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Processo: 5422170-43.2021.8.09.

0100

Usuário: - Data: 03/03/2023 23:33:23


NOVO GAMA - 1ª VARA CRIMINAL
PROCESSO CRIMINAL -> Procedimento Comum -> Ação Penal de Competência do Júri
Valor: R$
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 5422170-43.2021.8.09.0100
COMARCA DE NOVO GAMA
RECORRENTE : RAIMUNDO GOMES DA SILVA
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR : DES. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES

VOTO

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do stricto


sensu.

A decisão de pronúncia não revela a violação da garantia constitucional dos


pronunciamentos judiciais fundamentados, art. 93, inciso IX, da Carta da República,
presente motivação da razoável suspeita da acusação, corroborada pelo acervo
probatório contido nos autos que concorreram para o pronunciamento jurisdicional
intermediário do procedimento do Júri.

A materialidade delitiva está evidenciada no Auto de Prisão em Flagrante,


Termo de Exibição e Apreensão, Relatório Médico da vítima Irineu Gomes da Silva,
Laudo de Perícia de Eficiência de Arma de Fogo e Confronto Microbalístico, Laudo de
Perícia Criminal – Local de Morte, Laudo de Exame Cadavérico, bem como pelos
depoimentos colhidos em sede de instrução processual.

O recorrente ao ser interrogado relatou:

“ que quem iniciou a luta corporal foi Irineu, pois eles haviam
discutido após o acusado chegar em casa bêbado, sendo que a
vítima Maria Lita separou a confusão; que após a luta com seu
filho ficou desacordado, mas após retomar a consciência buscou
sua arma e efetuou um disparo no rumo de Irineu que se
escondeu atrás de uma árvore; que recarregou a arma para
efetuar mais um disparo contra Irineu, mas a vítima Maria Lita
atravessou em sua frente e o tiro acabou acertando-a no
pescoço; que Irineu estava a aproximadamente 30 metros do
local em que o tiro foi efetuado contra Maria Lita, mas que ele
estava de costas, não tendo presenciado o fato; que após
recarregar a arma e efetuar o segundo disparo, apesar de ter

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás


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acertado Maria Lita, pretendia acertar Irineu, que estava
escondido atrás da árvore, não sendo a sua intenção matar sua
companheira; não soube explicar o motivo de Irineu não fugir e
continuar escondido atrás da árvore, apesar de afirmar que entre
um disparo e outro transcorreram cerca de 04 a 10 minutos”.

Ocorre que a versão apresentada pelo acusado diverge dos demais


elementos probatórios, que revelam suficiência da autoria do crime.

As testemunhas Edivan Batista dos Santos e Juan Carlo de Oliveira Corrêa,


militares, informaram:

“ que após serem acionados para atender a ocorrência,


constataram que a vítima já havia sido atingida pelo disparo,
sendo encontrada no local sem vida; que a viatura do SAMU já
estava a caminho; o autor do disparo estava próximo e foi detido,
encontrada a arma de fogo no seu veículo; a vítima do homicídio
tentado, Irineu, lhes informou que os fatos ocorreram em razão
de uma discussão; que ele estava embriagado e não conseguiria
fugir; que ele tem outro homicídio praticado em Santo Antônio do
Descoberto; que na casa tinha uma pessoa “especial”; que ele
admitiu a propriedade da arma de fogo e a prática do crime; na
casa foram encontradas munições e outra arma no quarto do
autor.

A testemunha Joaquim César de Menezes, vizinho da família, disse em seu


depoimento judicial:

“que no dia dos fatos Irineu chegou em sua chácara e lhe pediu
para acionar a polícia, pois seu pai estava brigando com a sua
mãe, tendo efetivado um disparo com arma de fogo em sua
direção. Que quando chegou na casa viu a Sra. Maria no chão, a
qual pediu para Irineu cuidar da sua filha especial; que Raimundo
entrou no carro e saiu, retornando logo em seguida, momento em
que foi efetivada a sua prisão”.

A vítima Irineu Gomes da Silva esclareceu em juízo:

“Que é filho do réu e da vítima; que morava na casa com o pai, a


mãe e a irmã; que estava no quarto quando ouviu seu pai

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gritando; que ele estava batendo porta e fazendo barulho; que
ouviu ele gritar; que o pai disse: ‘quando agride uma mulher, a
gente é covarde’; que ele repetiu isso várias vezes; que sua mãe
estava deitada numa rede com sua irmã; que seu pai ainda
estava dentro de casa; que passou pelo pai e falou: ‘em minha
mãe você não bate’; que, depois disso, o pai foi em sua direção;
que o pai continuava a dizer: ‘quando agride uma mulher, a gente
é covarde’; que entendeu que o pai estava ameaçando a sua
mãe; que achou que sua mãe havia dito algo para ele; que,
quando o pai estava bêbado, a família fazia o possível para
ignorá-lo; que, quando bebia, o pai procurava confusão; que foi
para a área fumar um cigarro e ouviu seu pai lhe xingar; que o pai
lhe chamou de rato e disse que ele não prestava para nada; que
também xingou o pai; que o pai brigava por tudo quando estava
bêbado; que, quando foi jogar a bituca de cigarro fora seu pai lhe
deu um tapa no peito; que pegou uma vassoura e jogou na
direção do pai; que o acusado segurou a vassoura e quebrou;
que jogou um pedaço da vassoura no pai; que uma luta corporal
se iniciou entre ele e o pai; que os dois se agrediram; que sua
mãe apareceu e tentou separar a briga; que ela estava com uma
mão nele e a outra em seu pai; que, nessa hora, conseguiu
empurrar o pai; que o acusado caiu no chão; que caiu por cima
do acusado; que o acusado bateu a cabeça em um tronco de
pau; que enforcou o pai; que sua mãe pediu para soltar o
acusado; que soltou o acusado; que pegou um cano de PVC e
bateu duas vezes no rosto de seu pai; que seu pai saiu da área
da casa e foi para a cozinha; que o pai ficou lhe olhando pelo
vidro da cozinha; que o pai estava ensanguentado; que o pai tirou
um dente quebrado e colocou em cima da pia; que sua mãe falou
para ele sair da casa, porque o acusado iria lhe pegar ali; que
saiu do local; que, quando estava saindo da casa, sua irmã gritou
para ele correr; que viu o pai com a arma; que viu quando o pai
tentava carregar a arma; que correu para perto de uma árvore;
que, quando o pai apontou a arma para ele, se escondeu atrás
de uma árvore; que estava perto do pai; que a distância era de 7
ou 8 metros; que viu o momento em que o pai efetuou o disparo
contra ele; que sua mãe não viu o momento do primeiro disparo;
que o pai deu um disparo em sua direção; que não sabe se o pai
recarregou a arma depois de atingir a sua mãe; que, após isso,
saiu correndo para outra chácara; que a arma só dava um
disparo por vez; que foi para a casa de seu vizinho Joaquim; que
pegou o celular do vizinho e chamou a polícia; que não
completou a ligação com a polícia; que, após 10 minutos, ouviu
sua irmã gritando e chorando; que a arma do pai tinha um
silenciador; que, após ouvir os gritos da irmã, voltou para a
chácara; que, ao chegar na chácara, a irmã falou que o pai havia
matado a mãe; que viu o pai andando com a arma na mão e
dizendo que ia matá-lo; que o pai disse que ia lhe matar quando
saísse da cadeia; que, após as ameaças, voltou para a casa do
vizinho e pediu para ele ligar para a polícia; que ligaram para a
polícia; que, após 6 ou 7 minutos, o pai passou por eles no carro;
que quando o pai saiu, voltou para a chácara e viu sua mãe caída

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no chão; que a mãe foi atingida com um disparo no pescoço; que
acha que sua mãe já estava sem vida; que o pai saiu da chácara
e depois voltou; que, quando voltou, o pai tentou jogar o carro em
cima dele; que saiu da chácara; que pulou a cerca e ficou do lado
de fora da chácara; que vizinhos começaram a chegar; que o pai
foi às chácaras vizinhas e pediu para que chamassem a polícia;
que o pai disse aos vizinhos que havia matado a sua mãe; que a
polícia demorou a chegar; que, quando voltou, o pai ficou
próximo ao corpo; que o SAMU chegou primeiro que a polícia;
que, quando a polícia e o SAMU chegaram, sua mãe já estava
sem vida; que a luta corporal começou, porque seu pai lhe
empurrou; que tentou acertar o pai com a vassoura, mas ele a
segurou; que a vassoura quebrou e ele jogou um pedaço no pai;
que, quando o pai caiu no chão, conseguiu dar um mata-leão
nele; que acha que sua mãe tentou defendê-lo; que sua mãe
sempre o defendeu; que seu pai bebia com frequência; que, na
época dos fatos, o pai estava bebendo há quase um mês; que ele
ficava um ou dois dias sem beber; que o pai já voltava do
trabalho bêbado; que seu pai bebia pinga e alambique; que não
sabe se o pai usava drogas; que o pai tinha um comportamento
violente quando bebia; que, por vezes, o pai chegava tão bêbado
que não conseguia andar; que o pai dormia no carro quando
chegava assim; que o pai ficava agressivo uma ou duas vezes
por mês; que o pai ficou violento nos últimos anos; que, quando
tinha 12 anos, seu pai lhe jogou dentro da cisterna; que o pai
ficava agressivo com ele e sua mãe; que ficava mais agressivo
com ele; que o pai já agrediu sua mãe; que já quebrou um osso
do pé dela com uma barra de ferro; que sua mãe não registrou
boletim de ocorrência; que, por volta de um ano atrás, o pai deu
um soco na cabeça dela; que sua mãe pegou um facão e acertou
o cotovelo do pai; que não estava em casa no dia do soco; que
sua mãe registrou uma ocorrência no Gama; que o pai não
tentava agredir sua mãe quando estava em casa; que não saía
de perto da mãe esperando para ver se o pai faria alguma coisa;
que o pai falava para ele não interferir; que o pai tentava ir para
cima dele, mas ele e a mãe entravam para os quartos e o
acusado ficava xingando; que isso acontecia a cada 7 ou 8
meses; que foi a primeira vez que entraram em luta corporal”.

A tese de legitima defesa alegada pelo recorrente, não encontra amparo na


prova produzida em juízo, segundo os trechos acima transcritos.

Dos autos emerge que o início dos acontecimentos se deu quando o


recorrente chegou bêbado em casa e começou a discutir com sua companheira e
filho, entrando em luta corporal com ele, aflorando o sentimento que desencadeou o
desfecho fatídico (disparo de arma de fogo no rumo do filho e disparo no pescoço da
sua companheira, que causou o óbito).

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Com efeito, dos testemunhos colhidos em juízo emerge a versão de que a
vítima teria tido um pequeno entrevero verbal com o recorrente e depois disso teria
entrado em vias de fato com ele, dando azo a que esse se inflamasse do sentimento
que o levou a disparar contra seu filho e a sua companheira, não havendo que se
falar em legítima defesa ou desclassificação para feminicídio.

Ademais, sabe-se que a decisão de pronúncia consiste no juízo de


admissibilidade da acusação, com o fito de ser o acusado julgado soberanamente
pelo Tribunal do Júri, juiz natural para processar os crimes dolosos contra a vida e
os conexos, não sendo necessário, para tanto, que exista certeza sobre a autoria
delitiva, bastando indícios suficientes.

Nesse passo, dois são os pressupostos mínimos que devem ser


demonstrados por ocasião da pronúncia, a teor do artigo 413 do Código de
Processo Penal, para o envio do acusado a julgamento popular: a certeza sobre a
existência do crime e indícios suficientes da autoria ou da participação. Verbis:

“Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado,


se convencido da materialidade do fato e da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação.”

Vê-se, pois, que em que pese o argumento expendido pela defesa, no


sentido de que não há prova que indique a autoria dos fatos, infere-se dos
autos que a prova oral é farta e dela se retira irrefutáveis indicativos de autoria
que recaem sobre o acusado.

Os elementos de prova colhidos na fase extrajudicial, ratificados em


juízo, são suficientes para submeter o réu ao julgamento popular, isso porque a
pronúncia não exige visceral juízo de certeza, tal como na prolação de um édito
condenatório, mas, tão somente, indícios suficientes de autoria.

Então, existindo no caderno probatório os elementos


retromencionados, mostra-se razoável afirmar que está provada a materialidade
do acontecimento penal, além dos indícios suficientes de autoria, motivo pelo
qual mantenho a sentença de pronúncia.

Ressalte-se, por oportuno, que a decisão de pronúncia não esgota o


mérito da causa, constituindo mero juízo de admissibilidade da imputação
inaugural, em moldes a submeter-se o acusado réu ao Júri Popular, que detém
a competência constitucional para o julgamento dos crimes dolosos contra a

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vida.

Noutro ponto, a tese de afastamento das qualificadoras também não


merece respaldo, pois o crime foi cometido em razão do recorrente ter chegado
em casa bêbado e iniciar uma discussão verbal com as vítimas,
desencadeando a luta corporal com o seu filho, sendo que sua mãe interveio,
culminando com dois disparos, um deles certeiro, portanto, caracterizada a
qualificadora imputada do motivo fútil, demonstrada a possibilidade de que o
apelante tenha agido por motivo repugnante, imoral e abjeto, viável a
manutenção da qualificadora tipificada no II do § 2º do art. 121 do CP.

Por outro lado, como bem apontado pela Procuradoria-Geral, no


parecer de lavra do Dr. Pedro Tavares Filho:

“A qualificadora do artigo 121, §2.º, inciso VI, do Código Penal,


encontra amparo na prova, uma vez que o fato deu-se contra
sua companheira do sexo feminino, que mantinha relação
íntima conjugal com o apelante”.

Assim, as qualificadoras amparadas em elementos de convicção


contidos nos autos, não podem ser excluídas na fase da pronúncia, vez que
constituem circunstâncias que integram o tipo penal incriminador, de
competência reservada do Juri, a ele cabendo deliberar sobre toda a extensão
da imputação.

Por fim, na decisão intermediária de pronúncia, o Magistrado justificou


sua posição colocando óbice à liberdade do acusado da seguinte forma:

“Quanto à prisão do acusado, tenho que, neste momento, ainda


estão evidenciados os motivos autorizadores da prisão
preventiva, cujos fundamentos das decisões anteriores
proferidas no processo decretando a custódia preventiva, ora
ratifico, além do fato de que o pronunciado poderá ameaçar
testemunhas que até o momento colaboraram com a instrução
processual”.

Em razão do Magistrado fazer alusão à decisão que decretou a prisão


preventiva do recorrente, necessária sua análise. Vejamos:

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“(…)Noutro giro, de uma análise sumária e perfunctória, entendo
que estão presentes os pressupostos para a decretação da prisão
preventiva, quais sejam, o fumus comissi delicti (prova da
existência do crime e indícios suficientes de autoria) e do
periculum libertatis (calcado em um dos fundamentos do artigo
312 do Código de Processo Penal). Com efeito, os crimes de
feminicídio consumado e homicídio tentado qualificado por motivo
fútil são graves – punidos com pena privativa de liberdade
superior a 04 (quatro) anos (CPP, art. 313, I) – e de natureza
hedionda, devendo, assim, o Poder Público através de seu órgão
julgador apresentar resposta às infrações penais que causem
repulsa a sociedade que, por sua vez, não mais suporta a
impunidade. Certo é que a gravidade dos fatos, por si só, não
pode ensejar a decretação ou manutenção da prisão preventiva.
Ocorre, in casu, tratar-se de fato que trouxe e ainda traz
intranquilidade à população, sendo que a prisão cautelar faz-se
imperiosa de modo a impedir repetição de atos nocivos. Assim,
como ensina Guilherme de Souza Nucci: “A garantia da ordem
pública deve ser visualizada pelo binômio gravidade da infração +
repercussão social (…) Entende-se pela expressão ordem pública
a necessidade de manter a ordem na sociedade, que, em regra, é
abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular
repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de
muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua
realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança,
cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.” (In:
Código de Processo Penal Comentado. 6ª edição. pp. 589/590).
Os crimes imputados foram cometidos mediante violência à
pessoa e as condutas endereçadas ao flagranteado se revestem
de extrema gravidade, uma vez que atentara contra o mais
importante bem jurídico tutelado – a vida –, mostrando-se, por
isso, desaconselhável a concessão de outra medida cautelar.
Segundo restou apurado, ao chegar embriagado em casa, o
autuado e a vítima Maria Lita Fernandes da Silva iniciaram uma
discussão, ocasião em que interveio o filho do casal, Irineu
Gomes da Silva, tendo então Raimundo Gomes da Silva efetuado
um disparo contra este, que não o atingiu e, em seguida,
deflagrado outro disparo contra sua mulher, alvejando-a na região
do pescoço, resultando em seu óbito. Demais disso, Irineu
Gomes da Silva declarou que sua genitora era agredida física e
verbalmente pelo flagranteado e mesmo após o disparo
deflagrado contra aquela, Raimundo Gomes da Silva proferiu
ameaças de morte para o filho. Indubitável que, diante de tal
ameaça e do comportamento agressivo do autuado seja
necessária a segregação por conveniência da instrução criminal.
Frise-se que, além da arma utilizada pelo infrator, foi localizada
outra carabina de pressão, bem como 27 (vinte e sete) munições,
calibre .22, sendo quatro delas deflagradas e as outras intactas.
De mais a mais, o autuado ostenta maus antecedentes criminais
diante do registro de que possui sentença penal condenatória,
cujo trânsito em julgado ocorreu em 28.04.1998, por crime de
homicídio (fl. 58). Evidente, pois, que a conduta atribuída ao

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flagranteado demonstra sua ousadia e periculosidade concreta,
fortalecendo a necessidade de segregação diante do perigo
gerado pelo estado de liberdade do imputado. Desse modo,
presente está uma das hipóteses que autoriza a decretação da
prisão preventiva, qual seja, a garantia da ordem pública, pois ela
visa não só impedir que o agente se solto volte a delinquir, mas
também acautelar o meio social, nos crimes que provoquem
clamor popular, garantindo a credibilidade da Justiça. Não
bastasse, vislumbro que a segregação cautelar guarda
contemporaneidade com os fatos noticiados (CPP, artigo 312, §
2º). Assim, mesmo sabendo ser a prisão preventiva medida
excepcional, deve-se ponderar que a ordem pública e a
conveniência da instrução criminal clamam mais alto neste
momento. Outrossim, não obstante a Recomendação nº 62/2020
do CNJ que prevê a máxima excepcionalidade na expedição de
novos mandados de prisão, diante da atual realidade do país, que
enfrenta a pandemia mundial causada pelo novo coronavírus
(Covid-19), certo é que a conduta do acusado gera forte
sensação de impunidade social, o que não pode prevalecer.
Destarte, a restrição de liberdade do réu é necessária, não se
mostrando mais viável a imposição de outra medida cautelar
menos severa, na forma do § 6º, do artigo 282, do Código de
Processo Penal. Logo, a manutenção da segregação do
flagranteado é medida que se impõe como forma de assegurar a
ordem pública e a conveniência da instrução criminal, visto que
em liberdade poderá encontrar os mesmos estímulos e voltar a
delinquir. Ante o exposto, acolhendo o parecer ministerial, com
fundamento nos artigos 312 e 313, inciso I, ambos do Código de
Processo Penal, RATIFICO a decisão que CONVERTEU a prisão
em flagrante de RAIMUNDO GOMES DA SILVA em
PREVENTIVA, como garantia da ordem pública e conveniência
da instrução criminal”.

Desse modo, o que se percebe, afinal, é que a prisão se encontra


devidamente alicerçada nos requisitos legais, devendo ser rechaçada a assertiva
que de que a manutenção do paciente no cárcere, nesta fase processual, é ilegal.

Ademais, é possível a revogação da prisão somente quando verificada a


falta de razões justificadoras para que esta se subsista (artigo 316, CPP).

Ora, não foram trazidos aos autos quaisquer elementos que tenham o
condão de afastar a prisão cautelar do recorrente, não sendo admissível, nesta fase
processual, desconsiderar a presença de requisitos objetivos e subjetivos que
autorizem a manutenção da prisão provisória, não havendo que se conceder ao réu
o direito de aguardar o julgamento do processo em liberdade.

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Diante do exposto, acolhendo o parecer ministerial de cúpula, conheço do
recurso e nego-lhe provimento, mantendo incólume a decisão de pronúncia, a fim de
que RAIMUNDO GOMES DA SILVA, seja submetido a julgamento perante o Júri.

Ao cabo do exposto, acolhendo o pronunciamento ministerial, desprovejo


o recurso em sentido estrito.

É, pois, como voto.

Desembargador EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES


RELATOR

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RECORRENTE : RAIMUNDO GOMES DA SILVA
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO
RELATOR : DES. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA.


HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO.
MATERIALIDADE E INDÍCIO DE AUTORIA COMPROVADAS.
LEGITIMA DEFESA. AFASTADA. 1) Incontroversas a
materialidade do fato e a sua autoria pelo recorrente e não
havendo prova robusta e incontrastável da descriminante da
legítima defesa, não há que se falar em absolvição dele na
primeira fase do rito escalonado do Júri. Ademais, não se admite
a absolvição sumária na decisão de pronúncia quando as provas
de materialidade e os indícios de autoria se fazem fortes,
devendo a análise profunda das provas ficar reservada ao corpo
de jurados, sob pena de suprimir a competência do Tribunal do
Júri. 2) DESCLASSIFICAÇÃO PARA FEMINICÍDIO. Dos
testemunhos colhidos em juízo emerge a versão de que a vítima
teria tido um pequeno entrevero verbal com o recorrente e depois
disso teria entrado em vias de fato com ele, dando azo a que

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esse se inflamasse do sentimento que o levou a disparar contra
seu filho e a sua companheira, não havendo que se falar em
desclassificação para feminicídio. Assim, incomportável a
desclassificação do crime de homicídio para feminicídio,
presentes os indicativos do animus necandi na conduta
supostamente praticada, cabendo ao Tribunal do Júri apreciar a
questão. 3) EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. As
qualificadoras amparadas em elementos de convicção contidos
nos autos, não podem ser excluídas na fase da pronúncia, uma
vez que constituem circunstâncias que integram o tipo penal
incriminador, de competência reservada do Júri, a ele cabendo
deliberar sobre toda a extensão da imputação. 4) DIREITO DE
RECORRER EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE.
Incomportável a concessão do direito de recorrer em liberdade se
ainda persistem os motivos para a manutenção da custódia
preventiva, a qual se afigura necessária para preservar a ordem
pública e resguardar a aplicação da lei penal. Além disso, o
recorrente permaneceu preso durante todo o tramitar processual,
máxime, quando persistente os requisitos do art. 312 do CPP. 5)
Pronúncia mantida. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDA o Tribunal de Justiça do


Estado de Goiás, pela 5ª Turma Julgadora de sua Primeira Câmara Criminal, nos
termos da ata de julgamento a que este se incorpora.

Presidiu a sessão de julgamento o Desembargador Ivo Favaro.

Esteve presente à sessão o Dr. Abrão Amisy Neto, representando a


Procuradoria-Geral de Justiça.

Desembargador EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES


RELATOR

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás


Documento Assinado e Publicado Digitalmente em 15/08/2022 11:00:45
Assinado por DESEMBARGADOR EUDELCIO MACHADO FAGUNDES
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