com minha mãe na semana seguinte e
abri meus sentimentos com ela...

— Filho, você tem certeza? Não acha cedo não? Assim, quem sou eu
para falar isso, mas o mundo hoje está tão diferente. Pode parecer egoísmo,
mas como vou ficar sem você? Não estou dizendo com relação a trabalho,
eu me viro, mas...
— Você vai comigo.
— O que?
— Caique quer vocês junto. Ele disse que não vai deixar a Ju e você
aqui. Ele quer as duas morando com a gente.
— Mas vocês indo morar juntos é o início da vida de casados, a gente
vai atrapalhar.
— Claro que não. Eu já não durmo no Caique várias vezes? Já
passamos disso, mãe. O que a gente quer é não ter mais que se separar para
eu vir pra cá. Ele disse que sente muito minha falta.
— Dá um frio na barriga isso.
— Eu sei. Também estou sentindo. Mas sabe quando o seu coração
tem uma certeza que nem seu cérebro acompanha? O meu tá assim.
— Você está apaixonado, meu amor. Aliás, vocês dois. É normal e
muito bonito essa vontade de viver tudo isso. Como o Caique é um rapaz
com posses, pra ele se torna mais fácil.
— Vem comigo, mãe. Não quero deixar vocês.
— Me deixa pensar nisso tudo?
— Deixo. Em dezembro nosso contrato aqui teria que ser renovado.
Temos até dezembro para decidir tudo.

Depois que os rapazes que nos ajudaram com a mudança colocaram


todas as caixas na sala, enfim mamãe e eu respiramos. Ju já estava
sentadinha no sofá nos esperando.
Nos meses que se passaram, elas vieram aqui mais vezes e minha mãe
até conversou com Caique. Como eles se davam bem, era impressionante.
Meu amor contratou a empresa de mudança e seguimos todas as normas do
condomínio para fazer a mesma. Havia questão de horário e dia para isso.
Minha mãe já estava familiarizada com o ambiente e minha irmã
também.
— Antes de começarmos a levar as coisas para os devidos lugares,
tenho uma surpresa pra Ju.
— Pra mim?! — Ela deu um pulo do sofá.
— O que é, meu filho?
— Venham as duas comigo.
No primeiro quarto de hóspedes, Caique havia feito uma revolução e
assim que paramos na porta que estava fechada, olhei para minha irmã.
— Preparada? É seu presente de aniversário. — Juliana havia feito seis
anos mês passado. Caique a levou para um parque de diversões e fez essa
menina vir desmaiada de lá de tanto que brincou, mas o maior presente
dele, ela ia ver agora.
— Estou!! — Ju não parava de pular.
Quando abri a porta, um quarto totalmente decorado para ela entrou no
nosso campo de visão. Mamãe levou as mãos na boca emocionada e
Juliana, me surpreendendo, chorou muito também. Eu esperava ela sair
correndo feito doida e pulando.
Minha irmã me olhou e me abraçou pela cintura.
— Ei, não chora. Você não ficou feliz?
— Fiquei muito feliz. Eu não sabia que era isso. Eu vou ter um quarto
da Barbie?
— Vai, meu amorzinho. É todo seu.
O quarto era espetacular. Caique e eu pensamos juntos e meu
namorado chamou uma decoradora e deu as coordenadas de como
queríamos. Ela transformou na verdadeira casa da Barbie em tamanho real.
Sem contar as inúmeras bonecas que Caique comprou. Fora isso, ainda
tinha um computador pra minha irmã e o quarto já possuía TV.
— Que coisa mais linda, meu filho. Meu Deus, o Caique não existe.
— Ele existe, mãe e ama a gente.
Juliana se perdeu naquele quarto e mamãe e eu fomos fazer as outras
coisas. No final da tarde as coisas da minha mãe já estavam devidamente
arrumadas em seu quarto e o quarto que Caique disse que seria seu também
para costuras, já estava todo adaptado e ela ainda ganhou uma máquina de
costuras novinha. Essa eu ajudei a escolher também, pois sabia exatamente
como ela gostava.
Minhas roupas estavam arrumadinhas no closet do Caique e que agora
era meu também e quando fui ao banheiro e vi nossas escovas de dente
juntas ali, foi que acreditei que realmente estava acontecendo.
Quando meu CEO chegou do trabalho, um jantar gostoso já o
esperava. Juliana praticamente se atirou em seu colo e ele amava quando ela
fazia isso. Pronto, nessa hora ele rodava sua cadeira e minha irmã só sabia
rir.
Mas eu sabia que um dos momentos que ele mais amava era quando
minha mãe beijava sua testa cheia de carinho.
— Como foi o trabalho, meu querido? — ela perguntou.
— Passou muito devagar. Estava doido para vir embora. — Sorri e ele
me olhou. — Mas foi produtivo e a festa de fim de ano já está com tudo
organizado.
A festa ia ser em um salão perto da empresa e todos os funcionários
iriam confraternizar. Eu agora voltaria ao trabalho só na primeira semana do
ano que vem, pois após a festa, a empresa entraria em férias coletivas de
final de ano.
Durante o jantar, mamãe recebeu um telefonema e ficou toda boba.
— Com licença, gente. Vou atender. — Observei ela sair e Ju estava
em seu quarto jantando e brincando. Agora seria difícil tirá-la de lá.
— Parece que tem um tal de Robert ligando — Caique comentou já
rindo, enquanto cortava seu bife.
— E ainda tentam negar, né? Nesses meses os olhares se
intensificaram, principalmente quando ela aceitou ir ao cinema com ele.
— Deixa eles. É uma delícia essa parte da paquera. Ela merece, depois
de tanta dor e ele merece finalmente viver um sentimento.
— Realmente. Como foi essa semana sem mim por lá com sua mãe?
— Ela está na dela. Cumpriu o que prometeu. Não se mete mais no
nosso relacionamento e nem na minha vida. Seguimos cuidando da nossa
empresa.
— Teve notícias do Matheus? Esqueci de te perguntar essa semana.
— Segue na mesma e em tratamento, enquanto aguarda o julgamento.
Teve períodos nada bons, mas faz parte.
— Deve ser a tal abstinência, né?
— Isso mesmo. Branca tem ido vê-lo toda semana.
— Ela está demorando para contar que ele não vai mais trabalhar na
empresa.
— Contou esta semana.
— Como ele reagiu?
— Mal. Disse que xingou o mundo e ela também. Está revoltado.
— A falta das drogas nem deve estar deixando ele pensar com clareza.
— Ah, isso com certeza.
— Bia vai vir pra festa?
— Não poderá, mas isso se deve por cumprir agenda de desfiles para
poder vir para o Natal e Ano Novo.
— Ah que bom!
— Pedi que ela ficasse com a Branca.
— E ela?
— Concordou. Disse que já pensava nisso. Não quer deixá-la sozinha
ainda mais pela situação do Matheus. Ela está doida para ver sua mãe e
irmã aqui, mas disse que vem fora essas datas.
— Tá bom. E a Branca não soube mesmo que agora moramos juntos?
— Soube ontem.
— Como foi isso? Você não me contou quando te liguei.
— Ela perguntou se eu ia passar lá no Natal. Senti grande expectativa
nela. A Branca anda meio estranha, quieta demais, sabe? Mas expliquei que
seria o primeiro Natal com minha família e ia ficar com vocês. Aí ela
perguntou que família era essa e eu contei.
— Jesus, como ela reagiu?
— Ficou espantada, me olhando sem falar nada um tempão. Depois
concordou com a cabeça e saiu da minha sala sem falar mais nada.
— Como você se sentiu?
— Ah, amor... Desde que nasci, passei por anos todas as datas com ela,
mas ela jamais pareceu me enxergar ali de fato. Me mostrava sempre que eu
ali era um verdadeiro tanto faz. Então agora eu tenho minha família, onde
sou amado e querido e é com vocês que irei passar.
Sorri e mandei um beijinho com gostinho de batata frita.
— Hoje falei com a diretora da escola que te falei. Após 10 de janeiro,
a secretaria já receberá visitas e você e sua mãe podem ir lá conhecer a
escola.
— Então vamos sim. Mas olha, eu vou comprar o material da Ju e os
livros.
— Ok, senhor mandão. Eu fico só com a mensalidade. — Rimos os
dois juntos.
Tivemos uma boa conversa e combinamos que não era porque ele era
cheio do dinheiro que ia bancar tudo. Eu não queria deixar de trabalhar e
queria cuidar das minhas meninas também. Até as despesas da casa a gente
ia dividir. Essa parte deu trabalho de convencer, mas no fim eu soube
argumentar melhor. Tinha um CEO para me ensinar.
Caique só bateu o pé mesmo de que queria que eu realizasse meus
sonhos, que eu fizesse minha faculdade, o que eu quisesse. E ainda disse
que eu ia mudar de cargo na empresa, mas fez mistério.

— Enfim chegou o dia que eu mais esperava — Caique falou e eu


sorri.
Estava em cima dele, cansado e feliz. Já era de madrugada, tínhamos
feito amor e aquela preguiça gostosa já me embalava. Minha mãe e Juliana
já tinham ido dormir há horas e nos dois ficamos aqui em nosso nisso de
amor.
— Agora você tem a gente.
— Agora estou ainda mais completo.
Olhei para o meu amor e o brilho dos seus olhos denunciavam para
quem quisesse a felicidade que ele estava sentindo.
— O senhor Armindo, onde estiver, deve estar muito feliz e satisfeito.
— Ele pode ficar mesmo. A família dele agora é minha também e
prometo cuidar de todos com muito amor.
Beijei seus lábios e fiquei com nossas testas unidas e de olhos
fechados.
— Confesso que tenho frio na barriga quando penso em tudo que
estamos construindo, mas jamais fui tão feliz e quero muito ficar com você.
Caique segurou meu rosto e me fez encarar seus olhos tão azuis.
— Jamais conheci a felicidade que estou sentindo e você é o
responsável por tudo isso. Eu te amo, Fernando. Obrigado por me ensinar o
que é amar de verdade e principalmente por me ensinar a me amar. Você me
mostrou tantas coisas e possibilidades, que vou levar tudo para o resto da
minha vida. Tenho um longo caminho, não nego, mas com você ao meu
lado eu atravesso um continente inteiro. O amor que sinto por você é minha
força.

Não imaginava tudo que aconteceria na minha vida quando atendi o


telefonema da Flávia me chamando para uma entrevista de emprego há
meses. Não imaginava conhecer um chefe que era diferente de todos. Não
imaginava conhecer um ser humano tão encantador, tão especial. Mas
principalmente, não imaginava que me apaixonaria perdidamente e que
minha vida mudaria de um dia para o outro.
Caique me ensinou muito mais do que apenas amar. Ele me ensinou
como devemos ser com o próximo, como devemos ser empáticos e nos
preocupar com o bem-estar das pessoas. As do nosso ciclo pessoal e as que
não fazem parte. Que ser humano é praticar o bem, é ter amor no coração
mesmo quando levamos algumas pauladas da vida.
Hoje percebo que o meu encantamento na entrevista foi porque ali eu
já reconhecia o amor da minha vida, só não sabia ainda. Mas hoje, ele
estava em meus braços e jamais o deixaria sair.

Quando Fernando dormiu ao meu lado, eu o observei. Olhei cada traço


do rosto do homem que eu amava. Enfim, eu realizava meu sonho e tinha
alguém ao meu lado para viver todos os momentos bons e ruins que a vida
me desse. Fernando me defenderia como um leão.
Depois de um tempo, saí da cama e fui em direção ao corredor. O
quarto de dona Kátia estava fechado indicando que ela dormia. Passei no da
Ju e abri a porta que já estava entreaberta. A pequena dormia rodeada de
umas cinco Barbies. Sorri, observando seu sono tranquilo.
Fui até a sala, iluminada apenas pela luz da lua linda que brilhava no
céu desta noite quente de dezembro. As persianas ficaram abertas. Dona
Kátia amava olhar o céu daqui de cima. Vi um ursinho no sofá, um par de
chinelos pequenos ali perto e na mesinha de centro os óculos de grau da
minha sogra que ela usou quando a ensinei a mexer no Instagram após o
jantar. Eram partes das memórias que eu ia construindo a partir de agora.
Da minha família.
Tive que enxugar meus olhos. Estava muito emotivo por tudo que
estava vivendo. Não ficaria mais aqui sozinho, minha casa estava sendo
preenchida pelas pessoas que eu amava.
Durante muito tempo imaginar algo assim parecia um sonho distante,
que jamais realizaria, mas Fernando entrou na minha sala no dia 30 de
junho para me ajudar a reescrever minha história.
Peguei meu celular que havia trazido comigo e mandei duas
mensagens: uma pelo direct do Instagram e outra pelo WhatsApp.
Uma foi para o João Miguel:
“Eu perdoo você. Viva sua vida sem esse peso, porque estou
vivendo a minha extremamente feliz. Boa sorte com tudo.”

E a outra para minha mãe:


Caique: “Eu perdoo a senhora. Amor, a gente dá quando pode e
entendo que a mim você não pôde. Estou recebendo muito amor e
espero de coração que ele também preencha sua vida. Seja por seus
outros filhos, por amigos, de qualquer forma. Vale muito a pena, saiba
disso.”

Me senti tão leve, que nem sabia explicar. Perdoar fazia parte e se em
algum momento eu não fiz isso com essas pessoas, era porque não estava
pronto. Agora, eu só queria seguir em frente e ser feliz só com sentimentos
bons dentro de mim.
Um dia falaria para o Matheus também, agora ele estava sem o celular,
mas eu já tinha o perdoado há um tempo.
Deixei o celular na mesa da sala e voltei para os braços do amor da
minha vida, o lugar que eu queria ficar até quando Deus me permitisse. Ele
havia me dado uma segunda chance quando me deixou vivo naquele
acidente e agora eu iria começar a aproveitar de verdade.
— Amor, onde você estava?
— Apenas fui na sala.
— Fazer o que? — Fernando perguntou, já se embolando em mim de
novo e de olhos fechados.
— Me libertar de uma vez por todas. — Beijei sua cabeça. — Dorme,
estou aqui com você e sempre estarei.

A festa de confraternização do final do ano.

Realmente Caique caprichou desta vez. As festas da AGM sempre


eram ótimas, mas esta eu sabia que tinha um toque todo especial para ele.
Meu amigo estava irradiando felicidade por causa de sua família recém-
formada e eu amava vê-lo assim. Tão bem e disposto.
Todos os funcionários estavam muito bonitos e elegantes. Os que
foram efetivados no Jovem Aprendiz estavam eufóricos pela primeira festa
que participavam. Cumprimentei muitas pessoas, conhecia a todos, mesmo
que alguns mais de vista, afinal a empresa era grande.
Já tinha saboreado alguns petiscos deliciosos e bebia o meu
champanhe quando vi Flávia, a nossa secretária, acompanhada de
Guilherme, secretário agora do Aurélio.
O baixinho estava lindo em uma calça cinza e uma camisa social rosa,
dobrada daquela forma charmosa nos braços. Depois que ele me falou no
refeitório, há um tempo, que havia escutado minha conversa informal com
Fernando, me senti mal pelo que havia dito. Era o que eu pensava, mas
claro, ele não precisava saber.
Depois disso, nossa relação realmente ficou restritamente profissional.
Ele me tratava com educação e eu a ele. Digo isso porque até com a prima
dele eu brincava, mas ele realmente não me dava mais nenhuma abertura.
Odiava o “senhor Saulo” na sua boca.
Fiquei feliz do Caique ter o efetivado. Nem cheguei a falar nada, meu
amigo já tinha isso no pensamento.
Meus olhos saíram dele para outros conhecidos e nessa hora vi Caique
e Fernando chegarem juntos. Fê estava um espetáculo também com uma
roupa social e Caique, deslumbrante. Ele sempre foi lindo demais.
Os olhos de todos foram para eles e meu amigo foi aplaudido pelos
funcionários.  Eles logo me viram e enquanto Caique falava com outras
pessoas, Fernando veio até mim.
— Tá gostoso, hein? — Mexi com ele e Fernando deu uma voltinha
todo se sentindo. — Peraí, que coisa reluzente é essa no seu dedo? —
Peguei a mão dele e o metido sorriu todo exibido.
— Meu amor me deu hoje, antes de virmos. Disse que era um anel de
compromisso já que estávamos casados.
— Você sabe que ele vai oficializar isso, não sabe?
— Desconfio. — Fernando sorriu.
Olhei em volta e meus olhos caíram em Guilherme de novo, que agora
ria com sua prima e mais dois funcionários.
— Vocês vão ficar até quando cheios de dedos um com outro?
— Ele ouviu nossa conversa de um tempo atrás.
— Minha e sua?
— Isso. Onde falei pra você que o achava bonito, mas parava por aí.
Que eu não me envolvia com ninguém da empresa e que ele não tinha
experiência pra mim. Que eu não ia pegar criança pra criar.
— Porra, Saulo. E você só me fala isso agora? Que vergonha!
— Mas pra você não houve problema nenhum e sim com minha fala.
Ele ficou bem magoado e disse que já que o achava uma criança, nem
amigos podíamos ser, afinal, o que eu ia conversar com uma criança?
— É, deu ruim amigo.
— Deixa pra lá. Só não queria esse clima chato. Mas...
A festa foi transcorrendo de boa e logo Branca chegou muito bonita.
Ela veio para perto de onde eu estava junto com o Caique e o Fernando.
Estava se sentindo deslocada sem o Matheus, essa era a verdade. Nos
cumprimentou com educação e ficou ali parada.
Olhei para Fernando e segurei o riso. Ele me cutucou com um beliscão
e eu preferi sair de perto. Foi nessa hora que vi o Diogo, advogado que
estava cuidando do caso do Matheus.
— O Diogo foi convidado? — perguntei a Branca.
— Eu o convidei. Ele tem cuidado bem do caso do meu filho e achei
justo ele participar.
— Ah sim.
Saí andando e tirei meus olhos rapidamente de Diogo para pegar outra
bebida com o garçom. Quando me virei, vi Guilherme saindo do banheiro
no canto e quando ele olhou pra frente, deu de cara com Diogo.
O susto que ele levou foi enorme, então me perguntei se os dois já se
conheciam. Rapidamente ele passou pelo advogado, que se virou olhando
ele sair quase correndo e parecia atordoado.
Só que não parou aí, Diogo o alcançou e pegou Guilherme pelo braço
de forma brusca e eu já fiquei alerta e comecei a andar até eles. Tinha tanta
gente na minha frente, que me vi quase empurrando as pessoas para
entender o que estava acontecendo.
Diogo arrastou Guilherme para atrás de uma parede que ia dar na pista
de dança e quando os dois sumiram do meu campo de visão, andei mais
rápido sentindo aflição.
Assim que virei para onde eles tinham ido, vi os dois discutindo ao
fundo, que era até meio escuro, e Guilherme encurralado no canto, com dois
olhos enormes e chorando. Mas foi o tapa que Diogo deu no rosto dele que
me fez chegar feito um bicho naquele desgraçado.
Quando o puxei pela camisa, ele se virou assustado e dei um soco tão
forte nele que o derrubei.
— O que você pensa que está fazendo, seu filho da puta? — falei cheio
de ódio.
Não satisfeito, o peguei pela camisa e o levantei do chão para dar outro
soco nele, que desta vez caiu mais distante de nós.
— Porra, Saulo!! Que merda! Não se mete em assunto que não é seu.
— É meu assunto, sim! Quem te deu o direito de bater nele desta
forma? Não vê o estado que ele está, seu covarde?
— Esse filho da puta merece cada tapa que eu der nele. Eu avisei que
ele não ia se ver livre de mim e me denunciou!
— Acho bom você sair dessa festa agora ou chamo a polícia e você sai
algemado daqui. Tua mulher sabe que você anda batendo nas pessoas? —
Os olhos dele se arregalaram. — Pelo visto não. SOME DAQUI!! Mas já
aviso que isso não vai ficar assim. — Eu não tinha como resolver a questão
daquele verme no momento. Cada vez que eu olhava para Guilherme
amedrontado e chorando, eu só pensava em cuidar dele e tirá-lo daqui.
— Você me paga, Saulo.
— Isso, ameaça. Vou caçar você no inferno, seu covarde de merda.
Observei Diogo sair enxugando o sangue da boca e fui até a entrada de
onde estávamos e vi quando ele passou por Branca no caminho e saiu da
festa.
Voltei para onde Guilherme estava e o coitado parecia grudado na
parede. Sua cabeça estava baixa e quando toquei nele, levou um susto e
tentou proteger o rosto.
— Calma, Guilherme. Sou eu. Calma. Vem cá.
Ele estava um pouco irredutível, mas o puxei mesmo assim e o
abracei. Só quando teve certeza de que estava seguro foi que correspondeu
o meu abraço e me abraçou pela cintura. Seu choro era sofrido e eu beijei o
topo de sua cabeça.
— Saulo! O que está acontecendo? — Branca veio para perto de nós e
olhou para Guilherme chorando em meus braços. — O que houve com ele?
O Diogo saiu daqui transtornado e nem me deu atenção quando o chamei.
— Branca, eu cheguei aqui e ele estava agredindo o Guilherme.
— O que?  Mas por quê?
— Não sei, só entendi que há uma denúncia do Guilherme contra ele e
o Diogo está puto por isso. Ele não tem condições nenhuma de falar agora,
Branca. Vou tirá-lo daqui. Avise ao Caique que tive que ir e que depois falo
com ele. Para não ficar preocupado.
— Tudo bem, eu aviso.
Branca saiu de perto de nós e eu continuei ali com Guilherme. Nunca
tinha visto uma pessoa tremer tanto.
— Guilherme, vamos sair daqui.
— Não, eu tenho medo.
— Não tenha medo. Você está comigo e aquele infeliz já foi embora.
Vem, vamos sair que vou chamar um Uber pra gente. Não vim de carro.
— Para onde você vai me levar? — ele falava entre soluços e aquilo
estava me matando. Parecia até que o Guilherme tinha diminuído de
tamanho. Parecia realmente agora uma criança indefesa.
— Vamos pra minha casa que é aqui pertinho. Você precisa se
recompor e me dizer o que está acontecendo. O que esse infeliz fez é muito
sério e não vou deixar barato.
Consegui sair com Guilherme pelos fundos da casa de festas e logo
estávamos em um Uber indo pra minha casa. Ele ainda não tinha me
soltado, me sentia uma ancora para ele.
Ainda no carro, mandei mensagem para sua prima de que ele estava
comigo e para onde estávamos indo. Que assim que eu chegasse em casa eu
ligar para ela e conversar melhor.
Flávia respondeu quase que imediato e ficou sem entender. Falei que
na ligação iria explicar melhor. Assim que abri a porta da minha casa,
Guilherme olhou desconfiado, ainda agarrado a minha camisa. Depois ele
olhou pra mim, pela primeira vez desde que saímos da casa de festas.
Seu rosto estava muito vermelho de um lado e banhado de lágrimas.
— Fica calmo. Só estamos nós dois aqui. Você está seguro.
Entramos devagar e só aí Guilherme me soltou. Ele olhou em volta,
mas ainda tinha os braços em volta do próprio corpo.
— Estou com tanta dor de cabeça — ele reclamou e abaixei as luzes da
sala.
— Assim fica melhor. Quando estou com dor de cabeça, as deixo
assim. Vou pegar um remédio pra você.
Fui na minha cozinha e peguei no armário minha caixa de remédios.
Voltei para sala com um copo de água também.
— Senta, Guilherme. Fica à vontade.
Só aí ele foi para o sofá e se sentou para receber o remédio e a água.
Me sentei na sua frente, mas na mesa de centro. Observei enquanto ele
tomava o comprimido e ele ficou segurando o copo de água, mas de cabeça
baixa.
— Não vou ser invasivo com sua vida. Não estou aqui pra isso.
Apenas te defendi e te tirei da festa para que você pudesse se acalmar. Você
está em minha casa para isso. É um gesto de carinho meu para com você,
mas o que eu vi não ficará impune, saiba disso.
Guilherme me olhou e graças a Deus ele não chorava mais.
— Vou pegar um gelo pro seu rosto.
Quando ameacei me levantar, ele segurou meu pulso e eu me sentei
novamente.
— Não precisa.
— Claro que precisa. Está bem vermelho onde ele bateu.
— Dói mais por dentro do que por fora. — Ele respirou fundo. —
Minha prima, Saulo. Eu saí de lá sem avisar nada.
— Ela sabe que você está comigo. Mandei uma mensagem na viagem
de carro pra cá.
— Você mencionou o que aconteceu?
— Não. Só disse que você estava comigo e que depois explicava
melhor. Ela não sabe do Diogo?
— Sabe e o odeia. Só consegui denunciar ele por causa dela. O que
aquele homem fazia na festa? Ele trabalha na empresa? Se sim, terei que ir
embora.
— Não. Ele é um advogado que contatei para pegar o caso do
Matheus. Não pertence à empresa. Eu só não sabia de nada disso.
— Não tinha como você saber. Mas fico mais tranquilo dele não
trabalhar lá. Será que dona Branca vai me demitir?
— Não, fica tranquilo. Quer comer alguma coisa?
— No momento não. Preciso que a dor de cabeça passe.
— Faz o seguinte, olha.
Me levantei e ajeitei as almofadas do sofá. Se tinha uma coisa
confortável em minha casa era meu sofá.
— Deita aqui um pouco e descansa. Logo ela vai passar. Vou no
escritório rapidinho enquanto isso.
Guilherme tirou os sapatos e reparei que até pés pequenos ele tinha.
Amava pés pequenos. Um fetiche, eu confesso. Ele se deitou e até suspirou.
Deixei-o à vontade e fui para o meu escritório para ligar para Flávia. 
Ela atendeu no primeiro toque.
— Saulo! O que aconteceu?
— Flávia, o nome Diogo Magalhães te diz algo?
— O que esse filho da puta tem a ver com a história? — Era a primeira
vez que via Flávia exaltada. O negócio era bem sério.
— Ele estava na festa como convidado da Branca. Ele é o advogado
que está cuidando do caso do Matheus.
— Meu Deus, eu não acredito nisso! Ele chegou perto do Guilherme?
Conseguiu falar com ele?
— Chegou perto, o amedrontou e ainda deu um tapa do rosto dele.
— Jesus Cristo. Saulo, como ele está? Guilherme tem pavor desse
homem.
— Deu pra perceber. Nunca vi alguém tremer tanto. Por isso eu o
retirei da festa e o trouxe aqui pra casa. Ele precisava se acalmar e no meio
desse barulho e tanta gente, não ia conseguir. Ele mencionou que você o
denunciou. Flávia, eu preciso saber da história. Eu dei dois socos no infeliz
e não vou deixar isso barato. O que esse homem fez? — Ouvi um suspiro
da Flávia e pela música estar longe, ela devia ter se afastado das pessoas
para me atender. Depois da minha pergunta, ela foi para outro lugar ainda
mais calmo e vi que precisava de privacidade para falar.
— Saulo, não conte ao Guilherme que você já sabe. Deixe que ele fale
se quiser, mas vou adiantar tudo. Esse infeliz teve um relacionamento com
o Guilherme quando ele tinha 19 anos e ele, 28. Durou dois anos, mas
foram anos de muito sofrimento para o meu primo. Esse covarde o usou de
todas as formas: bateu nele, o humilhou, estuprou e quase fazia o
Guilherme viver em cárcere privado. Meu primo tinha pavor e não
conseguia se livrar dele e nem o denunciar. Ele escondia de mim as
agressões por medo do Diogo fazer algo comigo. Em resumo, eu descobri,
retirei o Guilherme da casa onde eles viviam e o levei direto pra delegacia.
Eu já até tinha me sentado, pois minhas pernas viraram gelatina com
tudo que Flávia me contava.
— Então eles moraram juntos?
— No começo não, mas esse sujeito tem lábia e sabe aquele lance de
dormir às vezes na casa do namorado? Então, Guilherme foi ficando e
quando ficou de vez, as torturas começaram. A minha pergunta é? Como
um sujeito desse ainda consegue ser advogado?
— Nosso país é uma merda, minha querida. Cheio de corruptos. Ele
deve ter costas quentes. Alguém que abafa essas coisas dele.
— Existe uma medida protetiva para que ele não se aproxime do
Guilherme.
— Que ele desrespeitou. Ótimo saber disso. Esse merda hoje é casado
e tem filhos!!
— Pois é, eu sei disso. Um dia eu vi e contei ao Guilherme.
— Fique tranquila que seu primo está bem. — Me levantei e fui até a
porta espiá-lo. — Apagou no meu sofá depois do remédio que dei a ele por
causa da dor de cabeça que sentia.
— Ele sempre dorme depois que toma remédio pra dor de cabeça.
— Vou deixá-lo dormir aqui, ok? Não vou acordá-lo. Vocês iriam pra
longe depois da festa? Vocês moram no Grajaú.
— Não. Íamos dormir na casa de uma amiga minha aqui perto.
— Então durma você lá e ele fica aqui. Amanhã eu o levo até você ou
você vem aqui. Me deixa o endereço da sua amiga na mensagem e eu deixo
o meu e amanhã decidimos. Por hoje, quero ele aqui. — Eu mesmo me
surpreendi com meu tom e acho que Flávia também.
— Obrigado por tudo que você fez por ele, Saulo. Não sei nem como
te agradecer. Desculpe falar, mas... observo vocês na empresa e sinto um
certo afastamento, um receio, sei lá.
— Culpa minha. Falei besteira e Guilherme ficou achando que nem
meu amigo ele podia ser. Por isso brinco com todos menos com ele, mas
isso vai mudar.
— Meu primo já sofreu muito, Saulo. Ele mora comigo desde os 18
anos. Seus pais são uns intolerantes e sempre o menosprezaram por ele ser
quem é. Ele tem uma irmã e eles ainda a usavam para fazer o Guilherme se
sentir pior. Tem um ano que não fala mais com eles. A relação já ficou
péssima quando ele saiu de casa e foi se deteriorando mais e mais até não
existir.
— Tinha que ter parado de falar no momento que saiu. Um ano é
pouco para o que fizeram ele sofrer.
— Pois é. Mas Guilherme sempre ligava, ia ver minha tia, mas era
sempre maltratado quando ia lá. Aí durante o relacionamento com Diogo
ele deu uma sumida da casa deles e quando ficou livre e foi procurar de
novo, eles o desprezaram ainda mais e tudo acabou.
— Ele tem você. É o que importa. Esse lance de não aceitar a
orientação sexual do filho é uma merda.
— Pelo visto você também não tem com os seus. Estou certa?
— Sim. Não falo com eles tem alguns meses. Nunca me aceitaram por
eu ser bi.
— Tudo isso é uma merda mesmo.
— Aproveite sua noite, você merece. Trabalhou muito este ano. Ele
está em um sono profundo e acho que só acorda amanhã.
— Mais uma vez obrigada por tudo.
Depois que me despedi da Flávia, fui para a sala novamente e com
meu celular, fotografei o rosto vermelho do Guilherme. Queria provas, ia
ferrar com a vida daquele idiota.
Mais tarde Caique me ligou, pois Branca contou como saí com
Guilherme e o lance do Diogo. Falei tudo pra ele e Caique disse que me
ajudaria no que eu precisasse para fazer justiça. Na segunda-feira ele já iria
ser destituído do cargo de advogado do Matheus.
Quando enfim desliguei o telefone, estava exausto. Ainda estava com a
roupa da festa, então tirei meu blazer, abri minha camisa e tirei os sapatos,
me jogando no sofá que ficava em frente ao que o Guilherme estava. Fiquei
preocupado de subir e ele acordar no meio da noite perdido, sem saber onde
estava.
Apaguei, enquanto olhava para o rosto dele...

Acordei no sobressalto e me sentei. Meu peito subia e descia


violentamente. Estava até suando. Passei a mão nos meus cabelos jogando
tudo para trás.
Olhei em volta e reparei na casa extremamente linda que eu estava.
Enorme, e toda branca. Móveis, cortinas, tudo era claro por aqui. Transmitia
paz. No sofá na minha frente, vi um blazer preto e sapatos no chão. Eram de
Saulo, eu estava na casa dele.
Dormi na mesma hora que me deitei neste sofá macio e minha cabeça
já não doía. O medo havia passado também. Respirei fundo e não sabia por
onde começar a procurar meu salvador.
Então ouvi um barulho vindo de um corredor que tinha ao lado de uma
porta bonita que eu imagina ser um escritório. Me levantei e fui até lá e o
ruído só aumentava.
Quando cheguei pertinho, e espiei dentro do cômodo que eu descobria
ser a cozinha, encontrei Saulo, descalço, com sua calça social, a camisa por
fora da calça, bagunçada e aberta até o meio do seu peito. Pela primeira vez
o via descabelado. Tenho que confessar: era a imagem do pecado.
— Bom dia — falei assim que tomei coragem e parei na entrada da
cozinha.
Saulo me olhou com um leve susto, estava distraído arrumando pães
de queijo em uma cesta.
— Bom dia, dorminhoco. Fiz pão de queijo pra gente. Espero que
goste. — Sorri e entrei mais na cozinha.
— Gosto sim. Está cheiroso. Não sabia que cozinhava.
— Não cozinho muito bem, eles vieram prontos no saquinho, só assei.
— Seu sorriso foi lindo e me vi acompanhando. Logo sua expressão ficou
séria. — Como você está?
— Estou bem. Apaguei completamente. Você ligou para Flávia?
— Liguei sim e avisei que você ficaria aqui. Você estava dormindo
bem e não ia te acordar. Vem, senta aqui. Já passei café também.
Me sentei no banco da linda bancada de mármore preto, o que me
surpreendeu devido a tudo ser branco por aqui.
— Sua casa é linda. Você gosta de branco. — Saulo riu de forma
gostosa.
— Meus pais só gostavam de móveis escuros, marrons, cinza e preto.
Ficava sufocado. Quando tive enfim o meu canto, espalhei branco por todos
os lados. Mas tem preto também. Aqui na cozinha, no escritório e na área
externa. Na sala eu quis que o branco predominasse. O meu quarto e os de
hospedes é creme. Eu amo cores escuras, mas misturadas, entende?
— Dá um ar de elegância.
— Exatamente.
Comecei a comer os pães de queijo com café puro e que estava muito
gostoso. Estava faminto, mas tentava manter a classe. Saulo comia junto
comigo e sentia que me observava.
— Primeira vez que te vejo desalinhado — falei e bebi meu café
sorrindo.
— Pois é, estou todo largado aqui. Está até me vendo descabelado. —
Sorrimos um para o outro.
Ficou um silêncio reconfortante entre nós durante um tempo, até ele
quebrar o silêncio.
— Guilherme, quero te dizer duas coisas.
Olhei para ele e lá estava o advogado sério novamente, mas
incrivelmente charmoso desalinhado.
— Primeiro: me desculpe pelas minhas falas idiotas. Não devia ter dito
que você era uma criança pra criar. Não tenho esse direito uma vez que não
te conheço o suficiente. Eu te julguei e isso não é certo. Tem tanta gente
nova que tem uma cabeça do caramba e um bando de burro velho que não
passam de um bando de idiotas. — Sorri com a comparação. — E segundo:
eu vou atrás do Diogo e vou ferrar aquele idiota. — Engoli em seco. Seu
semblante chegou a me dar medo. — Ele não é mais o advogado do
Matheus. Segunda, saberá que foi retirado do caso. E irei denunciá-lo na
polícia. Existe uma medida protetiva contra ele e o infeliz desrespeitou.
— Como você sabe disso? Minha prima te contou?
— Contou, mas só me disse isso, fique tranquilo.
Saulo voltou a comer seu café e fiquei tocado por sua sinceridade. Ele
não era uma pessoa ruim, pelo contrário. Era dedicado e honesto em seu
trabalho, amoroso e cuidadoso com seu melhor amigo, se dava bem com
todos e era bem sincero nas palavras.
Fiquei olhando para o meu café um tempão tomando coragem.
— O Diogo me bateu e me estuprou por dois anos — falei de cabeça
baixa.  — Sofri tudo que podia em nosso relacionamento. Cheguei a morar
com ele e foi a pior época da minha vida. Tinha apenas 19 anos.
— Por isso a medida.
— Sim. Flávia me salvou das garras dele e tentei refazer minha vida.
— Olhei para Saulo. — Como ele casou e formou sua família, achei que
tinha me esquecido finalmente, mas ontem, ele me mostrou o quanto me
odeia e sentir um tapa por parte dele novamente no meu rosto, me trouxe
todas as lembranças amargas de volta. — Não consegui evitar meus olhos
cheios de lágrimas e Saulo veio até mim e me abraçou.
Como eu estava no banco e ele era alto, Saulo ficou entre minhas
pernas e meu rosto quase na altura do seu pescoço conforme o abracei.
Chorei novamente e senti seu carinho em minhas costas e meus cabelos.
— Não fique assim. Ele nunca mais vai te bater novamente. Nunca
mais. — Senti raiva no tom da sua voz e o abracei mais. Ele era muito
cheiroso e quentinho.
— Preciso te contar outra coisa — falei abafado.
— Fique à vontade se não quiser. Não estou te obrigando a nada. Só
quero que saiba mesmo que pode contar comigo, ok?
— Eu sei. — Funguei em seu peito e sorri entre lágrimas. Detalhe, eu
estava em seu peito mesmo, pois sua camisa estava aberta. — Aliás, prefiro
te mostrar uma coisa sobre mim.
Me desvencilhei de seu abraço e Saulo se afastou um pouco me
olhando. Quando comecei a desabotoar minha camisa, ele questionou.
— O que está fazendo, Guilherme?
— Quero te mostrar. Quero me apresentar a você. — Sua testa ficou
franzida durante todo o tempo que fui desabotoando a camisa. Fiz isso
encarando seus olhos. Por isso o vi piscar e arregalar os olhos levemente
quando acabei de abrir minha roupa.
Quando seu olhar encontrou o meu, vi surpresa em seus olhos.
— Você é um homem trans.
— Sou. Algum problema com isso? — Ele sacudiu a cabeça negando,
antes mesmo de me responder.
— Nenhum problema. Por que você acha que eu teria?
— Não sei. Foi mais curiosidade mesmo.
— Por que decidiu me mostrar? E não falar?
— Porque senti muita confiança em você e achei que mostrando, me
expondo pra você, te daria uma prova dela. — Seu olhar me transmitiu
carinho e ele se aproximou.
— Tenho amigos trans e agora tenho mais um — ele disse, fazendo
carinho em meu rosto. Precisei disfarçar o quanto fiquei mexido com isso.
— Sim, você tem.
— Flávia que te ajudou com as questões da cirurgia?
— Sim. Ela me ajudou com todo o processo. O antes, que inclui
terapia e a cirurgia em si. Me ajudou a ver tudo e segurou minha mão
quando mais precisei.
— Você toma a medicação direitinho?
— Sim, desde o início. Desde que me entendi de verdade. Não foi fácil
passar por isso sem o apoio dos meus pais, mas eu tinha a Flávia e ela foi
como uma irmã pra mim.
— Graças a Deus você a tem em sua vida. Obrigado por confiar em
mim sobre tudo que me contou e expôs.
Voltamos ao nosso café e conversamos amenidades. Minha prima me
ligou e combinamos que Saulo ia me levar na casa de sua amiga onde ela
havia passado a noite.
Após o café, Saulo me pediu que ficasse à vontade e que eu podia ir
aonde quisesse, que ele ia subir e tomar um banho para trocar de roupa.
Andei por sua sala linda, olhei a área externa magnífica, com uma piscina
enorme e churrasqueira.
Passei um olho em seu escritório e confesso que estava sendo bem
gostoso conhecer um pouco da sua intimidade. Depois subi a escada linda
que fazia uma curva e nem tinha corrimão. Um luxo.
No segundo andar, a elegância da casa continuava e passei por um
longo corredor com algumas portas. Fiquei distraído, olhando os quadros
que estavam pendurados nas paredes, inclusive um cheio de fotos
particulares dele. Vi o senhor Caique antes do seu acidente, em pé, ao lado
de Saulo em um lugar bonito e sorri.
Depois continuei andando, meio no mundo da lua, ainda tocado pela
nossa conversa e em como eu me sentia em paz depois dela. Mas foi por
causa da minha distração que acabei cometendo uma gafe: passei em frente
ao seu quarto sem saber e ele estava completamente nu, vindo do seu
banheiro particular e enxugava os cabelos com uma toalha. Travei na hora
sentindo minhas bochechas esquentarem. Ele também parou e ficou me
olhando. Nem parecia que estava pelado tamanha a sua calma.
— Me desculpe — consegui falar depois de lembrar de como se fazia
isso. Não consegui evitar que meus olhos percorressem seu corpo. Ele
sorriu de lado todo sedutor.
— Esqueci que estava acompanhado. O costume de estar sempre
sozinho, então não fecho a porta do quarto ao tomar banho. Eu que peço
desculpas — ele disse e se virou indo pegar a cueca na cama. Eu continuava
ali, admirando tudo que estava na minha frente.
— Você está em sua casa, eu que fui intrometido.
— Me lembro de dizer que você poderia explorar por aí — Saulo
respondeu colocando a cueca e vi todo seu movimento de se ajeitar dentro
dela. Estava tomando cuidado para não ficar de boca aberta.
Cocei a cabeça e avisei que ia esperar lá embaixo. Saí quase correndo
dali e desci a escadas ofegante. Quando me sentei no sofá, precisei respirar
fundo e sabia que aquela imagem dele, de como tinha vindo ao mundo, não
me abandonaria durante muito tempo.
Quando Saulo surgiu na minha frente novamente, estava de bermuda
jeans, tênis, e uma camisa polo vermelha. Deus, por que ele precisava ser
tão lindo?
— Agora estou pronto e devidamente vestido. — Sorri envergonhado.
— Desculpa, Saulo. — Me levantei e ficamos perto um do outro. —
Que constrangedor. Eu fiquei distraído e fui andando sem perceber de fato
aonde ia e invadi sua... — Fui calado com um dedo que veio até meus
lábios.
— Já falei que não foi nenhum problema. Você só me viu pelado, ora,
nada demais. — O mesmo dedo que me calou, agora contornava meus
lábios. — Todo mundo veio ao mundo pelado. Bom, preciso te levar para
sua prima, meio contragosto, mas preciso.
Sua fala me deixou confuso e o observei se afastando e pegando na
mesa de centro sua carteira, chaves e celular. Só quando Saulo chegou na
porta e me olhou de novo, esperando que eu fosse ao seu encontro, que
forcei minhas pernas a se movimentarem.
Fomos em seu carro até a casa da amiga da minha prima e não era
muito distante, era perto do local onde foi realizada a festa de
confraternização. Ainda estava com sua última frase na cabeça e o olhava
dirigindo, todo gostoso e agora de óculos escuros.
Quando chegamos em frente ao prédio da menina, tenho que confessar
que fiquei triste em me separar dele e me achei um idiota por isso.
— Chegamos — ele disse e tirou os óculos de sol. — Vou ter que te
devolver para sua prima. — Lá estava a frase que eu não esperava de novo.
— Pois é. Já te dei muito trabalho. Agora será sua folga de verdade.
Soltei meu cinto e antes de abrir a porta, olhei para ele novamente.
— Obrigado por tudo, de verdade. Não sei o que pretende fazer de
fato, mas tome cuidado com aquele homem, por favor. Não quero que ele te
prejudique em nada.
— Ele não vai me prejudicar, eu que vou acabar com aquele verme.
Parecia loucura, mas cada vez que Saulo falava algo que ia fazer com
Diogo para me defender, eu sentia tesão por ele.
— Obrigado mesmo. Preciso ir.
Quando fui abrir a porta do carro, Saulo segurou meu braço e olhei
para ele novamente.
— Guilherme, eu...
— Você foi incrível comigo. E está tudo bem entre nós, ok?
Aproveitando uma coragem momentânea, me aproximei dele e deixei
um beijo em seu rosto. Só que fiquei tempo demais tão perto e quando
encarei seus olhos novamente, Saulo capturou meus lábios em um beijo que
eu não esperava.
Nossas bocas ficaram grudadas e ambos com os olhos fechados.
Quando ele se afastou, chegou a fazer um barulho gostoso de nossas bocas
se separando. Nem foi um beijo de língua, mas ele teve um jeito tão gostoso
que tive vontade suspirar.
— Desculpe se fui invasivo, mas não é de hoje que tenho vontade de
experimentar sua boca.
— Confesso que eu também sempre tive. — Não consegui esconder.
Ficamos nos olhando e decidi sair antes que entregasse mais coisas,
como minha vontade de pular em seu colo.
— Guilherme — ele me chamou quando eu já estava do lado de fora e
ia fechar a porta.
— Oi.
— Eu não sou um príncipe encantado, quero deixar bem claro. Estou
mais para um sapo pervertido. — Sorri de lado.
— Nem sempre a gente quer um doce. Coisas apimentadas também
são deliciosas. — Pisquei pra ele e bati a porta indo para o prédio.
Eu sabia a verdade por trás do seu aviso. Saulo não falava apenas
sobre sexo. Ele não era um homem para o qual devíamos entregar o nosso
coração. Ele deixou isso bem claro desde que o conheci. Esse beijo foi
apenas um reflexo de uma atração que surgiu desde o início, não havia
sentimentos nele.
Eu precisava continuar tomando cuidado com ele e com o que me fazia
sentir, mas ia pensar muito sobre a possibilidade de experimentar todo o
fogo que ele causava em mim. Só esperava não me queimar gravemente.
Epílogo
Seis meses depois...

— Tchau, Fernando!
— Até mais, Alice.
Me despedia de uma menina da minha sala na faculdade. Finalmente
estava fazendo minha tão sonhada faculdade de Designer Gráfico. Estava
adorando o curso e conhecendo um monte de gente nova.
Era só mais uma das coisas que meu amor realizava em minha vida.
Havia sido presente do Caique. Eu agora não fazia parte da equipe de
limpeza da AGM, era secretário e futuramente, assim que estivesse
formado, trabalharia com toda a parte de marketing da empresa. Minha mãe
estava eufórica com as mudanças em minha vida.
Robert já me aguardava na porta da faculdade. Caique não abriu mão
disso, mas então insisti que podia ser outro para não fazer com que Robert
fosse pra lá e pra cá, mas aí foi o próprio Robert que não concordou. Ele era
protetor comigo e o meu padrasto oficialmente.
Minha mãe e ele assumiram o relacionamento e tinha tempos que eu
não via dona Kátia tão feliz. Era Deus no céu e minha mãe na terra para o
Robert. E o amor dele por ela, vinha para mim e Ju também. Minha irmã
era louca pelo Robert que fazia todas suas vontades.
Com isso, mamãe e ela só ficaram na minha casa com o Caique por
cinco meses. As duas foram morar com Robert que vivia perto de nós, no
mesmo condomínio, só em blocos diferentes. Foi aí que entendi como ele
conseguia estar sempre perto do meu amor a qualquer hora que fosse.
— Como foi a aula, Nando?
— Foi ótima. Teve umas matérias bem complexas, mas que vou dar
mais uma estudada depois.
Gostava dele me chamando de Nando. Gostava muito do carinho.
Ninguém substituiria meu pai, mas Robert tinha ganhado um espaço
enorme em meu coração. O quartinho da Ju ficou intacto na minha casa
para quando ela fosse pra lá, mas agora tinha outro em sua nova casa, que
novamente Caique fez questão de deixar do jeito que ela gostava.
— O Caique foi ver a Branca?
— Deixei ele lá antes de vir te buscar. É estranho saber que ela está
numa clínica. Uma mulher tão altiva. Mas sei que é tudo por conta do
Matheus.
— Foi barra pra ela acompanhar o julgamento dele e vê-lo condenado.
A sorte foi que o juiz permitiu que ele continuasse na clínica e fazendo
trabalhos comunitários. 
— Mas para uma mãe não é fácil ver seu filho ser condenado, usar
tornozeleira eletrônica e revoltado como ele está. Matheus tem um longo
caminho. Ele não reagiu nada bem também com a perda do seu cargo na
empresa e com a condenação.
— Mas o que ele fez foi errado, tava na cara que iam tirar ele — falei.
— Ele quase comprometeu a imagem da empresa. Não foi um funcionário
qualquer, mas um dos herdeiros, né?
— Realmente.
— Falaram tantas coisas na internet, expondo ele.
— Uma terra perigosa, essa tal internet. — Robert concluiu.
Meu marido tinha ido ver a mãe em uma clínica onde ela estava
internada havia quatro dias. Branca sofreu um colapso nervoso após a
condenação do Matheus e vir aguentando a situação de vê-lo na clínica e
ainda por cima desferindo ódio contra ela. O filho que ela tanto amou agora
a maltratava.
Ela tomou um vidro de remédios inteiro um dia em sua casa e foi
encontrada pela empregada no chão de seu quarto. O telefonema chegou em
nossa casa de madrugada e foi um desespero. Saulo que chegou primeiro lá
por morar no mesmo condomínio e Caique e eu fomos direto no hospital.
Beatriz estava grávida. Tinha reatado com o ex-namorado e ambos se
casaram em outro país em uma cerimônia simples, mas extremamente linda.
Caique acompanhou tudo pela internet, a irmã fez isso especialmente para
ele e a mãe. Ambos não puderam sair do Brasil naquele momento diante da
proximidade do julgamento do Matheus.
E com a gravidez, tanto o Caique quanto o marido de Bia, não acharam
bom que ela ficasse vindo pra cá diante dos fatos que aconteciam. A
imprensa estava igual a um urubu em cima da nossa família e Bia não podia
ficar sofrendo estresse.
Com isso, Branca ficou sozinha. Sua companhia eram os empregados.
Caique não foi mais na casa da mãe, mas por um pedido meu, ele ligava
sempre para saber notícias. Eu sentia que ele queria também, mas tentava se
segurar. Meu amor tinha um coração de ouro.
No fim das contas, Branca Montenegro acabou sem ninguém. Os três
filhos estavam longe dela: um por estar em uma clínica para dependentes
químicos e condenado pela justiça, uma por estar se preservando já que
esperava um bebezinho e o outro porque ela sempre deixou bem claro que
não o amava. Então um dia ele cansou. Era triste, mas tudo foi ela mesma
que procurou.
— Sua mãe fez o bolo de fubá que você pediu.
— Hummm, estava com vontade de comer. Passo lá mais tarde pra
pegar.
— Tá bom.
Resolvi mandar uma mensagem para o meu amor. Ia chegar em casa,
comer algo e ir pra empresa.
Fernando: “ Ca, como está aí com a Branca?”
Caique: “Ela vai precisar de tratamento psicológico e psiquiátrico.
O médico foi taxativo. Ela entrou em depressão. Pelo menos está
concordando com tudo”
Fernando: “Como você está?”
Caique: “Não gosto dessa situação. Nem sei como contar pra Bia.
Vou na casa da Branca agora organizar tudo por lá com os
empregados.”
Fernando: “Não seria melhor uma companhia pra ela?”
Caique: “Vou ver isso também.”
Eu o sentia cabisbaixo com tudo. Caique já havia tomado sua decisão,
não seria mais próximo de Branca. Ela tinha conseguido o que queria no
fim das contas, que o filho se afastasse dela, mas ele não deixava de, por
trás dos panos, cuidar dela de certa forma. Esse era o homem que eu amava.
Robert me deixou em casa e foi ao encontro de Caique. Eu almocei,
tomei um banho e enquanto me arrumava no quarto, me lembrava da nossa
noite de amor de ontem. Tinha sido perfeita.
Me deixei na cama e quase podia sentir sua boca e aquelas mãos
mágicas em mim. Caique estava leve, passando por suas questões mais
delicadas com mais força e isso me fez lembrar da conversa que tive com a
psicóloga dele há um tempo.

— Você, Fernando, é o que motiva ele. Você o fez querer lutar.


Mesmo, se porventura, não ficarem juntos daqui um tempo, você já terá
trazido lições pra vida dele que são inesquecíveis. — Eu já chorava ouvindo
aquilo. — Você motivou a mudança na vida de alguém. Fez essa pessoa não
desistir. Ele já estava à beira disso.
— Eu o amo tanto.
— Eu sei que ama. Posso sentir nas palavras dele quando menciona
momentos de vocês. Seu amor transpassa por ele e chega a quem ele estiver
contado sobre você.

Suspirei pensando em meu amor e desejei ele ali, pertinho de mim.


Estava uma delícia estar morando com ele. Era muita cumplicidade e
reciprocidade nos nossos dias. Um fogo sem fim também, onde mesmo
quando a gente não transava, ficávamos fazendo carinhos íntimos um no
outro. Ele adorava quando eu andava pelado pela casa, mas claro, só pude
fazer isso depois que já estava nós dois novamente sozinhos aqui.
Depois de quase pronto, levei um susto quando o vi entrando no
quarto.
— Amor, você veio pra cá? Achei que ia direto pra empresa.
— Sabia que estava aqui, então vim. Estou precisando dos seus
carinhos.
Em minutos eu estava em seu colo e o beijava.
— Melhor agora?
— Com você tudo melhora. Estou satisfeito pelo atendimento que a
Branca está tendo e vou procurar uma acompanhante pra ela. Será como
uma secretária particular. Vai ajudá-la em tudo, até nas decisões de sua casa.
Assim ela não se estressa e pode seguir seu tratamento.
— Você comentou isso com ela?
— O médico ia conversar com ela sobre isso. Eu a vi de longe,
Fernando. Meio escondido. Ela não queria que eu a visse daquela forma.
— Nem nessas condições ela deixa o orgulho de lado?
— Não, mas fica tranquilo que isso nem me fere mais.
— Você fica tranquilo com tudo resolvido por baixo dos panos.
— Fico. Ela ainda vai ficar lá por mais algumas semanas e depois vai
pra casa. Me ajuda a falar com a Bia depois?
— Ajudo. Temos que falar com calma. Não é fácil contar que ela
tomou aquele tanto de comprimido.
— Não quero que nada prejudique minha irmã e nem meu sobrinho.
— Pode deixar. Vamos com calma.
— Falou com o Saulo hoje? — Caique perguntou.
— Não. Será que ele já chegou em Nova York?
— Não sei. Doido pra saber as novidades sobre levar nossa empresa
para fora do Brasil também. Depois ligo pra ele. — Sorri com sua
empolgação. Era mais um sonho de seu pai que meu amor ia realizar.
Expandir os horizontes da AGM Construtora. Muita coisa já estava
encaminhada.
— A Branca nem sabe disso, né?
— Ainda não. Ela está afastada há meses da empresa. Não tinha
condições nenhuma de participar de nada com tanta preocupação com
Matheus.
— Quando ela estiver melhor ela vai saber.
— Pois é. Agora chega de falar de problemas e dá carinho ao seu
marido?
— Você está dengoso, meu CEO.
— Preciso de um amor gostosinho depois dessa manhã turbulenta.
— E dá tempo?
— Amor, eu sou o dono, chego a hora que eu quiser e você, é o amor
da vida do CEO da AGM Construtora. Agora tira essa roupa toda e volta
pro meu colo, tô fervendo por você.
— Delícia!!

Reportagem - Mundo dos famosos online

            30/06/2023. Atualizado há 5 minutos.

O CEO da AGM Construtora, Caique Montenegro, oficializou


nesta tarde, em uma linda cerimônia no Jockey Club, seu
relacionamento com o seu companheiro, o jovem Fernando Viana.
O casal recebeu convidados íntimos, membros da empresa e alguns
famosos também foram prestigiar. A chegada deles foi
acompanhada por diversos jornalistas e o sorriso no rosto de ambos
era de deixar qualquer coração apaixonado.
Para quem não se lembra, em setembro de 2022, o empresário
assumiu oficialmente, em uma entrevista, com a presença de
Fernando, seu relacionamento. Em 2014, Caique havia sido vítima
de um golpe de um jornalista que expôs sua sexualidade em uma
revista e isso foi muito condenado na internet. No mesmo dia,
Caique sofreu um grave acidente que o deixou paraplégico e desde
então o empresário não tinha assumido nenhum relacionamento
publicamente, até Fernando chegar.

A AGM Construtora se prepara agora para entrar no mercado


internacional. Fontes afirmam que uma filial da empresa em breve
será inaugurada nos Estados Unidos. Branca Montenegro, a
matriarca da família, não compareceu à cerimônia de casamento do
seu primogênito por estar se restabelecendo de uma indisposição
que a levou a uma clínica onde ficou internada por três semanas.
Lembramos que Matheus Montenegro segue internado em uma
clínica de reabilitação para dependentes químicos após ser
condenado pela justiça por porte de drogas dentro da empresa da
família e por agressão contra o próprio irmão que é PcD.  
Referência
Site : Praia Para Todos
Blog: iigual.com.br
Site: bengalalegal.com
Canal do You Tube: Monica Lopes
Agradecimentos

Obrigada a todos por terem chegado até aqui. Por lerem mais uma obra
minha. Obrigada de verdade por todo carinho, por esperarem ansiosamente
a história do Caique.

Obrigada a Deus por me permitir mais uma vez trazer uma linda história
para vocês.

Obrigada a minha querida amiga Yna Medeiros, que acompanhou capítulo


por capítulo e me ajudou muito a escrever esta obra, com toques de suma
importância e que só agregaram mais ao meu livro.

A minha amiga Valéria Nascimento por mais uma vez me dar um apoio tão
grande como sempre. Não sei o que seria de mim sem você.   Você tem o
meu coração, saiba disso.

As minhas amigas / parceiras lindas Flávia Guimarães e Malu Divulga que


surtam comigo, embarcam nas minhas loucuras e que eu sei que irão abrir
um fâ clube para o Saulo kkkkkk amo vocês meninas, obrigada por toda
ajuda sempre!!

A minha amiga Tai Medeiros que é minha segunda irmã nesta vida, por
estar sempre ao meu lado.

A Aika Ilustra que fez a arte mais linda do mundo do meu casal. Ela captou
todo o amor expresso neste livro sem conhecer a história.

E por fim a Flávia Costa e Flávia Borba por serem as amigas mais incríveis
que tive o prazer de conhecer nesta vida. Amo muito vocês, meu amores!!
Obrigada a todos de coração!

Rose Moraes
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Romances LGBTQIAP+ para maiores de 18 anos.

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