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Carl Jung, a Sombra e os Perigos da Projeção Psicológica

"A triste verdade é que a vida real do homem consiste em um complexo de opostos
inexoráveis - dia e noite, nascimento e morte, felicidade e miséria, bem e mal. Não
temos nem mesmo certeza de que um prevalecerá sobre o outro, que o bem vencerá o
mal ou que a alegria derrotará a dor. A vida é um campo de batalha. Sempre foi e
sempre será."

— Carl Jung, O Homem e seus Símbolos, Abordando o Inconsciente

A Batalha Interna E A Capacidade Humana Para O Bem E O Mal

Entre as inúmeras metáforas empregadas para ilustrar a vida em evolução, a imagem


de um embate mostra-se particularmente apropriada. Neste confronto, nosso próprio
ser desempenha simultaneamente o papel de maior aliado e de maior adversário,
existindo uma tensão dinâmica entre os aspectos de nossa personalidade que nos
impulsionam ao desenvolvimento pessoal e aqueles que nos limitam. Ademais, cada
indivíduo precisa enfrentar o potencial benéfico e maléfico que habita seu íntimo.
Se nossas virtudes e aptidões positivas prevalecerem, ou nossa fragilidade e
inclinação ao mal predominarem, é em grande parte resultado desse embate travado no
âmago do ser.

Projeção Psicológica: Evitando Enfrentar Nossas Próprias Falhas

Lamentavelmente, muitos indivíduos se posicionam à beira do fracasso, pois não


estão dispostos a admitir o aspecto destrutivo de seu ser. Recorrendo a variados
mecanismos de defesa psicológica, essas pessoas se esforçam para se manterem
alheias a suas imperfeições e fragilidades. Ao proceder assim, esses elementos de
sua personalidade são relegados ao inconsciente e integram a esfera da psique
denominada sombra por Jung. A sombra exerce um impacto ativo sobre nossa
personalidade e afeta nosso comportamento de incontáveis maneiras inesperadas.
Quando agimos sob a influência de nossa sombra, talvez maltratemos alguém ou
adotemos comportamentos autodestrutivos; em vez de assumir a responsabilidade por
tais atitudes, a maioria das pessoas recorre ao fenômeno psicológico conhecido como
projeção para evitar encarar sua sombra. Neste ensaio, investigaremos o fenômeno da
projeção, examinando os riscos que ele representa tanto para o bem-estar individual
quanto para a sociedade em geral.

A projeção ocorre quando atribuímos um componente de nossa personalidade, presente


em nosso inconsciente, a outrem ou a um grupo. Podemos projetar características
negativas e positivas; no entanto, há uma propensão maior a projetar as primeiras
em vez das últimas. Sigmund Freud, que popularizou o termo na década de 1890,
acreditava que a projeção constituía um mecanismo de defesa empregado para evitar a
ansiedade gerada quando somos compelidos a enfrentar nossas falhas, debilidades e
inclinações destrutivas. A visão de Jung sobre a projeção era semelhante à de
Freud, e como Jung explica em O Homem Arcaico:

“A projeção é um dos fenômenos psíquicos mais comuns... Tudo que é inconsciente em


nós mesmos, descobrimos no nosso próximo e o tratamos de acordo.”

— Carl Jung, O Homem Arcaico

O Bode Expiatório E As Consequências Perigosas No Nível Da Sociedade

Jung, contudo, salientou que a projeção era tanto um componente incontornável


quanto necessário em nosso amadurecimento psicológico, visto que se trata de um dos
principais meios pelos quais podemos tomar conhecimento dos elementos presentes em
nosso inconsciente. Após projetar um componente do nosso inconsciente, o adequado a
fazer é reconhecer a origem subjetiva da projeção, removê-la do ambiente externo e
incorporar esse aspecto de nossa personalidade à consciência. Somente ao retirar
nossas projeções e tomar consciência das falhas que antes atribuíamos aos demais,
podemos almejar tomar medidas corretivas. Esse processo de recolhimento e
integração é uma tarefa árdua, pois demanda coragem para enfrentar as fraquezas e
características obscuras. Todavia, embora difícil, essa tarefa é crucial na batalha
da vida, pois a falha em confrontar a própria sombra deixa esses elementos livres
para expandir seu alcance e influência. Como Jung explica:

"Quando alguém empenha-se desesperadamente em ser bom, magnífico e perfeito, a


sombra, por sua vez, desenvolve uma determinação crescente de ser obscura, maléfica
e destrutiva. As pessoas não conseguem enxergar isso; estão constantemente lutando
para serem esplêndidas e, então, deparam-se com ocorrências terríveis e
devastadoras que não conseguem compreender. Elas negam que tais eventos tenham
relação consigo ou, caso os admitam, os consideram provações naturais, ou buscam
minimizá-los e atribuir a responsabilidade a outras fontes. A verdade é que, se
alguém se esforça além de suas capacidades para ser perfeito, a sombra desce às
profundezas do inferno e se transforma no diabo."

— Carl Jung, Visões: Anotações do Seminário Ministrado em 1930-1934

Aqueles que se apoiam excessivamente na projeção para se resguardarem de sua


sombra, que nunca se empenham em questionar se a imagem que têm de si mesmos é
talvez excessivamente perfeita, atravessam a vida sempre necessitando de bodes
expiatórios ou indivíduos para responsabilizar por todos os seus problemas.
Frequentemente, um amigo ou parente é eleito como bode expiatório, mas o problema
dessa escolha é que ela causa danos irreparáveis e, em muitos casos, leva ao
término do relacionamento. Após afastar o bode expiatório, comumente se descobre
que os problemas persistem mesmo assim. Isso faz com que alguns passem a olhar para
si mesmos e enfrentem os elementos de sua personalidade que há tanto tempo tentaram
negar. Entretanto, em vez de se engajar nessa introspecção, a maioria das pessoas
simplesmente busca outro bode expiatório. Nesse processo, descobrem que a maneira
mais eficaz de encontrar um bode expiatório não é direcionar-se a um indivíduo
específico, mas sim a grupos inteiros de pessoas.

A Importância De Integrar A Sombra E Enfrentar Nossas Fraquezas

A propensão a culpar bodes expiatórios em escala coletiva pode gerar consequências


perigosas para uma sociedade. Aqueles que não estão dispostos ou são incapazes de
confrontar suas sombras tornam-se alvos fáceis para movimentos coletivistas que
apresentam bodes expiatórios na forma de adversários políticos, integrantes de
diferentes grupos étnicos ou classes socioeconômicas. Imputar a culpa a coletivos,
ou seja, projetar nossos problemas em agrupamentos de pessoas que se diferenciam de
nós, revela-se atraente por diversos motivos. Isso nos possibilita evitar danificar
nossos vínculos pessoais, que são prejudicados quando escolhemos alguém próximo
como bode expiatório. Ademais, visto que nossas interações com membros do grupo
responsabilizado costumam ser restritas, não corremos o risco de perceber que essas
pessoas não se assemelham quase nada à imagem distorcida delas que temos em nossa
mente. Atribuir a culpa a um conjunto é facilitado pelo fato de que os indivíduos
no grupo responsabilizado, compostos por pessoas com suas próprias fraquezas e
falhas, podem de fato agir de formas que fornecem motivos legítimos para
indignação. Ou como Jung colocou:

“Não é que os outros sejam completamente inocentes, já que até a pior projeção
encontra um ponto de apoio, mesmo que seja mínimo, proporcionado pela outra
pessoa.”

— Carl Jung, A Energia Psíquica

Contudo, como Jung observou, há uma tendência nos movimentos coletivistas de pegar
esse pequeno ponto de apoio fornecido pelos oponentes e colocar nele praticamente
tudo que está errado consigo mesmo e com o mundo. Ao lançarmos um grupo de pessoas
sob essa luz negativa, enxergando-os como a principal causa de todos os problemas
que afligem uma sociedade, torna-se possível justificar a perseguição, a violência
e talvez até a aniquilação desse grupo específico. A projeção em nível coletivo
torna-se ainda mais perigosa, pois aqueles em posições de poder podem desviar a
atenção de suas próprias ações e dos danos que podem estar causando, utilizando
propaganda, operações de falsa bandeira e outras técnicas de manipulação, a fim de
atribuir a culpa a bodes expiatórios prontos.

A Ignorância De Nós Mesmos Como A Maior Ameaça À Civilização

Devido às terríveis consequências que podem ocorrer tanto no nível individual


quanto na sociedade quando não reconhecemos, conforme as palavras de Aleksandr
Solzhenitsyn, que "a linha divisória entre o bem e o mal atravessa o coração de
cada ser humano", é crucial que nos esforcemos para identificar nossas
características sombrias e integrá-las à nossa consciência. Somente assim estaremos
em uma posição adequada para avaliar as verdadeiras origens do mal neste mundo. Por
outro lado, se falharmos em reconhecer a origem subjetiva de nossas projeções,
nosso próprio bem-estar sofrerá, e também contribuiremos, em escala global, para
muitos conflitos desnecessários. Jung chegou a sugerir que, se a projeção
psicológica em nível coletivo se tornasse muito difundida, a guerra seria o
provável resultado. Ele acreditava que o maior perigo para a civilização humana não
residia nas armas à nossa disposição, mas na incapacidade de compreendermos a nós
mesmos. É essa ignorância e a falha em enfrentar nossas próprias fraquezas e
tendências destrutivas que fazem com que o que deveria ser uma batalha interna se
manifeste no mundo externo.

"As pessoas modernas, em geral, são desinformadas sobre sua verdadeira natureza. De
alguma forma, esquecemos o que realmente significa ser humano, e por isso temos
pensadores como Nietzsche, Freud e Adler, que revelam nossa essência de maneira
implacável. Precisamos descobrir e enfrentar nossa sombra, pois, caso contrário,
podemos ser levados a um conflito mundial que nos forçará a confrontar a nossa
verdadeira face, mostrando quão feras podemos ser."

— Carl Jung, Visões: Notas do Seminário Dado em 1930-1934

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