Você está na página 1de 8

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Humanas

Licenciatura em História

Juan Da Silva Lemos

PRÓXIMA ESTAÇÃO, CENTRAL DO BRASIL

Análise social dos trens suburbanos fluminenses.

Rio de Janeiro

2019
1. Introdução

A vida nas grandes capitais do país e do mundo nos serve como laboratório para
possíveis análises sociais, culturais, econômicas, políticas, etc. O fluxo de pessoas nos centros
urbanos é intenso, a existência de empresas, instituições de educação, instituições financeiras
e governamentais são responsáveis por esse imenso fluxo, mas qual o tipo de meio de
transporte que as pessoas utilizam para chegar lá e qual o impacto social que temos como
reflexo à essa utilização?

Analisaremos a partir de agora um cenário específico, o Rio de Janeiro e seus


subúrbios. Assim como as calçadas do centro cidade repletas de pessoas, um “vai e vem”
insano, as ruas também estão cheias de carros, ônibus, utilitários e outros, causando o um
violento engarrafamento que vai da área da Leopoldina até a Candelária, ao longo de toda a
Av. Presidente Vargas.

Pudera, o Rio de Janeiro já foi a capital do país, tanto no Império quanto na


República, o que justifica a centralização de diversos postos de trabalho na região central da
cidade, ao longo do cais do porto. Oposto a isso, ao longo dos caminhos que levam a região
mais “rural” da cidade temos muitas áreas residenciais, ficando mais evidente ao longo do
século XIX quando teríamos a chegadas dos trilhos, cortando a zona norte e oeste, visto como
“Sertão Carioca” além das cidades mais periféricas, como Maxambomba, ou Nova Iguaçu nos
dias atuais.

A Estrada de Ferro Dom Pedro II, posteriormente chamada de Estrada de Ferro


Central do Brasil com o advento da República em 1889, foi a espinha dorsal que visava uma
maior integração da Capital com outras cidades e províncias, sendo pensada, inclusive para
uma maior integração do território nacional, já que partia da capital em direção ao interior do
país. Em contexto econômico, a ferrovia foi importante para escoamento de diversos itens de
produção agrícola e pecuária, algumas extensões ou ramais se deslocavam entre pontos de
produção de gado e frigoríficos (matadouros) como o caso da linha de Austin, que levava
gado do interior de Nova Iguaçu até o matadouro localizado nas imediações de Santa Cruz,
hoje, tanto o matadouro quanto o ramal foram desativados, trilhos foram retirados e a área do
matadouro foi recondicionada e recebeu instalações da Fundação de Apoio à Escola Técnica –
FAETEC. Em um contexto social, foi responsável por expandir o número de áreas
residenciais ao longo da ferrovia na formação das chamadas cidades-dormitório e como
discutiremos posteriormente, um espelho de sua utilização.
2. O mundo ferroviário do Rio de Janeiro

O trem faz parte do dia carioca, ele vai para o trabalho, vai pra faculdade, pro curso,
academia, pro shopping, pra onde ele for, ele pode ir de trem, embora tendo uma centralização
do sentido, são linhas bem diversas e distribuídas pelo território.

Como vimos, o assentamento de trilhos iniciou-se período imperial, com a


construção do trecho entre a Capital e a área que hoje está instalado o município de
Queimados, anteriormente distrito de Nova Iguaçu. A ferrovia atingiu diversas localidades,
tanto na Região Metropolitana quanto nas Serras e interior Sul Fluminense, muitos hoje
desativados e com trilhos retirados e os sobreviventes sendo utilizados como ferrovia para
transportes de cargas com viagens de trens sendo executados esporadicamente, às vezes três
vezes por semana tal qual a Linha Auxiliar, hoje administrada pela empresa privada MRS –
Malha Regional Sudeste S/A. O que sobrou de trens de passageiros suburbanos hoje, também
foi entregue a iniciativa privada, sobre égide de governos passados.

Hoje, a malha suburbana fluminense é responsabilidade da Supervia que atualmente


é administrada pelo conglomerado japonês Mitsui, iniciou a operação em 1 de novembro de
1998 com concessão de 25 anos, operando em 5 ramais e 3 extensões, mais de 270
quilômetros de trilhos, 102 estações em operação e com fluxo de mais de 700.000 passageiros
por dia, atendendo 11 importantes municípios satélites à cidade do Rio de Janeiro. O principal
“hub” desse serviço, que além de estação terminal e que foi objeto de nosso estudo foi a
estação da Central do Brasil, antiga Aclimação e Dom Pedro II.

Localizada em frente ao Morro da Providência, destacada atualmente como a favela


mais antiga do Brasil, a Central do Brasil é protagonista de um movimento diário de várias
pessoas, ela é porta de entrada para o centro da cidade e registra 90% do movimento em um
único sentido nos horários de pico, dali é possível chegar a diversos pontos de interesse pelo
centro.

Observamos que muitos passageiros utilizam o trem para se deslocarem para o


trabalho, já que a oferta de vagas é muito maior nos centros que em locais maior
interiorizados, esse fato faz com que surjam ao longo da ferrovia as cidades-dormitórios, que
consistem em cidades majoritariamente residenciais onde os indivíduos saem cedo para
trabalhar e regressam ao final do dia, apenas para dormir. Muito comum em cidades como
Nilópolis, Mesquita, Belford Roxo, Queimados, São João de Meriti, Japeri, Paracambi, Magé,
excetuando-se dessa lista algumas localidades como Nova Iguaçu e Duque de Caxias, que por
serem grandes polos fabris e comerciais tem postos de trabalho, embora ambas tenham um
número relevante de pessoas que as fazem de cidade-dormitório não é possível classificarmos
elas exclusivamente dessa forma.

Aliados a alta densidade de áreas residenciais, vias com engarrafamentos


gigantescos, muitos optam pelo uso do trem para ganhar tempo, chegar mais rápido em casa
para estar junto a família, como resultado temos a superlotação, que pioram quando ocorrem
atrasos e problemas que impedem a execução da viagem. Ações de vandalismo são as
respostas (impensadas) dadas por usuários cansados de atrasos e superlotação. Verificamos
aqui que a superlotação é mais comum nos ramais para baixada fluminense e para o sertão
carioca1.

Os ramais de Japeri, Santa Cruz e Gramacho são os mais movimentados,


consequentemente excedem o número de passageiros provisionados, sendo Japeri o mais
movimentado e distante de todos. Ambos cortam regiões densamente residências da Zona
Oeste e Baixada Fluminense além de áreas de comerciais e de transbordo a outros modais, tais
qual, Madureira presente nos ramais de Japeri e Santa Cruz e a Penha no ramal de Gramacho.
Assim, não só em direção ao centro, mas também utilizam o trem se integrando a outros
modais para chegar em outros pontos de interesse.

Devido a longa distância, os moradores da baixada fluminense são os principais


passageiros dos trens suburbanos para seus postos de trabalho no centro da cidade e além.
Alguns relatos de trabalhadores que observei foi de um deles, que reside em Engenheiro
Pedreira, distrito de Japeri e que possuem o ônibus em direção ao Centro do Rio próximo a
sua casa, mas que obrigatoriamente precisam se descolar até a estação ferroviária e embarcar
no trem porque necessitam chegar pontualmente no serviço às 7:00 horas em Copacabana,
sendo necessário ainda um transbordo para o serviço metroviário na própria estação da
Central do Brasil.

O trem suburbano foi por anos taxado como “transportes de pobres” ou de baixa
renda, devido as áreas que o mesmo serve e as características que dispunha. De fato,
empregadas domésticas, carpinteiros, porteiros, pedreiros, ascensoristas, babás, vendedores e
outras ocupações caracterizadas de “baixa renda” sempre estiveram entre os personagens

1
Sertão Carioca foi um termo utilizado pelo escritor Armando de Magalhães Correa em seu livro homônimo
publica na década de 30 e referenciava à uma área compreendida hoje como a Zona Oeste, do maciço da pedra
branca as planícies de Jacarepaguá e o litoral da Barra da Tijuca até Sepetiba.
recorrentes da vida dos trens no Rio de Janeiro, isso por ser considerado um serviço rápido e
barato, de certa forma.

O surgimento de um fato nos anos 90 reforçou ainda mais o estereótipo de


marginalidade do serviço dos trens suburbanos: o Surfe Ferroviário.

Como reflexo da alta lotação dos trens, demora e milhares de pessoas amontoadas
seguindo para o lar, cena muito comum entre moradores afastados do centro urbano, muitos
jovens embalados pela ousadia se equilibravam entre a vida e morte no alto dos tetos dos trens
circulando por quase 100 quilômetros por hora, muitos jovens perderam avida, seja caindo do
teto do trem ou eletrocutado por mais 4.000 volts ao encostarem nos cabos que alimentavam a
rede aérea dos trens. E mais do que a simples lotação, realizando uma leitura de reportagens
da época, percebi que essa “modalidade” esportiva escondia diversos problemas sociais
inimagináveis, caracterizado por jovens, suburbanos e marginalizados, em busca de
adrenalina, diversão e lazer, assim como a pichação, deixar sua marca e sua existência.

Nas observações em campo realizadas, utilizamos aqui os ramais de Japeri, Santa


Cruz, Belford Roxo e Gramacho. Alguns elementos em comum reforçam o chavão de
marginalidade apresentado, como por exemplos a quantidades de comunidades que cercam a
ferrovia, muitas dessas comunidades dominadas pelo tráfico de drogas ou grupo para
militares, além de um submundo de comércio muito praticado nas composições repleta de
mascates, ou no popular “carioquês”, o camelô.

A maioria desses trabalhadores informais um dia estiveram dentro da legalidade,


porém foram vítimas da violenta crise que afeta a economia e tiveram seus postos de trabalhos
extintos ou substituídos. É possível encontrarmos de tudo nos ganchos dos camelôs, doces,
guloseimas, bebidas, fones de ouvido, carregadores e até cabo para dispositivo móveis,
curiosamente aceitando até cartões magnéticos com suas minis máquinas de cartão. Em
especial, o ramal de Belford Roxo chamou a atenção, que além da vendo de produtos
descritos acima, alguns artigos de supermercados e padaria estavam em venda. Peças
embaladas de Queijos e Presunto, garrafas de óleo, produtos de higiene pessoal como xampus
e cremes compunham os itens de um camelô. Esse submundo comercial do trem, sendo
abastecido pelos grandes centros de venda do Centro e da zona norte, em sua maioria, também
pode ser abastecido pelo desvio ilegal de itens roubados diretamente de cargas dos caminhões,
já que muitos são levados para área do Complexo da Pedreira, em Costa Barros, que
curiosamente possui uma estação no ramal de Belford Roxo.
Entre os passageiros, os camelôs fazem sucesso, muitos adquirem ali esses itens por
um preço muito menor que o praticado ali fora, inclusive os possíveis itens desviados, em
tempos de crise, como eles mesmo falam, toda a economia é bem-vinda e bem vista. São
alguns desses aspectos retratados que reforçam firmemente o caráter marginalizado do trem
suburbano carioca.

3. Conclusão

Embora tenha sido atribuída características que o marginalizam e o caracterizam


como transporte de pobres, considero o trem suburbano fluminense com um meio de
transporte bem diverso.

Não só apenas as ocupações de baixa renda ocupam as composições do Rio, vê-se


diversos tipos de perfis, advogados, médicos, gerentes, uma gama de pessoas de terno e
gravata. O processo de modernização e expansão, atrelados a rapidez fez com que o serviço
atraísse mais usuários, trabalhadores em geral, independente de seus cargos e posição na
pirâmide social.

Ramais de Japeri, Santa Cruz e Gramacho são os mais densos em usuários, Japeri o
maior de todos, com maioria de usuários caracteristicamente trabalhadores da massa, maioria
que apenas concluiu os estudos, no máximo, até o Ensino Médio e morando nos extremos, na
própria Japeri, Engenheiro Pedreira e Queimados.

No ramal de Belford Roxo um fato curioso que chamou atenção foi a quantidade de
evasão de pagantes (não pagamento de passagens para acesso aos trens) na estação do
Jacarezinho, localizado na comunidade que dá nome a estação. Embora não seja objeto desse
estudo, não deixamos de notar a quantidade de usuários ao longo das instalações de vários
ramais, em especial Belford Roxo, utilizando drogas, retrato do descaso do poder público e
como mencionado, reforça a identidade marginal do serviço.

O trem é visto como um modal de transporte de massa, aqui no Rio de Janeiro


consideramos um meio de transporte de massa e para as massas, as pessoas que executam
tarefas que fazem a sociedade funcionar, o comércio girar, mas também para outras funções
da economia.

Os aspectos marginais, como o submundo do comércio, as áreas ao redor das


ferrovias e os perfis das pessoas que simbolizam a maioria dos usuários diários, se contrapõe
ao estilo diverso e a democracia que observamos nos trens do Rio, onde existe de tudo um
pouco. OS trens suburbanos do Rio podem ser considerados peça fundamental das
características do estado, tal qual futebol e o carnaval. Não existiria o Rio como conhecemos
se não fosse a ferrovia.
Referência: DAMATTA, Roberto. O Ofício do Etnólogo, ou como ter “Anthropological
Blues” in Nunes, E. (org.) A Aventura Sociológica: objetividade, paixão, improviso e método
na pesquisa social. Rio de Janeiro: Zahar, p. 23-35, 1978. Disponível em:
<https://docs.google.com/viewer?
a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxhbnRyb3BvbG9naWFjdWx0dXJhbGNzfGd4OjZj
ZWNjYmQ2YjNkMGJiMzE>. Acesso em: 20 abr. 2019

Referência: MAIA, João Luís Araújo; CHAO, Adelaide Rocha de La Torre. Subúrbio


Carioca: Conceitos, Transformações e Fluxos Comunicacionais da Cidade. Conexão:
Comunicação e Cultura UCS, Caxias do Sul, v. 17, n. 34, p.147-165, 29 jan. 2016. Semestral.
Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conexao/article/download/
3517/2622>. Acesso em: 20 abr. 2019.

Referência: CORRÊA, Armando Magalhães. O Sertão Carioca. Rio de Janeiro: Contra


Capa, 2017. 328 p. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_obrasgerais/drg3817/drg3817.pdf>.
Acesso em: 20 abr. 2019.

Referência: GIESBRECHT, Ralph. Dom Pedro II: estações ferroviárias do Rio de Janeiro.
Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_rj_linha_centro/dpedro.htm>.
Acesso em: 20 abr. 2019.

Você também pode gostar