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Teorias Clássicas da Educação a Distância:


uma leitura crítica

Ana Lúcia Pereira




SUMÁRIO


INTRODUÇÃO ................................................................................................ 5

CAPÍTULO I - OTTO PETERS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DO ENSINO ...... 7

CAPÍTULO II - ABORDAGENS DA AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA .... 16

2.1 Charles Wedemeyer e o Estudo Independente ....................... ϭϳ

2.2 Michael Grahame Moore e a Distância Transacional .............. Ϯϯ

CAPÍTULO III - ABORDAGENS DA INTERAÇÃO E COMUNICAÇÃO ..... 30

3.1 Börje Holmberg e a Comunicação Didática Guiada ................ ϯϭ

3.2 John BDվ Dվ th e a Comunicação Bidirecional .............................. ϯϴ

3.3 John Sagar Daniel e o Equilíbrio entre Interação e


Independência ............................................................................... ϰϴ

CAPÍTULO IV - EM BUSCA DE UMA SÍNTESE ......................................... 53

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 67






INTRODUÇÃO

Não existe nenhuma teoria global da educação a distância (EaD), como


não existe da presencial. É fato que a abundância de perspectivas teóricas
diferentes e, em alguns casos, até mesmo divergentes, tem criado situações
frequentes de confusão semântica, mas, por outro lado, entendemos que são
tentativas de contemplar fatores incidentes sobre a EaD que dificilmente
alguma delas conseguiria, sozinha, contemplar em sua totalidade, dentre os
quais: o sistema educativo que fundamenta a instituição que oferece a
formação; o perfil e os interesses dos estudantes; os papéis atribuídos aos
professores e/ou tutores; os materiais didáticos elaborados e
disponibilizados; as peculiaridades do currículo e do conteúdo que é objeto
de aprendizagem; o processo de avaliação; as potencialidades e limitações
da tecnologia disponibilizada para a informação e a interação (Barberà,
Badia, & Mominó, 2001).

Dessa forma, essa ausência de uma teoria global não impede a


existência de certo número de constructos teóricos e modelos relacionados à
prática da educação a distância, que, embora não sejam extrapoláveis a
qualquer situação, cumprem o papel de fornecer ferramentas e propor
caminhos para a compreensão de aspectos específicos das situações de
ensino e aprendizagem nessa forma de ensino (Sauvé, 1993).

Neste livro, apresentaremos alguns representantes das principais


abordagens teóricas clássicas, desenvolvidas entre o final da década de
1960 e a década de 1970. Tais abordagens, segundo a classificação de
Keegan (1996), podem ser agrupadas em três categorias:

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(1) teoria da industrialização: desenvolvida por Otto Peters no final da


década de 1970;

(2) teorias da autonomia e independência: podem ser representadas


pelos contributos de Rudolf Manfred Delling, Charles Wedemeyer e
Michael Moore;

(3) teorias da interação e comunicação: podem ser representadas pelos


contributos de Börje Holmberg, John BDվ Dվ th, John Sagar Daniel, David
Sewart e Kevin Smith.

Nos capítulos que seguem, detalharemos os fundamentos e as


implicações de cada um desses grupos e seus teóricos para a educação a
distância. E, por fim, respaldando-nos nessas abordagens teóricas,
discutiremos a terminologia relativa à educação a distância, partindo de
sínteses desenvolvidas por autores de referência (Keegan, 1996; Sauvé,
1993; Verduin; Clark, 1991).

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CAPÍTULO I - OTTO PETERS E A INDUSTRIALIZAÇÃO DO


ENSINO

Entre 1932 e 1940, o professor alemão Otto Peters estudou,


simultaneamente, Inglês e História na Humboldt-Universität (Universidade de
Humboldt), em Berlim. Em 1947, também na Humboldt-Universität, buscou
complementar a sua formação estudando disciplinas relacionadas à Filosofia,
Psicologia e Pedagogia, mas concluiu esses estudos apenas em 1960, na
Freien Universität in Berlim (Universidade Livre de Berlim). Entre 1963 e
1969, período em que foi vice-diretor do Departamento de Metodologia de
Ensino do Bildungszentrum von Berlin (Centro Educacional de Berlim),
escreveu os seus primeiros livros sobre educação a distância. Em 1969,
assumiu o cargo de Chefe da Divisão de Pesquisa Comparativa de
Educação a Distância do Deutsches Institut für Fernstudienforschung
(Instituto Alemão de Educação a Distância), em Tübingen. No ano de 1974,
ocasião em que lecionava Educação Geral na Pädagogischen Hochschule
Berlin (Universidade Pedagógica de Berlim), aceitou o convite para compor o
comitê fundador da FernUniversität in Hagen (Universidade de Ensino a
Distância de Hagen). Entre 1975 e 1984, foi o primeiro reitor da
FernUniversität, além de lecionar Metodologia do Ensino a Distância (até
1991) nessa Universidade. Durante o período em que ocupou a reitoria,
Peters viajou para países como Japão, China, Austrália, EUA e Grã-
Bretanha, buscando elementos que aprimorassem as suas pesquisas sobre
a educação a distância. Desde 1991, é professor emérito da FernUniversität
(Leh, 2014).

A tese de doutorado de Peters, publicada como livro em 1973 sob o


título Die didaktische Struktur des Fernunterrichts: untersuchungen zu einer

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industrialisierten Form des Lehrens und Lernens (A estrutura educacional da


educação a distância: análise das formas mais industrializadas de ensino e
aprendizagem), contém as suas principais contribuições para a educação a
distância, que seriam ampliadas em suas obras seguintes. Os principais
trechos desse livro foram traduzidos para o inglês e editados por Desmond
Keegan (Peters, 1988).

Para Otto Peters, o desenvolvimento industrial criou uma situação social


propícia ao surgimento das primeiras universidades de educação a distância,
que, tanto quanto as indústrias, dependiam de tecnologias como, por
exemplo, as vias férreas, por meio das quais os serviços de correspondência
passaram a funcionar com maior agilidade e eficácia. Partindo dessa
premissa, o estudioso propôs uma comparação entre o ensino a distância e o
processo de produção industrial, argumentando que o primeiro seria um
produto singular do desenvolvimento do segundo (Peters, 1988; Barberà;
Badia; Mominó, 2001).

Para fundamentar seu ponto de vista, Peters (1988) indicou


semelhanças entre os princípios da produção em massa de bens e a
organização das instituições de ensino a distância, que, na ocasião,
ofertavam basicamente cursos por correspondência. Com o intuito de facilitar
a compreensão dos pontos em comum identificados pelo autor,
discorreremos brevemente a respeito do modelo de produção em massa
desenvolvido por Henry Ford.

Henry Ford (1863 - 1947), fundador da Ford Motor Company, viabilizou


a fabricação de um modelo de carro, o Ford T, a preços populares, em uma
época que os automóveis eram artigos de luxo, construídos artesanalmente
por talentosos mecânicos. Ford deu início, em 1910, à primeira fábrica
dedicada exclusivamente à montagem final de automóveis com peças

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fabricadas em locais distintos e, pouco tempo depois, implantou a linha de


montagem móvel, na qual o produto se deslocava ao longo de um percurso
enquanto os operários ficavam parados. Se no antigo regime, os automóveis
eram fabricados peça por peça pelos mesmos profissionais, no modelo de
Ford, cada operário ou grupo de operários passou a ter tarefas fixas em um
processo pré-definido, posto que a fabricação foi dividida em etapas, cada
qual correspondendo à montagem de uma parte do veículo. As peças
passaram a ser padronizadas, de forma que pudessem ser utilizadas em
quaisquer automóveis que estivessem sendo montados (Maximiano, 2006).

2PpWRGRGH)RUGTXHILFRXFRQKHFLGRFRPR³IRUGLVPR´HOHYRXDRPDLV
alto grau os três objetivos nucleares da produção em massa:

(1) fabricação de produtos não diferenciados em grande quantidade;

(2) peças padronizadas e trabalhadores altamente especializados em


uma única etapa do processo;

(3) aumento da velocidade da produção, de forma a diminuir os custos


com o estoque de peças à espera de montagem e reduzir o preço
dos veículos.

Tais objetivos se sustentam em três princípios, quais sejam:

(1) princípio da intensificação, que consiste em diminuir o tempo de


produção com o emprego imediato dos equipamentos e da matéria-
prima e a rápida colocação do produto no mercado;

(2) princípio da economicidade, que consiste em reduzir ao mínimo o


volume do estoque da matéria-prima, de forma a fazer com que o
produto seja pago antes de vencido o prazo para o pagamento da
matéria-prima adquirida e dos salários dos operários;

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(3) princípio da produtividade, que consiste em aumentar a capacidade


de produção do operário no mesmo período de tempo por meio da
especialização e da linha de montagem (Chiavenato, 1983).

Peters (1988) argumentou que tanto os modelos de educação a


distância quanto as indústrias eram sustentados pela racionalização do
trabalho, pautada em estratégias de planejamento, organização, avaliação e
controle de qualidade, visando atingir o maior grau de eficiência possível. O
autor entendia o ensino por correspondência como a forma mais
industrializada de instrução, motivo pelo qual as bases teóricas usadas para
descrever o ensino tradicional, em sua opinião, não davam conta da análise
desse tipo de instrução. E foi para suprir essa suposta carência que Peters
(1971, p. 225) UHVROYHX EXVFDU H[SOLFDo}HV HP ³>@ QRYDV FDWHJRULDV
retiradas das ciências que investigam o processo de produção LQGXVWULDO´ H
SDUWLUGHHQWmRDILUPRXWHUILFDGR³>@LPSUHVVLRQDGRHPYHURTXDQWRPHOKRU
HVVHVFULWpULRVDMXGDPDHQWHQGHUHGHVFUHYHUHVWHSURFHVVRGHLQVWUXomR´.

A divisão do trabalho e a especialização de funções, pré-requisito para a


mecanização dos processos de trabalho na industrialização (princípio da
produtividade) também seriam, de acordo com Peters (1988), elementos
constitutivos do ensino a distância, modalidade em que as funções do
SURIHVVRU XQLYHUVLWiULR VHULDP ³FRQVLGHUDYHOPHQWH GLIHUHQWHV´ TXDQGR
comparadas com as dos seus colegas do ensino convencional. Enquanto
tradicionalmente as atividades do professor universitário contemplam
basicamente a produção de materiais, o ensino, o acompanhamento e a
avalição, complementa o autor, na EaD, concebida à luz da industrialização,
tais atividades se tornam responsabilidades separadas a serem distribuídas
entre vários profissionais. A título de ilustração, Peters (1988) menciona o
processo de avaliação do desempenho dos estudantes, que, na EaD, não

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costuma ser realizada pelos mesmos professores que desenvolveram o


curso e que, a depender do número de estudantes matriculados, pode ser
realizada por mais de um profissional. A mesma lógica pode ser observada
no desenvolvimento do curso, que é subdividido de forma que cada trecho
seja desenvolvido por um perito no assunto em questão. Dessa forma, as
atividades do professor que ensina a distância se dividem em funções
distintas a serem desenvolvidas por pessoas também distintas como, por
exemplo, o autor da unidade de estudo, o profissional que fez a revisão e
correção do texto, o que ficará responsável pela tutoria, etc. (Barberà et al.,
2001).

Ainda se referindo à divisão do trabalho, Peters (1988) lembra que nos


momentos de planejamento e preparação dos materiais de ensino,
envolvem-se especialistas nos diversos temas abordados, entretanto, cabe a
outros profissionais a responsabilidade pelos papéis de tutoria e
aconselhamento. Na opinião do autor, as instituições de ensino não precisam
exigir destes segundos o mesmo nível de especialização e preparação dos
primeiros, ou ainda, dos professores universitários do ensino presencial, uma
vez que a esses tutores caberiam fragmentos do processo de ensino, o que
os tornaria facilmente substituíveis.

Percebemos a transposição da produção em massa para o ensino por


correspondência na produção em grande quantidade de pacotes
instrucionais padronizados e na possiblidade de a informação, por meio
desses materiais, ser transferida simultaneamente para um grande número
de pessoas (Gomes, 2004).

Prosseguindo nessa lógica claramente mercadológica, Peters (1988)


enfatiza que o ensino universitário a distância só poderia ser
economicamente viável tendo como pilares de sustentação, além da divisão

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do trabalho e da produção em massa, a concentração dos recursos


disponíveis e uma administração altamente centralizada, capaz de garantir
rigoroso planejamento e organização racional para que cada ação do
processo transcorra em tempos praticamente cronometrados, de forma a
cumprir objetivos previamente estabelecidos:

[...] uma organização racional [...] possibilita que os alunos recebam


documentos pré-determinados em tempos determinados; garante a
existência de um professor universitário apropriado, imediatamente
disponível após cada o envio de tarefas, para consultas a serem
realizadas em locais fixos e em horários fixos, para a realização de
exames ou para conversar com um conselheiro em qualquer
momento do processo. O mesmo procedimento vale para um único
aluno ou para um grupo de estudantes (ibidem, p. 105) 1
À semelhança da fábrica de Henry Ford, na qual o Ford T era o modelo
padronizado e produzido em série, sempre visando alcançar a economia em
escala, Peters (1988) recomendava que os cursos todos seguissem a
mesma formatação, que as expectativDVGRVDOXQRVIRVVHP³SDGURQL]DGDV´H
que o ensino fosse objetivado:

O professor universitário que dá aulas de sua cadeira ou conduz


uma discussão tem a liberdade e a oportunidade de permitir que sua
subjetividade influencie o seu modo de ensinar; [...] no ensino a
distância, no entanto, a maioria das funções de ensino são
objetivadas e determinadas pelo curso do estudo a distância, bem
como os meios técnicos (Peters, 1988, p. 109).
A adesão dos professores ao ensino objetivado e determinado, bem
como a todos os padrões estipulados, ocorreria como consequência GD³>@
necessidade de atender em tempo realista o maior número possível de
DOXQRV´ Lbidem, p. 107). Exemplos da objetivação no ensino a distância são
a adoção de materiais pré-concebidos, sem flexibilidade de mudanças no

1
Tradução livre realizada pela pesquisadora deste e dos demais trechos de obras em inglês,
espanhol e francês apresentados neste livro.

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decorrer do curso, bem como a padronização das avaliações a partir do uso


predominante de questões de múltipla escolha (Gomes, 2004).

Com a padronização e a objetivação do ensino, torna-se possível


alcançar a produção em massa, que, na EaD, consiste em proporcionar
formação a grupos muito numerosos de estudantes a preços menores que os
dos cursos presenciais. O investimento inicial na preparação dos materiais é
elevado, mas, tendo em conta que poderá ser utilizado inúmeras vezes,
possibilita o ganho em escala. Além do mais, a elaboração e organização
prévias facilitam a substituição de tutores e conselheiros (Ibidem). Por outro
lado, na concepção de Peters (1988), a educação a distância teria o
potencial de facilitar o acesso de grupos excluídos do ensino tradicional, da
mesma forma que o Ford T alcançou consumidores que antes não teriam
condições de adquirir um automóvel. Mas, para tanto, seria fundamental
adotar as diretrizes do mundo industrial: planejamento sistemático;
especialização; produção em massa; automação; padronização; controle de
qualidade.

Peters (1988) também se referiu à automação, lembrando que qualquer


sistema de educação a distância precisa de uma ou mais tecnologias que
façam a mediação da comunicação entre os estudantes e os profissionais
envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Nos primórdios, os
serviços de correios e as ferrovias foram as tecnologias que garantiram a
viabilidade da EaD, (Gomes, 2004; Barberà; Badia; Mominó, 2001).

No entendimento de Barberà; Badia; Mominó (2001), os conceitos


apresentados por Otto Peters não se centram predominantemente:

[...] nos processos de produção ou do trabalho, mas sim nas


peculiaridades do ensino e aprendizagem a distância diante dos
modelos convencionais. Sua atenção se dirige mais a perspectiva
educativa e didática do problema que ao processo de trabalho

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necessário para estabelecer e manter uma instituição de ensino a


distância (ibidem, p. 43).

Nesse aspecto, discordamos desses autores e comungamos da


perspectiva de Gomes (2004), para quem:

[...] uma das características relevantes da abordagem de Otto Peters


é que ela parece centrar-se no modelo de organização e de gestão
das instituições de educação a distância mais do que nas questões
HGXFDFLRQDLVSURSULDPHQWHGLWDV´(ibidem, 75)

Entendemos que um olhar mais acurado sobre os quatro pontos que


considera como vantagens resultantes da industrialização do ensino a
distância nos traz pistas de que a abordagem de Peters está mais
comprometida com a instituição de ensino e a viabilidade econômico-
financeira dos cursos, do que com os aspectos pedagógicos. Seguem:

(1) Os materiais necessários para o desenvolvimento do curso de


estudo a distância podem ser produzidos por especialistas
líderes nos campos especializados envolvidos.
(2) Tendo completado o manuscrito, o autor pode ser liberado dos
demorados processos de revisão e das palestras.
(3) Educadores e profissionais especializados no ensino a distância
podem rever os manuscritos das unidades de estudo, com o
intuito de tornar o processo de ensino planejado mais efetivo.
(4) Mesmo profissionais de nível acadêmico médio podem se
envolver na correção dos exercícios realizados pelos estudantes.
[...] tal como no processo de fabricação industrial, o nível de
formação anterior pode ser menor devido à divisão do trabalho e,
dessa forma, mais pessoas podem realizar a atividade. [...] com
uma extensa especialização deste tipo, [...] o processo torna-se
bem mais barato. (Peters, 1988, p. 100-101).
Entendemos que mais importante do que saber se a educação a
distância custa mais ou menos do que a educação tradicional, deveria ser
verificar se os resultados educacionais de uma e de outra têm compensado
esses custos no âmbito da aprendizagem, da construção do conhecimento
por parte dos estudantes. Novamente concordamos com Gomes (2004), que

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reconhece o potencial explicativo da abordagem de Otto Peters no que se


refere à organização dos processos das instituições de ensino, mas não
percebe nela contributos quando se centra a questão no estudante: [...]
quando perspectivamos o processo do ponto de vista da aprendizagem, dos
alunos, a teoria da industrialização não parece ser, de modo algum, um
PRGHORH[SOLFDWLYRRXGHVFULWLYRGRSURFHVVR´ ibidem, p. 75).

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CAPÍTULO II - ABORDAGENS DA AUTONOMIA E


INDEPENDÊNCIA

As produções dos autores que compõem o grupo de teorias da


autonomia foram desenvolvidas entre o final dos anos 60 e a década de 70,
e têm em comum a ênfase nos conceitos de autonomia e independência, que
têm se configurado como elementos fundamentais na construção das
abordagens teóricas da educação a distância.

Nesse grupo, os teóricos mais expoentes são:

 Charles Wedemeyer;
 Michel Mooore;
 Farhad Saba;
 Rudolf Manfred Delling;
 John Verduin e
 Thomas Clark (Gomes, 2004; Carvalho, 2014).
Nos tópicos seguintes, apresentaremos as contribuições dos dois
primeiros.

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2.1 Charles Wedemeyer e o Estudo Independente

Charles A. Wedemeyer (1911-1999) nasceu em Milwaukee, Wisconsin,


em uma família de recursos modestos, mas que se esforçou para lhe
oferecer um ambiente propício à aprendizagem, com livros e revistas, a partir
dos quais começou a desenvolver o gosto pelo que, mais tarde, chamaria de
³DXWR-HVWXGR´ $SyV D lconclusão do bacharelado em Educação e do
mestrado em Inglês, ambos cursados na University of Wisconsin-Madison,
realizou os seus estudos de doutorado na Universidade Northwestern. Na
década de 1930, ensinou Inglês e Ciências a jovens considerados
"desfavorecidos", período em que começou a defender ideias bastante
progressistas para a sua época, visando à ampliação das oportunidades
educacionais às populações excluídas. Sua primeira experiência com a
educação a distância teve início em 1929, ano da Grande Depressão,
quando passou a usar a estação de rádio da University of Wisconsin-
Madison para transmitir aulas de Inglês, com o propósito de alcançar
indivíduos excluídos do sistema educacional. Algum tempo depois,
Wedemeyer se tornou Presidente do Comitê de Rádio Inglês da Wisconsin
Association, o que lhe possibilitou desenvolver uma série de programas
LQVWUXWLYRVFRPEDVHHPQRYHODVMRJRVHSRHVLDTXHYLVDYDHVWLPXODUD³ERD
OHLWXUD´QRVHVWXGDQWHVGRHQVLQRPpGLRDGXOWRVHSHVVRDVIRUDGRDPELHQWH
educacional. Considerado um humanista, ferrenho defensor da inclusão em
uma época em que pouco se falava a esse respeito, Wedemeyer percebeu
na educação a distância uma possibilidade de levar a Universidade para
DOpP GD ³WRUUH GH PDUILP´ DOFDQoDQGR DV SRSXODo}HV WUDGLFLRQDOPHQWH
excluídas (Burton, 2010).

Talvez influenciado pela sua própria história de vida, em que, quando


criança e jovem, complementou a formação escolar com os livros e revistas

17



oferecidos pelos pais, Wedemeyer (1981) GHXSUHIHUrQFLDDRWHUPR³HVWXGR


LQGHSHQGHQWH´HPGHWULPHQWRGHHVWXGRSRUFRUUHVSRQGrQFLDRXHGXFDomRD
distância. Ademais, para esse autor, a independência seria a essência da
educação a distância, cujo foco deveria se manter no estudante:

O termo independente é assim mais que um descritor para um tipo


de aprendizagem não-tradicional que faz uso do ensino a distância;
[...] é genérico para toda a gama de programas de aprendizagem
que coloquem a ênfase no aluno e na aprendizagem (ibidem, p. 57).
Wedemeyer (1981) incluiu na categoria estudo independente todas as
formas de ensino e aprendizagem em que alunos e professores tivessem a
possibilidade de trabalhar de maneira independente uns dos outros, usando
todos os recursos disponíveis para se comunicarem. O estudo independente
seria a oportunidade para todos aqueles que, por qualquer motivo, não
tivessem condições de frequentar um campus, de continuar a aprender em
seus próprios ambientes, autodirigindo o seu aprendizado.

Referindo-se a Wedemeyer, Moore; Kearsle (2013) esclarecem que


esse autor, ao se referir ao aluno como independente, não incluía no
conceito de independência apenas a flexibilidade relacionada aos espaços e
tempos para os estudos, mas também a possibilidade de o aluno interferir no
direcionamento do seu próprio aprendizado. Na concepção desse autor, para
que a aprendizagem independente tivesse êxito, seria fundamental que os
estudantes aceitassem graus de liberdade e responsabilidade cada vez
maiores no que se refere à realização de atividades que conduzem à
aprendizagem, pois, embora devessem contar com a orientação dos
professores e tutores, não seria desejável que se tornassem dependentes
deles.

Para Wedemeyer (1981), os professores, tutores e demais envolvidos


QR³HVWXGRLQGHSHQGHQWH´GHYHULDPODQoDUPmRGHXPDVpULHGHHVWUDWpJLDV

18



para oferecer liberdade aos estudantes, incentivando, inclusive, que


assumissem mais responsabilidade pelo próprio ritmo de aprendizagem.
Suas ideias foram profundamente influenciadas pelos humanistas, mais
especificamente por Carl Rogers, por quem nutria grande admiração e com
quem comungava da ideia de que o aluno deveria ter liberdade para
aprender. Abraham Maslow e Charlotte Buhler também foram fontes de
influência e inspiração.

Wedemeyer (1981) tamEpP ODQoRX PmR GD H[SUHVVmR ³HGXFDomR QmR-


WUDGLFLRQDO´SDUDVHUHIHULUj(D'HPERUDGHL[DVVHFODURTXHRWHUPRSRGHULD
abarcar inúmeras outras situações de aprendizagem além da educação a
distância, tendo em vista que as pessoas aprendem o tempo todo nas mais
diversas circunstâncias:

[...] as pessoas aprendem em grupos, com ou sem professor;


aprendem sozinhas, por conta própria; em conversas com outros;
enquanto leem, veem, sentem, cheiram e ouvem coisas; enquanto
SHQVDP´ Lbidem, p. 29).
Além disso, o termo era utilizado pelo autor para marcar as profundas
diferenças que, em sua opinião, separavam a educação a distância da
educação presencial convencional, sendo a mais importante delas o fato de
a primeira oferecer: [...] oportunidades quase sem entraves de acesso à
aprendizagem, que podem ser aproveitadas pelos aprendizes que seguem a
rota não-tradicional´ Lbidem, xxii).

Em relação à questão da separação entre estudantes e professores, o


autor argumenta que mais relevante que a distância geográfica são as
distâncias de ordem social, cultural e psicológica, que frequentemente se
fazem presentes nas salas de aula tradicionais. Referindo-se à distância
psicológica nas universidades, pontua o autor: [...] as classes tornaram-se
maiores, os professores substituíram o diálogo platônico, a integridade do

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modelo foi violada. Em muitos aspectos, apenas a ilusão de ser efetivamente


face-a-IDFHSHUPDQHFH´ ibidem, p. 39).

Preocupado em tornar a educação acessível para qualquer pessoa, em


qualquer local, ainda que não existisse um único professor no mesmo local e
ao mesmo tempo, Wedemeyer (1981) defendeu que o caminho para romper
o que chamou de "barreiras do espaço-tempo" seria o planejamento do
ensino e da aprendizagem como atividades separadas. Com o intuito de
fornecer pistas para a operacionalização de suas ideias, o autor listou seis
premissas que, uma vez atendidas, viabilizariam a implantação de sistemas
de educação independente em qualquer lugar, independentemente das
condições locais:

(1) O estudante e o professor estão separados.


(2) Os processos normais de ensino e aprendizagem são realizados
por intermédio da escrita ou de algum outro meio disponível.
(3) O ensino é individualizado.
(4) A aprendizagem ocorre através da atividade do aluno.
(5) O aprendizado é realizado de forma conveniente para o aluno
quando se dá em seu próprio ambiente.
(6) O aluno assume a responsabilidade pelo seu progresso, com a
liberdade de iniciar, interromper ou acelerar o processo
(Wedemeyer, 1973, p. 76).
Se olhássemos essas seis premissas de maneira isolada, poderíamos
supor que a proposta de Wedemeyer se aproximaria de uma espécie de
³DXWRHVWXGR´ (QWUHWDQWR HP RXWUos trechos dos seus textos, o autor
enfatizou a importância dos tutores, a quem caberia o estabelecimento de
correspondência frequente com o estudante, sempre buscando motivá-lo a
assumir metas cada vez mais ousadas em relação ao seu processo de
aprendizagem, mas, simultaneamente, estimulando a autonomia e a
independência (ibidem, 1988).

20



Keegan (1996), após estudar minuciosamente as obras de Wedemeyer,


identificou dez características recorrentemente mencionadas pelo autor, cujo
conjunto delinearia uma estrutura conceitual para o sistema de estudo
independente por ele idealizado. São elas:

(1) O sistema deve ser capaz de operar em qualquer lugar onde existam
estudantes - ou mesmo apenas um estudante - existam ou não
professores no mesmo local ao mesmo tempo.

(2) O sistema deve assumir a sua parcela de responsabilidade pela


aprendizagem no aluno.

(3) O sistema deve liberar os membros do corpo docente do dever de


³FXVWyGLD´ HP UHODomR DRV HVWXGDQWHV SDUD TXH PDLV WHPSR SRVVD
ser dedicado às tarefas verdadeiramente educacionais.

(4) O sistema deve oferecer aos alunos adultos opções mais amplas de
cursos, com variados formatos e metodologias.

(5) O sistema deve usar, conforme apropriado, todos os meios e


métodos de ensino que tenham se mostrado eficazes.

(6) O sistema deve misturar e combinar mídias e métodos, para que


cada assunto ou unidade dentro de um assunto seja ensinado da
maneira mais favorável possível.

(7) O sistema deve ser flexível para permitir o próprio redesenho e


desenvolvimento, sempre de maneira articulada.

(8) O sistema deve preservar e melhorar as possibilidades de adaptação


às diferenças individuais.

(9) O sistema deve simplesmente avaliar o desempenho dos alunos, não


criando ou ampliando as barreiras relacionadas ao lugar em que o

21



aluno estuda, ao método pelo qual estuda ou à sequência escolhida


para a realização dos estudos.

(10) O sistema deve permitir aos alunos iniciar, parar e aprender em seu
próprio ritmo (ibidem).

No livro Foundations of Distance Education, que sintetiza as


contribuições das principais abordagens clássicas da educação a distância,
Keegan (1996), ainda que de maneira polida, critica o fato de Wedemeyer,
em seu entendimento, apesar de demonstrar familiaridade com os problemas
e dificuldades cotidianos da organização de programas de ensino e
aprendizagem a distância, não se aprofundar em seus escritos na discussão
de mecanismos de planejamento que fornecessem subsídios suficientes para
que outros se baseassem em suas ideias. Entretanto, Keegan (1996)
também enaltece a dedicação, generosidade e visão liberal de Wedemeyer,
que teriam contribuído para o crescimento de certo consenso entre
educadores a distância em todo o mundo e influenciado muitos outros
estudiosos, dentre os quais Michael Grahame Moore, cuja abordagem
apresentaremos no tópico seguinte.


22



2.2 Michael Grahame Moore e a Distância Transacional

Michael Moore nasceu na Inglaterra, onde se graduou em Economia


pela London School of Economics, em 1959. Em 1963, ainda no início da
carreira, mudou-se para o Quênia, país que acabara de se tornar
independente da Inglaterra, bastante marcado pela pobreza e pela profunda
carência educacional. Lá permaneceu até 1967, atuando como professor de
HQVLQR PpGLR H SURIHVVRU ³H[WUD-PXURV´ QD 8QLYHUVLGDGH GD ÈIULFD 2ULHQWDO
onde conduziu a primeira experiência com EaD na África, fazendo uso do
rádio e do ensino por correspondência. Inspirado pela experiência na África
Oriental, Moore passou a defender o uso da tecnologia (especialmente a
radiodifusão) para levar os recursos universitários a alunos adultos. Esse
empenho chamou a atenção de Charles Wedemeyer, que, em 1970,
convidou-o para ser seu Assistente de Pesquisa na University of Wisconsin-
Madison. Como Assistente de Wedemeyer, iniciou o doutorado na University
of Wisconsin-Madison, onde se titulou em 1973. Entre 1977 e 1986, Moore
foi Conselheiro Sênior na Open University of the United Kingdom. Em 1986,
aceitou o convite da Pennsylvania State University, onde permaneceu até
2013 como docente em cursos de pós-graduação em Educação oferecidos a
distância e orientador de alunos de doutorado (Vermelho, 2014; College of
Education, 2011).

Em suas primeiras publicações, em 1973, Moore formulou críticas aos


progressos nas discussões sobre a educação a distância, que considerava
lentos e escassos, em sua opinião, por causa da ausência de algumas
diretrizes que chamou de macrofatores, quais sejam: descrição, definição,
discriminação, identificação e construção de um quadro teórico (Keegan,
1996).

23



No que diz respeito à sua própria contribuição para consolidar os


referidos macrofatores, o autor buscou desenvolver uma abordagem teórica
que fosse:

[...] global e descritiva. [...] de suficiente generalidade para acomodar


todas as formas de educação a distância, e fornecer uma ferramenta
conceitual capaz de ajudar estudantes e qualquer outra pessoa em
programas de educação a distância. Desde 1986 tem sido conhecida
como a teoria da distância transacional (Moore; Kearsle, 1996, p.
199, grifo nosso).
Para entendermos a distância transacional, é preciso que se esclareça o
HQWHQGLPHQWR GR DXWRU VREUH RV FRQFHLWRV GH ³GLVWkQFLD´ H WUDQVDomR QR
contexto da EaD.

Embora a separação geográfica entre docentes e discentes seja a


condição que a priori define a EaD, para Moore (1993), o interesse de
estudiosos e profissionais envolvidos nessa modalidade de educação não
deveria estar na distância física em si, mas, primordialmente, no efeito que
essa distância poderia ter sobre o ensino, os estudantes, os professores, o
currículo e o gerenciamento do programa. Em uma publicação mais recente,
o autor reafirma essa perspectiva de distância:

[...] distância é um fenômeno pedagógico, e não simplesmente uma


questão de distância geográfica. Nesse processo, o aspecto mais
importante é o efeito que a separação geográfica tem no ensino e na
aprendizagem, especialmente na interação entre alunos e
professores, sobre a concepção de cursos e sobre a organização
dos recursos humanos e tecnológicos (Moore; Kearsle, 2013, p.
285).
(P UHODomR DR WHUPR ³WUDQVDFLRQDO´ HVFODUHFH R DXWRU TXH D WUDQVDomR
QD (D' ³>@FRQVLVWH QD DomR UHFtSURFDHQWUH SURIHVVRUHVH HVWXGDQWHV>@
em ambientes físicos separados. [...] separação esta que afeta
SURIXQGDPHQWHWDQWRRHQVLQRTXDQWRDDSUHQGL]DJHP´(Moore, 1993, p. 22).

24



A distância geográfica, ao favorecer certa lacuna de comunicação,


potencialmente pode levar ao surgimento de: ³[...] um espaço psicológico e
comunicacional a ser transposto, um espaço de potenciais mal-entendidos
entre as intervenções do instrutor e as do aluno. Este espaço psicológico e
comunicacional é a distância transacional´ (ibidem, p. 22).

Entretanto, embora a distância transacional seja favorecida pela


distância geográfica, os esforços devem, segundo o autor, ser direcionados
ao desenvolvimento de estratégias para ultrapassar a distância transacional,
e todo o design instrucional precisa ser planejado visando alcançar tal
objetivo.

A distância transacional poderá ser maior ou menor, dependendo da


forma como três grupos de variáveis são articulados no design, são eles: (1)
o grau de diálogo educacional; (2) o grau de estrutura do programa; (3) o
grau de autonomia do aprendiz. As várias possibilidades de combinações
entre esses três grupos explicam a grande variação nos níveis de distância
transacional nos diversos modelos de EaD ofertados pelas instituições de
ensino (Moore, 1993).

Em relação ao diálogo educacional, o autor previne que, embora os


diálogos ocorram no decorrer das interações, trata-se de conceitos distintos,
que não devem ser utilizados como sinônimos. O diálogo, continua Moore, é
sempre intencional, construtivo e valorizado pelas partes envolvidas,
qualidades estas que nem toda interação possui, tendo em vista que
algumas podem ser neutras ou negativas. O diálogo educacional é
condicionado pelo projeto pedagógico do curso, pelos estilos pessoais dos
professores e alunos (que, pelos mais variados motivos, podem não desejar
aproveitar as possibilidades de diálogo e interação), pelo tema do curso e por
fatores ambientais.

25



Um importante fator ambiental reside nos meios de comunicação


disponibilizados pela instituição de ensino, uma vez que, a depender deles,
as oportunidades de diálogo poderão ser ampliadas ou reduzidas. Nos meios
em que a única comunicação possível é a unidirecional, como é o caso das
videoaulas, os diálogos entre professores e alunos são inexistentes. Por
outro lado, as novas tecnologias digitais trazem a possibilidade de diálogos
bidirecionais, ou até mesmo multidirecionais, por meio dos quais os
estudantes podem interagir com as ideias uns dos outros, em seu próprio
tempo e ritmo, assumindo um papel de protagonismo na construção coletiva
do conhecimento. Outro importante fator ambiental destacado pelo autor é a
quantidade de alunos por professor, que, quando muito elevada, diminui as
oportunidades de diálogo e aumenta o espaçamento de tempo entre eles
(Moore, 1993).

As variáveis referentes à estrutura do programa dizem respeito ao grau


em que o desenho do curso permite maior ou menor flexibilidade com que os
objetivos educacionais, as estratégias de ensino e os métodos de avaliação
podem ser conduzidos no decorrer dos processos de ensino e
aprendizagem, determinando se e o quanto o curso poderá se adequar às
necessidades individuais dos estudantes. Quanto mais estruturado é o
programa do curso, menor a possibilidade de diálogo e maior a distância
transacional, uma vez que todas as atividades relacionadas aos conteúdos
foram previamente estabelecidas, sem abertura para qualquer tipo de
reorganização que possa levar em consideração a contribuição dos alunos.

Os meios de comunicação utilizados no curso interferem na maior


rigidez ou flexibilidade da estrutura; por exemplo, uma videoaula é um
recurso altamente estruturado, pré-determinado, que impossibilita a
LQWHUYHQomR GR DOXQR p XP ³SURGXWR DFDEDGR´ RIHUHFLGR aos estudantes;

26



uma teleconferência, por sua vez, a depender dos recursos acessórios


disponíveis, torna possível a abertura de espaços para que os ouvintes
façam perguntas, comentem, solicitem esclarecimentos, o que a torna menos
estruturada e mais dialógica. Os cursos rigidamente estruturados têm os
seus materiais de ensino detalhadamente planejados, com o intuito de, tanto
quanto possível, prever e fornecer as instruções e orientações necessárias
DRVDOXQRVGHIRUPDD³UHGX]LU´DGHPDQda pelo diálogo (ibidem).

Fundamentando-se em suas pesquisas sobre distância, diálogo e


estrutura, Moore (1993) afirma que existem determinadas características de
personalidade que direcionariam a preferência dos estudantes pelos cursos a
distância mais dialógicos e menos estruturados (distância transacional
reduzida) ou pelos mais estruturados (distância transacional alargada). O
conjunto dessas características compõe o que o autor chamou de grau de
autonomia do aprendente. Em outras palavras, alguns estudantes
apreciariam a liberdade de poderem definir e alcançar os seus objetivos de
aprendizagem de acordo com o seu próprio ritmo e assumindo maior grau de
responsabilidade pelos resultados; ao passo que para outros, esta seria uma
condição bastante angustiante, tendendo a necessitar de estruturas mais
definidas para se sentirem seguros.

Atento aos ganhos que o avanço tecnológico trouxe à EaD,


nomeadamente o desenvolvimento de meios de comunicação altamente
interativos, Moore (1988) acrescentou à discussão aspectos que não haviam
sido abordados na configuração inicial da abordagem teórica da distância
transacional. Além de terem possibilitado o estabelecimento de interações
mais ágeis e pessoais com os professores, as tecnologias de informação e
comunicação mais recentes possibilitaram o desenvolvimento de uma nova
dimensão interativa: a que pode ser estabelecida entre estudantes,

27



individualmente ou em grupo, com ou sem a presença do professor. Nessa


nova configuração, complementa o autor, passaram a existir três dimensões
interativas na EaD:

(1) interação intelectual entre o estudante e o conteúdo, a partir da qual


o primeiro modifica as suas estruturas de conhecimento2;

(2) interação entre o estudante e o professor, a partir de um modelo que,


idealmente, deve ser centrado na autonomia do primeiro, cabendo ao
segundo proporcionar orientação, motivação, recursos e contextos
que favoreçam o processo de aprendizagem;

(3) interação entre os estudantes, bastante valiosa para o


enriquecimento da construção coletiva do conhecimento.

Moore (1988) sugere que os cursos a distância sejam organizados de


forma a garantir a máxima eficácia nas três dimensões interativas, e aponta
como caminho para isso o uso de variados tipos de meios de comunicação:

Quando existe apenas um meio, é provável que apenas um tipo de


interação seja permitido ou bem feito. [...] é de vital importância que
os educadores a distância usem todas as mídias para planejar os
três tipos de interação, e usem a experiência de educadores e
especialistas em meios de comunicação tradicionais, impressos,
gravados e de teleconferência (ibidem, p. 23-24).
Na ocasião em que Moore colocou em pauta a discussão sobre a
interação entre os alunos, as audioconferências e as teleconferências eram
os recursos mais modernos. De lá para cá, o intenso desenvolvimento das
tecnologias digitais de informação e comunicação, e mais recentemente das
tecnologias móveis sem fio, tem potencializado as possibilidades de


2
Holmberg (1988) chamou essa dimensão interativa de comunicação didática guiada, temática
que abordamos no tópico 3.1.

28



interação entre todos os envolvidos nos processos de ensino e


aprendizagem, tanto na EaD quanto nos cursos presenciais.

Entretanto, como previnem Barberà; Badia; Mominó (2001), por parte da


maioria das instituições de ensino não é incomum que a abundante opção de
recursos seja mais utilizada para disponibilizar materiais do que para
incrementar os processos interativos. Algumas ferramentas de comunicação,
a exemplo do WhatsApp e do Facebook, parecem ter se popularizado como
recursos para a comunicação entre os estudantes, mas não se trata de uma
ação planejada pelas instituições.

29



CAPÍTULO III - ABORDAGENS DA INTERAÇÃO E


COMUNICAÇÃO

Este grupo reúne os autores, em suas propostas de educação a


distância, que dão especial ênfase à promoção do contato entre professores
e estudantes.

Keegan (1996) elencou como representantes deste grupo:

 Börje Holmberg;

 John BDࡈ Dࡈ th;

 John Sagar Daniel;

 David Sewart e

 Kevin Smith.

Nos tópicos seguintes, apresentaremos as contribuições dos três


primeiros.

30



3.1 Börje Holmberg e a Comunicação Didática Guiada

O estudioso sueco Börje Holmberg destacou-se em seu país como um


dos maiores entusiastas da educação a distância e um dos pioneiros na
pesquisa da área. Entre 1953 e 1955, dedicou-se ao desenvolvimento e
aperfeiçoamento de cursos de Inglês a distância destinados a estudantes
universitários, e, em 1956, assumiu a Diretoria Educacional da Hermods
Foundation, na ocasião, considerada como uma das maiores organizações
europeias de ensino a distância. Em 1976, foi nomeado Professor de
Metodologia de Educação a Distância e Diretor do Institute for Distance
Education Research da FernUniversität Institut, na Alemanha, onde
permaneceu até 1990. Entre 1994 e 2001, foi reitor da Private
FernFachhochschule Darmstadt, uma universidade alemã de ensino a
distância, voltada às ciências aplicadas (Ossietzky, 2016).

Para Holmberg (1988), a educação, seja qual for a modalidade


apresentada, é baseada primordialmente na comunicação entre educadores
e educandos e, na maioria dos casos, também entre os educandos. Sendo
assim, uma preocupação central em seus estudos sobre a educação a
GLVWkQFLD VHPSUH IRUDP DV ³FRQYHUVDo}HV´ HQWUH SURIHVVRUHV H DOXQRV TXH
segundo ele, devem ser constituídas por diálogos orientados à
aprendizagem.

O autor não entende por conversação apenas aquela que é estabelecida


de maneira bidirecional entre os estudantes e seus tutores ou outros
membros da organização escolar, de forma síncrona ou assíncrona, com o
apoio mediador de alguma tecnologia; mas também, a que ocorre de
maneira unidirecional entre os estudantes e os materiais de ensino
previamente produzidos para o curso. À primeira modalidade o autor chamou

31



³FRPXQLFDomRUHDO´HjVHJXQGD³FRPXQLFDomRVLPXODGD´(Holmberg, 1995,
p. 2).

A comunicação real, bidirecional, é realizada por meio dos recursos


tecnológicos disponibilizados pela organização de ensino para a realização
da mediação. Holmberg (1995) referiu-se à troca de correspondência via
correio, e-mails ou conversas ao telefone. Entretanto, se levarmos em
consideração as tecnologias mais modernas, podemos incluir nesse grupo os
diálogos estabelecidos por meio de fóruns, chats ou do uso de aplicativos de
comunicação síncrona com áudio e vídeo.

A comunicação real, bidirecional, é realizada por meio dos recursos


tecnológicos disponibilizados pela organização de ensino para a realização
da mediação. Holmberg (1995) referiu-se à troca de correspondência via
correio, e-mails ou conversas ao telefone. Entretanto, se levarmos em
consideração as tecnologias mais modernas, podemos incluir nesse grupo os
diálogos estabelecidos por meio de fóruns, chats ou do uso de aplicativos de
comunicação síncrona com áudio e vídeo.

A comunicação simulada, unidirecional, deve ser realizada por meio de


um material de ensino construído de forma a fazer com que o estudante
³GLVFXWDRFRQWH~GRFRPHOHPHVPR´(VVHWLSRGHGLiORJRSUHFLVDVHUFDSD]
GH FULDU XPD ³UHODomR´ HQWUH R HVWXGDQWH H RV GHVHQYROYHGRUHV GR FXUVR H
SDUD WDO p LPSRUWDQWH TXH VHMD GH ³IiFLO OHLWXUD´ H IDoD uso de linguagem
³UD]RDYHOPHQWHFRORTXLDO´GHIRUPDDIDYRUHFHUDFULDomRGHXPD³DWPRVIHUD
SHVVRDO´ ,ELGHPS-17).

O uso conjunto dessas duas modalidades de comunicação constitui o


que Holmberg considerou o tipo de conversa didática possível em educação
D GLVWkQFLD H TXH FKDPRX GH ³FRQYHUVDomR GLGiWLFD JXLDGD´ 1DV SDODYUDV
do autor:

32



>«@RFDUiWHUGHERDHGXFDomRDGLVWkQFLDVHDVVHPHOKDDRGHXPD
conversa guiada com o objetivo de aprendizagem, cujos traços
WtSLFRV IDFLOLWDP D DSUHQGL]DJHP >«@ Dcontecem conversações
constantes entre os alunos e a organização de apoio (autores,
tutores, conselheiros); tanto simuladas por meio da interação dos
alunos com os cursos pré-produzidos, quanto reais por meio da
interação por escrito e/ou por telefone (Holmberg, 1988, p. 115).
Holmberg (1995) enfatiza a importância do estabelecimento de um
³FDUiWHU SHVVRDO´ QD FRQYHUVDomR GLGiWLFD JXLDGD SRLV DFUHGLWD TXH
³DVSHFWRV HPRWLYRV´ H[HUoDP LQIOXrQFLD QD PRWLYDomR GRV HVWXGDQWHV H
consequentemente, em sua aprendizagem. Essa preocupação se evidencia
em grande parte nos sete postulados que elegeu como alicerces para a sua
perspectiva:

(1) Os sentimentos de relação pessoal entre os professores e os


estudantes promovem o prazer e a motivação em relação aos
estudos.
(2) Tais sentimentos [de relação pessoal] podem ser impulsionados
por materiais de autoestudo bem desenvolvidos e pela
comunicação bidirecional a distância.
(3) O prazer intelectual e a motivação para o estudo favorecem o
alcance dos objetivos de aprendizagem e o uso de processos e
metodologias de estudo apropriados.
(4) A atmosfera, a linguagem e as convenções de uma conversação
cordial favorecem os sentimentos de relação pessoal, de acordo
com o mencionado no primeiro postulado.
(5) As mensagens emitidas e recebidas por meio de conversação
são, comparativamente, facilmente entendidas e recordadas.
(6) O conceito de conversação pode traduzir-se em bons resultados,
a partir do uso dos distintos meios disponíveis na educação a
distância.
(7) A planificação e o guia de trabalho, que tanto provêm da
instituição de ensino quanto dependem do estudante, são
necessários para o estudo organizado, que se caracteriza pela
sua concepção final explícita ou implícita (ibidem, p. 47).

33



2VVHWHSRVWXODGRVLQGLFDPTXHWDQWRDFRPXQLFDomR³UHDO´ELGLUHFLRQDO
TXDQWRD³VLPXODGD´VHUYHPDRVSURSyVLWRVGDFRQYHUVDomRGLGiWLFDJXLDGD
Em suas explanações, Holmberg (1988) dedicou especial atenção à
comunicação simulada, que deve cumprir o papel de promover uma
³LQWHUDomR SURYHLWRVD´ HQWUH R PDWHULDO GH HVWXGR H LQGLUHWDPHQWH RV VHXV
autores) e o estudante e seus conhecimentos prévios. Um nível adequado de
elaboração de texto é fundamental para a aprendizagem; para tanto, defende
o autor, o material de ensino deve estimular o raciocínio, favorecer
discussões e diferentes pontos de vista e evitar quebras na construção do
SHQVDPHQWR GH IRUPD D SURPRYHU R TXH FKDPRX GH ³FRQYHUVD
LQWHUQDOL]DGD´

Tendo em mente os objetivos mencionados, Holmberg (1988) elencou


seis características bastante pragmáticas que, em sua concepção, devem
ser consideradas na concepção e elaboração dos materiais de estudo:

(1) Apresentação das matérias de estudo de forma fácil e acessível


para a leitura, fazendo uso de linguagem razoavelmente
coloquial, com moderada densidade de informações.
(2) Conselhos e sugestões explícitos sobre o que o aluno deve fazer
e o que deve evitar, no que deve prestar especial atenção e
considerar, apresentando os motivos.
(3) Convites para a troca de pontos de vista, perguntas, bem como
decisões sobre o que deve ser aceito e o que deve ser rejeitado.
(4) Tentativas de envolver o aluno emocionalmente, de forma que
ele ou ela desenvolvam interesse pessoal pelo assunto e seus
problemas.
(5) Estilo pessoal, incluindo o uso de pronomes pessoais e
possessivos
(6) Demarcação de mudanças de temas através de declarações
explícitas, meios tipográficos ou, em comunicações gravadas,
através de uma mudança de oradores, por exemplo, voz

34



masculina seguida por feminina, ou por meio de pausas (ibidem,


p. 117).
O autor acredita que os cursos que se pautam nas diretrizes
supracitadas para operacionalizarem a comunicação didática guiada tendem
a apresentar o conteúdo a ser estudado de forma mais atraente e motivadora
para os estudantes, facilitando-OKHVR³GLiORJRFRPRPDWHULDOGHHVWXGR´H
consequentemente, a aprendizagem:

Parto do princípio de que, se um curso a distância representa


consistentemente um processo de comunicação que se faz sentir
com o caráter de uma conversa, os alunos estarão mais motivados e
serão mais bem-sucedidos do que se o curso tiver um caráter de
livro-texto impessoal (ibidem, p. 48).
Com base nos sete postulados e nas características que considerou
importantes para a elaboração do material didático a ser utilizado na
educação a distância, Holmberg (1988) elaborou quatro hipóteses formais
sobre a conversação didática guiada:

(1) Quanto mais fortes as características da conversação didática


guiada, mais forte o sentimento de relacionamento pessoal dos
estudantes em relação à organização de apoio.
(2) Quanto mais fortes os sentimentos dos estudantes de que a
organização de apoio está interessada em tornar o assunto do
estudo pessoalmente relevante para eles, maior o seu
envolvimento pessoal.
(3) Quanto mais forte o sentimento dos estudantes de relação
pessoal com a organização de apoio e de estarem pessoalmente
envolvidos com a matéria de estudo, mais forte a motivação e
mais eficaz o aprendizado.
(4) Quanto mais experientes e independentes academicamente são
os estudantes, menos relevantes são as características da
conversação didática guiada (ibidem, p. 118).
Embora em sua quarta hipótese, o autor tenha deixado implícito que,
quanto mais inexperiente e dependente de orientação for o estudante, maior
será a influência favorável da conversa didática guiada, também afirma que

35



mesmo os estudantes mais maduros e autônomos podem dela se beneficiar


(Holmberg, 1995).

O autor acredita que as características da conversação didática guiada


atuam de maneira interligada para promoverem um tipo de comunicação
capaz de criar sentimentos de envolvimento pessoal que, por sua vez,
seriam favorecedores da motivação e da eficácia na aprendizagem
(Holmberg, 1988, p. 119).

Na Figura 1, buscamos representar graficamente tal relação,


fundamentando-nos nas hipóteses teóricas formuladas pelo autor.

Figura 1 - Representação gráfica das hipóteses formais de Börje Holmberg sobre a


conversação didática guiada.
Fonte: elaborada pela autora

A validade das hipóteses teóricas formuladas por Holmberg foi testada


em três situações de ensino e aprendizagem distintas: um curso alemão de
pós-graduação sobre planejamento educacional; um curso de pós-graduação
a distância em "Fundamentos da Educação a Distância", em versões
britânica e alemã; um curso de gramática inglesa para estudantes suecos.
Embora a análise dos dados não tenha fornecido nenhuma evidência
conclusiva, nas três situações, a tendência foi favorável às hipóteses do

36



autor, com os estudantes que participaram da investigação relatando que se


sentiram pessoalmente envolvidos pelas apresentações que seguiram o
modelo da conversação didática guiada e que, diante delas, tiveram atitudes
favoráveis à aprendizagem (ibidem).

Há de se ter em conta que os estudos de Holmberg sobre a


conversação didática guiada foram empreendidos levando em consideração
as tecnologias de informação e comunicação disponíveis até então. Suas
ideias, entretanto, continuam atuais em vários aspectos, na medida em que
os avanços tecnológicos alcançados nas últimas décadas permitem ampliar
as possibilidades de interação didática e praticar algumas das sugestões de
Holmberg em um patamar qualitativamente mais elevado.

37



3.2 John BDվ Dվ th e a Comunicação Bidirecional

O professor, conselheiro e pesquisador sueco John BDࡈ Dࡈ th (1931-1999)


recebeu reconhecimento internacional pelos seus estudos teóricos e
empíricos na área da educação por correspondência, que considerava como
uma das subáreas da educação a distância. A repercussão das suas
pesquisas foi ampliada consideravelmente pelo seu conhecimento da
literatura relativa à educação a distância em outros idiomas (inglês, alemão e
francês), além das línguas escandinavas, fato que não era tão comum na
época ³pré-globalização´ em que iniciou as suas pesquisas. A carreira de
BDࡈ Dࡈ th na educação a distância começou na década de 1970, quando se
tornou professor de sueco na Hermods3, onde, pouco depois, iria se tornar
diretor de pesquisa e desenvolvimento. Desenvolveu projetos de formação
docente em universidades suecas e consultorias para empresas privadas e
para as forças armadas suecas. Foi também professor convidado na
universidade alemã FernUniversität (Holmberg, 1999).

Em um de seus primeiros estudos, publicado em 1979, no livro


³&RUUHVSRQGHQFHHGXFDWLRQLQWKHOLJKWRIDQXPEHURIFRQWHPSRUDU\WHDFKLQJ
PRGHOV´ BDࡈ Dࡈ th analisou as implicações de sete modelos educacionais de
grande influência para a educação por correspondência. Como critério de
escolha, o autor estabeleceu que o grupo de modelos a serem analisados
deveria:

(1) incluir somente modelos amplamente divulgados em função de


sua relevância para a prática e/ou a pesquisa educacional, ou
por qualquer outra razão;

3
A Hermods foi fundada em 1898, sendo uma das instituições educacionais mais antigas da
Suécia. Desde então, segue como referência em cursos a distância, sobretudo, de sueco para
estudantes estrangeiros, mas também oferece formação continuada em áreas corporativas
(Compras e Logística, Marketing e Vendas, etc.). (Hermods, 2016)

38



(2) incluir não apenas modelos claramente adequados à educação


por correspondência, mas também alguns de difícil aplicação
nessa modalidade;
(3) contemplar um amplo espectro de perspectivas contemporâneas
dos processos de ensino e aprendizagem (BDࡈ Dࡈ th, 1979, p. 12).
Seguindo sistematicamente os três critérios supracitados, BDࡈ Dࡈ th (1979)
elegeu para análise os seguintes modelos educacionais: (1) modelo do
controle do comportamento, de B. F. Skinner; (2) modelo para a instrução
escrita, de Ernst Rothkopf; (3) modelo dos organizadores avançados, de
David Ausubel; (4) modelo da comunicação estrutural, de Kieran Egan; (5)
modelo da aprendizagem pela descoberta, de Jerome Bruner; (6) modelo da
facilitação da aprendizagem, de Carl Rogers; (7) modelo de ensino geral, de
Robert Gagné.

Após estudar as concepções de ensino e aprendizagem presentes em


cada um desses modelos, o autor mapeou suas potenciais aplicabilidades
para o desenvolvimento do material didático, a comunicação bidirecional
não-contígua per se e o seu uso como complemento para os contatos
presenciais. Uma síntese desse mapeamento pode ser verificada no Quadro
1.

39



Quadro 1 - Modelos educacionais analisados por John BDࡈ Dࡈ th


Controle da Nível de
Autor Modelo Principais contribuições
Aprendizagem Aplicabilidade

- Avaliação dos níveis iniciais e


controle das aquisições dos alunos.
Skinner

Controle do - Produção de materiais de


Bastante rígido Forte
comportamento instrução individualizados, segundo
os padrões de reforços anteriores
dos alunos.

- Planejamento e produção de
Rothkopf

Instrução materiais de ensino com o uso de


Rígido Moderado
Escrita instruções matemagênicas.4

- Identificação do conhecimento
prévio e da estrutura cognitiva dos
Ausubel

Organizadores alunos.
Rígido Forte
avançados
- Planejamento e produção de
materiais de ensino.

- Uso de comentários concebidos


individualmente, no formato de
narrativas5.
Comunicação - Conteúdos organizados de forma
Egan

Moderado Forte
Estrutural a integrar aspectos cognitivos e
afetivos, visando gerar
aprendizagens significativas e
motivadoras.


4
Rothkopf definiu as atividades matemagênicas como aquelas que favorecem o nascimento da
aprendizagem. Para estimular o processo metamagênico é preciso que os materiais sejam
RUJDQL]DGRV GH IRUPD D RULHQWDU RV DOXQRV SRU PHLR GH ³LQVWUXo}HV PDWHPDJrQLFDV´ WDLV FRPR
introduções, perguntas de acompanhamento, inferências, comparações, resumos e organizadores
(Rothkopf, 1996)
5
Na proposta deste autor as narrativas deveriam ser planificadas a partir de questões
organizadas em cinco passos: (1) importância do tema; (2) escolha de conflitos binários
adequados ao tema; (3) seleção de conteúdos e organização em formato de história; (4) resolução
do conflito binário e (5) como avaliar os resultados alcançados (Egan, 1994).

40



Continuação do Quadro 1
- Estímulo às discussões em grupo
(síncronas ou assíncronas).

- Ajuda individualizada e estímulo à


Aprendizagem
Bruner

Fraco Moderado descoberta do conhecimento.


pela descoberta
- Mapeamento do nível de
compreensão prévia do aluno sobre
os conceitos básicos do curso.

- Flexibilidade na concepção das


Muito fraco atividades.
Facilitação da
Rogers

(liberdade para Fraco


aprendizagem - Estímulo ao diálogo empático entre
aprender)
professores/tutores e alunos.

- Planejamento e produção de
materiais de ensino.
Gagné

Ensino geral Moderado Forte - Uso de ações motivadores, estímulo


à memória, fornecimento de
orientações e feedbacks.

Fonte: Elaborado pela autora a partir de adaptações de BDࡈ Dࡈ th (1979), Holmberg (1995) e Keegan
(1996).

A partir da análise minuciosa dos sete modelos de ensino supracitados,


BDࡈ Dࡈ th (1979) concluiu que todos os modelos podem ser aplicados à
educação a distância, embora alguns, dada a sua natureza estruturada,
pareçam ser mais facilmente adaptáveis que os outros. Esse é o caso dos
modelos de Skinner, Ausubel, Egan e Gagné. Os modelos mais abertos de
Bruner e de Rogers, por sua vez, são aplicáveis desde que sejam adotadas
medidas especiais quanto à comunicação não-contígua simultânea (telefone
e/ou outros meios).

O autor também faz uma relação direta entre os níveis de rigor no


controle dos objetivos de aprendizagem e a ênfase em um ou outro aspecto
na concepção dos cursos a distância: os modelos alicerçados em controles
mais rígidos tenderiam a enfatizar o desenvolvimento dos materiais de

41



ensino em prol da comunicação bidirecional, ao passo que os mais flexíveis,


a valorizar mais a comunicação contígua entre os estudantes e
tutores/organizações de ensino por meio do contato face a face, de
chamadas telefônicas ou de quaisquer outras tecnologias de que disponham.
Ressalva feita ao modelo de Gagné, que volta a atenção tanto ao
planejamento e produção de materiais quanto ao fornecimento de
orientações e feedbacks (ibidem, p. 21).

Referindo-se ao papel do tutor, que deve ir muito além da correção e


avaliação dos trabalhos dos alunos, o autor deixa implícito que,
independentemente da ênfase da organização de ensino, os tutores a
distância podem se beneficiar de todos os modelos educacionais:

[...] o tutor a distância pode assumir funções importantes


pedagógicas, [...] desempenhando um papel de protagonismo no
caminho entre o material didático e a aprendizagem - tentando
relacionar o material de aprendizagem para os padrões de reforço
anteriores de cada aluno (Skinner), ou por meio de atividades
matemagênicas (Rothkopf), do conhecimento prévio e da estrutura
cognitiva do aluno (Ausubel), ou da sua compreensão prévia dos
conceitos e princípios básicos do currículo (Bruner), ou, ainda,
concentrando-se no estabelecimento de um bom relacionamento
pessoal com o aluno (Rogers). (BDࡈ Dࡈ th, 1980, p. 121).
A compreensão da comunicação bidirecional na educação por
correspondência à luz dos modelos educacionais supracitados representou
uma das grandes preocupações de John BDࡈ Dࡈ th. Para o estudioso, nenhum
curso oferecido por correspondência, ou por qualquer outra modalidade a
distância, poderia ser considerado educação a distância na ausência de
comunicação bidirecional. A possibilidade de o aluno se comunicar com os
seus professores e/ou outros membros da organização de ensino é o que
distingue a educação a distância dos materiais de autoaprendizagem

42



impressos ou digitais, dos vídeos de ensino transmitidos por rádio, televisão


ou disponibilizados na Internet, e assim por diante (BDࡈ Dࡈ th, 1994).

O autor percebe relações entre a comunicação bidirecional não-contígua


e a atribuição de tarefas aos alunos na educação por correspondência,
considerando a segunda como uma das várias formas possíveis de a
primeira se concretizar. Ou seja, a partir do fluxo de tarefas enviadas do
professor para o aluno, do aluno para a avaliação do professor, e novamente
do professor para o aluno com as devidas correções e comentários, aluno e
professor estariam envolvidos em um diálogo não-contíguo. Embora admita
que um curso possa ser considerado educação a distância na ausência da
atribuição de tarefas aos alunos, desde que conte com outras formas de
comunicação bidirecional contígua e/ou não contígua (contato por telefone,
seminário a distância, comunicação conferência por computador, etc.), BDࡈ Dࡈ th
(1994) as considera componentes essenciais à qualidade de qualquer forma
de educação a distância e merecedoras de um olhar atento.

De maneira coerente com essa preocupação, no artigo Assignments in


distance education - an overview (BDࡈ Dࡈ th, 1994), o autor discute os efeitos e
os benefícios das tarefas para os cursos a distância, além de oferecer uma
série de sugestões que contemplam aspectos bastante práticos como, por
exemplo, a coerência entre os diferentes tipos e níveis de complexidade de
cada tarefa e os objetivos que se espera alcançar, e, até mesmo, o volume
de atividades a serem fornecidas em cada situação.

Ainda nesse texto, o autor apresenta uma interessante discussão sobre


os efeitos das tarefas, que, em sua concepção, além de cumprirem o objetivo
óbvio de promover a aprendizagem dos alunos, deveriam também
desencadear efeitos motivacionais e sociais. Os efeitos motivacionais das
tarefas se apresentam quando elas:

43



(1) cumprem o papel de metas parciais no caminho para a conclusão do


curso, gerando satisfação a cada nova etapa concluída;

(2) são concebidas de forma a serem estimulantes em si mesmas, na


medida em que oferecem desafios intelectuais interessantes;

(3) proporcionam ao aluno a oportunidade de ser encorajado e elogiado


pelo seu tutor (ibidem).

Partindo da premissa de que as tarefas são uma das formas possíveis


de comunicação bidirecional, o autor entende que os efeitos motivacionais
estão interligados ao efeito social, que se concretiza principalmente por meio
do contato com o tutor:

Para um grande número de estudantes [o contato com o tutor] pode


ser de grande importância para neutralizar possíveis sentimentos de
solidão e isolamento em sua situação de estudo. Claro, isso implica
que o tutor/professor seja realmente alguém com empatia e
interesse genuíno para com outras pessoas, e não uma pessoa fria,
voltada exclusivamente à execução (ibidem, p. 3).
Durante a atuação como professor e diretor de pesquisa e
desenvolvimento na escola de educação a distância Hermods, BDࡈ Dࡈ th realizou
uma série de seminários, nos quais abordou algumas características que
julgava dignas de serem consideradas durante o planejamento e concepção
de cursos de educação a distância, fossem eles exclusivamente por
correspondência ou incluíssem outros meios de comunicação.
Posteriormente, o autor compilou as sugestões apresentadas nesses
seminários no texto A list of ideas for the construction of distance education
courses, que foi publicado como capítulo no livro Distance Education:
international perspectives, editado por Sewart, Keegan, & Holmberg (1988).

Foge aos objetivos deste trabalho uma explanação extensa das várias
sugestões fornecidas por BDࡈ Dࡈ th (1988) para a concepção de cursos a

44



distância, entretanto, julgamos interessante apresentar os nove grupos em


que elas foram subdivididas e os seus respectivos objetivos, que permitem
uma visão panorâmica dos aspectos que o autor considerava importantes na
educação a distância:

(1) Despertar a atenção e motivar - este grupo engloba tanto as ações


de natureza estrutural externa (uso de cores, desenhos e outros
fatores no campo da percepção), quanto de natureza funcional
interna (atenção às necessidades, experiências e atitudes do grupo
que se pretende atender). As ações estruturais visam,
principalmente, despertar a atenção dos alunos, e as funcionais têm
como objetivo motivá-los.

(2) Ajudar os alunos a compreenderem os objetivos do curso - este


grupo elenca ações que visam fazer com que os alunos percebam
com clareza o que se espera que sejam capazes de alcançar em
cada etapa do curso e em sua totalidade.

(3) Fazer a ligação entre os conhecimentos prévios dos estudantes e o


conteúdo do curso - neste grupo, são propostas ações que buscam
considerar não somente os conhecimentos que os alunos possuíam,
ou não, antes do início do curso, mas também aqueles requeridos
antes do início de cada nova unidade de estudo e que, portanto,
precisariam ser aprendidos nas unidades anteriores.

(4) Apresentar o material a ser aprendido - as sugestões que fazem


parte deste grupo têm como objetivo a obtenção de materiais
didáticos atraentes e instigantes, que primem, por exemplo, pela
clareza intelectual, simplicidade linguística, escrita intimista e
encorajadora, uso de figuras interessantes, etc.

45



(5) Fornecer um guia estruturado do curso - neste grupo, encontram-se


sugestões que visam à elaboração de guias de estudos elucidativos,
com comentários que facilitem a compreensão dos conteúdos do
curso.

(6) Ativar - este grupo elenca sugestões para a elaboração de atividades


em diferentes formatos (quadros de conclusões, diagramas, mapas
mentais, jogos, etc.), visando tornar o conteúdo atraente e,
consequentemente, estimular o interesse dos estudantes.

(7) Fazer comentários - ressaltando a importância dos feedbacks


constantes para os alunos da educação a distância, neste grupo, o
autor fornece sugestões que incluem a elaboração de soluções
explicativas, questões de autoteste, gabaritos, comentários
individualizados e pré-produzidos, resumos, além de auxílios a serem
incluídos no próprio material de estudo.

(8) Facilitar a aquisição do conhecimento - neste grupo, o autor traz


sugestões sobre como fazer uso de aprendizados previamente
adquiridos para facilitar a aquisição de novos conhecimentos,
estimulando os estudantes a articularem conhecimentos novos e
antigos em situações diferentes daquelas em que foram adquiridos.
De certa forma, as dicas deste grupo complementam as fornecidas
no grupo 3.

(9) Facilitar a retenção do conhecimento - partindo do pressuposto de


que, na ausência de medidas específicas, tendemos a perder parte
significativa do conhecimento adquirido, neste grupo, o autor elenca
sugestões de atividades que visam facilitar a retenção dos temas
estudados (BDࡈ Dࡈ th, 1988).

46



Os escritos de John BDࡈ Dࡈ th trazem a marca tanto dos seus esforços


teóricos para compreender a educação a distância à luz dos sete modelos
educacionais anteriormente mencionados, quanto do caráter pragmático de
um profissional que, durante a maior parte da carreira, esteve diretamente
envolvido na gestão de sistemas a distância, advindo daí a diversidade de
sugestões oferecidas em alguns dos seus textos. Entendemos que esse
hibridismo de experiência pessoal e pesquisas de ordem teórica e empírica,
longe de prejudicar, ampliou o caráter das contribuições desse autor para a
área da educação a distância.

BDࡈ Dࡈ th (1979) entendia a educação por correspondência como um


subtipo da educação a distância, que guardava semelhanças com todos os
outros subtipos, podendo servir de protótipo para a maior parte deles. Isso
porque qualquer modalidade de educação a distância requer um profundo
planejamento de ensino, objetivando minimizar as consequências da
ausência das oportunidades de improvisação que se fazem presentes na
educação presencial. Sendo assim, não seria justo limitar a compreensão e
aplicabilidade dos estudos desse autor à educação por correspondência.

47



3.3 John Sagar Daniel e o Equilíbrio entre Interação e


Independência

No ano de 2016, o professor, pesquisador e gestor acadêmico anglo-


canadense John Sagar Daniel contava com pouco mais de quarenta anos de
atuação no ensino online e na educação a distância. No decorrer desse
percurso, ocupou cargos de destaque em importantes instituições de ensino
canadenses e inglesas, dentre as quais destacam-se a Diretoria de Estudos
na Télé-université, Université du Québec (1973-1977), a Presidência da
Laurentian University (Ontário/Canadá) e a Vice-Reitoria na Open University
do Reino Unido (1990-2001). Entre 2001 e 2004, foi Diretor Geral Adjunto
para Educação na United Nations Educational, Scientific and Cultural
Organization (UNESCO)6 FRRUGHQDQGR SULQFLSDOPHQWH R SURMHWR ³(GXFDomR
SDUD7RGRV´(PDOJXPDVGHVXDVPDLVGHSXEOLFDo}HVHGRXWRUDGRV
honorários em universidades de 17 países, é possível verificar a utilização do
título ³6LU´, indicativo do grau de ³&DYDOHLUR%DFKDUHO´FRQFHGLGRSHOD5DLQKD
Elizabeth II, em 1994, como reconhecimento às suas contribuições ao ensino
superior no Reino Unido. Outro reconhecimento foi a nomeação como
³2ILFLDOGD2UGHPGR&DQDGi´HPSHORVHXSDSHOQRDYDQoRGRHQVLQo
aberto e a distância no Canadá e em todo o mundo. Atualmente, os seus
compromissos incluem as presidências do International Council for Open and
Distance Education, da Canadian Association for Distance Education e da
Canadian Society for the Study of Higher Education (Daniel, 2016; UNESCO,
2016) .


6
A Unesco é a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por políticas de
educação, ciência e cultura, e um dos organismos internacionais onde se encontra bastante vivo o
debate sobre o futuro da educação na era da globalização.

48



É possível identificar nos escritos de John Daniel, tanto nas publicações


em inglês quanto nas redigidas em francês, a influência de sua extensa
experiência em gestão acadêmica, o que possivelmente o inspirou, desde os
seus primeiros escritos, a assumir o ponto de vista das universidades. Esse
autor interpreta o rápido surgimento de novas instituições de ensino
interessadas em atuar com a educação a distância como consequência da
ação conjunta de três elementos: (1) uma longa tradição de estudo
independente; (2) o desenvolvimento de novas tecnologias educativas; (3)
certa renovação no interesse teórico pelo ensino aberto (Keegan, 1996).

No entendimento de Daniel, os sistemas de educação a distância


contemplam duas categorias de atividades: as que o estudante realiza de
maneira independente e as que realiza em interação com outras pessoas. A
interação referida pelo autor é mais circunscrita que a utilizada por outros
estudiosos, restringindo-a às atividades que envolvem o contato bidirecional
com uma ou mais pessoas, podendo ocorrer em situações presenciais ou a
partir da mediação de tecnologias que possibilitem a comunicação síncrona
ou assíncrona. Alguns exemplos de atividades a serem enquadradas em
cada categoria foram fornecidos por John Daniel:

- atividades independentes: estudar qualquer tipo de material escrito,


ouvir áudios, assistir a vídeos, realizar tarefas, pesquisas ou
experimentos individualmente, dentre outras;
- atividades interativas: conversas ao telefone ou por intermédio de
outras tecnologias que possibilitem a comunicação síncrona;
discussões em grupo (presenciais ou mediadas por alguma
tecnologia); troca de comentários a respeito dos trabalhos; atividades
SUHVHQFLDLV FRPR DV ³HVFRODV GH YHUmR UHVLGHQFLDLV´ (Daniel &
Marquis, 1988).
Para esse estudioso, uma importante função dos sistemas de educação
a distância seria conseguir harmonizar as atividades independentes e

49



LQWHUDWLYDV GH IRUPD D REWHU R ³mix SHUIHLWR´ (PERUD DILUPH TXH HVVH
equilíbrio proporcionaria vantagens para os alunos, os argumentos de Daniel
deixam evidente que se posiciona primordialmente a partir da perspectiva
das instituições de ensino. O balanço escolhido entre as atividades
interativas e independentes repercute fortemente sobre a economia do
sistema, alerta o autor, pois, enquanto as atividades independentes
possibilitam economias em escala, com custos ínfimos para a impressão de
cópias extras de materiais de ensino para novos estudantes e custo zero
para transmissões de rádio e televisão já existentes, os custos das atividades
interativas aumentam proporcionalmente ao aumento do número de
estudantes (Keegan, 1996).

O aumento da proporção de atividades interativas ajuda a melhorar o


desempenho dos estudantes, reconhece o autor, mas o faz a um alto preço
para as instituições de ensino, que têm nas atividades independentes as
responsáveis pelas suas vantagens de custo global. Para contornar esse
dilema, ele sugere que as instituições de educação a distância monitorem
constantemente o equilíbrio entre estas e as atividades interativas, por meio
da implantação de duas estruturas econômicas: uma para as atividades
independentes, em que são possíveis os ganhos em escala, e outra para as
atividades interativas, em que tais ganhos são inexistentes (Daniel &
Marquis, 1988).

Apesar de chamar a atenção para os custos mais elevados das


atividades interativas, Daniel não recomenda que os cursos sejam
desenhados prevendo exclusivamente as atividades individuais, e enfatiza
que o mix é importante, porque as atividades interativas têm como principal
função proporcionar aos estudantes momentos de socialização e feedbacks
sobre o seu desempenho, tendo em vista que o baixo envolvimento dos

50



alunos a distância com a instituição de ensino torna-os mais vulneráveis à


desistência do curso. Por outro lado, qualquer mínimo inconveniente que as
atividades interativas possam causar ao cronograma do estudante adulto,
continua o autor, não deve ser desconsiderado. E, sendo as atividades
interativas, além de caras para a instituição, na opinião de Daniel,
inconvenientes para os estudantes, a sua recomendação é que sejam
utilizadas com parcimônia (ibidem).

Ao contrário de Moore e Wedemeyer, cujos olhares parecem estar


centrados nos alunos, Daniel parece eleger as instituições de ensino como o
centro de seus interesses de pesquisa. Outra diferença fundamental entre
Moore, Wedemeyer e Daniel foi apontada por Keegan (1996): enquanto os
dois primeiros defendem a autonomia e a independência dos estudantes que
optam por cursos a distância, Daniel acredita que quanto mais liberdade
tiverem, menores serão as probabilidades destes concluírem o curso,
cabendo à instituição de ensino a imposição de algum ritmo ao processo de
aprendizagem, ainda que levando em consideração margens de
variabilidade.

As transmissões televisivas em datas previamente estipuladas e


algumas atividades individuais com prazos determinados para entrega são
estratégias sugeridas pelo autor para imprimir ritmo ao processo de
aprendizagem. Na concepção de Daniel, programas de educação a distância
que têm como base ideológica e pedagógica o respeito absoluto pela
liberdade e autonomia dos estudantes, permitindo-lhes iniciar cursos e
terminá-los segundo a própria conveniência, precisam lidar com taxas de
HYDVmR VXSHULRUHV D  VHJXQGR HOH SRUTXH ³RV HVWXGDQWHV VmR VHUHV
KXPDQRVQmRDQMRV´(Daniel & Marquis, 1988).

51



Keegan (1996, p. 99) atribui a John Daniel a afirmativa de que os


sistemas a distância podem dar aos estudantes a dignidade do sucesso,
estimulando-os, ou a liberdade de avançarem para o fracasso, sem
estimulação.


52



CAPÍTULO IV - EM BUSCA DE UMA SÍNTESE




Cada um dos vários autores que se dedicaram ao estudo da educação a


distância imprimiram nas definições que produziram a marca das suas
próprias experiências, seus interesses de pesquisa, da filosofia de educação
que defendem e do seu entendimento pessoal sobre educação, ensino e
aprendizagem (Barberà et al., 2001). Aliás, cabe lembrar que esse fenômeno
não é exclusividade da educação a distância, ocorrendo tal e qual na
educação presencial convencional.

Esses diferentes pontos de vista culminaram em muitas terminologias e


definições que, ao mesmo tempo em que têm ocasionado equívocos, são
ilustrativas da multiplicidade de enfoques e interesses que sustentam cada
conceito.

Alguns autores (Barberà; Badia; Mominó, 2001; Sauvé, 1993)


estabelecem um paralelo entre a dificuldade de se encontrarem definições
que permitam explicar globalmente a educação a distância e a rápida
evolução das tecnologias utilizadas nessa forma de educação, que exigem
uma revisão constante das suas aplicações.

Outro dos aspectos que contribuem para as dificuldades encontradas de


se definir a educação a distância diz respeito ao próprio significado do termo
distância, que pode ser alvo de diversas interpretações: distância física,
distância geográfica, distância temporal e, na concepção dos autores, até
mesmo, distância intelectual (Simonson, Smaldino, & Zvacek, 2015).

Ambiguidades na definição da educação a distância também podem ser


atribuídas ao fato de o termo ser usado para abarcar incontável número de
programas e situações educacionais, que atendem vários públicos, fazendo

53



uso de grande gama de tecnologias de comunicação, que podem ir das mais


antigas às mais modernas. Ou seja, trata-VH GH XP WHUPR ³JXDUGD-FKXYD´
comumente utilizado para se referir ao ensino por correspondência,
abarcando da autoaprendizagem, por meio do ensino por correspondência
ou transmissão televisiva, à educação mediada por modernas tecnologias
digitais de informação e comunicação, que possibilitam frequente interação
entre os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem (Simonson et
al., 2000; Sauvé, 1993).

Sauvé (1993) acredita que cada definição de educação a distância


reflete a utopia do autor sobre a educação. Os autores que acreditam nos
méritos do ensino por correspondência, por exemplo, apresentariam
definições de educação a distância que se aproximariam da descrição de um
processo de produção em massa, enfatizando a necessidade de materiais de
estudo estruturados e da adoção de uma abordagem sistemática. Aqueles
que defendem a importância da interação frequente entre os envolvidos nos
processos de ensino e aprendizagem, por sua vez, tenderiam a valorizar em
suas definições o papel das tecnologias digitais de informação e
comunicação de última geração, podendo tranquilamente omitir
características de outras formas de educação a distância.

Visando contribuir para a árdua tarefa de lançar luz sobre o conceito de


educação a distância, alguns autores (Keegan, 1984; 1996; Sauvé, 1993;
Verduin & Clark, 1991) se esforçaram para identificar os pontos que unem as
definições de vários estudiosos, a partir de análises comparativas entre os
seus diversos constructos teóricos, de forma a produzirem definições que
apresentassem, de maneira descritiva, características que pudessem ser
consideradas essenciais em qualquer definição de educação a distância.

54



O acadêmico irlandês Desmond Keegan é um autor reconhecido por


lançar importantes pontos de diferenciação entre a educação a distância e o
ensino regular, bem como entre a educação a distância e o estudo individual
ou realizado com o apoio de programas de autoestudo. A partir de tais
diferenciações, o autor esclarece a opção pelo termo educação a distância
em detrimento de outros, que, embora semelhantes, são limitados para
abranger o potencial didático dessa forma de educação:

- ensino/estudo por correspondência: este termo não abrange as


tecnologias suportadas por áudio, vídeo e computador;
- estudos em casa: este termo é limitado porque, não
necessariamente, o aluno a distância estuda em casa;
- estudo independente: este termo sugere a independência de uma
instituição de ensino, e este não é o caso da educação a distância
quando pensada de maneira genérica e abrangente;
- estudos externos: este termo representa adequadamente um
contexto específico encontrado em universidades e faculdades
australianas, nas quais os mesmos funcionários prestam suporte a
dois grupos de estudantes: um no campus e outro externo.
- ensino a distância e aprendizagem a distância: tanto um termo
quanto o outro são apenas metade do processo de educação a
distância: o primeiro enfoca a perspectiva do professor e da
instituição de ensino que desenvolve e disponibiliza o curso, ao
passo que o segundo enfatiza o processo do ponto de vista do aluno
(Keegan, 1996).

Feitas essas diferenciações quanto à terminologia, o autor defende o


uso do termo educação a distância, que, além de reunir os elementos do
ensino e da aprendizagem, é um termo genérico capaz de incluir:

55



[...] as diversas estratégias de ensino e aprendizagem utilizadas por


faculdades por correspondência, universidades abertas,
departamentos a distância de faculdades ou universidades
convencionais e unidades de capacitação a distância dos
fornecedores corporativos (ibidem, p. 34).
As tentativas empreendidas por Desmond Keegan para clarear o
conceito de educação a distância estão demonstradas em dois textos: no
artigo ³2Q GHILQLQJ GLVWDQFH HGXFDWLRQ´, inicialmente publicado em 1980 e
republicado como capítulo de livro em 1988 (Keegan, 1988); e no livro
³)RXQGDWLRQV RI 'LVWDQFH (GXFDWLRQ´ (Ibidem, 1996), que apresenta
reformulações significativas na medida em que incorpora na conceituação de
educação a distância as possibilidades decorrentes das novas tecnologias
desenvolvidas nas décadas de 1980 e 1990.

1R SULPHLUR WH[WR R DXWRU QmR VH SURSXQKD D ³HODERUDU XPD RXWUD
GHILQLomRGDHGXFDomRDGLVWkQFLD´HVLP³GHVWDFDUDTXHOHVHOHPHQWRVTXH
VmR HVVHQFLDLV SDUD TXDOTXHU GHILQLomR´ (Keegan, 1988, p.7). Para tanto,
partiu de quatro definições que, na ocasião, considerou representativas das
tendências de educação a distância propostas na década de 1970. São elas:

 Definição de Börje Holmberg: o termo educação a distância


contempla as várias formas de estudo, em todos os níveis, que
não aconteçam sob a supervisão contínua e imediata de tutores
em interação presencial com os estudantes em salas de aula ou
outros locais, mas que possibilite a estes se beneficiarem do
planejamento, da orientação e da matrícula em uma organização
tutorial. (Holmberg, 1977, p. 9 apud Keegan, 1988, p. 6)
 Definição da Lei Francesa 71.556 de 12 de julho de 1971: é a
educação que não implica a presença física do professor
responsável por fornecer conhecimento nos lugares onde tal
conhecimento é recebido, ou que contempla tal presença apenas
ocasionalmente ou para a realização de certas atividades.
/¶$VVHPEOpH1DWLRQDOHHWOH6pQDWS
 Definição de Michael Moore: ensino a distância pode ser definido
como a família de métodos de ensino em que os
comportamentos de ensino são executados à parte dos

56



comportamentos de aprendizagem, inclusive aqueles que, em


uma situação contígua, seriam realizados na presença do aluno,
devendo a comunicação entre o professor e o aluno ser facilitada
por intermédio de materiais impressos, dispositivos eletrônicos,
mecânicos ou quaisquer outros. (Moore, 1973, p. 664)
 Definição de Otto Peters: ensino/educação a distância é uma
forma racionalizada de ensino e aprendizagem que, apropriando-
se dos princípios organizacionais da divisão do trabalho e
fazendo uso extensivo da tecnologia, tem como objetivo fornecer
conhecimento a grande número de estudantes, simultaneamente
e independentemente do seu local de residência e de trabalho.
(Peters, 1973, p. 206 apud Keegan, 1988 p. 6).
A partir da análise das definições supracitadas, o autor elencou seis
características que considerou essenciais para qualquer definição
abrangente de educação a distância:

(1) A separação entre professor e aluno.


(2) A influência de uma organização educacional no planejamento e
preparação dos materiais de aprendizagem e na prestação de
serviços de apoio aos estudantes.
(3) O uso de meios tecnológicos (impressões, áudios, vídeos,
computadores, etc.) para unir professor e aluno e distribuir o
conteúdo do curso.
(4) O fornecimento de comunicação bidirecional para o
estabelecimento de diálogos entre professor e aluno.
(5) A possibilidade de encontros ocasionais (face a face ou por
meios eletrônicos) para fins didáticos ou de socialização.
(6) A participação em uma forma mais industrializada de educação.
(Keegan, 1988 p. 15).
Entretanto, visando fazer frente a críticas que consideravam a proposta
apresentada em ³2Q GHILQLQJ GLVWDQFH HGXFDWLRQ´ circunscrita pela literatura
da década de 70, baseada fundamentalmente na educação por
correspondência (Garrison, 1989), bem como para incorporar as
possibilidades decorrentes das novas tecnologias, Keegan apresenta

57



importantes reformulações de sua conceituação de educação a distância em


VHXOLYUR³Foundations of 'LVWDQFH(GXFDWLRQ´.

Nesse segundo momento, o autor é bem mais incisivo e audacioso em


seus propósitos, explicitando o objetivo de, a partir da análise da terminologia
GLVSRQtYHO QD OLWHUDWXUD ³>«@ IRUPXODU XPD GHILQLomR GD iUHD GH HGXFDomR´
que pudesse ³>«@ VHU XWLOL]DGD SRU DQDOLVWDV FRPR XP LQVWUXPHQWR SDUD
identificar formas de oferta educativa que devem ser incluídas em um estudo
da educação a distância e para identificar formas que, embora semelhantes,
GHYHPVHUGHODH[FOXtGDV´(KEEGAN, 1996, p. 33).

Para tanto, o autor analisou oito definições, formuladas por acadêmicos


e especialistas na área, entre 1HEXVFDQGRHVWDEHOHFHUXP³PHLR-
WHUPR´ HQWUH GHILQLo}HV TXH RUD VH DSUHVHQWDYDP ³WmR UHVWULWLYDV´ TXH VH
WRUQDYDP³DEVWUDo}HV´GLVWDQWHVGDUHDOLGDGHRUDHUDP³WmRDPSODV´TXHQmR
FRQWULEXtDP SDUD D ³DQiOLVH H R GHVHQYROYLPHQWR GH XPD WHRULD
fuQGDPHQWDGD´ ,ELGHPS 

No Quadro 2, apresentamos, seguindo a ordem cronológica crescente,


as definições que Keegan (1996) analisou para fundamentar a sua própria
definição de educação a distância, destacando alguns elementos
convergentes que podem ser identificados de maneira explícita ou implícita,
na maioria delas.

58



Quadro 2 - Definições analisadas por Desmond Keegan

Autor Elementos
Ano

Definição
destacados

A educação a distância é uma forma


sistematicamente organizada de autoestudo na qual
aconselhamento aos estudantes, apresentação do - Separação
material e garantia de aprendizagem e supervisão geográfica;
do sucesso do aluno são realizados por uma equipe
Dohmen

de professores, cada um dos quais com suas - Mediação


1967

responsabilidades. É possível ser feito a distância tecnológica;


por meios capazes de cobrir longas distâncias. O - Organização
oposto de "educação a distância" é "educação educacional.
direta" ou "educação face-a-face": um tipo de
educação que ocorre com o contato direto entre
professores e alunos (grifos nossos).

Ensino/educação a distância é um método de


transmissão de conhecimentos, habilidades e
atitudes que é racionalizado pela aplicação da
divisão do trabalho e de princípios organizacionais,
bem como pelo uso extensivo de meios técnicos,
Peters
1973

especialmente com a finalidade de reproduzir


materiais de ensino de alta qualidade que tornem
possível instruir um grande número de estudantes,
ao mesmo tempo, onde quer que vivam. É uma
forma industrializada de ensino e aprendizagem
(grifos nossos).

Ensino a distância pode ser definido como a família - Separação


de métodos instrucionais nos quais os geográfica;
comportamentos de ensino são executados à parte
- Mediação
dos comportamentos de aprendizagem, incluindo
tecnológica;
Moore

aqueles que, numa situação contígua seriam


1973

realizados na presença do aluno, de modo que a - Organização


comunicação entre o professor e o estudante educacional;
precisa ser facilitada por intermédio de dispositivos
- Comunicação
de impressão, eletrônicos, mecânicos ou de outros
bidirecional.
tipos (grifos nossos).

59



Continuação do Quadro 2

O termo educação a distância cobre as várias


formas de estudo, em todos os níveis, que não
- Separação
ocorrem sob a supervisão imediata e contínua de
Holmberg

geográfica;
tutores presentes com seus alunos em salas de
1977

aula ou nas mesmas instalações, mas que, ainda - Organização


assim, os alunos se beneficiam do planejamento, educacional.
orientação e matrícula em uma organização tutorial
(grifos nossos).

Educação a distância implica que a maior parte da


comunicação educativa entre professor e
Garrison & Shale

estudantes ocorra de forma não-contígua. Deve


envolver comunicação bidirecional entre professor e
1987

estudantes com a finalidade de facilitar e apoiar o


processo educacional. Usa tecnologia para mediar a
comunicação bidirecional necessária (grifos
nossos).
- Separação
Abordagens educacionais baseadas em geográfica;
telecomunicações são uma extensão além dos - Mediação
limites do estudo por correspondência. As tecnológica;
experiências de ensino e aprendizagem, tanto para
o instrutor quanto para o estudante, ocorrem - Comunicação
bidirecional.
Barker et al.

simultaneamente - de forma contígua em tempo.


Quando um link de comunicação de áudio e/ou
1989

vídeo é empregado, a oportunidade para


intercâmbios entre professores e alunos em tempo
real é possível, assim permitindo resposta imediata
para os questionamentos e comentários do
estudante. Muito parecido com uma sala de aula
tradicional, os alunos podem pedir esclarecimentos
in loco a partir de um alto-falante (grifos nossos).

Educação a distância consiste em todos os - Separação


preparativos para fornecer instruções por meio de geográfica;
- Mediação
Moore

impressão ou meios de comunicação eletrônica


1990

para pessoas envolvidas na aprendizagem, que tecnológica;


acontece em lugar ou horário diferentes daquele do - Organização
instrutor ou instrutores (grifos nossos). educacional.

60



Continuação do Quadro 2

O termo educação a distância se refere a situações


de ensino e aprendizagem nas quais o instrutor e a
Portway & Lane

estudante ou estudantes estão geograficamente - Separação


separados e, portanto, dependem de dispositivos geográfica;
1994

eletrônicos e de materiais de impressão para a


- Mediação
entrega da instrução. Educação a distância inclui
tecnológica.
ensino a distância - o papel do instrutor no processo
- e aprendizagem a distância - o papel do estudante
no processo (grifos nossos).

Fonte: Elaborado pela autora a partir das definições analisadas por


Keegan (1996)

As definições analisadas por Desmond Keegan, em sua segunda


tentativa de conceituar a educação a distância, resultaram em algumas
modificações que, embora aparentemente sutis, representaram avanço
significativo na construção de uma definição mais abrangente e apta a
contemplar as diversas propostas das instituições de ensino que ofertam a
educação a distância.

Quando observamos as oito definições analisadas pelo autor,


constatamos que a separação entre o professor e os estudantes está
evidenciada em todas, ainda que de maneira mais implícita em algumas
delas. De fato, parece ser unânime entre os autores que é essa a
característica central que diferencia a educação a distância da educação
presencial convencional. Entretanto, levando em consideração que essa
separação pode se dar em vários níveis, tendo em vista que em algumas
organizações educacionais, os encontros presenciais ocasionais são
completamente dispensados ou se apresentam como opcionais, enquanto
que, em outras, eles são obrigatórios, Keegan optou por substituir
³VHSDUDomR HQWUH SURIHVVRU H DOXQR´, que havia proposto anteriormente, por
"separação quase permanente ao longo do processo de aprendizagem".

61



A influência de uma organização educacional no planejamento e


preparação dos materiais de aprendizagem, bem como na prestação de
serviços de apoio aos estudantes, continua presente na segunda definição
do autor. Quando menciona essas organizações, Keegan (1996, p. 34) está
FRQWHPSODQGR ³IDFXOGDGHV SRU FRUUHVSRQGrQFLD XQLYHUVLGDGHV DEHUWDV
departamentos a distância de faculdades ou universidades convencionais e
XQLGDGHVGHFDSDFLWDomRDGLVWkQFLDGRVIRUQHFHGRUHVFRUSRUDWLYRV´

Tais instituições, de caráter público ou privado, institucionalizam a oferta


da educação a distância, diferenciando-a do estudo privado, que culmina na
aprendizagem que qualquer pessoa pode obter sem a intervenção de
professores ou organizações educacionais, por exemplo, por meio de
leituras, palestras, viagens, que possibilitem o contato com culturas
diferentes da sua.

Os meios tecnológicos (telefone, teleconferência, áudio, vídeo,


radiodifusão, computador, etc.) continuam em evidência como mediadores
que possibilitam a comunicação entre professores e estudantes.

Em sua primeira conceituação, Keegan já mencionava o papel da


comunicação bidirecional para o estabelecimento de diálogos entre professor
e aluno, mas é na definição apresentada na edição de 1996 do seu livro
³Foundations of Distance Education´TXHHYLGHQFLDRVHXFDUiWHU³HVVHQFLDO´
na educação a distância, destacando que o aluno deve ser capaz não só
dela se beneficiar, quanto de iniciar diálogos. Acrescenta, ainda, que a
presença da comunicação bidirecional é o elemento que diferencia a
educação a distância do uso da tecnologia educacional para o autoestudo e
a aprendizagem privada. A comunicação bidirecional não acontece, por
H[HPSOR TXDQGR ID]HPRV XVR GH PDQXDLV GR WLSR ³IDoD YRFr PHVPR´ RX

62



acompanhamos cursos de idiomas oferecidos por intermédio de programas


de televisão ou gravações de áudio/vídeo (ibidem, p. 46).

Dando continuidade à revisão das características anteriormente


elencadas como inerentes à educação a distância, Keegan (1996) optou por
subsWLWXLUD³possibilidade de encontros ocasionais´ IDFHDIDFHRXSRUPHLRV
HOHWU{QLFRV  SDUD ILQV GLGiWLFRV RX GH VRFLDOL]DomR SRU ³ausência quase
permanente do grupo de aprendizagem ao longo de todo o processo de
aprendizagem´2DXWRUMXVWLILFRXWDODOWHração com o argumento de que uma
definição abrangente de educação a distância deveria contemplar as práticas
WDQWR GDV LQVWLWXLo}HV GH HQVLQR TXH YDORUL]DP R ³HQVLQR LQGLYLGXDOL]DGR´ H
que, em alguns casos, simplesmente não organizam sessões presenciais,
quanto daquelas que as oferecem em caráter voluntário ou obrigatório.
Outros sistemas, ainda, optam por oferecer reuniões eletrônicas, por meio de
audioconferências, teleconferências ou videoconferências.

Entretanto, uma das alterações mais significativas que podemos


REVHUYDUHQWUHDVGXDVGHILQLo}HVpDH[FOXVmRGRHOHPHQWR³participação em
uma forma mais industrializada de educação´ EDVHDGRQD WHRULD GR HQVLQR
industrializado de Otto Peters. A teoria de Peters (1988) faz uma analogia
entre os princípios de organização e divisão do trabalho utilizados pelas
indústrias para viabilizar a produção em massa e o fornecimento, por meio
do uso extensivo da tecnologia, de conhecimento a imenso número de
estudantes, simultaneamente e independentemente do seu local de
residência ou trabalho.

Garrison (1989) foi crítico contumaz da menção às características da


industrialização na primeira definição da educação a distância proposta por
Keegan, por considerá-las reducionistas na medida em que não levam em
consideração os modelos que trabalham com populações de dimensões

63



reduzidas. Endossando a pertinência desta crítica, Gomes (2004) acrescenta


que ela se torna ainda mais pertinente na medida em que:

>«@QRYDVWHFQRORJLDVDVVRFLDGDVjVWHOHFRPXQLFDo}HVHDVHUYLoRV
de edição e publicação electrónicas, por exemplo, viabilizam a
construção de situações de ensino a distância sem a necessidade
de grandes infraestruturas tecnológicas e de grande número de
recursos humanos, as quais caracterizam os sistemas de educação
a distância direccionados para fenómenos de educação de massas e
DGRSWDQGR XPD HVWUXWXUD ³LQGXVWULDOL]DGD´ GH SURGXomR´ ibidem, p.
52).

&RQVLGHUDQGRTXHQROLYUR³)RXQGDWLRQVRI'LVWDQFH(GXFDWLRQ´ Keegan
explicitou o seu objetivo de construir uma definição genérica e abrangente,
parece-nos compreensível a sua anuência às pertinentes críticas feitas por
Garrison (1989) e a exclusão da referência à industrialização em sua
segunda tentativa de descrever a educação a distância.

Diante das considerações supracitadas, a segunda definição proposta


por Keegan, ainda hoje amplamente referenciada na literatura relativa ao
tema, é:

Educação a distância é a forma de educação caracterizada por:


(1) separação quase permanente do professor e do aluno ao longo
de todo o processo de aprendizagem, o que distingue a
educação a distância do modelo convencional presencial;
(2) influência de uma organização educacional, tanto no
planejamento e preparação dos materiais de aprendizagem
quanto na prestação de serviços de apoio aos estudantes, o que
distingue a educação a distância do estudo individual e dos
programas de autoensino;
(3) uso de meios técnicos - impressão, áudio, vídeo ou computador -
para unir professor e aluno e distribuir o conteúdo do curso;
(4) fornecimento de comunicação bidirecional para que o aluno
possa dela se beneficiar ou mesmo iniciar diálogos, o que
distingue a educação a distância de outros usos da tecnologia na
educação;
(5) ausência quase permanente do grupo de aprendizagem ao longo
de todo o processo de aprendizagem, uma vez que as pessoas

64



com maior frequência são ensinadas individualmente e não em


grupos, sem descartar a possibilidade de encontros ocasionais
(face-a-face ou por meios eletrônicos), seja para fins didáticos ou
de socialização (Keegan, 1996, p. 50).
Outros estudiosos que propuseram definições para a educação a
distância entre meados da década de 1980 e 1990, também utilizaram como
critério a identificação de características definidoras comuns à maioria dos
sistemas, de maneira bastante semelhante ao caminho trilhado por Keegan.

É o caso de Sauvé (1993), que optou por usar a percepção dos alunos
de uma turma de pós-graduação para analisar a educação a distância. Para
tanto, propôs aos estudantes que, após examinarem algumas publicações
relativas ao tema (The American Journal of Distance Education (USA), Open
Learning and Teaching at a Distance, Journal of Distance Education/Revue
de l'enseignement à distance e vários livros), apresentassem uma definição
que abarcasse características essenciais da educação a distância. Como
resultado dessa experiência pedagógica, os estudantes elencaram três
características com as quais Sauvé concordou e que pouco divergem de três
das características contempladas na definição elaborada por Keegan. São
elas:

(1) A separação temporal, espacial e/ou psicossocial é uma


característica comum a qualquer definição de educação a
distância, ainda que não necessariamente implique em falta de
interação entre estudantes e professores. Entretanto, tal
interação será sempre mediada por tecnologias de informação e
comunicação, que podem variar das mais rudimentares às mais
sofisticadas.
(2) As tecnologias de informação e comunicação, que na educação
presencial são uma mais valia, na educação a distância são
imprescindíveis para viabilizar a transmissão de informações, o
processamento dos atos de ensino e aprendizagem e o suporte
aos estudantes.
(3) A comunicação entre o estudante e o professor, tutor,
conselheiro ou instituição, quer seja mediada pelo correio ou em

65



tempo real fazendo uso de tecnologias mais modernas, ou em


reuniões presenciais periódicas, é um dos elementos que
diferencia a educação a distância da autoaprendizagem (Sauvé,
1993, p. 104).
Os quatro elementos definidores listados por Verduin e Clark (1991)
também convergem com a definição de Keegan:

A educação a distância é caracterizada (1) pela separação entre


professor e estudante durante a maior parte do processo
instrucional; (2) pela influência de uma organização educacional,
incluindo a provisão de avaliação dos alunos; (3) pelo uso de mídia
educacional para unir professor e estudante e disponibilizar o
conteúdo do curso; (4) pela provisão de comunicação bidirecional
entre professor, tutor, ou agência educacional e estudante (Verduin;
Clark, 1991, p. 11).
Embora Verduin e Clark (1991, p. 12) defendam que o primeiro
elemento da sua definição engloba um número mais abrangente de
situações na educação a distância do que as descritas por Keegan, em
QRVVR HQWHQGLPHQWR D H[SUHVVmR ³GXUDQWH D PDLRU SDUWH GR SURFHVVR
LQVWUXFLRQDO´ SDUD VH UHIHULU j VHSDUDomR HQWUH SURIHVVRUHV H DOXQRV QmR
diIHUH VLJQLILFDWLYDPHQWH GD H[SUHVVmR ³TXDVH-SHUPDQHQWH´ HVFROKLGD SRU
Keegan. Por outro lado, os autores convergem no que se refere à tentativa
de construir uma definição que não tenha a pretensão de contemplar todas
as especificidades dos vários modelos de educação a distância, e sim, de
descrever elementos comuns a todos eles.

66



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