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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Centro de Ciências Humanas e Sociais – CCH

Licenciatura em História - EAD UNIRIO/CEDERJ

AD2- 2019.2
DISCIPLINA: HISTÓRIA DO BRASIL I
Coordenação: Marcos Sanches
Data da postagem: até 13 de outubro às 23:55

Nome: JUAN DA SILVA LEMOS

Matrícula: 18216090044

Pólo: MIGUEL PEREIRA


Morte, Salvação e Além: Como a Igreja controlou os Rituais Fúnebres

Resenha Crítica ao Artigo: RODRIGUES, Cláudia. A arte de bem morrer no Rio de Janeiro
setecentista. Varia hist. [online]. 2008, vol.24, n.39, pp.255-272. ISSN 0104-8775. 
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752008000100012.

No momento da morte de uma pessoa, documentos oficiais são redigidos e alguns


ritos religiosos podem ser executados afim de “resguardar” e garantir uma passagem segura
ao falecido aos “céus”. Porém, nunca nos perguntamos onde esses ritos começaram e de
quais formas os mesmos se difundiram em nossa cultura e sociedade.
Em seu artigo denominado A Arte de bem morrer no Rio de Janeiro Setecentista, a
prof. Claudia Rodrigues reconstrói através de documentos localizados nos arquivos da cúria
metropolitana, ligada à Arquidiocese do Rio de Janeiro, formas de como a Igreja Católica dos
idos de 1700 controlava a passagem para a vida eterna e quais métodos ela utilizava para
garantir isso.
No artigo, a autora relaciona os ritos funerários praticados pela Igreja Católica
setecentista aos antigos ritos praticados na Idade Média, ou seja, os mesmos se perpetuaram
na Europa, sendo difundidos nos países ibéricos e alcançando as colônias ultramarinas. Um
caso que a autora nos traz é o Narciso José do Amaral, o qual era negro e ex cativo sendo
acometido por alguma doença grave e convertido ao catolicismo, se preocupou sumariamente
com o caminho que sua alma teria ao realizar a passagem. O testamento de Narciso comprova
essa preocupação com a morte além da forma no qual se apresentava.
A prática testamentária remonta, justamente, o período da Idade Média como a
autora relaciona, no qual a Igreja o transformou num item indispensável aos adeptos da
religião católicas, sendo que os que não o fizessem estariam cometendo uma grave
transgressão, um verdadeiro pecado mortal que poderia prejudicar a salvação de sua alma.
Assim, era comum os testamentos serem iniciados com disposições do falecido se
assemelhando a instruções, estas predefinidas pela Igreja, ritos que garantiriam a passagem
segura para a morte.
Além disso, a autora também levanta uma questão importante, a Igreja controlava a
salvação de forma única e exclusiva, mas também era a responsável por imputar o medo da
danação eterna, difundindo na idade média, por exemplo, a ideia de céu, inferno e o
purgatório, o local transitório que serve para expurgar os possíveis pecados veniais de almas a
caminho do céu, diferentemente do inferno, no qual a dor, a angústia e a danação seriam
eternas. De forma mais contundente, os medos incutidos pela Igreja e as formas de Salvação
apresentadas serviriam apenas para moldar a ações e comportamento da sociedade, assim, a
autora nos traz a chamada Pedagogia do Medo ou Terror.
A pedagogia do medo imposta pelo Igreja até os meados do século XVIII influenciou
também a arte, onde diversos pintores famosos, principalmente do Renascimento, servidos de
temas como juízo final, purgatório, inferno e céu ilustraram em suas pinturas os caminhos da
alma humana no além tumulo. Além disso, começaram a ao longo dos séculos XIV e XV
manuais que apresentariam passo a passo para uma morte segura, como a autora os chama ars
moriendi, artes de bem morrer, que dá nome ao artigo, caracterizando-se como um gênero
literário devocional, sendo altamente populares até o século XVIII e alcançando as colônias
americanas.
Os manuais para boa morte se caracterizam por serem livros xilogravados
constituídos de textos e imagens que ilustravam lutas de anjos e demônios, pestes, demônios
oferecendo pequenas satisfações em troca da alma, as tentações diabólicas e ilustrações de
pessoas sofrendo os terrores da condenação eterna. Junto a isso, instruções que continham
frases, preces e rezas, respostas que o moribundo poderia dar além de passos o qual deveriam
seguir para que não se desviassem e alcançasse a salvação e o reino dos céus.
A autora cita um manual escrito pelo jesuíta Estevam de Castro, que tão logo se
difundiu amplamente no mundo católico ibérico. Ameaçando e ao mesmo tempo oferecendo
formas de salvação, o Breve aparelho e modo fácil de ensinar a bem morrer um cristão foi
bem popular até o século XVIII, instruindo a arte de bem morrer nos padrões católicos para os
portugueses, e consequentemente influenciou os católicos no Brasil. Dentre os passos, existia
o ato confessional como sacramento de penitência além da ordenação da execução do
testamento.
Há de se concordar com a autora, essa obra de Estevam de Castro influenciou os fiéis
sobre a forma como alcançar uma boa morte, assim como auxiliou no desenvolvimento das
práticas testamentárias fundamentadas nos preceitos católicos que auxiliariam na salvação. A
autora ressalta diversos indícios reais da repercussão do manual na sociedade carioca
setecentista. Em diversas passagens de livros, leituras e possíveis indicações, o “aparelho”
aparece sendo atrelado no qual todo o católico praticante dever-se-ia apoiar para evitar
surpresas no momento da morte, de fato, o temor de morrer sem ter redigido um testamento
assombrava os fiéis.
O aparelho de Estevam de Castro só corrobora com a tese de que a Igreja sempre se
mostrou interessada em transformar a morte num instrumento de fortalecimento da fé e
aumento de seus fiéis, mesmo que fazendo uso do medo para alcançar o objetivo. A igreja
retirou da família os ritos relativos à morte que se originaram e se perpetuavam desde a
antiguidade, se afirmando como a única a ter o poder e responsabilidade da comunicação
entre vivos e os mortos, assim garantindo o caminho para a salvação. O uso da doutrina do
medo foi a ferramenta no qual a igreja dispunha para convencer seus fiéis a trabalharem em
prol da vida eterna nos céus, longe dos tenebrosos níveis do inferno e do purgatório.
O momento da morte é um evento no qual a igreja soube explorar para constituir os
seus ritos relativos a morte e consequências, o temor da punição, um momento que deveria ser
previamente pensado e construídos, por isso a necessidade da execução de sacramentos em
busca de perdão e na escrita de seus testamentos e suas últimas vontades. Era necessário a
demonstração, principalmente no momento da morte, a execução de tudo que fora aprendido e
em eventos anteriores ao falecimento, além dos sacramentos eclesiásticos necessários.
O testamento de Narciso, o qual autora descreve no artigo é um exemplo concreto da
influencia destes aparelhos em terras fluminenses, bem longe dos castelos europeus. A
estrutura no qual o mesmo foi concebido se caracteriza próximo as instruções no qual Castro
nos deixa, além dos elementos de confissão, salvação da alma, perdão aos seus algozes, além
da definição de herdeiros e sucessores aos possíveis bens. A autora confirma também a
existência de outros textos de cunho testamentário que foram localizados também na cúria da
Arquidiocese Fluminense, seguindo um padrão próximo ao redigido aos desejos de Narciso,
reforçando a influencia o qual o aparelho e possíveis outros manuais para boa morte, tiveram
no meio dos fiéis católicos praticantes.
O artigo da prof. Cláudia Rodrigues expõe através de analise a um exemplo de
documento monumento, o testamento de Narciso do Amaral, negro ex cativo que, e a
influência de livros de cunho religioso que abordavam passo a passo de como morrer bem,
garantindo a salvação da alma e expurgar os pecados cometidos na vida terrena, na sociedade
carioca. O uso da pedagogia do medo por parte da Igreja é o elemento chave que fazia com
que funcionasse o “aparelho” e que os fiéis seguissem essa doutrina da boa morte, a
constatação é de que na iminência do transpasse, o testamento era visto como forma de
prestação de contas, de formas que todas as nossas ações deveriam ser voltadas apenas para
busca da salvação, da passagem segura para o além.
Referências

RODRIGUES, Cláudia. A arte de bem morrer no Rio de Janeiro setecentista. Varia


hist. [online]. 2008, vol.24, n.39, pp.255-272. ISSN 0104-8775.  Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-87752008000100012.>
SOUZA, Patrícia Marques de. Ars Moriendi circa 1450: a preparação para o post-
mortem. In: Anais eletrônicos do XXVIII Simpósio Nacional de História. Lugares dos
Historiadores: Velhos e Novos desafios. Florianópolis, 2015. Disponível em:
<http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1442432336_ARQUIVO_Ars_Moriendi.
pdf>.

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