O curso de “Ciência, Tecnologia e Sociedade” na Universidade
Federal do ABC, lecionado pela professora Nirlene Nepomuceno é dividido em quatro partes, em que cada parte estuda uma característica diferente da história da ciência e da sua evolução junto à humanidade. O objetivo do curso é apresentar aos alunos o ramo de estudo que relaciona a ciência, tecnologia e sociedade, com destaque para a formação e história do ramo, assim como apresentar as escolas de pensamento e as diferentes formas de abordagem que surgiram ao longo do tempo. Desse modo também é possível analisar a criação de saberes e conhecimentos em suas dimensões sociais, políticas, econômicas e culturais e refletir sobre as relações de poder que envolvem a ciência sob diversas abordagens e pontos de vista. E finalmente a organização da ciência moderna no começo do século XX, além de promover um debate saudável entre os estudantes à respeito dos temas abordados em sala. Durante a primeira parte do Curso, discutimos sobre as diferenças e similaridades entre saberes tradicionais e saberes científicos, assim como estudamos a ciência da era medieval (sob diversos pontos de vista e com diferentes abordagens por diferentes povos), antes das definições formais de ciência que conhecemos hoje, e antes do refinamento dos conceitos e tecnologias que auxiliam na evolução das descobertas e saberes científicos. Na primeira aula, são apresentados os termos saber científico e saber tradicional, se referindo à ciência convencional ocidental que segue regras e paradigmas e ao saber adquirido pelos povos locais e indígenas baseados na experimentação e observação da natureza (animais, clima, ambientes, etc.), respectivamente. O conhecimento tradicional, muitas vezes se prova cientificamente correto, apresentando substâncias químicas ou padrões climáticos que representam muito bem a realidade, mesmo que as conclusões sejam atingidas por motivos “equivocados”. As percepções tradicionais se baseiam muito mais em estímulos físicos, como cheiro, cor, sabor, textura, sons e mais. Esses mesmos conhecimentos quando estudados segundo a metodologia científica contemporânea, muitas vezes se provam corretos, porém por caminhos e motivos diferentes dos imaginados pela população da época ou população local que descobriu tal conhecimento. Isso faz com que os cientistas e pesquisadores atuais questionem a validade das técnicas tradicionais, desacreditando-as e dizendo que as mesmas não interferem e nem influenciam no avanço da ciência. Em aula foi apresentado um caso muito importante para o mundo moderno influenciado pelo estudo de fractais (estruturas que se repetem seguindo um algoritmo específico) nas vilas africanas, quando o pesquisador Ron Eglash descobriu em uma vila, um sistema de padrões de símbolos religiosos que lembravam a álgebra Booleana (lógica matemática computacional baseada em verdadeiro ou falso). Um estudo mais profundo revelou que essa lógica matemática tinha sido levada para a europa em meados do século XII, e estudada pela alta nobreza, até que futuramente passou por diversas adaptações até chegar em George Boole no século XVII e futuramente ser usada em todos os sistemas de computadores do mundo até os dias atuais. Casos como esse desconsideram completamente a participação dos conhecimentos tradicionais em avanços tecnológicos, a ponto de serem desconhecidas por muitos e nunca ensinadas nas escolas. Os problemas legais envolvidos nesse tipo de descoberta também influenciam a não divulgação de sua verdadeira origem, já que poderiam ser consideradas um tipo de pirataria de conhecimento. Os casos mais comuns são os de Biopirataria, muito presentes no campo farmacológico, onde conhecimentos de povos locais são indevidamente passados a pesquisadores nacionais ou estrangeiros sem as devidas formalidades legais, gerando fármacos ou cosméticos com o conhecimento dos povos locais sem que os mesmos sejam creditados pela descoberta ou mesmo considerados como contribuidores para as pesquisas feitas. Um dos casos mais antigos e mais relevante de biopirataria foi o da Seringueira. A árvore nativa do Pará, era explorada pelos seringueiros para a extração do Látex para produção de diversos tipos de borracha. Antigamente, as árvores e os conhecimentos sobre sua utilização era exclusivo do Brasil e dos habitantes dos seringais, porém no ano de 1876, as sementes foram levadas para o Royal Botanic Garden na Inglaterra, e distribuídas pelas suas colônias tropicais juntamente com o conhecimento para a extração e manuseio do Látex. Tendo em vista o exemplo acima, podemos concluir que um melhor uso de seus recursos e uma mente mais aberta em relação aos conhecimentos indígenas e dos povos locais poderia ser muito benéfico para o Brasil, especialmente se pudermos, em vista da grande variedade de fauna, flora e cultura no país, incentivar a inclusão dos conhecimentos tradicionais na ciência e servir de exemplo para tantos outros países na mesma situação. Na aula seguinte do primeiro módulo, foi estudado o início das escolas e universidades que existem hoje, e consequentemente, o início da produção de ciência e da vida acadêmica. Começando na Europa Ocidental medieval, que ao contrário da crença popular foi um período de grande crescimento para muitas áreas, como a agropecuária e a área acadêmica nos moldes conhecidos atualmente, as escolas e universidades cresceram e aperfeiçoaram as produções científicas para a ampliação do conhecimento, muitas vezes se baseando, como visto na aula anterior, nos conhecimentos tradicionais. Começando nos monastérios, houve o acúmulo de conhecimento por parte dos monges, que dedicaram suas vidas ao estudo da filosofia religiosa e a copiar os textos dos livros para as suas imensas bibliotecas. Ao mesmo tempo, os mosteiros começaram a ser cercados por vilas de camponeses que cultivavam para o mosteiro, fazendo com que os clérigos tomassem interesse por ensinar os filhos dos aldeões, assim como iniciar futuros monges nas escrituras religiosas. Com o passar dos anos e o êxodo da vida rural para a vida urbana, as escolas começaram a padronizar seus currículos, e em pouco tempo, os professores não eram mais apenas clérigos, mas também filósofos e estudiosos que passavam a vida atrás de novos conhecimentos para se especializar cada vez mais. Tal especialização tornou algumas escolas muito distintas em diversas áreas diferentes, com muitas frentes diferentes, dando forma às primeiras universidades por volta do século XIII. Mas para que tal fosse possível, o conhecimento de diversas partes do mundo estava disponível a Europa Ocidental da época, graças aos muçulmanos que dominaram a península Ibérica por volta do século VIII, assim como o norte da África e grande parte do Oriente Médio, incluindo a Síria, que era considerada o grande centro cultural do império Árabe, devido a grande produção de textos filosóficos e científicos que eram produzidos e armazenados na região. Devido ao domínio da região de Alexandria no Norte do Egito, os Árabes tinham acesso a grande parte do conhecimento clássico do antigo império Romano, e dos Gregos antigos (Aristóteles, Platão, Clístenes, Sócrates, etc.) desenvolvendo-se enormemente nas áreas de alquimia, aritmética, filosofía, biología, medicina entre outras. Quando chegaram à Península Ibérica, levaram consigo todo esse conhecimento clássico, e o novo conhecimento desenvolvido por eles mesmo, e disponibilizando-os para a Europa Ocidental medieval da época, incentivando um grande avanço no desenvolvimento das universidades, escolas e bibliotecas. Porém, como a maioria das escolas e universidades estavam muito atreladas a Igreja Católica, muitas delas se negavam a ensinar a filosofia grega, e os estudos Árabes por considerá-los hereges. Mesmo assim, ainda existiam universidades que não tinham grande tradição teológica, como a de Oxford na Inglaterra, que deram continuidade aos estudos trazidos do Oriente, criando as Faculdades, onde os experimentos com os novos saberes eram ensinados e testados pelos estudantes. Toda essa movimentação, criou um modelo de ensino e produção de ciência que é amplamente usado e aceito até os dias atuais, com padrões muito parecidos, onde aprende-se o básico no curso de escolha, podendo especializar-se num curso de pós-graduação, e aumentando o grau de especificação em mestrados, doutorados e pós-doutorados. Sendo possível assim, estruturar os ensinamentos, organizar pesquisas, e publica-las de modo padronizado para que o conhecimento seja compartilhado e usado por todos os estudiosos (em um modelo ideal). Outra característica da ocupação Árabe da Península Ibérica, foi a criação, ou importação de mecanismos de produção, como por exemplo os moinhos, que não existiam na Europa até o século XI. Assim, as técnicas de construção, não só de moinhos mas em geral, se aperfeiçoou muito através dos séculos e de forma muito rápida, possibilitando a construção de catedrais góticas, com o pé direito elevado, grandes arcos, e torres muito altas, os quais eram impossíveis sem os avanços trazidos pelos árabes. Nessa mesma época, os relógios de pêndulo eram inventados na Europa, com funcionamento unicamente mecânico. Tal fenômeno foi possibilitado pelo estudo da física e da astronomia incentivados pelos Árabes. e demonstrando também grandes avanços nas técnicas de construção, metalurgia, e carpintaria, e o desenvolvimento de novas tecnologias. Assim é possível observar que os crescimentos que levaram ao renascentismo cultural Europeu claramente influenciam a sociedade atual, principalmente falando sobre a invenção da vida acadêmica como uma profissão (professores, pesquisadores, alunos), e também na criação de novas profissões, como por exemplo os engenheiros ou os alquímicos (cujas práticas se assemelham a experimentos químicos atuais para a criação de novas substâncias). Por outro lado, também fica claro que o modelo criado a quase um milênio atrás deixou sequelas em alguns quesitos. Os saberes tradicionais se tornaram cada vez mais desvalorizados com o passar do tempo pois a ciência podia explicar todos os ocorridos de maneira “correta”. Mesmo que os conhecimentos tradicionais mostrassem resultados corretos, eram vistos como errados pois as explicações dadas não correspondiam à realidade. Outra característica do modelo que não corresponde a atualidade, é o fato de que antigamente a sabedoria era procurada apenas por quem podia (clero, nobreza e os muito ricos) e somente se estes quisessem, enquanto que atualmente, a educação superior é tida como algo obrigatório a todo jovem das grandes cidades, fazendo com que mestre e aluno se distanciem, e um sistema de atribuição de notas ou conceitos seja necessário para definir se o aluno pode ou não prosseguir com os seus estudos. As questões políticas e sociais interferem muito no avanço da ciência, e na forma como a sociedade evolui. O que foi visto nas primeiras aulas consegue de forma clara relacionar ciência, tecnologia e sociedade, visto que na primeira parte essa relação foi mostrada de um ponto de vista mais político e na segunda de um ponto de vista histórico, contextualizando o que é chamado conhecimento no era contemporânea e por que esse conceito é tão valorizado.