Você está na página 1de 26

Capítulo 1

Direito Administrativo e
Administração Pública

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você as habilidades


de conceituar o Direito Administrativo, reconhecer o
seu objetivo e identificar seus principais aspectos.
Ao fim do seu estudo, você também estará apto a
analisar o regime jurídico administrativo e, assim,
diferenciar a Administração Pública da atividade
administrativa.

Seções de estudo Seção 1:  Noções introdutórias

Seção 2:  Administração Pública: sentidos

Seção 3:  Princípios administrativos

FRANÇA, Patrícia de Oliveira. Direito administrativo I. Palhoça : UnisulVirtual, 2014.

9
Capítulo 1

Seção 1
Noções introdutórias
O Brasil é uma federação, formada pela união indissolúvel dos entes federativos,
quais sejam, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios.
Cada ente federativo goza de personalidade jurídica de Direito Público Interno,
com aptidão para o gozo e exercício de direitos e obrigações na ordem jurídico-
constitucional.

Para manter a autonomia entre os entes federativos, evitando que ocorra a


intrusão de uma unidade federativa na competência de outra, a Constituição da
República Federativa do Brasil procedeu à repartição das competências entre
cada um dos entes federativos.

Neste sentido, ensina Ferrari (2011, p. 205):

[...] compreende-se que, quando se fala em autonomia dos


Estados-membros e dos Municípios, pressupõe-se uma
repartição constitucional de competências que não pode ser
alterada pelos entes jurídicos que compõem a federação, só
havendo tal possibilidade através da mudança da própria
Constituição Federal.

A Constituição Federal é o maior instrumento normativo do Estado Federal (Brasil)


e goza de hierarquia sobre as demais normas jurídicas. Assim, a fixação da
competência por ela atribuída, deve ser observada pelos entes federativos, sob
pena de ofensa à sua supremacia.

Ressalte-se que o Brasil constitui-se em “Estado Democrático de Direito”,


conforme se depreende do artigo 1° da CRFB, o que significa um Estado
que deve sujeitar-se às normas por ele mesmo criadas através do processo
democrático de elaboração das normas, bem como deve respeitar e concretizar
direitos e garantias fundamentais. (BRASIL, 1988).

Para o exercício das atribuições inerentes ao Estado, todas as Constituições


brasileiras, com exceção da Constituição de 1824, adotaram a tripartição dos
Poderes, ou seja, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e
harmônicos entre si, de acordo com o artigo 2° da CRFB. (BRASIL, 1988).

Neste sentido, o art. 2° da Constituição da República Federativa do Brasil: “São


Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.” (BRASIL, 1988).

10
Direito Administrativo I

Conforme ensina Carvalho Filho (2013, p. 3), “A cada um dos poderes foi
cometida uma função. Assim, ao Poder Legislativo foi concedida a função
normativa (ou legislativa); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a
função jurisdicional.”

Contudo, não existe exclusividade do exercício destas funções, mas sim,


preponderância, pois os Poderes da República, além de exercer funções
consideradas típicas, igualmente exercem outras funções, chamadas de atípicas,
como se pode verificar do mapa mental abaixo:

Figura 1.1 – Funções típicas e atípicas dos Poderes da República

Funções típicas e atípicas 
dos Poderes da República

PODER  PODER  PODER 


LEGISLATIVO EXECUTIVO JUDICIÁRIO

Funções típicas Funções típicas
Funções típicas

Funções atípicas Funções atípicas Funções atípicas


Função jurisdicional
Legislar

Ocorre na prática  Dizer o direto no caso 
de atos de chefia  Natureza legislativa concreto, solucionando 
de estado, chefia  a lide e restabelecendo 
Fiscalização de governo e atos  a paz entre os litigantes.
contábil, de administração
financeira,
orçamentária e
O Chefe do Executivo, quando 
patrimonial
autorizado pela CRFB pode 
do Estado
praticar determinadas funções 
legislativas, como é o caso da 
edição de medidas provisórias, 
com força de lei (art. 62, CRFB).
Natureza jurisdicional Natureza executiva

Natureza executiva Natureza legislativa
Quando a CRFB Ocorre ao dispor 
autoriza o exercício da  sobre sua organização, 
função jurisdicional  provimento, cargos,  No caso, por ex.,  Ocorre ao dispor sobre sua 
pelo Senado Federal,  férias, processos  da edição do Regimento  organização, provimento, 
como, por ex., no  disciplinares etc. Interno dos Tribunais. cargos, férias, processos 
julgamento do 
Presidente da  disciplinares etc.
República 
(Art. 52, II, CRFB)

Fonte: Elaboração do autor (2014).

11
Capítulo 1

Assim, o Poder Legislativo, além de exercer as funções típicas de legislar e


fiscalizar, também exerce funções atípicas, no caso a função administrativa, para
organizar-se internamente, e a função jurisdicional, no caso de julgamento de
crimes de responsabilidade, nas hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 52
da CRFB. (BRASIL, 1988).

Da mesma forma, o Poder Judiciário, que, além de exercer a função típica de


julgar, ou seja, de exercer a atividade jurisdicional do Estado, também possui
funções atípicas, quais sejam: a função administrativa e a função legislativa. O
próprio Poder Executivo exerce, além, da sua função típica de administrar, a
função atípica de legislar, quando, por exemplo, edita medidas provisórias.

O que se percebe, portanto, é que, em qualquer um dos Poderes da República,


haverá o exercício de função administrativa, seja ou não sua atividade
preponderante. Assim, o estudo do Direito Administrativo abrange tanto o
Poder Executivo, como o Poder Legislativo e Judiciário, quando estes exercem
atividades administrativas.

1.1 Função Administrativa


Com relação à função administrativa, Carvalho Filho (2013, p. 04) aduz que tal
função é aquela exercida pelo Estado, através de seus agentes, para alcançar os
fins objetivados pela ordem jurídica.

Dois critérios são apontados para a identificação da função administrativa: o


critério subjetivo (orgânico) e o objetivo. O critério subjetivo, também chamado
de orgânico, determina a função administrativa com base no sujeito ou agente da
função. Por sua vez, o critério objetivo, subdivide-se em dois: objetivo material
e objetivo formal. O primeiro examina o conteúdo da atividade desempenhada,
independentemente do sujeito, enquanto que o segundo (critério objetivo formal)
verifica o regime jurídico no qual está disciplinada a função administrativa, sem
levar em conta o conteúdo da atividade. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 4).

Para Carvalho Filho (2013, p. 4), nenhum dos critérios isoladamente será
suficiente para indicar a função administrativa, diante do seu caráter residual,
ou seja, a “[...] função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus
delegados, subjacentemente à ordem constitucional ou legal, sob regime de
direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem pública.”

Como visto, todos os Poderes praticam atos administrativos e exercem


função administrativa, não interessando em qual Poder foi exercida a função
administrativa, esta será regrada pelo Direito Administrativo.

12
Direito Administrativo I

1.2 Conceito de Direito Administrativo


O Direito Administrativo é o ramo da ciência jurídica encarregado de regular
as relações jurídicas existentes entre a Administração Pública Direta e a
Administração Pública Direta indireta, bem como estas e os particulares.

Neste sentido, colaciona Di Pietro (2011, p. 47) que o Direito Administrativo


é “[...] o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e
pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a
atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a
consecução de seus fins, de natureza pública.”

Hely Lopes Meirelles (2004, p. 4), conceitua o Direito Administrativo como o “[...]
conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as
atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins
desejados pelo Estado”.

Desta forma, depreende-se que o Direito Administrativo é ramo do Direito


Público, formado por um conjunto harmonioso de normas e princípios que
regulam as relações jurídicas entre órgãos públicos, seus servidores públicos e
administrados, no que concerne às atividades públicas estatais.

1.3 Autonomia do Direito Administrativo


Quanto à autonomia do Direito Administrativo em relação aos demais ramos
do Direito, ele só alcançou sua autonomia com o advento dos movimentos
constitucionalistas que tiveram origem no Estado Liberal, final do século XVIII e
início do século XIX, época das grandes revoluções, na qual ocorreu a passagem
do Estado Monárquico Absolutista para o Estado Liberal e que faz nascer o
Direito Público de uma forma geral. Obviamente, o Direito Administrativo se insere
aí. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 6-7).

Com a Idade Contemporânea, ocorreu a construção e a evolução do Direito


Público como ciência, que inclui, entre as suas características, a capacidade de
regular e limitar o poder do Estado – agora classificado como Estado de Direito,
com base no princípio da legalidade, segundo o qual o próprio Estado está
submetido ao Direito, isto é, este dá origem àquele e limita sua ação.

Assim, o Direito Administrativo é um ramo autônomo do direito e pode ser


conceituado como “[...] o conjunto de normas e princípios que, visando sempre
o interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do
Estado e entre este e as coletividades a que devem servir.” (CARVALHO FILHO,
2013, p. 08).

13
Capítulo 1

Interessante esta nova perspectiva do Estado como Estado de Direito e o


surgimento do Direito Administrativo como ramo autônomo, não é? Que tal
um exemplo prático, em meio a toda esta parte teórica, que acabou de ser
estudada, na qual fica demonstrada a limitação do Estado pelo Direito?

A partir das considerações apresentadas na seção 1, analise a seguinte


jurisprudência proferida pelo Tribunal de Justiça de Sergipe:

REEXAME NECESSÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA –


CONCURSO PÚBLICO – MAGISTÉRIO MUNICIPAL –
NOMEAÇAO – PRETERIÇAO – VIOLAÇAO A DIREITO LÍQUIDO E
CERTO – SEGURANÇA DEFERIDA – - PELA MANUTENÇAO DA
DECISAO MONOCRÁTICA.
• Configurado se apresenta o direito líquido e certo alegado
pelo Impetrante, aprovado em concurso público, quando restar
comprovada a preterição de sua nomeação.

• A decisão em análise não merece reparo, pois o Impetrante, que


obteve o 5° lugar na classificação, se tornou detentor do direito
líquido e certo de ser nomeado, no momento em que três dos
quatro candidatos não assumiram, deixando, assim, três vagas
não preenchidas que, evidentemente, teriam de ser preenchidas
pelo próximo classificado não nomeado, no caso, o Autor, e não
por candidatos aprovados para outras funções, inclusive com
pior classificação à do Impetrante.

• Reexame necessário. Sentença Confirmada.” (REEX


2010204564 SE, Relator Desembargador Osório de Araújo
Ramos Filho. Julgado em 09/08/2010, 2ª.Câmara Cível).
Fonte: Disponível em: jusbrasil (2011).

Verifica-se, na decisão acima citada, que a Administração Pública está adstrita


à observância do princípio da legalidade. O ente público, dentro dos critérios da
oportunidade e conveniência, pode abrir concurso público para o provimento de
cargos vagos, contudo vincula-se à lei e ao edital do concurso. Caso ocorra a
inobservância pela Administração Pública destas normas, às quais está vinculada,
o prejudicado poderá, tanto pela via administrativa, como pela judicial, impugnar
o ato ilegal. Neste caso, houve preterição na ordem de classificação no concurso,
e o candidato preterido impetrou Mandado de Segurança para garantir o seu
direito liquido e certo à nomeação.

14
Direito Administrativo I

1.4 Fontes do Direito Administrativo


Fonte é o nascedouro, é o lugar de onde provém algo, ou seja, é o ponto de
partida.

Diógenes Gasparini (2010, p. 81) conceitua fonte do Direito Administrativo como


“[...] o conjunto de modos pelos quais esse sub-ramo do Direito Público é formado.”
Ou seja, as fontes são os fatos jurídicos responsáveis pela criação das normas.

As fontes podem ser classificadas em primárias (ou maiores ou diretas) quando


decorrem diretamente da própria Constituição da República Federativa do Brasil,
como se pode observar no rol apresentado no art. 59 da CRFB. (BRASIL, 1988).
Classificam-se como fontes secundárias as demais fontes, que não decorrem
diretamente da Constituição. É o caso da doutrina, da jurisprudência e dos
costumes.

Ressalte-se que o Direito Administrativo está adstrito ao princípio da legalidade,


estabelecido no “caput” do art. 37 da CRFB. (BRASIL, 1988). Ou seja, somente
a lei poderá criar diretamente deveres e proibições, obrigações de fazer ou não
fazer no âmbito do Direito Administrativo. Na verdade, o administrador público
fica adstrito à vontade da lei, apenas podendo agir de acordo com ela.

Desta forma, a doutrina, por ser fonte secundária, servirá apenas como elemento
de interpretação da norma jurídica, ao esclarecer o seu sentido e alcance. A
jurisprudência, que são as reiteradas decisões dos Tribunais, por ser também
uma fonte de interpretação da norma, exerce uma boa influência sobre o modo
como estas passam a ser entendidas e aplicadas. Os costumes, por sua vez, são
as práticas reiteradas no âmbito da administração pública que acabam por gerar
padrões comportamentais com sentido de obrigatoriedade.

1.5 Relação com outros ramos


O Direito Administrativo também se relaciona com outros ramos da ciência
jurídica.

Apesar de o Direito Administrativo ser um ramo autônomo do Direito Público, ele


relaciona-se diretamente com o Direito Constitucional, uma vez que é a própria
Constituição que traçará as vigas mestras a serem observadas por cada ente
integrante da Federação brasileira, inclusive com a previsão específica sobre
a Administração Pública no Capítulo VII (Da Administração Pública) do Título III
(Organização do Estado) da CRFB (arts. 37 ao 43). (BRASIL, 1988).

15
Capítulo 1

O Direito Administrativo também se relaciona com o Direito Civil, principalmente


no que concerne à teoria do ato administrativo, contratos, pessoas jurídicas
que compõem a Administração pública indireta, servidão administrativa, bens
públicos, dentre outros, que subsidiariamente aplicam a codificação civil.

É clara a relação existente entre o Direito Administrativo e o Direito Processual


Civil, uma vez que este é o instrumento de aplicação daquele, no caso de lides
que provocam a intervenção da jurisdição estatal.

O Direito do Trabalho, por sua vez, também se relaciona com o Direito


Administrativo, relativamente aos agentes públicos que trabalham na condição
de empregados públicos, bem como, subsidiariamente, aos servidores públicos
estatutários, como é o caso da Lei de Greve dos Celetistas que foi estendida aos
Estatutários, diante da ausência de lei específica para os estatutários sobre o
exercício do Direito de Greve.

O Direito Penal e o Direito Processual Penal, da mesma forma, possuem relação


com o Direito Administrativo, posto que o primeiro irá tipificar as condutas de
agentes públicos que venham a lesar a Administração Pública, enquanto que
o segundo é o instrumento para o processo e julgamento dos crimes contra a
Administração Pública.

O Direito Financeiro e o Direito Tributário mantêm relação estreita com o


Direito Administrativo, utilizando-se de toda a base principiológica do Direito
Administrativo, posto que o exercício da atividade financeira e tributária pelo ente
federativo também faz parte da função executiva do ente estatal.

Da mesma forma, os ramos do Direito Econômico, Urbanistico, Ambiental,


Empresarial e Internacional Público também mantêm relação com o Direito
Administrativo, posto que a atividade estatal depara-se, nas suas relações
jurídicas, com atos e fatos relacionados a estas áreas da ciência jurídica.

1.6 Sistemas Administrativos


Há duas espécies de sistemas administrativos: o sistema de jurisdição una e o
sistema do contencioso administrativo.

O sistema de jurisdição una é o modelo adotado na Inglaterra e, por isso


mesmo, conhecido também como modelo inglês, exige que todas as causas
sejam julgadas pelo Poder Judiciário, mesmo as que envolvam interesse da
Administração Pública. O Brasil adota este modelo ao instituí-lo no inciso XXXV
do art. 5 da CRFB, pois a lei não poderá excluir da apreciação do Judiciário
qualquer lesão a um direito ou ameaça a ele. (BRASIL, 1988).

16
Direito Administrativo I

Já o sistema do contencioso administrativo foi adotado na França e, por isso,


ganhou o nome de modelo francês: caracteriza-se pela divisão da função
jurisdicional entre o Poder Judiciário e os tribunais administrativos. Neste caso,
atribui-se ao Poder Judiciário, competência para o julgamento das causas
comuns, enquanto que os tribunais administrativos julgam as causas em que
houver interesse da Administração Pública.

Ressalte-se que, no sistema do contencioso administrativo, as decisões proferidas


pelos tribunais administrativos não podem ser revisadas pelo Poder Judiciário.
Portanto, não confundir a jurisdição estatal exercida pelo Poder Judiciário, com
processos administrativos ocorridos no âmbito da administração pública.

Aqui, no Brasil, todas as causas julgadas administrativamente sujeitam-se ao


controle jurisdicional, pois adotamos o sistema de jurisdição una. Portanto
processo administrativo, no Brasil, não é exercício de função jurisdicional, mas,
simplesmente, de função administrativa.

Seção 2
Administração Pública: sentidos
Administração Pública engloba tanto as tarefas a serem realizadas bem como os
executores destas tarefas, neste sentido, tomando como base os executores da
atividade e a função desempenhada, a expressão pode ser abordada em dois
sentidos (CARVALHO FILHO, 2013, p. 11):

a. Sentido objetivo: administração


pública – administrar (gerir, zelar), função
Administração Pública administrativa.
b. Sentido subjetivo: Administração Pública –
Entidades, órgãos, agentes.

Desta forma, em sentido subjetivo, a Administração Pública é grafada com letra


maiúscula por referir os sujeitos que realizam administração da coisa pública,
sendo estes os agentes, órgãos e pessoas jurídicas. Por outro lado, em sentido
material, administração pública é tomada como ação praticada pelo agente
de gerir, zelar, administrar (verbo) a coisa pública na busca da realização das
necessidades coletivas. Por significar a realização de algo é grafada com letra
minúscula. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 11).

17
Capítulo 1

OBS: Todos os Poderes realizam administração pública: o Executivo, de forma


precípua, e, os demais, atipicamente. Consequentemente, todos eles, através de
seus agentes, órgãos e pessoas jurídicas, ao realizarem função administrativa, e
não legislativa ou judiciária, poderão ser denominados Administração Pública.
(CARVALHO FILHO, 2013, p. 12).

2.1 Órgãos Públicos


O Estado, por ser uma ficção jurídica, atua e manifesta a sua vontade através
dos agentes públicos, pessoas naturais que exercem a função administrativa.
São lotados dentro de repartições internas despersonalizadas que recebem a
denominação de órgãos públicos. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 12).

Para entender a relação existente entre o órgão e a pessoa, bem como as


consequências jurídicas decorrentes dos atos praticados pelos agentes públicos
dentro dos órgãos, foram desenvolvidas algumas teorias que passam a explicar
esta relação:

•• Teoria do Mandato: para esta teoria, o “órgão público” (centro de


competências) seria uma espécie de mandatário do Estado.
•• Teoria da Representação: por esta teoria da representação, o centro
de atribuições seria uma espécie de representante do Estado.
•• Teoria do Órgão: teoria criada pelo alemão Otto Gierkee, que
equipara o Estado a uma pessoa natural, a uma pessoa física.
Equipara a estrutura do Estado ao organismo humano. Assim, como
a pessoa natural atua através de órgãos humanos, o Estado atua
através de órgãos públicos.

Carvalho Filho (2013, p. 13) ensina que “A característica fundamental da teoria


do órgão consiste no princípio da imputação volitiva, ou seja, a vontade do órgão
público é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence.”

Exemplificando:

João, pessoa natural, está um pouco mais exaltado e agride, com um tapa,
Carlos. Assim, Carlos, vítima, ajuíza ação indenizatória por danos morais em face
de João. Depois de devidamente citado, João contesta a ação, alegando em sua
defesa sua ilegitimidade, uma vez que quem bateu no rosto de Carlos foi a sua
mão, e ele não poderá ser responsabilizado por esta ação de sua mão.

18
Direito Administrativo I

Tal argumentação será considerada pelo magistrado?

É obvio que não! Uma vez que quem bateu no rosto de Carlos foi a pessoa como
um todo e não apenas “parte’ dela. Neste caso, João utilizou um órgão seu para
agredir Carlos. A atuação da mão é imputada a João na sua integridade como
pessoa.

A mesma coisa aplica-se ao órgão público, onde não é possível a separação,


diante da Teoria do Órgão e o Princípio da Imputação Volitiva. Assim, a
atuação do órgão é despersonalizada, não tem vontade autônoma, e a sua
atuação será imputada ao Estado como um todo.

Vamos ver mais um exemplo? Imagine que o Ministério da Saúde (União Federal,
portanto), tem uma ambulância, integrante do seu patrimônio, ou seja, dos seus
quadros, que veio a atropelar alguém. A vítima procura um Defensor Público da
União para propor a ação de ressarcimento.

Em face de quem a ação deverá ser proposta?

Neste caso, a ambulância está à disposição do Ministério da Saúde, que, por sua
vez, é órgão público, integrante da União Federal. Desta feita, a atuação daquele
órgão vai ser imputada ao ente público como um todo, ou seja, a ação será
proposta em face da União Federal.

Para a criação e extinção de órgãos públicos, a Administração Pública deve


observar a estrita legalidade, ou seja, depende de lei específica, de iniciativa
privativa do chefe do executivo. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 13).

No Poder Judiciário, por sua vez, a iniciativa da lei de criação e extinção de


órgão será dos Tribunais judiciários e, no caso do Poder Legislativo, a criação ou
a extinção de órgão ocorre, excepcionalmente, por atos administrativos e não
através da lei, uma vez que a Constituição Federal, nos artigos 51, IV e 52, XIII,
inclui tal possibilidade dentro do poder das Casas Legislativas de disporem sobre
sua organização e funcionamento. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 14).

Você conhece o conceito de órgão público?

Pode-se conceituar órgão público “[...] como o compartilhamento na


estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo
integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria
vontade do Estado.” (CARVALHO FILHO, 2013, p. 15).

19
Capítulo 1

Di Pietro (2010, p. 506) conceitua órgão público “[...] como uma unidade que
congrega atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o
objetivo de expressar a vontade do Estado.”

Por sua vez, Diógenes Gasparini (2010, p. 101) esclarece que os “[...] órgãos
públicos não são pessoas, mas centros de competências criados pelo Direito
Público. Ademais, são partes ou componentes da estrutura do Estado e por isso
dele não se distinguem. Vale afirmar: não têm personalidade jurídica.”

Órgão público tem capacidade processual? Se o órgão não tem personalidade


jurídica, não será sujeito de direitos e obrigações e não terá capacidade
processual, esta é a regra. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 15-16).

Existem exceções? Sim, há exceções. Se a regra é a incapacidade processual,


excepcionalmente, um órgão pode ter capacidade processual ou, usando outra
expressão, “personalidade judiciária”. O fato é que a doutrina e a jurisprudência
já consagraram a possibilidade excepcional dessa capacidade processual ser
conferida a alguns órgãos. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 15).

Para que um órgão público possa demandar em juízo, em nome próprio,


(capacidade judiciária), deverá preencher DOIS requisitos CUMULATIVOS:

a. ser órgão de cúpula (órgãos mais elevados do Poder Público, de


envergadura constitucional), vale dizer, sem subordinação jurídica e
localizado no topo da pirâmide hierárquica da administração.
b. vir a juízo somente se estiver defendendo suas prerrogativas e
competências institucionais.

Nada impede que a lei dê capacidade processual a algum órgão, como é o


caso do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor – CDC quando fala
em capacidade para as ações coletivas e menciona, inclusive, a capacidade
processual de alguns órgãos públicos. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 16).

Agora, que tal verificar qual a posição jurisprudencial adotada pelo Superior
Tribunal de Justiça a respeito?

20
Direito Administrativo I

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – DEFESA JUDICIAL DE


ÓRGÃO SEM PERSONALIDADE JURÍDICA – PERSONALIDADE
JUDICIÁRIA DA CÂMARA DE VEREADORES.

1. A regra geral é a de que só os entes personalizados, com


capacidade jurídica, têm capacidade de estar em juízo, na defesa
dos seus direitos.

2. Criação doutrinária acolhida pela jurisprudência no sentido


de admitir que órgãos sem personalidade jurídica possam em
juízo defender interesses e direitos próprios, excepcionalmente,
para manutenção, preservação, autonomia e independência das
atividades do órgão em face de outro Poder. (REsp 649824/RN,
julgado em 28/03/2006).
Fonte: Disponível em Superior Tribunal de Justiça (2006).

Assim, verifica-se que os órgãos públicos são centro de competências,


desprovidos de personalidade jurídica e que, excepcionalmente, poderão ter
capacidade judiciária, desde que se trate de órgão de cúpula e para a defesa das
suas prerrogativas e competências institucionais.

Seção 3
Princípios Administrativos
Diferentemente de outros ramos do direito, o Direito Administrativo não é
codificado, ou seja, não há um documento legal único, sistematizando as normas
de Direito Administrativo. Em razão disso, as normas estão distribuídas em
diversos instrumentos normativos, tendo como norma maior a Constituição da
Republica Federativa do Brasil.

Diante desta diversidade normativa, os princípios ganham papel de destaque,


posto que exercem função sistematizadora e unificadora das normas
administrativas. Trata-se de “[...] regras gerais que a doutrina identifica como
condensadoras dos valores fundamentais de um sistema.” (MAZZA, 2013, p. 79).

Ensina Carvalho Filho (2013, p. 18) que os “Princípios administrativos são


os postulados que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública.
Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando
no exercício de atividades administrativas.”

21
Capítulo 1

Carlin (2007, p. 65), por sua vez, elucida que os princípios são “[...] os valores
fundamentais éticos, sociais, políticos e de justiça, representadores dos anseios,
necessidade e realidades sociais num determinado momento histórico, que
alicerçam todo o ordenamento jurídico, garantindo-lhe validade.”

Desta forma, os princípios não servem apenas como método de integração da


norma jurídica nas hipóteses de lacuna da lei, por exercerem função orientadora,
interpretativa, sistêmica, normogenética, vinculante e supletiva. (CANOTILHO, 2000).

Na atual fase de desenvolvimento do Direito, a normatividade dos princípios


tornou-se definitivamente reconhecida e incontestável, e o mais importante é que
eles foram alçados à posição de núcleo do ordenamento jurídico.

Deste modo, conclui-se que as normas jurídicas do ordenamento podem


assumir dois tipos de configurações: regras ou princípios.

As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o


conflito entre elas é dirimido no plano da validade: aplicáveis
ambas a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará,
atribuindo-se à outra o caráter de nulidade. Os princípios, ao
revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese
de conflito: dotados que são de determinado valor ou razão, o
conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação
de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o
intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examine, será
atribuído grau de preponderância. Não há, porém, nulificação do
princípio postergado; este, em outra hipótese e mediante nova
ponderação de valores, poderá ser o preponderante, afastando-
se o outro princípio em conflito. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 18).

Que tal analisar a seguinte jurisprudência que trabalha com o critério da


ponderação de valores?

Constitucional. Quebra de sigilo bancário. Requisição da autoridade


fiscal. Procedimento administrativo em curso. Art. 6° da LC
105/2001. Constitucionalidade.

1. A proteção constitucional à intimidade e à privacidade não


assume caráter absoluto, e deve ceder na presença de indícios
de práticas abusivas e ilegais, merecendo prevalência o interesse
público sobre o privado.

2. As questões envolvendo colisão de princípios constitucionais


devem ser resolvidas através de uma ponderação em que se
considere que nenhum dos princípios “pode pretender uma
precedência básica”, mas que o julgados deve “decidir qual
interesse deve ceder, tendo em conta a conformação típica do caso
e das circunstâncias especiais do caso particular” (ALEXY, 1997).

22
Direito Administrativo I

3. Na hipótese, a requerente movimentou vultosas quantias, sem no


entanto ter apresentado declaração anual de renda, donde tem-se
por caracterizada a existência de indícios suficientes a legitimar a
ação fiscalizatória.

4. Outrossim, cumpre ressaltar que contra os dispositivos da Lei


Complementar n. 105/2001 já foram ajuizadas diversas ações
diretas de inconstitucionalidade, sem que no entanto a Suprema
Corte tenha suspendido sua eficácia quando do julgamento das
liminares.

5. Agravo de instrumento desprovido. (TRF 5ª Região, AGTR


53138 PB 0035100-35.2003.4.05.0000, Primeira Turma, Relator
Desembargador Federal Francisco Wildo, julgado em 05.07.2004).
Fonte: Fonte: Diário da Justiça – Data: 05/07/2004 – Página: 911 –
Nº: 127 – Ano: 2004

Assim, verifica-se que, no caso de colisão entre princípios constitucionais, a


técnica a ser aplicada é a da ponderação de valores ou interesses, verificados
diante de cada situação em concreto, na qual o intérprete, no caso o juiz, deverá
decidir qual interesse deve ceder, para melhor atender o caso concreto, diante
das peculiaridades específicas que o caso exige.

Você sabe a distinção entre os princípios administrativos expressos e os


reconhecidos?

Os princípios podem ser expressos e reconhecidos, ressaltando que


todos são originados dentro do ordenamento jurídico e não fora dele. A
diferença situa-se somente no fato de que os expressos vêm literalmente
previstos na Constituição da República Federativa do Brasil. Já os
reconhecidos são extraídos das normas infraconstitucionais, bem como do
interior de normas, através do processo da hermenêutica.

Os princípios expressos são os elencados no artigo 37 da Constituição da


República Federativa do Brasil, quais sejam: legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.

23
Capítulo 1

3.1 Princípio da Legalidade


O princípio da legalidade é a diretriz básica de toda conduta dos agentes que
integram a Administração Pública e significa que “toda e qualquer atividade
administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.”
(SAYAGUÉS LASO apud CARVALHO FILHO, 2013, p. 19).

O princípio da legalidade aparece em dois momentos no texto constitucional,


primeiro, no artigo 5º, II e, depois, no artigo 37. Será que são sinônimos? Não são
sinônimos. Sabe por quê?

Por que os indivíduos, no campo privado, podem fazer tudo o que a lei não
veda, e o administrador público só pode fazer o que a lei autoriza. Desta forma, o
princípio da legalidade estatuído no art. 5º, II, da Constituição Federal (BRASIL,
1988) refere-se à liberdade de ação, como direito fundamental. É a aplicação do
princípio da autonomia da vontade, “que lhes permite fazer tudo o que a lei não
proíbe.” (DI PIETRO, 2010, p. 64).

Já, no disposto no artigo 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), a ideia é


outra, pois, aqui, ao administrador público, só é permitido fazer o que está na lei.

3.2 Princípio da Impessoalidade


“Impessoal é o ‘que não pertence a uma pessoa em especial, ou seja, aquilo que
não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas.” (CALDAS AULETE
apud CARVALHO FILHO, 2013, p. 20).

Visa o princípio consagrar a igualdade de tratamento entre os administrados


que se encontram em idêntica situação jurídica. É uma faceta do princípio da
isonomia. Ademais, o administrador público age em nome do serviço, em nome
do interesse público e não atendendo a interesses pessoais.

Ele deve objetivar o interesse da coletividade e não ao interesse próprio e, desta


forma, fica estampada a aplicação de outro princípio, o da finalidade, “segundo
o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público,
e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular [...].”
(CARVALHO FILHO, 2013, p. 20).

A impessoalidade aparece no caput do artigo 37 da CRFB (BRASIL, 1988), mas


também no seu § 1º:

24
Direito Administrativo I

A administração pública, direta e indireta de qualquer dos


poderes da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§1º – a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e


campanhas dos órgãos públicos deverão ter caráter educativo,
informativo ou de orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou de servidores públicos.

O princípio da impessoalidade aparece bem caracterizado, assim determinada


obra não foi o “fulano” quem a fez, a obra foi o governo federal, estadual,
municipal, etc., mas não associada ao nome do governante, porque não foi ele
quem a fez. A obra é fruto de um trabalho coletivo; de recursos públicos de todos
nós. Não posso utilizar as obras dos programas em nome próprio.

O princípio da finalidade está previsto na Constituição Federal?

O princípio da finalidade não está no caput do artigo 37, mas a ideia da finalidade
acaba sendo associada à impessoalidade pela doutrina. Não posso atender a
interesse pessoal, tenho que atender à finalidade pública. Por isso, então, sempre
que falamos em princípio da impessoalidade, lembramos desvio de finalidade ou
vice-versa.

O desvio de finalidade encontra respaldo no art. 2º, § único, alínea “e” da


lei 4.717/65 – Lei de Ação Popular – que elenca todos os elementos do ato
administrativo, que será estudado na Unidade 4.

Quando ocorre o desvio da finalidade, fere-se a impessoalidade, uma vez que se


está atendendo a um interesse pessoal.

Você quer um exemplo? É o caso daquele administrador que remove “a bem do


serviço público” um servidor para outra localidade, porque é um desafeto seu. A
remoção é a bem do serviço, não é para prejudicar ninguém nem para atender
interesse pessoal.

Mais um exemplo: a desapropriação para reforma agrária. Sob esse pretexto,


agente público faz uma desapropriação apenas para pagar uma indenização
milionária a um amigo seu, ou o inverso, para pagar uma indenização irrisória a
um desafeto.

25
Capítulo 1

Então a impessoalidade tem esses dois contextos, associada ao artigo 37, § 1º,
da Constituição Federal (BRASIL, 1988), mais pragmático, e, associada ao desvio
de finalidade.

Di Pietro (2010, p. 67) também trabalha o princípio da impessoalidade em dois


sentidos:

No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com


a finalidade pública que deve nortear toda a atividade
administrativa. Significa que a Administração não pode atuar
com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas,
uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear
o seu comportamento. No segundo sentido, o princípio significa,
segundo José Afonso da Silva (2003, p. 647), baseado na lição
de Gordilho que ‘os atos e provimentos administrativos são
imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão
ou entidade administrativa da Administração Pública, de sorte
que ele é o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que
formalmente manifesta a vontade estatal’. (DI PIETRO, 2010, p. 67).

A Lei 9.784/99, no seu artigo 2°, implicitamente prevê o princípio da


impessoalidade ao exigir “objetividade no atendimento do interesse público,
vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades.” Os artigos 18 a 21
também se referem ao princípio da impessoalidade e o da moralidade, ao
disciplinarem sobre causas de impedimento e suspeição.

Observe esta questão objetiva:

A ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem


discriminações, benéficas ou detrimentosas, é referente ao princípio da:

a. impessoalidade

b. publicidade

c. moralidade

d. eficiência

A ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados


sem discriminações, benéficas ou detrimentosas, é referente ao princípio da
impessoalidade.

26
Direito Administrativo I

3.3 Princípio da Moralidade Administrativa


Segundo Carvalho Filho (2013, p. 20):

O princípio da moralidade impõe ao administrador público não


dispensar os preceitos éticos que devem estar presentes em
sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência,
oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o
que é honesto do que é desonesto.

É o conceito do bom administrador; da boa administração; da administração


proba; honesta. Contudo, há uma associação muito grande de moralidade a
probidade, devido à menção de administração proba. Cuidado com isso.

Improbidade é violação a qualquer princípio da administração pública, é um dos


conceitos mais amplos que temos.

Há três fundamentos para improbidade: violação a princípios da administração


pública, qualquer um deles, não só a moralidade; dano ao erário; e
enriquecimento sem causa/ enriquecimento ilícito – artigos 9, 10 e 11 da Lei
8429/92. (BRASIL, 1992).

Di Pietro (2010, p. 78) nos diz: “Em resumo, sempre que em matéria
administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do
administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância
com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração,
os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará
havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.”

A Resolução n° 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça, visando preservar


os padrões de moralidade no serviço público, vedou expressamente a prática
do nepotismo, uma das formas de improbidade administrativa, incluindo-se
ainda o nepotismo transverso ou cruzado, ou seja, aquele resultante de ajuste
mediante designações recíprocas. (BRASIL, 2005).

A súmula vinculante n° 13, de 29/08/2008, consolidou a vedação nos seguintes


termos:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha


reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica
investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para
o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de
função gratificada na administração pública direta e indireta em
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações
recíprocas, viola a Constituição Federal.

27
Capítulo 1

Diante da vedação ao nepotismo, será licito que Governador nomeie irmão


para o cargo de Secretário de Estado? Ou que Prefeito nomeie sua filha
para o cargo de Secretária Municipal de Educação?

Ficaram, porém, fora da proibição as nomeações de parente para cargos políticos,


como os de Ministro ou Secretário Estadual ou Municipal, e isso em virtude
de terem esses cargos natureza eminentemente política, diversa, portanto, da
que caracteriza os cargos e funções de confiança em geral, os quais têm feição
nitidamente administrativa. (CARVALHO FILHO, 2011, p. 23).

Veja como pode ser elaborada uma questão objetiva sobre este princípio:

A atuação administrativa não pode contrariar, além da lei, a moral, os bons


costumes, a honestidade, os deveres de boa administração, sob pena de ofensa ao
princípio da:

a. moralidade

b. publicidade

c. impessoalidade

d. nenhuma das alternativas está correta

A atuação administrativa não pode contrariar, além da lei, a moral, os bons


costumes, a honestidade, os deveres de boa administração, sob pena de ofensa
ao princípio da moralidade.

3.4 Princípio da Publicidade


Carvalho Filho (2013, p. 24) ensina que “[...] os atos da Administração devem
merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque
constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a
legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência
dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos
atos e o grau de eficiência de que se revestem.”

A publicidade é relativa, ou seja, a regra é que tudo tem de ser público, com as
ressalvas constitucionalmente admitidas.

28
Direito Administrativo I

A publicidade serve para:

a. dar conhecimento dos atos da administração à sociedade;


b. propiciar a fluência dos prazos processuais;
c. viabilizar o controle dos atos administrativos – é o mais importante.

Observe como este tema está sendo cobrado nos concursos públicos:

(CJUR, 2003, questão 05) Em Direito Administrativo vigora o princípio


da publicidade. Assinale a situação abaixo que permite o sigilo dos atos
administrativos.

a. conveniência para o agente praticante do ato administrativo.

b. atos administrativos praticados em desamparo legal.

c. quando for imprescindível à segurança da Sociedade e do Estado.

d. Todas as alternativas estão corretas.

Na esfera administrativa, o sigilo é permitido quando “imprescindível à segurança


da Sociedade e do Estado” (art. 5º, XXXIII, CRFB).

3.5 Princípio da Eficiência


Este princípio foi incluído pela Emenda Constitucional 19/98. Significa “qualidade
do serviço prestado”.

Vale a pena observar, entretanto, que o princípio da eficiência não


alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à
coletividade. Ao contrário, deve ser observado também em relação
aos serviços administrativos internos das pessoas federativas
e das pessoas a elas vinculadas. Significa que a Administração
deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados
para obter a qualidade total da execução das atividades a seu
cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se destaquem
as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem
exercê-las. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 28).

29
Capítulo 1

A eficiência trouxe com ela outras contribuições constitucionais, a começar pelo


art. 37 § 8º, da Constituição Federal:

[...] a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e


entidades da administração direta e indireta, poderá ser ampliada
mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e
o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de
desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:
I. prazo de duração do contrato;
II. os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos,
obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
III. a remuneração do pessoal.

Principio da Eficiência procura também a desburocratização na administração


pública. Então, eficiência é a aferição periódica de metas de desempenho por
critérios objetivos.

A partir da reforma administrativa, há uma preocupação clara: não basta você ser
bonzinho, não basta ser honesto, tem de ser eficiente, demonstrar resultado. Até
1998 bastava ser bonzinho, bastava ser honesto, agora não, tem de, além disso,
produzir resultado.

Carvalho Filho (2013, p. 29) é quem faz uma diferença entre Eficiência, Eficácia
e Efetividade. Da eficiência para a efetividade o que ele separa é o resultado. A
eficiência é essa meta de desempenho, realizada de forma frequente por critérios
objetivos. Mas a obtenção do resultado já é efetividade. Então você pode ser
eficiente e não ser efetivo. A eficácia diz respeito aos meios utilizados, se são
eficazes ou não.

A eficiência não se confunde com a eficácia nem com a


efetividade. A eficiência transmite sentido relacionado ao modo
pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa;
a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro
lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos
empregados pelos agentes no exercício de seus misteres
na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental.
Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos
com as ações administrativas; sobreleva nesse aspecto a
positividade dos objetivos. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 29).

Que tal mais uma questão objetiva?

30
Direito Administrativo I

A emenda constitucional nº 19/98, conhecida como emenda da reforma


administrativa, dispôs sobre os princípios da Administração Pública incluindo entre
os anteriormente constitucionalizados o princípio da:

a. impessoalidade

b. publicidade

c. legalidade

d. eficiência

A EC nº 19/98 veio acrescentar o princípio da eficiência ao art. 37 da Constituição


Federal. Tal princípio estabelece à Administração o dever de agir de acordo com a
lei da melhor forma possível na busca da satisfação do interesse público.

Terminamos os princípios expressos, então, vamos ver quais são os


princípios reconhecidos? São assim chamados, pois tais princípios não estão
expressamente arrolados na Constituição Federal, contudo, tanto a doutrina,
como a jurisprudência e, inclusive a legislação infraconstitucional fazem alusão a
eles (Lei do Processo Administrativo Federal – Lei n° 9.784/99).

3.6 Princípio da Supremacia do Interesse Público


Carvalho Filho (2013, p. 30) ensina que “As atividades administrativas são
desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age
em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve
ser voltado para o interesse público.”

3.7 Princípio da autotutela


Refere-se ao poder-dever da Administração Pública de anular ou revogar seus
próprios atos, quando forem ilegais ou não forem mais oportunos e convenientes
para a Administração Pública.

31
Capítulo 1

3.8 Princípio da indisponibilidade


O princípio da indisponibilidade do interesse público é decorrente do princípio da
supremacia do interesse público, pois o interesse público é indisponível.

3.9 Princípio da continuidade dos serviços públicos


O art. 39, § único, da Lei 8.987/95 – Lei de concessão e permissão de serviço
público – estabelece que o “serviço público não pode parar, não pode ser
interrompido nem paralisado, só por decisão judicial transitada em julgado.”
(BRASIL, 1995).

3.10 Princípio da segurança jurídica (proteção à confiança)


Determina o artigo 2° da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999:

A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos


princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência: [...]

XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor


garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada
aplicação retroativa de nova interpretação.

Da mesma forma, o art. 54 da Lei 9.784 (BRASIL, 1999), também limitou a


cinco anos o direito do poder público de anular os atos administrativos de que
decorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data em que
foram praticados, salvo se comprovada a má-fé.

3.11 Princípio da precaução


Segundo Carvalho Filho (2013, p. 36), este princípio

Significa que, em caso de risco de danos graves e degradação


ambientais, medidas preventivas devem ser adotadas de
imediato, ainda que não haja certeza científica absoluta, fator
este que não pode justificar eventual procrastinação das
providências protetivas.

32
Direito Administrativo I

3.12 Princípio da razoabilidade


Razoabilidade é a busca do razoável; é a ponderação de interesses
prevalecentes na sociedade. É a ideia que se inaugura na revisão de paradigmas,
que alguns vão chamar de pós-positivismo. Não é a busca por aquilo que está na
lei, mas sim a busca pelo que é JUSTO. Lei versus Justiça.

“Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo


que se situa dentro dos limites aceitáveis, ainda que os juízos
de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma
um pouco diversa. [...] o princípio da razoabilidade tem que
ser observado pela Administração à medida que sua conduta
se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade.
Se atuar fora desses padrões, algum vício estará, sem dúvida,
contaminando o comportamento estatal. Significa dizer, por
fim, que não pode existir violação ao referido princípio quando
a conduta administrativa é inteiramente revestida de licitude.”
(CARVALHO FILHO, 2013, p. 37).

3.13 Princípio da proporcionalidade

Segundo a doutrina alemã, para que a conduta estatal observe


o princípio da proporcionalidade, há de revestir-se de tríplice
fundamento: 1) adequação, significando que o meio empregado
na atuação deve ser compatível com o fim colimado; 2)
exigibilidade, porque a conduta deve ter-se por necessária, não
havendo outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar
o fim público, ou seja, o meio escolhido é o que causa o menor
prejuízo possível para os indivíduos; 3) proporcionalidade em
sentido estrito, quando as vantagens a serem conquistadas
superarem as desvantagens. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 39).

Com essas considerações, podemos encerrar aqui o detalhamento dos princípios,


lembrando que determinados autores vão falar de mais alguns princípios, mas
esses são os principais apontados pelos doutrinadores renomados. Aparecendo
um ou outro a mais, serão devidamente abordados no decorrer a disciplina.

33

Você também pode gostar