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MENTORIA DE DIRETORES ESCOLARES:

FORMAÇÃO E CONTEXTOS EDUCACIONAIS


NO BRASIL

Maria Cecília Luiz (org.)

São Carlos, 2021


© 2021, dos autores

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar


Reitor
Ana Beatriz de Oliveira

SEaD – Secretaria Geral de Educação a Distância – UFSCar


Secretária de Educação a Distância
Cleonice Maria Tomazzetti
Revisão Linguística
Paula Sayuri Yanagiwara
Editoração Eletrônica
Bruno Prado Santos
Capa
Jéssica Veloso Morito

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da


Biblioteca Comunitária da UFSCar

Mentoria de diretores escolares : formação e contextos


educacionais no Brasil / organizadora: Maria Cecília
Luiz. -- Documento eletrônico -- São Carlos : SEaD-
M549m
UFSCar, 2021.
356 p.

ISBN – 978-65-86891-11-9

1. Educação - formação. 2. Diretores escolares. 3.


Mentoria. I. Título.

CDD: 370.71 (20a)


CDU: 37
SUMÁRIO

Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1 Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Maria Cecília Luiz; Rita de Cássia Rosa da Silva; Viviane Wellichan; Aline Cristina de
Souza; Jéssica Veloso Morito; Caroline Miranda Palmieri da Silva

2 Saberes dos diretores e a cultura colaborativa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99


Flávio Caetano da Silva

3 Comunicação e relações interpessoais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135


Marcela Luiz Corrêa da Silva; Cristina Danielle Pinto Lobato; Anderson Severiano
Gomes

4 Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos


diretores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Flávio Caetano da Silva

5 Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217


Sandra Aparecida Riscal

6 Liderança do diretor de escola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243


Camila Perez da Silva; Ricardo Gavioli de Oliveira

7 Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola. . . . . . . . . . . . . . . . . 275


Anderson Severiano Gomes

8 Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 305


Sandra Aparecida Riscal; José Reinaldo Riscal

9 Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas. . . . . . . . . . . . . 333


Maria Cecília Luiz; Jéssica Veloso Morito
Prefácio

A atuação do diretor exerce relevância na dinâmica de funcionamento


de toda a estrutura da escola e seus integrantes, a maneira como acontece
a atribuição de sentidos e perspectivas e a condução dos procedimentos
administrativos, pedagógicos e aspectos relacionais reflete diretamente no
desempenho da instituição enquanto espaço coletivo e no papel social que
objetiva cumprir na vida dos sujeitos que compõe a comunidade escolar.
Considerando as diversos desafios que fazem parte da gestão escolar, o
Programa de Mentoria para Diretores foi construído através de uma parceria
entre Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Secretaria de Edu-
cação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), com intuito de propor
aos diretores processos reflexivos e construção de estratégias elaboradas
sistematicamente para realizar a transformação de formulações conceituais
e práticas de acordo com a realidade de cada participante, através de in-
terações entre o diretor mentor e mentorado, visando assegurar trocas e
assimilações efetivas, abrangentes e cooperativas.
Compreendendo a necessidade de formação especificamente direcio-
nada para diretores escolares e a escassez de publicações e ações neste
formato, de forma inédita o Programa de Mentoria almeja beneficiar dire-
tores no início de sua carreira ou aqueles que estejam vivenciando adversi-
dades em seu percurso profissional a desenvolver novas perspectivas para
sua atuação, colaborando com o ambiente escolar em sua totalidade, nesse
sentido, o diretor mentor representa aquele que possui maior experiência
e competências proveitosas para partilhar com os diretores mentorados, a
relação de transferência e orientação precisa se basear nos princípios da
mentoria transformadora, contemplando a importância da confiança e inten-
cionalidade nas interações.
Conscientes das disparidades estruturais de cada organização escolar
pertencente a área educacional brasileira, o material do projeto sinaliza nor-
teamentos para a eficácia e qualidade na execução da mentoria, em pri-
meiro momento é indispensável colocar que o alinhamento do projeto deve
ocorrer em consonância com as condições reais que formam a cultura esco-
lar das instituições, antes de iniciar sua implementação, deve-se consultar a
6 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Secretaria de Educação (SE) sobre a viabilidade de execução do processo,


levando em conta a disponibilização de recursos financeiros e tempo, além
disto, torna-se necessário a definição de um tipo de mentoria, conforme
exemplificação da literatura existente na área, mediante as circunstâncias
atípicas ocasionadas pela pandemia, a indicação é utilizar as que contem-
plem o uso de tecnologias para adequação em formato remoto.
Mentoria de Diretores Escolares: Formação e Contextos Educacionais,
percorre por diversos pontos que entrelaçam diariamente as realizações do
enredo escolar, acrescenta-se a esses processos as marcas ligadas a infraes-
trutura e repasse de investimento financeiro para escolas da rede pública, o
trabalho do diretor é cerceado por empecilhos e faltas que originam-se de
uma lógica do desempenho, gerencialismo e exclusão social, onde “fazer
mais com menos” se impõe como regra quanto aos investimentos para a
educação.
As construções expostas no livro tencionam instigar nos gestores
a pertinência de uma gestão colaborativa, que contemple a participação
consciente e conjunta de todos, visto que os reflexos de decisões individuali-
zantes embasadas em uma concepção tradicionalista, silenciam e segregam
as vozes daqueles que compõem a escola, e desarranjam o seu caráter social
e participativo.
Destaca-se que a cultura colaborativa proporciona vinculação da comu-
nidade, estimula a participação e a confiança para interagir e decidir sobre
o percurso das atividades escolares, uma vez que a escola é de todos e se
resulta da existência e articulação destes, uma dimensão democrática fa-
vorece a escuta ativa e a sensibilização em efetivar trocas que acolham e
consideram os interesses coletivos em um aglutinamento que comporta a
presença de cada um singularmente.
Com o seu caráter reflexivo, o livro traz contribuições a respeito dos
propósitos da Comunicação Não Violenta , habilidades de liderança para
o diretor e demais membros do grupo escolar, criação de intervenções que
vislumbrem a desnaturalização das ações violentas na escola, e a articula-
ção dos instrumentos de avaliação e do Projeto Político Pedagógico como
possibilidade de aprimoramento e reformulação de práticas pedagógicas
em caráter democrático com a colaboração integral dos agentes escolares.
Propiciar ferramentas e meios de reflexão que possam ser implementa-
das conforme a vivência de cada escola por meio de um movimento horizon-
tal e democrático de interação entre os participantes da mentoria, pode vir
Prefácio | 7

a formar um alicerce para enfrentamento das adversidades e contratempos


que se fazem presentes na vida cotidiana da escola, portanto, desejo que
os leitores possam se sentir inspirados e amparados com a proposta desen-
volvida, que pretende alcançar as inquietações e dificuldades daqueles que
aspiram por transformações frutíferas e possíveis em suas experiências e de
todos que partilham do espaço social e formativo que a escola representa.

Prof. Dr. Renato de Oliveira Brito


Diretor de Formação Docente e
Valorização dos Profissionais da Educação
Ministério da Educação - MEC
APRESENTAÇÃO

A Coordenação-Geral de Formação de Gestores e Técnicos da Educa-


ção Básica da Diretoria de Formação Docente e Valorização de Profissionais
da Educação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação,
em parceria com docentes do Departamento de Educação (DEd) e discen-
tes do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar) – integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação, Subjetividade e Cultura (Gepesc) –, deu início à elaboração do
Programa de Mentoria de diretores escolares, no final de 2019 e 2020, com
previsão de execução nos anos de 2021 e 2022.
A proposta desse Programa pressupõe a interação entre dois diretores
– o mentor, que irá prestar apoio e compartilhar experiências, e o mento-
rado, que recebe essas contribuições, mas também possibilita trocas de
saberes –, não havendo relação hierárquica entre eles. Por isso, para que
essa interação se dê de forma eficiente, é necessário compreender que as
necessidades e contribuições entre os diretores mentores e mentorados são
importantes. A mentoria de diretores deve ser assertiva e sistemática, com
base nos desafios dos gestores escolares, conforme estes manifestam suas
práticas cotidianas.
Com a elaboração e implantação do Programa de Mentoria de diretores,
várias foram as ações realizadas durante a execução de seu piloto em 2021,
entre elas: programações, acompanhamentos, atividades, formação etc.
Neste livro, apresentam-se os conteúdos trabalhados durante a formação
continuada para diretores mentores e representantes da Secretaria de Edu-
cação que participaram dessa experiência.
Após a escolha dos diretores mentores, teve início um processo de for-
mação: uma Oficina Virtual de Mentoria para Diretores de Escola. A princí-
pio essa formação havia sido programada para acontecer presencialmente,
mas em função da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), em 2020
e 2021, houve a necessidade de realizar a formação a distância. A seguir,
compreendem-se alguns tópicos selecionados para a formação e que fazem
parte deste livro.
10 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Na seção 1, Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor, escrita pe-


las autoras Maria Cecília Luiz, Rita de Cássia Rosa da Silva, Viviane Wellichan,
Aline Cristina de Souza, Jéssica Veloso Morito e Caroline Miranda Palmieri
da Silva, estão as bases técnicas e pedagógicas para a mentoria de diretores,
utilizando-se da metodologia de cultura colaborativa.
A seção 2, Saberes dos diretores e a cultura colaborativa, texto feito pelo
autor Flávio Caetano da Silva, traz a compreensão e produção de sentidos
na relação entre informações, saberes e conhecimentos, além da problema-
tização de práticas escolares democráticas e a cultura colaborativa.
Na seção 3, Comunicação e relações interpessoais, desenvolvida pelos
autores Marcela Luiz Corrêa da Silva, Cristina Danielle Pinto Lobato e Ander-
son Severiano Gomes, afirma-se a importância da escuta ativa para as rela-
ções existentes dentro e fora da escola, com busca de soluções de conflitos
nos relacionamentos interpessoais dentro dos espaços escolares.
A seção 4, Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os
saberes dos diretores, elaborada pelo autor Flávio Caetano da Silva, revela a
compreensão e produção de sentidos na relação entre informações, saberes
e conhecimentos com as Secretarias de Educação e seus agentes que com-
põem a gestão educacional.
Na seção 5, Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos, com
autoria de Sandra Aparecida Riscal, debate-se o Projeto Político-Pedagógico
(PPP) como um projeto global de múltiplas dimensões e de ressignificação
do espaço e das práticas escolares, além de se perceberem as perspectivas
pedagógicas da elaboração de projetos como processo de construção de
conhecimento.
A seção 6, Liderança do diretor de escola, escrita pelos autores Camila
Perez da Silva e Ricardo Gavioli de Oliveira, evidencia a liderança educacio-
nal compartilhada versus distribuída e vê o diretor como líder das relações
interpessoais na escola.
Na seção 7, Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na es-
cola, de autoria de Anderson Severiano Gomes, busca-se contribuir com o
conhecimento sobre recursos públicos disponíveis e as possibilidades de
desenvolver um trabalho colaborativo e participativo com transparência e
ética no uso do dinheiro público, com as devidas prestações de contas.
A seção 8, Avaliação de aprendizagem, institucional e de larga escala,
elaborada pelos autores Sandra Aparecida Riscal e José Reinaldo Riscal, traz
a discussão das três modalidades de avaliação do ponto de vista da gestão
Apresentação | 11

escolar: avaliação do ensino e aprendizagem; avaliação institucional (qualifi-


cação dos educadores e dos educandos); e avaliação externa.
E, finalmente, na seção 9, Violências sociais e escolares: o desafio das
relações cotidianas, as autoras Maria Cecília Luiz e Jéssica Veloso Morito
refletem sobre os tipos de violências dentro (bullying, psicológicas, verbais,
físicas etc.) e fora da escola (pobreza, desigualdade social, abandono, ne-
gligência etc.), que têm causado aos estudantes sofrimentos emocionais:
depressão, vulnerabilidade social, contexto social e psicológico.
Finaliza-se afirmando que os diretores constroem novos saberes e signi-
ficados para a sua atuação, ou por meio de reflexões sobre a prática, ou pela
articulação que aprendem com a teoria, ou quando compartilham com o
coletivo escolar, ou ainda quem sabe por todas essas possibilidades juntas.
A proposta de um Programa de Mentoria de diretores é uma perspec-
tiva de formação continuada para diretores extremamente importante para
desencadear mudanças de práticas e ações, entendendo que o acompanha-
mento realizado por meio da mentoria – fundamentada em reflexões sobre
acontecimentos cotidianos da escola – acaba por proporcionar maior clareza
da sua função na unidade escolar, além do desejo de melhorar sua atuação
profissional.

São Carlos (SP)


Verão de 2021
Profa. Dra. Maria Cecília Luiz
1

Mentoria e as bases técnicas de apoio ao


mentor1
Maria Cecília Luiz
Rita de Cássia Rosa da Silva
Viviane Wellichan
Aline Cristina de Souza
Jéssica Veloso Morito
Caroline Palmieri da Silva

Ementa: Equilíbrio entre a prática e a teoria. O valor da experiência. Apren-


der com as trocas exitosas dos diferentes profissionais. Diagnóstico da esco-
la com foco na orientação. Identificação de desafios e dificuldades. Leitura e
interpretação de problemas escolares. Apoio permanente e sistemático na
comunicação e habilidades interpessoais. Atenção à diferença. Desenvolvi-
mento da cultura colaborativa. Registro documental reflexivo e aprendiza-
gem de feedback escrito na inter-relação de mentores e mentorados. Plano
de mentoria.

Objetivos:
• Compreender a estrutura e as técnicas da mentoria;
• Desenvolver um Programa de Mentoria, com foco em três etapas: seleção
dos diretores; formação para a mentoria e estratégias metodológicas.

1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Esta escolha se
deve ao fato de tais termos se referirem conjuntamente homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e este tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
14 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O que é mentoria?
A mentoria refere-se à relação entre duas ou mais pessoas, sendo uma
mais experiente, que proporciona orientação, treino, ensino etc., compar-
tilhamento de contatos, redes de relacionamento e apoio em um campo
escolhido (BESNOY; MCDANIEL, 2016).
Para Botti e Rego (2008), o conceito de mentor, muitas vezes, é confun-
dido com funções como tutor, supervisor, coach etc., atribuições que não
condizem com o seu desempenho. A confusão acontece, segundo Bragotto
(2005), devido à proximidade dos significados destas palavras com a palavra
mentor, embora nenhuma expressão seja suficiente para expressar seu real
sentido. Também, se procurarmos sua definição em dicionários ou na per-
cepção de diferentes autores acharemos uma grande variabilidade de sinô-
nimos. Segundo Crisp e Cruz (2009), em seu estudo de revisão bibliográfica,
os autores encontraram mais de 500 significados, incluindo termos como
protetor, atencioso, responsável pelo desenvolvimento social, espiritual, físi-
co e intelectual dos mais jovens, guia, mestre etc.
A mentoria de diretores é descrita por autores como Bush (2011) como
um processo que beneficia novos diretores (primeira experiência na carreira)
na dependência administrativa (via concurso ou indicação), ou aqueles que
estão em algum momento de suas carreiras com dificuldades de administrar
suas escolas. Com base em uma relação estruturada e confiante de aproxi-
mação entre diretores de escola, chamamos de diretor mentor aquele mais
experiente, com práticas exitosas em sua profissão, e o diretor mentorado
o menos experiente, ou aquele, como foi dito, que está passando por de-
safios sérios em suas escolas. Existem vários estudos que já concluíram que
a mentoria promoveu crescimento e aprendizagem contínua para diretores
mentores e mentorados.
Uma revisão da literatura feita por Hansford e Ehrich (2006) indicou que os
resultados positivos para esses diretores incluíram: apoio, empatia, aconse-
lhamento, compartilhamento de ideias e resolução de problemas, desenvol-
vimento profissional, aumento da confiança, oportunidade de refletir e uma
oportunidade de estabelecer uma rede de contatos. Além disso, a mentoria
contribui para aliviar a solidão do diretor e oferecer afirmação e avanço na
sua carreira profissional, por meio de feedback e reforços positivos.
Estudos internacionais concentraram-se em desafios e dificulda-
des encontrados pelos diretores escolares recém-nomeados, em países
como: Inglaterra (BUSH, 2011); Hong Kong (CHEUNG; WALKER, 2006);
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 15

Canadá (SACKNEY; WALKER, 2006); EUA (CROW, 2006); Escócia (COWIE;


CRAWFORD, 2008); Coreia (KIM; PARKAY, 2004); Austrália (QUONG, 2006);
México (GARCÍA; SLATER; LÓPEZ-GOROSAVE, 2011); Chile (ARAVENA,
2016), entre outros. Entre esses estudos e práticas encontramos três para-
digmas com bases teóricas diferentes, desde que a mentoria se consolidou:
mentoria tradicional, de transição e transformadora.
O paradigma que corresponde à mentoria tradicional possui objetivo
de transferência de habilidades em um contexto de aprendizado, com pre-
valência em uma figura hierárquica que orienta a prática. Esse paradigma
abrange mentoria focada:
• em suporte, que tem intenção de possibilitar aos profissionais apoio
emocional e logístico, para mantê-los no cargo;
• em supervisão, com o objetivo de garantir que esses atores realizem cer-
tas ações mínimas e obrigatórias relativas às suas posições; e
• no guia, cujo objetivo é auxiliar os novos profissionais na identificação de
fragilidades e fornecer sugestões para a solução de problemas.
O segundo paradigma refere-se à mentoria de transição, com base em
um relacionamento de diretores, no qual as diferenças e a complementarida-
de são valorizadas. Esse paradigma inclui mentoria focada em:
• instruir, a fim de auxiliar os novos profissionais a aprender sobre sua pró-
pria prática, por meio de planejamento e análise conjuntos; e
• refletir, com o objetivo de ajudar esses profissionais a incorporar uma
prática reflexiva que lhes permita reconhecer pontos fortes e fracos, a
fim de melhorar.
E o último paradigma de mentoria transformadora compreende uma
ação mais colaborativa:
• ação conjunta entre o mentor e o mentorado, visando à melhoria da
educação;
• baseado em um relacionamento que permite a troca de papéis; e
• processo de questionamento colaborativo da prática profissional.
O diretor mentor, bem-sucedido em Programas de Mentoria é aquele
que tem um forte desejo de aprender e está disposto a se dedicar, prin-
cipalmente, com relação ao tempo. A mentoria é entendida como uma
oportunidade de aprendizagem profissional para diretores experientes e
16 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

inexperientes, e para atingir seu potencial deve ser vista como processo de
partilha e reflexão intencional e ter base na confiança.
Neste caso, a escolha para este material de apoio, em que se descreve
um Programa de Mentoria, é a mentoria transformadora. Segundo Alcover
e Gil (2002), o mais interessante é que diretores de escola, por meio de um
Programa de Mentoria, possam trocar ideias, sentimentos, experiências, in-
formações e impressões e, por meio dessa troca, chegar a entendimentos do
que é aceitável para todos. Consequentemente, este tipo de aprendizagem
coloca ênfase em processos, como ouvir e respeitar os outros, compreender
perspectivas alternativas, desafiar e questionar, negociar pontos de vista e
manter sujeitos e grupo juntos como um todo.
Embora a mentoria tenha tido forte desenvolvimento nos últimos 50
anos nos Estados Unidos, Europa e países asiáticos – sendo área de interes-
se para pesquisas nos mais diferentes segmentos, por exemplo, formação
inicial, formação continuada, diretores, coordenadores etc. –, no Brasil, o
processo ainda se encontra em desenvolvimento. Uma revisão da literatura
científica brasileira demonstra haver escassez de publicações sobre o tema
(AZEVEDO; DIAS, 2002). No campo da educação brasileira, as experiências
desenvolvidas voltam-se frequentemente para a formação de novos pro-
fessores, que são amparados pela experiência de docentes mais antigos
em projetos de indução à docência (REALI; TANCREDI; MIZUKAMI, 2008).
Assim, a experiência empreendida neste Programa de Mentoria é inédita,
porque tem como foco diretores de escola em serviço.
Os diretores de escola com participação no projeto-piloto (Programa
de Mentoria e Cooperação em Gestão Escolar: gestor mentor) realizado
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em parceria com a Se-
cretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC) tiveram
resultados diferentes em suas trajetórias como diretores. Esse processo de
mentoria não deve ser considerado como uma forma de ensinar os diretores;
trata-se de estabelecer um processo de colaboração, de instaurar um novo
sentido para o processo de gestão escolar, que possa ser compartilhado
entre diferentes gestores com diferentes experiências.
Geralmente, os Programas de Mentoria desenvolvidos em outros países
utilizam abordagens com os focos Pedagógico, Administrativo e na Lideran-
ça (hierarquia – relações de poder). Por isso, além de conhecer os tipos de
mentoria, a Secretaria de Educação (SE) deve ter atenção especial para o
caráter formativo multidisciplinar. Neste caso, seria interessante reunir vários
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 17

tipos de profissionais (do município) para auxiliar na elaboração do Programa


de Mentoria, como: um pedagogo com ênfase no pedagógico; um diretor
administrativo com foco na educação; um contador com foco nas questões
educacionais (gestão de recursos); um psicólogo com ênfase nas relações e
comunicações; e um profissional do serviço social com foco nas relações da
sociedade com a escola (mapeamento das famílias – vulnerabilidade social).

Por onde começar?


Para iniciar um trabalho com mentoria de diretores é importante traçar
um planejamento dos passos a serem desenvolvidos. As condições institu-
cionais – cada município ou estado federativo, isto é, cada SE – devem ser
revisadas para organizar, implementar e avaliar o Programa de Mentoria con-
forme disponibilidade de recursos financeiros e tempo, principalmente se
este tipo de formação continuada for mantida por um período significativo.
Antes de iniciar o Programa de Mentoria é importante que a SE faça
um diagnóstico institucional, com análise de: proposta pedagógica; caracte-
rísticas das escolas; potencialidades; oportunidades; fragilidades; ameaças;
situações problemáticas etc. Esses elementos são preciosos antes da ela-
boração de propostas possíveis em cada SE, com princípios, habilidades e
conhecimentos baseados nos seus contextos sociais e pedagógicos.
Nesse sentido, não cabe generalizar e/ou padronizar, para todas as SE do
Brasil – um país que tem uma disparidade gigante e extensão continental –,
uma única forma de planejar o Programa de Mentoria de diretores. Por isso,
busca-se neste material de apoio indicar alguns caminhos, algumas trilhas
que possibilitem essa viabilização. A forma específica que cada Secretaria
de Educação e/ou Diretoria de Ensino do município ou estado federativo
estabelecerá os vínculos colaborativos entre mentores e mentorados, a ma-
neira como ocorrerá a orientação do programa, sua fundamentação e insti-
tucionalização deve ser feita à parte, após leitura deste material de apoio e
reflexão sobre o que se deseja com tal ação.
Conforme a literatura na área, outra escolha que a SE precisa decidir é
quanto aos tipos de mentoria, expostos a seguir.
• Orientação tradicional: um mentor experiente orienta um mentorado
menos experiente. O mentor e o mentorado devem se reunir, no míni-
mo, quatro horas por mês durante pelo menos um ano. Os mentores e
18 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

mentorados precisam saber desde o início quanto tempo o Programa


deve durar, com intenção de ajustar suas expectativas.
• Orientação em grupo: um mentor experiente orienta até quatro mento-
rados. O mentor assume o papel de líder e compromete-se a se reunir
regularmente com o grupo por um longo período de tempo. A maioria
das interações é guiada pela estrutura, que inclui tempo para comparti-
lhamento pessoal. O Programa de Mentoria pode especificar determina-
das atividades das quais o grupo deve participar, ou, em alguns casos, o
mentor pode escolher ou projetar atividades apropriadas.
• Orientação em equipe: vários mentores orientam e desenvolvem traba-
lhos com grupos de mentorados. Deve haver uma proporção equilibrada
entre mentores e mentorados, de preferência, um mentor para cada qua-
tro mentorados. O grupo deve se reunir frequentemente ao longo de um
semestre ou um ano letivo.
• Mentoria por pares: ter um mentorado orientando outros mentorados.
A orientação por pares oferece oportunidade para mentorados mais
atenciosos desenvolverem um relacionamento de orientador. Esse tipo
de mentoria prevê um programa de orientação específica de atividades
com assessoria de mentores de forma contínua. O grupo deve se reunir
frequentemente ao longo de um semestre ou um ano letivo.
• E-mentoring: mentoria via e-mail e internet (apoio virtual). Conhecida
como mentoring online ou telementoring, a mentoria eletrônica conecta
um mentor a um ou mais mentorado(s). O par comunica-se pela internet
pelo menos uma vez por semana, durante um período de seis meses a
um ano. Aconselha-se organizar, se possível, reuniões presenciais.
• Locais de Mentoring: a mentoria pode ocorrer em uma ampla variedade
de configurações, como local de trabalho, escola, ambiente comunitário
e comunidade virtual, pelo e-mentoring.
A sugestão que fazemos, neste material de apoio, é de uma mentoria
transformadora, utilizando-se de mentoria em equipe, mas por ocasião da
pandemia do Covid-19, ainda sem possibilidades de vacinas, desenvolvere-
mos a mentoria em 2021 e 2022 na perspectiva de equipe (com um mentor e
quatro mentorados), mas com o uso do e-mentoring (apoio virtual).
O e-mentoring, para vários autores (MENA et al., 2016; ORLAND-BARAK;
YINON, 2005; TILLEMA; SMITH; LESHEM, 2011), está longe de ser um termo
unívoco, no entanto, há consenso na literatura para concebê-lo como uma
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 19

atividade de apoio, que promove a aprendizagem e o desenvolvimento pro-


fissional por meio de uma interação síncrona e assíncrona, com apoio da
internet. Para Schunk e Mullen (2013) e Villani (2006), o s envolve reuniões
virtuais de diretores mentores e mentorados para ajudá-los na transição para
o cargo, para trocas de experiências exitosas, ou para refletir sobre dificulda-
des em organizar a melhoria das escolas.
Caso a SE faça escolha por um programa de mentoria do tipo e-men-
toring, também é necessário criar um ambiente virtual para dar suporte ao
seu andamento. Esse ambiente pode ser baseado no material de apoio e na
criação de metodologia feitos pela UFSCar em parceria com a SEB/MEC, nos
anos de 2021 e 2022.

Programa de Mentoria: qual é a necessidade?


Iniciar um Programa de Mentoria é decisão a ser tomada pela Secretaria
de Educação (SE) – tanto municipal quanto estadual –, e isto só deve ocorrer
se a SE estiver certa da sua necessidade. Antes de preparar o projeto para o
seu estado ou município, pergunte-se: existe a necessidade de concretizar
um Programa de Mentoria de diretores? O que determina essa necessidade?
Comece com a realização de avaliações periódicas e abrangentes das
necessidades do município ou estado em que a Secretaria de Educação
atua. Seja qual for o método escolhido, use informações e confirme que essa
iniciativa pode responder a uma clara necessidade entre os diretores escola-
res locais. Algo que deve ser feito antes de projetar um Programa de Mento-
ria de diretores é aplicar uma pesquisa, e para tanto seria fundamental reunir
os diretores de escola e profissionais da educação da sua região e perguntar:
• Você acredita que a comunidade educacional está disposta a investir
tempo para embarcar em um caminho de trabalho colaborativo com um
Programa de Mentoria?
• Você sente que os diversos profissionais da educação estariam motiva-
dos e comprometidos a realizar novas perspectivas educacionais?
• Você entende que esses profissionais da educação serão flexíveis o sufi-
ciente para incorporar novos conhecimentos, habilidades e estratégias?
Por quê?
Se possível, mas não obrigatório, seria importante confirmar se profes-
sores e funcionários das diversas escolas da rede de ensino compactuam
20 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

com essa preocupação e necessidade, isto é, se estão prontos e dispostos a


investir tempo e dedicação na realização do Programa de Mentoria. Assim,
a SE deve avaliar a sua organização, comprometimento e capacidade para
executar um Programa de Mentoria de qualidade.
A partir do momento que se definem a importância e a necessidade do
Programa de Mentoria entre todos os profissionais envolvidos, a SE pode
institucionalizá-lo e começar a pensar em um planejamento em longo prazo.
As primeiras questões que devem ser refletidas pela SE devem estar relacio-
nadas a:
• como promover o seu Programa;
• partes interessadas do Programa;
• suas metas do Programa e resultados esperados;
• objetivos do seu Programa de Mentoria (por exemplo, socialização, su-
porte acadêmico, orientação profissional etc.);
• seleção de diretores que a SE recrutará como mentores e mentorados;
• público-alvo, tipo de orientação que o Programa de Mentoria oferecerá
e a natureza das orientações;
• quando e com que frequência os mentores e mentorados se encontrarão;
• quanto tempo você espera que as correspondências de orientação
durem;
• configuração do seu programa de orientação;
• melhor maneira de avaliar o progresso e o sucesso do seu programa; e
• protocolo para garantir que a equipe do Programa (sujeitos ligados à
SE) entre em contato regularmente com mentores e mentorados para
discutir como estão indo seus relacionamentos.
Outra etapa importante, que deve ser refletida, é a formação dos dire-
tores mentores e mentorados. O Programa de Mentoria é um desafio para
as SE, visto que qualquer projeto que demande processo de mudança nas
escolas precisa do envolvimento e comprometimento de seus educadores.
Torna-se tarefa difícil dar continuidade a qualquer projeto estadual ou mu-
nicipal quando há resistência das próprias escolas, da sua cultura escolar.
A cultura escolar define os padrões de significado que são transmitidos
historicamente e que incluem normas, valores, certezas, cerimônias, rituais,
tradições e mitos compreendidos pelos membros de uma escola. A cultura
escolar é definida como o conjunto de certezas e práticas vividas no dia a
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 21

dia dos estabelecimentos de ensino, que orienta as práticas e formas de


resolução das situações da instituição (REEVES, 2016).
Uma instituição escolar que busca soluções de problemas precisa olhar
para os elementos que constituem o cerne de sua cultura, saber de onde
surgem os valores, as certezas, os ritos, as ações e tradições típicas da sua
escola. Nesse contexto, instituições escolares devem ser convidadas a olhar
para a sua cultura escolar e refletir sobre elementos a serem melhorados. É
um momento de todos os envolvidos com a escola explorarem processos
criativos a partir das necessidades dos tempos atuais e do tipo de sujeitos
que se pretende formar para o futuro. Nesse sentido, uma investigação, ou
uma conversa aberta com os diretores, esclarecendo a dinâmica do Progra-
ma de Mentoria, ajudaria os responsáveis a garantir mais comprometimento
e um trabalho colaborativo.
A seguir, tratamos da 1ª etapa do Programa de Mentoria de diretores, a
preparação.

1ª etapa: Preparação
Recapitulando, depois de confirmada a decisão da Secretaria de Educa-
ção, o Programa de Mentoria, um projeto institucional, deve estabelecer: o
público-alvo que o Programa atenderá; o tipo de orientação que o Programa
oferecerá; e a natureza das orientações.
Após essa primeira fase, fundamos dois tópicos principais para esta
primeira etapa de preparação do Programa de Mentoria: seleção dos direto-
res mentores e formação para mentores e mentorados.
O primeiro tópico – seleção dos diretores mentores – trata de algo
fundamental para o Programa, pois os diretores selecionados estarão à
frente do processo e serão importantíssimos para o seu sucesso. Por isso,
aconselhamos que esse profissional: tenha experiência de direção escolar
(de preferência que seja da dependência administrativa da SE); conheça a
perspectiva do sistema administrativo e educacional da SE; tenha motiva-
ção; tenha vontade de compartilhar com demais profissionais; possua uma
autocrítica construtiva e habilidades interpessoais. Lembrando que o envol-
vimento do diretor mentor significa ter certeza de que sua responsabilidade
e compromisso com o Programa de Mentoria fará diferença entre motivação
e passividade, confusão e equilíbrio, desordens e acertos etc.
22 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Depois de selecionados, esses diretores mentores precisam ser forma-


dos para a mentoria. Este é o segundo tópico – formação para mentores e
mentorados –, em que a SE precisa elaborar uma formação com intenção de
possibilitar algumas habilidades importantes para esse profissional, como:
• fundamentos e concepções sobre a função do diretor mentor e do
mentorado;
• reflexão sobre como detectar um problema e/ou necessidades dos con-
textos escolares de seus futuros mentorados;
• características principais para a relação entre mentor e mentorado;
• saber acompanhar seus mentorados de forma a promover questiona-
mentos reflexivos e feedbacks críticos;
• discutir vários temas sobre liderança, comunicação e habilidade inter-
pessoais com seus mentorados.
Da mesma maneira, é importante que os mentorados também recebam
algumas instruções para participar do Programa de Mentoria. A formação
para diretores mentorados deve proporcionar algumas habilidades impor-
tantes para o diretor, como:
• fundamentos e concepções sobre a função do mentor e do mentorado;
• características principais para a relação entre mentor e mentorado;
• estar disposto a encarar os problemas e desafios da escola com bases de
trocas de experiências exitosas e perspectivas teóricas;
• construção de sentimento de pertencimento.
O relacionamento entre mentor e mentorado é o ponto nefrálgico do
Programa de Mentoria. Assim, alguns assuntos relacionais devem ser trata-
dos após a seleção de diretores mentores e dos seus mentorados, com foco
exclusivo em alcançar os propósitos do Programa, como:
• conhecer a história profissional de diretores mentores e mentorados e
perceber se as experiências entre eles são semelhantes, diferentes etc.;
• saber o posicionamento ideológico de cada diretor, com vistas a respei-
tar as diferenças;
• identificar as variáveis pessoais de mentores e mentorados – tímido, fa-
lante, agressivo, calmo etc;
• buscar compreender e consolidar a cultura colaborativa entre ambos.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 23

A seguir, tratamos desses dois tópicos com mais detalhes e de propostas


de realizações possíveis.

Tópico 1 – Seleção de mentores


Segundo Paro (2010), no Brasil, uma escola bem-sucedida, geralmente,
é uma instituição complexa e colaborativa que exige um alto nível de de-
sempenho de todos os seus profissionais. Esse sucesso acontece, em parte,
pelo trabalho do diretor da escola, que é um dos grandes responsáveis por
realizar de maneira eficiente atividades da gestão escolar, com intuito de
garantir a qualidade de ensino e aprendizagens dos alunos. Nesse contexto,
as habilidades de liderança do diretor são fundamentais para a organização
dinâmica da escola.
Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico e a informatização pro-
piciarem um fluxo maior de informação, a figura do ser humano ainda é o
principal fator para gerar valores dentro de uma organização, e na organi-
zação escolar não é diferente. Lück (2009) afirma que a escola é uma orga-
nização social constituída pela sociedade para cultivar e transmitir valores
sociais elevados. A formação de estudantes é obtida mediante experiências
de aprendizagem e ambiente educacional compatíveis com os fundamen-
tos, princípios e objetivos da educação. Esse ambiente é de vital importância
para o desenvolvimento de aprendizagens significativas que possibilitem
aos alunos conhecerem a sociedade em que vivem e se reconhecerem como
parte dela, como condição para o desenvolvimento de sua capacidade de
atuação cidadã.
Pensando na importância da função da escola e do papel do diretor e
com o foco na seleção de diretores mentores, buscou-se delimitar o que é
liderança, quais as características de um líder, como ocorre a atuação de
um líder e como ele pode transformar o cenário educacional com sucesso.
Assim, a ideia é apresentar elementos que fomentam a compreensão acerca
do processo de mentoria, com os seguintes subitens: experiência em estru-
tura organizacional; motivação e voluntariedade; conhecimento de liderança
da escola e do sistema educacional; e habilidades interpessoais.

1.1) Experiência em estrutura organizacional


Por meio da Constituição Federal de 1988, acompanhada pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) e pela Lei
24 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezem-


bro de 1996), são instalados os princípios de equidade de condições para
o acesso e permanência dos(as) alunos(as) na escola, o que representou as
garantias à educação como dimensão de garantias sociais, como garantias
humanas fundamentais, garantias públicas subjetivas (LIBERATI, 2006). A
educação começa a ser entendida como fator de realização da cidadania,
com padrões de qualidade de oferta e produto, na luta contra a superação
das disparidades sociais e da exclusão social.
Ao considerar a escola uma estrutura organizacional cuja transformação
e a necessidade de administrá-la são reais, tem-se uma construção histórica
de mudanças em seu modelo administrativo, possibilitando o que temos
de mais contemporâneo na direção escolar, que é a gestão democrática.
Sabe-se que a gestão escolar é regida em caráter democrático, prevista por
documentos legais:

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns


e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I – elaborar e
executar sua proposta pedagógica; II – participação das comunidades
escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes [...]; VI – articular-
-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da
sociedade com a escola; VII – informar pai e mãe, conviventes ou não
com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequên-
cia e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta
pedagógica da escola (BRASIL, 1996, p. 5).

Gadotti (2014) afirma que a participação de todos é condizente com o


princípio da democracia e que isso tende a trazer inúmeros benefícios para
a escola, como se nota a seguir:

A participação popular e a gestão democrática fazem parte da tradição


das chamadas "pedagogias participativas", sustentando que elas inci-
dem positivamente na aprendizagem. Pode-se dizer que a participação
e a autonomia compõem a própria natureza do ato pedagógico. For-
mar para a participação não é só formar para a cidadania, é formar o
cidadão para participar, com responsabilidade, do destino de seu país;
a participação é um pressuposto da própria aprendizagem (GADOTTI,
2014, p. 1).

Isso implica entender que, antes dessas perspectivas democráticas,


existia um modelo tradicional de administração escolar, em que o diretor
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 25

era apenas um burocrata, isto é, um administrador que não tinha autonomia


para gerir sua escola nem se responsabilizava pelos seus resultados. Nessa
concepção de escola, eram os sujeitos que deveriam se adequar ao mo-
delo vigente, e não a escola que deveria se adaptar às necessidades dos
estudantes.
Por insistir, muitas vezes, em manter uma homogênea e padronizadora
formação, a escola tem presenciado o aumento da evasão escolar, consequ-
ência do gradual aumento de alunos com características diferentes e com
várias situações de disparidades fazendo parte do seu cotidiano. Segundo
Pérez Gómez (1998), a instituição escolar possui função no processo de
socialização:

função do processo de socialização da escola é a formação do cidadão/ã


para sua intervenção na vida pública. A escola deve prepará-los para que
se incorporem à vida adulta e pública, de modo que possa manter a dinâ-
mica e o equilíbrio nas instituições, bem como as normas de convivência
que compõem o tecido social da comunidade humana (PÉREZ GÓMEZ,
1998, p. 15).

Um dos elementos considerados fundamentais na gestão democrática


é o diretor, uma figura social que deve motivar e incentivar os educadores e
educandos que atuam no cenário educacional. Assim, na seleção de direto-
res mentores, faz-se necessário compreender como esse diretor tem lidado
com as estruturas organizacionais da sua escola, visto que essas estruturas
não são mais definidas pela perspectiva técnica; ao contrário, acredita-se
em uma concepção resultante de processos dinâmicos e contínuos de nego-
ciações entre interesses, advindos de interpretações distintas entre sujeitos
diversos, no que tange às regras e aos objetivos organizacionais.
Para Gomes et al. (2016), há o aumento da complexidade da sociedade
e das suas disposições, e por isso a informação é um recurso fundamental e
importante nas organizações, em todos os níveis organizacionais (operacio-
nal, tático e estratégico). A eficácia no tratamento da informação depende,
em grande parte, da forma como ela é administrada e do bom entendimen-
to de certos conceitos e relações.
É de suma importância, na seleção de diretor mentor, levar em conside-
ração o que pensa o futuro diretor mentor sobre aprendizagem organizacio-
nal, como resolve suas situações problemáticas, como lida com perspectivas
democráticas, por exemplo: questionar e ser questionado; investigar e ouvir
26 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

a todos; refletir sobre o que significa ter um desafio com o coletivo etc. Além
disso, Libâneo (2001) pontua a importância de observar como um diretor
administra informações e conduz a cultura organizacional da sua escola.

1.2) Motivação e compromisso


Para Antunes, Stefano e Berlato (2013), a motivação impulsiona o ser hu-
mano a agir de determinada forma, e quando essa motivação acontece de
forma conjunta, em equipe, as metas traçadas podem ser cumpridas com
mais facilidade. O poder da motivação reflete-se nas atitudes que temos
diante da vida, bem como se manifesta em cada sujeito em diversas situa-
ções. Segundo Pimenta e Santinello (2008), um sujeito motivado tem menos
medo de correr riscos, pois confia em sua capacidade para reverter desafios.
A motivação é um fator importante para um diretor de escola, mas pos-
sui caráter subjetivo, isto é, não temos como mensurar ou quantificar o grau
de motivação de um sujeito, pois ao mesmo tempo em que é inerente tam-
bém pode ser estimulada. Com relação a essa questão, Antunes, Stefano e
Berlato (2013, p. 3) afirmam que:

Pode-se dizer que cada pessoa tem suas próprias orientações motivacio-
nais e, por esse motivo, torna-se difícil entender e aceitar o que motiva
o outro. Essas diferentes necessidades que existem no interior de cada
indivíduo são comparadas aos desejos, que quando supridos tornam a
pessoa satisfeita e quando não, insatisfeita.

Segundo Pimenta e Santinello (2008, p. 3), a motivação humana pode ser


estimulada por diferentes perspectivas: laboral, social, emocional, afetiva,
dentre outras. Nesse sentido, afirmam que:

De modo geral, a motivação dos indivíduos tem como objetivo satisfazer


às suas necessidades fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de
autorrealização. As capacidades humanas dependem da sua motivação
no trabalho, desejos, carências, amores, esforços, ódios e medos. Além
das diferenças individuais, existem as variações no mesmo indivíduo em
função do momento e da situação.

A motivação tem caráter pessoal também, está relacionada com a cida-


dania, com a superação do dinamismo da vida de cada sujeito. Para Avelar
(2014), esse tipo de motivação consiste na necessidade que cada sujeito tem
de encontrar seu espaço na sociedade. Para Chiavenato (1999), existem três
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 27

premissas que explicam o comportamento humano, são essas: 1) estímulos


internos; 2) estímulos externos; e 3) os estímulos externos e internos com
influências advindas da hereditariedade ou do meio ambiente.
Na motivação há uma finalidade que não é causal nem aleatória, mas
sempre orientada e dirigida para algum objetivo. Nos objetivos existem as
características, como: impulso, desejo, necessidade, tendência, expressões
que servem para designar os motivos do comportamento. A Figura 1 ilustra
o movimento existente entre seres humanos, estímulos e motivação.

Figura 1 Motivação humana.

Fonte: Chiavenato (2004).

No cenário atual, as organizações, em geral, por meio de suas políticas


de recursos humanos, procuram estabelecer um vínculo com seus colabora-
dores e, de certa forma, têm como objetivo influenciar o comportamento e
o envolvimento desses colaboradores no ambiente organizacional (ROCHA;
CERETA, 2013). Uma empresa busca recrutar pessoas que realizam seu traba-
lho com afinco e prazer, que sejam produtivas e dedicadas, comprometidas
com o trabalho, com a carreira e, principalmente, com a organização. Este é
o desejo de qualquer organização empresarial, seja ela pública ou privada,
pequena ou grande: ter no quadro de funcionários sujeitos comprometidos
que sejam capazes de fazer do seu trabalho uma atividade transformado-
ra para a organização, para a vida e para a sociedade (SOARES; OLIVEIRA,
2013).
Segundo Lück (2009), na escola a motivação é vista de forma diferencia-
da, pois passa pelo reconhecimento e pela adoção de estratégias capazes
de criar possibilidades de uma pedagogia do sucesso, por meio da ação
diferenciada de seus profissionais e da sua celebração: o compartilhamento
das boas experiências; a organização compartilhada do esforço e orientação
para melhores resultados; a tomada de decisão colegiada, de modo que
28 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

todos se sintam, em conjunto e de forma associada, autores e autoridades


em seu âmbito de responsabilidade.
Para a seleção de diretores mentores, faz-se necessário compreender a
importância do comprometimento e da motivação dos selecionados, visto
que são duas atitudes cruciais. Nesse sentido, sugere-se que, ao selecionar
um diretor mentor, os responsáveis levem em consideração o momento da
carreira desse diretor, assim como sua motivação em realizar ações e orga-
nizar sua escola.
Outra ação importante é a Secretaria de Educação deixar claras no edital
de seleção do diretor mentor as condições que esse profissional terá para
exercer seu trabalho da melhor forma possível. Inclusive, para a manutenção
do diretor mentor durante o tempo estabelecido para o Programa de Men-
toria, sugere-se: remunerá-lo financeiramente devido ao tempo dispendido
para o trabalho no Programa de Mentoria, ou afastá-lo da função de diretor
de escola para atuar somente como diretor mentor, mantendo sua progres-
são na carreira. Outras possibilidades podem ser pensadas pela SE de tal
forma que destaque institucionalmente a grandeza e a importância desse
trabalho e promova uma maior motivação e/ou comprometimento do diretor
mentor com a mentoria.
Figueiredo (2012) indica que a satisfação no trabalho é um fenômeno
complexo e de difícil definição, não só por se tratar de um estado subjetivo,
mas também por suas variações entre os sujeitos e situações.

1.3) Conhecimento de liderança da escola e do sistema educacional


Compreender a função de um diretor líder é muito importante para o
Programa de Mentoria, tanto que essa temática tem um material de apoio
produzido à parte, somente tratando de liderança escolar. Neste tópico,
apenas acentuamos essa importância, com foco na questão da seleção do
diretor mentor, isto é, destacando a necessidade de que sejam evidencia-
das, na seleção, as características de um diretor que exerça liderança.
Segundo Benevides (2010), ao longo das últimas décadas, as organi-
zações, em geral, têm vivenciado inúmeras alterações, desde na estrutura
de seu capital econômico até nas relações existentes entre os sujeitos e a
própria instituição. Dia após dia, sujeitos de diferentes origens, religiões,
formações acadêmicas e visões políticas estabelecem contato em empre-
sas ou organizações a fim de exercerem suas atividades profissionais. Essa
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 29

heterogeneidade de sujeitos transparece nas divergências de pensamentos,


métodos e formas adotadas para realização de tarefas.
A coletividade somente se constitui se os sujeitos começarem a interagir
em conjunto, o que significa não desenvolver uma organização que valorize
a personalidade individual, ao contrário, deve fortalecer o que é bom para
"todos", ao invés de atender o que é bom para "alguém". Apesar de não po-
dermos comparar a escola com outras organizações – o seu produto não são
objetos inanimados –, ela também é uma organização institucional, por isso
se compreende a necessidade de transpor alguns conceitos de liderança
para o diretor. Para Lück (2009, p. 23) o diretor é:

o líder, mentor, coordenador e orientador principal da vida da escola e


todo o seu trabalho educacional, não devendo sua responsabilidade ser
diluída entre todos os colaboradores da gestão escolar, embora possa ser
com eles compartilhada. Portanto, além do sentido abrangente, a gestão
escolar constitui, em caráter delimitado, a responsabilidade principal do
diretor escolar, sendo inerente ao seu trabalho a responsabilidade maior
por essa gestão.

Para Caetano (2005), os educadores, educandos e seus familiares, em


geral, são sujeitos com características, aspirações, interesses e dificuldades
diferenciadas, e por isso ser líder em um ambiente escolar requer uma gran-
de disponibilidade física e psicológica. Nessa perspectiva, liderar significa
conquistar e envolver todos os envolvidos com a escola para chegar a um
objetivo comum.
Inúmeros são os estilos de liderança, e os mais conhecidos foram deno-
minados pelo Sebrae (2017) como: liderança autocrática, liderança demo-
crática e liderança liberal. O quadro a seguir define cada um dos tipos de
lideranças.

Quadro 1 Tipos de liderança.


Tipo Descrição
É vantajosa em treinamentos de colaboradores inexperien-
tes, pois as orientações do líder autocrático sobre o que
será feito e como será feito são sempre bem detalhadas.
Liderança
Exigem-se procedimentos detalhados, críticos ou inflexíveis
autocrática
e que não permitem improvisação. Possibilitam-se tomadas
de decisão mais ágeis em momentos de crise ou em caso de
prazos curtos.
30 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Quadro 1 continuação...
Tipo Descrição
As decisões sobre linhas principais de trabalho, prazos e re-
sultados esperados são estabelecidas por líder e equipe em
conjunto. E isso é uma vantagem, pois possibilita à equipe
Liderança estabelecer a tarefa mais adequada para cada integrante e
democrática situação. Outro ponto positivo é que a liderança democráti-
ca prioriza a valorização da participação das pessoas. Dessa
forma, as equipes são beneficiadas por ideias, opiniões e
pontos de vista discutidos e apresentados.
Apresenta alto grau de confiança na capacidade e no
desempenho dos colaboradores, por isso, ela dá à equipe
Liderança liberal
o livre-arbítrio para tomar decisões em grupo e individuais,
com participação mínima do líder.

Fonte: elaboração própria, com base em Sebrae (2017).

Um bom líder é aquele que tem consciência das suas responsabilidades,


que coordena uma equipe com motivação e com diferentes estratégias para
os problemas vivenciados. Loenert (2003) coloca que os princípios básicos
da liderança consistem em: dirigir, motivar, treinar e delegar. A pergunta
central que permeia todo o trabalho consiste em: Como identificar um líder?
Como selecionamos um líder? Quais instrumentos e/ou metodologias esse
líder usa na solução de problemas, na busca por motivação de equipe, na
gerência organizacional?
Para Assis (2015, p. 4), existem quatro elementos que competem ao bom
líder:
• autoconsciência – capacidade de conhecer e compreender as próprias
emoções;
• autogestão – habilidade de controlar os próprios impulsos e sentimentos
em qualquer situação;
• empatia – aptidão para considerar os sentimentos alheios;
• habilidade social – capacidade de relacionar-se e dom para desenvolver
afinidades.
Segundo Silva et al. (2014), inteligência emocional pode ser definida de
forma simples: harmonia entre razão e emoção, ou capacidade desenvolvida
para lidar com a emoção de forma inteligente. Por isso, estes aspectos de-
vem ser considerados no perfil de um diretor mentor: inteligência emocional
e equilíbrio de suas próprias emoções – autoconhecimento –, o que implica
ter facilidade em identificar e entender o sentimento alheio.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 31

Para Assis (2015), a função da liderança não é algo simples, visto que
um líder precisa atender e criar expectativas, em si mesmo e no grupo. A
liderança exige que um diretor líder tenha caráter disciplinado, paciente,
humilde e comprometido, a fim de conduzir o grupo aos resultados e obje-
tivos almejados. Nesse contexto, o diretor de escola prioriza desenvolver e
aprimorar suas aptidões para influenciar e motivar a equipe de modo cons-
trutivo, ético e positivo. Oliveira e Perez (2015) indicam que:

fica perceptível que, diante das definições, o líder é aquele que conquis-
ta seus liderados sem usar seu poder de autoridade, mas através de seu
poder de influenciar pessoas. Ele é formador de opinião e é capaz de
motivar seus liderados a alcançarem objetivos e uni-los em prol da mes-
ma causa (OLIVEIRA; PEREZ, 2015, p. 2).

Apesar de essas aptidões ou habilidades serem naturais para alguns


sujeitos, elas são características que podem e devem ser desenvolvidas e
melhoradas (SIQUEIRA et al., 2019). Para tanto, buscam-se diretores men-
tores e mentorados com atitudes adaptáveis conforme a necessidade, que
construam uma identidade capaz de lidar com as contingências negativas
da vida escolar e que sejam críticos justos que saibam identificar desafios e
dificuldades, com objetivo de ter uma escola com mais qualidade de ensino.
Para Salomon (2013), a crítica deve ser exercida buscando mudanças de
atitudes, sejam estas morais, estéticas ou científicas, e não somente para
exercer o hábito de criticar. Por isso, uma crítica não pode resultar em con-
fusão. A questão da crítica ou do pensamento crítico, para Guzzo e Guzzo
(2015), significa priorizar o desenvolvimento e o fortalecimento de habilida-
des que incentivam o espírito crítico em educadores e educandos, por meio
de contraposição de tendências cognitivas com análises mais racionais.

1.4) Habilidades interpessoais


As habilidades interpessoais são basilares para a seleção de um dire-
tor mentor. O relacionamento que o ser humano vivencia, em geral, está
na ordem das relações pessoais, culturais e trabalhistas, o que exige certos
padrões e limites, conforme o momento. Todos os ambientes promovem
interações e relacionamentos diversos, mas o âmbito escolar carrega vários
tipos de relacionamentos sociais e pessoais, o que acarreta, muitas vezes,
dificuldades. Para conviver na escola algumas posições são necessárias,
como a reverência à individualidade, o saber ouvir e a sabedoria para se
32 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

comunicar, ou seja, a linguagem tanto pode facilitar como prejudicar as


relações no âmbito escolar (CAMPOS; GODOY, 2013).
Para Fauri (2014, p. 16),

Os conflitos estão presentes em várias situações, principalmente no


ambiente de trabalho, pois estes ocorrem quando não há consenso de
ideias das partes interessadas. Normalmente as pessoas acabam por
levar conflitos para o lado pessoal, o que pode interferir diretamente no
rendimento de metas pré-estabelecidas. E, em sua maioria, surgem das
diferenças individuais, das limitações de recursos e dos papéis que cada
um resolve assumir, ou seja, quando a autoridade de um não é aceita
pelo outro.

Para Santos (2017), ao relacionar-se com diferentes grupos na escola, um


diretor depara-se com diferenças individuais e grupais, sejam elas de conte-
údo, intelectuais, emocionais, físicas, culturais, ambientais, entre tantas ou-
tras. Logo, a maneira como tais diferenças são manejadas influencia o todo
na escola, seus processos comunicativos, bem como relacionais.
A interação entre os seres humanos acontece com a aceitação, o apreço
e o acolhimento do outro, e por isso as relações interpessoais da escola só
serão concretas se houver compreensão de todos sobre as diferenças de
cada um. Campos e Godoy (2013) acreditam que a interação se faz decor-
rente da troca de ideias e da divisão de tarefas, mas esbarra na dificuldade
oriunda do cotidiano.
No que tange à seleção de diretores mentores, é importante compre-
ender de que forma esses profissionais lidam com suas emoções e auto-
conhecimento. Segundo Fonseca et al. (2016), quando um sujeito conhece
suas emoções e seus sentimentos, tornam-se mais fáceis as relações com as
pessoas de uma equipe, pois se abre espaço para uma comunicação mais
favorável.
De acordo com o material Relações interpessoais e desenvolvimento de
equipes, elaborado pelo Sebrae (2010), alguns elementos podem impactar
negativamente a relação interpessoal, como: preconcepção; grosseria; tei-
mosia; sensibilidade exagerada; diferença de percepções; diferença de va-
lores; e diferença de interesses. Esses elementos estão presentes no cenário
escolar, e por isso um bom líder deve ser mediador de boas relações, com
perspectivas de um bom relacionamento interpessoal. Santos, Oliveira e Ge-
beluka (2019) entendem as relações interpessoais como algo fundamental na
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 33

gestão escolar, e refletir sobre os tipos de relações que estão sendo vividas
na escola é crucial para criar um ambiente social democrático.

Tópico 2 – Formação para diretores mentores e mentorados

2.1) Formação para diretores mentores


A mentoria é um processo interativo e dinâmico entre dois sujeitos que
se encontram em diferentes estágios da carreira, mas essas diferenças não
são apenas determinadas pelo tempo de atuação, elas se referem às etapas
de desenvolvimento da profissionalização, que não são lineares, afinal, ser
um diretor escolar requer um aglomerado de especificidades que o definem
como tal.
A formação de mentores é, portanto, concebida pensando na experi-
ência, no empenho profissional para a resolução de conflitos e no reconhe-
cimento pelos pares da competência em propor melhorias. Nesse sentido,
exploram-se e aprofundam-se competências preexistentes, organizando-as
a partir dos conhecimentos, atitudes e capacidades que os mentores foram
construindo durante o seu percurso profissional. Para transformar o bom di-
retor em um bom mentor, precisa haver consciencialização de competências,
facilitando simultaneamente a sua mobilização para uma nova situação: a
mentoria de outros diretores.
Acentua-se, então, o caráter permanente da aprendizagem profissional,
como implicação pessoal e coletiva, constituindo um novo desafio para os
diretores mentores, no qual o curso de mentoria busca promover a refle-
xão para situações ocorridas no cotidiano escolar. Podemos compreender
esse processo formativo em três grandes dimensões: na primeira, tem-se a
orientação da formação (baseia-se na atuação do diretor); na segunda, os
modelos de subjetividade e seu desenvolvimento (favorece a descoberta
do próprio "eu como profissional"; dos "outros como parte do composto
escolar" e da "relação dos processos na resolução dos conflitos"); e na ter-
ceira dimensão, ressalta-se o desenvolvimento de uma atitude analítica e
investigativa assumindo uma postura coletiva.
Como podemos formar o mentor? Essa questão deve ter um foco em
direção à formação, visto que é fundamental para o êxito do Programa de
Mentoria, então selecionamos duas perspectivas: o agir do diretor mentor e
a fundamentação da metodologia.
34 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Acrescenta-se que não basta apenas refletir sobre aspectos teóricos,


mas deve haver direcionamentos de como lidar com o outro e como liderar.
Apesar de compreendermos o conceito de liderança como algo articula-
do à gestão de projetos, geralmente, no senso comum, ela é associada à
hierarquização e/ou à subordinação. Ressalta-se que, em dados espaços, a
hierarquização facilita os procedimentos e agiliza os processos (otimiza o
tempo), mas, apesar disso, faz-se necessário compartilhar todos esses pro-
cedimentos metódicos e direcionamentos assertivos no âmbito burocrático,
pontuando a responsabilização do líder.
Voltar à questão da liderança implica lembrarmos que a formação dos
diretores mentores e mentorados – tanto como grupo quanto como pes-
soa individual – cabe aos membros das SE responsáveis por desenvolver o
Programa de Mentoria. Neste material de apoio existem sugestões de for-
mação que devem ser consultadas, mas, como já dito antes, a decisão é dos
responsáveis, isto é, daqueles que vão mentorar os diretores mentores, pois
caberá a eles dizer, aconselhar e direcionar o foco, as limitações e possibili-
dades do Programa. Aconselha-se que essas interações aconteçam em um
âmbito formal, institucional, mas com posturas democráticas. Uma política
de formação de diretores mentores pressupõe a articulação e o alinhamento
entre os processos de seleção, capacitação inicial, continuada e em serviço,
monitoramento, suporte contínuo e avaliação de desempenho, para, assim,
instrumentalizar um sistema de gestão educacional abrangente e integrador
das medidas e experiências resultantes da mentoria.
Para essa formação ter efeito na prática, faz-se necessário primeiro en-
tender que ser diretor mentor não é uma habilidade intrínseca, pois não bas-
ta apenas ser didático, pedagógico ou saber se relacionar; a mentoria requer
um sistema formativo compatível com as especificidades sobre as quais se
propõe a atuar. É necessário aprender a escutar o outro, a dar respaldos
resolutivos, compartilhar feedbacks críticos que agreguem ao processo, e
esses aspectos compõem a especialidade de quem vai mentorar. A atuação
do diretor mentor – mediante definições claras de suas responsabilidades –
precisa estar articulada às competências de liderança, funções de coordena-
ção e direção, à capacitação prévia em temáticas pertinentes à gestão e ao
desempenho diferenciado, conforme identidade profissional, sabendo iden-
tificar, valorizar, reforçar e ressignificar práticas que sejam bem-sucedidas.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 35

2.1.1) O que é compartilhar para um diretor mentor?


Como já pontuamos, com base em estudos de diferentes países, ousa-
mos sistematizar colocações sobre quem é o bom mentor, sendo variantes
de acordo com o modelo das realidades analisadas. Em geral, a primeira
indicação é de que nem sempre um bom diretor será um bom mentor, isto é,
ser um bom mentor requer características voltadas para a mentoração, para
o processo de ensino e transformação da atuação do mentorado.
A segunda indicação é que não há um modelo simples capaz de dar
conta de toda a complexidade do ambiente escolar, já que uma dimensão
que pode ser essencial em uma escola pode não ser tão prioritária em outra.
A terceira, e última, colocação é que não se prevê uma execução certa
de determinada ação, nem se tem um manual pronto, pois a decisão de-
pende sempre da sensibilidade de cada relação entre mentor e mentorado,
no entendimento e escuta ativa da comunidade em que se estão propondo
mudanças.
Nesse sentido, mesmo uma ação reconhecida como eficaz, se for execu-
tada no momento ou em local impróprio, pode promover efeitos negativos
e ao invés de ajudar estará prejudicando a trajetória de melhoria.
O bom diretor mentor compartilha suas experiências, mas, além disso,
possibilita um espaço de escuta, direciona reflexões, abre espaços para o
pensamento conjunto e pratica ações colaborativas. Um bom mentor com-
preende que ser nomeado um bom diretor implica demonstrar suas refle-
xões, estratégias e trabalhar colaborativamente, a fim de que outros direto-
res tenham excelência em seus feitos.

2.1.2) Qual é a imagem de um bom diretor mentor?


Não há um esboço padrão para um bom diretor mentor. Inclusive, al-
gumas especificidades podem ser construídas paralelamente às demandas
de seu mentorado. Um mentor é, geralmente, um sujeito que possui expe-
riências exitosas e que apoia o processo de socialização de problemas e
resoluções de outro sujeito, seu mentorado, por meio de um conjunto de
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que constituem a especifici-
dade de ser um bom diretor.
Sendo assim, um bom diretor mentor é aquele que consegue alinhar
– entre todos os sujeitos envolvidos com a escola de seu mentorado – os
36 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

objetivos comuns a serem alcançados pelos atores escolares, por meio de


ações concretas e desenvolvimento de liderança, como:
• compreender a cultura escolar e discuti-la com os profissionais da edu-
cação da sua escola;
• compreender como está o desenvolvimento do ensino e da aprendiza-
gem na escola, utilizando resultados e índices educacionais não para
limitar ou classificar, mas para repensar as ações;
• consolidar os processos de escuta e de uma cultura colaborativa;
• acompanhar constantemente sua escola.
Sabendo da extrema importância do processo de ensino e de apren-
dizagem para a qualidade da educação, os diretores mentores devem ter
compromisso com a orientação dos mentorados sobre como enfrentar os
desafios que se impõem no dia a dia da gestão escolar. O mentor pode
programar ou projetar com o diretor mentorado estratégias para melhorar a
qualidade de ensino desejada.
O diretor mentor deve compreender o impacto que proporcionará aos
diretores mentorados e, por isso, deve identificar os pontos fortes e os vul-
neráveis de cada um, além de olhar especificamente para cada situação que
encontrar nas escolas participantes. A perspectiva é de elaborar um plano
em conjunto, com vistas a melhorar os âmbitos necessários, e isso pode ser
efetivado por meio de feedbacks escritos e/ou orais, com intuito de estabe-
lecer um diálogo horizontal, sem uma postura de julgamento, mas condizen-
te com um espaço de autonomia para que o diretor mentorado compreenda
esse processo como formativo.
A preocupação com a formação do diretor mentor está em desenvolver
uma mentoria com laços de confiança e propósitos claros. O mentor deve
pensar sempre nos ambientes como espaços permanentes de aprendiza-
gem contínua, com o reconhecimento do potencial e da colaboração que o
diretor mentorado pode proporcionar, isto é, utilizar o ponto de partida do
outro para construir uma intervenção válida. Por isso, a mentoria não pode
ser uma simples observação do trabalho dos diretores mentorados. Inclusive,
essa atitude pode parecer uma "supervisão" do trabalho desses diretores, o
que não é o caso, e ainda gerar um impacto negativo nas relações entre os
participantes do grupo que o diretor mentor está orientando.
Um bom mentor deve ser consistente, compreendendo o espaço esco-
lar, as atuações da profissão e do intercâmbio das práticas que existem entre
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 37

os diretores, e para isso acontecer com eficácia depende da horizontalidade


da relação entre mentor e mentorados. Além disso, é possível que essas
trocas sejam observadas e gerem aprendizagens, também, entre todos os
profissionais das escolas dos mentorados.
Por fim, lembramos que a liderança não pode ser adquirida sem um pro-
pósito comum. Deve haver motivação e preparo de condições adequadas
para aprender e saber como liderar, afinal, um diretor mentor pode ser um
líder, mas é preciso saber como ensinar isso ao colega profissional.

2.1.3) Um diretor mentor investiga, mas para quê?


Para uma mentoria, faz-se necessário ter diretores mentores capazes de
dialogar, colaborar e negociar com seus pares e que sejam reconhecidos
como profissionais experientes, não somente por conta de conhecimentos
administrativos, didáticos e disciplinares, mas também por terem capacida-
de de lidar com os processos de planificação, a gestão do grupo, o acom-
panhamento e a avaliação. A competência de trabalhar em conjunto está
alicerçada na confiança mútua, na reverência e na certeza de que cada um é
capaz de se aperfeiçoar de forma competente.
As relações entre diretores mentores e mentorados devem ser pautadas
em confiança e reverência, em um ambiente seguro, de forma que esses
diretores se sintam conectados e pertencentes àquele espaço, com esforço
coletivo para poder atingir os objetivos propostos. Mesmo parecendo óbvio,
esse princípio nem sempre é executado ou priorizado na prática, principal-
mente em contextos mais desafiadores. Durante o processo de mentoria é
possível que o diretor mentor realize algumas estratégias comuns a todas as
escolas dos seus mentorados, mas, dificilmente, as ações serão iguais, visto
que procedimentos devem variar conforme a situação de cada escola. Por
isso, tudo deve ser construído e validado na base do diálogo.
Repetimos: o estabelecimento de relações de confiança no Programa de
Mentoria é uma dimensão tão importante que poderia ser considerada uma
estratégia fundamental para alcançar qualquer um dos objetivos. A ausência
desse tipo de relação comprometerá qualquer proposta de ações compro-
vadamente eficazes. Com laços de confiança entre mentor e mentorado, até
iniciativas com alto potencial de recusa, resistência e/ou conflito podem ser
aceitas. Essa habilidade, de saber conquistar a confiança dos diretores men-
torados, deve ser trabalhada com a certeza de que cada relação interpares
pode ser variante e única.
38 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Outra estratégia é compreender que as conversas difíceis devem ser


feitas em momentos à parte, de modo a deixar o diretor mentorado me-
nos desconfortável. Assim, sugere-se que sejam feitos agendamentos de
conversas individuais com esses mentorados, pois o diretor mentor pode
escutar quais os medos, anseios e as expectativas que cada um possui com
relação aos problemas e dificuldades da escola, lembrando que cada ação
que um diretor executa pode estabelecer instabilidades ou mudanças na
comunidade escolar, com as quais esse profissional deverá saber lidar. Por
isso, dependendo do caso, é indicado que o diretor mentor estreite laços,
também, com a comunidade escolar, principalmente se o contexto das mu-
danças estiver ligado diretamente ao diretor mentorado. Assim, conhecer
pelo menos um pouco da comunidade escolar é recomendável, pois propos-
tas de mudanças só fazem sentido com o entendimento do ambiente escolar
ao qual se destinam.

2.1.4) O que um diretor mentor precisa saber?


É inevitável que diretores mentores tenham que lidar com os resultados
de avaliações externas das escolas participantes. No entanto, não se reco-
menda que essas avaliações sejam enaltecidas a ponto de outros objetivos
mais amplos serem esquecidos. Um diretor mentorado e sua escola fazem
parte de um universo educacional formal, e com isso, com certeza, várias
obrigações e resultados serão cobrados.
O bom mentor deve estar atento ao acompanhamento – de perto – das
ações pedagógicas, administrativas e relacionais que seu mentorado assume
em sua escola. Isso significa que ele não pode apenas centralizar decisões
e cobrar tarefas – como se fosse um avaliador –, mas possibilitar espaços
de compartilhamento e colaboração entre os demais diretores mentorados,
rompendo, assim, o padrão de ter a liderança apenas em tarefas burocráti-
cas ou em perspectivas avaliativas.
Ao ampliar a capacidade de compreender a utilização das metas e ações
como características pertinentes que engendram melhores resultados, além
de proporcionar autonomia nas decisões sobre sua escola, o diretor mento-
rado melhora sua autoestima e diminui o sentimento de fracasso, o que é
indispensável para que a mentoria se realize com caráter formativo.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 39

2.1.5) O que é preciso para ser um bom diretor mentor?


Para ser um bom diretor mentor é imprescindível compreender que nem
sempre se terão respostas para sanar as demandas que virão. Nem é neces-
sário ter, pois o que se procura para a mentoria é alguém que aprende junto,
que troca experiências, e não um diretor que precisa ensinar alguém. Por
isso, o mentor não deve agir na mentoria com a ausência de horizontalidade
nos papéis e nas aprendizagens, ao contrário, deve promover permuta de
protagonismos, característica de quem busca respeitar os saberes de seus
mentorados, atentando aos desafios com humildade e de forma mútua.
Existem algumas dimensões de atuação de um diretor mentor que são
importantes de conhecer, como: construir objetivos comuns; desenvolver
relacionamentos interpessoais – com intuito de estabelecer relações de con-
fiança; criar um bom ambiente para trocas; e ter foco na mentoria.
Também, salienta-se que o bom mentor busca novos conhecimentos o
tempo todo, portanto, visualiza, investiga e conclui para além do que foi for-
mado. Um exemplo que pode acontecer no processo de mentoria é a falta
de habilidade de um diretor mentorado em gerenciar recursos financeiros.
No caso, se o diretor mentor também não tiver domínio na área, deve solicitar
auxílio externo – às vezes de profissionais da própria SE – para conhecer mais
sobre o problema e, juntos, viabilizarem avanços. Não é incomum encontrar
diretores com dificuldade em gerenciar recursos financeiros – ou até mesmo
que não sabem como solicitá-los –, e isso significa comprometer estratégias
e ações, o que pode prejudicar a qualidade de ensino e aprendizagem de
seus estudantes. Por isso, para haver possibilidades de mudanças significati-
vas, pode ser necessária a procura de um profissional da área administrativa,
com uma visão mais técnica capaz de perceber as vulnerabilidades do sis-
tema e propor intervenções para validar melhoras nesse campo específico.
Em sistemas complexos, como o da Educação, cada dimensão pode
variar de acordo com a escola, ou podem surgir desafios que não estavam
previstos, por isso a importância de buscar novos conhecimentos, flexibilizar
interações, saber readaptar propostas, direcionar diálogos, escutar atenta-
mente e não se limitar às pré-elaborações.
Uma questão importante para o mentor lembrar é não tomar nenhuma
decisão sozinho, ou mesmo propor ações somente com embasamento em
referenciais teóricos ou experiências práticas, mas procurar possibilidades e
soluções aos desafios em conjunto, não desprezando nenhuma requisição
que o diretor mentorado apresentar. Por conta da complexidade do âmbito
40 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

escolar, o diretor mentor deve fornecer os incentivos corretos e coerentes


em suas ações de diálogo, formação, intervenção e apoio. Ele deve ser visto
apenas como "um" dos mecanismos para a mudança, pois não podemos
esquecer que existe todo um sistema educacional que pode (e deve) auxiliar
de maneira organizada, por meio de consolidação de normas e procedimen-
tos institucionais.
Como já foi dito, o Programa de Mentoria só pode ser constituído
quando existe a parceria entre diretores de escola, uma relação baseada
em confiança, reverência, empatia, compromisso, objetivos e expectativas
comuns. O diretor mentor não deve impor nada aos mentorados, mas ajudá-
-los, acompanhá-los e aconselhá-los, uma vez que essa relação é formativa,
e não de natureza avaliativa – não se objetiva avaliar o desempenho dos
mentorados. Essa parceria deve abranger atividades que permitem a troca
de conhecimentos e habilidades de um diretor para outro.
Sugerimos algumas dimensões pontuais que um diretor mentor – por
mais distintos que sejam os contextos escolares – deve observar:
• plano de ação sempre alinhado às diretrizes e aos marcos das SE;
• foco na liderança e em ações para melhoria das escolas;
• integração entre teoria e experiência na gestão de escolas;
• estruturas de apoio entre os diretores;
• espaço receptivo para o diálogo;
• direcionamentos individuais quando necessários;
• feedbacks críticos para promover melhorias, e não para recriminar seus
diretores mentorados.
Enfatizamos, mais uma vez, que não existem soluções prontas, e isso
significa que não se podem apenas replicar as experiências de outros di-
retores por mais bem-sucedidas que sejam, justamente, porque a principal
característica do Programa de Mentoria é desenhar uma ação que atenda
às necessidades das escolas dos mentorados em suas especificidades e ca-
racterísticas próprias. O diretor mentor deve ser formado para dar apoio e,
ao mesmo tempo, se aperfeiçoar na sua própria experiência com a men-
toria (com seus pares), buscando alinhar-se ao sistema educacional a que
pertence.
Diretores mentorados, ou até mesmo a SE, não podem idealizar o diretor
mentor como uma figura heroica ou mágica que resolve todos os problemas
encontrados nas escolas, pois se trata de uma expectativa falsa, assim como
a da instituição escolar sobre o diretor, que, por vezes, também é tido como
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 41

alguém capaz de resolver todos os desafios que aparecem. Mesmo com essa
consciência, sabe-se que vários diretores se sobressaem com realização de
boas práticas, por meio de motivação e aprendizado – algo que deve ser, na
medida do possível, compartilhado, e não copiado.
O diretor mentor precisa de uma série de conhecimentos relacionais e
técnicos para assegurar o bom desempenho do seu grupo de mentorados,
com o intuito de buscar a harmonia em situações de conflitos, mas, ao mes-
mo tempo, necessita de motivação e comprometimento durante o processo
de mentoria, visto que, como já foi dito, a liderança não é uma competência
nata, mas adquirida com formação adequada. Ainda, dentre as habilidades
interpessoais a serem desenvolvidas, destacamos:
• manter uma escuta ativa, tendo calma diante dos conflitos e de opiniões
contraditórias;
• facilitar o diálogo com a descentralização da hierarquia, uma vez que
assim é mais eficaz manter o envolvimento de todos;
• estabelecer regras de conduta de comum acordo, ficando claro o intuito
e aonde se quer chegar – visualizar resultados desejados;
• realizar análise crítica de colocações e ações do grupo de mentorados,
fazendo a avaliação pelo acompanhamento dos resultados que norteiam
as inferências internas e externas;
• valorizar seus pares, com reconhecimento das qualidades e incentivando
os diretores – dando feedbacks que ressaltem acertos, e não apenas os
pontos negativos;
• flexibilizar para não sucumbir à cultura de resistência e estar sempre
aberto ao diálogo;
• fomentar a comunicação não violenta, com reflexões colaborativas e
construtivas sobre situações de conflitos – seja em pares ou em grupo;
• colocar o desafio na centralidade da mentoria, visto que, mesmo sendo
um mentor selecionado por ter práticas exitosas, não se deve esquecer
que o foco da mentoria é auxiliar o mentorado, e não aguçar suas pró-
prias iniciativas;
• conhecer o espaço escolar dos mentorados, pois verdadeiras mudanças
só acontecem com o conhecimento prévio do ambiente sobre o qual se
propõem mudanças;
• ter uma organização que possibilite compreender o dinamismo da rotina
do outro;
• marcar com antecedência as interações e cumprir prazos estabelecidos.
42 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Segundo Merino e Melero (2017), a experiência como diretor, muitas


vezes, está associada a sentimentos de ansiedade, desesperança e solidão
profissional. Isso ocorre, principalmente, se o diretor é novo na instituição
escolar e precisa lidar com o estilo do antigo diretor, tendo de resolver pro-
blemas como: orçamento escolar, infraestrutura, questões pedagógicas etc.
A parceria entre um diretor mentor e os diretores mentorados contribui
para que os dois aprendam com o processo de orientação, uma vez que as
aprendizagens por meio de conhecimentos e de experiências exitosas são
tão importantes quanto aprender com os erros ou em situações desastrosas.
Para Phillips-Jones (1983), a relação entre mentor e mentorado baseia-se
em quatro princípios importantes:
• escuta ativa;
• construção gradual de confiança;
• definição de metas e construção gradual de habilidades;
• incentivo e inspiração.
Esses princípios não devem ser esquecidos nunca, pois cada um repre-
senta uma competência importante que o diretor mentor deve desenvolver
na mentoria. A escuta ativa deve ser realizada durante todo o processo em
que o mentor e os mentorados estiverem trabalhando juntos, pois ela não só
estabelece uma relação pessoal, como também cria um ambiente positivo
que permite uma comunicação aberta. Quando o mentor escuta o que seu
mentorado tem a dizer, ele passa a determinar quais são os seus interesses e
as necessidades, fazendo com que sua ajuda seja mais eficaz. É importante
que o mentor mostre interesse na fala do mentorado e exponha seus pensa-
mentos sobre pontos importantes para mostrar que entendeu.
Outro princípio é a construção gradual de confiança. Segundo o Guia de
Mentoria (UNIVERSITY OF MASSACHUSETTS AMHERST, 2002), a confiança
é construída com o tempo, e por isso o mentor deve oferecer apoio e inte-
resse e ser sempre honesto com seu mentorado. Para ocorrer um relaciona-
mento entre os envolvidos, é preciso que o diretor mentor e os mentorados
estabeleçam uma relação de confiança que deverá se concretizar ao longo
do processo.
Ainda segundo o Guia de Mentoria (UNIVERSITY OF MASSACHUSETTS
AMHERST, 2002), a construção do relacionamento deve ser feita com base na
confiança, mas, principalmente durante a fase inicial, é importante o mentor
e seus mentorados estabelecerem um cronograma de comunicação regular.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 43

Desde o primeiro encontro, o mentor e os mentorados devem discutir suas


formações, experiências, interesses e expectativas, além de chegarem a um
acordo sobre as questões de frequência de contato e confidencialidade. A
confidencialidade, na relação entre mentor e mentorado, é de suma impor-
tância, uma vez que nas conversas os dois vão expor problemas, conflitos
e experiências que devem permanecer em sigilo, sendo debatidos apenas
para proporcionar aprendizagens para ambos, evitando assim fofocas, ci-
tação de nomes, vazamento de dados, ou exposição de problemas com a
equipe da escola.
O terceiro princípio refere-se ao auxílio que o mentor deve oferecer a
seu mentorado para identificar e atingir seus objetivos, transmitindo conhe-
cimento, comentando sobre ações que já realizou em sua carreira e explican-
do quais foram e são suas motivações. Assim, o mentor também pode ajudar
o mentorado a obter perspectivas mais amplas sobre suas responsabilida-
des e organização.
E, finalmente, o quarto princípio refere-se a incentivar e inspirar o traba-
lho do mentorado, por meio de comentários favoráveis sobre suas realiza-
ções, mostrando palavras de apoio, compreensão, encorajamento e elogio,
podendo compartilhar sua visão pessoal e descrever suas experiências,
erros e sucessos.

2.2) Formação para diretores mentorados


O protagonismo no Programa de Mentoria não se resume apenas ao
papel do diretor mentor; o mentorado é tão ou até mais importante nessa
relação de desenvolvimento do trabalho. Constituir-se diretor mentorado,
por um tempo limitado, também não é uma tarefa fácil, e não existem habi-
lidades intrínsecas na sua vida profissional que auxiliem nesse preparo, ou
seja, um bom diretor precisa aprender a ser um bom mentor. Um diretor está
acostumado aos direcionamentos da prática administrativa em sua escola, e
para participar do processo da mentoria é necessário despir-se das amarras
hierárquicas da profissão e construir uma postura mais linear, por vezes até
submissa conforme a conduta da mentoria.
Segundo Kram (1988) durante o período da mentoria o diretor mento-
rado também estabelece relações com outros sujeitos da escola, e então
é preciso saber escutar e analisar as experiências expostas por todos os
envolvidos no ambiente escolar, o que implica saber dialogar e expressar as
demandas emergentes. É primordial saber avaliar as reais necessidades da
44 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

instituição escolar em prol de objetivos comuns, e isso não significa atender


apenas aos anseios do diretor mentorado, pois se trata de uma exposição
sincera de possíveis vulnerabilidades do próprio sistema de ensino ou da sua
gestão escolar.
Os diretores mentores, em geral, são definidos como diretores com
experiência e conhecimentos reconhecidos, cujo sucesso os habilita a ser
apoio para outros diretores, mas quem são os diretores mentorados?
O diretor mentorado pode ser um profissional experiente, ou não, que
possui demandas e desafios para os quais – pelos mais variados motivos –
não têm conseguido propor soluções em sua escola. A expectativa é que es-
ses diretores, a partir do momento em que recebem apoio e espaço seguro
de diálogo, troquem experiências positivas com outros profissionais, com a
finalidade de desenvolver novas perspectivas de ações coletivas articuladas
para resolver situações-problemas, com vistas a melhorar a qualidade de
ensino e de aprendizagem de seus estudantes.
O Programa de Mentoria, tanto para diretores mentores como para
mentorados, não deve ser visto como uma ação para progressão de carreira
profissional, mas para indicar caminhos – com apoio mútuo, com reconhe-
cimento e reverência dos pares –, para propor relações horizontais, sem
posições de autoridade, com construção de laços de confiança. Assim, os
mentorados não fazem parte da mentoria para obter algum benefício nas
relações interpessoais; ao contrário, deve ambicionar menos possibilidades
individuais e mais construções colaborativas, com práticas integradas na
ênfase do diálogo e com reformulação da própria identidade da carreira
administrativa escolar.
Nesse sentido, os mentorados podem criar oportunidades e encorajar o
diretor mentor e os demais mentorados do grupo a obterem novas posições
em diversas situações. Essa modelagem de papéis permite a reformulação
de atitudes, valores e comportamento de todos os envolvidos no Programa
de Mentoria, pois a relação entre mentor e mentorados possibilita, pelas
trocas, desconstruir um imaginário de profissional ideal, ou ainda deixar de
julgar alguns colegas diretores por conta de modelos institucionalizados.
Esse processo da construção do sentimento de pertencimento ocorre
quando há consideração e reverência mútua na relação, ou seja, o mento-
rado é parte da mentoria, não apenas como um sujeito passivo, mas como
aquele que constrói seus próprios direcionamentos e define a intervenção
necessária para sua escola. A partir de suas preocupações, busca um senso
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 45

de autocompetência no trabalho como diretor escolar, e essa interação so-


cial resulta no envolvimento mútuo e no entendimento das trocas sobre ex-
periências; afinal, são dois pares, em linearidade, com certezas e incertezas,
procurando agir de forma paralela.
Segundo Jaarsveld, Mentz e Branwen (2015), a orientação de mentoria é
importante para o crescimento do trabalho, para a criação da autoconfian-
ça, numa relação em que mentor e mentorado compartilham seus valores,
conhecimentos, experiências, habilidades e estilo de liderança. Conforme
eles passam mais tempo juntos a orientação passa a se desenvolver em um
relacionamento duradouro e estável, promovendo especialmente objetivos
pretendidos de confiança e habilidades.
Para Merino e Melero (2017), a relação de compartilhamento das expe-
riências feita pelos diretores é considerada modalidade de aprendizagem,
portanto, é vista como positiva para ambos e pode facilitar os procedimentos
durante a mentoria. Quando o diretor mentorado está iniciando a carreira de
diretor e tem a oportunidade de obter apoio de um colega de profissão ex-
periente, seus horizontes são maiores, pois ele pode aprender, compartilhar
e diminuir a sensação de solidão e incerteza que muitos diretores enfrentam.
Para os autores, a relação entre mentor e mentorado proporciona ao diretor
mentor valorização, satisfação pessoal, reconhecimento e autorreflexão; e
para o diretor mentorado, habilidades fundamentais para a função, como
satisfação pessoal, além de aprender a definir objetivos e estratégias.
Merino e Melero (2017) também discorrem sobre o que não é mentoria:
o espaço destinado para a mentoria não é para a realização de terapia, tam-
pouco é uma avaliação de desempenho, e o diretor mentor não deve ser
conselheiro da escola do diretor mentorado. O diretor mentor e o mentora-
do contribuem e crescem no processo de orientação: o mentorado aprende
com as experiências e os desafios compartilhados, e o mentor tem oportuni-
dade de estabelecer conexões e apreender novos procedimentos com essa
interação.
Um diretor mentorado deve saber colocar o foco na situação-problema,
com competências para:
• descrever o que está acontecendo no momento;
• valorizar a construção produzida no grupo com múltiplas perspectivas;
• saber estabelecer acordos, condições e parâmetros;
46 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• adotar padrões de prática, desempenho e avaliação, fazendo os regis-


tros para solicitar suporte quando necessário;
• promover uma prática colaborativa articulada que defina – em conjunto
– a cultura da escola;
• desenvolver, implementar e avaliar estrategicamente ações para alcan-
çar objetivos comuns.
Essas competências possibilitam algumas atitudes mais democráticas,
como:
• saber compartilhar tomadas de decisões;
• escutar todos os participantes do processo;
• gerenciar as mudanças;
• desenvolver a prática reflexiva em torno de suas ações;
• saber questionar, dando retorno aos feedbacks, pois estes refletem as
evidências das mudanças ou das dificuldades existentes;
• ter autoconsciência das consequências de suas ações;
• avaliar-se nas práticas bem-sucedidas e nas que não obtiveram êxito;
• desenvolver a capacidade de identificar a necessidade de liderança
distributiva;
• arquitetar a gestão dos conflitos, antecipando ou resolvendo os confron-
tos, desacordos ou desgostos de modo construtivo;
• aprimorar o pensamento criativo, propondo novas dimensões inovadoras;
• incentivar a delegação das responsabilidades, aprendendo a
compartilhar;
• criar um ambiente de diálogo saudável;
• incentivar a consciência sobre as demandas do ambiente escolar, interno
ou externo;
• criar conclusões lógicas com base em informações disponíveis;
• desenvolver a habilidade organizacional pela otimização do tempo;
• fomentar a capacidade de resposta, sem deixar questões ou requisitos
sem direcionamento claro.
Por fim, pensando na questão das diferenças e dos valores que cada
um assume durante a vida, é necessário que o trabalho de mentoria seja
realizado de forma que se estimem os sujeitos e a escola. Nem sempre o
que eu penso é o que o outro pensa, pois cada um tem uma constituição de
vida, de pensamento, conforme a sua história, e isso precisa ser considerado.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 47

Independentemente dos valores de diretores mentores ou mentorados, a


mentoria é voltada para melhorar o ensino e a aprendizagem da escola.
O diretor mentor precisa refletir sobre a forma como vai se comunicar
com seus mentorados, como vai abordar questões polêmicas, expressando
seus pensamentos e preocupações de maneira gentil e honesta.

É necessário o gestor escolar conhecer seu contexto de trabalho para


além do óbvio, ou seja, da visão comum. É preciso desenvolver a capaci-
dade de ler e compreender a realidade escolar como fruto dos processos
estabelecidos de acordo com seu público-alvo, o entorno, valores e a
cultura escolar construída até sua chegada à escola (DALCORSO et al.,
2020, p. 65).

Da mesma maneira, esse diretor mentorado, segundo Dalcorso et al.


(2020), precisa empenhar-se em conhecer, de fato, a sua escola. Isso sig-
nifica saber sobre sua história, valores, referências, características próprias,
dificuldades e conquistas, para que sua atuação responda a especificidades
de forma intencional e planejada. Além disso, é preciso ter posicionamento
democrático, de forma que toda a equipe escolar seja reconhecida para a
tomada de decisões de processos que envolvem o ambiente escolar. É pre-
ciso também desenvolver princípios de equidade, inclusão e consideração
pelas diferenças.
Para os autores, um dos desafios do diretor mentorado é desenvolver
uma visão sistêmica e integradora da cultura escolar, "para que a promoção
de decisões mais assertivas em benefício da qualificação da aprendizagem
ocorra a partir da análise de diferentes perspectivas sobre o mesmo assun-
to" (DALCORSO et al., 2020, p. 65).
Nesse sentido, a mentoria busca construir ou aperfeiçoar a visão estra-
tégica de diretores mentores e mentorados, levando em consideração a
construção de processos que lhes permitam conhecer o "contexto em que
os resultados de aprendizagem são produzidos" (DALCORSO et al., 2020, p.
66).

É fundamental que todos os personagens do contexto escolar saibam da


sua importância para as garantias de todos os (as) estudantes à aprendi-
zagem qualificada. Daí, a necessidade do estabelecimento de uma visão
estratégica compartilhada que busque investigar as forças e oportunida-
des da escola, bem como seus pontos de fragilidade em função de um
planejamento voltado ao investimento de soluções assertivas à realidade
escolar (DALCORSO et al., 2020, p. 66).
48 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A mentoria é um processo de interação, sendo assim, é fundamental


saber com quem você vai trabalhar tanto do ponto de vista profissional
como pessoal. Portanto, é preciso estabelecer um contato verdadeiro, para
que o trabalho seja realizado em um clima de confiança, com comunicação
transparente.
Finalizamos aqui esta 1ª etapa da preparação para o Programa de Men-
toria, em que foram expostas as características fundamentais acerca da
formação de mentores e mentorados. A ideia principal é que tudo que foi
pensado e analisado possa promover acertos e reflexões sobre questões
importantes durante a elaboração do processo de mentoria da sua cidade
ou estado.

2ª etapa: Efetivação

1) Metodologia do Programa de Mentoria: cultura colaborativa

1.1) Princípios metodológicos


Quando pensamos em metodologia da cultura colaborativa, primeira-
mente, precisamos nos atentar ao movimento que possibilita as mudanças e
inovações necessárias para que as atividades que estão relacionadas a essa
cultura sejam efetivadas e naturalizadas no contexto escolar. É adequado,
também, entender que a cultura colaborativa não surge espontaneamente.
Faz-se necessário que sua instauração seja promovida por meio de ativida-
des desenvolvidas no cotidiano escolar, pelo trabalho realizado por toda a
equipe atuante nas escolas (CALVO, 2014; VAILLANT, 2016; DAMIANI, 2008).
Para realizar processos que levem a escola a uma cultura colaborativa –
desfazendo qualquer postura de isolamento –, é preciso compreender que
mudanças só são possíveis por meio de um trabalho colaborativo, iniciando-
-se pela figura do diretor e estendendo para toda a equipe, por meio de
processos de aprendizagens profissionais colaborativas. Assim, a premissa
central que orienta a elaboração dessa aprendizagem profissional colabo-
rativa é o reconhecimento dos saberes de todos os diretores envolvidos por
meio do intercâmbio entre pares, mostrando a importância das trocas de ex-
periências nesse processo (CALVO, 2014; VAILLANT, 2016; DAMIANI, 2008). 
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 49

Faz-se necessário compreender que existem diferenças entre o trabalho


colaborativo e o trabalho em equipe e que, geralmente, estas não são sim-
ples de distinguir na prática. Por isso, é importante aprender a reconhecê-
-las, com intenção de avaliar em que medida as interações dentro de um
grupo são colaborativas ou se, simplesmente, se trata de uma equipe que
trabalha em conjunto, mas sem necessariamente colaborar.
Com base nas distinções feitas por Prendes e Sánchez (apud GODOY;
OBREGÓN, 2015), é possível identificar várias dimensões que caracterizam
o trabalho colaborativo e que permitem sua avaliação. Essas dimensões são:
• compartilhamento de um objetivo comum – os membros do grupo com-
partilham um objetivo comum que é claro para todos. Esse objetivo é fo-
cado em melhorar o aprendizado do aluno que em síntese é a finalidade
da escola.
• reciprocidade – os membros do grupo se relacionam e influenciam uns
aos outros a tal ponto que seu próprio trabalho é afetado pelo trabalho
de seus pares. Existe uma interdependência, cada um tem sua parcela
de responsabilidade pelas ações de todos, e também todos comparti-
lham a responsabilidade pelo resultado.
• comunicação mútua – o trabalho desenvolve-se num quadro de relações
simétricas e de confiança, em que se desenvolvem as competências de
comunicação dos membros, como escuta, empatia e reverência.
• interação com intenção – em um grupo constituído por pessoas com
competências, conhecimentos e perspectivas heterogêneas, é assegu-
rada a troca de ideias, experiências, informações e opiniões diversas.
Isso implica a negociação de diferentes pontos de vista, o que leva a
desafiar e questionar as ideias iniciais dos participantes, em vista de um
melhor resultado.
• resultado significante – o trabalho realizado é eficaz na medida em que
permite atingir o objetivo compartilhado, com obtenção de resultado
satisfatório para todos os participantes e alcançando soluções de maior
qualidade.
Para o desenvolvimento de pontos importantes na articulação da cultura
colaborativa, é fundamental que o processo de mentoria e as práticas reali-
zadas para a aprendizagem profissional colaborativa sejam compreendidos,
como veremos a seguir.
50 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

1.1.1) Colaboração, Trabalho e Aprendizagem Profissional Colaborativa


Para a compreensão do que vem a ser a aprendizagem profissional co-
laborativa, inicialmente, faz-se necessário entender a colaboração dentro
do espaço escolar. Segundo Fullan e Hargreaves (2000), a colaboração está
associada a normas e oportunidades de aperfeiçoamento contínuo e de
aprendizagem ao longo da carreira, tendo em vista o impacto sobre as incer-
tezas, muitas vezes, relacionadas ao trabalho. Esse tipo de impacto, quando
encarado sem ajuda, pode diminuir demasiadamente o senso de confiança
profissional, mas se for enfrentada colaborativamente essa incerteza dá es-
paço para o aumento de sensação de eficiência. 
Segundo Damiani (2008), na colaboração, os membros de um grupo se
apoiam para atingir objetivos comuns que são negociados pelo coletivo,
estabelecendo relações que tendem à não hierarquização; ao contrário,
busca-se uma liderança compartilhada, com confiança mútua e de corres-
ponsabilidade na condução das atividades e nas ações desenvolvidas. 
As práticas colaborativas estão relacionadas às formas como os pro-
fissionais da educação trabalham juntos. Para o desenvolvimento dessas
práticas, as atividades devem ocorrer com a intenção não somente de zelar
o trabalho individual, mas também realizar o trabalho de maneira coletiva
(CALVO, 2014). Nesse contexto, a colaboração diminui a pressão individual
de realizar um trabalho e, ao mesmo tempo, possibilita mais proveitos de
recursos e saberes existentes na escola (ELIGE EDUCAR, 2020).
Segundo Calvo (2014, p. 113) uma prática colaborativa, inicialmente,
deve possibilitar a realização de ações com outras pessoas, quebrando um
paradigma estrutural construído a partir de uma perspectiva de trabalho
individual. O trabalho colaborativo requer a construção progressiva de um
conhecimento que seja capaz de fazer operar, na prática, novos modelos
de participação na vida institucional.  Com isso, o trabalho colaborativo
fundamenta-se na suposição de que os sujeitos aprendem melhor quando
interagem com os colegas e se relacionam, oportunizando novas ideias e
conhecimentos com características de compartilhamentos.
Nesse modelo de trabalho ocorre um processo de nova construção do
conhecimento, em que os saberes e as experiências dos membros do grupo
são retroalimentados, discutidos e reformulados, gerando, assim, novas pro-
postas de melhoria. Isso ocorre devido à validação de propostas feitas pelo
grupo, tornando mais seguras as realizações, com favorecimento a novas
práticas pedagógicas na instituição escolar.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 51

Pode-se afirmar que a aprendizagem profissional colaborativa é uma


estratégia fundamental para o desenvolvimento profissional, tendo como
essência os estudos, o compartilhamento de experiências, a análise e a
investigação das práticas escolares, dentro de um contexto institucional e
social determinado. 
Quando efetivada dentro do contexto escolar, a aprendizagem profissio-
nal colaborativa propicia a cultura colaborativa, articulando os valores dos
profissionais que atuam na escola cotidianamente e aqueles estabelecidos
pela instituição escolar (CALVO, 2014; VAILLANT, 2016; DAMIANI, 2008).
Também é importante destacar que, segundo Calvo (2014), a aprendizagem
profissional colaborativa deve ser entendida como um marco no processo de
desenvolvimento profissional, com destaque para o trabalho com o outro e
para o modelo de acompanhante. Este último ocorre quando o sujeito – com
mais tempo de profissão e, portanto, com mais experiência – compartilha
práticas vivenciadas e se dispõe a guiar, orientar, acolher e apoiar os inician-
tes na carreira. 
Outro ponto importante a ser mencionado é que para sua aplicabilidade
são necessários alguns requisitos, como tempo, recursos pedagógicos, as-
sessoria, esquemas de monitoramento, avaliação e incentivos profissionais.
Também são necessárias estratégias que envolvam ações entre pares, re-
flexão sobre o que acontece no cotidiano escolar e a formulação e revisão
de projetos institucionais, com a presença de especialistas tanto internos
quanto externos ao grupo.
De acordo com Alcover e Gil (2002), uma cultura colaborativa pode ser
entendida como aquela em que a dinâmica do trabalho colaborativo entre
os profissionais, de forma sistemática e sustentada ao longo do tempo, gera
a responsabilidade compartilhada pelo cumprimento dos objetivos insti-
tucionais e a instauração da visão de aprendizagem em grupo. Conforme
apontado por Calvo (2014):

a capacidade coletiva gera comunidade emocional e competência téc-


nica, o que não se consegue trabalhando isoladamente. Michael Fullan
(2010) refere-se a este fenômeno como aprendizagem lateral e inclui três
mudanças nas forças: 1) apoio mútuo em larga escala, que permitirá a
construção da identidade educacional e estabelecer e reconhecer um
sistema de pares; 2) competição colaborativa: cada um tenta ir mais lon-
ge; e 3) desenvolver uma visão compartilhada do que significa aprender
e ensinar (CALVO, 2014, p. 127).
52 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Com isso, o que caracteriza uma cultura colaborativa, segundo Fullan


e Hargreaves (2000), não é a organização formal, as reuniões ou os proce-
dimentos burocráticos, mas a qualidade, as atitudes e os comportamentos
difusos que permeiam as relações entre os profissionais do grupo, diaria-
mente, com ajuda, apoio, confiança e abertura, que formam o cerne dessas
relações. Por trás de todos esses pontos, existe um comprometimento com a
valorização das pessoas e com o reconhecimento de cada uma, assim como
dos grupos aos quais pertencem. 
A cultura colaborativa facilita o compromisso com a mudança e o aper-
feiçoamento contínuo, facilita a descoberta de maneiras de melhorar a prá-
tica, dentro e fora da escola, cria comunidades que não mais desenvolvem
relação de dependência com a mudança imposta externamente, e gera no-
vas posturas frente aos desafios, as quais o isolamento e a incerteza tendem
a encorajar.

1.2) Estratégicas metodológicas


Dentro da perspectiva da cultura colaborativa, visando o trabalho rea-
lizado com os pares em busca de mudança significativa nas práticas e na
qualidade das atividades escolares, faz-se necessário entender a articulação
entre o processo de mentoria e a aprendizagem por pares.

1.2.1) Mentoria e Aprendizagem por pares


A definição de mentoria, segundo Inostroza, Tagle e Jara (2007, p. 58), é
de ser um processo colaborativo que envolve interações, conversas e análi-
ses reflexivas em busca de trocas no tocante à forma de ser e de produzir sa-
beres na prática. Nesse aspecto, o mentor caracteriza-se por ser um expert
crítico que atua como mediador estratégico, com finalidade de acompanhar
as dificuldades de outras realidades escolares, com possibilidade de apoiar
o seu mentorado por meio de uma relação horizontal, com vistas a um me-
lhor resultado (CALVO, 2014; DAMIANI, 2008). 
Inostroza, Tagle e Jara (2007) também abordam a importância do le-
vantamento de um perfil que possibilite reconhecer os aspectos que um
mentor deve ter para desempenhar essa função e, a partir disso, incluir em
sua prática profissional o conjunto de competências que contribuam para
o reconhecimento do seu trabalho, assumindo diferentes ações de apoio à
inserção profissional.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 53

Durante as trocas entre mentor e mentorado, ambos têm chances de


aprender um com o outro, pois o mentorado recebe a ajuda nas atividades
desafiantes – que talvez sozinho tivesse mais dificuldade para executar –,
e o mentor, por poder compartilhar e fazer uma análise reflexiva sobre sua
prática, pode revisitar os pontos positivos e verificar como solucionou os
pontos negativos, o que caracteriza a aprendizagem por pares, mostrada na
definição de Cerdas e López (2005):

o conceito aprendizagem entre pares implica a valorização do conheci-


mento gerado na prática cotidiana, vivencial e personificado e que faz
sentido para quem o produz e utiliza. Cada sujeito que troca, comunica
e analisa os seus conhecimentos com os demais, coloca em jogo as
suas aptidões e competências, que aumentam com essa interação. Na
interação, todos os participantes de um processo de coaprendizagem
potencializam seu aprendizado e desencadeiam processos semelhantes
nos demais.
Para que essa situação de interaprendizagem ocorra, é importante que
aqueles que participam do diálogo e da reflexão reconheçam o outro
como legítimo para aprender com ele, uma vez que é um colega de
profissão. O outro, embora tenha conhecimentos, experiências e ex-
pectativas diferentes, constitui um contributo para a reflexão, porque
é precisamente a multiplicidade que permite se abrir a novos olhares,
questionamentos e reflexões. É por isso que a presença de profissionais
mais especialistas, com habilidade para trabalhar com adultos, potencia-
liza os processos de transformação, pois facilita o grupo a se abrir para
a variedade de experiências e saberes e faz com que o diálogo se torne
uma instância que permite aos sujeitos envolvidos reelaborar o sentido
que cada um dá a sua prática, potencializando a capacidade de continuar
aprendendo (CERDAS; LÓPEZ, 2005, p. 4, tradução nossa).

Dentro das situações de aprendizagem entre pares, conforme apresen-


tado por Cerdas e López (2005), são geradas dinâmicas de grupo com a fina-
lidade de contribuir para que os envolvidos consigam desvendar, de maneira
gradativa, o conhecimento implícito marcado em suas práticas. Isso acontece
por conta dos níveis de empatia e de confiança mútua, que aumentam entre
os profissionais que compõem um grupo de aprendizagem, levando-os a
perceber objetivos comuns de forma mais explícita e consistente.
A aprendizagem por pares também possibilita que os participantes das
atividades sintam um reencantamento pessoal pela profissão. Outro fato
colocado por Cerdas e López (2005, p. 5, tradução nossa) é que, dentro
54 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

da aprendizagem por pares, "é a variedade de estilos de pensamento dos


membros do grupo de aprendizagem, os diferentes conjuntos de saberes e
experiências, as diferentes formas de conceber os processos pedagógicos
e de aprendizagem, que enriquecem a conversa profissional, favorecendo a
reestruturação conceitual".
Refletir sobre a cultura colaborativa, em que a aprendizagem por pares
ocorre por meio do processo de mentoria, inclui também pensar em novas
práticas no contexto escolar que atendam às demandas da sociedade no
atual cenário do sistema educacional.

1.2.2) Práticas e estratégias na aprendizagem profissional por pares


Dentro de todo processo de mudança, faz-se necessário o estabeleci-
mento de práticas que deverão ser realizadas para que a mudança ocorra
efetivamente. Para isso, é necessária a definição de estratégias que orientem
as práticas, para que uma cultura colaborativa possa existir e atingir o obje-
tivo esperado. 
A partir dessa visão, na aprendizagem profissional colaborativa, algumas
práticas podem ser identificadas como representativas dentro do processo,
como a formação de redes, os estágios, o planejamento conjunto, os proje-
tos como estratégia de formação continuada, workshops, estudos de casos,
comunidades virtuais de aprendizagem, uso cooperativo/colaborativo das
TICs, entre outros (CHILE, 2019a; CALVO, 2014; VAILLANT, 2016; DAMIANI,
2008).
Essas práticas podem ser agrupadas em categorias, dependendo do
enfoque que cada participante tem dentro do processo. Nessa perspectiva,
Calvo (2014) apresenta três grandes categorias de atividades que estão rela-
cionadas à aprendizagem profissional colaborativa, que são:
• atividades focadas em trabalhar com o outro – nessas atividades, o en-
foque está na troca de experiências com outros colegas, que possuem
boas práticas para compartilhar e que estão dispostos a guiar, orientar e
apoiar os demais. Essas trocas ocorrem geralmente entre um sujeito que
tem mais tempo de experiência na profissão e um iniciante na carreira.
• atividades com base na instituição de ensino como unidade – nessas ati-
vidades, o enfoque está na inter-relação entre os sujeitos, os processos e
as trajetórias. As atividades são desenvolvidas por meio de comunidades
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 55

de aprendizagem, workshops e projetos de reflexão sobre a prática


escolar.
• atividades com base nas comunidades virtuais – nessas atividades, o en-
foque está na criação de comunidades de aprendizagem a partir do uso
de dispositivos tecnológicos, com acesso a ferramentas na web.
A implementação de estratégias no processo de colaboração tem sido
destacada amplamente na literatura (CALVO, 2014). Porém, para sua efetiva-
ção, são necessárias condições que garantam o desenvolvimento da apren-
dizagem profissional colaborativa conforme as necessidades identificadas
para o grupo de trabalho.
Inicialmente é necessário alocar tempo para o desenvolvimento das ati-
vidades de colaboração. As instituições de ensino devem também disponi-
bilizar pessoal de apoio para atender aos espaços nos quais serão realizadas
as observações sobre as necessidades de melhorias, sistematizando assim
boas práticas e debates para a resolução do problema identificado. 
As condições espaçotemporais adequadas para as atividades coletivas
devem ser garantidas dentro das escolas. Além disso, são necessários ou-
tros recursos, como materiais de trabalho, informações, assessoria interna e
externa, para que a comunidade educacional como um todo possa se reunir
para o desenvolvimento da aprendizagem coletiva (UNESCO, 2013). 
Outra condição importante apontada por Vaillant (2016) é a existência
de sistemas de informação e de divulgação que permitam a transmissão
de boas práticas e bons métodos para solucionar os problemas da escola.
Com base nos conceitos apresentados, pode-se identificar uma proposta
de trabalho que pode ser implementada na escola, visando à mudança e
efetivação para a cultura colaborativa.

1.2.3) Estratégias de trabalho colaborativo


A partir das diretrizes traçadas, a seguir são propostas estratégias que
auxiliam na implantação do trabalho colaborativo dentro do estabelecimen-
to, envolvendo os diferentes níveis de uma linguagem comum e a constru-
ção da aprendizagem compartilhada. Essas estratégias podem ser adotadas
como rotinas dentro da comunidade escolar, entendidas como "a forma
como fazemos as coisas".
Quanto mais se adotar um trabalho colaborativo nos diferentes espaços
da escola, tanto pedagógicos como de coordenação ou gestão, melhor será
56 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

a instalação de uma linguagem partilhada, uma vez que a partilha favorece


a expansão do conhecimento, reflexão e colaboração nas práticas habituais
do estabelecimento.
Com o uso prolongado ao longo do tempo, essas estratégias tornam-
-se flexíveis para atender às necessidades de sua aplicação. Por isso, é
importante que a equipe gestora as conheça, pratique, modele e ensine a
professores e auxiliares pedagógicos, a fim de promover sua apropriação e
utilização efetiva.
As estratégias propostas não visam obter uma resposta específica, mas
descobrir e estimular a reflexão sobre determinados temas pelos grupos de
trabalho. A seguir tratamos de suas descrições.

Figura 2 Etapas do processo de trabalho para implementação de cultura colaborativa.

Fonte: adaptada de Chile (2019a).

Esse diagrama mostra-nos algumas etapas dentro da proposta de tra-


balho para a implementação da cultura colaborativa que, apesar de serem
apresentadas como um ciclo sequencial, não precisam ser necessariamen-
te seguidas dessa forma (CHILE, 2019a). Cada instituição escolar deverá
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 57

identificar sua maior necessidade e iniciar essa proposta a partir desse pon-
to. Cada uma dessas etapas visa atingir a um objetivo específico, conforme
descrito a seguir:
• autoavaliação e monitoramento – essa etapa está pautada na observação
e análise das disposições para o trabalho colaborativo, para conscienti-
zação de seu ponto de partida e para o acompanhamento da progressão
das etapas.
• conscientização e propósito – essa etapa está pautada na sensibilização
da comunidade educacional pela equipe gestora sobre o trabalho cola-
borativo, por meio do envolvimento nas mudanças, possibilitando sua
sustentabilidade.
• identificação de oportunidades – essa etapa está pautada na identifica-
ção das oportunidades de inovação, investigação das percepções das
ideias para suas conceitualização.
• desenvolvimento de práticas – essa etapa está pautada no desenvolvi-
mento transversal de práticas colaborativas, instalação de novas ações e
acompanhamento do trabalho colaborativo.
A partir da identificação da etapa na qual a instituição escolar se en-
contra, o trabalho colaborativo pode ser realizado seguindo uma rota de
aprendizagem, por meio do desenvolvimento de ferramentas que auxiliem
na prática de atividades dessas etapas. 
Essa rota de aprendizagem facilita todo o processo de trabalho e favo-
rece a construção e consolidação das práticas colaborativas. Ela pode ser
montada com base em quatro pilares, identificados pelos verbos conectar,
conhecer, praticar e consolidar, conforme descritos a seguir (CHILE, 2019a,
2019b):
• conectar – são realizadas atividades com foco nas experiências prévias
dos participantes, com o intuito de se aproximar de um novo aprendiza-
do com base nos conhecimentos que já se tem.
• conhecer – são realizadas atividades com foco na exploração e compre-
ensão dos novos conhecimentos, com implicação no trabalho do diretor.
• praticar – são realizadas atividades com foco na aplicação prática nas
situações identificadas, analisando a realidade atual e estabelecendo
conexões entre os conteúdos estudados e o trabalho do diretor.
58 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• consolidar – são realizadas atividades com foco nas reflexões sobre os


aprendizados, com a intenção de melhoria das práticas e aplicação em
novos desafios.
Na utilização da rota de aprendizagem, as ferramentas desenvolvidas
podem ser ampliadas conforme as necessidades de cada grupo de mento-
ria, dependendo de para qual ponto no processo de mudança para a cultura
colaborativa a aprendizagem estará direcionando. Em cada uma das etapas
da proposta de trabalho, deve ser verificado, conjuntamente, o estágio em
que a instituição se encontra, podendo ser classificado em três níveis, que
são (CHILE, 2019a, 2019b): 
1. a equipe de mentores e mentorados não tem ideia do ponto de cultura
colaborativa em que se encontra; 
2. a equipe de mentores e mentorados tem ideia do ponto de cultura
colaborativa em que se encontra, porém, não tem motivação para a rea-
lização das atividades;
3. a equipe de mentores e mentorados tem ideia do ponto de cultura co-
laborativa em que se encontra e tem motivação para a realização das
atividades.
O esperado dentro dessa classificação é que a equipe de trabalho cola-
borativo consiga chegar e se estabelecer no terceiro nível, sempre reavalian-
do as atividades e as práticas executadas, podendo montar novas propostas
e ferramentas de trabalho, estabelecendo o tempo de execução junto ao
grupo escolar e consolidando, assim, a cultura colaborativa. Algumas ferra-
mentas devem ter como base para seu desenvolvimento o diálogo, a refle-
xão e a criação de novas metodologias de trabalho que possibilitem uma
maior qualidade no atendimento à comunidade e a elevação da motivação
para a realização do trabalho de todos os membros da equipe escolar.
A seguir descrevemos duas estratégias que podem ajudar na compre-
ensão da cultura colaborativa tanto para diretores mentores e mentorados
durante a mentoria como para os educadores nas escolas.
• Círculo de pontos de vista (RITCHHART; CHURCH; MORRISON, 2014)

Essa atividade objetiva mostrar aos participantes perspectivas sobre um


problema ou desafio, identificando diferentes pontos de vista que podem
estar presentes na situação. Ao dividir os grupos, é interessante fazê-lo de
forma a compor diferentes visões, com o objetivo de construir aprendizagens
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 59

compartilhadas de forma colaborativa. Por isso, é fundamental que o tema


ou conteúdo a ser discutido tenha múltiplos pontos de vista ou perspectivas
que permitam enriquecer a análise. Ao reconhecer essas perspectivas, os
participantes serão capazes de contextualizar, problematizar e compreender
de forma mais ampla o tópico em discussão. O tema ou conteúdo escolhido
pode ser apresentado por meio de recurso gráfico (como uma imagem ou
vídeo), ou pela descrição do tema a ser discutido. Por outro lado, é acon-
selhável trabalhar com um grupo de pelo menos cinco pessoas – incluindo
quantos participantes desejar – e discutir entre quatro a seis pontos de vista.
Finalmente, é importante que uma pessoa seja designada para facilitar e
liderar as etapas executadas. A cultura colaborativa tem características parti-
culares, como a existência de objetivos compartilhados, a interdependência
entre os participantes, nutrindo interações focadas na reverência e na con-
fiança, aprendendo habilidades de comunicação, compartilhando experiên-
cias e alcançando um resultado satisfatório para todos.
• Rodadas sucessivas de conversa (café mundial) (BROWN, 2015)

Essa metodologia centra-se na construção da aprendizagem de forma


colaborativa, por meio do desenvolvimento de conversas grupais e rotativas
para gerar reflexão conjunta sobre temas específicos. A qualidade de ser
rotativo permite que se construa coletivamente conhecimento sobre ideias
levantadas por outros. Assim como na estratégia anterior, o tema ou con-
teúdo escolhido pode ser apresentado por meio de recurso gráfico, como
imagem ou vídeo, ou oralmente, por meio de história ou descrição do tema
a ser discutido. Da mesma forma, é necessária a presença de uma pessoa
que conduza o desenvolvimento da atividade. Essa estratégia é ideal para
a realização de instâncias participativas que favoreçam a tomada de deci-
sões e que integrem diferentes níveis da comunidade escolar. Por consistir
na formação de grupos que trabalham em paralelo, recomenda-se que tal
estratégia seja realizada com mais de dez participantes.
Para a execução do café mundial, são necessárias algumas preparações
para a atividade: defina o tema, selecione o tópico e os possíveis subtópi-
cos que serão abordados durante a conversa. Além disso, elabore algumas
questões norteadoras que facilitem o aprofundamento dos subtemas em
sucessivas rodadas de conversação, propondo diferentes questões nortea-
doras em cada rodada. O local deve ser organizado para que as conversas
ocorram e as pessoas se alternem. Para isso, precisa haver mesas grandes
60 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

para cada subtema (considerando uma capacidade para seis a oito pessoas
por mesa), personificando cada temática para que todas sejam abordadas
durante as trocas e diálogos do grupo.
Além disso, um quadro deve ser organizado para escrever o tema cen-
tral. Se for realizado on-line, isso não se faz necessário. Então, os participan-
tes devem receber explicações sobre o objetivo, o tema a ser discutido e
a duração da atividade, e cada grupo terá um subtema a ser discutido. O
facilitador será aquele que orientará a atividade, dando instruções gerais e
controlando os horários. Cada grupo terá um ajudante conduzindo a conver-
sa. Durante a rotação dos grupos, o ajudante deve permanecer no mesmo
local (apenas os participantes rodam), dando as boas-vindas aos diferentes
participantes, mediando a conversa, anotando as ideias que surgem de cada
diálogo (e podendo incorporar o que foi discutido pelo grupo anterior).
Desenvolvimento da atividade
Receba participantes: o facilitador dá as boas-vindas aos participantes
e indica o objetivo da atividade, o tema a ser discutido e explica a forma de
trabalhar. Se entre os participantes houver pessoas que não se conheçam,
deve haver antes uma rodada de apresentações.
Convide os participantes a abordar temas de acordo com seus inte-
resses: o facilitador deve garantir que haja equilíbrio no número de partici-
pantes por grupo. Conforme indicado, cada grupo possui um subtópico de
conversa diferente que está vinculado ao tema central e sobre o qual será
feita uma conversa guiada. Além disso, cada grupo conta com um ajudante
que estará sempre presente e mediará a discussão, ordenando as ideias no
decorrer da conversa.
Comece a primeira rodada de conversa: o facilitador dá 15 minutos
para a primeira rodada de conversa. O ajudante de cada grupo registra suas
ideias.
Rodar grupos: decorrido o tempo da primeira rodada, é anunciada a
rotação dos grupos para outro local (podem ser mesas), a fim das pessoas
serem redistribuídas formando novos grupos, de acordo com seus interes-
ses. Os ajudantes devem garantir que todos tenham um grupo.
Comece a segunda rodada de conversa: os ajudantes sintetizam o tema
para o novo grupo e apontam as ideias emanadas dos participantes anterio-
res. O novo grupo dá continuidade à conversa ou discute um novo aspecto
relacionado, conforme disposto nas questões norteadoras. Por exemplo, em
cada rodada, as seguintes perguntas podem ser feitas:
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 61

• Como está a situação atual em relação a este subtema?


• Que pontos fortes existem em relação a este subtópico?
• Que problemas registraram em relação a este subtópico?
• Como eles poderiam ser resolvidos?
A dinâmica do rodízio repete-se até que o número de rodadas previa-
mente definido seja completado, mesmo que nem todas as pessoas tenham
conversado em todas as mesas.
Quando da finalização da atividade, isto é, quando terminam as rodadas
de conversa, o facilitador pede aos ajudantes de cada local (mesa) que apre-
sentem uma síntese (em no máximo três minutos) das ideias que surgiram
dos grupos que por ali passaram. Posteriormente, os participantes são con-
vidados a fazer esclarecimentos ou contribuições sobre o exposto. Por fim, o
anfitrião agradece a participação dos presentes.
Ressaltamos que outro ponto muito importante é a avaliação formati-
va do processo da cultura colaborativa no Programa de Mentoria (com os
diretores mentores e mentorados) e/ou na escola participante. Para tanto,
estabeleceram-se algumas sugestões de trabalho, expostas a seguir.
Preparar: o diretor mentor pede ao seu grupo de mentorados – tendo
como meta a cultura colaborativa – que avaliem ao final de cada reunião de
trabalho a qualidade de sua colaboração. É importante salientar aos mento-
rados que essa avaliação levará cerca de dez minutos e que permitirá que
o diretor mentor reflita sobre como melhorar sua colaboração. Pode-se co-
meçar propondo esse exercício aos diretores mentorados que estão muito
dispostos a melhorar seu trabalho colaborativo. Não se deve impor esse tipo
de avaliação formativa como uma forma de supervisionar, mas como uma
oportunidade de aprendizagem.
Conduzir: em toda reunião com os mentorados, o diretor mentor desig-
na um responsável pela condução da avaliação (pode ser o próprio mentor
ou alguém que está acostumado). Define-se, então, qual será a diretriz de
avaliação durante a reunião. Os participantes do grupo devem ser informa-
dos previamente de que os últimos dez minutos da reunião serão gastos
avaliando o quão próximos ou distantes estão da cultura colaborativa e,
assim, concluído o trabalho previsto para o encontro, são convidados a ava-
liarem a qualidade do trabalho realizado. É importante que o diretor mentor
se certifique de que todos leiam as avaliações, pois isso permitirá que ele
identifique mais indicadores de como melhorar, com base no feedback dos
62 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

próprios participantes. A seguir, descrevem-se formas para que o diretor


mentor garanta a cultura colaborativa.
• Compartilhamento de um objetivo comum

▪▪ Diga sempre, no início da reunião, o seu objetivo e o da tarefa que


precisam realizar. O trabalho colaborativo requer que todos visualizem
os objetivos, e por isso eles precisam ser explícitos e compartilhados.
▪▪ Se não houver um objetivo claro, defina-o com os demais.
▪▪ Se houver diferenças de opinião sobre o assunto, aproveite para que
todos expressem suas opiniões e discutam em conjunto para esclare-
cer um objetivo que motive a todos.
▪▪ Crie desafios significativos, além de tarefas concretas, e certifique-se
de que as pessoas compartilham a responsabilidade explícita de en-
frentar cada desafio.

• Reciprocidade

▪▪ Torne o objetivo do grupo explícito e ajude os participantes a desco-


brirem qual é a responsabilidade ou tarefa de cada um para atingir
esse objetivo.
▪▪ Certifique-se de que cada pessoa envolvida no trabalho esteja ciente
de que suas ações estão conectadas aos demais. Gere conversas so-
bre isso em pares ou grupos menores.
▪▪ Durante a reunião, estabeleça e garanta horários para que os par-
ticipantes do grupo influenciem uns aos outros. Com a prática, isso
acontecerá espontaneamente.
▪▪ Quando houver falhas ou problemas no alcance da meta, não culpe
ninguém em particular, mas procure soluções de como cada um pode
contribuir para resolver o problema.
▪▪ Quando houver conquistas, encontre uma maneira de atribuir a todos
essa contribuição.

• Comunicação mútua

▪▪ Crie um ambiente acolhedor e estimulante para que as pessoas se


sintam confortáveis.
▪▪ Pergunte aos participantes quais habilidades de comunicação eles
acham que devem desenvolver e crie oportunidades concretas para
que isso seja feito. Promova espaços específicos para testar a empatia.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 63

▪▪ Evite críticas destrutivas e sempre foque nas possibilidades de de-


senvolvimento. Não permita desqualificações entre os participantes e
promova o reforço positivo.
▪▪ Evite julgamentos e ensaie com os diretores diferentes maneiras de
dizer o que precisam, sem fazer um julgamento.
▪▪ Não puna o erro, mas use-o como uma oportunidade de aprendiza-
gem, analisando quais aprendizados concretos podem ser obtidos.
▪▪ Investigue as razões para as atitudes mais prejudiciais e para a resis-
tência à colaboração.

• Interação com intenção

▪▪ Use metodologias que privilegiem a participação em vez da expo-


sição e que garantam momentos específicos para a troca de ideias.
Promova uma escuta ativa com base em estratégias concretas que
também permitam aos membros compartilhar seus pontos de vista.
▪▪ Permita e incentive desacordos, apontando suas opiniões. Garanta
tempo suficiente para discussão quando houver diferentes pontos de
vista e torne essas diferenças de ideias explícitas, separando-as das
pessoas (as discrepâncias são entre ideias, e não entre pessoas).
▪▪ Considere a possibilidade de que dois pontos de vista aparentemente
opostos podem ser maneiras diferentes de abordar o mesmo even-
to. Descubra as potencialidades nas divergências, verifique se você
não possui uma oportunidade de se complementar com experiências
diferentes.
▪▪ Forme pequenos grupos com pessoas que tenham experiências dife-
rentes, em vez de sempre unir as mesmas. Pergunte no final da discus-
são quais são as novidades que eles tiraram do que ouviram.

• Resultado significante

▪▪ Certifique-se de deixar explícito o resultado do trabalho ou em que es-


tágio de realização ele se encontra em relação ao resultado esperado.
▪▪ Considere a possibilidade de que nem todos estejam satisfeitos com
o resultado alcançado e peça aos que não estão que indiquem suas
necessidades para que possam ficar.
▪▪ Certifique-se de que o grupo todo se mantenha motivado até que o
resultado seja satisfatório para todos.
64 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

▪▪ Use técnicas participativas – como votação – para avaliar o nível de


realização de um estágio.
▪▪ Mostre como a colaboração levou a um resultado diferente do que
poderia ter sido alcançado individualmente. Repita esse mesmo exer-
cício no final da próxima reunião e analise o progresso ou desafios nas
áreas escolhidas para melhoria.
É fundamental avaliar o trabalho que está sendo realizado entre os dire-
tores mentores e mentorados e propor desafios para a melhoria contínua da
cultura colaborativa. Mesmo que o grupo se sinta fortalecido, é importante
manter-se compartilhando, ficar alerta, pois as pessoas mudam, e as intera-
ções não são estáticas, portanto, as necessidades podem variar de acordo
com os contextos.

2) Cultura colaborativa: diálogo e compromisso

2.1) Princípios metodológicos


O Programa de Mentoria, proposto neste material de apoio, tem como
pilar metodológico a cultura colaborativa, com base em duas perspectivas:
diálogo e compromisso de todos os diretores mentores e mentorados. A
mentoria é utilizada em diversos países como estratégia para apoiar e pro-
mover a aprendizagem de diretores de escolas há mais de 30 anos, espe-
cialmente na fase de transição entre diretores. Avaliações e pesquisas sobre
o tema têm mostrado benefícios significativos tanto para novos diretores
– denominados de mentorados – e suas comunidades escolares quanto para
os próprios mentores.
Porém, falar de projetos que buscam inovação e colaboração da comuni-
dade escolar é um desafio para os diretores da escola, pois, de tempos em tem-
pos, a instituição recebe inúmeras propostas das Secretarias de Educação ou
de órgãos competentes com intenção de melhorar o ensino e a aprendizagem,
visando mudanças, mas esses estudos têm revelado que a barreira principal
para impactar positivamente o sucesso escolar do aluno está na cultura escolar.
Para promover um projeto pedagógico inovador, com a cultura colaborativa
dentro da escola, é imprescindível sensibilizar e mobilizar toda a comunida-
de escolar sobre a relevância e necessidade de introduzir novas práticas ou
modificar as já existentes, a fim de buscar novas respostas para um contexto
escolar que muda continuamente.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 65

Utilizar o diálogo e o compromisso significa dispor-se a sensibilizar a co-


munidade escolar, convidando todos os educadores, alunos e seus familiares
a descobrirem os pontos fortes e os fatores de sucesso comuns da escola,
estes que podem servir de sustento para a concretização de processos de
mudança cultural da escola.
O Programa de Mentoria sugere que primeiro se discuta a situação da
escola mentorada e, somente depois, se descrevam experiências vivencia-
das por outros diretores (mentores ou mentorados do grupo), relatando
situações semelhantes e como esses episódios foram resolvidos.
De acordo com Kram (1988), com essa perspectiva, os diretores mentores
e mentorados desenvolvem a confiança em falar e pedir opiniões; aparecem
as dúvidas e inseguranças sem o medo de ser julgado; criam-se as relações
com mais segurança e um ambiente em que todos possam compartilhar
suas ações e sentimentos.
Para os diretores mentores, é importante que, logo de início, entendam
que algumas características e atitudes são fundamentais para conduzir os
momentos de mentoria. São elas:
• acolher as pessoas desde o início da mentoria;
• estabelecer uma escuta ativa;
• respeitar os saberes de todos;
• ser humilde ao compartilhar os seus saberes;
• oferecer apoio a todo momento àqueles que estão participando;
• acreditar muito no que fala e despertar no outro o encantamento pelas
ideias que estão sendo desenvolvidas;
• preparar cuidadosa e previamente todos os materiais a serem utilizados
na mentoria;
• incluir exemplos em seus relatos que ajudem na compreensão do tema
que está sendo desenvolvido;
• ter conhecimento do contexto e do público;
• ter autoconfiança;
• ter uma narrativa de condução na qual estabelece conexão entre os con-
teúdos e temas que estão sendo tratados, reforçando a coerência entre
eles;
• estabelecer forte relação entre teoria e prática;
• fazer boa gestão do tempo, cuidando dos reajustes que forem
necessários;
66 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• falar pausadamente e de forma clara e envolvente para que todos com-


preendam o que está sendo dito;
• ter domínio em profundidade do conteúdo que está sendo tratado;
• ser empático e saber lidar com pessoas de maneira a manter o equilíbrio
emocional mesmo em situações difíceis;
• ter alegria e bom humor durante a mediação com os mentorados.

2.2) Estratégicas metodológicas


Como estratégias metodológicas, indicam-se três estágios de sensibili-
zação para a realização da mentoria – raciocinar, experimentar e desejar –, os
quais serão tratados a seguir.

2.2.1) Autoconhecimento: raciocinar, experimentar e desejar


As duas primeiras estratégicas metodológicas são pensadas em uma
perspectiva de reflexão sobre o papel de formador do diretor de escola. O
objetivo é sensibilizar os mentores e mentorados para que estes também
mobilizem a equipe gestora da escola (vice-diretores, coordenadores peda-
gógicos, orientadores educacionais etc.) para realizar sonhos e perspectivas,
contribuindo para o desenvolvimento de uma cultura colaborativa.
Para Bretas (2015), o raciocinar, experimentar e desejar são dimensões
associadas, respectivamente, à mente, ao coração e aos membros. Assim, ao
compreender como se operam as três capacidades, nosso autoconhecimento
aumenta, e é possível trazer para a discussão as vontades, intenções e
motivações dos diretores mentores e mentorados e, por consequência, dos
seus educadores na escola. A ideia é ajudar na busca por possibilidades
de atuação e a fazer projeções futuras, o que está associado a esses três
aspectos, tendo em vista que o raciocinar está relacionado ao passado, o
experimentar ao presente, e o desejar ao futuro (BRETAS, 2015).

RACIOCINAR, EXPERIMENTAR E DESEJAR


Promover o autoconhecimento nas áreas afetiva e cognitiva
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 67

Figura 3 Raciocinar, experimentar e desejar

Fonte: elaboração própria.

De acordo com Alaiz e Barbosa (1994, s./p.):

a autoavaliação constitui, como é evidente, um dos modos privilegiados


da avaliação formativa. Mas para isso há ainda um longo percurso a cons-
truir do qual constituem marcos fundamentais o desenvolvimento de
competências de autoavaliação e a adequação das práticas pedagógicas.

Nesse sentido, os mentores e os mentorados refletem sobre o processo


de desenvolvimento de forma individual, e a autoavaliação deve ser guiada
para auxiliar esses diretores a pensarem em avaliação formativa que ajude
de fato na realização das ações do Programa de Mentoria.

2.2.2) Colocar-se na posição do outro: cautela e oportunidade


Saber escutar requer um envolvimento ativo, contínuo, a fim de buscar
informações, ampliar a compreensão, checar o entendimento, identificar
áreas de desenvolvimento para os próximos passos nas relações. Saber
escutar exige paciência, cautela para julgar, dar oportunidade, de modo a
aprofundar a compreensão de determinadas percepções ou atitudes.
O que pode dificultar uma boa escuta? Há fatores internos e externos
que podem dificultar uma boa escuta. Ao tomar consciência desses fatores, o
diretor mentor pode pensar em como tentar reduzir seus efeitos, lembrando
68 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

que a escuta é uma habilidade em constante aprimoramento. Observam-se


a seguir alguns fatores internos:
• diferenças de opiniões e expectativas;
• estilos de aprendizagem;
• falta de atenção – falta de foco e/ou pressa para chegar aos próximos
passos antes de o outro terminar de falar;
• tendência de ignorar algo que foi dito – às vezes nas entrelinhas – para
privilegiar o que você percebe como urgente ou mais importante;
• preocupação com a forma em detrimento do conteúdo – ao se preo-
cupar com a forma de suas perguntas o diretor mentor corre o risco de
perder oportunidades de se envolver com o que o grupo está trazendo,
de enxergar oportunidades, de propor formas de apoiar os mentorados.
E alguns fatores externos:
• interrupções;
• ambiente físico – ruídos, nível de conforto básico para conversar;
• disponibilidade de tempo.

2.2.3) Fazer perguntas, levantar questões: refletir sobre


Com base na revisão da literatura (FULLAN; HARGREAVES, 2000; RITCH-
HART; CHURCH; MORRISON, 2014; REEVES, 2016) na mentoria emergem
dimensões que norteiam os principais elementos e fatores envolvidos em
uma cultura colaborativa. Ao praticar o diálogo, o diretor mentor deixa de se
preocupar em contar, explicar a sua experiência passada como professor ou
diretor, para facilitar a reflexão e o desenvolvimento do mentorado, no seu
contexto específico.
Perguntar faz parte desse diálogo – mas não como um script ou um
bombardeio de questionamentos, visto que a ideia é escutar, checar enten-
dimento, buscar detalhes em vez de ficar nos comentários muito genéricos
e superficiais, propor, refletir sobre. As perguntas precisam emergir a partir
do que vai surgindo na conversa, e por isso fazer boas perguntas é essencial
em todo processo de reflexão e é uma habilidade que pode ser aprimorada,
à medida que se exercita.
Diretores mentores e mentorados devem ter uma visão sobre os fatores
que facilitam mudanças e podem trabalhar no desenvolvimento de práticas
que instalem gradativamente "um jeito de fazer" na cultura escolar, com
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 69

foco em conseguir que o estabelecimento se torne um lugar onde processos


colaborativos gerem soluções criativas e inovadoras para as dificuldades do
dia a dia.
Cada estratégia usada na sensibilização deve estar a serviço do desen-
volvimento de uma cultura escolar colaborativa, encaixando-se com o que
emerge do diálogo entre mentores e mentorados e do que foi demarcado
como prioridade em seu plano de mentoria. Nesse processo, o diretor men-
tor considera o contexto em que o diretor mentorado atua, para envolvê-lo
em um processo de reflexão sobre suas práticas e habilidades. O propósito é
estimular mudanças de paradigma ou de atitudes que são necessárias para
que o diretor mentorado aproveite a formação em serviço.
O que for estabelecido nos diálogos entre mentores e o grupo de men-
torados, a partir da análise de cada situação, deve ser mantido e servir de
base para uma relação não avaliativa (em que julgamos como o outro age),
como um dispositivo viável para cada um que queira reconhecer o que pode
ser feito a partir de uma experiência socializada, visto que tais reflexões sem-
pre provocam certas mudanças.

3) Experiência profissional e habilidades para mentorar

3.1) Princípios metodológicos


A cultura colaborativa não compactua com a mentoria tradicional, em
que um especialista – como o diretor mentor – transmite seus conhecimen-
tos a um novato ou àquele diretor que está enfrentando um problema na
sua escola, em que as orientações e passos devem ser seguidos exatamente
como o diretor mais experiente decreta. Pelo contrário, é uma relação de
colaboração e reciprocidade centrada na aprendizagem, na qual um diretor
mentor (mais experiente) acompanha o processo de um diretor mentora-
do e sua comunidade escolar comprometida com as mudanças sociais e
pedagógicas.
Por se tratar de uma relação colaborativa, o mentor e seus mentorados
devem trabalhar juntos, de comum acordo, com base nas necessidades e
demandas que a escola do mentorado necessita, com esquemas descritivos
e desenvolvimentos de ações que permitam refletir sobre as experiências de
aprendizagem de ensino. O objetivo principal desse momento reflexivo é o
desenvolvimento de uma cultura colaborativa baseada na reverência e no
70 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

diálogo. E é uma relação de reciprocidade, pois a mentoria é um processo


em que os participantes aprendem com as experiências e trocas que lhes
são oferecidas ao longo do tempo compartilhado e do acompanhamento
lado a lado.
O mentor e o mentorado participam ativa e mutuamente desse processo
de aprendizagem, e esse acompanhamento ocorre, pelo diretor mentor, por
meio de observação atenta de como anda a atuação do diretor mentorado e
sua equipe escolar (contexto da escola); da escuta ativa de suas descrições,
abordagens, dúvidas e dificuldades; da formulação de questões investiga-
tivas que promovam a reflexão e a tomada de decisão. Nesse sentido, o
diretor mentor deve:
• estimular o questionamento e a análise crítica do mentorado;
• examinar como os pressupostos que o mentorado tem de si, dos outros
e do ambiente influenciam seus valores e seu comportamento na escola;
• desenvolver novos hábitos de reflexão e prática;
• desenvolver a capacidade do mentorado de solucionar problemas;
• estimular a autonomia do mentorado, seu autodesenvolvimento para
além da mentoria.
Embora tenha o papel de auxiliar o diretor mentorado a refletir e desen-
volver soluções, o diretor mentor encontrará momentos em que precisa ser
mais diretivo. Vai depender da situação, das necessidades de aprendizagem
do mentorado e do contexto da escola e da rede. É importante destacar
dois pontos que são fundamentais para que a mentoria seja realizada com
sucesso: Leitura e interpretação dos problemas escolares e Diálogo proposi-
tivo: desenvolvimento de ações.

3.1.1) Leitura e interpretação de problemas escolares


A princípio, podemos pensar que o principal obstáculo para o desempe-
nho de um bom diretor de escola está na ausência de domínio de conteúdos
ou procedimentos pedagógicos, mas isso não explicaria por completo as
dificuldades básicas na leitura e interpretação de problemas e desafios –
aqueles que ocorrem no cotidiano – ou nas formas de ver ou de compreen-
der com clareza como lidam com as demandas ou resolvem os problemas.
Estudos realizados no campo da linguística (HENRY, 1992; FERREIRA,
2000) indicam que, na comunicação em geral e no ensino em específico, um
dos principais problemas que enfrentamos pode estar ligado à estrutura da
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 71

própria língua, a suas contradições, deslocamentos, equívocos e ambiguida-


des etc., e se consideramos a linguagem um dado essencial de toda prática
educativa também devemos compreender que nem sempre ela é clara e/ou
compreensível.
Nesse sentido, a comunicação é basilar para o Programa de Mentoria,
pois, para ocorrer compreensão nas informações comunicadas entre direto-
res mentores e mentorados, é necessário entender não só o conhecimento
que cada um traz para a mentoria (seu repertório linguístico, seu conheci-
mento sobre o mundo etc.), mas também como os assuntos são apresen-
tados e como esses saberes acontecem na escola. Assim, para haver uma
boa comunicação na mentoria, mentores e mentorados devem negociar
e estabelecer significados e importâncias das prioridades que devem ser
resolvidas.
Uma fala de Bruner parece dar pistas para essa compreensão referen-
te às dificuldades: diretores em geral, e professores em particular, têm um
pensamento do tipo narrativo, orientado para a construção de fenômenos
concretos, pessoais e intencionais, enquanto o pensamento para mudan-
ças tem caráter paradigmático, que suprime intenções e motivações e se
baseia em representações abstratas e com perspectivas mais gerais (BRU-
NER apud GÓMEZ-GRANELL, 1998, p. 34).
Disso decorre, conforme explicitado por D’Antonio (2006), que muitos
profissionais da educação, acostumados aos sentidos que circulam na lin-
guagem cotidiana, apresentam dificuldades para relacioná-los aos conceitos
e ideias da prática escolar – jargões técnicos, conceitos pedagógicos, termos
administrativos etc. Assim, tanto na comunicação em geral como no âmbito
da educação, faz-se necessário ter consciência de falhas e limites da língua,
bem como da descontinuidade existente entre a cultura social de cada um,
entre informações e saberes daqueles com os quais vamos trabalhar.
Para Smith (1989), a compreensão, uma habilidade essencial no processo
de aprendizagem, só se concretiza quando um sujeito é capaz de ler algo
que está escrito em um texto – elementos visuais e compreensão linguística
e textual – e algo que não está escrito – elementos não visuais, o seu conhe-
cimento de mundo. É como enxergar nas entrelinhas de um texto escrito.
É primordial para o diretor mentor observar como o diretor mentorado
está relatando (por escrito ou oralmente) um problema (uma situação), isto
é, como esse mentorado contempla uma dificuldade que ocorre em sua
72 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

escola. É importante verificar se a visão desse diretor mentorado consegue


perceber o todo da escola, ao invés de observar apenas partes do problema.
A sugestão aqui é sempre ouvir primeiro o diretor mentorado, mas tam-
bém buscar saber da própria escola se o dado problema é evidente para
todos e qual o posicionamento da comunidade escolar sobre o assunto.
Como já foi dito, existem fenômenos concretos, pessoais e intencionais nas
narrativas, em geral, e isso traz uma tendência no olhar daquele que está
descrevendo uma dificuldade.
Para compreender um relato, primeiro o mentor precisa ter em vista os
objetivos, as ideias e as experiências prévias que levaram o diretor mentora-
do à seleção de um dado problema a ser abordado em detrimento de outro.
Por isso, cada caso é um caso, e por vezes um diretor mentor, junto ao diretor
mentorado, terá a tarefa de apresentar e discutir as questões levantadas
como problema na escola de modo a proporcionar o desenvolvimento de
estratégias que realmente possam ajudar os seus educadores.
Segundo Solé (1998), a habilidade de ler e interpretar textos ou narrativas
não se desenvolve espontaneamente, mas deve ser objeto de um trabalho
específico, no qual, em um primeiro momento, se ofereça um modelo de
como isso deve ser feito. Ou seja, o diretor mentor deve explicitar o que pre-
tende quando pede algo escrito para os mentorados, mas, além disso, deve
compreender a importância de retornar ao mentorado, não só para verificar
se todas as informações importantes foram acatadas, como também para
avaliar se a resposta encontrada atende às condições do que se entende
como um problema.
Somente com uma metodologia na cultura colaborativa o diretor mentor
pode ouvir o diretor mentorado sem restrições, e esse último pode então
manifestar seu pensamento, explicitar como se sente e expor sua compre-
ensão acerca da situação.
Segundo Hennigh (2003), realizar algumas atividades com textos, utili-
zando a leitura partilhada, é uma das formas de compreender como o outro
interpreta e compreende uma informação, sendo uma técnica eficaz que
pode possibilitar progressos acadêmicos. No caso dos diretores mentores
e mentorados, a leitura partilhada pode mobilizar conhecimentos prévios e
instigar a busca por mais informações sobre o que está sendo lido, o que
permite aprofundar os conhecimentos. Nesse sentido, sugere-se na mentoria
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 73

que os primeiros diagnósticos feitos pelos diretores mentorados, sobre suas


escolas, sejam feitos de forma escrita e depois sejam explanados oralmente.
Finaliza-se este item do texto lembrando que durante os momentos de
mentoria e de desenvolvimento das suas atividades é preciso ter paciência,
pois os resultados podem não ser imediatos. É preciso considerar as dificul-
dades individuais de cada sujeito participante, estando sempre ciente de
que, sem essa reflexão sobre o que são dificuldades e problemas na escola,
podemos continuar a focar em desafios relacionados apenas ao olhar do
diretor mentorado, comprometendo a mentoria.

3.1.2) Diálogo propositivo: desenvolvimento de ações


Para se descobrirem as dificuldades ou desafios da escola, desenvolve-
mos algumas etapas que nos permitem diagnosticar os pontos mais relevan-
tes de uma escola que será mentorada a partir de seu diretor. Essas trilhas
a serem seguidas devem ser apresentadas aos diretores mentores, antes de
iniciarem a mentoria, pois, ao começarem, seguirão cada etapa como proce-
dimento obrigatório.
Desvendar problemas: fazer um diálogo aberto com reflexão pedagógi-
ca, identificando problemas ou desafios. Esse estágio visa explorar precisa-
mente os problemas cotidianos que exigem novas soluções. Nesse processo
precisamos entender quais aspectos devem ser considerados e possibilitar
equidade de condições para todos os participantes. Inclui-se nessa reflexão
o acompanhamento de elementos do Projeto Político-Pedagógico (PPP) que
sirvam de subsídio para levantar problemas não solucionados pela escola
investigada, levando em consideração seus objetivos estratégicos e diag-
nósticos realizados.
Sugere-se reunir todos, em algum momento – os educadores da escola
(professores, profissionais de apoio, funcionários) e o diretor mentorado –,
reservando um espaço na reflexão pedagógica para esse fim e para que
todos, juntos, pensem sobre a seguinte pergunta:

Quais são os problemas que precisam ser resolvidos nesta escola?

Se ao responderem essa questão todos chegarem ao resultado, por


exemplo, de que os alunos estão enfrentando barreiras por não estarem
motivados ou comprometidos com o ensino e a aprendizagem, os partici-
pantes não só apenas podem escolher esse problema que gostariam de
74 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

resolver, como também a forma viável de esse problema ser resolvido, isto
é, por meio de um trabalho colaborativo entre todos os envolvidos com a
escola. Para isso, sugere-se realizar um brainstorming, cuja análise propiciará
as ações mais propícias para resolvê-lo. É importante considerar que essa
seleção de prioridade também deve estar relacionada a algum objetivo do
PPP da instituição escolar, e, caso não esteja, esta é a melhor ocasião para
repensar os objetivos estratégicos da escola.
Uma observação importante: caso não seja possível reunir todas as
pessoas que participam da escola neste estágio de desvendar problemas,
sugere-se a formação de uma comissão específica para essa tarefa. Essa co-
missão deve ter representantes de diferentes níveis, considerando membros
da equipe gestora, professores de diferentes ciclos, assistentes pedagógi-
cos e profissionais de apoio, funcionários etc., composta de no mínimo três
e no máximo oito membros, dependendo do tamanho da escola. O requisito
mais importante é que essa comissão seja composta de integrantes com
grande motivação para resolver o problema escolhido e com habilidades
para realizar um projeto de inovação de uma forma concreta.
Ter empatia: nesse momento, investiga-se como o problema ocorre
(usando um padrão ou contexto) com o intuito de redefini-lo para que seja
resolvido. Nesse estágio, conta-se com a familiarização das situações e com
a empatia dos sujeitos – em especial, para refletir sobre as necessidades
daqueles que fazem parte diretamente dos problemas levantados –, visando
compreender para resolver. A ideia é se colocar no lugar do outro e per-
ceber quais são os empecilhos enfrentados, com vistas a propor soluções
condizentes com a realidade.
Fazer definições: nessa etapa, apresenta-se uma reflexão pedagógica
dos problemas definidos pela comissão ou grupo inteiro da escola, para, em
seguida, realizar um brainstorming e elencar diferentes hipóteses – depois
de filtrar todas as informações coletadas e atender as necessidades obser-
vadas. Os participantes podem refletir sobre as hipóteses para a solução dos
problemas, e no final apenas duas hipóteses serão selecionadas – com duas
soluções. Por exemplo, uma primeira hipótese poderia ser "Se os alunos
aplicassem os conteúdos em seus cotidianos, os conhecimentos fariam mais
sentido, produzindo aprendizagens significativas", e outra hipótese seria "Se
os assuntos estivessem ligados aos tópicos de interesse dos alunos, tudo
faria mais sentido, o que chamamos de aprendizagens significativas".
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 75

Todos que fazem parte da comissão eleita ou todos da escola (conforme


o que foi decidido) devem se reunir para definirem os problemas e elabo-
rarem as hipóteses. Recomenda-se a utilização de uma síntese durante a
explanação e reflexão pedagógica para todos os envolvidos e que esta seja
conduzida por um membro da equipe de gestão. Definidas as hipóteses,
avançamos para a próxima etapa, que corresponde a desenhar soluções.
Refletir sobre: com a depuração de várias hipóteses, um novo brainstorming
é feito para encontrar soluções ocultas, sem julgar ou desqualificar nenhuma.
Essa etapa busca promover criatividade entre os pares e os educadores da
escola para explorarem as possibilidades de solução do problema ou desafio,
eliminando julgamentos de valor. Recomenda-se dividir os participantes em
grupos menores e convidá-los para desenvolver ideias e soluções – desde
as opções mais óbvias até as mais divergentes. É fundamental incentivar
os participantes a não se conformarem com a primeira ideia que surgir e
a não considerarem as soluções como "certas" ou "erradas". Aconselha-se
que todos que já estavam se reunindo na reflexão pedagógica continuem
a trabalhar, utilizando o mesmo espaço. Depois de os grupos menores
desenvolverem suas listas de soluções, o diretor mentor ou o mentorado
solicita que os participantes priorizem as soluções, com base nos seguintes
critérios:
• viabilidade de implementação dessa solução na escola;
• exercício de colaboração para resolver o problema (descartando solu-
ções cujo sucesso depende de uma única pessoa);
• nível de impacto da solução na aprendizagem dos alunos.
Finalmente, os participantes são solicitados a revisar a lista de ideias
priorizadas e escolher a solução que melhor se enquadra nos critérios men-
cionados. Por fim, a solução escolhida deve ser socializada – deve ser co-
locada em algum lugar visível na escola – para que possa ser revisada, se
necessário. Com isso, essa etapa está concluída, obtendo várias propostas
que podem ser transformadas em ações.
Para ter todas as etapas registradas, o diretor mentor e/ou o mentorado
devem se responsabilizar pela sistematização e armazenamento de todas as
contribuições.
Ações a serem desenvolvidas: quando algumas ideias são estabelecidas
como capazes de resolver problemas na escola, busca-se transformá-las em
um projeto pedagógico, que, com certeza, necessitará de investimentos de
76 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

tempo, recursos humanos, financeiros etc. Na metodologia da cultura cola-


borativa é previsto não somente o envolvimento de todos em todas as eta-
pas de um projeto, como também a incorporação dessas etapas de forma
sequencial e organizada. É possível que durante esse processo de busca de
soluções – projetos pedagógicos – seja necessário desenvolver mais de uma
ação e testar algumas possibilidades. Esse número dependerá do número
de hipóteses elencadas ou da criatividade em projetar soluções.
Por isso, sugere-se realizar tais etapas com calma, e isso significa testar
uma variedade de possibilidades e explorar soluções simples, aprendendo
com os resultados. Nesse sentido, a escola e seus educadores devem se
permitir errar, isto é, compreender que tentativas de acertos e erros – ex-
plorar diferentes alternativas – fazem parte da busca definitiva para solu-
ções. É importante, também, cuidar para que no começo das ações não
sejam cometidos muitos desacertos, pensando que fracassos implicam
desestímulo por parte dos educadores.
Com o apoio do diretor mentor e do grupo de diretores mentorados,
assim como da equipe de gestão da escola participante, recomenda-se es-
colher algumas das soluções concebidas na fase anterior e transformá-las
em ações, como definir objetivos, impacto e indicadores de realização etc.
Sugerem-se:
• definição de objetivos a serem realizados (embasados nos problemas
definidos e nas hipóteses estabelecidas) – determinar especificamente
o que será realizado.
• definição do impacto esperado – refletir sobre como o problema peda-
gógico será resolvido em longo prazo.
• elaboração de um plano de teste – determinar as ações, os prazos e os
respectivos responsáveis pelo desenvolvimento das ações.
• estabelecimento de indicadores-chave de realização – elaborar os in-
dicadores-chave que permitem verificar se está havendo progresso na
solução.
• consolidação da aprendizagem – registrar as ações estabelecidas e re-
fletir sobre elas.
Ao contrário do que se imagina, novos projetos não surgem de gran-
des ideias, mas da identificação de problemas que precisam ser resolvidos
e para os quais podemos encontrar diferentes soluções. Sintetizando: de-
senvolver projetos pedagógicos com ações possíveis dentro do ambiente
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 77

escolar é a forma mais coerente para a solução de desafios e problemas. Por


isso, elencamos algumas atitudes que o diretor mentor e o mentorado não
podem esquecer:
• a melhor forma de resolver um problema é trabalhar na perspectiva da
cultura colaborativa;
• a multiplicidade de visões é uma contribuição fundamental para se che-
gar a uma melhor solução, pois permite a todos considerar os diferentes
aspectos, cenários e oportunidades;
• todas as ações devem ser realizadas em etapas simples e constantes,
com expectativas de soluções possíveis para os problemas;
• um projeto pedagógico – com levantamento de problemas, hipóteses e
soluções – deve ser constituído de ações possíveis e oferecer possibili-
dades de "tentativa e erro" até se chegar a soluções definitivas;
• a reflexão sobre a cultura escolar e a sua realidade deve ser um processo
constante durante a busca por soluções pedagógicas.
Inovar ou buscar soluções na escola é um desafio, pois, muitas vezes,
não há tempo ou espaço para refletir sobre o que se pretende efetivamente
realizar. No entanto, a literatura especializada em mentoria recomenda que
a escola reserve um momento pedagógico para identificar seus problemas,
desenvolver suas hipóteses (que explicam esse problema) e testar diferentes
soluções, antes de atingir respostas definitivas.
Para alcançar essa formação com êxito, sugerimos algumas estratégias
metodológicas que auxiliam nesse caminho a ser traçado.

3.1.3) Estratégicas metodológicas


Além das questões acerca dos princípios metodológicos, sugerimos
neste tópico algumas estratégias importantes para a implantação do Pro-
grama de Mentoria. Para tanto, desenvolvemos seis pontos distintos que são
importantes para a atuação dos diretores mentores – lembrando que são
apenas propostas.

• 1º ponto – Apresentação das trajetórias profissionais: mentor e


mentorado
Logo no primeiro encontro, o diretor mentor e os mentorados do gru-
po devem se apresentar relatando suas trajetórias profissionais. Essa é uma
estratégia fundamental para que o mentor possa conhecer o percurso dos
78 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

mentorados e vice-versa, principalmente nas áreas pelas quais foram se


aprimorando. O importante é que, mesmo atuando na mesma dependência
administrativa, haja descobertas de pontos desconhecidos, similaridades e
convergências, elementos que incidam na criação de vínculo e empatia.
Essa conversa inicial, além de permitir o conhecimento das trajetórias
profissionais, também possibilita que os diretores mentorados iniciem o
processo de reconhecimento das próprias fragilidades, bem como dos prin-
cipais sentimentos e expectativas com relação ao Programa de Mentoria.
O diretor mentor, como já dissemos, precisa exercer o momento de escuta,
pois ela propiciará as primeiras impressões e laços positivos.

• 2º ponto – Acordo de mentoria


Os encontros seguintes devem ser dedicados à explicação de como será
o "Plano de Mentoria", com definição entre diretores mentores e mentora-
dos sobre as seguintes informações:
• dias, horários e locais de encontros semanais;
• a função e o apoio do diretor mentor;
• áreas e habilidades a serem desenvolvidas;
• metas de curto, médio e longo prazo;
• estratégias a serem implementadas;
• prazos, atividades e ações a serem realizadas;
• avaliações durante o percurso da mentoria.

• 3º ponto – Mapa mental: autoavaliação do diretor mentor


A próxima estratégia sugerida é a produção de um "mapa mental". Esse
instrumento, segundo Bovo e Hermann (2005), procura estruturar o conhe-
cimento apresentado de maneira esquemática para, assim, representar uma
rede de relações flexíveis, subjetivas e não necessariamente hierárquicas.
Durante esse processo, as reflexões dos diretores devem ser orientadas a
partir dos questionamentos:
• Como me vejo como diretor de escola e formador para mentoria?
• Como acredito que os outros me veem como diretor e formador para
mentoria?
• Como gostaria de ser visto como diretor e formador para mentoria?
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 79

Os diretores mentores podem produzir um mapa mental por meio de


imagens/símbolos/expressões, a partir da seguinte sugestão:

Mapa mental: autoavaliação do diretor


Função: representar por meio de imagens, símbolos e expressões
diferentes percepções sobre ser diretor – como me vejo; como acredito
que os outros me veem e como gostaria de ser visto.

Aqui fica uma dica: adultos aprendem mais intensamente a partir da ex-
periência e da reflexão sobre sua prática, e o aprendizado vem à medida que
saímos da zona de conforto do que já sabemos e dominamos. Na mentoria,
a aprendizagem se dá no cotidiano da escola, no fazer. É comum recorrer
às lembranças do que já se conhece e/ou já se viveu, e por isso, como adul-
to, o acúmulo de experiências significativas permite estabelecer relações e
atribuir valores a novos cenários, conceitos e situações. A partir desse reper-
tório, construído ao longo dos anos, obtemos uma vasta experiência, que
é a matéria-prima para a criação de pontes e memórias que nos ajudam na
transformação de concepções e práticas.
Compartilhar experiências, refletir, buscar outras teorias, debater posi-
cionamentos, reorganizar novas ideias, testar hipóteses, registrar as refle-
xões, observar a melhor forma de aprender são exercícios que estimulam a
revisão de posicionamentos e práticas e oportunizam mudanças no modo
de agir.

• 4º ponto – Plano de Mentoria


O diálogo é um instrumento que possibilita o aprofundamento das ex-
pectativas, autoconhecimento e identificação de aspectos que podem ser
discutidos nos encontros de mentoria. O diretor mentor deve apresentar de
forma clara o Plano de Mentoria, com propostas que devem ser seguidas:
• apresentação da proposta das atividades;
• esclarecimento dos objetivos;
• realização;
• discussão e encaminhamentos;
• acompanhamento e avaliação.
80 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• 5º ponto – Comunicação, escuta ativa e questionamento


Como já foi dito, outro elemento importante de atuação para sensibiliza-
ção e realização da mentoria é a comunicação. Embora a comunicação seja
um elemento transversal que aparece nas mediações presenciais ou on-line,
em feedbacks escritos ou orais etc., faz-se a escolha de dar mais enfoque
nesse pilar devido a sua contribuição na criação de laços de confiança. Para
ocorrer uma boa comunicação entre diretores mentores e mentorados,
busca-se promover uma ação de autoconhecimento.
Uma das estratégias que sugerimos é a realização do teste "Comunica-
ção Assertiva", a fim de identificar o tipo de comunicação predominante,
podendo ser: assertiva, passiva, agressiva e passivo-agressiva.
Especificamente, a comunicação não violenta aborda uma maneira pe-
culiar de se comunicar que parte, inicialmente, de uma escuta atenta sem
prejulgamentos, seguida de uma verbalização diferenciada, capaz de de-
senvolver a compaixão entre as pessoas em situações de conflito para evitar
a violência.2
A percepção das falas e/ou atitudes agressivas seria o passo inicial para
sensibilizar e refletir sobre comunicação, isto é, sobre como ela ocorre e
como pode ser transformada. A comunicação não violenta busca focar as
relações humanizadoras, com empatia, a fim de resolver situações conflituo-
sas, de maneira pacificadora. A tentativa é de excluir relacionamentos hostis
e destrutivos, comportamentos violentos com pontos de vistas de quem
está sempre julgando ou negando sua responsabilidade nos conflitos.
Considerando que as relações são estabelecidas na interação com o ou-
tro, torna-se importante utilizar como prática formas pacíficas de comunica-
ção, potencializando o convívio social (SOUZA, 2007). A essência da mento-
ria passa pela qualidade das conversas, e por isso o diretor mentor deve usar
a comunicação como estratégia para estabelecer uma relação equilibrada.
A forma como se conduz um diálogo pode ser a chave que vai estimular
um diretor mentorado a refletir sobre uma situação importante, identificando
problemas, dilemas e aprendizados. Nesse sentido, o diálogo deve cativar,
de forma a estimulá-lo a refletir sobre suas experiências e buscar soluções
no seu próprio contexto. O diretor mentor deve ter uma escuta ativa, saber

2 Este tópico sobre comunicação e comunicação não violenta é muito importante para a
formação do diretor mentor, e por isso há um material de apoio específico que aborda
a temática com mais aprofundamento teórico e prático.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 81

perguntar e mobilizar o diretor mentorado para realizar suas habilidades


fundamentais. A relação entre diretores mentores e mentorados torna-se
um aprendizado constante, leva tempo, exige abertura, confiança, reflexão e
autoavaliação por parte dos participantes.

• 6º ponto – Registro documental e feedback


Os registros documentais e os feedbacks são técnicas utilizadas, prin-
cipalmente, como fontes de informação no processo de mentoria e como
estratégias de aperfeiçoamento para novos profissionais. A mentoria do
tipo mentoring – que acontece on-line – exigirá do diretor mentor um bom
feedback escrito, encontros a distância, organização de rotina e comunica-
ção. Durante a mentoria o diretor mentor terá que enviar vários feedbacks
personalizados, com aspectos formativos, com intenção de possibilitar
aos mentorados a reflexão sobre suas práticas, para que se qualifiquem
profissionalmente.
Existem diversas formas de feedback: presencial, gravação em vídeo,
videoconferência ou por escrito. Todas as formas são importantes e comple-
xas, mas o feedback escrito, por ser um recurso muito utilizado no ambiente
virtual de aprendizagem, precisa ser bem elaborado – assim como todo o
processo –, uma vez que é o mais intenso por ser muitas vezes associado ao
recriminar, julgar, condenar e não a um processo de reflexão e melhora.
Neste material de apoio, temos algumas sugestões para os diretores
mentores de como elaborar feedback escrito:
• fazer um início positivo – toda ação ou tarefa realizada tem algo que
pode ser elogiado;
• apresentar possibilidades de melhoria – indicar com delicadeza os pon-
tos frágeis que podem ser reelaborados;
• sistematizar ideias – pontuar formas de apresentar a ação ou tarefa;
• propor encaminhamentos – sugerir o que você gostaria que o diretor
mentorado fizesse.
Um feedback deve ser honesto, preciso e relevante, deve trazer em seu
escopo uma análise conjunta das ações ou tarefas dos diretores mentora-
dos, com perspectiva de cultura colaborativa (com propósito de colaborar).
Ao longo da mentoria, a prática de feedback escrito é central para avaliar es-
tratégias e técnicas usadas, dimensionar a aprendizagem e checar a compre-
ensão do diretor mentorado. O aprendizado que vem do feedback escrito
82 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

informa o trabalho futuro – na medida em que traz reflexões sobre a prática


atual – e indica oportunidades futuras. Nesse sentido, o feedback permite:
• compartilhar evidências da prática que foram observadas ou ouvidas,
antes de chegar a conclusões/inferências sobre elas;
• levar o outro a refletir sobre seu posicionamento;
• ter um ponto de partida para conversar sobre os pontos fortes e de atenção,
assim como sobre avanços observados;
• avaliar como é a reação do diretor mentorado ao receber feedback;
• criar corresponsabilidade entre mentor e mentorado;
• possibilitar ações formativas.
Outros fatores determinantes que se destacam com o feedback escrito
são:
• interesse sobre o assunto da mensagem;
• conhecimento sobre o assunto da mensagem;
• desejo de promover interação ou dar opinião sobre determinado assunto;
• necessidade de marcar presença e/ou mostrar participação.
Para que o feedback escrito seja efetivo, válido e relevante, existem al-
guns princípios básicos que devem ser seguidos. Embora sejam princípios
relativamente simples, são de fundamental importância para todas as pesso-
as que almejam sensibilizar por meio de um feedback positivo.
• A qualidade da relação profissional ou pessoal depende da qualidade
do feedback que cada sujeito recebe do outro. Se o feedback for pobre,
a relação será igualmente fraca. Se for crítico ou ofensivo, assim será a
relação. Mas, se for positivo, a relação também será positiva.
• A cordialidade é um tipo fundamental de feedback, portanto, é impor-
tante cumprimentar um colega de profissão e perguntar como foi seu
final de semana. O que alguns podem considerar como algo irrelevante
ou desnecessário é, na verdade, um feedback de grande valor para a
maioria das pessoas.
• O contato "visual" é importante, contudo, em tempos atípicos, adaptar
esse contato (no sentido de escrita do feedback) é essencial, pois é com
ele que demostro consideração pela pessoa a quem me dirijo e por isso
"perco certo tempo" escrevendo um bom feedback.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 83

• Algumas pessoas demandam mais feedback do que outras. Entende-


-se que essas pessoas demandam mais atenção e disponibilidade do
diretor mentor. Com frequência, evita-se dar a elas qualquer espécie de
tratamento diferenciado, pois, quanto mais retorno receberem, mais irão
requerer.
• Sonegar feedback a alguém é uma espécie de castigo psicológico. O
feedback é um "ato de amor" e é fornecido para as pessoas que são
importantes.
Por fim, ainda sugerimos aos diretores mentores e mentorados dez tipos
de registros documentais ou feedbacks escritos3 dentro da categoria infor-
mativo e/ou avaliativo, a partir dos estudos de Cardoso (2018).
Relato de experiência: pode ocorrer quando um diretor mentor ou men-
torado quiser compartilhar alguma experiência profissional, acadêmica ou
pessoal que tenha relação com o tema em discussão.
Dica e/ou Sugestão: pode acontecer em mensagens de feedback escrito,
em que os diretores apontam algumas dicas ou sugestões relacionadas a
diferentes assuntos, como tecnologia, prática pedagógica, atuação como
diretor de escola. As dicas ou sugestões podem ser oferecidas independen-
temente de serem solicitadas ou não.
Esclarecimento: a mensagem de esclarecimento ocorre quando o dire-
tor mentor e/ou mentorado objetiva esclarecer um ponto de vista, que foi
mal interpretado por outro participante do grupo.
Concordância: a mensagem de concordância dá-se quando algum dire-
tor concorda com alguém do grupo sobre uma ideia ou opinião e, geralmen-
te, vem acompanhada de uma justificativa.
Discordância: a mensagem de discordância é usada quando o mentor e/
ou mentorado discorda de alguma ideia apresentada por alguém do grupo
e apresenta sempre uma justificativa.
Questionamento: os questionamentos são perguntas lançadas para o
grupo com o objetivo de estimular os participantes a expressarem suas opi-
niões e de gerar uma discussão.
Solicitação: uma solicitação feita para uma pessoa do grupo, para alguns
colegas ou para todos deve envolver perguntas em relação a uma mensa-
gem ou ideia postada anteriormente.

3 https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-18132018000100383&script=sci_arttext
84 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Informação solicitada: acontece quando o diretor mentor e/ou mentora-


do envia mensagens de feedback com informações solicitadas pelos colegas
do grupo.
Correção: esse tipo sobrevém quando alguém corrige a ideia de um di-
retor, por este ter compreendido de forma equivocada algum conceito ou
por uma citação incorreta de uma teoria ou autor.
Ampliação: a ampliação é a extensão de ideias e/ou mensagens apre-
sentadas por um diretor. Esse propósito sempre ocorre em combinação com
um elogio, após o qual se acrescentam novos pontos importantes, sejam
estes relacionados aos assuntos teóricos ou às opiniões.

3.1.4) Monitoramento e avaliação


Para Reeves (2006) o sucesso de uma ação pedagógica não depende do
projeto ou da proposta em si, mas da profundidade e consistência da sua
implementação. Nesse contexto, o monitoramento e a avaliação são pontos
a serem destacados neste material de apoio.
Aqui se propõe que, após o encerramento de cada etapa ou atividade,
o diretor mentor, ou alguém delegado por ele, deve se encarregar de siste-
matizar as informações coletadas. Para isso, é comum solicitar aos diretores
mentores que organizem as ideias que surgirem durante a mentoria, para
que possam ser incluídas em um documento oficial. Recomenda-se que esse
documento seja, também, apresentado e validado pelos participantes.
Como já foi dito, a cultura colaborativa é vista como crucial para a realiza-
ção do Programa de Mentoria, pois tem propósito de envolvimento, de co-
ordenação contínua e de construir um conhecimento comum (GRAU, 2016).
O trabalho colaborativo é uma metodologia fundamental, também, para
as abordagens teóricas e práticas que tratam da formação de professores,
tendo como essência que estes "estudem, partilhem experiências, analisem
e pesquisem juntos sobre as suas práticas pedagógicas, num contexto ins-
titucional e social específico" (VAILLANT, 2016, p. 11, tradução nossa). Fa-
zer o monitoramento e avaliar como a metodologia da cultura colaborativa
aconteceu no decorrer da mentoria é algo a ser feito não somente no final
do Programa, mas o tempo todo. Existem algumas dicas significativas para
monitorar aquilo que nos propomos fazer:
• garantir uma execução do Programa de maneira rigorosa e sistemática;
• avaliar a qualidade das elaborações de soluções e estratégias;
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 85

• acompanhar o ritmo e a velocidade das mudanças, já que às vezes é


preciso acelerar o processo, mas outras vezes é preciso caminhar lenta-
mente e refletir sobre ajustes.
Nesse sentido, antes mesmo de iniciar o Programa de Mentoria, deve-
mos nos questionar sobre decisões importantes, por exemplo:

Como podemos implantar um projeto, uma atividade ou uma iniciativa


que possa contribuir para a melhoria da escola e, principalmente, para os
processos pedagógicos?

Que estratégias podem ser utilizadas para garantir a realização do Pro-


grama de Mentoria?

Para identificar e enfrentar as resistências e obstáculos que surgem, pro-


pomos as seguintes ações:
• refletir sobre prioridades e manter sempre o foco;
• detectar as necessidades de formação e apoio;
• avaliar até que ponto as novas decisões e ações podem fortalecer ou
mudar a escola.
Quanto mais pessoas estiverem envolvidas no monitoramento e acom-
panhamento do processo, maior será a motivação, o alinhamento e a apro-
priação das ações necessárias. O diretor mentor e o diretor mentorado de-
vem, também, reunir-se com uma equipe representativa da escola e realizar
reuniões constantes de avaliação do processo. Dessa forma, geram-se mais
participação, comunicação e compromisso de todos.

3ª etapa: Avaliação

Avaliação do Programa de Mentoria


A perspectiva da metodologia – cultura colaborativa – requer que o Pro-
grama de Mentoria seja realizado com participação de todos, e, por isso, na
hora de avaliar os resultados, esse aspecto não pode ser diferente. Conforme
Armengol et al. (2002), conceber a escola como uma "colmeia", formada por
sujeitos e conteúdos separados, não faz sentido. Entretanto, a consciência
86 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

de que a colaboração é importante não garante a realização efetiva desse


estilo de trabalho. Os líderes são obrigados a garantir a aprendizagem da
colaboração entre os demais profissionais, com reflexão sobre suas capaci-
dades práticas e melhorias contínuas na sua concretização.
Os benefícios do Programa de Mentoria podem ser examinados em dois
quadros de pensamento: (1) benefícios para as escolas e (2) benefícios pes-
soais e profissionais para os diretores de escolas. Toda avaliação ou todas as
informações de como ocorrem os processos de planejamentos, desenvolvi-
mentos dos objetivos e ações em um Programa de Mentoria devem levar em
conta o momento, isto é, o tempo em que serão avaliados.
Durante o processo da mentoria devemos nos perguntar: qual seria o
melhor momento ou tempo de avaliar esse processo? Essa dimensão tem-
poral é importante, pois não avaliamos apenas resultados, mas o processo
todo durante o Programa de Mentoria, e por isso devem se levar em conta os
acontecimentos na própria relação com a mentoria (mentores e mentorados)
e na escola que estiver sendo trabalhada.
Existem alguns momentos-chaves que precisam ser observados com
atenção:
- durante o processo – reajustar e adaptar a proposta da sua SE com
temas como recursos, estratégias de comunicação, tempo estipulado para a
mentoria de diretores, metodologia etc.
- ao final do processo – identificar o impacto que o Programa de Mento-
ria propiciou para os diretores de escola e suas instituições. Acredita-se que
a melhor avaliação ao final do Programa de Mentoria seja a avaliação 360
graus, em que todos se avaliam mutuamente.
A pergunta que precisamos fazer para avaliar o processo e os resulta-
dos é: por que vale a pena ter um Programa de Mentoria? Nesse contexto,
sugerem-se para esta avaliação três perspectivas diferentes: da equipe da
SE; dos mentores e mentorados; e da escola que foi assessorada.

1. A primeira dimensão avaliativa está relacionada à equipe da SE

• Fase I: fase de sensibilização e informação do Programa


É importante avaliar, logo depois do início da implantação do Programa,
em que medida a SE fez um bom trabalho quanto à sua sensibilização. Como
já foi dito, é importante que a SE faça um levantamento de como se encontra
o sistema de ensino do seu estado ou município e se a mentoria seria bem
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 87

aceita pelos diretores de escola. Essa avaliação torna-se crucial para dar con-
tinuidade e condições às ações do Programa.

• Fase II: fase de apoio às evidências


É fundamental avaliar em que medida a SE apoiou devidamente os
mentores e mentorados quanto às suas escolhas (seleção dos diretores) e aos
recursos necessários (formação continuada para os diretores e cronograma
de ações) para que o programa tenha efetivação com sucesso, garantindo
a autonomia e viabilidade do processo de quem tem proximidade com
cada contexto, seja este estadual, regional ou por demandas locais de cada
escola.

• Fase III: fase de síntese, elaboração e divulgação de seus resultados


No final do período estipulado para o Programa de Mentoria, faz-se ne-
cessário verificar como ocorreu sua elaboração, execução e finalização. Para
tanto, a SE deve fazer uma autoavaliação com objetivo de melhorar suas
ações para uma próxima etapa.
A melhoria na qualidade do ensino e da aprendizagem são marcas que
registram como um Programa foi eficaz na sua preparação e execução, mas
podemos avaliar também ou identificar áreas que devem ser aprimoradas
com elaboração de:
• um plano para medir o processo do Programa com precisão;
• um processo para medir se os resultados esperados ocorreram; e
• reflexão sobre os resultados dessa avaliação e divulgação, se necessário.

2. A segunda dimensão avaliativa está relacionada aos diretores


mentores e mentorados
Para realizar uma avaliação de mentores e mentorados, utilizam-se duas
perspectivas:
• elencar a troca de correspondências e a condução de experiências de
ensino e aprendizagem pelos mentores e mentorados, com um caso ou
situação-problema superado pela escola.
• observar o interesse em continuar a manter contato com o diretor men-
tor de forma mais independente.
88 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Durante a participação no Programa de Mentoria, situações estrutura-


das, planejadas conjuntamente por mentores e mentorados serão desen-
volvidas, e essas experiências fazem parte da aprendizagem e dos saberes
desses gestores. Com um olhar mais detalhado – pois possibilita perceber
os ciclos vitais do processo de mentoria desenvolvido –, os mentores devem
ser avaliados durante o processo de mentoria quanto às fases descritas a
seguir.

• Fase I: fase de sensibilização e informação do Programa


É imprescindível que os mentores sejam sensíveis no início da mentoria
e preservem uma relação confiável com seus mentorados. Logo no primeiro
mês de mentoria, deve-se avaliar como está a comunicação entre mentores
e mentorados. Caso haja algum problema, ainda dá tempo de corrigi-lo.

• Fase II: fase de apoio às evidências


Os mentores devem ter em seu domínio todas as gravações e feedbacks
escritos de assuntos tratados com seus mentorados e com a escola parti-
cipante. A verificação mensal sobre o que está ocorrendo é fundamental
para a continuidade do Programa. O fato de o Programa ser conduzido on-
-line exige uma nova ordem espaçotemporal para a realização das ativida-
des formativas, tanto para os mentores como para os mentorados. O uso
da internet tem possivelmente favorecido os processos de aprendizagem
profissional, uma vez que não há um local e período predeterminados para
ocorrerem.
As interações estabelecidas devem permitir que ocorra o diálogo franco,
aberto, com expressão de franqueza, dificuldades, dilemas, dúvidas, o que
possivelmente não ocorreria num contexto de formação continuada.
A mentoria deve oportunizar uma análise crítica de atuação, desenvolver
e implementar intervenções e avaliá-las. A busca é pela construção de novos
conhecimentos individuais e coletivos (GALLUCCI, 2003).

• Fase III: fase de síntese, elaboração e divulgação de seus resultados


No final do Programa de Mentoria é importante averiguar se os mentores
perceberam melhoras em suas habilidades, conhecimentos e saberes sobre
a cultura colaborativa; maior confiança para executar ações desafiadoras e
inovadoras; melhoria da qualidade do Projeto Pedagógico; outras práticas
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 89

de gestão da escola, com planos de ação para a resolução de problemas


escolares e sua implementação; maior satisfação no trabalho etc.

Alguns desafios
Um dos desafios será a sistematização das conversas mantidas via corres-
pondência entre mentores e mentorados e das reuniões semanais envolven-
do mentores e pesquisadores. Outro desafio será identificar e determinar a
qualidade dos processos reflexivos relacionados à melhoria das práticas de
mentores e mentorados.

3. A terceira dimensão avaliativa está relacionada à instituição escolar

• Fase I: fase de sensibilização e informação do Programa


A SE e os mentores devem averiguar se as escolas dos mentorados
foram sensibilizadas e bem informadas sobre o Programa de Mentoria e a
importância da participação de todos. É importante fazer isso logo de início.

• Fase II: fase de apoio às evidências


As escolas participantes, em conjunto com seus diretores de escola
(mentorados), devem realizar uma autoavaliação durante o processo, princi-
palmente quando o mentor estiver identificando os seus maiores problemas
e desafios.

• Fase III: fase de síntese, elaboração e divulgação de seus resultados


Para uma avaliação mais quantitativa seria interessante termos dados
sobre a escola e seu ensino e aprendizado antes de começar o Programa de
Mentoria (ponto zero). Essa percepção de como a escola estava e como ficou
ao final, levando em consideração todo o processo da caminhada, permite-
-nos avaliar os impactos do Programa. Um aspecto importante é saber se
os mentores e mentorados aprenderam mais sobre os índices de avaliação
em larga escala, assim como se houve ou não, por parte dos educadores,
planejamento e ações baseadas nesses dados.
Nesse sentido, seria fundamental relatar e/ou registrar os espaços insti-
tucionalizados de boas práticas entre diretores e armazenar esse registro em
um banco de dados.
É bom lembrar que a cultura colaborativa precisa ser praticada e
exercitada como hábito em todos os espaços escolares. Não basta saber
90 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

o que é. É preciso praticar, contornando os desafios de organizar dias


e horários para o trabalho pedagógico com todos, em grupos. A cultura
colaborativa deve incentivar a reflexão sobre as práticas pedagógicas, esti-
mulando o intercâmbio e o desenvolvimento profissional. Faz-se necessário
ter conhecimentos sobre a cultura colaborativa da escola e a partir deles se
atentar aos saberes sobre os valores da escola, primar pelo desenvolvimento
de soluções de problemas com independência, reconhecendo e validando
a comunidade escolar.
No caso, para avaliar a perspectiva da cultura colaborativa, é relevante
que os diretores mentores e mentorados tenham experiências com essa
forma metodológica e compreendam como a colaboração ocorreu durante
a mentoria, principalmente no tocante aos aspectos mais importantes que
resultaram em ações entre diretor mentor e mentorado e às mudanças que
aconteceram em suas instituições escolares.

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2

Saberes dos diretores e a cultura


colaborativa
Flávio Caetano da Silva

Ementa: Compreensão e produção de sentidos na relação entre informa-


ções, saberes e conhecimentos. Problematização dos saberes dos diretores
sobre participação e gestão democrática. Saberes sobre os colegiados da
escola: Conselho Escolar, Conselho de Classe e Grêmio Estudantil. Proble-
matização de práticas escolares democráticas e a cultura colaborativa.

Objetivos:
• Compreender os saberes dos diretores quanto à participação e gestão
democrática;
• Compreender como ocorrem as relações nos ambientes escolares na
perspectiva de saberes dos diretores;
• Problematizar os saberes sobre as práticas democráticas e a cultura
colaborativa.

Como se aprende a colaborar na escola segundo a visão de diretores


e diretoras
Qual o sentido que as pessoas que vivem e trabalham na escola pública
atribuem ao aprender a colaborar e ao saber dele decorrente? Como apren-
dem aquilo que dizem saber? São questões que nos permitirão refletir sobre
a cultura colaborativa na visão de gestores escolares.
Vivemos em um tempo de grandes e rápidas mudanças que mal con-
seguimos sequer enumerar. Quanto a compreendê-las... bom, aí já é outro
negócio! Mal temos tempo de digerir uma mudança que outra já se apresen-
ta à nossa frente, sem perguntar se estamos preparados para essa correria
que a vida atual nos impõe. "Não tenho tempo!" parece ser a frase que mais
se fala hoje em dia. Corremos atrás de informações, de novidades, de notí-
cias de todo o tipo. Neste momento em que escrevemos, estamos, todos, à
100 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

espera de uma vacina para a prevenção da Covid-19, que tem se alastrado


pelo mundo e feito milhões de contaminados e de mortos. Tempos em que
nossas vidas estão em compasso de correria e de espera. Da correria do
cotidiano, de máscaras, com álcool gel para passar nas mãos, pois, depois
de tanto tempo de confinamento, estamos saindo com mais frequência, o
que ainda é imprudente, mas as contingências da vida empurram muitos de
volta ao trabalho e à vida mais ou menos parecida com aquela que tínhamos
antes de tudo isso começar. Por outro lado, estamos em compasso de espe-
ra pela vacina. A escola? Ainda está fechada, pois quem tentou abrir na base
do "não dá mais para ficar assim" não pôde conter as consequências e teve
que fechar novamente.
No entanto, o trabalho remoto que atingiu a todos, praticamente, tem
gerado uma multiplicação de horas de trabalho e um sem-número de tare-
fas, todas urgentes. Em todo o caso, estamos vivos e precisamos continuar!
É o que vamos fazer aqui. Trabalhar com a perspectiva de como podemos
compreender a vida de diretores e diretoras de escola, por esse Brasil afora,
suas percepções sobre temas relacionados com a gestão escolar, dificulda-
des do enfrentamento de situações cotidianas, vividas antes do fechamento
das escolas e que poderão vir depois.
Quando iniciamos os trabalhos no âmbito do Programa de Mentoria,
em parceria entre a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)/Depar-
tamento de Educação e a Secretaria de Educação Básica do Ministério da
Educação (SEB/MEC), para que pudéssemos estabelecer um trabalho desti-
nado a compreender as demandas da gestão escolar e as possibilidades de
atendimento delas com vistas à melhoria da qualidade da oferta educacional
pública, tínhamos uma questão mobilizadora: o que sabem e como vivem os
gestores escolares? A fim de buscar informações que nos ajudassem a res-
pondê-la, utilizamos das respostas a duas perguntas que foram enviadas aos
diretores dos 26 estados do Brasil e do Distrito Federal, somando mais de 3
mil respostas, as quais agrupamos em temas e extraímos diversos exemplos
para dialogar com todos os que se dispuserem a ler o texto que se segue.
Este texto está organizado em uma pequena introdução teórica, ba-
seada nos estudos e pesquisas do professor Bernard Charlot (2000). Nela
situamos como compreender aspectos relacionados à perspectiva da Re-
lação com o Saber (RcS)1 frente aos saberes escolares e com o aprender,
por considerar que essa teoria pode nos ajudar a entender melhor o que se

1 Utilizarei no texto todo a Teoria da Relação com o Saber a partir dessa sigla – RcS.
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 101

passa nas escolas públicas da Educação Básica, com os professores, alunos


e servidores de um modo geral. Pretendemos que esta oficina e o Programa
de Mentoria possibilitem a compreensão de alguns dos grandes dilemas
que enfrenta a educação pública e oficial e de como buscar formas de me-
lhorar sua qualidade.
O texto que se segue está dividido em duas partes. A primeira trata de
aspectos teóricos decorrentes da teoria da RcS, proposta pelos professores
e pesquisadores Bernard Charlot, Jean-Yves Rochex e Élisabeth Baltier e a
equipe de pesquisas Escol, da Universidade Paris VIII, França, no início da
década de 1990. A Escol pôs-se a estudar questões ligadas ao fracasso esco-
lar, naquele momento em escolas públicas, e desembarcou na necessidade
de compreender como jovens e crianças aprendem o que sabem e por que
apresentam dificuldades em aprender o que a escola ensina. O professor
Charlot permanece desenvolvendo o tema até hoje, tendo publicado neste
ano de 2020 o livro Educação ou Barbárie? Uma escolha para a sociedade
contemporânea, editado no Brasil pela editora Cortez, em que retoma a te-
oria da RcS, aprofundando uma análise antropológica da Educação.
A segunda parte deste texto trata dos saberes dos diretores e da cultura
colaborativa a partir das respostas coletadas na enquete que o Programa
de Mentoria promoveu a partir de abril de 2020, e está dividida, levando
em conta aspectos teóricos da RcS, em: Constelações (temas surgidos nas
respostas), Figuras do aprender (saberes contidos nas respostas) e uma pe-
quena síntese que denominamos Como aprendem o que dizem saber. Ao
todo são apresentadas cinco constelações, e, em cada uma delas, esses três
itens são ofertados ao leitor.
Esperamos que a leitura do texto possa proporcionar mais dúvidas do
que respostas, para que possam buscar aprender ainda mais. Isso porque
consideramos que são as dúvidas que nos mobilizam para pensar e realizar
atividades na busca de estabelecermos sentidos, três conceitos que são cen-
trais na perspectiva teórica da RcS (VIANA, 2003).
102 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

1ª parte

Compreensão e produção de sentidos na relação entre informações,


saberes e conhecimentos
No mundo de hoje, com a velocidade das informações e o volume de-
las que chega a nós, uma confusão tem se firmado como a nova verdade
do momento. Trata-se de considerar que vivemos em uma época em que
expressões como sociedade da informação e sociedade do conhecimento,
estando a primeira presente nos escritos de Daniel Bell de 1973 (BELL apud
NEHMY; PAIM, 2002), têm gerado um efeito parecido com o que chama-
mos atualmente de fake news – expressão popularizada para notícias falsas,
sobretudo a partir da eleição norte-americana de 2016, em que diversas
críticas recaíram sobre a campanha do presidente eleito naquele ano – uma
vez que a enorme quantidade e velocidade na circulação de informações
sugerem que informação e conhecimento são tratados como se fossem a
mesma coisa.
O professor Charlot (2000, p. 61), citando Monteil (1985) e Schlanger
(1978), estabeleceu diferenças significativas entre informação, saber e co-
nhecimento. "O conhecimento é o resultado de uma experiência pessoal,
ligada à atividade de um sujeito provido de qualidades afetivo-cognitivas;
como tal é intransmissível, está sob a primazia da subjetividade". Portanto, a
informação e o saber estão no campo da objetividade, quer dizer, no mun-
do, fora do sujeito, e podem ser armazenados em um drive de computador
ou em um banco de dados e podem, por conseguinte, ser transmitidos,
impressos em um jornal, um livro ou em um artigo científico. O saber, no
entanto, difere da informação, porque indica uma apropriação pelo sujeito e,
portanto, aproxima-se da noção de conhecimento. O próprio Charlot (2000,
p. 63) afirma que "Não há sujeito de saber e não saber senão em uma certa
relação com o mundo, que vem a ser, ao mesmo tempo e por isso mesmo,
uma relação com o saber". O que difere a informação do saber é, portanto,
a produção de sentido que o sujeito estabelece sobre a informação. Esta lhe
chega do mundo que o cerca e que lhe permite, ou não, produzir sentido ou
sentidos sobre ela. Nesse sentido, diz o autor, o sujeito produz saber. O que
o leva a concluir que nós não temos relação com o saber, mas nós somos a
própria relação com o saber, como afirma o próprio autor.
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 103

Assim, pensamos que a circulação de informação, sobretudo pelas re-


des sociais e, mais amplamente, pela internet, numa realidade líquida, como
foi sugerido pelo sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman em seu livro A mo-
dernidade líquida (2001), tem gerado uma confusão entre os três termos,
informação, saber e conhecimento, pelo fato de que, nos parece, a rapidez
e o volume das informações têm sido vistos como critérios suficientes para
garantir que é tudo a mesma coisa, apenas com diferenças insignificantes,
com o que não concordamos, por ser uma simplificação que, na escola e na
cabeça de muitos alunos e professores, tem gerado algumas confusões, as
quais podemos resumir na ideia de que quanto mais informação melhor.
Em recente entrevista que realizamos com o professor Bernard Charlot,2
ele afirma que "o que é importante" parece não ser uma pergunta com mui-
to valor no momento. Mas foi justamente nessa questão que Charlot insistiu
durante a entrevista, pois é a partir daí que podemos estabelecer sentido
sobre a informação. A ideia de que ter informações basta parece ser o centro
ou a ideia-força da atualidade e, em termos do trabalho pedagógico reali-
zado no interior da escola, produz um equívoco relacionado à ideia de que
o professor de hoje, como o de antes, deve levar informações a seus alu-
nos. Mas o professor Charlot adverte que "o professor-da-informação está
morto!", no sentido de dizer que nenhum professor pode mais se arriscar
a transmitir informações, pois elas estão disponíveis on-line para a maioria
dos alunos, com facilidade, bastando ter um celular à mão e acesso à inter-
net, e numa velocidade com a qual nenhum professor pode concorrer. Isso
é o mesmo que dizer que o professor que julgar que está ensinando no
formato antigo de transmitir informações corre o risco de ser ridicularizado
pelos alunos, pois eles podem encontrar mil outras informações sobre o
tema, diferentes daquelas que o professor anuncia na sala de aula e, cer-
tamente, mais atualizadas. Charlot indica que o que importa agora é atuar
como o professor-do-saber, ou seja, aquele que questiona qual é o sentido
que pode ser atribuído às informações que estão disponíveis. Aí o professor
poderá fazer alguma diferença na formação e na vida de seus alunos.
Na segunda parte, apresentaremos as constelações dos temas que en-
contramos nas respostas obtidas na enquete que fizemos, ou, dito de outra

2 Realizada em 27 de outubro de 2020 pela plataforma Zoom, no âmbito das atividades


do curso "Escola Pública: Relações com o saber que afetam projetos de vida e de traba-
lho" que coordeno, no momento da escrita deste texto (novembro de 2020) junto à rede
municipal de ensino de Hortolândia.
104 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

forma, como organizamos os dados que diretores e diretoras nos oferece-


ram. Cada constelação identifica os temas que consideramos importantes
para compreender os sentidos produzidos pelos participantes da enquete a
partir do que vivem no cotidiano escolar em relação ao que podemos cha-
mar aqui de cultura colaborativa.
Apresentamos também nessa parte do texto as Figuras do aprender, ou
como cada resposta se vincula aos temas, indicando quais os saberes que
circulam. Com essas figuras pretendemos estabelecer diálogos sobre os sa-
beres que percorrem o interior das escolas ali representadas. Não buscamos
generalizações, mas pistas para que cada um que venha a ler este texto pos-
sa encontrar referências sobre experiências vividas nas escolas públicas em
que atuam e os saberes que produzem, considerando que possam ajudar
no enfrentamento de seus próprios desafios, problemas, barreiras, dificul-
dades. Acreditamos que assim se possa contribuir com o debate de todos
aqueles que trabalham na escola e que, ao acessarem este material, eles e
elas possam se inspirar e produzir novos saberes, no entorno da questão da
qualidade da oferta da educação e do trabalho da gestão.
Esclarecemos ainda que nos utilizamos das respostas de duas perguntas
que foram enviadas no momento da realização da enquete, durante a pan-
demia que estamos vivenciando no momento. São elas:
1. O que você, como diretor de escola, indica ser um problema que merece
a atenção de todos nós que nos interessamos pela melhoria da qualida-
de da escola que temos?
2. Qual o problema (e seu contexto) que você enfrentou, considerando que
era importante para a maioria das pessoas que trabalham na escola, e
conseguiu dar uma boa resposta ou ação para que fosse resolvido, aten-
dendo às expectativas da maioria?

2ª parte
Começamos aqui a apresentação das constelações (temas) e das figuras
do aprender (saberes e formas do aprender do ponto de vista epistêmico
– os fundamentos dos conhecimentos envolvidos) que apareceram nas res-
postas obtidas na enquete que foi realizada pela coordenação do Programa
de Mentoria na UFSCar. Apresentamos sempre a constelação primeiro e
em seguida a lista dos saberes que compõem as figuras do aprender para
estabelecer diálogos com ambas. Ao final da apresentação de extratos das
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 105

respostas dos diretores e diretoras, há um item intitulado Como aprendem


o que dizem saber, propondo uma espécie de síntese da constelação. As
respostas dos diretores e diretoras estão recuadas no parágrafo para facilitar
sua visualização. Não identificamos os autores, tampouco as escolas em que
trabalham, por razões éticas. O que interessa aqui é dialogar com o que eles
dizem saber e indagar como aprendem o que sabem.
O texto a seguir é uma leitura das respostas de diretores e diretoras, e
sua estrutura dividida em constelações, figuras do aprender e como apren-
dem o que dizem saber serve também para organizar o trabalho a ser reali-
zado na mentoria, entre diretores mentores e diretores mentorados. Assim,
propomos que os diretores mentores dialoguem com seus mentorados, pro-
curando levantar os temas gerais que mais os afetam no seu cotidiano, para
daí extrair as figuras do aprender, ou os saberes-objeto (saber virtual, ou
apenas saber), o domínio de atividades, tais como realizar o planejamento
pedagógico, mediar conflitos, ou outros, e as formas de ser diretor e de se
relacionar com todos na escola. Nessas três dimensões ou formas do saber,
o diretor-mentor poderá encontrar os sentidos atribuídos pelos seus mento-
rados sobre os processos que vivenciam no dia a dia da escola. Para finalizar,
captar esses processos permitirá compreender como produzem saberes em
suas vidas de profissionais da educação.

Constelação (1) – Participação e gestão democrática


Figuras do aprender – relação da escola com a comunidade escolar;
onde todos tenham voz; a família se posiciona fora do contexto escolar; en-
volvimento de todos da equipe escolar; corresponsabilidade de todos os
atores; ações com foco na melhoria dos resultados; nosso enfrentamento
diário é ter uma comunidade participativa; dialogar mais com nossa comuni-
dade; participação da comunidade nos projetos implementados pela escola;
precisa estar alinhada à realidade da comunidade; o maior problema era
fazer as famílias participarem das ações escolares; relações interpessoais;
ouvir mais a comunidade e ser acessível; melhoria na relação da comunida-
de com a escola em aspectos de comunicação, valorização e participação;
comunidade escolar se sinta parte; engajada nas ações; aproximar todos
da gestão escolar; medidas tomadas por nossa gestão democrática e par-
ticipativa; PPP, até mesmo para a elaboração deste; realizar atividades que
106 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

trouxessem os pais para o interior da escola, para homenageá-los ou para


partilhar o sucesso dos trabalhos dos filhos; atuando como parceiros.
O que os diretores e diretoras de escola dizem saber sobre a gestão
democrática? Este será nosso foco neste texto.
Na enquete citada foram coletadas milhares de respostas sobre ques-
tões relativas à gestão escolar. O que apresentamos a seguir é um balanço
do que encontramos nessas respostas. É um balanço do saber (CHARLOT,
2009) ou ao menos um balanço do que os diretores dizem saber sobre a es-
cola. As respostas foram enviadas por diretores de escola pública, municipal
ou estadual de todos os estados do Brasil.
A participação da comunidade – entendida como pais e familiares dos
alunos – na escola destacou-se como critério de gestão, que proponho
considerar como um saber, um dizer sobre a gestão democrática. Esse pa-
râmetro, esse critério, segundo diversas respostas de diretores escolares,
tende a enfrentar, ou evitar, segundo algumas respostas, problemas como
evasão, distorção faixa etária/série – conceito utilizado também por diversos
gestores escolares –, reprovações e questões financeiras da unidade escolar.
Segundo as respostas, ter voz é um saber no âmbito da gestão demo-
crática, o que nos leva a pensar que, para aprender a dar voz, o diretor ou
diretora da escola precisa estar disposto a realizar consultas aos pais e fami-
liares dos alunos, seja em reuniões do tipo HTPC, em conversas diretas com
eles em oportunidades em que vêm à escola para tratar qualquer assunto
relacionado aos seus filhos, seja em assembleias ou outras formas inventadas
no interior da escola. Apresentamos algumas respostas a seguir:

Nesses sentidos direcionamos nossa gestão de forma democrática, em


que todos tenham voz para melhorar a qualidade do ensino (Diretor –
rede estadual – 6 a 10 anos de função – Acre).
A família se posiciona fora do contexto escolar, o que provoca dificul-
dade na realização de uma gestão democrática efetiva, como também
a efetividade de aprendizagem dos alunos e alunas. Contornamos esta
situação, favorecendo o atendimento aos pais e responsáveis por agen-
damento, respeitando a demanda da escola e a disponibilidade dos
pais, além dos compromissos coletivos previstos no calendário escolar
e organização administrativa da escola (Diretor – rede estadual – 6 a 10
anos de função/cargo – São Paulo).
Nosso trabalho é pautado no envolvimento de todos da equipe escolar,
partindo sempre dos princípios da gestão democrática participativa.
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 107

Nosso maior ganho é fazer o outro se sentir bem (Diretor – rede estadual
– 11 a 15 anos de função/cargo – São Paulo).
Na construção da gestão democrática e participativa, houve muitos
avanços na conscientização da importância da corresponsabilidade de
todos os atores (corpo docente, funcionários e alunos), com o desen-
volvimento de ações com foco na melhoria dos resultados no processo
ensino-aprendizagem (Diretor – rede estadual – 16 a 20 anos de função/
cargo – São Paulo).
Nosso enfrentamento diário é ter uma comunidade participativa no âm-
bito escolar para evitarmos problemas como evasão, faixa etária, série,
reprovações e valorização financeira (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos
de função/cargo – Acre).

Dar voz e ter voz deve servir para que todos possam falar e se posicionar
sobre um problema que tortura o diretor escolar engajado com sua escola
e com a educação: a evasão escolar. Claro que, antes mesmo de chegar
à evasão, sabemos que outros problemas já se apresentaram. São eles: a
diferença entre a faixa etária esperada para cada ano escolar, reprovações
e outros. Podemos dizer que só pode dar voz quem tem voz, e quem tem
voz é porque tem o que dizer, porque o que pensa vale a pena dizer. Mas a
questão que não quer calar é: dizer a quem? Dizer para quê? Se ficar só no
ouvir, se não passar pela mente, se não perturbar o sono, perde-se o tempo
em dizer.

Sou gestor há um ano apenas, mas julgo que a questão da comunicação


entre a gestão e os alunos e ainda da gestão com as famílias estava um
pouco esquecida, e conseguimos, agora, dialogar mais com nossa co-
munidade (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função/cargo – Bahia).
Participação da comunidade nos projetos implementados pela escola
(Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Bahia).

Para além do dar voz, há que se estabelecerem as condições melhores


para um bom diálogo com os pais e familiares dos alunos. Esse é um princí-
pio que rege a gestão democrática. Porém, não nos deixemos enganar: não
basta decretar que consideramos o diálogo aberto entre a gestão escolar e
toda a comunidade. Afinal, nem sempre o que se diz, e onde se diz, é rece-
bido por um público ávido por ouvir o que temos a dizer. Não é uma coletiva
de imprensa e não se é alguma estrela de cinema ou televisão que muitos
108 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

estão prontos para anotar e ansiosos por ouvir o que temos a dizer. Ser dire-
tor da escola está mais para caniço que se agita no deserto do que qualquer
outra coisa. Às vezes, não se é ouvido sequer pelos que trabalham na mesma
escola todos os dias, dividindo o cafezinho na sala dos professores. Esse dar
a voz é uma arte. Arte da sedução. Atrair o outro, dar sinais de que o que se
vai dizer lhe interessa, faz sentido. Aí se tem alguma chance.

A gestão acima de tudo precisa ser participativa. A análise dos dados a


alcançar precisa estar alinhada à realidade da comunidade escolar onde
estamos inseridos (Diretor – rede municipal – 3 a 5 anos de função/cargo
– Distrito Federal).
O maior problema era fazer as famílias participarem das ações escolares
(Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de função/cargo – Ceará).

Escrevemos que é preciso ouvir e que do ouvido é preciso deixar passar


pela mente. Contaminar o pensamento. Senão o diálogo se torna impossível.
Mobilizar o nosso ouvido é colocá-lo à disposição do outro na escola – dos
pais, dos familiares, do próprio aluno, dos professores, do coordenador pe-
dagógico, do pessoal da cozinha, da inspetoria, do pessoal da faxina, das
estagiárias, do jardineiro – e, para que se tenha efetividade no falar e ouvir,
é preciso que as palavras se tornem atos, práticas de vida dentro da escola.

Mas acho que as relações interpessoais também tiveram grandes mudan-


ças, a gestão da escola passou a ouvir mais a comunidade e ser acessível
a todos que adentram a escola, podendo assim entender melhor as ne-
cessidades de cada um (Diretor – rede municipal 1 a 2 anos de função/
cargo – Espírito Santo).
Problemas disciplinares por parte de alunos do Ensino Fundamental.
Problemas na relação professor/aluno no cotidiano da escola. Melhoria
nas metodologias aplicadas em sala de aula. Melhoria na relação da
comunidade com a escola em aspectos de comunicação, valorização e
participação. Gestão financeira: fazer mais com pouco! Gestão de pes-
soas: assumir a gestão da escola com dois anos de casa. Gestão Escolar:
falta de experiência na gestão pública. A experiência em gestão de qua-
lidade em empresas privadas e a vontade de transformar a minha escola
em uma escola de destaque me ajudou a enfrentar esses três desafios,
e atualmente nossa escola tem grande aprovação de alunos para as uni-
versidades e tem lista de espera por vagas de estudantes moradores de
um município vizinho (mais de 20% dos alunos são de fora do município)
(Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Minas Gerais).
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 109

Das respostas acima, sugerimos que passemos a pensar sobre dois pon-
tos que nos parecem essenciais na relação escola-comunidade. O primeiro
refere-se ao interesse da gestão por saber o que pensam os pais e familiares
dos alunos. O segundo refere-se a um saber-do-diretor de que essa relação
é normalmente ruim. Daí precisa melhorar. Vamos pensar um pouco. Pode-
mos partir de uma pequena inversão e dizer que a relação da escola com os
familiares dos alunos é ruim por falta de interesse da escola e, eventualmen-
te, de sua gestão, em particular. Alguns, no entanto, já se apressariam em
esbravejar o contrário, com base em um jargão escolar, um lugar-comum que
assim se enuncia: "os pais não têm interesse pela escola e pela vida escolar
de seus filhos". Ou ainda "a escola é um depósito de crianças ou jovens. É
para eles não darem trabalho em casa que levam seus filhos à escola". No
entanto, que os jovens desejam ir à escola nos parece ser um ponto bem
interessante. Vamos pedir ajuda na reflexão. O professor Charlot (2009) afir-
ma que os jovens e as crianças gostam de ir à escola. Lá se encontram com
amigos, fazem brincadeiras, fazem besteiras juntos, se identificam dentro de
um grupo da mesma faixa etária, fazem também alguns inimigos, cultivam
alguns desafetos. Vão à escola para paquerar, para namorar, para ficar, mas,
nos diz o autor, não vão para estudar e afirmam, em geral, que não gostam
de estudar.
Alguns até se habilitam a dizer: aí está o problema da juventude e das
crianças de hoje em dia, eles não chegam à escola querendo estudar. Aque-
les que assim pensam têm certa razão. A questão, nos diz o educador fran-
cês, é que esse não é problema do aluno, mas da escola. Dos professores.
Da coordenadora pedagógica. É a escola quem tem de atrair os alunos para
aprender aquilo que se considera importante do ponto de vista dos adultos,
professores e outros. Para o autor, aprender a gostar de estudar é desenvol-
ver uma atividade intelectual. É mobilizar-se intelectualmente. Coisa com a
qual as crianças e jovens não estão acostumados ou mesmo interessados,
em geral.
Em publicação recente (CHARLOT, 2020), o autor adverte-nos sobre o
embate entre a pedagogia tradicional, baseada na norma, na disciplinari-
zação do aluno, daquela escola que chegou até os dias de nossa infância
– e que ainda persiste na cabeça de alguns educadores –, e a pedagogia
nova, baseada no desejo. A escola seria baseada no desejo do aluno em
particular, mas também do professor e de outros adultos que lá trabalham.
Não podemos deixar de antecipar que a disputa entre as duas concepções
110 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

pedagógicas tem problemas e está, hoje em dia, em crise, pois as duas con-
cepções não respondem mais aos problemas que estão presentes na escola
atualmente.
Outro aspecto do saber sobre a gestão democrática na relação escola-
-comunidade foi destacado como um sentimento, um reconhecimento ou
uma ação de familiares no sentido de pertencimento à escola. Assim, ser
parte, fazer parte e tomar parte, embora se refiram ao mesmo objetivo – a
parte –, são formas de percepção diferentes. A primeira refere-se a um saber
específico: o nome está na lista; se é membro; se é considerado alguém
que está dentro. Trata-se mais de um saber ligado a um sentimento de
identificação com o coletivo da escola. Ser reconhecido. A segunda forma
passa do sentimento à ação – o verbo fazer o indica. Para além de ser parte,
entende-se que é preciso fazer algo. Talvez possa significar fazer algo junto
ao coletivo da escola. Pode ser comparecer a reuniões ou outras atividades,
sabendo qual parte lhe cabe em cada evento. Por último, a terceira forma é
mais incisiva: tomar parte. O verbo tomar já indica que é uma ação, mas é
aquele tipo de ação que deixa uma marca: quando algo está em discussão,
tomar parte significa dizer o que pensa, dizer o que é melhor segundo seus
princípios e sua forma de pensar, independentemente do que os outros vão
pensar. É considerar que tomar parte é participar das decisões. Vejamos al-
gumas respostas:

Hoje temos uma escola tranquila, não temos problemas com drogas e
violência, os alunos mais participativos e os professores comprometidos.
O maior desafio é desenvolver na escola a gestão democrática e fazer
com que todos os segmentos da comunidade escolar se sintam parte
integrante do processo de aprendizagem. Começamos a desenvolver a
liderança por meio da criação do Grêmio Estudantil e da eleição dos
líderes de turma. Demos voz e responsabilidade às lideranças e os con-
vidamos a tomar parte das decisões da escola. Quanto aos servidores
procuramos dialogar e tomar as decisões em colegiado (Diretor – rede
estadual – 6 a 10 anos de função/cargo – Minas Gerais).
Quando assumi a direção da escola, a comunidade escolar não estava
engajada nas ações e atividades da escola, e, por meio de reuniões com
a equipe escolar, pais e parceiros do entorno da escola, tivemos uma boa
resposta e conseguimos aproximar todos da gestão escolar. Estou como
gestor nesta escola há pouco mais de um ano, mas para pouco tempo
de gestão consegui parcerias com instituições de ensino superior para
o desenvolvimento das práticas e projetos pedagógicos, assim como
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 111

tornar a participação dos docentes mais ativa nas ações pedagógicas


(Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Pará).
Destaco, portanto, face aos enfrentamentos e necessidade de respostas
aos principais desafios, que dentro das limitações, no universo de nossas
ações, buscamos sempre agir com atenção, cuidado, responsabilidade
e considerando, sobretudo, nosso trabalho permanentemente voltado
à prevenção, à conscientização e à promoção de um ambiente pautado
pela cultura da paz e da não violência, com toda a comunidade escolar,
num conjunto de ações e medidas tomadas por nossa gestão demo-
crática e participativa, que conta, como prevê nosso PPP, com parcerias
estratégicas (CRAS, PSF, ONG, Movimentos Sociais) e com o comprome-
timento da nossa equipe administrativa e técnico pedagógico (Diretor
– rede estadual – 1 a 2 anos de função/cargo – Rio de Janeiro).
O entendimento da comunidade com relação à definição de gestão de-
mocrática, em que tudo está em construção, já que se torna necessária a
participação de todos os membros e segmentos para o bom andamento
do PPP, até mesmo para a elaboração deste. Problema: a conturbada
relação dos pais com a escola. Contexto: os pais entravam na escola
sem autorização prévia, queriam agredir professores, tirar satisfação das
ocorrências aos gritos no corredor. Resposta: realizei reuniões com os
professores, funcionários e com a equipe pedagógica, para analisarmos
o problema e, coletivamente, deliberarmos normas disciplinares para os
alunos e pensarmos como melhorar a relação com os pais. Decidimos: as
normas do diurno e do noturno, organizar a entrada dos pais no interior
do prédio, combinamos que os professores deveriam atender aos pais
apenas acompanhados da equipe diretiva. Também decidimos realizar
atividades que trouxessem os pais para o interior da escola, para home-
nageá-los ou para partilhar o sucesso dos trabalhos dos filhos (Diretor
– rede estadual – 6 a 10 anos de função/cargo – Rio de Janeiro).
Implantação de uma gestão democrática, tendo em vista que isto não
era uma prática rotineira no ambiente escolar. Trazer a comunidade para
a escola, atuando como parceiros (O pai tem que gostar da escola tam-
bém, não só os filhos) (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função/
cargo – São Paulo).

Como aprendem o que dizem saber


Para compreender como os diretores e diretoras aprendem o que dizem
saber, baseamo-nos nas três formas de relação epistêmica definidas por
Charlot (2000, p. 68-70):
112 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Aprender pode ser apropriar-se de um objeto virtual (o "saber"), encar-


nado em objetos empíricos[...]. Aprender também pode ser dominar uma
atividade, ou capacitar-se a utilizar um objeto de forma pertinente [...].
Por fim, aprender pode ser também aprender a ser solidário, desconfia-
do, responsável, paciente...; a mentir, a brigar, a ajudar os outros...; em
suma, a "entender as pessoas", "conhecer a vida", saber quem se é.
Significa, então, entrar um mundo relacional.

Isso equivale a dizer que aprender a saber/aprender a dominar uma ati-


vidade/aprender a ser são os fundamentos do próprio saber.
A espera pela participação da comunidade é tema recorrente em muitas
escolas que conhecemos, e nas respostas que obtivemos não foi diferente.
Chamamos de espera, mas é bom esclarecer o que temos em mente. Pri-
meiramente, espera pode significar um desejo: se quer que a comunidade
escolar participe, então se desenvolvem diversas ações para que isso ocorra.
Aí esperar quer dizer esperança ou desejo, mas também pode significar uma
atitude. Uma atitude daquele que gostaria que algo realmente acontecesse.
Em segundo lugar, espera pode significar, em alguns casos, uma dene-
gação, ou seja, eu sei que ela pode ocorrer, mas não é bem o que gostaría-
mos que ocorresse. Sendo assim, essa espera estaria mais para um tomara
que não ocorra do que o contrário. A resposta que indica tanto a espera
quanto o desejo, como um problema da gestão, nos leva a pensar na gestão
democrática da escola. Até porque no enunciado de um diretor de escola
temos outro termo: falta de participação da comunidade escolar (Diretor –
rede estadual – 1 a 2 anos de função/cargo – Amapá). Às vezes, nós nos
atrevemos a escrever que falta e espera são quase a mesma coisa. Podem
ser. O que fica dessa reflexão é que sem a participação da comunidade não
há como falar em gestão democrática.
A gestão democrática é frequentemente traduzida por gestão participa-
tiva. Podemos imaginar que diversos diretores escolares consideram a par-
ticipação como elemento fundamental desse modelo de gestão. Também
podemos imaginar que aprenderam a operar com uma percepção de demo-
cracia na qual as pessoas podem falar, dar sua opinião, que serão ouvidas,
que terão interlocutores dentro da escola. As figuras do saber aí envolvidas
são duas: um saber é a produção de sentido em torno de uma percepção,
e o outro é uma atividade relacionada a uma agenda, um formato – reunião,
roda de conversa ou outra forma – na qual se estabelecem quando e como
a comunidade poderá participar.
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 113

Como se aprende a ouvir os pais, os professores, os alunos? Não cre-


mos que se tenha uma única forma de fazê-lo, mas que cada um inventa sua
forma. Podemos até dizer que alguns trombam com a participação. Dito de
outra forma, mesmo recusando ouvir os outros, o diretor, em determinadas
situações, se vê sem saída, sem opções ou talvez não saiba mesmo como
resolver algum assunto e aprende a ouvir, consultando as pessoas que o cer-
cam. No caso da resposta acima, podemos pensar que seu autor ou autora
já andou um bocado pela estrada da gestão escolar e deve ter trombado
diversas vezes com situações em que tinha duas opções: ou consultava ou
era atropelado pelos outros. Depois de alguns acidentes, deve ter aprendi-
do: é melhor consultar! Como podemos ler na resposta de um diretor: Para
ter sucesso, tive que trabalhar com os Conselhos de Classe, Conselhos de
Líderes Estudantis e realizar uma gestão participativa (Diretor – rede estadual
– 1 a 2 anos de função/cargo – Amapá). Com o tempo, acostuma-se e já não
se sabe, ou não quer mais saber, trabalhar sozinho. Afinal, ao trabalhar no
coletivo, embora seja mais complicado para tomar decisões, o resultado,
bom ou mal, também se assume no coletivo.

Constelação (2): Uma gestão compartilhada


Figuras do aprender: gestão compartilhada; participação da família na
gestão escolar; convocação do colegiado para atuar com a gestão; reunião
mensal de prestação de contas; uma ação conjunta da gestão, professores,
funcionários, família e os próprios alunos; ficaram ao lado das famílias, mes-
mo arriscando perder o cargo ocupado; aproximação da família com a esco-
la; gestão compartilhada; fortalecendo o CDE, APP, NEPRE; inserir direto na
sala da gestão, como gestão auxiliar.
A gestão escolar é o representante do Estado frente à comunidade es-
colar. É um dado jurídico com desdobramentos práticos. No entanto, parece
que, no cotidiano escolar, repleto de demandas dos alunos e seus familiares,
além de todo o peso jurídico-burocrático que paira sobre a gestão da escola,
podemos considerar que o compartilhamento dos sentimentos, das neces-
sidades, das garantias políticas pode convocar outra forma de se perceber
o saber-fazer da gestão. Ela pode se tornar a voz da comunidade frente ao
poder público. Vejamos algumas respostas e saberes.

A prefeitura em contrapartida melhorou em qualidade e quantidade


e disponibilizou dois monitores para cuidar das crianças dentro dos
114 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

transportes e 50 litros de combustível por mês. Então vemos que uma


gestão compartilhada faz com que todos acabem se envolvendo em prol
de um bem comum. Está dando certo (Diretor – rede estadual – 3 a 5
anos de função/cargo – Amapá).
Vencemos a resistência inicial e, atualmente, trabalhamos com projetos,
construídos por todos, e com resultados ótimos. Conservação predial e
participação da família na gestão escolar (Diretor – rede estadual – 3 a 5
anos de função/cargo – Bahia).
Respostas como a limpeza geral, consertos dos espaços inicialmente
mais utilizados, formação afetiva e cooperativa, atenção e escuta da
equipe, replanejamento das ações administrativas e pedagógicas, con-
vocação do colegiado para atuar com a gestão, compartilhamento das
informações em tempo real, reunião mensal de prestação de contas etc.
(Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Bahia).
Por meio de uma ação conjunta da gestão, professores, funcionários,
família e os próprios alunos, conseguimos despertar o ânimo de uma
grande parcela dos alunos com aulas de reforço, aulas práticas, acom-
panhamento psicológico, parcerias com empresas e universidades para
dar perspectiva de emprego e estágio para aqueles que se destacarem e
permanecerem na escola (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/
cargo – Ceará).
No ano anterior saiu a portaria da matrícula negando a matrícula da
primeira série em, as famílias fizeram uma grande movimentação e pedi-
ram para poder acompanhá-las ao CEE, mesmo com as burocracias da
gestão, ficaram ao lado das famílias, mesmo arriscando perder o cargo
ocupado. Para mim a escola possui uma função social que vai muito além
do financeiro, os avanços na agricultura familiar na região com os filhos
técnicos demonstram que a escola em pedagogia da alternância no mu-
nicípio vem transformando vidas no campo e na cidade (Diretor – rede
municipal – 3 a 5 anos de função/cargo – Espírito Santo).
Quando entrei na escola encontrei uma grande barreira entre professores
e alunos que estavam contra a ex-diretora. Tive que trabalhar firme, pois
não havia disciplina, cada um fazia o que queria, então tive que ser bem
firme no começo. Depois foram pegando o jeito, e fui mostrando que
cada um é cada um. Está dando certo. Passei a dar apoio aos professores,
pois somente alunos tinham razão, e tem dado resultado. Aproximação
da família com a escola. Melhoria na comunicação entre servidores e
discentes por meio de meios eletrônicos (Diretor – rede estadual – 1 a 2
anos de função/cargo – Minas Gerais).
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 115

Gestão compartilhada, fortalecendo o CDE, APP, NEPRE, dando vez


e voz! (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Santa
Catarina).
Só para destaque, eu assumi a escola com metas baixas e com o ex-
-gestor abandonando a gestão, por falta de bom relacionamento com os
estudantes. Quanto a estes, os inseri direto na sala da gestão, como ges-
tão auxiliar. Não bastava ter um estudante protagonista, eles precisavam
ter responsabilidade e autoridade nas ações que desenvolvíamos. Esses
jovens, no começo eram apenas 7, já neste ano montamos uma equipe
de 42 protagonistas (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo
– Pernambuco).

Como aprendem o que dizem saber


Como se aprende a compartilhar? Dizem os diretores e diretoras: com-
partilhando. Portanto, há que se considerar aí uma atividade a ser dominada.
Parece simples e fácil, mas é só simples! Compartilhar traz uma sensação de
perda, de diminuição de poder, de gente demais dando pitaco onde não é
chamado...! Mas aí é que está a questão do compartilhar. Desejo e ação de
saber o que as pessoas têm a dizer sobre aquilo que afeta a vida delas. Nós,
às vezes, gostaríamos de dar pitaco na organização do trânsito da nossa
cidade, pois pensamos que a Prefeitura faz umas trapalhadas de vez quando.
Mas não somos chamados. Nós gostaríamos de dar pitaco na forma que
se administra o hospital público da cidade, mas não somos chamados. Nós
gostaríamos de dar pitaco na forma que se concebe a arquitetura da cidade,
mas não somos chamados. Ninguém é chamado... Bom, pelo menos a maio-
ria não é chamada. Só os especialistas.
Para compartilhar, primeiro é preciso chamar as pessoas envolvidas, de-
pois ouvi-las e então decidir junto a elas o que é melhor fazer. Afinal, chamar,
ouvir e depois virar as costas para o que se ouviu é falta de educação e de
consideração. Antes nem tivesse chamado. Chamar, nesse caso da escola,
é sentir-se chamado para a mesma conversa. Ouvir significa também ser
ouvido. Decidir significa decidir junto. Aí está o saber a ser estabelecido,
pois a partir desse princípio há diversos sentidos a serem produzidos. Aí
também se encontra uma questão de jeito de ser o que se é, pois o aprender
é sempre aprender a ser, como defende o professor Charlot (2000). Depois é
realizar o que foi decidido. Já ouvimos alguém dizer: quando se decide algo
a fazer em uma reunião, só se pode mudar o que foi decidido em uma nova
116 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

reunião e de preferência com todos os que participaram da primeira vez.


Outro princípio que vale nessa questão de decidir junto é que, se for para
mudar o que foi decidido a toda hora, então é melhor pensar antes de deci-
dir. Talvez dar mais tempo para as pessoas pensarem. Amadurecer as ideias.
Caso contrário, decisões tomadas e alteradas ao bel prazer tendem a fazer
com que as pessoas percam a confiança no processo de decisão. Como se
pode ver, é simples, mas não é fácil!
É possível compartilhar a gestão escolar com as famílias? Bem, talvez
primeiro é preciso chamá-las e, com insistência, quebrar a mentalidade de
que aqueles que trabalham na escola são especialistas e sabem tudo sobre
ensinar. Trata-se aí de um saber dos pais sobre a escola, portanto, produzir
novos sentidos. É possível as famílias participarem da gestão da escola, to-
mar decisão junto...? Podemos dizer que se existem diretores que o fazem,
então, sim, é possível. Por exemplo, marcar uma reunião para prestar contas
dos recursos recebidos pela escola, chamando os pais para que tomem co-
nhecimento desses dados. Principalmente, para lhes dizer onde o recurso
foi aplicado, o porquê, o que se esperava atingir, enfim, tudo o que se refere
à utilização das verbas públicas que estão nas mãos da escola. "Ah... mas
então não é preciso prestar contas da festa junina, afinal, a origem desses
recursos que sobram depois da festa não é pública". Errado. Quando o di-
nheiro entra na conta da escola pública ele passa a ser público também. Não
fosse assim, o diretor poderia decidir trocar de carro (o dele) com o dinheiro
da festa. Compartilhar gera confiança e compromisso, não dá para compar-
tilhar de vez em quando. Ou compartilha sempre, ou nunca.
Uma forma permanente de compartilhamento, que está à disposição da
gestão escolar, são os colegiados: o Conselho Escolar, a APM, a UEx (Uni-
dade Executora – PDDE), o Grêmio Estudantil, os representantes de classe
e outros. A questão nesse saber, dizem alguns diretores, não é considerar
esses colegiados como órgãos consultivos, meramente, mas colaborativos,
isto é, eles devem e podem participar das decisões da gestão escolar, cor-
responsavelmente. Aliás, o melhor é chamar a todos os envolvidos, não só
os representantes, e colocar o microfone na mão de quem pedir a palavra,
sem medo. É possível? Sim. Há uma escola rural, no município de Arara-
quara, interior do estado de São Paulo, que faz uma assembleia com todos
da escola, todas as manhãs. Então é possível. Faz parte do currículo... Mas
e quando alguma decisão dá problema? O que fazer? Antes de mais nada,
diz um diretor, criar coragem e ficar do lado da família e dos alunos, mesmo
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 117

correndo o risco de perder o cargo. Viver é correr riscos! Há que se dizer uma
coisa, a confiança da escola inteira vai aumentar em cada um e no processo
de aprender ali dentro. Isso não quer dizer que tem de fazer a coisa de qual-
quer jeito. Vamos lembrar que entre a coragem e o medo sempre haverá a
necessidade de um meio termo: a prudência. Por via das dúvidas, é melhor
fortalecer os órgãos colegiados, pois na hora da necessidade, da disputa,
mais cabeças pensam melhor do que uma só.

Constelação (3): Dialogia e trabalho coletivo


Figuras do aprender: gestão dialógica; chamar a equipe, dialogar; por
melhor que sejam as qualidades do gestor e na maioria dos casos eles as
têm, o trabalho precisa ser coletivo; coparticipação; os pais recebem a minu-
ta do regimento, que é explicado e discutido com eles.

Procuro estabelecer uma gestão dialógica com todos os segmentos da


escola. Atuo como mediador dos conflitos. Mostrar a importância de se
trabalhar interdisciplinar. Mostrar a importância de se trabalhar de forma
diferenciada, visando a aprendizagem (Diretor – rede estadual – 11 a 15
anos de função/cargo – Minas Gerais).
Quando assumi a gestão [...] encontrei a escola em pleno desajuste fi-
nanceiro, pedagógico e estrutural. A maneira mais eficiente foi chamar a
equipe, dialogar e pedir a todos que ajudassem no processo de melhoria.
A questão das relações humanas foi o maior desafio. Nesse sentido sim,
creio que consegui ajudar a escola a melhorar (Diretor – rede estadual – 3
a 5 anos de função/cargo – Paraíba).

O saber que aí expressam os diretores ou diretoras de escola nos indica


que dialogar pode ser estabelecer comunicação com todos que estão na
escola. Conversar com todos. Assim, percebo que levar em conta o outro,
falar com ele e não apenas falar para ele pode ser uma forma de valorizá-
-lo, pois falar com já significa falar e ouvir. Como escrevemos um pouco aci-
ma, colocarmo-nos no lugar do outro pode significar que o gestor entra na
conversa-diálogo, considerando o não-ser-gestor, mas ser o professor, o pai
de aluno ou o próprio aluno, para tentar sentir o que ele está sentindo, para
ver as coisas de outro ponto de vista. Dar uma chance de o outro ter razão.
Pode dar mais certo.
118 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O maior problema advindo da escola pública são as realidades sociais


das famílias e atender a demanda de cada uma delas. Relacionamento
com a equipe de trabalho, conseguimos, por adesão, envolver alguns
professores como protagonistas de ações e projetos, fazendo entender
que uma gestão de qualidade exige um trabalho em equipe. Por melhor
que sejam as qualidades do gestor e na maioria dos casos eles as têm, o
trabalho precisa ser coletivo, pois o desafio da educação é muito grande
para se colocar nas costas dos gestores (Diretor – rede estadual – 3 a 5
anos de função/cargo – Minas Gerais).
Melhorar a relação interpessoal entre os professores da base técnica com
a base comum. Conscientizar a equipe escolar na coparticipação de uma
gestão de resultados. Proporcionar um ambiente saudável e acolhedor
para toda a equipe da escola. Construir parcerias com empresas públicas
e privadas relacionadas aos cursos técnicos (Diretor – rede estadual – 1 a
2 anos de função/cargo – Pernambuco).
Por ser uma escola pequena em um município pequeno, não temos
problemas de conflito entre professores e alunos ou alunos e gestão. Os
que eventualmente acontecem são sanados com muita tranquilidade e
respeitando os limites de cada um dentro da hierarquia escolar e familiar.
Questões de indisciplina e resistência às regras da escola. Conseguimos
minimizar esses problemas por meio da construção de regras com a
participação dos alunos. Sempre no início de cada ano, entregamos a
minuta do regimento interno da escola, pedimos para que leiam, depois
juntamos os alunos e todos os funcionários, e as propostas de inclusão
ou alteração são postas em votação. Os pais recebem a minuta do regi-
mento, que é explicado e discutido com eles (Diretor – rede estadual – 3
a 5 anos de função/cargo – Piauí).

Como aprendem o que dizem saber


Vamos retomar um pouco. Dizíamos, antigamente, vamos rebobinar...
Dialogar é muito mais do que falar e ouvir. Para Bakhtin, o diálogo – como
"toda comunicação verbal" (BAKHTIN, 2006, p. 117) – pressupõe interação,
inclusive o livro, como "ato de fala impresso" (BAKHTIN, 2006, p. 118), é
também uma forma de diálogo. É uma forma de comunicar-se. O próprio
verbo comunicar já supõe um locutor – aquele que enuncia uma mensagem
que deseja comunicar – e um locutário – aquele que recebe a mensagem.
O segredo está, para o autor russo, no fato de que o que une os dois não
é a mensagem, mas a interação. Uma ação entre, uma coisa que os dois
fazem ao mesmo tempo. Um fala tendo um destinatário específico, o que
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 119

significa dizer que o receptor não está ali desde sempre, esperando aquela
mensagem daquele locutor, mas ele é constituído no momento mesmo da
enunciação da mensagem. A interação é que cria o locutor e o locutário.
Portanto, multiplicar formas de interação verbal, sejam elas orais ou não,
é comprometer-se com o diálogo nessa perspectiva teórica. É uma forma de
aprender a dialogar. Assim, quando o diretor ou diretora de escola se abre
para o diálogo, está produzindo uma abertura para a interação com o outro.
Mas o que seria então uma gestão dialógica, como enunciado pelo gestor
(Diretor – rede estadual – 11 a 15 anos de função/cargo – Minas Gerais), aci-
ma exposto? Seria uma gestão aberta ao diálogo, à interação verbal? Sim.
Mas é também mais do que isso. Ao diálogo, o gestor está atribuindo um
valor essencial na gestão, ou, dito de outra maneira, o diálogo é o funda-
mento da gestão escolar. O diálogo está sempre aberto a todos. Não há o
que não se possa tratar com a gestão da escola. A que saber esse gestor se
reporta? Saber dialogar, saber o lugar-do-outro na gestão, saber e valorizar
não apenas a posição da maioria, mas também as opiniões particulares. Por
isso, podemos considerar que chamar a equipe para dialogar significa, para
além de emitir opiniões à vontade na escola, que as pessoas são também
convidadas a se posicionarem frente a questões importantes, graves ou ur-
gentes. É um constante contamos com você na hora de decidir algo.
Nenhum gestor dá conta sozinho de tocar a escola, e consideramos que
todos eles sabem disso. O que resta saber é o que eles escolhem fazer em
função dessa impossibilidade. Ou eles se remetem e conversam com um
pequeno grupo, ou eles confiam a decisão a todos que estão na escola e aos
familiares dos alunos também. Portanto, ao indicar que baseia sua gestão no
diálogo, podemos supor que todos são ouvidos e considerados, sobretudo
nos momentos mais cruciais da vida escolar. Se o gestor tem como princípio
o diálogo, supõe-se que ele não faz distinção entre aqueles que têm a prer-
rogativa legal de interagir na gestão e os outros que não a têm. Como saber
se o diálogo está fundamentando a gestão escolar: se na escola a pauta é
coletiva, ou se tudo o que ocorre é passível de ser discutido em algum coleti-
vo, seja ele o Conselho Escolar ou o HTPC, pode-se saber que a gestão pre-
za por práticas democráticas, que, possivelmente, indicam que há princípios
também democráticos por ali. Além de existir uma pauta permanentemente
coletiva, pode-se perceber que há reuniões fixas dos colegiados escolares.
A essa reflexão acrescentamos a noção de coparticipação, enten-
dida aqui como compartilhamento de algo, fazer junto com alguém algo
120 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

importante. Na escola, o fazer junto refere-se à gestão. Se a escola não é o


diretor ou a diretora, se não são apenas os professores, se não são apenas
os pais, servidores ou os alunos, então, tomar a participação com uma forma
compartilhada é reconhecer a importância de cada um naquele espaço e
ouvir a todos que desejam se manifestar sobre os assuntos que estão na
pauta escolar. Uma forma de tornar esse diálogo mais estreito e efetivo na
escola é estudar o Regimento Escolar. Não apenas para conhecê-lo, mas
para opinar sobre sua atualidade e sobre a necessidade de readequação
desse documento sempre que ele parecer desatualizado. Dependendo da
forma como isso for feito, ele pode representar um acordo ético, uma carta
de princípios para o melhor desenvolvimento de todas as ações escolares.
Como os diretores e diretoras aprendem tudo isso, sobre o diálogo?
Como indicado pelas respostas que trouxemos acima, interessando-se pelo
outro, pela palavra compartilhada, pelo esforço coletivo de estabelecimento
de regras em conjunto com todos os agentes escolares. Abrindo espaço
para uma escuta atenta, sem condicionar a eventual capacidade de falar
ou a forma pela qual cada um se expressa no ambiente escolar. Também
aprendem errando, pois, certamente, em alguma ocasião tomou decisões
importantes sozinho ou com um pequeno grupo de interlocução e a coisa
desandou. É a mesma coisa de perguntar como se aprende a cair? Parece-
-me que posso estudar a melhor forma de cair, mas aprender mesmo passa
também pela experiência de cair. Na escola é, principalmente, não tomando
decisões precipitadas, fechadas na diretoria.

Constelação (4) – Saberes sobre os colegiados da escola


Figuras do aprender: ações realizadas em consonância com o Conse-
lho Escolar; um trabalho realizado em parceria com o Conselho Escolar;
renovamos os colegiados, Conselho Escolar, Unidade Executora e Grêmio
Estudantil, por meio de um processo democrático e participativo; junto ao
Conselho da Escola buscamos alternativas e apoio da Secretaria de Educa-
ção e Prefeitura; participação no Conselho Escolar também foi um caminho
que ajudou na melhora da interação entre escola e comunidade; firmamos o
Grêmio Estudantil, o Conselho Escolar; problemas de comunicação: reuni e
organizei o Conselho Escolar; participação social, como Conselho Escolar e
a APM; para serem atuantes nas decisões da gestão da escola; participação
dos pais nos Conselhos Escolares; participação da família nas reuniões de
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 121

pais e mestres, no Conselho de Escola e APM; foi gerada uma cultura de


confiança.
Os colegiados têm um papel importante na escola. Isso todos sabem, ao
menos todos que partilham da ideia de que a escola deve ser um lugar no
qual a democratização das relações esteja no centro das formas de relação
entre as pessoas. Ouvir os colegiados pode ser uma forma de corresponsa-
bilizar os diversos setores que compõem a escola, e a prática de estabelecer
um calendário regular de reuniões pode demonstrar que a disposição é es-
tabelecer uma gestão na qual todos podem opinar e auxiliar nas decisões. O
que os diretores sabem sobre os colegiados? Como lidam com eles?

Problemas com indisciplina e drogas no âmbito escolar, nos quais tive-


mos uma redução devido às ações realizadas em consonância com o
Conselho Escolar, como diálogos e reuniões com pais e alunos, como
também modificações no regimento escolar em relação às advertências
direcionadas aos alunos (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/
cargo – Alagoas).

Por meio de estratégias de monitoramento escolar e acompanhamento


das famílias conseguimos zerar a taxa de abandono, um trabalho realiza-
do em parceria com o Conselho Escolar, comitê executivo das escolas,
parceria com Conselho Tutelar e os grupos de humanização de sala de
aula composto pelos alunos de cada sala (Diretor – rede estadual – 3 a 5
anos de função/cargo – Acre).
Renovamos os colegiados, Conselho Escolar, Unidade Executora e Grê-
mio Estudantil, por meio de um processo democrático e participativo,
desse modo, fortalecendo o sentimento de valorização, pertencimento
e corresponsabilidade (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/
cargo – Ceará).
Alguns problemas estruturais, passados depois da reforma e ampliação.
Junto ao Conselho da Escola buscamos alternativas e apoio da Secretaria
de Educação e Prefeitura (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/
cargo – Espírito Santo).
O incentivo à participação no Conselho Escolar também foi um caminho
que ajudou na melhora da interação entre escola e comunidade (Diretor
– rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Rio de Janeiro).
Quando assumimos, procuramos entendimentos com os professores,
firmamos o Grêmio Estudantil, o Conselho Escolar. Cheguei a essa escola
em meio a uma divisão entre dois grupos de todos que ali trabalhavam.
122 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

De um lado, os aliados da antiga gestora [...] e, do outro, os contrários a


ela. Fui convidada a assumir a gestão e unir esses dois lados. Posso dizer
que consegui. Hoje nossa escola está unida e crescendo em todos os
sentidos (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Rio de
Janeiro).
Problemas de comunicação: reuni e organizei o Conselho Escolar (Diretor
– rede estadual – 6 a 10 anos de função/cargo – Rio de Janeiro).
A efetivação dos órgãos de participação social, como Conselho Escolar
e a APM (associação de pais e mestres). Os desafios para convencer os
sujeitos do processo numa região remota e numa sociedade vítima do
assistencialismo. Hoje esses órgãos não estão funcionando efetivamente,
mas já houve um avanço (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de função/
cargo – Roraima).
Chamamos a responsabilidade dos colegiados escolares, como Conse-
lho Escolar e APM, para serem atuantes nas decisões da gestão da escola
(Diretor – rede municipal – 3 a 5 anos de função/cargo – Roraima).
O problema que enfrentei foi conseguir a participação dos pais nos Con-
selhos Escolares. Percebi que consegui uma boa resposta somente após
utilizar os meios de comunicação para expor a toda a comunidade os an-
seios e desafios da escola, mantendo a gestão transparente, mostrando
para a comunidade o dia a dia da escola, as nossas dificuldades. Buscan-
do, então, junto à comunidade, a solução para aquelas. Posso afirmar
que, de forma gradativa, consegui envolver, cada vez mais, as famílias nas
tomadas de decisões e ações da escola (Diretor – rede estadual – 11 a 15
anos de função/cargo – Santa Catarina).
Participação da família nas reuniões de pais e mestres, no Conselho de
Escola e APM e na vida escolar do estudante. A família se posiciona fora
do contexto escolar, o que provoca dificuldade na realização de uma ges-
tão democrática efetiva, como também a efetividade de aprendizagem
dos alunos e alunas (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de função/
cargo – São Paulo).
Participação da comunidade: ao longo dos anos, com um trabalho
incessante de comunicação das ações da escola; com a efetivação e
acompanhamento daquilo que se decide nas reuniões de colegiados
(APM, Conselho Escolar e Conselho de Classe), foi gerada uma cultura
de confiança. Isso congregou os sujeitos envolvidos com a vida escolar,
sendo a escola respeitada no bairro como uma boa escola (Diretor – rede
estadual – 11 a 15 anos de função/cargo – São Paulo).
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 123

Como aprendem o que dizem saber


Resolvemos tratar do Conselho Escolar (CE) nas respostas dos diretores
e diretoras de forma reiterativa, repetitiva, porque consideramos esse tema
de suma importância. A recorrência nos dizeres indicou-nos que esse órgão
se tornou uma referência para a gestão da unidade escolar. Dizem as respos-
tas: as ações da gestão podem ser realizadas em consonância com o CE. Isso
indica um saber, um sentido atribuído tanto à forma da gestão quanto ao
papel desse órgão. Busca-se, ao que nos parece, uma sintonia, uma cumpli-
cidade, uma tomada de decisões em conjunto e uma busca por ressonância
entre as ações da direção da escola e o posicionamento dos membros do
CE. Isso só é possível no momento em que as hierarquias escolares são co-
locadas de lado em nome das parcerias que ali podem ser desenvolvidas.
No entanto, a existência do CE por si só não é garantia de uma gestão
democrática na escola. É preciso também que ele seja concebido de forma
clara, representativa, de preferência com um exercício de eleição, com base
ao menos em uma carta de princípios debatida com todos. Estamos falando
de processos de representação que não repitam os mesmos erros das tra-
dicionais formas políticas que têm nos atormentado com tantas mentiras e
tantos interesses particulares revestidos de um discurso populista. Na escola
não precisa ser assim. Podemos ensinar nossas crianças e jovens que existem
outras formas de se exercer política.
A parceria com o CE não se esgota no interior da escola. A partir dela,
pode-se dialogar com os órgãos superiores da hierarquia educacional, como
a Secretaria de Educação. Esse saber vai além da pressão dos órgãos regu-
ladores da educação. Indica que a comunidade escolar tem lugar, vez e voz.
De qualquer forma, o fato de haver pais e familiares no CE, pelo menos em
tese, pode significar uma aproximação maior com a comunidade escolar,
ainda que os que dali participem sejam agentes escolares que têm filhos na
escola, pois podem também contribuir com o ponto de vista da família em
questões importantes para todos.
Outro saber que emergiu das respostas foi o papel que o Grêmio Estu-
dantil pode ocupar na gestão escolar. Se desejamos que os alunos tenham
uma formação e atuem fora da escola, beneficiando-se dos ensinamentos
escolares, então eles não podem ser vistos como meros cumpridores das
regras e ordens daqueles que lá trabalham. É muito bonito falar e escrever
sobre o protagonismo juvenil, mas, na prática, se os alunos não forem ouvi-
dos de fato, não puderem trazer suas queixas, suas ideias, suas sugestões,
124 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

então o Grêmio não serve para quase nada. Trata-se de um saber que a
escola pode propiciar aos alunos e que não é, exatamente, dentro da sala de
aula, ou ao menos não está previsto nas disciplinas e seus conteúdos. E este
é um saber que só se pode aprender na escola.
Esses saberes são portadores de uma cultura de confiança, o que sig-
nifica muito mais que apenas participar. Trata-se de ter oportunidade de
demonstrar que é capaz de interagir em assuntos importantes e de tomar
posição frente a eles, nos momentos de decisão, na escola.

Constelação (5) – Práticas escolares democráticas / Cultura


colaborativa
Figuras do aprender: envolvimento de todos; pedidos da comunidade;
ouvir os alunos; colaboração e interesse de todos; maneira de interagir; tra-
balho em equipe; trazer a família para dentro da escola – prestigiar os filhos;
construção democrática do PPP; Grêmio Estudantil; eleição de líderes de
turma; tomar parte nas decisões da escola; decisões colegiadas; capacitação
do corpo docente; espaço de escuta; parcerias estratégicas (incluindo movi-
mentos sociais); valorização das capacidades de cada um.
Seguimos com essas figuras do aprender, com as possibilidades de se
estabelecer sentido e de transformar a própria escola em uma fábrica de
sentidos para os alunos, professores, outros profissionais que ali trabalham
e, também, para a comunidade ou os familiares dos alunos. Vejamos como
as respostas nos indicam essa direção:

Então vemos que uma gestão compartilhada faz com que todos acabem
se envolvendo em prol de um bem comum. Está dando certo (Diretor –
rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Amapá).

Trocar a porta principal por uma eletrônica, a pedido da comunidade,


pois tínhamos sofrido ameaça de aluno. Projetos na escola, pequenos
momentos de ouvir alunos para resolver (Diretor – rede estadual – 3 a 5
anos de função/cargo – Santa Catarina).
Como professora que era da escola, comecei a trabalhar de forma bem
diferente. Com a colaboração e interesse de todos, ocorreram muitas
mudanças na maneira de interagir com alunos, professores e comunida-
de. Investi no novo e em tecnologias. Acredito que foi e tem sido algo
bom para escola, pelo menos é o que escuto sempre (Diretor – rede
estadual – 1 a 2 anos de função/cargo – Rio Grande do Sul).
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 125

Trabalho em equipe dos docentes: esse foi um dos maiores desafios


para a gestão, por algumas razões: (1) resistência às mudanças; (2) pou-
ca aderência ao papel de professor (responsabilidades, compromisso,
importância); (3) alta rotatividade; (4) baixa capacidade técnica (devido
tanto a falhas na formação quanto à compreensão equivocada de que já
sabiam o suficiente), com resistência a admitir e, portanto, resistência ao
aperfeiçoamento; (5) baixo nível de colaboração entre pares e (6) pouca
compreensão do significado do serviço público (Diretor – rede estadual
– 11 a 15 anos de função/cargo – São Paulo).
Além disso, realizamos muitas atividades antes com a única finalidade de
arrecadação, para trazer as famílias para dentro da escola, prestigiar os fi-
lhos e colaborativamente fazemos o lanche. Conseguimos comprometer
os professores em projetos, pois antes se sentiam desvalorizados. Agora
se envolvem mais e veem respaldo na direção (Diretor – rede estadual – 3
a 5 anos de função/cargo – Rio Grande do Sul).
O maior desafio enfrentado foi e é constituir e construir, de fato, um PPP
com características reais democráticas. É um grande desafio elaborar
participativamente uma proposta que visa atender as necessidades da
escola e da comunidade (Vice-Diretor – rede federal – menos de um ano
de função – Distrito Federal).
Começamos a desenvolver a liderança por meio da criação do Grêmio
Estudantil e da eleição dos líderes de turma. Demos voz e responsa-
bilidade às lideranças e os convidamos a tomar parte das decisões da
escola. Quanto aos servidores procuramos dialogar e tomar as decisões
em colegiado. Envolvimento de todos os alunos nas avaliações do Saeb,
com compromisso e responsabilidade. Em atividades para favorecimento
à inclusão, por meio de um olhar diferenciado, com capacitação do cor-
po docente e apoio aos alunos especiais (Diretor – rede estadual – 6 a 10
anos de função/cargo – Minas Gerais).
O espaço de escuta permitiu que os jovens se sentissem pertencentes
ao processo de solução de seus conflitos (Diretor – rede estadual – 6 a 10
anos de função/cargo – Pernambuco).
Nossa gestão democrática e participativa, que conta, como prevê nosso
PPP, com parcerias estratégicas (CRAS, PSF, ONG, Movimentos Sociais)
e com o comprometimento da nossa equipe administrativa e técnico
pedagógico (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função/cargo – Rio
de Janeiro).
Quando cheguei à escola em 2018, meu maior desafio foi enfrentar
as equipes, que não estavam acostumadas à liderança democrática e
acreditavam que todos podiam ser chefes (entre aspas). Assim, aos pou-
cos, fui estabelecendo o papel de cada um, de acordo com os perfis,
126 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

definindo a atuação e o trabalho que cada um desenvolveria para que


prevalecesse a vontade coletiva, não a vontade de um só. Distribuição
das funções entre funcionários da escola, elaborando um organograma
das atividades e redistribuindo, valorizando as capacidades de cada um
(Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – São Paulo).

Como aprendem o que dizem saber


Retomando as três formas de relação epistêmica definidas por Charlot
(2000, p. 68-70),

Aprender pode ser apropriar-se de um objeto virtual (o "saber"), encar-


nado em objetos empíricos [...]. Aprender também pode ser dominar
uma atividade, ou capacitar-se a utilizar um objeto de forma pertinente
[...]. Por fim, aprender pode ser também aprender a ser solidário, des-
confiado, responsável, paciente...; a mentir, a brigar, a ajudar os outros...;
em suma, a "entender as pessoas", "conhecer a vida", saber quem se é.
Significa, então, entrar um mundo relacional.

Assim, na constelação acima podemos dizer que as formas de relação


epistêmica podem ser apresentadas da seguinte maneira. Em primeiro lugar,
os diretores e diretoras aprendem quando realizam uma atividade de envol-
vimento, ou seja, quando a atividade representa o que se sabe sobre o que
é envolver-se – engajar-se, dar importância, querer estar junto, decidir coi-
sas em conjunto, marcar seu lugar em um debate ou em uma reunião, estar
presente em um projeto, enfim, o que está na base do conhecimento, nesse
caso, nessa forma do aprender, é como os diretores e diretoras compreen-
dem a atividade do outro – do professor, do coordenador pedagógico, do
aluno, dos pais ou familiares – quando este é chamado a participar de algo
na escola. Assim, se os pais são chamados para a reunião de pais e poucos
aparecem na primeira vez, mas o número deles vai aumentando em outras
oportunidades, o diretor pode dizer que sabe que os pais se importam com
esse tipo de atividade. O objeto-saber aí é definido pelo enunciado reunião
de pais, que vai de um saber do tipo os pais não participam a um consegui-
mos aumentar a participação.
Estar atento aos pedidos da comunidade significa uma postura e tam-
bém uma ação que leva em conta o outro – no caso, os pais e familiares
do aluno. Há pelo menos duas maneiras de isso acontecer na escola. Na
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 127

primeira, os familiares dos alunos ou seus pais aparecem na escola e enca-


minham à direção ou à coordenação escolar algum pedido particularmente
relativo a seus filhos. Se por um lado isso pode representar uma relação as-
sistencialista ou de balcão, como pode parecer, uma relação comercial com
a escola ou mesmo a partir dela, por outro, é um momento privilegiado de
escutar o que dizem os pais, o que esperam da escola, quais as angústias e
preocupações que trazem à escola em relação aos filhos, enfim, pode ser
uma boa oportunidade de se aproximar dos pais.
Na forma epistêmica de entender as pessoas, ouvir os alunos e saber
o que dizem, o que desejam, o que pedem, o que esperam da escola é
estabelecer um campo de possibilidades relacionais nos quais ambos – dire-
ção e alunos – podem se expor livremente, abertamente, sem reservas, pois
podem contar com um interlocutor atento e efetivamente interessado.
Entendemos que contar com a colaboração e levar em conta o interesse
de todos os agentes escolares se enquadra como princípios de atitudes soli-
dárias, e o gestor escolar aprende a ser gestor numa dimensão democrática.
Seu saber, nesse caso, tem um sentido explícito: saber gerir democratica-
mente a escola é saber levar em conta o outro, é trabalhar em equipe, enten-
dendo que todos que habitam o cotidiano escolar pertencem a um coletivo
que merece ser respeitado. Podemos fazer uma comparação: num time de
futebol há um capitão, alguém responsável por organizar o grupo, dentro
do campo, dar-lhe coesão, chamar-lhe a atenção, auxiliar nos passes, falar
com o juiz do jogo, prestar atenção nos gritos do técnico, que está na lateral
do campo. Mas em nenhum caso o capitão joga sozinho. Ele não é o time.
Depende de todos para chegar a um bom resultado. O mesmo se pode
dizer da escola. O sentido da escola, sua razão de ser é essa episteme, essa
forma de conhecimento de base que permite gerar todos os conhecimentos
no interior da escola, pelos sujeitos ali presentes.
Um saber que ocupa o centro da prática do gestor, aquele que lhe é
necessário todos os dias é sua maneira de interagir com todos na escola.
Sua forma de falar, suas solicitações, suas formas de chamar a atenção de
alguém para algo importante a ser comunicado, o seu tom de voz, o local
onde é melhor tratar cada assunto ou cada problema que surge. A rapidez
de uma decisão urgente e a paciência em saber esperar e saber ensinar a es-
perar. Tudo isso compõe um saber: interagir. É desse saber que extrapola o
cargo de diretor de escola, é com ele que o diretor atinge todas as relações
humanas dentro da escola e convida a todos que ali trabalham, professores,
128 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

coordenadora pedagógica, merendeiras, faxineiras, inspetores e inspetoras,


zelador, jardineiro, a agirem de tal maneira que as famílias se sintam acolhi-
das naquele ambiente. É desse saber que também se desdobram ações que
resultam em parcerias da escola com o entorno e com entidades presentes
na cidade, como ONGs, Conselho Tutelar, Juizado da Infância, Direitos Hu-
manos, Movimentos Sociais, Sindicatos, enfim, tudo o que possa auxiliar na
boa condução da escola e das necessidades de todos os seus agentes.
Uma das formas de consolidar uma prática democrática na escola tem
sido elaborar o Projeto Político-Pedagógico. Por mais que haja dificuldades,
barreiras ou problemas, essa é uma política que merece ser reforçada e
ampliada. Reforçada, pois sempre há vozes contrárias, que procuram des-
mobilizar um processo democrático de criação do PPP. Confundem o PPP
com um documento qualquer. O PPP não se resume a um documento. Sua
versão documental é a materialização de um jeito de ser da escola e de seus
agentes. Por isso esse esforço deve ser coletivo, amplo, envolvendo todos
os segmentos escolares, sobretudo os alunos. Se na escola há o Grêmio
Estudantil, ele pode ser um bom interlocutor do que pensam os alunos; se
não há, outras formas de representação dos alunos precisam ser pensadas
no processo de elaboração do PPP ou de sua revisão. Para isso, a ideia de
eleger líderes ou representantes das turmas para tomarem parte nas deci-
sões que a gestão precisa tomar pode ser uma saída. Embora o ganho na
formação dos alunos quando há o Grêmio Estudantil na escola seja inegável,
também há uma contribuição enorme quando há um processo feito por alu-
nos e acompanhado por todos os que trabalham ali, para atendê-los quando
têm dúvidas, para que essas decisões possam ser sempre colegiadas e para
que haja mecanismos de escuta permanente e ativa dos alunos, de seus
pais e familiares, ou, como nos trouxe um diretor ou diretora, um espaço de
escuta na escola, reconhecido por todos, que valorize as opiniões, por mais
estranhas que pareçam, a fim de que todos se sintam pertencentes àquele
espaço, para que cada um sinta que ali tem seu lugar, que é importante para
todos.
As ações declaradas nessas figuras do aprender indicam caminhos,
práticas, mudanças na forma e no conteúdo da gestão escolar com vistas a
uma escola democrática, pelo que posso ler nessa lista. Desde a ideia – um
tanto genérica e que muitos enunciam, mas que temos dúvidas de como se
constitui – de todos até a valorização de cada um, notamos que há algumas
pistas interessantes e algumas possibilidades de mudança, se se pretende,
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 129

efetivamente, alterar alguma coisa que valha a pena na escola. Vamos anali-
sar cada uma.
O que a comunidade pede? É uma pergunta que pode ser entendida,
pelo menos, de duas maneiras distintas: a primeira, quando cada pai, mãe
ou outro familiar pede algo na escola. Ao final de um dia, de uma semana
ou mês, deve haver um conjunto de pedidos individuais que somados eu
poderia entender como pedidos da comunidade. A segunda forma seria
chamar a tal comunidade para uma conversa, seja no início do ano letivo ou
em outro momento, e perguntar a todos o que gostariam de pedir à escola.
Seriam os mesmos pedidos? Lembremo-nos: duas cabeças pensam melhor
do que uma... Então, pode ser que muitas cabeças pensem melhor do que
uma, duas, cinco ou dez. E podemos afirmar também que, quando um pai,
uma mãe ou outra pessoa da família faz um pedido, ele também expõe não
apenas um problema que identifica na escola, mas a própria forma como
essa pessoa vê a escola.
Assim também podemos dizer que uma escuta ativa, uma espécie de
mecanismo conhecido por todos na escola, seja um momento de uma as-
sembleia, seja um momento da reunião do Conselho de Escola, ou qualquer
outra forma, em que os alunos possam falar e o diretor, a coordenadora
pedagógica e o professor estejam dispostos a ouvir, a dialogar com a pessoa
– em vez de repetir as normas da escola, apenas –, posicionar-se de forma
sensível às queixas, aos pedidos, aos sonhos ou seja lá o que for que o aluno
queira falar, parece ser uma forma de aproximar a escola oferecida ao aluno
da escola pretendida pelo aluno.
A interação, o trabalho em equipe sugerem uma ideia bem próxima uma
coisa da outra. Interagir é agir entre pares. É poder agir fazendo com que
minha ação não seja lida apenas pelo crivo da hierarquia da instituição, que,
normalmente, tende a gerar aquela pergunta "quem você pensa que é?",
à qual o aluno ou o ouvinte poderia simplesmente responder "eu sou eu
mesmo. E você, quem você pensa que é?". Ao invés disso, podemos apenas
dizer: Podemos dialogar? Por que gostamos tanto de hierarquias, principal-
mente, quando nós estamos no degrau de cima?
Quanto a trazer a família para o interior da escola, eu me pergunto sem-
pre: Para quê? O que de fato queremos? Essa pergunta me vem à cabeça,
pois grandes decisões da escola, por exemplo, qual é o projeto de escola que
queremos – pergunta boa feita na discussão do PPP –, parecem não caber
numa reunião em que estão pais ou familiares dos alunos, pois, afinal, o que
130 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

eles entendem de PPP, não é? E, por acaso, algum de nós nasceu sabendo
o que é o PPP? Então, por que não dizer aos pais o que é e para que serve,
a ponto de que possam ter o que dizer na elaboração desse documento?
Ninguém nasce sabendo participar. A ideia de que as pessoas precisam
aprender antes para depois participar serve, muitas vezes, de escudo para
excluir pessoas de uma participação efetiva. Como se aprende a andar de
bicicleta? Pode ter diversas formas e tentativas, mas quando se sobe na bi-
cicleta e tenta, apesar do risco quase certo de cair, a chance de aprender
também existe. Poderíamos utilizar o mesmo princípio na escola. Por exem-
plo: como fazer os alunos participarem da vida da escola, para além de ir até
lá, todos os dias, e passar horas sentados, escutando o professor? Participar
das decisões, participar da organização de eventos, participar das angústias
e tristezas, enfim viver a escola, como se aprende? O Grêmio Estudantil é
uma boa resposta a essa pergunta. Ele dá trabalho para organizar, principal-
mente se os adultos não fazem para os alunos, mas lhes dão condições para
que o façam por si mesmos. Com o Grêmio, não só os alunos vão aprender
a participar, como a direção escolar, os professores e os outros funcionários
da escola poderão aprender... a ver os alunos de forma diferente e também
respeitá-los.
Outra forma de proporcionar uma forma de aprender a participar é a
eleição de líderes de turma. Aprender um processo de representação do
coletivo. Tarefa difícil, pois o mais comum é que o representante acabe re-
presentando a si próprio. Além disso, muitas vezes ele se esquece de que
deve dar retorno aos representados do que aconteceu nos espaços de dis-
cussão e decisão nos quais foi chamado a participar em nome da turma. Se
o processo for conduzido com respeito, de forma ética do começo ao fim,
todos poderão aprender que a participação política é mais do que votar.
Lição que muitos adultos até hoje não aprenderam ainda.
Tomar parte nas decisões da escola costuma ser uma coisa fácil de falar,
mas difícil de fazer. O destaque é que é importante aprender e fazer. Duas
perguntas que me vêm à mente quando se trata desse tema é: Participar
de quais decisões? Quem poderia participar? As respostas são simples e
se resumem a: de tudo e todos. Ou, dito de outra forma, o que justifica
deixar alguém ou algum setor da escola de fora das decisões que afetam
a vida de toda a escola? Nada. Apenas o medo de perder o controle. Essa
ideia é originária de outra: para decidir é preciso conhecer a melhor razão
das coisas. A ela, cabe a indagação: Quem tem a melhor razão na escola? O
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 131

diretor/a diretora? Os professores? A coordenadora pedagógica? Qualquer


uma das alternativas representa uma visão autoritária da gestão escolar, que
não combina com o princípio de uma escola democrática. Se queremos efe-
tivamente que as pessoas participem, não devemos estabelecer quem está
pronto para participar.
Outro princípio que rege a escola democrática é o das decisões cole-
giadas. As razões já foram apresentadas acima, mas vale a pena acrescentar
apenas mais uma: é melhor errar junto do que acertar sozinho – provérbio
popular? Não importa quem falou, mas falou uma coisa bem certa. Basta a
gente inverter para vermos o porquê: acertar junto é ótimo, mas errar sozi-
nho é um desastre, para o autor do erro e para a coletividade. Posso chamar
de prova do contraditório.
Diversos diretores e diretoras, ao responderem as questões que foram
feitas na enquete produzida pela Coordenação do Programa de Mentoria da
UFSCar, responderam que falta capacitação do corpo docente. Gostaria de
fazer algumas considerações sobre esse tema. A professora Sandra Riscal,
juntamente a Beatriz Oliveira e Merilin Baldan (2016), do Departamento de
Educação da UFSCar-São Carlos e do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da UFSCar, escreveram que não se deve confundir o horário do HTPC
das escolas com formação continuada. Quando li essa ideia no livro delas,
me coloquei a pensar. Sempre me pareceu que o HTPC seria um lugar ideal
para oferecer formação continuada aos professores. Mas resolvi compreen-
der a advertência das pesquisadoras, e me ocorreram várias considerações
sobre o tema. Primeiro, me perguntei para que serve o HTPC e me deparei
com muitas experiências de reuniões monótonas, enfadonhas, cheias de avi-
sos – que poderiam ser afixados no mural da sala dos professores –, ordens
da Secretaria de Educação, algumas proibições – como exceder o número
de cotas do xerox, mesmo se as professoras que trabalham com crianças
pequenas precisem e muito delas –, combinados que mais pareciam ordens
disfarçadas de algo que possa de fato chegar a um acordo, pois, às vezes,
a coisa chega como "é a única saída", ou "não temos como não aceitar", o
que dá no mesmo. Mas a coisa, ao final, passa como se fosse fruto de um
consenso entre direção, coordenação pedagógica e professores.
Alguém poderia contestar, dizendo: "ah, mas e os textos trazidos pela
coordenadora pedagógica para leitura e estudos, não seria formação con-
tinuada?". Não. É simples: formação continuada exige um programa, com
objetivos, ementa, procedimentos metodológicos, avaliação, entre tantas
132 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

outras questões relativas, como a finalidade da formação, aderência ao PPP


da escola e outras mais. Há ainda outra razão: o espaço do HTPC é o espaço
de discussão e de debate em torno das questões pedagógicas do cotidia-
no dos professores. Nele se devem discutir o que e como os alunos estão
aprendendo, suas dificuldades, os saberes e não saberes dos próprios pro-
fessores, inclusive para que nele se possa decidir sobre que demandas de
formação continuada se devem apresentar aos órgãos superiores. Por fim, é
justamente por essa razão que o HTPC não é o espaço da formação conti-
nuada: a rede de ensino deve prover cursos de formação continuada, sendo
cursos de extensão ou de curta duração, sendo especialização ou mestrado
e doutorado – nesses últimos dois casos, se espera que a rede tenha uma
política de formação para seus profissionais, permitindo que procurem esses
cursos e possam cursá-los de maneira adequada e sem toda a pressão do
cotidiano escolar em suas costas. Uma política de dispensa ou diminuição da
carga horária cai bem nesses casos.
Alguns mecanismos de diálogo me chamaram a atenção nas respostas
dos diretores e diretoras. Entre eles está o espaço de escuta. Não havia,
nas respostas, detalhes, mas fiquei imaginando o que poderia ser. Um lugar
no qual os alunos poderiam falar livremente, fazer solicitações, chorar as pi-
tangas, contar novidades, segredar que "hoje é o dia do meu aniversário",
enfim, poderia ser um "muro das lamentações", mas também poderia ser um
lugar do "ombro amigo" para desabafar de vez em quando. Poderia ser tam-
bém um espaço-tempo, mais ou menos assim: um horário reservado para
contar as peripécias, as dores e as alegrias do viver na escola. Seja como for,
só o nome já é sugestivo. O restante vai da criatividade de cada um.
No município podem ser encontrados alguns parceiros que aceitam
realizar ou patrocinar atividades na escola. Se o controle das atividades,
sua criação, suas finalidades e sua avaliação ficam com a escola, podem ser
parcerias bem-vindas. Entre as respostas que recebemos pela enquete da
UFSCar com diretores e diretoras de escolas públicas por todo o país, en-
contramos escolas que também fazem parcerias com movimentos sociais.
Talvez muitas o façam, e isso é saudável, pois esses movimentos podem
representar excelente oportunidade de os alunos conhecerem avanços con-
quistados ou a conquistar, formas de debate de temas públicos de relevância
na cidade, formas de organização que não estão efetivamente controladas
pelos poderes públicos – nem devem estar mesmo –, enfim, são formas vivas
da participação e de um esforço de colaboração em torno de interesses
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 133

comuns. Todos os setores da vida na cidade têm atividades ou funções que


afetam a vida daqueles que estudam ou trabalham na escola.
Sendo assim, criar, fortalecer e manter essas iniciativas pode trazer bons
frutos para a escola em saberes sobre a vida e formas de instituições e orga-
nizações ali presentes. Outra figura do aprender que encontrei nas respostas
refere-se à valorização das capacidades de cada um. Dito assim, parece a
coisa mais óbvia do mundo, mas quando a essa ideia juntamos outra encon-
trada na mesma resposta, apenas invertidas na ordem que aqui apresento,
pode ser muito importante prestarmos atenção a um princípio democrático
que emerge. A outra ideia é: "para que prevalecesse a vontade coletiva".
Ainda há aqueles que gostam de permanecer em uma confusão conceitu-
al: vontade individual versus vontade coletiva. Este é um falso dilema, na
medida em que a vontade coletiva não pode fazer desaparecer a vontade
individual, mas comportá-la, ou seja, guardar-lhe um lugar importante e em
elevada consideração, pois no âmbito de uma proposta de gestão que se
queira democrática não se trata de uma vontade coletiva como soma das
vontades individuais, mas uma vontade coletiva nascida na consonância das
vontades individuais. É o encontro das vontades individuais, devidamente
zeladas, que se pode produzir uma vontade coletiva, esclarecida, forte e que
leva em conta cada um no interior desse coletivo.

Referências
BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BAUMAN, Z. A modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CHARLOT, B. A relação com o saber nos meios populares: uma investigação nos liceus profissionais
de subúrbio. Porto: CIIE/Livpsic, 2009. (Coleção Ciências da Educação, 5).
CHARLOT, B. Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas,
2000.
CHARLOT, B. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. São Paulo:
Cortez, 2020.
NEHMY, R. M. Q; PAIM, I. Repensando a sociedade da informação. Perspectiva em ciência da
informação, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 9-21, jan./jun. 2002.
RISCAL, S.; OLIVEIRA, B.; BALDAN, M. A coordenação pedagógica e a escola democrática. São
Carlos: Pixel, 2016.
VIANA, M. J. B. A relação com o saber, com o aprender e com a escola: uma abordagem em termos
de processos epistêmicos. Paidéia, v. 12, n. 24, p. 175-183, 2003. Disponível em: <https://www.
scielo.br/pdf/paideia/v12n24/06.pdf>. Acesso em: 29 out. 2020.
3

Comunicação e relações interpessoais


Marcela Luiz Corrêa da Silva
Cristina Lobato
Anderson Severiano Gomes

Ementa: Escuta ativa para as relações existentes dentro e fora da escola


(professores, equipe gestora, funcionários, alunos, pais e comunidade). Solu-
ções de conflitos nos relacionamentos interpessoais dentro dos espaços es-
colares. Convivências e diferenças nos diálogos. Aprendizagem de feedback
oral. Ferramentas de mediação e negociação de Harvard. Comunicação não
violenta. Escola justa.

Objetivos:
• Refletir sobre maneiras efetivas e positivas de lidar com conflitos no am-
biente escolar;
• Aprender sobre os métodos autocompositivos como práticas possíveis
para as convivências escolares;
• Compreender a perspectiva da escola justa – por meio de engajamento,
explicação e transparência – como proposta de inclusão escolar.

Conflitos na escola
Segundo Chrispino (2007), conflito é toda opinião divergente ou maneira
diferente de ver ou interpretar algum acontecimento. Todos que vivem em
sociedade têm experiências de conflito, tais como:
• conflitos próprios da infância;
• conflitos pessoais da adolescência;
• conflitos intrapessoais, como ir/não ir, fazer/não fazer, falar/não falar,
comprar/não comprar, vender/não vender, casar/não casar etc.;
• conflitos interpessoais, como brigas de vizinhos, separação familiar,
guerras, desentendimentos entre alunos.
136 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A palavra conflito, inicialmente, traz uma conotação negativa. Contudo,


o problema em um conflito só se dá quando ele se transforma em violência.
Antes disso, um conflito é uma oportunidade de buscar novas alternativas,
tecnologias, dinâmicas, ideias. As relações humanas são permeadas pela
mesma base, pelas mesmas construções, e, se conseguirmos observar as
nuances que podemos aprender naquele momento específico em que sur-
gem os conflitos, ou daquilo que podemos adaptar, nos relacionando em-
paticamente com as pessoas, teremos esse momento de avanço dialogado
nas relações humanas.
Que diretor de escola, professor ou profissional da educação nunca pas-
sou por uma situação de conflito? Com outros profissionais, com os alunos,
com os pais, com a comunidade?
Dentro do ambiente escolar, os conflitos manifestam-se de formas
variadas. Existem conflitos entre alunos e professores; entre alunos; entre
professores. Segundo Chrispino (2007), algumas das causas de conflitos na
escola são as dificuldades de comunicação, de assertividade das pessoas,
de condições para estabelecer o diálogo. Segundo o mesmo autor, pesqui-
sas demonstram as origens dos conflitos entre alunos:
• Aluno bate em colega menor – 64,6%;
• Briga entre alunos – 60,5%;
• Toque de mão no colega com segundas intenções – 60,5%;
• Insulto de aluno a aluno – 56,5%.
Professores e alunos dão sentidos diferentes às mesmas ações, reagindo
diferentemente aos mesmos atos: isso, por sua vez, também é conflito. Como
a escola está acostumada historicamente a lidar com um tipo padrão de alu-
no, ela apresenta a regra e requer dos alunos enquadramento automático.
Para Chrispino (2007), o conflito pode ser entendido como manifestação
da própria ordem democrática, que o garante e o sustenta.
Para Zampa (2005, p. 30-31 apud CHRISPINO, 2007), há quatro diferentes
tipos de conflito entre membros de uma comunidade educacional,
• Conflito em torno da multiplicidade de pertencimento: surge quando o
docente faz parte de diferentes estabelecimentos de ensino ou mesmo
de níveis diferentes de ensino;
• Conflito para definir o projeto institucional: surge quando a construção
do projeto educacional favorece a manifestação de diferentes posições
Comunicação e relações interpessoais | 137

quanto a objetivos, procedimentos e exigências no estabelecimento


escolar;
• Conflito para operacionalizar o projeto educativo: surge porque, no mo-
mento de executar o projeto educacional, aparecem divergências nos
âmbitos de planejamento, execução e avaliação, levando a direção a
lançar mão de processos de coalizão, adesões etc.;
• Conflito entre as autoridades formal e funcional: surge quando não há
coincidência entre a figura da autoridade formal (diretor) e da autoridade
funcional (líder situacional).
Conforme Martinez Zampa (2005, p. 31-32 apud CHRISPINO, 2007), os
conflitos ocorrem com maior frequência:
• Entre alunos, por:
▪▪ mal-entendidos;
▪▪ brigas;
▪▪ rivalidade entre grupos;
▪▪ diferenciação;
▪▪ bullying;
▪▪ uso de espaços e bens;
▪▪ namoro;
▪▪ assédio;
▪▪ perda ou dano de bens escolares;
▪▪ eleições (de várias espécies);
▪▪ viagens e festas.

• Entre docentes, por:


▪▪ falta de comunicação;
▪▪ interesses pessoais;
▪▪ questões de poder;
▪▪ conflitos anteriores;
▪▪ valores diferentes;
▪▪ busca de pontuação (posição de destaque);
▪▪ conceito anual entre docentes;
▪▪ não indicação para cargos de ascensão hierárquica;
▪▪ divergência em posições políticas ou ideológicas.
138 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• Entre pais, docentes e gestores, por:


▪▪ agressões ocorridas entre alunos e entre os professores;
▪▪ perda de material de trabalho;
▪▪ associação de pais e amigos;
▪▪ cantina escolar ou similar;
▪▪ falta ao serviço pelos professores;
▪▪ falta de assistência pedagógica pelos professores;
▪▪ critérios de avaliação;
▪▪ aprovação e reprovação;
▪▪ uso de uniforme escolar;
▪▪ não atendimento a requisitos "burocráticos" e administrativos da
gestão.

• Entre alunos e docentes, por:


▪▪ não entenderem o que explicam;
▪▪ notas arbitrárias;
▪▪ divergências sobre critérios de avaliação;
▪▪ avaliação inadequada (na visão do aluno);
▪▪ diferenciação;
▪▪ falta de material didático;
▪▪ não serem ouvidos (tanto alunos quanto docentes);
▪▪ desinteresse pela matéria de estudo.
Nas escolas, os conflitos são diários e fazem parte da paisagem do coti-
diano. Compreender seus processos, entender que são necessários ao am-
biente escolar, que as aprendizagens precisam de níveis de conflito que nos
permitam refletir sobre nossas ações e os processos pedagógicos, além de
aprender a lidar com eles da melhor forma é o que buscaremos tratar aqui.
Ao tomar conhecimento de que o trabalho dos gestores é também po-
lítico, além de pedagógico, entendemos a ação do educador. Isso significa
dizer que o trabalho desenvolvido pelos gestores nas escolas tem a finalida-
de de refletir sobre o que está acontecendo nos ambientes, de extinguir o
caráter autoritário de uma educação imposta e massificada. Em nossa ava-
liação, consideramos que o caráter político do trabalho dos gestores está
no uso da artimanha do convencimento ou de um consenso fabricado para
vencer e convencer.
Nota-se a importante reflexão sobre o poder quando a escola possibilita
discutir uma história que é feita por nós, e, ao fazermos a história, ela nos faz.
Comunicação e relações interpessoais | 139

Significa que os espaços da escola estão sendo construídos por todos na


participação, e assim a história não é dada, pronta, mas construída por cada
um de nós. Inclusive, é grande a influência do espaço escolar na construção
do ser social, o que se reflete na sociedade como um todo e na construção
individual de cada um.
Cubas (2006 apud MEIRELLES, 2014) realizou importante estudo sobre
violência nas escolas e cita a pesquisa de Blaya (2003) sobre práticas em
escolas francesas e inglesas. A pesquisadora entrevistou mais de cinco mil
estudantes e educadores, e os resultados de seu estudo demonstram que
as escolas com menor índice de agressão e violência são aquelas nas quais
o papel dos professores não fica limitado à docência, mas inclui atividades
extras com os alunos, promovendo maior entrosamento e comunicação.
Ressalta, também, a importância da promoção da união do corpo docente
e de bons contatos entre escola e comunidade. Acrescenta ainda que os
alunos mais violentos se sentem agredidos quando não são escutados ou
quando seus professores não demonstram interesse por eles.
Assim, o conflito é inerente ao espaço educativo, já que este é partici-
pativo, permitindo a instauração de vários espaços e diálogos, na busca de
agregar uma ação política, aguçando seu sentido crítico. Assim, a participa-
ção democrática dos alunos não significa ausência do rigor científico que se
encontra na metódica rotina da sala de aula, pois, na verdade, se torna uma
experiência empírica que abarca determinados assuntos. Obviamente, isso
é difícil em um sistema que busca a transmissão de conteúdos e valores,
numa espécie de adestramento, de silenciamento, em que todos os que
com isso compactuam abominam a ideia de ter indivíduos bem informados
nas escolas, apresentando ameaça à ordem hierárquica dominante.
No ambiente escolar, os alunos vivenciam dois fundamentos: primeiro, o
de conhecer melhor o que já conhecem na prática e, depois, o de conhecer
o que ainda não conhecem, de ser agente ativo na produção de um novo
conhecimento. Falamos de um ser que se faz autônomo na escola. O fato de
a escola ser burocrática e não participativa faz com que haja conflito entre
estrutura autoritária e concepção democrática. Dessa forma, é importante
que aqueles que possuem uma consciência democrática participem das
reuniões e das decisões (por mais simples que sejam) e que exijam uma posi-
ção coerente por parte do gestor entre discurso e execução. Esses conflitos
podem fazer correções de rotas, lado a lado, num processo empático, que
precisa de aproximação.
140 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A realidade e o cotidiano precisam de uma leitura crítica. Faz-se necessá-


rio que os alunos sejam ensinados a refletir sobre suas leituras, porém, para
ensinar a refletir, o educador/gestor precisa refletir sobre suas práticas para
ensinar. Nesse processo, precisamos aprender a recriá-las e a reescrevê-las
de acordo com o nosso conhecimento de mundo e com os aprofundamentos
que se permitem ter com novas leituras, aproximações e com a humildade
de entender que ele mesmo pode recuar e reaprender. O fato de poder-
mos fazer leituras sem necessariamente produzirmos escritas contribuir para
criar, de um lado, aqueles que detêm as respostas e, do outro, uma grande
massa de consumidores, de pessoas impossibilitadas de desenvolver uma
competência que precisa ser negociada, dialogada a partir de um conflito.
Assim, surge a importância de ensinar a falar, a se posicionar, a defender
uma ideia. Para isso, é necessário que se exercitem a fala e a escuta. Esses
são fundamentos primordiais na relação: ouvir e ter uma escuta atenta, além
de falar. A fala é tida como ato de subversão em uma sociedade silenciosa
e opressiva, já que ensinaria o cidadão a gritar, a exigir o que lhe é devido.
Esses elementos, ao se unirem, situam a junção necessária entre o sur-
gimento do conflito e o diálogo, considerando que ambos fazem parte do
processo pedagógico. Eles partem de algum momento em que dois diálo-
gos antagônicos se encontram, e dessa faísca o que surge é o conflito.
Segundo Meirelles (2014), diferentemente do conflito, a violência não
traz uma conotação positiva, além de não ser inerente às relações humanas.
Do conflito, surgem transformações, restaurações. Já o mesmo não se pode
dizer das violências. Por isso a importância de olhar efetivamente para o con-
flito, tentando dirimi-lo, utilizando-se de sua potencialidade positiva para tal.
Dessa forma, evita-se que ele se transforme em pura violência.

Processo Justo na escola


Em 2003, foi republicado na Harvard Business Review um artigo de 1997
sobre Processo Justo, de W. Chan Kim e Renée Mauborgne, no qual partem
da premissa de que as pessoas se importam mais com o processo utilizado
do que com as decisões tomadas em si para discutir como isso pode ser
aplicado à área de gestão.
Foram apresentados três princípios:
1. Engajamento: significa incluir as pessoas nas decisões que as afetam,
convidando-as a contribuírem com sua opinião e criando um ambiente
Comunicação e relações interpessoais | 141

no qual haja espaço para que suas percepções sejam consideradas e


para feedback. Esse estímulo encoraja a participação, contribuindo para
a construção de uma sabedoria coletiva, o que resulta em decisões to-
madas com maior número de informações e compromisso das pessoas
envolvidas na sua execução.
2. Explicação: significa que cada pessoa envolvida e afetada por uma deci-
são deve compreender os seus porquês. A explicação da racionalidade
das decisões constrói ambiente de maior confiança na gestão, mesmo
que suas próprias ideias tenham sido rejeitadas. Essa prática favorece o
aprendizado por meio do compartilhamento das ideias e dos feedbacks.
3. Transparência das expectativas: é o exercício de uma gestão com
transparência sobre as regras do jogo. Assim, as pessoas podem com-
preender suas responsabilidades e os respectivos padrões considerados
nas medidas tomadas em caso de erros, falhas e penalidades. O foco
está na compreensão do que é esperado de cada pessoa, tendo como
objetivo a qualidade das entregas e a colaboração para a excelência do
trabalho a ser desempenhado.
Essa abordagem do Processo Justo foi incorporada nas Práticas Restau-
rativas, que partem da hipótese fundamental de que as pessoas são mais
felizes, mais produtivas e cooperativas, além de mais propensas a fazer pro-
cessos de mudança quando aqueles em posição de autoridade fazem coisas
com elas, em vez de para elas ou por elas.
O conceito de Práticas Restaurativas expande a proposta original da
Justiça Restaurativa, atrelada inicialmente ao âmbito criminal no sentido de
reparar os danos causados às pessoas e aos relacionamentos, incluindo tan-
to quem cometeu o ato danoso quanto quem sofreu as suas consequências
e também a comunidade.
A expansão das Práticas Restaurativas inclui tanto o uso proativo quan-
to preventivo em diferentes áreas, para além da criminal, promovendo uma
base criativa para a expressão das potências humanas, que somadas podem
criar novas perspectivas coletivas sobre responsabilidade e cuidado.
Os elementos e competências essenciais das Práticas Restaurativas no
contexto escolar incluem:
- compaixão – apoiar as necessidades acadêmicas e socioemocionais de
discentes;
- gestão de conflitos – atuar rapidamente diante de conflitos e reparar os
eventuais danos por meio de intervenções restauradoras;
142 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

- coragem – lidar com as pessoas de forma direta e justa, fornecendo


feedback honesto e construtivo;
- integridade e confiança – envolver-se em autorreflexão honesta, in-
cluindo vulnerabilidade e autoconsciência;
- habilidades interpessoais – construir relacionamentos positivos e ativos
com discentes, famílias e colegas;
- escutar – estimular o diálogo e utilizar perguntas restaurativas;
- valorizar a diferença – promover um ambiente de inclusão, com trata-
mento igualitário e justo, considerando as diferenças e as necessidades de
cada pessoa.
As perguntas restaurativas, mencionadas anteriormente, referem-se a
duas aplicações:
• diante de um comportamento desafiador, questionar
▪▪ O que houve?
▪▪ Em que você estava pensando no momento?
▪▪ Em que pensou desde então?
▪▪ Quem foi afetado(a) por suas atitudes? De que maneira?
▪▪ Em sua opinião, o que é preciso para tornar as coisas melhores?

• para apoiar alguém que foi prejudicado(a) pelas ações de outra pessoa,
indagar
▪▪ Em que você pensou ao perceber o que havia acontecido?
▪▪ Que impacto o incidente causou em você e nas demais pessoas?
▪▪ Para você, qual foi a coisa mais difícil?
▪▪ Em sua opinião, o que é preciso para tornar as coisas melhores?
Costello, Wachtel e Wachtel (2011, p. 12) afirmam que "essas perguntas
procuram trazer à tona a história dos atos e dos eventos, os pensamentos e
os sentimentos associados a tais atos e eventos, e soluções para resolver as
coisas, em vez de culpar os outros e procurar justificativas para determinado
comportamento".
Pedro Scuro Neto (2008) relata sobre a primeira experiência com com-
ponentes da Justiça Restaurativa no Brasil, realizada em 1998, em algumas
escolas públicas da cidade de Jundiaí, no estado de São Paulo, dentro
de um programa de pesquisa sobre prevenção de desordem, violência e
criminalidade.
Comunicação e relações interpessoais | 143

Segundo ele, foi uma "tarefa de ‘equipes de implementação’ compostas


de pesquisadores e funcionários de cada escola envolvida no Projeto, cola-
borando todos no desenho do experimento e na execução (e revisão) das
práticas de intervenção" (SCURO NETO, 2008, p. 5).

Sobre a mediação e a mediação escolar no Brasil


Para Possato et al. (2016), a mediação é negociação, sobretudo uma ne-
gociação psicossocial, ou seja, envolve o que ofereço e o que perco, além do
que faço a partir de minha própria decisão, de meu próprio posicionamento,
sem que eu seja impelido por outra pessoa.
Existem alguns princípios que baseiam o processo de mediação, como
o princípio da voluntariedade, pois os protagonistas envolvidos no conflito
devem desejar que a mediação ocorra e participar dela voluntariamente.
Já o princípio da imparcialidade significa que o mediador deve ser alguém
que apenas conduz a mediação, sem tender a uma das partes. Já o princípio
da confidencialidade refere-se ao fato de a mediação ser um processo que
apenas deve envolver mediador e protagonistas do conflito (MORGADO;
OLIVEIRA, 2009; ORTEGA-RUIZ; DEL REY, 2002 apud POSSATO et al., 2016).
A solução é construída, negociada pelas partes, que devem obter um
benefício, evitando-se uma postura antagônica de "perdedor-ganhador"
(SEIJO; GONZÁLEZ, 2008 apud POSSATO et al., 2016).
A mediação escolar é oriunda da mediação de conflitos em contextos
não escolares. Em meados da década de 1980, a mediação estende-se a
contextos como a comunidade, a família e a mediação penal. Ela passa a
não se restringir única e simplesmente à resolução de litígios. Ainda assim,
possui elementos de práticas do campo jurisdicional, como a conciliação e
a arbitragem. 
Na década de 1990, então, surgem práticas alternativas de resolução
de conflitos e diversos projetos para mediadores em diferentes países (BO-
NAFÉ-SCHMITT, 2009 apud POSSATO et al., 2016). A mediação escolar não
pode ser desempenhada por pessoas da equipe docente e gestora, para
que se mantenha a neutralidade, bem como por pessoas que não foram for-
madas para tal finalidade (ORTEGA-RUIZ; DEL REY, 2002 apud POSSATO et
al., 2016).
A mediação escolar não pode ser desempenhada por pessoas da equi-
pe docente e gestora, para que se mantenha a neutralidade, bem como por
144 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

pessoas que não foram formadas para tal finalidade (ORTEGA-RUIZ; DEL
REY, 2002 apud POSSATO et al., 2016).
O Brasil possui uma trajetória de projetos e programas inseridos nas
políticas públicas que visam amenizar as violências nas escolas. Devido à
intensidade de fatos ocorridos na década de 1990, o Ministério da Justiça
encarregou uma comissão de especialistas da Secretaria de Direitos Huma-
nos de elaborar diretrizes para a diminuição das manifestações violentas
nas escolas. O "Programa Paz nas escolas" foi difundido em nível nacional e
focava a formação de professores e de policiais para lidarem com o tema da
violência nas escolas.
Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu-se o projeto
"Escolas de Mediadores", em 2000. A ideia era capacitar alunos para que
utilizassem as técnicas de mediação de conflitos com seus colegas. Foi apli-
cado em duas escolas públicas do Rio de Janeiro (SALES; ALENCAR, 2004
apud POSSATO et al., 2016). Outras experiências pontuais aplicadas em al-
gumas escolas surgiram nas cidades de São Paulo (RUOTTI; ALVES; CUBAS,
2006 apud POSSATO et al., 2016), de Porto Alegre (SANTOS, 2001 apud
POSSATO et al., 2016), no estado do Ceará (BEZERRA, 2008 apud POSSATO
et al., 2016), entre outras.
Em junho de 2010, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Se-
esp), juntamente à Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e
à Secretaria da Segurança Pública criaram a função do "Professor Mediador
Escolar e Comunitário" (PMEC). Em grande parte, essa função surgiu como
resposta às manifestações de violência na escola, principalmente as propa-
gadas indiscriminadamente pela mídia. De acordo com a Resolução SE nº 19,
de 12 de fevereiro de 2010, esse profissional deveria, entre outras funções,
"adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar
o desenvolvimento de ações e programas de Justiça Restaurativa" (SÃO
PAULO, 2010, art. 7º). Os PMECs seriam os professores responsáveis pelo
desenvolvimento do Sistema de Proteção Escolar. Quase mil professores
de diferentes áreas de ensino atuaram como PMECs nas escolas estaduais
paulistas em 2010. De acordo com a tese de Possato (2014), esse profissional
não assumiu as funções de um mediador de conflitos, tampouco utilizou a
Justiça Restaurativa, e essas técnicas permaneceram apenas na legislação e
no nome dado a essa função na educação paulista.
A seguir, trazemos alguns destaques feitos por Possato et al. (2016) acer-
ca da mediação escolar no Brasil e na América Latina:
Comunicação e relações interpessoais | 145

A maioria dos programas e projetos envolvendo a mediação escolar pos-


suía equipes de mediadores e não se concentrava em uma única pessoa.
Outro fator é que em alguns casos a convivência passava a ser incor-
porada ao currículo, como um tema transversal. No caso colombiano, o
gerenciamento dos conflitos escolares passou a ser uma competência
exigida ao diretor. [...] A maioria dos países [da América Latina] tem na
área judicial o nascimento de seus projetos [de mediação escolar], o
que já aponta uma judicialização da educação. Porém, no Brasil torna-se
pior, pois o programa para se amenizarem as violências nas escolas é
um projeto conjunto com a Secretaria de Segurança Pública, tornando a
educação um caso de polícia (POSSATO et al., 2016, p. 364).

Houve, ainda, alguns estímulos do legislativo brasileiro quando, em 2015,


foi publicada a Lei de Mediação (Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015) e ins-
tituído o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, mais conhecido
como bullying, em todo o território nacional (Lei nº 13.185, de 6 de novembro
de 2015). Em 2018, também foi incluída entre as atribuições das escolas a
promoção da Cultura da Paz e de medidas de conscientização, prevenção e
combate a diversos tipos de violência (Lei nº 13.663, de 14 de maio de 2018).
Pensar mediação interpessoal significa contemplar programas de forma-
ção para profissionais da educação sobre conflitos e outras causas difusas
que repercutem negativamente na convivência escolar, assim como sobre as
estratégias mais apropriadas para sua prevenção e tratamento.
Contudo, para o enfrentamento e a resolução de conflitos em contextos
escolares pluriculturais, faz-se necessária uma mediação intercultural, que,
para além da mediação interpessoal, contemple a compreensão, o diálogo
e o desenvolvimento comunitário entre culturas, respeitando e integrando a
multiplicidade cultural e socioeconômica (ORTEGA; COLS, 2004 apud POS-
SATO et al., 2016).

A figura do mediador socioeducativo


Costa e Silva et al. (2010) trazem estudo com o objetivo de identificar e
definir o papel dos mediadores socioeducativos e caracterizar contextos e
práticas de mediação socioeducativa em Portugal.
No Brasil, é importante compreender que o conceito "socioeducativo"
se refere às práticas com adolescentes em conflito com a lei, nos termos da
Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que Institui o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (Sinase).
146 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A noção de mediação tem sido ligada a uma multiplicidade de tarefas,


as quais são, essencialmente, sociais e educativas. O principal objetivo da
mediação é proporcionar uma aprendizagem que supere a reatividade,
substituindo-a por uma atividade consciente. A mediação pode ser enten-
dida como uma cultura de mudança social (MUNNÉ; MAC-CRAGH, 2006;
TORREMORELL, 2008 apud COSTA E SILVA et al., 2010) que promove a
compreensão entre os diferentes participantes no processo de mediação,
defende a multiplicidade, as diferentes versões sobre a realidade e fomenta
a livre tomada de decisões e compromissos, contribuindo para a participa-
ção democrática.
A mediação socioeducativa é aquela que ocorre, preferencialmente,
em ambientes escolares, associativos e comunitários, enquanto método de
resolução e gestão alternativa de conflitos. Implica, por parte do mediador
socioeducativo, uma polivalência de funções, de forma a permitir a melhoria
do acesso aos recursos humanos e materiais, o apoio e a articulação com
outros profissionais, além da criação de redes comunitárias. Trata-se do en-
tendimento do papel político e social da mediação, para além da dimensão
técnica.
Uma profissão define-se a partir de um corpo especializado de traba-
lhadores, que dominam determinado conhecimento (prático e/ou teórico)
considerado socialmente relevante, e que se sentem identificados entre si,
considerando-se parte integrante desse coletivo. No caso dos mediadores,
exige-se um saber com raízes sociológicas e antropológicas, reinvestido e
alargado no pensamento contemporâneo, cuja especificidade se encontra
mais no agir, na práxis, ou seja, na atividade do mediador, que, além da com-
petência técnica, necessita de forte competência ético-reflexiva.
Segundo Costa e Silva et al. (2010), é cada vez mais presente a figura do
mediador formal em ambientes institucionais diversos. Os mediadores são
trabalhadores com formações muito diferenciadas. Os autores trazem uma
pesquisa realizada por meio de questionários com 225 mediadores socioe-
ducativos em Portugal.
Essa pesquisa trouxe que esses mediadores são, em sua maioria, do pú-
blico feminino (81,3%), na faixa etária entre 22 e 35 anos (91,1%), solteiros(as)
(64,6%) e com residência na região de Lisboa e Vale do Tejo, Portugal. A
grande maioria tem ligação recente com o trabalho atual (80%), e o vínculo
é precário, mas com contrato de trabalho (72,4%), embora esse contrato seja
Comunicação e relações interpessoais | 147

inferior a dois anos (apenas 28,7% dos sujeitos têm contrato com mais de
dois anos). A grande maioria encontra-se em seu primeiro emprego (62,9%).
Os participantes do estudo desenvolvem a sua atividade profissional
como mediadores socioeducativos em diferentes contextos de trabalho:
instituições públicas e privadas e programas interministeriais. Eles intervêm
em diferentes contextos sócio-organizacionais, embora o contexto escolar
seja o que tem maior representatividade. Alguns também são inseridos em
práticas da mediação no contexto associativo, no tipo de mediação intercul-
tural, e tem como população-alvo a imigrante; outros atuam na mediação
comunitária ou outro tipo.
A população jovem e os jovens alunos são os que mais correspondem ao
alvo da intervenção dos mediadores socioeducativos. Em grande medida,
isso está relacionado ao objetivo fundamental dos programas e das institui-
ções, assim como ao combate ao insucesso e abandono escolar como polí-
ticas socioeducativas ao longo dos anos de 2004/2005, em consequência do
mandato da Estratégia de Lisboa.
É igualmente relevante salientar que, independentemente dos contextos
em que ocorre a mediação, a modalidade de intervenção em equipe é aque-
la que mais é mobilizada pelos mediadores. O fato de intervirem em equipe
parece evidenciar a mobilização de distintos recursos humanos, distintos
profissionais e instituições diversas, trabalhando em rede. Essa característica
é mais um indicador de que a sua intervenção mobiliza outros recursos, para
além da simples técnica de resolução alternativa de conflitos. Isso traduz a
natureza multidisciplinar e multifuncional da mediação socioeducativa, que
se assume como atividade complexa, mobilizadora de diferentes perfis e
competências pessoais e profissionais.
Os mediadores socioeducativos que participaram têm, em sua maioria,
formação acadêmica de nível superior (92,1%), e 25,3% possuem pós-gra-
duação, como mestrado e doutorado (8,4% dos mediadores). A preparação
para o exercício da função desses mediadores apresenta-se muito diversa,
tendo como áreas nucleares aquelas que preparam para a intervenção na
área de psicologia e socioeducativa. Contudo, também se verifica a pre-
sença de mediadores com outros tipos de formação, como Ciência Política,
Estudos Europeus, Geografia e Planeamento etc. Uma das explicações para
essa realidade é a carência de trabalho em Portugal para jovens qualificados
com formação superior, mas naturalmente o conceito aberto de "mediador"
148 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

e a falta de definição de um perfil, quer de formação, quer de desempenho,


também ajudam a explicar essa multiplicidade de formações.
Para Costa e Silva et al. (2010), o mediador deve ser alguém que domina
técnicas de comunicação, como a escuta ativa, a assertividade, a empatia, a
imparcialidade, a gestão da dinâmica de grupos etc. Outro núcleo de itens
pode ser associado à capacidade de observar e analisar os contextos, para
uma ação adequada (ser bom observador/estar atento ao que o rodeia; ser
capaz de identificar problemas; conhecer traços culturais dominantes da po-
pulação com que trabalha; conhecer os códigos linguísticos da população).
Outras características são também valorizadas pela maioria como muito
importantes, por exemplo, a responsabilidade, o autocontrole, a motivação,
a paciência, a resistência às adversidades e a capacidade de inspirar admi-
ração nos outros. Estimam também a dimensão ética do trabalho do media-
dor, ao sublinharem o valor da consideração pelo outro e o do interesse pelo
bem comum.
Para que a natureza multidisciplinar e complexa da mediação seja social
e legalmente reconhecida, são necessários, além de um efetivo investimento
na formação desses agentes educativos, critérios ajustados às exigências
dos contextos no seu recrutamento e seleção (OLIVEIRA; GALEGO, 2005
apud COSTA E SILVA et al., 2010). A falta de definição de um perfil espe-
cializado não favorece o reconhecimento social e legal de uma atividade
cada vez mais fundamental na educação para uma cidadania responsável e
pacífica nas sociedades contemporâneas.

Aprendizagem do feedback oral


Como está o meu estado emocional para compartilhar com outras pes-
soas as minhas impressões? O que eu desejo ao compartilhar as minhas
impressões? Como posso contribuir para o desenvolvimento de comporta-
mentos que eu valorizo? O que a outra pessoa fez ou disse e como eu recebo
esse estímulo?
Essas perguntas são pontos de partida para utilizar a Comunicação Não
Violenta ao dar um feedback. Um importante componente da CNV para o
compartilhamento de percepções é a observação: descrever a realidade por
meio dos sentidos do modo mais objetivo possível, isto é, apresentando
fatos, dados, o que é observável sobre o que se viu, ouviu ou que outra
pessoa fez.
Comunicação e relações interpessoais | 149

Essa é uma prática de investigação constante, de ter consciência sobre


os julgamentos, preconcepções e juízo de valor diante de uma situação e
apresentar por meio do feedback a ação específica, a frase mais próxima da
dita pela pessoa ou o comportamento observado.
Segundo Brené Brown, "as figuras de autoridade na escola têm um poder
e uma influência enormes, e o modo como eles escolhem usar esse poder e
essa influência transforma as pessoas. Para o bem e para o mal" (BROWN,
2019, p. 141). Ela sistematizou o seguinte checklist de ações necessárias a um
bom feedback:

1. Disponibilidade para sentar ao lado, e não do outro lado da mesa.


2. Desejo de colocar o problema na nossa frente, e não entre nós.
3. Querer ouvir, fazer perguntas e aceitar que posso não estar enten-
dendo a questão por completo.
4. Reconhecer o que a pessoa faz bem em vez de ressaltar os seus
erros.
5. Reconhecer os pontos fortes e a forma como você pode usá-los para
lidar com os seus desafios.
6. Pedir que a outra pessoa se explique sem a intenção de vergonha
ou culpa.
7. Disponibilidade para assumir a minha participação.
8. Possibilidade de agradecer sinceramente pelo empenho em vez de
criticá-lo por suas falhas.
9. Explicar como solucionar esses desafios para levar a outra pessoa a
um crescimento e a novas oportunidades.
10. Ser exemplo da vulnerabilidade e da franqueza que desejo da outra
pessoa (BROWN, 2019, p. 205).

A proposta da CNV é uma possibilitar uma comunicação eficiente, como


uma expressão da autenticidade, considerando a dignidade da outra pessoa
nos relacionamentos.
Para tanto, a autora Brené Brown (2019, p. 35) apresenta a cultura da
coragem como estratégia para liderança, destacando quatro habilidades a
serem desenvolvidas:

1. Encarar a vulnerabilidade;
2. Viver de acordo com os nossos valores;
3. Desafiar a confiança;
4. Aprender a crescer.
150 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Encarar a vulnerabilidade está relacionado à capacidade de confrontar


"o sentimento que experimentamos durante períodos de incerteza, instabi-
lidade e exposição emocional" (BROWN, 2019, p. 35).
Viver de acordo com os valores é o alinhamento entre como reagimos
e aquilo que desejamos cuidar, construir, desenvolver e ver se desenvolver
nas relações. Pode ser um bom momento para rever a lista de necessidades,
apresentada por Marshall Rosenberg (2006), para acessar os valores que são
mais importantes para você e reconhecer na equipe o que as demais pesso-
as também valorizam.
Desafiar a confiança refere-se a estimular uma cultura de engajamento,
conversas difíceis e abertura ao outro, para que as armaduras não sejam
necessárias ou recompensadas, o que, consequentemente, gera uma cultura
de aprendizado constante, tendo como base a confiança de que cada erro
é parte do processo de desenvolvimento e contribui para a excelência do
trabalho desempenhado.
E como receber um feedback?
Heen e Stone (2014) trazem reflexões sobre como receber um feed-
back, equilibrando duas necessidades humanas: a de aprendizado e a de
aceitação.
O primeiro ponto apresentado é sobre compreender seus próprios sen-
timentos e reconhecer os seus gatilhos, ou seja, quais os estímulos que tiram
você do seu centro, impactam suas reações, que passam a ser respostas de
fuga ou de ataque.
Para tanto, apresentam seis passos a serem considerados para receber
um feedback:
1. Conheça as suas tendências – você tem o hábito de se defender utilizan-
do fatos? Argumenta sobre o método? Contra-ataca? Aceita ou rejeita
imediatamente o que a outra pessoa apresenta para você? Esse passo é
fundamental para ter abertura para aprender a partir do que chega até
você por meio de um feedback.
2. Faça a distinção entre o que foi dito de quem disse – concentre-se no
conteúdo do feedback e separe a mensagem do mensageiro.
3. Aprenda com o feedback, seja ele avaliativo ou de aprimoramento – quan-
do o feedback é avaliativo, há a oportunidade de saber onde você está,
o que é esperado de você. Quando de aprimoramento, permitem que
você se desenvolva para um patamar superior. Ambos são importantes.
Comunicação e relações interpessoais | 151

4. Desembrulhe o feedback – nem sempre conseguimos imediatamente


compreender o valor ou a utilidade de um feedback, então dê um tempo
para processar as informações recebidas.
5. Peça feedback sobre algo específico – você reduz as possibilidades de
gatilhos quando pede feedback sobre algo específico e direciona o tema
para as habilidades que deseja desenvolver.
6. Coloque em prática aos poucos– ao colocar o feedback em prática nem
sempre se obtém o efeito imaginado, então coloque-o em prática aos
poucos para testar o que funciona ou não para você.
Exercer liderança inclui, além de oferecer feedbacks que contribuam
para o desenvolvimento da equipe, a abertura para escutar a contribuição
de todas as pessoas, construindo um ambiente de aprendizagem constante,
com confiança e segurança para que as diferenças reflitam em criatividade.

Escuta ativa para as relações existentes dentro e fora da escola


(professores, equipe gestora, funcionários, alunos, pais e
comunidade)
Entre ouvir e escutar, há uma distinção: a intenção. Enquanto o ato de
ouvir está relacionado à nossa capacidade de captar os sons por meio da
audição, a escuta está relacionada à nossa habilidade de compreender as
informações que chegam pelos nossos sentidos. A palavra "escuta" é acom-
panhada de diferentes adjetivos de acordo com a área do conhecimento na
qual está sendo utilizada.
Dunker e Thebas (2019) utilizam a expressão "escuta lúdica", ao descre-
verem que "escutar o outro é como um jogo que envolve estratégia e tática,
ler as regras escritas e não escritas a partir das quais aquela pessoa se ex-
pressa, pensa e se coloca diante do outro" (DUNKER; THEBAS, 2019, p. 55).
Carl Rogers (2009), psicólogo humanista, utiliza a expressão "compreen-
são empática" para se referir ao ato de perceber o mundo da pessoa a partir
da perspectiva dela, compreender os seus sentimentos, os seus atos e entrar
no mundo dela para vê-la como ela vê a si mesma, aceitando-a, para que ela
se sinta segura.
No campo da mediação de conflitos, a escuta ativa é definida por Tania
Almeida como
152 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

intervenção primordial nos diálogos colaborativos – aqueles que têm


proposta inclusiva e buscam solução de benefício mútuo – e nos diálogos
produtivos – aqueles que privilegiam a reflexão em detrimento da contra-
-argumentação, a construção de consenso em detrimento do debate, o
entendimento em detrimento da disputa (ALMEIDA, 2014, p. 67).

Como a escuta ativa permeia as relações existentes dentro e fora da


escola, com professores, equipe gestora, funcionários, alunos, pais e
comunidade?
Por meio da atenção física, com nossas expressões corporais, e da aten-
ção emocional, com a presença atenta ao que está acontecendo com as
pessoas diante de mim.
A postura diante de cada relação é o elo com a escuta ativa e deve ser
um foco de atenção.
O planejamento de reuniões pode ser um momento para exercitar a es-
cuta ativa, seja antes, para a construção da pauta do encontro, seja durante
a atividade em si. A contribuição de cada pessoa com sua perspectiva e voz
desenvolve uma comunidade escolar aberta à multiplicidade. Somos seres
plurais, e como lidamos com os conflitos, com o espaço de aprendizagem
sobre as diferenças?
Como tornar as reuniões mais efetivas?
A Sociocracia1 apresenta propostas de reuniões curtas e eficazes, com a
definição prévia de assuntos específicos, sem misturar diferentes temas. Por
serem breves, sugere-se sua inserção diária na cultura organizacional.
A prática de reuniões diárias foi utilizada no Extreme Programming,
traduzido como Programação Extrema, ou XP, uma metodologia ágil para
desenvolvimento de software com requisitos vagos e em constante mudan-
ça, e posteriormente foi reinventada pela metodologia ágil para gestão e
planejamento de projetos de software denominada Scrum.
Quais as similaridades entre o desenvolvimento de software e as ativida-
des de direção da escola?
O software utiliza um conjunto de códigos, instruções escritas em de-
terminada linguagem da computação, e para a sua criação é fundamental

1 Sociocracia é "um conjunto de princípios, padrões e processos de tomada de decisão,


governança, operações e feedback para implementar a autogestão nas organizações,
transformando a estrutura e a cultura e deixando-as mais resilientes, responsivas e efi-
cazes". Disponível em: <https://www.sociocracia.org.br/metodologias/>. Acesso em: 24
out. 2020.
Comunicação e relações interpessoais | 153

ouvir, colher informações, fazer protótipos, testar, ajustar, homologar e


implementar.
No ambiente escolar, a atividade de direção da escola também inclui
uma linguagem própria, que é desenvolvida na escuta dos professores, equi-
pe gestora, funcionários, alunos, pais e comunidade.
A Sociocracia aponta que uma forma de preparar reuniões curtas e efi-
cientes é definir qual é a "altitude" da conversa. Assim, para cada reunião,
estabeleça previamente se é uma reunião em terra, avião ou satélite:

Satélite: É a imagem grande de uma situação complexa. São reuniões


de brainstorming em torno de processos e para decidir quem faz o quê.
Planeje a meta, visão, pensando na estrutura.
Avião: É a divisão do planejamento em etapas, chamada "sprint". Cada
uma dessas fases possui tempo definido que pode durar entre uma se-
mana e um mês. Planeje os próximos dias e/ou semanas com prazos,
revisão de métricas, retrospectivas e feedbacks.
Terra: É a visualização das ações do dia e talvez do dia seguinte. Planeje
reuniões Lean ("reuniões diárias" de 15 minutos realizadas em pé para
que assuntos importantes sejam tratados).2

A proposta de realização de reuniões diárias tem como objetivo estimu-


lar o acesso à inteligência coletiva nas atividades diariamente, contribuindo
também para remover eventuais bloqueios e promover alinhamento da equi-
pe. As reuniões diárias são pensadas para serem feitas com todos de pé e se
adaptam melhor a equipes de três a nove pessoas, com previsão de duração
de cinco a dez minutos antes de começar o dia:

Cada membro da equipe responde às perguntas:


O que você fez ontem?
O que você vai fazer hoje?
O que está te bloqueando?
Se houver algum obstáculo para as tarefas do dia de um membro da
equipe, pergunte a ele/a:
Quem você acha que pode ajudá-lo/a?
Ou pergunte ao grupo: Quem pode ajudá-lo/a nisso?
Tente ao máximo remover todos os obstáculos durante o tempo da
reunião. Se você perceber que alguma resolução irá tomar tempo extra,

2 Disponível em: <https://www.sociocracia.org.br/uma-altitude-para-cada-reuniao/>.


Acesso em: 24 out. 2020.
154 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

incentive o planejamento de uma reunião com as pessoas envolvidas no


mesmo dia.3

Para equipes com mais de dez pessoas, sugere-se o Kanban Diário, com
base na filosofia YAGNI (You Aren’t Gonna Need It, ou Você não precisará
disso, tradução livre para o português), como uma ferramenta para manter
atualizado o fluxo de trabalho, seguindo os padrões de: a fazer, fazendo e
feito.
Para tanto, é possível utilizar recursos visuais por meio de quadros dividi-
dos em três áreas, cada uma delas correspondentes aos padrões de a fazer,
fazendo e feito para a organização das tarefas, ou ainda ferramentas digitais
para acompanhamento virtual das informações pela equipe.

Transformação de conflitos nos relacionamentos interpessoais


dentro dos espaços escolares
O primeiro passo na transformação de conflitos é reconhecê-los. Con-
flito aqui é entendido como reconhecimento de diferenças. Enquanto a
resolução de conflitos foca no resultado, a sua transformação acontece por
meio de um processo de mudança, considerando o contexto e os padrões
do relacionamento.
Segundo Lederach (2012, p. 45), "a pergunta da transformação é esta:
Como terminar algo que não desejamos e construir algo que desejamos?".
Por ser um processo de mudança, envolve quatro diferentes perspectivas:
• Pessoal
• Relacional
• Estrutural
• Cultural
A perspectiva pessoal está relacionada ao apoio ao desenvolvimento de
cada ser de forma integral, considerando suas potencialidades física, emo-
cional, intelectual e espiritual.
No âmbito relacional, o foco de atenção é na comunicação que favorece
os entendimentos, por meio do estímulo de práticas de compartilhamento
sobre as emoções e de interdependência dentro da comunidade escolar.

3 Disponível em: <https://www.sociocracia.org.br/reunioes-diarias/>. Acesso em: 24 out.


2020.
Comunicação e relações interpessoais | 155

Quanto ao aspecto estrutural, conforme descreve Lederach:

• Compreender e tratar as causas subjacentes e realidades sociais que


dão princípio à expressão violenta ou nociva do conflito;
• Promover mecanismos não violentos que reduzem o confronto entre
antagonistas e diminuam a violência, por fim eliminando-a;
• Fomentar o desenvolvimento de estruturas que atendam às ne-
cessidades humanas básicas (justiça substantiva) e maximizem a
participação popular em decisões que afetam suas vidas (justiça
procedimental) (LEDERACH, 2012, p. 41).

No que tange à questão cultural, esta perpassa pela identificação e com-


preensão de padrões culturais que são estímulos para a expressão violenta
diante de um conflito e tem como meta o investimento em mecanismos que
promovam a reação construtiva diante de um conflito.
O autor utiliza a imagem de uma pessoa fazendo uma viagem para abor-
dar o tema da transformação dos conflitos e propõe um mapa, um quadro
mais amplo para olhar o conflito, compreendendo três investigações: a situ-
ação presente, o horizonte do futuro e o desenvolvimento dos processos de
mudança.
A investigação da situação presente é a vontade da gestão no sentido de
criar formas de interação e de construção de relacionamento e de estruturas
que estejam alinhadas com a visão de futuro almejada para a comunidade
escolar.
A investigação do horizonte do futuro advém das respostas às seguintes
questões: O que esperamos construir na escola? No mundo ideal, o que
desejamos ver concretizado na comunidade escolar? Esse olhar prospectivo
gera a energia no momento presente para os movimentos que geram mu-
danças em direção ao futuro.
A investigação dos processos de mudança está relacionada às reações
de curto e de longo prazo ao conflito, considerando as quatro diferentes
perspectivas: pessoal, relacional, estrutural e cultural. Isto é, a cada conflito,
deve-se refletir sobre os relacionamentos, os padrões e as necessidades das
pessoas envolvidas para a adoção de medidas que estejam alinhadas com a
construção da comunidade escolar desejada.
No campo do desenvolvimento pessoal, há práticas a serem desenvolvi-
das que contribuem para a transformação dos conflitos:
156 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

1º Desenvolver a capacidade de ver os problemas que se apresentam como


janelas -> o que inclui olhar e ver além dos problemas imediatos (do
vidro em si), para lidar com a pressão pela urgência de dar uma resposta
rápida, considerando também todo o cenário, o contexto e padrões da
situação (o que se vê através do vidro).
2º Desenvolver a capacidade de integrar múltiplas estruturas temporais ->
significa agir no curto prazo com o foco na estratégia a longo prazo,
olhando para os problemas específicos que demandam solução imedia-
ta, integrando as mudanças estratégicas de longo prazo.
3º Desenvolver a capacidade de colocar as energias do conflito como di-
lemas -> rompendo com a visão de isto ou aquilo, para tanto isto como
aquilo, reconhecendo a legitimidade de energias diferentes, mas que
não são incompatíveis, diante de uma situação complexa.
4º Desenvolver a capacidade de fazer da complexidade uma amiga, e não
uma inimiga -> a complexidade está relacionada à multiplicidade de es-
truturas concomitantes, então considere essa oportunidade de aflorar
diversas opções para olhar para um padrão antigo.
5º Desenvolver a capacidade de ouvir e engajar as vozes da identidade ->
dar espaço para as narrativas das pessoas, sobre quem são, de onde
vieram, o que temem perder ou se tornar.
A criação de respostas transformadoras ao conflito compreende consi-
derar a energia gerada pela situação, olhar para os padrões de comporta-
mento dos últimos 5, 10 ou 20 anos e considerar o conflito como uma janela
dentro do contexto relacional dessa comunidade. Olhando através dessa
janela, é possível visualizar os processos de mudança em criação para dar
uma resposta tanto à situação imediata como ao projeto de longo prazo.

Como aplicar a técnica de negociação de Harvard, com base no


livro "Conversas difíceis"?
Dentre as formas que a sociedade vem desenvolvendo para solucionar
os litígios, podem-se citar algumas, como a mediação, a Comunicação Não
Violenta e a técnica de negociação de Harvard.
Neste material, primeiramente explicaremos como aplicar a técnica de
negociação de Harvard, também chamada de Método de Harvard. Esse mé-
todo foi criado como projeto de pesquisa em 1981, na Faculdade de Direito
de Harvard. O projeto tem enorme importância, visto que ajudou até no
Comunicação e relações interpessoais | 157

relacionamento entre EUA e antiga URSS, na época da Guerra Fria. Ele pode
ser utilizado em qualquer tipo de conflito – individual, coletivo, político, fami-
liar, comunitário –, inclusive na escola, por todos os agentes que dela fazem
parte.
Primeiramente, é necessário mudar a nossa posição num conflito, numa
conversa difícil com outra pessoa, de "emissário de mensagens", ou seja, de
alguém que possui "a verdade", "os fatos" e que só vai transmitir tudo isso
ao outro, para uma posição de aprendizado. Só assim será possível construir
o caminho para um diálogo de aprendizado.

Mudar posição: Emissário de mensagens para Posição de aprendizado


Em um conflito existem, na realidade, três diálogos. Para ilustrar, damos
o exemplo de Humberto, aluno de 13 anos do Ensino Fundamental, Joana,
sua professora, e Paulo, diretor da escola.
Humberto corre até a direção da escola, acompanhado por amigos, di-
zendo, aos prantos, que a professora falou que eles moram na favela e que
por isso são preguiçosos e não aprendem. Que seu futuro é ser faxineiro,
lixeiro, senão algo ainda pior. Após uma pausa, para que ele se acalme e
respire, o diretor conversa mais longamente para entender todo o contex-
to que, conforme relatos de seus pares, parece real, e então um deles diz:
"como ela fala isso, se ela mora na rua debaixo da nossa, no mesmo bairro?".
Após bastante tempo de conversa, os alunos falam que tudo poderia
ficar bem se ela pedisse desculpas. Assim, depois do recreio, os alunos su-
biram para uma nova aula, e o diretor pediu para conversar com a referida
professora.
Joana confirma toda a história e coloca mais detalhes, dizendo que os
alunos estão errados por não fazerem o que ela solicita em sala de aula,
provocando as notas baixas de toda a sala. Perguntada sobre suas solicita-
ções aos alunos, a professora simplifica: cópias de trechos de um livro de
sua disciplina. Paulo, o diretor, pergunta a ela se pedirá desculpas, ao que
ela responde que não, em hipótese alguma, e que seriam os alunos quem
deveriam fazê-lo, além de deverem ser disciplinados.
Paulo chama mais uma vez os alunos, diz que as coisas são assim mesmo
e que eles deveriam respeitar a autoridade da professora em sala de aula,
sendo mais disciplinados.
158 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Por trás de todo o conflito, existem, na realidade, três diálogos: "diá-


logo de ‘o que aconteceu?’", "diálogo dos sentimentos" e "diálogo da
identidade".

DIÁLOGO DE "O QUE ACONTECEU?"


Quem está certo?
Quem quis dizer o quê?
De quem é a culpa?
Quem está errado?

Quando o diretor Paulo conversou com os envolvidos no conflito se-


paradamente (Humberto e Joana), cada um deles revelou a sua versão do
que aconteceu. Para cada um deles, existe um diálogo diferente de "O que
aconteceu?". Cada um vai dizer que está "certo", que o outro está "errado"
e que este é "culpado".
Cada qual imagina, assim, que está com "a verdade", com "os fatos".
Ambos se consideram, portanto, "certos" e colocam a culpa na parte opos-
ta, que é quem está "errado".
Esse é o primeiro diálogo de uma conversa difícil, o mais superficial de-
les. Na maior parte das vezes, nós não conseguimos compreender nossos
conflitos de maneira muito mais aprofundada do que essa.

DIÁLOGO DOS SENTIMENTOS

Será que meus sentimentos são válidos? Apropriados? Será que eu de-
veria aceitá-los ou negá-los, expô-los ou guardá-los? O que fazer com os
sentimentos da outra pessoa?
Geralmente, tentamos nos ater à racionalidade, evitando demonstrar e
observar com profundidade nossos sentimentos. No entanto, toda conversa
difícil envolve MUITO os sentimentos, e eles não podem ser deixados de
lado.
Os sentimentos podem, às vezes, parecer inadequados, principalmente
no trabalho dentro da escola. Além disso, os sentimentos deixam-nos vulne-
ráveis, temos medo do que o outro pode pensar ou dizer, se vão se importar
ou não conosco...
Comunicação e relações interpessoais | 159

Na realidade, um conflito é basicamente uma conversa de sentimentos.


Assim, como a questão central são eles, aonde conseguimos chegar se não
os enfrentamos?
Alguns dos maiores desafios do ser humano são: compreender seus
sentimentos, falar sobre eles e administrá-los. Não há como lidar com senti-
mentos e estar livre de riscos. E falar sobre eles é uma habilidade que pode
ser aprendida.
Na história de Humberto, quais são os sentimentos dos envolvidos?
Aparentemente, Humberto está magoado, porque se sentiu ofendido por
Joana, enquanto esta está com raiva dos alunos, porque sente que eles não
a respeitam, e ela sente a necessidade de ser respeitada.

DIÁLOGO DA IDENTIDADE

O diálogo da identidade traz um conflito interno. Será que somos com-


petentes ou incompetentes? Pessoas boas ou más? Dignas de amor ou não?
Como o que aconteceu afeta a minha autoimagem, meu amor-próprio e
o sentido de quem sou no mundo? Na realidade, apesar de não parecer, em
qualquer diálogo difícil, a dificuldade geralmente reside em nossa identida-
de, ou seja, no que contamos a nós mesmos sobre quem somos.
Assim, no exemplo anterior, provavelmente o conflito afetou o diálogo
da identidade de Joana, que se sente incompetente como professora, já que
seus alunos não realizam as tarefas que ela propõe. Quanto a Humberto, o
diálogo afeta sua identidade no sentido de se questionar se talvez ele seja
mesmo um preguiçoso, morador da favela e que "nunca será nada na vida".
Quando você começa a perceber as consequências do diálogo em
sua autoimagem, pode começar a perder o equilíbrio no diálogo. Perder o
equilíbrio pode gerar a perda da autoconfiança, da concentração e levar ao
esquecimento do que íamos dizer. Em casos extremos, pode parecer que
nosso mundo ruiu. Quando encontramos o caminho da identidade, contudo,
podemos transformar em força o que geralmente é fonte de ansiedade.

A suposição da verdade – Você não está certo


"Mas não é possível!", você pensa. "Eu preciso estar certo às vezes". A
questão é que um diálogo difícil não é sobre quem está certo, mas sobre o
que é importante – percepções, interpretações, valores.
160 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

No diálogo de "O que aconteceu?", o distanciamento da suposição da


verdade permite-nos deixar de tentar provar que estamos certos, para com-
preendermos as percepções, interpretações e valores de ambos os lados.

A invenção da intenção
Você gritou comigo para me magoar ou para enfatizar seu ponto de vis-
ta? Você me chamou de favelado e preguiçoso para me ofender ou para me
pressionar a estudar mais e ter melhores resultados na escola?
Presumimos que sabemos as intenções do outro, quando, na verdade,
não sabemos. Nossas suposições são baseadas no comportamento das pes-
soas. Ou seja, nós as criamos, inventamos.
As pessoas agem com intenções variadas. Às vezes, agem sem intenção,
ou pelo menos nenhuma que esteja relacionada a nós. Às vezes, agem com
boa intenção, mas, mesmo assim, acabam nos magoando.

A estrutura da culpa
Quem é o culpado? Precisa haver um culpado, não importa quem seja,
contanto que não sejamos nós. Quem agiu de forma errada? Essa forma de
olhar gera discordância, contestação e pouco aprendizado. Ninguém quer
ser culpado, principalmente de maneira injusta, então a energia da pessoa é
direcionada para sua defesa.
Olhando como observadores imparciais, é possível enxergar que existe
contribuição de todos os lados num conflito. No exemplo anterior, podemos
perceber que Humberto contribuiu para o problema não realizando as tare-
fas propostas e sendo indisciplinado em sala de aula, enquanto a professora
Joana contribuiu sendo ofensiva e magoando o aluno.
No entanto, é muito mais difícil perceber que contribuímos para o pro-
blema quando estamos envolvidos nele.
Falar de culpa atrapalha a investigação dos motivos pelos quais a situa-
ção culminou no conflito e de como evitar que aquilo se repita.

Achamos que o problema é o outro


Geralmente, podemos pensar que "toda história tem dois lados". No
entanto, a maioria das pessoas não engole isso. Bem no fundo, acreditamos
que o outro está errado. Exemplos:
Comunicação e relações interpessoais | 161

a) "Eles são egoístas" (um aluno acha que o outro é egoísta por não ajudá-
-lo no trabalho em grupo);
b) "Eles são irracionais" (aluno pensa que a professora é maluca, porque
gritou com ele durante a aula, ou seja, considera que a professora é
irracional).
Ficamos frustrados, porque a outra pessoa não nos ouve. Assim, senti-
mo-nos impotentes diante do problema.
Então, o que podemos fazer? Escutar o outro. O outro acha que nós
somos o problema.
A professora Joana acha que Humberto é desrespeitoso e preguiçoso,
porque é indisciplinado e não completa as atividades propostas. Já Hum-
berto considera que Joana é malvada, porque ela o magoou por um motivo
banal.
Por que nunca pensamos que o problema pode ser nós mesmos? Porque
sempre somos coerentes em nossas versões do que aconteceu. Não nos
vemos como problema, porque, de fato, não o somos. O que estamos
dizendo realmente faz sentido. Contudo, não percebemos que o que o outro
diz também faz sentido. Assim, na realidade, o choque ocorre porque as
pessoas têm histórias diferentes. Nossas histórias são construídas seguindo
estes passos:
• recebemos informações;
• vivenciamos o mundo (visões, sons e sentimentos);
• interpretamos o que vemos, ouvimos e sentimos;
• damos significado a tudo isso;
• tiramos conclusões do que está acontecendo.
A cada passo, há a possibilidade de nossa história chocar-se com a do
outro. Em conversas difíceis, é comum negociarmos conclusões, sem com-
preendermos as histórias por trás: as formas de ver e interpretar o mundo.

Possuímos informações diferentes


Não conseguimos absorver todas as informações, fatos e sentimentos
envolvidos, até mesmo em um simples encontro. Acabamos notando algu-
mas informações e ignorando outras. O que notamos tem a ver com o que
somos e com o que importa para nós. Alguns prestam mais atenção em
sentimentos e relacionamentos. Outros, ao status e ao poder. Alguns são
162 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

artistas; outros, cientistas; outros, pragmáticos. Alguns tendem a ver a si


próprios como vítimas; outros, como heróis, observadores ou sobreviventes.
Cada um presume, então, que possui "os fatos", quando, na realidade, pos-
sui informações daquilo a que prestou atenção.
Além disso, mesmo possuindo as mesmas informações, damos a elas
interpretações diferentes. Para você, o copo está meio vazio; para mim, é
uma metáfora para a fragilidade da espécie humana. Eu sou um poeta, você
está com sede.
Isso tudo tem a ver com:
• nossas experiências passadas;
• regras implícitas que aprendemos sobre como as coisas devem ser feitas.
Quando olhamos para a história passada de alguém, podemos compre-
ender por que certas atitudes fazem sentido. Quando se está em conflito, é
muito útil tornar explícitas as suas regras e encorajar a outra pessoa a fazer
o mesmo.

Nossas conclusões refletem nosso interesse


Procuramos informações que refletem nosso ponto de vista e as inter-
pretamos da forma mais conveniente possível.
Stone, Patton e Heen (2011, p. 31-32) dão um exemplo desse fenômeno,
em que um professor se utilizou da ideia de uma empresa fictícia para um
trabalho em sala de aula:

O professor Howard Raiffa, da Harvard Business School, demonstrou o


fenômeno quando deu a um grupo de pessoas um conjunto de fatos
sobre a empresa. Ele disse a alguns grupos que negociariam para com-
prar a empresa, e a outros, que venderiam a empresa. Em seguida, pediu
que cada grupo avaliasse a empresa da forma mais objetiva possível
(não o preço que ofereceriam para comprá-la ou vendê-la, mas o preço
que achavam que realmente valia). Raiffa descobriu que os vendedores
acreditavam piamente que a empresa valia cerca de 30% a mais do que o
preço avaliado pelo mercado independente. Em contrapartida, os com-
pradores a avaliaram em 30% a menos. Cada grupo desenvolveu uma
percepção própria sem ao menos perceber o que estava fazendo. Eles
enfatizaram mais os aspectos que estavam de acordo com o que queriam
acreditar e tendiam a ignorar, ou atenuar, e até esquecer os que não
estavam.
Comunicação e relações interpessoais | 163

Dessa maneira, percebemos que, sem sequer nos darmos conta disso,
temos a tendência de desenvolver uma percepção que embasa nosso pró-
prio ponto de vista e nossas próprias conclusões. Essa tendência faz parte
da espécie humana, por isso "é necessária uma certa dose de humildade
sobre a exatidão de nossas histórias, especialmente quando há algo impor-
tante em jogo" (STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 32).
Mude da certeza para a curiosidade: substitua "como eles podem pen-
sar isso?" por "gostaria de saber a história que eles possuem para pensar
desse jeito". Compartilhe sua história e encoraje o outro a fazer o mesmo.

Aceite as duas histórias: adote a postura "e"


Quem está "certo"? Quem é o culpado? Essa discussão não gera apren-
dizado, mas sim o conflito. As duas histórias fazem sentido: adoção da pos-
tura "E". Isso não significa que você vai concordar com a história do outro,
mas que vai compreendê-la. É a dedução de que o mundo é complexo. A
postura "E" lhe dá a base para que você sustente completamente a força de
seus pontos de vista e de seus sentimentos, sem ter de diminuir os pontos
de vista e os sentimentos do outro. Algumas vezes as pessoas têm desenten-
dimentos sérios, mas a pergunta mais útil não é "quem tem razão?", mas sim
"agora que realmente compreendemos um ao outro, como podemos fazer
para contornar o problema?".

Não deduza o que os outros queriam dizer – dissocie a intenção do


impacto
Não deduza as intenções dos outros. Às vezes, até existe a intenção de
nos magoar, porém, essas situações são raras. Sem escutar a outra pessoa,
não podemos saber quais as suas reais intenções. Quando pensa que al-
guém é "ruim", "mau caráter" etc., o que você está dizendo com isso? Será
que se sente frustrado, impotente perante aquela pessoa? Isso não é sufi-
ciente para saber quais as intenções e o caráter de alguém. Acusar os outros
de más intenções torna-os defensivos.

Abandone a culpa – delineie o sistema de contribuição


A estrutura da culpa enfoca a punição, e não a compreensão e a tentativa
de resolução do problema. E a punição não gera conexão e não ajuda no re-
lacionamento. A falta de conexão e de acolhimento de alunos, por exemplo,
164 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

pode gerar diversos problemas e vulnerabilidades, como a depressão, a


automutilação e até o suicídio. Assim, nosso objetivo, como educadores,
deve ser tentar resolver os problemas, e não simplesmente punir e buscar
culpados. A não ser em casos extremos, como abuso de crianças, todos os
diálogos difíceis trarão um sistema de contribuição.

Quatro tipos comuns de contribuição para o problema, que geralmente


são negligenciados
• Evitamento: por exemplo, um aluno está cansado de ser vítima de
bullying por um colega, mas não diz isso a ele diretamente, evitando a
discussão;
• Inacessibilidade: se você é inacessível, pode estar mantendo um estilo
interpessoal que mantém as pessoas distantes. Exemplos: desinteressa-
do, questionador, hipersensível, mal humorado, punitivo;
• Interseções: em um casal, por exemplo, para uma das pessoas pode
fazer sentido discutir o relacionamento, porque, em sua história de vida,
houve problemas em sua família justamente pela falta de diálogo. Já
para a outra pessoa pode não fazer sentido, porque, em sua família, ela
sempre teve de ser a "pessoa forte", que tinha de ajudar a todos, sem
tempo para discutir sentimentos;
• Suposições problemáticas de papéis: uma professora que, com base
no passado, parte do pressuposto de que determinado aluno não vai
respeitá-la, por isso já briga com ele, antes de tentar negociar.

Para contornar esse tipo de problema, temos algumas sugestões:


• inicie falando de sua própria contribuição, pois isso evita que o outro se
torne defensivo;
• ajude o outro a compreender exatamente qual foi a contribuição dele,
sendo específico com relação a suas observações e raciocínios;
• explique ao outro como aquilo poderia ser feito de outra maneira, para
que não ocorra novamente no futuro.

Diálogo dos sentimentos – controle seus sentimentos (ou eles o


controlarão)
Os sentimentos são muito poderosos para ficarem calmamente presos.
Eles serão ouvidos de um modo ou de outro, aos poucos ou abruptamente.
Comunicação e relações interpessoais | 165

A teoria da Comunicação Não Violenta (ROSENBERG, 2006) tem como


um de seus pilares a autoempatia. Ter autoempatia e conectar-se com os
próprios sentimentos significa senti-los (e não negá-los), para, a partir daí,
tentar compreendê-los, vendo quais necessidades não estão sendo atendi-
das. Fazendo esse exercício de autoempatia, autoconexão e autocompreen-
são, sua interação com os outros e consigo mesmo será mais fácil.
Aprenda que seus sentimentos são tão importantes quanto os dos ou-
tros. Muitas vezes, pensamos: "não quero perder o equilíbrio"; "não gosto
quando ficam com raiva de mim". Dessa forma, estamos desvalorizando nos-
sos sentimentos. As pessoas com quem convivemos vão, então, reconhecer
isso e nos ver como pessoais manipuláveis.
Quando temos dificuldade em reconhecer o sistema de contribuição e
só queremos apontar a culpa, é bem provável que existam sentimentos que
não estão sendo expressos. Assim, é importante comunicar ao outro, além
da sua própria contribuição e do que você entende como contribuição dele,
os seus próprios sentimentos naquele momento. Porque, muitas vezes, os
sentimentos são a questão principal num diálogo difícil.
O caminho para mudar nossos sentimentos passa pelos nossos pen-
samentos. Assim, ao vermos um tubarão, podemos sentir muito medo de
sermos atacados. Contudo, se formos informados de que aquele tubarão,
na realidade, é um peixe inofensivo, podemos nadar tranquilos e sem medo.
Se tivermos consideração, se formos honestos e se abordarmos a ques-
tão diretamente, nossos sentimentos começarão a mudar. Nossa raiva, an-
siedade, tristeza, decepção podem começar a diminuir.

Diálogo da Identidade – Pergunte a si mesmo o que está em jogo


A vida gira em torno de conflitos de identidade, e não há quantidade de
amor e de realização que possa afastar você desses desafios. Assim, pensar
com clareza e honestidade sobre quem você é pode ajudar a reduzir o nível
de ansiedade durante o diálogo e fortalecer significativamente suas bases.

O pensamento do "tudo ou nada"


Eu sou completamente competente ou completamente incompetente;
sou um péssimo marido ou um marido perfeito; sou uma ótima aluna ou uma
péssima aluna.
166 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Esse pensamento de "tudo ou nada", sem meios-termos, deixa a identi-


dade muito instável, o que nos torna muito sensíveis a um feedback. Assim,
tendemos a negar a informação, ou então a dar importância exagerada a ela.
• Negação: grande energia física despendida. Em algum momento, a his-
tória que contamos a nós mesmos se tornará insustentável.
• Exagero: agimos como se a informação fosse a única que temos sobre
nós.
É interessante que consigamos incorporar novas informações de forma
saudável, abandonando a ideia do "tudo ou nada". Devemos saber que
todos nos veem como uma mistura de bons e maus comportamentos, de
escolhas mais ou menos nobres etc., assim como vemos os outros. A visão
de si mesmo de forma complexa te fortalece perante a vida.
Outra dica interessante que Stone, Patton e Heen (2011) dão é pedir uma
pausa, caso esteja num diálogo difícil e com dificuldades naquele momento
para conversar.

Crie um diálogo de aprendizado


Qual o seu objetivo? Quando levantar a questão e quando desistir dela?
Mesmo se abrindo e conversando, às vezes o outro não conseguirá mu-
dar. Isso porque ele é tão imperfeito quanto você. Você não vai acertar sem-
pre. Mas pode, pelo menos, tentar, se achar que faz sentido ter a conversa.

O início: comece pela terceira história


Comece o diálogo pela terceira história: a que poderia ser contada por
um terceiro observador, compreendendo as preocupações de cada lado.
Você não precisa conseguir ser um observador imparcial. Você pode
simplesmente começar dizendo: "eu sei que eu e você pensamos de formas
diferentes e gostaria de conversar sobre isso, o que acha?". Convide o outro
para uma investigação conjunta. Os dois podem demonstrar, assim, seus
pontos de vista e os motivos pelos quais veem as questões como veem.
Ao fazer isso, mostramos que nos importamos com o outro e com o
relacionamento.
• Descreva seus objetivos com a conversa;
• Convide, não imponha;
Comunicação e relações interpessoais | 167

• Torne o outro seu parceiro para resolver o problema: use "Será que po-
deria me ajudar a compreender?";
• Explore de onde vem cada história ("Provavelmente minha reação tem a
ver com um trauma que tive no passado...");
• Compartilhe o impacto exercido sobre você ("Não sei se foi sua inten-
ção, mas eu me senti ofendida quando...");
• Assuma a responsabilidade pela sua contribuição ("Sei que não agi bem
quando...");
• Descreva os sentimentos ("Estou ansioso por falar sobre isso, mas, ao
mesmo tempo, acho importante conversar sobre esse assunto");
• Reflita sobre as questões de identidade ("Acho que este assunto me dei-
xa inerte, porque não gosto de pensar em mim mesmo como alguém
que poderia te magoar").

Aprendendo: ouvindo de dentro para fora


É importante termos uma postura de curiosidade com relação ao outro,
à história dele, ao ponto de vista dele. Para isso, devemos fazer perguntas,
parafrasear o que ele diz para ter certeza de que entendemos. Devemos
escutar os sentimentos por trás e comunicar isso ao outro, parafraseando-o.
No exemplo de Humberto do início deste material, o diretor Paulo po-
deria utilizar-se da técnica da paráfrase da seguinte forma: "Humberto, me
parece que você está bastante magoado e se sentindo ofendido em razão
do que a professora Joana lhe disse, afinal, você não quer se sentir diminuí-
do nem gosta de se sentir inferiorizado em razão do bairro onde você mora.
É isso mesmo?". É preciso checar o entendimento, porque nós, muitas vezes,
pensamos que sabemos o que o outro sente e pensa, porém, não sabemos.
Por isso, é importante uma mudança de postura de eu compreendo para
me ajude a compreender.
Para que haja curiosidade genuína, contudo, você precisa gerir sua voz
interna. Porque, se não souber administrá-la, não conseguirá ouvir o outro.
Mas como administrá-la? Primeiro, tente negociar o caminho para a curiosi-
dade. Se não funcionar, você pode expressar sua voz interna para o outro.
Às vezes, naquele momento você não está conseguindo ouvir e precisa dizer
ao outro que se importa com o que ele tem a dizer, porém, não está conse-
guindo escutá-lo no momento por estar se sentindo confuso, estranho etc.
168 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Você pode trabalhar para que sua curiosidade se mantenha. Lembre-se


de que, quando você achava que sabia, descobriu algo que mudou tudo. Há
sempre mais a aprender, porque as histórias das pessoas são mais profundas
e complexas do que podemos imaginar.

Pergunte para aprender


O caminho da curiosidade é este: perguntar para aprender. Deixe a per-
gunta como convite, e não como exigência. Exemplos de perguntas para
aprender:
• Você pode me dizer mais sobre o modo como vê as coisas?;
• Qual o impacto que as minhas ações têm sobre você?;
• Qual informação você pode ter que eu não tenho?;
• Como você se sente sobre isso?;
• Fale mais sobre por que isso é importante pra você.
Faça perguntas abertas, por exemplo, ao invés de perguntar "você está
bem?", que é uma pergunta que só pode ser respondida com "sim" ou "não"
(fechada), pergunte: "como você está?". Isso porque as perguntas abertas
auxiliam o outro a direcionar a resposta para o que é importante para ele.
Se você notar que a pessoa está se repetindo muitas vezes, é sinal de
que precisa parafrasear mais. Se ela perceber que você a escutou, as chan-
ces de também te escutar são muito maiores.
Os sentimentos precisam de reconhecimento. Eles não se satisfarão até
que o consigam, como uma criança desesperada por atenção. E lembre-se
de que reconhecer sentimentos não significa concordar com o que o outro
está dizendo.

Expressão: fale para você mesmo com clareza e força


Você tem as mesmas garantias políticas que qualquer outra pessoa. Re-
conhecer isso pode te dar a coragem de se manter em pé num diálogo difícil,
mesmo quando se sente impotente. Quando fracassamos em compartilhar
o que é importante para nós, separamo-nos dos outros e arruinamos nossos
relacionamentos.
Um exemplo é aquela pessoa que todos consideram "boazinha", sem
personalidade. Apesar de gostarmos desse alguém, podemos sentir que
falta algo nela: a própria pessoa, a sua autenticidade.
Comunicação e relações interpessoais | 169

Os relacionamentos ficam mais fortes quando nos expressamos. Se não


o fizermos, o outro perde a chance de conhecer quem somos.
Um relacionamento solidifica-se e cresce quando ambos se sentem
autênticos. Esse tipo de relação é mais confortável (porque você pode ser
você) e alimenta a alma (você sabe que o outro conhece seus pontos fortes
e fracos e mesmo assim o aceita).

O segredo de uma expressão poderosa é reconhecer que você é a au-


toridade definitiva sobre si mesmo. Você é um sábio sobre o que pensa,
como sente e por que está nesta posição. Se você pensa ou sente algo,
tem o direito de falar, e ninguém pode contradizê-lo. Você só tem proble-
mas se tentar afirmar algo quando não é a autoridade definitiva – quem
está, quem pretendia o que, o que aconteceu. Fale realmente sobre a sua
experiência e será claro. Fale por si mesmo e poderá falar com certeza
(STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 190).

Solução do problema: tome a frente


Quando o diálogo estiver indo para rumos destrutivos, reestruture-o:
• verdade → histórias diferentes
• acusações → intenções e impacto
• culpa → contribuição
• julgamentos → sentimentos
• o que está errado com você → o que acontece sob a ótica do outro.

Posição Você-Eu "E": validar o que o outro sente e o que você sente
Podemos imaginar um exemplo em que um diretor de escola está insa-
tisfeito com a forma como um professor está trabalhando e resolve ter uma
conversa com este. O trabalho na escola está pesado, com muitas obriga-
ções. O diretor sabe que o professor está passando por problemas pessoais
e que, por isso, está atrasado com seus afazeres. Assim, o diretor poderia
dizer: "Entendo que seja difícil para você o ritmo de trabalho que estamos
tendo por aqui ultimamente e que você está se sentindo sobrecarregado
em razão de questões pessoais. Contudo, para mim é importante pontuar o
que acredito que possa melhorar em nosso ambiente de trabalho, e por isso
resolvi conversar com você sobre a questão do atraso nos afazeres. Gostaria
que pudéssemos manter o diálogo aberto e quero sempre ouvir o que você
pensa sobre isso".
170 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Ficar repetindo as mesmas informações não vai resolver. Sua persistência


num diálogo significa ouvir, parafrasear e comunicar o seu ponto de vista.
Para resolver a questão, sugerimos:
• reunir informações, testar suas percepções, criar opções que satisfaçam
a ambos;
• contar ao outro o que poderia persuadir você;
• se não encontrarem uma alternativa que agrade a ambos, você precisa
se perguntar: estou disposto a aceitar menos do que quero ou prefiro
aceitar as consequências por não concordar?
Resumindo, faremos um passo-a-passo para você se preparar para uma
conversa difícil com alguém.

• Primeiro passo: prepare-se passando pelos três diálogos. Sente-se e


comece a anotar:

▪▪ Relacione "o que aconteceu", sob o seu ponto de vista e o ponto de


vista do outro.
▪▪ De onde vem a sua história (informações, experiências passadas, re-
gras)? E a do outro?
▪▪ Qual o impacto que a situação exerceu sobre você? Qual pode ter
sido a intenção do outro?
▪▪ Com o que cada um contribuiu para o problema?
▪▪ Compreenda as emoções: investigue sua impressão emocional e o
conjunto de emoções que você sente.
▪▪ Estabeleça sua identidade: o que lhe parece estar em risco sobre
você? O que você precisa aceitar para estar mais seguro?

• Segundo passo: verifique seus objetivos e decida se deve levantar a


questão

▪▪ Objetivos: o que você deseja alcançar com essa conversa? Modifique


a sua postura para apoiar o aprendizado, a partilha e a solução do
problema.
▪▪ Decidindo: Esse é o melhor caminho para abordar a questão e al-
cançar seus objetivos? A questão está realmente embutida em seu
diálogo da identidade? Você pode afetar o problema alterando suas
Comunicação e relações interpessoais | 171

contribuições? Se você não levantar a questão, o que pode fazer para


ajudar a si mesmo a seguir em frente?

• Terceiro passo: comece pela terceira história

▪▪ Descreva o problema como a diferença entre suas histórias. Inclua os


dois pontos de vista como parte legítima da discussão.
▪▪ Compartilhe seus objetivos.
▪▪ Convide o outro a juntar-se a você como parceiro para esclarecerem
a situação juntos.

• Quarto passo: investigue a história do outro e a sua

▪▪ Escute para compreender a perspectiva do outro sobre o que acon-


teceu. Faça perguntas. Reconheça os sentimentos por trás dos argu-
mentos e das acusações. Parafraseie para ver se compreendeu. Tente
esclarecer como vocês chegaram a esse ponto.
▪▪ Compartilhe seus pontos de vista, suas experiências passadas, inten-
ções e sentimentos.
▪▪ Reestruture, reestruture, reestruture para se manter nos trilhos. Da
verdade para as percepções, da culpa para a contribuição, das acusa-
ções para os sentimentos, e assim por diante.

• Quinto passo: a solução do problema

▪▪ Crie opções que estejam de acordo com as preocupações e os inte-


resses mais importantes de ambos.
▪▪ Procure padrões para o que deveria acontecer. Tenha em mente os
padrões de zelo recíproco; relacionamentos que vão apenas em um
sentido raramente duram.
▪▪ Fale sobre como manter a comunicação aberta à medida que você
segue em frente.
Avaliamos, assim, que o conflito não só é algo inerente e inevitável nas
relações humanas, como é um sinal de vitalidade da organização, neste caso,
a escola. Dar ao conflito uma dimensão positiva significa considerar a impor-
tância e o reconhecimento das diferenças, da multiplicidade de pensamen-
tos e ideias, da criatividade, da singularidade, de considerar o outro como
parte importante e fundamental da organização do ambiente escolar.
172 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Perceber a situação conflitante, analisar os percursos que levaram até


aquele momento, manter o equilíbrio emocional, que permita tanto re-
conhecer como criar empatia com o momento vivido, e se posicionar de
maneira que leve à escuta ativa e presente são alguns dos elementos que
compomos aqui para que você compreenda o papel fundamental do gestor
na equalização das relações escolares.

Comunicação não violenta (CNV)


A Comunicação Não Violenta é a vivência de uma linguagem como exer-
cício do poder com – compartilhado, de potência, de autenticidade com
empatia.
O entendimento de linguagem à luz da CNV inclui tanto a expressão
verbal quanto a não verbal, isto é, abrange, além das palavras, também as
atitudes e os pensamentos.
Marshall Rosenberg, psicólogo nascido nos EUA, sistematizou nos anos
1960/1970 a Comunicação Não Violenta (CNV) por meio de sua experiência
de vida e do desejo de investigar sobre as causas da violência.
Sua trajetória pessoal inclui ser um judeu lidando com a violência que
sofria no interior de Detroit, as práticas da psicologia com a Abordagem
Centrada na Pessoa, sistematizada por Carl Rogers, ter sido orientador edu-
cacional em escolas e universidades que abandonavam a segregação racial
e, também, ter atuado como taxista.
Hoje a CNV está sendo praticada em diversos contextos, desde o âmbi-
to pessoal até o organizacional, como linguagem que inclui uma expressão
autêntica com empatia.
A expressão "não violência" foi utilizada por Mahatma Gandhi, ativista
indiano que atuou pela defesa da independência da Índia:

Foi Gandhi quem deu ao Ocidente o termo não violência, como tradução
para o termo sânscrito ahimsa, que aparece com frequência na literatura
hindu, jainista e budista. Ahimsa é um composto do prefixo negativo a
e do substantivo himsa, que significa o desejo de ferir ou cometer uma
violência contra uma criatura viva. Ahimsa é, portanto, reconhecer, do-
mar, dominar e transmutar o desejo por violência encontrado nos seres
humanos, que nos leva a querer eliminar, excluir, livrar-se de ou machucar
seus semelhantes (MULLER, 2006, p. 40).
Comunicação e relações interpessoais | 173

O ativismo não violento de Gandhi, por sua vez, foi uma das inspirações
de Martin Luther King Jr., ativista político nos Estados Unidos durante os
anos 1950/1960 pela defesa das garantias civis e políticas por meio da não
violência e desobediência civil.
A violência, por outro lado, segundo Jean-Marie Muller (2006, p. 35),
"acontece quando uma pessoa se recusa a deixar que seu desejo seja cir-
cunscrito pela realidade, ou frustrado pela existência do outro", e

Cada ato de violência é um abuso perpetrado contra a humanidade do


objeto dessa violência. Agir com violência é ferir, fazer o mal, fazer alguém
sofrer. Mas agir com violência é também causar sofrimento a si mesmo,
negando a si mesmo um relacionamento de mútuo reconhecimento de
que toda pessoa precisa para existir (MULLER, 2006, p. 36).

Para Marshall Rosenberg, toda violência é a expressão trágica de uma


necessidade não atendida, e "as necessidades podem ser vistas como re-
cursos que a vida precisa para se sustentar"; além disso, "todos os seres
humanos possuem as mesmas necessidades" (ROSENBERG, 2020, p. 17),
mas não possuem esse repertório e divergem sobre as estratégias adotadas
para atender essas necessidades, quais sejam:
Autonomia Independência
-- Escolher sonhos, propósitos, valores -- Aceitação
-- Escolher planos para realizar os pró- -- Acolhimento
prios sonhos, propósitos e valores -- Amor
-- Apoio
Celebração -- Apreciação
-- Celebrar a criação da vida e os -- Compreensão
sonhos realizados -- Comunidade
-- Lamentar as perdas (luto): de seres -- Confiança
queridos, sonhos etc. -- Consideração
Comunhão espiritual -- Contribuição para o enriquecimento
-- Beleza da vida
-- Harmonia -- Empatia
-- Inspiração -- Honestidade (que nos permite
-- Ordem aprendizado de nossas limitações)
-- Paz -- Proximidade
-- Respeito
Integridade -- Segurança emocional
-- Autenticidade
-- Criatividade
-- Sentido
-- Valor próprio
-- Lazer
-- Diversão
-- Riso
174 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O foco de atenção da CNV está nos sentimentos e nas necessidades.


Marshall Rosenberg utiliza a expressão alfabetização emocional para se
referir ao movimento de expansão do vocabulário sobre sentimentos e, em
seus livros, apresenta uma lista com a divisão entre sentimentos quando as
necessidades estão atendidas e quando não estão atendidas.

Sentimentos quando as necessidades estão atendidas:


Admirado(a) Confiante(a) Feliz Realizado(a)
Agradecido(a) Confortável Inspirado(a) Revigorado(a)
Aliviado(a) Curioso(a) Motivado(a) Satisfeito(a)
Animado(a) Emocionado(a) Orgulhoso(a) Seguro(a)
Comovido(a) Esperançoso(a) Otimista Surpreso(a)

Sentimentos quando as necessidades não estão atendidas:


Aborrecido(a) Desanimado(a) Impotente Sem esperança
Aflito(a) Decepcionado(a) Irritado(a) Solitário(a)
Assoberbado(a) Desconfortável Nervoso(a) Triste
Confuso(a) Frustrado(a) Preocupado(a) Zangado(a)
Constrangido(a) Impaciente Relutante

Quando Marshall Rosenberg sistematizou a Comunicação Não Violen-


ta, partiu de uma premissa: a natureza compassiva dos seres humanos. Por
meio dos seus estudos e práticas, compreendeu que o estado natural do
ser humano é de compaixão, que há um desejo profundo de conexão e de
contribuição nas pessoas.
Duas são as formas que apresenta para a prática a CNV: escutar com
empatia e se expressar com autenticidade. Escutar com empatia é conside-
rar a história da pessoa, seu contexto, seus sentimentos, suas necessidades
e perspectiva. A expressão autêntica, por sua vez, é a capacidade de existir
sendo quem é.
Três são as perspectivas destacadas por ele: intrapessoal, interpessoal e
social. A perspectiva intrapessoal é o desenvolvimento individual de alfabe-
tização emocional e repertório sobre as necessidades, aplicando a autoem-
patia e conexão com suas próprias necessidades. No âmbito interpessoal, há
a intenção de considerar a dignidade da outra pessoa ao mesmo tempo que
o seu próprio direito de existir. Na perspectiva social ou sistêmica, estrutural,
há os processos de mudança social e cultural.
Comunicação e relações interpessoais | 175

Quatro são os componentes sistematizados: observação, sentimentos,


necessidades e pedidos.
Começando pela observação, é a capacidade de fazer a distinção entre
o que é fato e o que é julgamento, pensamento e avaliação. Para tanto, o
convite é acessar os sentidos para uma percepção da realidade a partir da
descrição do que é observável: de ações concretas, de frases literais, de
expressões e movimentos do corpo.
Dessa forma, é possível fazer uma distinção entre o que é juízo de valor e
o que a outra pessoa de fato disse ou fez. É um exercício de trabalhar a pre-
cisão na comunicação. Expressões de generalização, como sempre e nunca,
são bons indicativos de que a ideia compartilhada pode estar carregada de
julgamento, por exemplo, ao dizer que a pessoa "sempre" faz isso ao invés
de detalhar que ela fez isso três vezes no último mês.
Sobre os sentimentos, já mencionamos anteriormente a importância da
alfabetização emocional, e é relevante destacar também que em um mesmo
momento podemos estar experienciando diversos sentimentos, tidos até
como contraditórios, como tristeza e alegria, cansaço e relaxamento. O que
sentimos revela que algo nos afeta, que algo é importante para nós, conec-
tando com o componente seguinte: as necessidades.
As necessidades são os valores, os fundamentos, os princípios, os elos
que compartilhamos enquanto humanos, conforme a lista do Marshall Ro-
senberg apresentada anteriormente.
Nos anos 1950, o psicólogo norte americano Abraham H. Maslow di-
fundiu o conceito da Pirâmide de Maslow, baseada em uma hierarquia das
necessidades, com o objetivo de sistematizar o conjunto de condições ne-
cessárias para que um indivíduo alcance a satisfação, seja ela pessoal ou
profissional.
Mais recentemente, o economista chileno Manfred Max-Neef desenvol-
veu uma tese que chamou de desenvolvimento em escala humana, cujos
critérios ele definiu na década de 1980 em uma matriz que engloba necessi-
dades humanas básicas de ser, ter, fazer e estar:
• subsistência
• proteção
• afeto
• compreensão
• participação
176 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• criação
• diversão
• identidade
• livre-arbítrio
Estas são diferentes abordagens para referir-se ao tema das necessida-
des, relevante para a expansão do repertório de palavras para melhor com-
preensão dos nossos porquês diante da tomada de uma decisão.
O último componente da CNV é o dos pedidos: como expressar para
si ou para as demais pessoas o que de fato desejamos. Uma distinção im-
portante é que pedidos não são exigências: a não violência é justamente
compreender que o não é uma possibilidade de resposta e que a relação
que você estabelece com a outra pessoa não está baseada no padrão de
poder e submissão. Pela experiência de Marshall Rosenberg, quando as pes-
soas incluem em seus pedidos seus sentimentos e suas necessidades, quem
ouve tende a ser mais colaborativo, o que contribui para entendimentos e
acordos.
Os pedidos, assim, no âmbito da CNV congregam tudo o que foi men-
cionado antes: a observação, os sentimentos e as necessidades, para que
possa ser expresso, por meio de uma ação concreta, algo objetivo que você
deseja, no afirmativo, o mais específico possível para que a outra pessoa
compreenda a importância do que está sendo expresso e possa correspon-
der por meio de palavras, ações ou acordos.
E como a Comunicação Não Violenta pode ser aplicada na prática no
contexto escolar? Começando pela relação de cada educador(a) consigo
mesmo e depois passar para as relações vivenciadas na comunidade escolar:
entre os pares, com o(a)(s) educando(a)(s), familiares e também nas relações
com a direção.
Há, ainda, a possibilidade de a CNV ser integrada na gestão por meio
do desenvolvimento contínuo da comunidade escolar por meio da prática
de feedback.

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4

Relação com a Secretaria de Educação/


Políticas Públicas e os saberes dos
diretores
Flávio Caetano da Silva

Ementa: Compreensão e produção de sentidos na relação entre informa-


ções, saberes e conhecimentos. Saberes das Secretarias de Educação (mu-
nicipal ou estadual) e seus agentes que compõem a gestão educacional
(município ou estado). Saberes dos diretores sobre a gestão e as Políticas
Públicas. Saberes hierarquizados. Projetos de uma escola-outra.

Objetivos:
• Perceber como os saberes circulam entre os dirigentes das Redes Muni-
cipal e Estadual e os diretores;
• Compreender como os diretores desenvolvem seus projetos na escola,
com base nas Políticas Públicas;
• Refletir sobre o projeto de uma escola-outra com a percepção da escola
que temos, impedindo de pensar outra maneira de ser escola;
• Debater formas de produção de novos saberes sobre a trajetória escolar
dos alunos e suas perspectivas de futuro.

Relação com o saber: por uma escola outra


Para um bom começo, vamos propor uma reflexão sobre a escola, sobre
as práticas da gestão escolar, na perspectiva democrática, a partir de um
ponto de vista bem específico: a proposta teórica da Relação com o Saber,
nascida no grupo de estudos e pesquisas denominado Escol, da Universi-
dade Paris VIII, França, sob a liderança do Prof. Bernard Charlot e com a
participação dos professores Jean-Yves Rochex e Elisabeth Baltier.
Aqui nos dirigimos a todos os que atuam nas Secretarias municipais e es-
taduais de Educação e aos diretores e diretoras de escolas públicas de todos
180 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

os estados do Brasil, para estabelecermos um diálogo sobre aspectos que


nos interessam a todos, a saber, como os diretores vivem e como aprendem
o que dizem saber sobre a gestão escolar.
O texto que se segue é um esforço de diálogo com saberes nessa temá-
tica descrita nos parágrafos anteriores. No entanto, é também uma proposta
de metodologia de trabalho no âmbito do Programa de Mentoria da Secre-
taria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), em parceria
com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) por meio do Departa-
mento de Educação. Assim, propomos uma maneira de utilizar este texto,
na implantação do programa, a partir de três tarefas. A primeira refere-se à
organização de grandes temas, na preparação e durante o diálogo entre os
diretores e diretoras escolares. Chamaremos esses temas de Constelações.
Mais adiante vamos detalhar essa ideia. A segunda refere-se ao estabeleci-
mento de Figuras do aprender, que são os próprios saberes que os gestores
escolares dizem ter sobre a escola e seus desafios. A terceira refere-se a
captar Como aprendem o que dizem saber, ou, dito de outra forma, quais
os processos que podem ser percebidos nos relatos desses profissionais da
educação.
Consideramos, portanto, que um bom andamento do trabalho de men-
toria pode ser realizado, como o fizemos aqui. Pretendemos oferecer uma
forma de vincular a teoria na qual embasamos esta proposta às práticas dos
que atuam à frente das unidades de ensino das redes públicas em nosso
país.

Era uma vez...


Uma escola pública que tinha todos os tipos de problema que podemos
imaginar: alunos que não conseguem acompanhar e se desenvolver bem nas
disciplinas; professores desanimados, faltosos e com queixas insuperáveis;
pais para quem parece que a escola, além de ser um depósito para seus
filhos, é um lugar onde se exige muito e se faz pouco; evasão; Secretaria de
Educação que mais cobra do que ajuda; verbas insuficientes e que, em geral,
chegam atrasadas e dão um enorme trabalho na hora de prestar contas,
como se o diretor ou diretora não tivesse mais nada a fazer; retenção de
alunos; provas externas. Enfim... a escola não parece ser a ilha da fantasia
que tantos pintam por aí. Isso quando o problema não é o diretor ou a dire-
tora, que não sabe administrar direito, que não sabe fazer muito com pouco
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 181

– como falam os novos defensores de que a escola tem de ser administrada


da mesma maneira que a empresa –, que não sabe o que fazer para aumen-
tar o Ideb ou para que sua escola se saia bem nos sistemas de avaliações
estaduais. Como andam dizendo por aí, estão confundindo os diretores e
diretoras de escola com bombeiros – quando não é o fogo amigo dos que
estão dentro, é o fogo inimigo dos que estão fora. Tem horas que dá uma
vontade de dizer "Pessoal, fecha a minha conta. Fui!" e largar tudo.
Esse é o nosso ponto de partida. É o ponto de onde pretendemos en-
xergar a situação de vida e de trabalho daqueles que estão se virando como
podem para manter a escola aberta, tendo aulas, ainda mais no meio dessa
pandemia, quando tem muita gente para dizer o que fazer e pouca gente
para dizer como fazer, daqueles que estão vivendo o cotidiano escolar dian-
te de tantos desafios e barreiras, colocados por outros que, talvez, nunca
administraram uma escola ou que, ao escreverem ordens para serem cum-
pridas pelas escolas, estão tão longe da escola real que elas parecem ser
tudo a mesma coisa.
Aqui vamos inverter a ordem dos fatores. Vamos partir do que dizem
saber sobre a escola e sobre todas as suas exigências, necessidades e difi-
culdades, para estabelecer um novo diálogo, não sobre a escola, mas com
a escola.
Se puxarmos pela memória e nos perguntarmos como era a escola que
tivemos quando éramos crianças e se a essa pergunta acrescentarmos outra
– será que era diferente da escola que estamos oferecendo hoje? –, talvez
possamos reagir de formas diferentes. Uns podem reagir dizendo: "Não é
a mesma escola. Afinal, a escola muda todos os dias!". Outros talvez dis-
sessem: "É a mesma chatice de sempre, mas o que fazer? Agora é a minha
vez de torturar alunos...". Ainda um terceiro grupo diria: "A escola é quase a
mesma, pouca coisa mudou. Todo mundo está no século XXI, e a escola está
no século XIX...". O fato é que há um mal-estar na escola, hoje em dia, que
não sabemos ao certo se havia naquela escola em que cursamos há vinte,
trinta anos ou mais.
A escola tem que mudar? É um imperativo que a escola tem de cumprir?
Preferimos deixar essa pergunta no ar, por enquanto. Uma coisa sabemos: as
mudanças estão batendo na porta da escola, quer gostem ou não aqueles
que estão dentro dela. O que nos mobiliza no momento em que escrevemos
este texto é levantar a questão de qual é o sentido da escola para aqueles
que trabalham e estudam nela. Provavelmente essa questão nos permita
182 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

reverter quadros tão desanimadores, em geral apresentados pelas grandes


mídias todos os dias. Afinal, quando esses meios de comunicação de massa
falam que o país é grande produtor disso ou daquilo, é líder nas exportações
desse produto ou daquele, que as inovações tecnológicas brasileiras dis-
putam os mercados mundiais [quase] em pé de igualdade com as grandes
potências tecnológicas... os mais lembrados são os empresários, o setor dito
produtivo, os grandes investidores, que têm coragem de se arriscar a visu-
alizar um futuro de destaque para o Brasil. No entanto, quando se trata de
falar das mazelas nacionais, dos setores que não são tão produtivos, que dão
muito gasto, aí lembram da educação e da escola pública. Assim funcionam
os discursos sobre a escola, que, por vezes, são reproduzidos dentro das
escolas, por nós educadores.
Esse cenário que mostramos acima nos leva a perguntar: isso tudo pode
ser diferente? A resposta é simples: Pode! E por que uns conseguem fazer
diferente e outros não? A melhor pergunta talvez não seja essa. A melhor
pergunta talvez seja: o que sabem e fazem aqueles que fazem diferente?
Será que podemos aprender com eles? O centro da questão aí é este ver-
bo: aprender. Como aprendemos o que sabemos? O que sabemos sobre
a escola, sobre os alunos, seus familiares, suas vidas e, também, sobre os
professores, os coordenadores pedagógicos, as merendeiras, as inspetoras
e os inspetores de alunos, o jardineiro, o zelador... Que vida levam? Como o
trabalho – na escola – afeta suas vidas?
Desses questionamentos podemos extrair um incômodo original: apren-
der e saber podem ser daquelas ações humanas que, sem prestarmos muita
atenção, nos permitem andar por aí, viver, seguir em frente, levantar e sacu-
dir a poeira e tentar de novo. Vamos pensar um pouco.

1ª Parte
Um professor chamado Bernard Charlot, que é francês e vive no Brasil há
mais de 15 anos, trabalhando na Universidade Federal de Sergipe, em Ara-
caju, tem estudado essas questões que estamos levantando aqui, e talvez
seus estudos possam nos dar algumas pistas. Diz ele que o homem, quando
nasce, não está pronto, precisa se relacionar com o mundo que o cerca e
precisa fazer algo para se tornar propriamente humano: "O filho do homem:
obrigado a aprender para ser" (CHARLOT, 2000, p. 51). Nessa afirmação,
chama-nos a atenção de que há necessariamente uma relação entre saber e
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 183

ser. Algo mais ou menos assim: saber é ser. Ou ser é saber. Na vida, vamos
nos deparando a cada momento, a cada situação, com novos desafios, novas
barreiras, novas dificuldades. Quando as enfrentamos ou evitamos, saímos
de cada uma delas diferentes do que éramos. É mais ou menos como em
uma ideia atribuída ao filósofo antigo Heráclito de Éfeso: tudo muda, nada é
permanente, somente a mudança permanece. Assim teria dito o pensador:
"Nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio duas vezes… pois na se-
gunda vez o rio não é mais o mesmo, tampouco o homem".1
Aprender é uma atividade humana muito ampla. Aprendemos a contro-
lar atividades, a fazer escolhas, a decidir por objetos do cotidiano, a nos
relacionar com as pessoas, a jogar video game, a cozinhar, a comer, enfim,
não terminamos um dia sequer sem termos aprendido algo de novo. Por
isso, aprender é muito mais envolvente do que os saberes que produzimos
(CHARLOT, 2000). Mas o que é, afinal, um saber? Segundo esse autor, saber
é um conteúdo de consciência que expressamos por meio da linguagem. No
entanto, o conceito foi criado originalmente em francês pelos professores
Bernard Charlot e outros dois pesquisadores, Jean-Yves Rochex e Elisabeth
Bautier, no final da década de 1990, na França. Para definir o que é relação
com o saber, indicamos que "é uma relação do sujeito com o mundo, com
ele mesmo e com os outros. É relação com o mundo como conjunto de signi-
ficados, mas, também, como espaço de atividades, e se inscreve no tempo"
(CHARLOT, 2000, p. 78, grifos do autor).
Forma de relação com o mundo, relação com o mundo interior de si
mesmo e com o mundo exterior, conteúdo de consciência e de pensamento,
horizonte de atividades. Tudo isso está conectado, para o autor, e nos leva a
pensar sobre como as pessoas se relacionam com tudo isso que lhes permite
aprender, que lhes permite produzir saber. O autor nos dá algumas pistas
sobre essa questão. Diz ele que o mundo não se reduz a um conjunto de
significados, mas é também pleno de atividades nas quais nos envolvemos
a todo momento. Isso não é feito de forma isolada, mas conta sempre com
o outro, com os outros, com lugares, objetos, pensamentos, circunstâncias,
situações. Assim, na escola cada um se relaciona com o outro, aqueles todos
que ali trabalham e passam parte de suas vidas. Também nos chama a aten-
ção, o mesmo autor, ao escrever que, ao nos relacionarmos com o mundo,
nós o fazemos por meio da linguagem, o que equivale a dizer que entre

1 A frase foi obtida no site: <https://www.pensador.com/frase/MjE0NDYzMA/>. Acesso


em: 07 out. 2020.
184 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

nós e o mundo – tanto interior quanto exterior – há um universo de possi-


bilidades de produzir sentidos, há diversos sistemas simbólicos, ou seja, há
ideias pré-fabricadas por outros, prontas para nos servirem como se fossem
óculos, como uma grade de leitura, e não percebemos que elas estão ali e
que nos fazem ver o que vemos. Quando olhamos para algo, quando pen-
samos em algo, não acessamos a essência desse algo, já o interpretamos a
partir dessa tal grade. Ela já organiza nosso pensamento, nossa fala, nossos
desejos, nossas relações…
Quando olhamos para uma cena, quando pensamos em uma situação,
já interpretamos sem nos darmos conta de que o fazemos. Não precisamos
elaborar um pensamento, necessariamente, nós recebemos informações
pelos olhos, pelos ouvidos, enfim, pelos nossos sentidos e já admitimos uma
abordagem de tudo o que chega a nós. O símbolo não diz nada por si mes-
mo. Ele não tem sentido em si, ele não diz nada, mas nos leva a dizer. Isso
não significa que admitimos tudo que chega a nós de pronto, sem pensar em
nada. Quando nos dispomos a pensar melhor em determinada informação,
podemos, sem dúvida, até rejeitar o que se oferece aos nossos sentidos. No
entanto, não se invalida a grade de leitura que estamos indicando aqui.

A escola e o drama épico atual


A escola pública de hoje vive um drama épico. Envolve muita gente, de
formuladores de políticas públicas em educação ao professor na sala de aula,
passando por diversas instâncias de decisão. Qual é o drama? É simples:
ninguém se entende! Pelo menos parece não se entenderem muito bem.
Os formuladores de políticas públicas, em geral, comportam-se como
quem desconhece a sala de aula, sobretudo da Educação Básica. Os gesto-
res educacionais, de alto a baixo, na escala hierárquica que vai do Ministério
de Educação à Secretaria Municipal de Educação – ou órgão equivalente –,
parecem não falar a mesma língua. Uns aderem aos discursos da moda, como
aqueles que vêm do campo da administração de empresas, discursos que
adotam posições estranhas ao campo educacional, como o gerencialismo,
o empreendedorismo, a pró-atividade, como se fossem tábuas da salvação
nacional e como se estivessem afirmando que a escola não melhora porque
aqueles que nela trabalham não se esforçam, estão sempre ultrapassados
e só pensam em fazer greve para ficar um tempo em casa sem trabalhar.
Esses estereótipos são distribuídos em todos os espaços institucionais,
degradando a imagem da escola, dos professores, dos diretores escolares
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 185

e, de quebra, dos alunos também. Nas mídias de grande alcance, como a


televisão e os grandes jornais, a imagem da escola não agrada ninguém.
Podemos, então, perguntar: por que a escola subsiste? Mesmo esses que
fazem questão de divulgar imagens tão ruins da escola não defendem que
ela seja fechada nem têm projeto de mudanças radicais para ela. Quando es-
ses projetos surgem, em geral, resultam em um desastre colossal. Enquanto
isso, a escola vai tentando nadar contra a corrente. Estamos nos referindo
aos professores, aos alunos, coordenadores pedagógicos, pessoal da faxina,
da merenda, inspetores de alunos, jardineiros, que continuam trabalhando
árdua e cotidianamente para ensinar as crianças, adolescentes e jovens, mui-
tas vezes sonhando com mudanças que nem sequer conseguem dizer clara-
mente quais são. Isso ocorre, por vezes, em função de uma situação simples
e, ao mesmo tempo, dramática: a escola que tiveram, quando eram crianças,
não serve, está ultrapassada. A escola que têm hoje está esse caos – porque,
afinal, os esforços midiáticos atingem a todos, inclusive aqueles que traba-
lham na escola –, a escola do futuro não chega a ser nem uma possibilidade,
pois esse tal futuro é algo tão incerto, tão distante e tão impossível que
parece não valer a pena perder tempo com ele. O que sobra? Por um lado,
estão os mais velhos de casa e de profissão, sonhando com a aposentadoria,
que está ficando cada vez mais distante. Por outro lado, os mais novos, que,
apesar de se mostrarem entusiasmados, não sabem bem entender o drama
escolar. Acabaram de chegar. Quadro desolador. Mas ainda não acabou.
Os pesquisadores da área da educação, viajando à velocidade da luz, lá na
frente, com teorias cada vez mais mirabolantes, enquanto, lá atrás, a escola
corre, desesperadamente, à velocidade da luz de lamparina... sofrendo pres-
são por todos os lados para dar conta do currículo, da burocracia, da evasão,
da violência... haja coração! Às vezes, parece que aqueles que trabalham
na escola correm de um lado para outro, como baratas tontas em dia de
dedetização.
O que falta a nós, educadores? Parece que nos falta uma escola-outra.
Como assim?
Uma escola que possa nascer de dentro da própria escola. A escola-ou-
tra pode ser aquela que nasce de um sonho coletivo, da produção coletiva
de sentido, para que não só a gente não repita os mesmos erros do passado,
mas também não nos coloquemos na janela com o olhar perdido para o céu,
esperando o dia em que a escola ideal vai descer e pousar na nossa frente,
assim, como num passe de mágica. Uma escola em que se possa colocar em
186 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

questão que vida vivemos, inclusive aquela que vivemos dentro da escola.
Onde se possa perguntar em todas as salas, de aula, da direção, na cozinha,
no pátio, nos intervalos e, também, durante as aulas, como aprendemos
aquilo que sabemos e o que fazemos com aquilo que sabemos.
Alguém poderia dizer: "Ah... já sei, lá vem mais um falando da escola da
ponte, lá de Portugal, mas, depois de tanto ouvir falar dela, não sabemos se
o que nos falta é a ponte ou o Pacheco (que já esteve entre nós diversas ve-
zes para contar sua experiência) para trazer alguma solução milagrosa". Não,
não. Não se trata de insistir em experiências de longe de casa. Vamos ver o
que temos por aqui mesmo. Estudar um pouco mais o cotidiano de nossas
escolas, encontrar suas rachaduras, suas construções antigas e outras novas,
entender o que se passa na sala dos professores, na reunião de conselho de
classe, na reunião da APM ou da UEx (Unidade Executora para controle e uso
das verbas do PDDE, que, às vezes, é o próprio pessoal da APM, com outro
nome...), por dentro das reuniões do Conselho Escolar ou Conselho Escola-
-Comunidade (CEC), como é denominado no município de Americana-SP.
Escutar as perguntas silenciosas feitas pela coordenadora pedagógica sobre
o que fazer diante da demanda por formação dos professores. Enfim, escutar
o pulsar da escola.
Charlot (2000) propõe que quem estuda aspectos do cotidiano daqueles
que atuam na escola analisa as relações com a escola, com os professores,
com os pais, com os amigos, com a matemática, com as máquinas, com o
desemprego, com o futuro, entre outros. A abordagem da RcS2 sugere que
prestemos atenção ao que se vive na escola, que nos fixemos sobre o coti-
diano escolar, seus relatos e as formas que cada um ali estabelece vínculos,
organizando o olhar a partir de figuras do aprender – figuras que, juntas,
formarão constelações: "Essas relações articulam-se entre si, em configura-
ções cujo número não é infinito: as figuras do aprender (que são figuras da
relação com o saber)" (CHARLOT, 2009). O que faremos neste texto é isso:
captar essas figuras a partir do que dizem diretores e diretoras de escolas
públicas, figuras estas que nos permitem construir ou reunir esses saberes
em constelações – grandes temas –, procurando identificar os processos
que caracterizam essas figuras.
"O conceito de relação com o saber implica o de desejo: não há relação
com o saber senão a de um sujeito; e só há sujeito ‘desejante’" (CHARLOT,
2000, p. 81). Ora, a relação com o saber também é um conjunto organizado

2 Vamos utilizar essa sigla para indicar a Relação com o Saber.


Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 187

de relações. Em sentido estrito, não é correto, portanto, dizer que um sujeito


tem uma relação com o saber, mas que o sujeito é uma relação com o saber.
A relação com o saber é o próprio sujeito, na medida em que deve aprender,
apropriar-se do mundo, construir-se. "O sujeito tem representações do sa-
ber, ele é sua relação com o saber" (CHARLOT, 2000, p. 82).
Ao iniciar um trabalho na direção de compreender as RcS, procuramos
realizar um balanço do saber (CHARLOT, 2009), no sentido de organizarmos
o que os diretores e diretoras dizem saber sobre diversos temas relativos à
gestão da escola pública. Uma espécie de inventário dos saberes. O balanço
do saber é objeto de um trabalho de levantamento, de busca de informa-
ções sobre o que dizem os sujeitos sobre determinado tema. Por exemplo,
podemos perguntar aos professores o que dizem saber sobre seus alunos.
As respostas que nos derem não significam o eles sabem sobre os alunos,
mas o resultado de escolhas feitas, mais ou menos conscientemente, a par-
tir do cotidiano, a partir da experiência de que participaram junto aos seus
alunos. Isso também equivale a dizer que, ao descrever seus alunos, expõem
também como agem com eles, como estabelecem relações com eles e, prin-
cipalmente, como interpretam esses alunos. Portanto, em todo trabalho de
descrição de alguém, de narrar uma relação escolar com os alunos, ou com
os outros sujeitos da escola, inevitavelmente se fará uma interpretação, pois
é um processo de ler o mundo mediado pela linguagem. É o mesmo que
em linguística se chama enunciar, ou seja, falar ou escrever algo, quando
uma interpretação já está presente. A enunciação parece ser transparente,
parece situar-se no âmbito da objetividade – ou daquilo que está aí, pronto
para se ver –, mas, como se diz na linguagem popular: nem tudo é o que
parece. Os balanços do saber também são tratados como um texto só, em
que se procura encontrar regularidades que permitam identificar processos.
Quer dizer que não desejamos saber apenas o que as pessoas dizem, mas o
que as leva a dizer o que dizem.
Ao estabelecer um diálogo com outros diretores, é possível fazer um
balanço do que eles dizem saber, e isso poderá auxiliar no diálogo entre
mentores e mentorados.
Neste texto, abordamos diversos temas que configuram as constela-
ções, ou, dito de outro modo, o agrupamento das figuras do saber (tudo
o que é produzido a partir do sentido estabelecido sobre as informações
que chegam a todos e a nós e de que nos apropriamos como saber-objeto
– virtual ou de forma teórico-abstrata –, as formas de domínio de atividades,
188 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

como escovar os dentes, dirigir um carro ou uma escola, e as formas de ser


em relação ao outro – saber relacional –, saber que se é em relação ao outro).
Aqui nos interessa, em particular, os saberes sobre a escola, os professores,
os diretores, os coordenadores pedagógicos, o pessoal de apoio, os alunos
de todas as escolas, em particular os alunos das escolas das periferias, rurais,
de bairros ditos afamados, seja por abandono social ou porque se diz por aí
que há incidência de tráfico de drogas, como se quisesse dizer que isso não
ocorre em outros lugares, bairros pobres, enfim, naqueles lugares em que
há escola, mas muitos professores, diretores ou outros profissionais da edu-
cação fogem dela... Enquanto outros escolhem trabalhar nessas unidades.
O que significa o aprender para os alunos, as crianças ou os jovens des-
sas escolas? "Aprender, para estes jovens de meio popular, significa menos
apropriar-se de um capital (ainda que fosse cultural) do que o tornar-se ca-
paz" (CHARLOT, 2009, p. 29). "Na família, o ‘Eu’ que aprende é mais sujeito
que no bairro ou na escola. Na escola, ele é mais objeto da ação da institui-
ção. Com os amigos, ele aprende enquanto membro do grupo" (CHARLOT,
2009, p. 49). A escola que oferecemos a esses jovens é a que eles esperam?
O que os nossos alunos responderiam se lhes fizéssemos essa pergunta?
Essa pergunta já esteve presente nos HTPC e nas conversas ao redor do
café, na sala dos professores? Se já se discutiu sobre essa indagação, a que
conclusão se chegou?
Quando trabalhamos com a perspectiva da relação com o saber no âm-
bito da escola, procuramos identificar e compreender quais os aspectos que
configuram relações, em forma de um conjunto produtor de sentidos em
torno das formas como o sujeito lida com as informações que estão disponí-
veis na sua vida escolar. A produção de sentidos lhe permite estabelecer as
representações sobre o saber e se identificar com elas, produzindo um jeito
de ser no interior da unidade. Neste texto, interessa como os diretores se
expressam sobre suas vidas no interior das escolas a que estão vinculados.
Aqui se podem encontrar, um pouco mais adiante, várias respostas, sobre
todas as percepções que diretores e diretoras nos ofereceram na enquete
que lhes enviamos, pelo Programa de Mentoria, e que atingiu unidades de
ensino em todos os estados do Brasil.
Assim, quando um diretor escolar fala ou escreve, expõe suas represen-
tações sobre a escola, sobre o ensino, sobre os alunos, sobre seus familiares,
sobre as legislações que chegam à escola, enfim, tudo o que afeta a vida na
escola passa pelas condições de produção dessas enunciações carregadas
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 189

de interpretações. O processo de constituir representações cria o campo no


qual o sujeito se torna o que ele é e indica o seu vir-a-ser.
Isso nos leva a considerar que o diretor escolar – e os outros atores es-
colares também – se constitui diretor no processo de relação com o saber.
Se a ele é oferecida a possibilidade de novas representações, então, novos
saberes poderão ser estabelecidos, sobretudo sobre si mesmos e sobre a
escola em que atuam.

Informação, saber e conhecimento na escola pública


Compreender como diretores e diretoras produzem sentidos a par-
tir das informações que recebem na escola tem várias nuances a serem
consideradas.
Podemos iniciar com as informações oriundas das hierarquias superiores
à escola, como as Secretarias de Educação municipal ou estadual. Desses
órgãos públicos emana uma série de documentos – resoluções, portarias,
decretos, entre outros –, que chegam à escola pelo sistema de comunicação
interno à rede de ensino e desembarcam nas mãos do dirigente escolar.
Qual é a tônica desses documentos? Em geral trazem uma ementa, alguns
considerandos e, ao final, uma espécie de cumpra-se. Essas normativas ten-
dem a ignorar as diferentes realidades de cada escola. Por isso é que se
chamam normativas, ou, dito de outra forma, normas às quais todos devem
submeter-se. Posso dizer que existem ou deveriam existir outras formas de
se efetivar uma política pública. Um autor britânico, Stephen Ball, fez uma
interessante provocação: as políticas públicas educacionais não são implan-
tadas nas escolas, mas traduzidas! Depois de lançar essa ideia em 1992, com
colegas pesquisadores e professores universitários, o clima esquentou na
discussão sobre o que realmente fazem as escolas frente às ordens vindas
de cima. O professor português Licínio Lima, da Universidade do Minho, já
havia dito que a instituição escolar convive com duas formas de organização:
uma é oficial, e outra, não tão oficial. Uma que diz cumprir as normas, as leis,
as ordens vindas de cima, e outra... Bem, a outra faz o que pode!
Por outro lado, convém destacar que, se as normativas estabelecessem
o que se passa nas escolas, não teriam razão de existir, pois seu papel é
estabelecer um ideal a se alcançar. Nós e os dirigentes das unidades edu-
cacionais das redes públicas o sabemos. A questão é: qual a distância que
se estabelece entre as escolas reais e esse ideal a ser atingido? E também:
estariam todas as escolas em condições de atingi-lo?
190 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Se pensarmos nas duas propostas teóricas, veremos que, no dia a dia da


escola, as coisas não são como pensam aqueles que fazem as leis, normas
e decretos, que, no mais das vezes, estão bem longe do chão da escola.
Essas normativas são escritas pensando em uma escola hipotética e ideal. As
escolas reais são bem diferentes entre si, de tal modo que colocá-las todas
debaixo do título "escola pública" é quase um exercício de pasteurização
e de negação da riqueza e da multiplicidade das diferentes formas de ser
da escola. Dito de outro modo, se a escola não são as paredes, carteiras de
alunos, armários, mobiliário, que podem todos ter uma arquitetura parecida
ou até padronizada, que podem ser algo produzido em série, o que a torna
uma escola são as pessoas. Os alunos e todos os que ali trabalham. Neste
texto vamos dialogar com escolas reais. As respostas vieram de pessoas
reais trabalhando duro em escolas que têm endereço, identidade jurídica
e corpo. Aliás, elas têm três corpos bem reais: o discente, o docente e o
administrativo.
Dispomos de um grande número de respostas obtidas on-line a partir de
questões enviadas às escolas públicas dos diferentes estados e municípios
do país. Utilizaremos neste texto parte dessas respostas, que somam mais
de 3 mil e foram enviadas por diretores e diretoras de escolas públicas de
todas os estados do Brasil. Vamos apresentar aqui uma leitura dessas res-
postas e os processos que levaram seus autores a escrevê-las, e não preten-
demos categorizar indivíduos, mas os dizeres que se entrelaçam produzindo
sentidos sobre cada um dos temas estabelecidos para a análise – obtidos
nas próprias respostas. Ao final de cada constelação apresentamos o Como
aprendem o que dizem saber, dialogando com as respostas expostas e com
a possibilidade de leitura a partir delas. Esclarecemos ainda que foram duas
questões oferecidas aos diretores e diretoras escolares:
1. O que você, como diretor de escola, indica ser um problema que merece
a atenção de todos nós que nos interessamos pela melhoria da qualida-
de da escola que temos?
2. Qual o problema (e seu contexto) que você enfrentou, considerando que
era importante para a maioria das pessoas que trabalham na escola, e
conseguiu dar uma boa resposta ou ação para que fosse resolvido, aten-
dendo as expectativas da maioria?
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 191

2ª Parte

Constelação (1) – Relações com a hierarquia educacional


Figuras do aprender: permanência do diretor na escola; deficiências
da escola: espaço físico; materiais escolares; recursos financeiros; ordens
vindas-de-cima; Ideb.
O que dizem os diretores e diretoras sobre os saberes vindos da hierar-
quia educacional? Vamos às respostas que nos enviaram.

Neste ano graças a Deus não houve nenhuma situação neste sentido.
Esse é meu primeiro mandato como gestor escolar. O desafio está sendo
muito árduo, pois os gestores anteriores não implementavam um traba-
lho presencial voltado para um ensino de melhor qualidade. O gestor
anterior pouco permanecia na escola (Diretor – rede estadual – menos
de um ano de função – Acre).

O diretor e a diretora sabem que há um contrato de trabalho que rege


sua condição de servidor público. Nele está estabelecido que ele ou ela
tenha uma jornada de trabalho a ser cumprida, mas sabemos que há muito
tempo ocorre uma prática de diretores que não ficam o tempo todo na esco-
la. Onde estão? Por um lado, nas intermináveis reuniões que a rede solicita,
sobretudo nas escolas municipais. Por outro, fazendo cotação de preços dos
materiais que serão adquiridos com verbas públicas, como o PDDE, pois não
tem alguém que cumpra essa função na escola nem na rede. A escola pas-
sou a receber dinheiro direto – bem, mais ou menos direto, pois, na verdade,
o dinheiro é depositado na conta da UEx (Unidade Executora), que é uma
entidade privada dentro da escola pública –, o que podemos dizer que é
bom, e a escola pode decidir em que utilizar o recurso – mais ou menos, pois
o dinheiro vem carimbado em alíquotas nas quais se limita o seu uso, mas,
enfim, isso nem existia antes –, só que o preço não foi baixo: o diretor foi
transformado numa espécie de gerente de verbas. Mas o que nos chamou
mais a atenção foi o fato de que o diretor está encurralado: precisa ficar
na escola para acompanhar o andamento de todas as atividades cotidianas,
mas não pode recusar convocações da hierarquia educacional nem se eximir
de correr atrás dos preços e produtos que vai adquirir para a escola. Xeque-
-mate! Ele não consegue estar em dois lugares ao mesmo tempo.
192 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Deficiência de espaço físico para atender à procura por vagas (Diretor –


rede estadual – 11 a 15 anos de função – Alagoas).
Quando há a falta de materiais escolares, buscamos trabalhar o lúdico
com materiais encontrados na comunidade, ou seja, do cotidiano do
aluno (Diretor – rede estadual – menos de um ano de função – Amapá).
Recursos financeiros limitados e maior autonomia. Enfrentei uma realida-
de triste, pois é uma escola de assentamento, é um pouco distante do
centro urbano, tinha uma estrutura feia e estava toda irregular com anos
de diretores sem prestação de contas, logo, inadimplente (Diretor – rede
estadual – 3 a 5 anos de função – Amapá).

Espaço físico inadequado ou deficiente, falta de materiais e de recursos


financeiros – e de autonomia – são saberes aprendidos quando o diretor bus-
ca compreender o incompreensível: por que ele tem de resolver problemas
dessa natureza sem um apoio mais explícito e adequado do poder público,
como se a escola fosse dele? Por que o diretor tem de aceitar decisões que
afetarão profundamente a vida escolar, tomadas por vezes sem uma consulta
à comunidade atendida pela escola, como aparece a seguir?

Um problema da escola foi a aceitação de a escola se tornar uma escola


de tempo integral, principalmente pelo fato de ter sido uma escolha do
MEC, de acordo com a secretaria de educação do estado. O fato de essa
mudança não ter sido discutida com a comunidade escolar trouxe muita
revolta (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função – Amapá).

Qual o saber do diretor sobre as avaliações de larga escala, como o Ideb?


A despeito de debates no interior da escola, ele parece saber de uma coisa:
quem tem Ideb baixo é mal visto na rede. Avaliações de larga escala produ-
zem efeitos de larga escala: todas as escolas são atingidas pelo Ideb, que
poderia ser uma ferramenta para balizar as políticas de investimento na edu-
cação, por exemplo. No entanto, o efeito colateral tem sido um sentimento
de fracasso daqueles que trabalham nas escolas localizadas na parte inferior
da pirâmide de notas. Assim como também há uma disputa entre as escolas
de Ideb mais alto. São os vencedores numa lógica em que, na prática, parece
haver muitos perdedores. É a lógica do desempenho (CHARLOT, 2020).

O colégio em que trabalho apresenta Ideb muito baixo, e junto à coor-


denação construímos um projeto (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de
função – Bahia).
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 193

A permanência do diretor na escola, a deficiência de recursos físicos (in-


fraestrutura), materiais e financeiros, decisões que desabam sobre a escola
e Ideb baixo são saberes que os diretores relataram nas respostas, como
identificado acima, indicando que foram produzidos nas práticas e vivências
cotidianas da escola. Como eles aprenderam? Na marra! Como lidaram com
esses saberes-problemas? Buscando ajuda, sobretudo dentro da escola,
dentro da própria equipe de professores e coordenadores, imaginando sa-
ídas por vezes tradicionais (festas para arrecadação de fundos, doações da
comunidade do entorno escolar, adaptações às decisões vindas do andar de
cima da hierarquia educacional, enfim, virando-se como podem). Podemos
afirmar que esses são os saberes das respostas.

Como aprendem o que dizem saber


Para compreender como os diretores e diretoras aprendem o que dizem
saber, baseamo-nos nas três formas de relação epistêmica definidas por
Charlot (2000, p. 68-70):

Aprender pode ser apropriar-se de um objeto virtual (o "saber"), encar-


nado em objetos empíricos [...]. Aprender também pode ser dominar
uma atividade, ou capacitar-se a utilizar um objeto de forma pertinente
[...]. Por fim, aprender pode ser também aprender a ser solidário, des-
confiado, responsável, paciente...; a mentir, a brigar, a ajudar os outros...;
em suma, a "entender as pessoas", "conhecer a vida", saber quem se é.
Significa, então, entrar um mundo relacional.

Isso equivale a dizer que aprender a saber/aprender a dominar uma ati-


vidade/aprender a ser.
O saber da presença. O diretor e a diretora dizem saber que sua presen-
ça na escola é fundamental para que todas as ações ali realizadas possam
ser estabelecidas, acompanhadas, avaliadas, retomadas. Como os profes-
sores, a coordenadora pedagógica, a merendeira, o jardineiro, a inspetora
de alunos e outros veem a escola na presença do diretor ou diretora e nos
momentos em que está ausente? É o saber da interlocução segura, anco-
rada. Por um lado, esse saber decorre de uma tradição centrada na figura
do diretor – é ele quem, em última instância, dá a ordem, autoriza, permite,
dá o aval... Por outro, esse saber também pode representar uma relação
de confiança, de proximidade, de afeto, de cumplicidade. Talvez, somente
cada diretor possa no seu cotidiano dizer se é uma coisa ou outra, mas um
194 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

fato parece certo: uma ausência mais expressiva do diretor na escola sugere
um coletivo à deriva... Um barco que balança para lá e para cá. Como o
diretor aprende isso? Experimentando períodos de ausência e de presença
na escola. Daí ele tira um saber. Em uma escola, sua forma de trabalhar já
antecipa aos professores ou coordenação pedagógica que a escola deve
andar normalmente. Há uma confiança circulando pelos seus corredores. Em
outra, o diretor é aquele que puxa todo mundo para o compromisso frente
às demandas cotidianas. Quando ele está, todos sentem-se compelidos à
ação. Isso não é, necessariamente, uma forma autoritária de gestão, o que
só se saberá quando ele não estiver e algo importante tiver de ser resolvido.
Outro saber que identificamos nos dizeres dos diretores e diretoras é
relativo aos espaços físicos, aos recursos financeiros e aos recursos mate-
riais. Os dizeres convergem para um saber: a escola pública vivencia várias
deficiências. O atual discurso empresarial do fazer mais com menos pode até
ser interessante, mas o que parece ser inquestionável é que a escola pública
ainda tem diversas precariedades. Todas as formas de autofinanciamento da
escola tendem a ser vistas como paliativos, pois a arrecadação delas pode
ser pequena diante das necessidades escolares, e, o pior, podem represen-
tar um tempo grande tomado de atividades pedagógicas, mesmo das aulas,
ocupando o tempo dos professores e dos alunos com coisas que não se
encaixam bem no Projeto Pedagógico da escola, são exclusivamente arre-
cadatórias. Está correto a escola dedicar tempo significativamente elevado
com essas atividades? Quanto tempo consome da gestão escolar?
Dois últimos dizeres que indicam saberes nesta constelação. O primeiro
refere-se a decisões verticais sem a devida consulta à comunidade escolar.
Alguém decide que algo é bom, necessário ou urgente para a escola, em
princípio, mas a questão é que diversas políticas públicas chegam à escola
com o carimbo do cumpra-se. A escola – professores, coordenação pedagó-
gica, direção, alunos e seus familiares – é que tem de se virar para dar conta.
Como fica o PPP da escola nessas situações? Toca fazer de novo, fazer um
remendo, abrir um buraco nas prioridades estabelecidas, ignorar algumas
urgências do cotidiano escolar para abrigar essas decisões que desabam
sobre a unidade. O jeito é engolir seco e seguir adiante... Como eles apren-
dem a fazê-lo? Aprendem fazendo um arranjo no meio de suas atividades.
Fazendo uma adaptação, ou uma pura e simples substituição de uma coisa
importante para eles por outra coisa importante para alguém de fora da
escola.
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 195

Constelação (2) – Sistemas e linguagens com os quais os diretores


lidam
Figuras do aprender: regimento interno; disciplina; linguagem não
violenta nas abordagens; biblioteca – laboratório de linguagens; interativi-
dade e eixo relacional; implementação de políticas educacionais; canal do
diálogo; aumento importante nas proficiências de Língua Portuguesa e Ma-
temática; prova Saeb; alunos não acreditam em si; vulnerabilidade social;
filhos de analfabetos; Ideb de 1,9; alunos fora de faixa etária; professores,
funcionários e pais desacreditados; projeto de leitura, escrita e oralidade;
leitura matemática; conversas e sensibilização; proficiências da escola em
língua portuguesa e matemática; nivelamento de proficiência em língua por-
tuguesa e matemática; zona rural.
Para tratar dos sistemas simbólicos e suas relações com a linguagem –
por que não dizer linguagens –, vamos tratar, neste tópico, a forma pela qual
Charlot (2000) aborda a compreensão e produção de sentidos na relação
entre informações, saberes e conhecimentos.
A informação encontra-se no domínio do mundo exterior ao sujeito. A
informação está no mundo. Isso quer dizer que ela chega ao sujeito pelos
seus sentidos, pela sua disponibilidade de apreender o mundo que o cerca.
Como uma esponja, o sujeito vai sugando o que lhe chega de fora e vai
tentar exercer alguma conexão com aquilo tudo, conexão esta que não está
dada quando algo lhe chega. A informação nos afeta em nosso vivido, no
nosso cotidiano, nas nossas práticas corriqueiras. A mensagem que se quer,
eventualmente, passar por meio de imagens, palavras, sons e outros não
está embutida nesses veículos. São veículos que as transportam para dentro
das relações sociais, e aí elas ganham em possibilidades de sentido. Tais
possibilidades só podem existir em circunstâncias que envolvem o momen-
to histórico (inserção histórica), relações com outros sujeitos (relações de
poder), disposições internas do sujeito (condições psíquicas), imagens de si
mesmo (concepções intrassubjetivas), do outro (concepções de alteridade) e
outras circunstâncias, aproximando-se dos escritos de Lacan, como indicado
por Safatle (2020). Vamos aos dizeres dos diretores para compreendermos
esses saberes.

Os princípios do regimento interno foram estudados e divulgados a


todos, com a parceria dos pais e agentes educacionais a disciplina
foi restaurada, atitudes agressivas e violência entre os alunos com a
196 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

aplicação de uma linguagem não violenta nas abordagens dos alunos e


nas relações e convivência geral (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de
função – Amapá).

Assim, transformamos a biblioteca em um laboratório de linguagens (Di-


retor – rede estadual – 3 a 5 anos de função – Rio Grande do Sul).
A interatividade e o eixo relacional não estavam satisfatórios no ambiente
escolar, tornando dificultosa a implementação das políticas educacionais
e atividades do plano de ação interno. Com formações específicas, valo-
rização profissional e um estreitamento no canal do diálogo contornamos
significativamente essa problemática, inclusive tivemos um aumento im-
portante nas proficiências de Língua Portuguesa e Matemática, na última
edição da prova Saeb (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função
– Alagoas).
Maiores problemas enfrentados pela escola pública principalmente no
ensino médio são elencados pela falta de interesse dos alunos e sua
condição de sonhar com um futuro promissor, eles não acreditam em si,
vivem em vulnerabilidade social, poder aquisitivo restrito, maioria filhos
de analfabetos, entendem a escola como uma instituição que não fala
a sua língua nem entende seus problemas, nossa maior ação com su-
cesso foi o projeto "Quando eu sonho eu posso", esse projeto ouviu os
alunos e levantou seus problemas na comunidade em que vivem, neste
contexto traçamos as ações que poderíamos trabalhar a autoestima dos
estudantes. Uma escola com o Ideb de 1,9, com vários alunos fora de
faixa etária, professores, funcionários e pais desacreditados, uma escola
com uma infraestrutura sem condições de trabalho. Idealizamos um pro-
jeto de leitura que fosse o marco principal do plano de ação da escola.
Focamos na leitura, escrita e oralidade e na leitura matemática por meio
da problematização, que chamamos de "calculando". O incentivo, por
meio de conversas e sensibilização dos professores e funcionários, para
que se sentissem parte do processo, e mensalmente o plantão peda-
gógico, para conversar pontualmente sobre o aluno, orientar e buscar
parceria dos pais em relação ao ensino e a aprendizagem (Diretor – rede
estadual – 6 a 10 anos de função – Alagoas).
Em 4 anos, conseguimos elevar as taxas de proficiências da escola em
língua portuguesa, cerca de 25 pontos, e matemática, cerca de 10 pon-
tos, no sistema permanente de avaliação da educação básica do [Estado]
(Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função – Ceará).
Ações de nivelamento de proficiência em língua portuguesa e matemá-
tica. Metade dos nossos alunos tem origem na zona rural (Diretor – rede
estadual – 6 a 10 anos de função – Ceará).
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 197

Como aprendem o que dizem saber


Falar e ouvir, escrever um acordo regimental, cumprir e fazer cumprir
regras e normas na escola, como se aprendem esses saberes. Bem, o caso
é o seguinte: uns falam, mas nem sempre são ouvidos – então, às vezes,
gritam. Outra hora, um item do regimento interno não está sendo cumprido
– então, nesse caso, o que se aprende: faz-se cumprir na marra e compra-se
briga com muita gente; contorna-se a regra e aprende a ler de forma dife-
rente aquela regra; ou, em última instância, se muda a regra. Rediscute-se
o regimento e propõem-se mudanças para acomodar as coisas. Fica uma
pergunta: o regimento escolar deve estar adaptado à vida da escola ou a
vida da escola deve estar adaptada ao regimento escolar? Esta não é uma
pergunta do tipo o ovo ou a galinha, questão que, aliás, não faz o menor
sentido, pois pensar que teria surgido um ovo é até razoável, mas pensar
que uma galinha surgiu do nada é demais... Mas, voltando à escola, à gestão
e ao regimento, nenhum regimento pode preceder a escola, pois não faz o
menor sentido pensar em um texto normativo que venha antes das pessoas
e de suas vidas na escola.
A relação comunicativa, o uso da língua e suas diferentes linguagens, a
biblioteca, enfim, os diferentes dizeres na escola podem ser repletos de sen-
tido, com muitas atividades ligando essas coisas todas, ou um mosaico de
ações desarticuladas, mais parecendo uma grande colcha de retalhos. Por
que os dizeres na escola têm de ser padronizados? Por que não pode falar
algo ou por que não pode tirar livro a qualquer hora? Por que não pode ler
na sala de aula? Por que não pode ler por prazer... Conheci uma escola que
tinha um projeto que se chamava "Silêncio, estamos lendo". Todos, literal-
mente todos paravam na escola e se sentavam, em qualquer lugar, para ler.
Na cozinha, na diretoria, no pátio, na escada. Não se ouvia nem uma mosca!
Enfim, qual é o valor da palavra na escola? Qual é a palavra que tem valor
dentro da escola?
Um saber que é destacável nos dizeres das respostas dos diretores e
diretoras: a escola também tem autoestima. Basta ela apresentar um Ideb
baixo para que todos andem arrastando a asa pelos corredores. Sensação
de solidão, de fracasso, de tanto esforço para nada. O problema está no
Ideb? Claro que não. É uma política pública e, como toda política pública,
também tem seus limites. O problema está em: vamos trabalhar em função
do Ideb, ou vamos aprender com o Ideb para ressignificar nossas práticas
escolares? Pergunta desnecessária, pois o diretor, os professores, os alunos
198 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

e outros agentes escolares não têm escolha. Têm de continuar, no dia se-
guinte, a ir para a escola, receber os alunos e nadar contra a correnteza da
angústia, dos não saberes para virar a situação algum dia. Tirar forças do
fundo do poço, para sair de lá. É o que muitas escolas estão fazendo, pelos
relatos que colhemos.
A posição da escola na malha escolar da cidade pode ser outro saber que
envolve diversos problemas e preconcepções. Ao que parece, a educação
no campo ainda não aparece com vigor nas políticas públicas educacionais
(SOUZA, 2008). Afinal, o que quer dizer escola da periferia? O que quer dizer
escola rural? O que quer dizer escola do distrito que fica a 30 quilômetros da
cidade – lá, onde ninguém quer ir trabalhar? Isso representa, provavelmente,
um saber, já um tanto cristalizado, de que o bom é trabalhar no centro da
cidade, onde os alunos tomam banho todo dia, não estão com o nariz escor-
rendo o tempo todo, têm uniforme limpinho, sabem falar a língua da escola,
os pais vêm às reuniões, enfim, é uma ilha da fantasia. Enquanto a outra,
aquela lá de longe, mais parece a escola-do-fim-do-mundo. Mais parece o
muro das lamentações. Quem construiu essa imagem? Provavelmente, os
mesmos que construíram a cidade nesse formato. Tem até um nome pom-
poso para esse negócio: chamam de gentrificação de lugares na cidade. Dito
no português claro, significa limpar alguns lugares de pessoas indesejáveis,
pobres, mal vestidas, com casinhas caindo aos pedaços, gente feia... Todas
as preconcepções que geraram os condomínios fechados nas cidades. A
escola só é da periferia se olhada do centro da cidade. Essa visão é fundada
pelas políticas públicas municipais, estaduais e federais, que as tratam como
escolas marginalizadas. Como os diretores aprendem esses saberes? É sim-
ples: indo com seus carros, todos os dias, pelas estradinhas, esburacadas,
de terra, de lama quando chove, até lá. O abandono é algo que se sente na
pele.

Constelação (3) – Saberes das Secretarias de Educação (municipal


ou estadual) e seus agentes na perspectiva dos diretores e diretoras
de escolas públicas
Figuras do aprender: excesso de intervenção da Secretaria de Educa-
ção; intromissão do serviço de inspeção na escola; excesso de serviço por
parte da secretaria de estado; equipe diretiva sempre alinhada à Semed
(Secretaria Municipal); apoio da Secretaria de Educação; apoio da Secretaria
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 199

de Educação e Prefeitura; presença educativa; Secretaria Municipal de Edu-


cação; Ideb; parcerias com as Secretarias Municipais de Educação; metas
instituídas pela Secretaria da Educação.
O que sabem os ocupantes de cargo de secretário/a municipal/estadual
de Educação? O que sabe o ocupante do cargo de Diretor de Ensino, nas
redes estaduais, ou órgão equivalente em cada estado da federação? Aqui
desejamos saber o que os diretores e diretoras dizem saber sobre esses
órgãos da hierarquia educacional.
Semelhante pergunta, pela sua amplitude, chega a nos sugerir o por-
quê da própria pergunta. Vamos destacar algumas razões para se fazer tal
questionamento.
No âmbito municipal, ao dizer saber que o município é ente federado
(BRASIL, 1988), o responsável pela educação indica que diversas decisões
estão sob sua tutela. Por exemplo, se a rede municipal permanecerá sob ba-
tuta do governo estadual ou se se pretende constituir um sistema próprio de
ensino. Se fizer a primeira escolha ou a segunda, abrir-se-ão novas demandas.
No primeiro caso, o município continuará atrelado à política educacional do
estado a que pertence. No segundo caso, após ter sido aprovada na Câmara
Municipal a lei de criação de seu sistema próprio de ensino, passar-se-á a ter
o controle da maioria das decisões nesse campo.
No âmbito estadual, o secretário estadual de educação, responsável por
toda a execução da oferta educacional, decide a política nesse campo para
toda a rede de ensino vinculada ao governo do estado. Portanto, tanto em
uma rede municipal quanto estadual, há saberes específicos que mantêm
uma dupla via de constituição de sentidos: no ápice da pirâmide educacional
para sua base e vice-versa. Podemos dizer que os sentidos aí produzidos são
decorrentes da relação com o saber que cada polo dessa relação estabelece
com o próprio trânsito das informações que circulam nessa via de comunica-
ção. Como aprendem os saberes gerados nesse trânsito de informações é
o que trataremos nesse texto, e propomos uma reflexão a partir da seguinte
pergunta: que rede de circunstâncias pode explicar a produção de saberes
nos dois polos citados – o secretário ou secretária de educação e sua equi-
pe, de um lado, e os gestores escolares de outro? Para respondê-la, vamos
nos basear nas respostas dos diretores e diretoras de escola, coletados na
enquete.

Excesso de intervenção da Secretaria de Educação, violência escolar,


insubordinação, quebra de hierarquia e profissionalismo. Falta de
200 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

informação, intromissão do serviço de inspeção na escola. Falta da parti-


cipação das famílias com a escola, falta de capacitação técnica, excesso
de serviço por parte da Secretaria de Estado (Diretor – rede estadual – 11
a 15 anos de função – Minas Gerais).
A equipe diretiva sempre alinhada à Semed (Secretaria Municipal de
Educação_ e, por conseguinte, com a comunidade escolar (Diretor – rede
municipal – 1 a 2 anos de função – Brasília).
Buscamos juntamente com apoio da Secretaria de Educação diagnos-
ticar nossas falhas e assim planejar os nossos próximos passos, e tem
surtido efeito positivo. Alguns problemas estruturais, passados depois da
reforma e ampliação. Junto ao Conselho da Escola buscamos alternativas
e apoio da Secretaria de Educação e Prefeitura (Diretor – rede municipal
– 1 a 2 anos de função – Espírito Santo).
Presença educativa e educação para valores envolvendo estudantes,
seus pais e parceiros, como Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Secre-
taria Municipal de Educação, todas auxiliaram na diminuição da evasão
e da reprovação escolar. Assim, melhorou também o nosso Idepe, cujo
cálculo é semelhante ao Ideb (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de
função – Pernambuco).
Por meio de parcerias com as Secretarias Municipais de Educação, Ca-
pes, centros comunitários e professores amigos, divulgação em rádios e
com apoio da coordenação de ensino de nossa regional hoje levamos a
educação para jovens e adultos nas mais distantes localidades dos mu-
nicípios de abrangência de nossa escola (Diretor – rede estadual – 3 a 5
anos de função – Santa Catarina).
Atingir as metas instituídas pela Secretaria da Educação (Diretor – rede
estadual – 1 a 2 anos de função – São Paulo).

Como aprendem o que dizem saber


A relação com as hierarquias superiores à escola é um saber que decorre
de um aprendizado longo e tortuoso, por vezes. Nem sempre é uma relação
amistosa e diversas vezes é pautada pela burocracia, por ordens, por um
só falar e o outro só ouvir. Mas também há outras experiências relatadas,
indicando outros saberes. Aqueles que indicam que atores das Secretarias
de Educação também sabem dialogar, consultar os diretores e diretoras
em relação ao que precisam. Como aprendem a fazê-lo? Em geral, quan-
do há ordens que são inviáveis de serem cumpridas da forma como foram
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 201

concebidas. Muitas vezes, ouvindo dos diretores que precisam dar uma
passadinha na escola para ver mais de perto o que se precisa ali e em que
condições estão trabalhando. Aprendizado difícil, mas necessário, pois a
relação deve ser pautada pelo diálogo, pela compreensão, por uma atitude
de se colocar no lugar do outro, enfim, de perceber que quem está na Se-
cretaria de Educação tem também saberes, tem uma trajetória na educação,
assim como quem está lá na ponta, na escola, por mais distante que ela seja,
que há saberes cotidianos que se estabelecem ali, pois todos que atuam na
escola estão buscando dar sentido ao que fazem, à sua profissão, ao seu
lugar na educação. Como se aprende uma relação com o outro? Vivendo
experiências com o outro. Dando a essas vivências um sentido de que somos
todos um coletivo, nos esforçando para levar nossos alunos a uma condição
de saber.
Quando o diretor ou diretora diz que sua gestão está alinhada com a Se-
cretaria de Educação, complementando que isso envolve também a comu-
nidade escolar, pode estar nos indicando três tipos de saberes. No primeiro,
o alinhamento é discursivo, ou seja, na escola se faz o mesmo discurso que a
Secretaria faz. Se lá se fala que cada um deve se virar, na escola, o diretor fala
algo parecido com todos na escola. Se lá a ideia é de que a conversa é vocês
choram de barriga cheia, então na escola se fala: vamos parar de choramin-
gar e vamos trabalhar. Pode parecer que o que estou dizendo é inteiramente
negativo, trazendo a ideia de que o diretor é uma espécie de papagaio de
pirata. Só repete o que o dono diz. Não é essa, em princípio, a ideia que que-
ro transmitir. Digo que a gestão escolar leva para a escola a força discursiva
da Secretaria no sentido de mostrar a todos que são capazes de superar os
problemas, barreiras e dificuldades. Embora possam existir alguns diretores
que apenas repetem o que ouvem de seus superiores, penso que a maioria,
quando volta de mãos vazias para a escola, chama o seu grupo todo e lhe
diz: não vamos olhar para a negativa que recebemos, vamos fazer tudo o que
for possível com o que temos nas mãos.
O segundo alinhamento é prático. Há questões que são de ordem legal-
-burocrática da qual, por vezes, não se pode escapar. Às vezes, o não-pode-
-isso-ou-aquilo é inevitável. É hora de apertar a tecla do deixa pra lá. Nesses
casos, com raiva, com pena, com angústia, com receios, com a impressão
de que ninguém nos ama, o que faz a escola? Sobrevive! E, em geral, alguns
professores, o diretor, com a ajuda da coordenação pedagógica, tomam a
frente, fazem uma boa conversa na reunião pedagógica, regada a cafezinho
202 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

e bolachinhas pedagógicas, e levantam a cabeça, dizendo: já sofremos, já


choramos, mas ninguém vai matar nossos sonhos. Vamos em frente!
O terceiro alinhamento é epistêmico (VIANA, 2003). Neste, que se junta
ao anterior de alguma forma, o que se faz na escola é compreender o ponto
de vista da Secretaria, mesmo discordando dele, mas concebendo formas
de continuar sonhando e desejando conquistar tudo o que a escola pre-
cisa, pois na escola se tem outro entendimento das coisas. A questão aqui
é em que se baseiam as decisões que vêm de cima e em que se baseiam
nossas demandas aqui embaixo. Por vezes, os de cima não entendem os de
baixo, na hierarquia escolar e da rede de ensino, outras vezes, é o contrário
que acontece. O fato é que, se nos dois lados ninguém sair do seu lugar de
verdade e não considerar o ponto de vista do outro, não haverá diálogo,
mas apenas oposição pura e simples. Não há desacordo entre ideias, há
oposição de umas pessoas contra as outras, apenas.
Com essas três perspectivas, penso que agrupamos os saberes dos di-
retores e diretoras sobre o que dizem saber das Secretarias de Educação e
suas relações com as escolas e podemos compreender que aprendem no
diálogo, nas formas burocráticas, nos confrontos e nas parcerias que se es-
tabelecem entre as escolas e as diferentes instâncias da educação pública.

Constelação (4) – Saberes dos diretores sobre a gestão e as Políticas


Públicas
Figuras do aprender: (1) Saberes sobre a gestão escolar: muito zelo pelo
que deve ser priorizado; infraestrutura da escola; relação da escola com a
comunidade; modelo empresarial; descentralização do poder; sobrecar-
ga de serviços burocráticos; organização e planejamento interno; limitada
autonomia; falamos em equipe escolar; participação conjunta de todos os
segmentos escolares; ambiente favorável e prazeroso; atender os anseios e
solicitações. (2) Saberes sobre as políticas públicas: alimentação; formação
e certificação em gestão escolar; programa de educação integral; formação
continuada lato sensu e stricto sensu para gestores escolares; gestão para
resultados; fortalecimento das práticas sociais; incentivo por meio de proje-
tos; implantação de cursos técnicos no campo, visando a permanência do
jovem no campo; atender de forma regional cada realidade; dinamismo das
políticas públicas; mar de sistemas de ideias políticas; assistência social e de
saúde aos alunos; eficientes e igualitárias; formação dos gestores escolares
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 203

e sua seleção para o cargo; caminhar em sentido contrário; mais verbas para
aquisição de materiais; primeiríssima infância; formação docente; formação
continuada; que facilitem todo esse processo; educação integral; mais inves-
timento (infraestrutura, recursos humanos e mobiliários); educação infantil;
educação inclusiva.
O que dizem saber os diretores sobre a gestão escolar e as políticas
públicas em educação?
Vamos voltar às respostas que obtivemos para enveredar pelas pistas
que recebemos. São alguns extratos apenas que vamos utilizar para pon-
derar algumas possibilidades de resposta à indagação acima. Vamos dividir
esta seção em duas partes: a primeira versará sobre o que dizem saber os
diretores sobre a gestão, e a segunda, o que eles dizem saber sobre políticas
públicas em educação.

O que os diretores dizem saber sobre a gestão escolar


Saber-se diretor/a é saber-se administrador com recursos insuficientes.
Há duas questões que podemos destacar nesse tema. A primeira é relativa
a uma positividade frente à situação da escassez de verbas para a escola.
Nesta, o dizer saber-se diretor/a pode significar o fazer muito com o pouco
de que se dispõe. É o mantra da Nova Gestão Pública (NGP) que entoa nos
ouvidos dos administradores escolares: fazer mais com menos. Fazer mila-
gre, provavelmente. Trata-se de introduzir uma visão gerencialista na educa-
ção (CÓSSIO, 2018; OLIVEIRA; DUARTE; CLEMENTINO, 2017), gerando uma
nova forma de conceber a Res publica – a coisa pública – nos moldes da
empresa, no âmbito corporativo das sociedades ocidentais. A coisa pública
pelos olhos daqueles que pensam na administração da escola com base nos
mesmos princípios e procedimentos da fábrica, do hospital, da farmácia, do
boteco, do supermercado. Afinal, para esses sujeitos, administrar é uma ta-
refa universal aplicada às mais diferentes instituições, a despeito da finalida-
de de cada uma delas. Mas também pode significar que alguns diretores/as,
à frente de escolas muito carentes, em bairros marginalizados socialmente,
não estejam conseguindo fazer sequer o mínimo.
Talvez, mesmo antes dessa conversa toda, nós devêssemos perceber
que os diretores e diretoras da escola pública já vinham fazendo milagres:
festas com a participação da comunidade escolar, naquele formato em que
os pais dão as prendas e depois vão comprar de volta para sobrar algum
recurso para a escola... Bingos, rifas e a famosa coleta da APM, que virou
204 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

uma espécie de mensalidade que os familiares dos alunos pagam à escola


pública voluntariamente. Tem muitas outras formas encontradas pelos ad-
ministradores escolares. Eles são bem criativos. O que há de novo? De novo
há um discurso sofisticado que diz como fazer o que eles já sabem há muito
tempo: a escola tem de se virar, pois, em geral, o Estado, o poder público fi-
nancia em parte a escola pública. Nas palavras dos/as diretores/as de escola:

Com muito zelo pelo que deve ser priorizado, pode se desenvolver da
melhor forma possível o que for planejado (Diretor – rede estadual – 3 a
5 anos de função – Acre).
O maior desafio como gestor escolar é a questão de a infraestrutura da
escola ser totalmente inadequada para uma escola de tempo Integral. A
escola não possui internet e computadores para uso do aluno nem para a
gestão escolar (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função – Amapá).
Um dos desafios da gestão escolar é a construção de uma boa relação da
escola com a comunidade local, ao estabelecer esta relação a qualidade
pode melhorar muito, pois a comunidade, nas periferias, necessita da
escola, e a escola para cumprir seu papel social necessita de uma boa
relação social e comunitária (Diretor – rede municipal – 1 a 2 anos de
função – Bahia).
Em todo o escopo desta produção foi referenciada a palavra gestor, esta
intenção se deu, pois acredito que a delimitação se faz necessária para
o entendimento do conceito de administração e gestão escolar. Sabe-
mos que há uma diferença na abordagem tecnicista ligada à concepção
de uma administração em que a organização é representada por uma
pirâmide, ou seja, uma pessoa lidera e as demais são lideradas. A ten-
dência tecnicista em educação resulta da tentativa de aplicar na escola o
modelo empresarial, que se baseia na racionalização, própria do sistema
de produção capitalista. Um dos objetivos dos teóricos dessa linha é,
portanto, adequar a educação às exigências da sociedade industrial e
tecnológica, evidentemente com economia de tempo, esforços e custos
(Diretor – rede municipal – 1 a 2 anos de função – Ceará).
O conceito de gestão envolve, além dos aspectos bá-
sicos da organização de uma instituição, aspectos mais
amplos. Envolve descentralização do poder, dos processos de deci-
são e proporciona a participação da representatividade da escola,
o seu coletivo. Busca em conjunto oferecer respostas à diferença, à
inclusão, se pautando em valores como respeito mútuo, compreensão,
apoio, equidade, dentre outros (Diretor – rede municipal – 1 a 2 anos de
função – Ceará).
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 205

Um grande desafio na gestão escolar é a sobrecarga de serviços buro-


cráticos que o gestor precisa responder a todo instante, deixando de
lado as questões pedagógicas, que são a essência do trabalho do gestor.
Ressalto aqui as questões da administração financeira que, para as esco-
las estaduais em MG, são praticamente uma empresa caixa escolar que o
diretor deve administrar, ocupando um grande tempo do diretor (Diretor
– rede estadual – 3 a 5 anos de função – Minas Gerais).
Acredito que a gestão escolar é desafiador, e o mais importante para
melhoria na qualidade de ensino é a questão da organização e planeja-
mento interno. Com regras claras, bem divulgadas e um planejamento
eficaz, podemos melhorar esta qualidade. Novas metodologias de en-
sino e inserir a escola na realidade do mercado e da vida acadêmica,
proporcionando ao aluno empreendedorismo e oportunidades (Diretor
– rede estadual – 6 a 10 anos de função – Minas Gerais).
Como diretor de escola, indico ser um grande desafio a limitada autono-
mia na perspectiva da promoção de uma gestão de fato democrática e
participativa. Embora as razoáveis possibilidades de estabelecimento de
uma escola democrática sejam as condições minimamente necessárias
para a construção coletiva e autônoma na gestão escolar, as amarras
institucionais, que são condicionadas por soluções gerenciais fortemente
inspiradas pela mimese da produtividade empresarial, numa lógica de
gestão educacional com estabelecimento de metas, quantificação da
aprendizagem, uniformização do fazer pedagógico; que limitam e impe-
dem a escola democrática, de fato, e a possibilidade de ensinar (Diretor
– rede estadual – 1 a 2 anos de função – Rio de Janeiro).
Quando falamos em equipe escolar não devemos nos limitar somente
aos professores, mas também a toda equipe administrativa e de apoio
que é formada por: auxiliares de secretaria, cuidadoras, serventes, meren-
deiras, porteiros. Nós, gestores, precisamos entender que cada um deles
precisa estar em conexão, cada um tem uma história, emoções, sonhos
e frustrações, mas eles precisam sentir que fazem parte do processo e
da equipe escolar. Acredito que esse seja o grande segredo de uma boa
gestão escolar, só com respeito conseguiremos manter a equipe focada
e dessa forma colher bons frutos (Diretor – rede municipal – 3 a 5 anos de
função – Rio Grande do Norte).
Efetiva participação conjunta de todos os segmentos escolares: secreta-
ria de educação, gestão escolar, corpo docente, corpo discente, pais e
responsáveis legais, APP, CDE, parceiros externos (Diretor – rede estadu-
al – 6 a 10 anos de função – Santa Catarina).
206 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O empenho da equipe diretiva em manter um ambiente favorável e pra-


zeroso para os alunos e os professores, buscando atender os anseios e
solicitações dos mesmos (Diretor – rede estadual – menos de um ano de
função – Sergipe).

O zelo pela coisa pública é recorrente nas respostas dos diretores e


diretoras, sobretudo no que se refere ao uso de verbas públicas frente às
necessidades da escola. Devemos acentuar aqui um saber em relação às
situações vividas pelas escolas na visão dos seus dirigentes diretos. Dizem
saber que a infraestrutura fica sempre devendo! Estão sempre às voltas com
situações de fragilidade ou falta, mesmo quando se trata de atividades es-
senciais, como uma quadra para as aulas de educação física, sala de aula em
condições adequadas, prédios escolares renovados, telhados consertados
com rapidez quando o vento ou a chuva os faz vir ao chão, banheiros com
instalações de higiene e segurança, inclusive para alunos com necessidades
especiais, enfim, a lista é longa. Eu, pessoalmente, cresci ouvindo um velho
refrão da mídia e da classe política sobre a educação escolar: não há verbas!
Hoje o refrão mudou um pouco: é preciso fazer muito com pouco.
Ambos querem dizer a mesma coisa: o poder público gasta muito com
a educação e, mesmo assim, não vê bons resultados. Ideia estranha, pois a
Educação é uma garantia constitucional e é dever do Estado fornecê-la e
em condições dignas. Além desse fato, não concordo com a ideia de que os
recursos destinados à Educação sejam gastos, mas investimentos. Aliado a
esses saberes, está o preceito empresarial de que a escola deve estabelecer
uma política de resultados. Isso podemos constatar no discurso da Nova
Gestão Pública (NGP), conforme já indicamos em algumas páginas anterio-
res. Embora também se possam identificar diretores ou diretoras que estão
alinhados com essa perspectiva de enxergar a gestão escolar, concebendo
a necessidade de planejamento eficaz, assentados nas regras esclarecidas
e na visão de formação para o empreendedorismo, como mostrado na res-
posta (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de função – Minas Gerais) acima.
Os dizeres que envolvem a sobrecarga burocrática são velhos conheci-
dos. Há até um dito popular para isso que cabe bem aqui: por que simplificar
se se pode complicar? Em todo caso, penso que há duas questões a abor-
dar. A primeira é simples: aqueles que recusam a existência da burocracia
carecem de propor algo diferente e... Melhor! Mas o que mais importa é a
segunda questão: a burocracia está a serviço da educação e da escola ou
a escola está a serviço da burocracia? Toda a burocracia que recai sobre a
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 207

escola é efetivamente necessária? Existe vontade política de simplificar as


coisas? E os diretores e diretoras, como usam a burocracia? A serviço de
quem ela é utilizada?
A relação escola-comunidade é outra forma de dizer um saber que já
se consolidou como um lugar-comum: a escola não ensina sozinha, precisa
da parceria dos pais, familiares e outros do entorno escolar. Embora cada
um desses dois lados da questão tenha reclamações a fazer sobre o outro,
sobre o papel que cada qual deve exercer em relação às crianças e jovens,
os dizeres aqui expressos indicam saberes aprendidos a partir de muitas
tentativas de atrair as famílias para o interior da escola e de muitas tentativas
das famílias em atender às chamadas que a escola lhes faz. Nesses tempos
de escolas fechadas por conta da pandemia da Covid-19, os dois lados estão
sentindo uma enorme falta um do outro. Parece que o distanciamento está
promovendo aquilo de que sempre se falou, nem sempre se desejou, mas
que sempre foi necessário: um encontro escola-comunidade no desencon-
tro promovido por essa situação sanitária e de saúde pública que vivemos
em 2020. A lição que retiramos: se de fato os dois lados se ouvirem mais e
se ajudarem mais, os alunos é que ganharão, certamente. Acrescento que o
fato de um diretor ou diretora mencionar a descentralização como parte do
conceito de gestão escolar também diz respeito à relação escola-comuni-
dade, pois seria aí, posso entender, que a gestão ganha maior credibilidade
por parte dos pais e familiares. Esse saber da relação escola-comunidade se
aprende, apesar da autonomia limitada, mas com foco na participação da
família na escola, segundo se encontra na resposta (Diretor – rede estadual
– 1 a 2 anos de função – Rio de Janeiro) acima.
Envolver a todos os que trabalham e estudam na escola é o segredo da
boa gestão escolar, nos diz um/a diretor/a (Diretor – rede municipal – 1 a 2
anos de função – Rio Grande do Norte). Esse saber deve ter sido aprendido
depois de muito andar pelos corredores e salas da escola, apagando incên-
dios e sem entender por que na escola há tantos desencontros e conflitos
e como lidar com eles. Essas situações e tantas outras do cotidiano escolar
vão ensinando ao diretor e à diretora a produzir sentido em sua forma de
agir. A gestão é uma atividade que pode ser ensinada, mas não se resume
a uma técnica ou ao controle de um sobre os demais dentro da escola. Se
isso funciona bem dentro da empresa capitalista, deve ser pelo fato de que
as finalidades da escola e da empresa são diferentes. Bem diferentes! En-
quanto considerarmos que a gestão é coisa do diretor e da coordenadora
208 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

pedagógica, o mal-estar continuará produzindo desdobramentos nas prá-


ticas escolares e minando as tentativas de estabelecimento de um caráter
democrático na unidade escolar.

O que os diretores dizem saber sobre as políticas públicas em educação


Um tema recorrente nas respostas dos diretores refere-se ao financia-
mento da escola pública. Segundo os relatos, para atender adequadamente
às demandas da escola, é preciso dispor de recursos financeiros suficientes.
Entre as respostas oferecidas por diretores/as no tema merenda escolar,
uma política pública de enorme importância para as famílias e para os alunos
que moram e estudam nas periferias ou estão empobrecidos por problemas
sociais e chegam à escola, muitas vezes, para fazer a única refeição a que
terão acesso no dia, notamos aquelas que indicam o abandono da escola
pública. Como nos escreveram os/as dirigente escolares:

A maior problemática é trabalhar com a alimentação. Temos 528 alunos e


uma merenda no valor de R$ 4.900,00. Isso dá menos de 50 centavos por
dia (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função – Amapá).
Políticas públicas como formação e certificação em gestão escolar; pro-
grama de educação integral; formação continuada lato sensu e stricto
sensu para gestores escolares e gestão para resultados juntamente com
o trabalho escolar voltado para educação interdimensional (Diretor –
rede estadual – 6 a 10 anos de função – Pernambuco).
Na nossa realidade do campo são ações, políticas públicas, fortalecimen-
to das práticas sociais, incentivo por meio de projetos, implantação de
cursos técnicos no campo, visando à permanência do jovem no campo.
Zelo e garantia das singularidades da educação do campo (Diretor – rede
municipal – 11 a 15 anos de função – Mato Grosso).
Melhorias nas políticas públicas que atendam de forma regional cada
realidade, e não um mesmo programa de ensino para as diversas regiões
do Brasil. Encontramos muita disparidade educacional entre alunos nos
diferentes estados do Brasil. [...] Outro grande desafio é o dinamismo das
políticas públicas, que são instrumentos de governo, e não planos, cujo
foco é formar um modelo de educação que não contemple a realidade
de cada região (Diretor – rede estadual – 11 a 15 anos de função – Minas
Gerais).
Também vejo como grande problema as políticas públicas para educa-
ção, que mudam de acordo com o mar de sistemas de ideias políticas,
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 209

muitas vezes sem levar em conta a educação e a sociedade (Diretor –


rede estadual – menos de um ano de função – Rio Grande do Sul).
Muitas são as ações e políticas públicas de que sentimos falta, porém,
acredito que a falta de assistência social e de saúde aos alunos são os
maiores problemas que enfrentamos, pois esta falta se reflete direto na
aprendizagem desses alunos e nas relações que estabelecem com e na
escola (Diretor – rede municipal – 6 a 10 anos de função – Rio Grande do
Sul).
O desafio maior é a falta da própria sociedade em participar do deba-
te, seguido por políticas públicas eficientes e igualitárias, bem como a
transparência delas. A começar pela formação dos gestores escolares e
sua seleção para o cargo (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de função
– Rio Grande do Sul).
Como gestora o maior desafio que percebo é enxergar que as políticas
públicas caminham em sentido contrário aos anseios que existem nas
escolas em desenvolver o conhecimento. Isso dificulta a melhoria nos
resultados (Diretor – rede estadual – 11 a 15 anos de função – São Paulo).
Mais verbas para aquisição de materiais, contratação de pessoas qua-
lificadas e políticas públicas para primeiríssima infância (Diretor – rede
municipal – 3 a 5 anos de função – São Paulo).
Acredito que a formação docente é um grande elefante branco, pois há
poucas políticas públicas de formação continuada aos docentes (Diretor
– rede municipal – 3 a 5 anos de função – São Paulo).
O meu maior desafio enquanto profissional de educação é a aprendiza-
gem de todos. Não aceito que algumas crianças não sejam atendidas
em suas necessidades de aprendizagem. Por essa razão e por motivação
própria, busco nas diversas áreas do conhecimento, principalmente nas
neurociências, psicologia e linguagens, respostas, metodologias e técni-
cas que auxiliem no entendimento de como cada ser humano aprende
para que possamos atingir esse objetivo. Sem deixar de cobrar, apoiar,
sugerir e até mesmo propor políticas públicas que facilitem todo esse
processo em São Paulo (Diretor – rede municipal – 16 a 20 anos de função
– São Paulo).
Em primeiro lugar políticas públicas efetivas para garantia de uma educa-
ção integral de qualidade. É necessário mais investimento (infraestrutura,
recursos humanos e mobiliários) principalmente na educação infantil.
Relato também a importância de processo formativo que atenda a de-
manda da educação inclusiva, não apenas dos alunos com deficiência,
mas a todos (Diretor – rede municipal – 16 a 20 anos de função – São
Paulo).
210 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Como aprendem o que dizem saber


Os saberes dos diretores e diretoras sobre as políticas públicas em edu-
cação vão desde a miopia dos gestores da educação no município ou no
estado no que se refere à merenda escolar, como aparece na resposta (Dire-
tor – rede estadual – 1 a 2 anos de função – Amapá), até outros investimentos
necessários, como educação integral, mobiliário, educação infantil e educa-
ção inclusiva, passando por formação continuada para gestores escolares
e docentes, educação no campo, rapidez e regionalização no atendimento
das hierarquias às escolas, continuidade mesmo frente às mudanças políti-
cas em função de eleições, saúde e assistência social voltadas para o aluno
e suas famílias, seleção para o cargo de diretor escolar. Como os diretores
dizem saber essas coisas? Vamos refletir um pouco.
Os saberes relativos ao financiamento da educação, oriundo de políticas
públicas, são aprendidos, pelo que podemos ver, pela lição da escassez.
Falta quase de tudo nas escolas, embora umas tenham melhores condições,
enquanto outras sofrem com suporte abaixo do mínimo necessário ao bom
funcionamento da unidade escolar. Assim, enviar recursos pífios para a me-
renda escolar é ensinar ao gestor escolar que ele deve ter uma horta na
escola, o que em si não é má ideia, mas deve ter gente para cuidar da horta
e ela tem de produzir o suficiente para atender ao número de alunos, o que
nem sempre é fácil de conseguir. Além disso, novamente os gestores são
chamados a criar soluções por conta própria para levantar fundos para a
escola pública, que deveria ser sustentada adequadamente, pois todos pa-
gamos nossos impostos.
Assim também ocorre com outras coisas que demandam mais atenção
dos gestores educacionais. A educação integral, embora muitas vezes seja
confundida com educação de período integral, faz com que professores
tenham até sete aulas com crianças no mesmo dia, como tenho presen-
ciado ultimamente. Como os diretores aprendem esse saber? Tentando
desesperadamente atender a todas as atividades da escola, mesmo com
vários professores que faltam todos os dias, e ainda tendo de atender aos
alunos até às 16h ou 17h. Só por milagre! É um aprendizado pelo estresse
diário de cumprir cada jornada de trabalho e chegar vivo ao final do dia.
São os sentidos produzidos pelos diretores e diretoras sobre suas práticas
gerando saberes sobre as políticas públicas. Sobre a educação no campo, a
infraestrutura ainda aparece como uma das principais queixas extraídas de
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 211

um saber que não desconhecido, mas, provavelmente, que pouca atenção


recebe: essas escolas são marginalizadas no mapa das políticas públicas.
Os saberes dos gestores escolares são produzidos, pelo que encontra-
mos nas respostas, pelas estratégias de sobrevivência desses agentes no
cotidiano escolar. Falta formação continuada para eles. Assim como falta
atendimento mais frequente às escolas por parte dos setores responsáveis
do poder público. Talvez isso ocorra pelo excesso de burocracia presente
nas Secretarias de Educação, pela escassez de pessoal ou pelo fato de que a
quantidade, junto às distâncias das escolas a serem assistidas, está acima da
capacidade administrativa. O fato é que há um saber dos diretores expresso
na resposta (Diretor – rede estadual – 11 a 15 anos de função – Minas Gerais)
acima: as disparidades regionais do nosso país se expressam e resultam em
disparidades educacionais e escolares. Como se aprende isso? Entre outras
formas, é só dar uma olhadinha no Ideb que teremos uma boa noção, embo-
ra haja exceções, mas o mapa econômico do país reflete o mapa da diferença
na oferta de políticas públicas adequadas a cada região e estado do Brasil.
Por fim, o vai-e-vem das mudanças ideológico-partidárias no país, e em
cada uma das regiões, estados e municípios, tem ensinado aos diretores e
diretoras que as águas e tormentas educacionais têm datas fixas para ocor-
rer. A descontinuidade de políticas públicas, o encerramento de projetos
que foram herdados de gestões anteriores, independentemente se estavam
dando certo ou não, os cargos comissionados, inclusive de diretores de es-
cola, entre outros pontos, são razões as quais produzem os sentidos que
os gestores escolares expressam nas respostas acima. Nunca se consegue
estabelecer um projeto de longo prazo. A cada mudança política tudo cor-
re o risco de desmoronar. Se há uma pessoa que aprendeu bem o que é
modernidade líquida proposta por Zygmunt Bauman (2001) é o diretor de
escola: a escola parece que está sempre prestes a derreter e escorrer pelos
dedos da gestão.

Constelação (5) – Saberes dos dirigentes de rede de ensino sobre a


gestão e as Políticas Públicas na percepção dos diretores e diretoras
Figuras do aprender: pessoas que não possuem preparo nenhum para
a posição de comando que ocupam; é termos pessoas no alto da hierarquia
da educação que saibam, por ter vivido, o que é estar dentro do processo
educacional; respeitando os segmentos, e não as hierarquias.
212 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O exercício que vamos fazer neste tópico é assim: não dispomos de res-
postas dos dirigentes de redes ou sistemas de ensino municipais ou estadu-
ais, mas podemos fazer uma leitura do que sabem, inferindo esses saberes
a partir das respostas dos diretores e diretoras que já temos. Trata-se de
conjecturar com os indícios desses saberes, o que é um risco, mas um risco
que vale a pena correr. Ao final, cada diretor ou diretora que ler este texto
poderá avaliar se erramos ou se nossas análises são coerentes e confiáveis.
Vamos fazer um acordo, eu e você, caro leitor: proponho uma leitura pelo
espelho, ou seja, lendo a resposta de alguns diretores procurarei encontrar
os saberes dos dirigentes da rede ou do sistema.
Vamos começar retomando uma ideia que nos parece importante. Se os
sujeitos produzem saberes atribuindo sentido às informações que lhes che-
gam, podemos perguntar, assim como os sujeitos estabelecem relações ins-
titucionais baseadas em hierarquias, o que pensar dos saberes produzidos?
Na medida em que os saberes são produzidos pelos sentidos que os
sujeitos atribuem às informações que recebem e por entender que os su-
jeitos são dispostos em lugares sociais diferentes devido às tradicionais
hierarquias, concluímos que os saberes também estão hierarquizados. Tem
saberes que valem mais que outros saberes, não pelo conteúdo de significa-
ção que emerge das relações de comunicação, mas porque os sujeitos que
os enunciam convivem com formas hierárquicas que os dividem em cargos,
funções ou apenas o lugar-social de cada um dentro de uma instituição. O
organograma de uma instituição não revela apenas quais são os cargos que
ali existem, mas qual é a fisionomia das relações de poder que organizam a
vida institucional. Trata-se de uma maquinaria ou, dito de outra forma, de
uma tecnologia do poder, segundo o filósofo francês Michel Foucault (1996).
Para o pensador, o poder não está em um lugar específico ou num cargo ou
numa pessoa, mas está na relação que tecem entre si os sujeitos, na institui-
ção. Voltando às respostas dos diretores e diretoras escolares. Vamos ver o
que dizem sobre essas relações hierárquicas.

Creio que o maior desafio esteja relacionado a chefes (pessoas em posi-


ção superior da hierarquia da Seduc) que não possuem preparo nenhum
para a posição de comando que ocupam. Estes, muitas vezes, se sentem
ameaçados por quem tem melhor preparo e tornam o clima difícil no
trabalho; geralmente são pessoas com interesses que divergem da apren-
dizagem (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função – Amazonas).
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 213

O desafio para a educação pública ter maior qualidade, a meu ver, é


remover ao máximo possível as interferências políticas com seu jeitinho
e trabalhos voltados a aumentar números e resultados, que não dizem
respeito à real situação educacional, mas são publicados para promoção
de A ou de B; é termos pessoas no alto da hierarquia da educação que
saibam, por ter vivido, o que é estar dentro do processo educacional, na
base, de fato, para que os projetos sejam voltados à melhoria da educa-
ção como um todo, sabendo ouvir as necessidades, que nem sempre vão
para as estatísticas de forma direta; por fim, menos discurso e mais ação
dos órgãos responsáveis, diminuindo a burocracia e trabalhando mais
de perto, dando o apoio necessário aos gestores, professores e alunos
(Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função – Bahia).
Primeiramente, se mostrar competente e responsável pela escola. Ga-
nhar a confiança dos profissionais, professores, alunos e familiares. Em
seguida, manter o diálogo entre esses segmentos de forma igualitária,
respeitando os segmentos, e não as hierarquias, apesar de elas estarem
explícitas, de qualquer maneira (Diretor – rede municipal – 6 a 10 anos de
função – Rio Grande do Norte).

O diretor afirma (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos de função – Acre)


que faltam recursos financeiros para gerir adequadamente a escola. Pode-
mos considerar que dois saberes do diretor são possíveis. O primeiro é que
os recursos que estão à disposição da escola pública são insuficientes. O
segundo é que ele tem de se virar com o que recebe para a manutenção
da escola. E o que esse diretor nos permite inferir sobre os saberes dos
dirigentes da rede ou sistema de ensino? Provavelmente, ocorre a velha tra-
dição de se confundir custo-educação ou custo-aluno com gasto-educação
ou gasto-aluno (PINTO, 2006; ABRAHÃO, 2007; SILVA, 2011, 2016; SILVA;
MORETTI, 2017, 2018). Isso significa o mesmo que dizer: os dirigentes de
redes ou sistemas tratam a verba pública para a educação a partir do seu
montante, estabelecendo uma relação de divisão pela quantidade de alunos
e escolas de que a rede dispõe. Então, não se trata de perguntar quanto
custa uma educação de qualidade, mas de estabelecer de quanto se dispõe
para cobrir toda a rede. É uma inversão de valores, pois não é o que uma
educação de qualidade demanda, mas quanto se está disposto a gastar com
a educação pública. Para justificar a inversão, normalmente se utiliza do jar-
gão empresarial-gerencialista: fazer mais com menos.
Na questão da responsabilidade sobre a escola e sobre os resultados
obtidos no seu interior pelos alunos, a comunidade é convidada a dividir com
a gestão escolar, embora essa relação – escola-comunidade – seja bastante
214 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

conturbada, tornando um lugar-comum entre agentes escolares que a parti-


cipação da comunidade não é aquela que a escola deseja. A comunidade não
participa adequadamente (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos de função
– Acre). A fraca participação resulta em evasão, distorção faixa etária/série,
reprovações e desvalorização financeira (a família permanece presa de sua
situação social e econômica). Participação dos pais na vida escolar dos filhos
é sucesso garantido do diretor escolar, segundo a resposta que recebemos.
Podemos daí inferir que os discursos, tanto das diferentes mídias de grande
alcance, como a TV e os jornais, discursos que afetam de alguma forma as
políticas públicas educacionais, quanto dos dirigentes de redes ou sistemas
de ensino, que parecem também afirmar que a participação dos pais e fami-
liares na vida escolar dos filhos não é satisfatória e que devem ser chamados
a participar são recorrentes. Mas, participar de quê, exatamente? E em que
condições? Estamos falando de uma antiga tradição em que o papel dos
pais, e possivelmente a garantia da educação das crianças e jovens, termina
quando eles levam seus filhos e os deixam no portão da escola. Além disso,
somente quando convocados pela gestão da escola, devem lá comparecer
para tratar, individualmente, de problemas afetos aos filhos. Assim, a reunião
de pais, que se faz na escola em datas já previstas no calendário letivo, talvez
devesse ser chamada de reunião da escola com a presença dos pais. Quem
tem a palavra nessas reuniões? Quem estabelece a pauta? Tudo isso, se são
saberes que os diretores dizem possuir, decorre também, de alguma forma,
das políticas públicas que afetam o chão da escola e a vida de todos os que
ali estão. São saberes hierarquizados.

O lugar e o papel do diretor na escola


O diretor escolar tem uma presença marcante na unidade escolar. A
presença do diretor na escola altera o andamento da unidade. A presença
significa engajamento do diretor. Ser diretor é estar presente na escola. Nes-
sa perspectiva, ser diretor é estar à frente de tudo o que se faz na escola (Di-
retor – rede estadual – menos de um ano de função – Acre). É interessar-se
pelo cotidiano escolar. Daí decorre que o diretor, além de saber seu lugar e
seu papel, também diz saber que é controlado pela hierarquia educacional.
Ele tem de estar presente na escola, ele tem sua assiduidade verificada e
vigiada, pois ele responde por ela.
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 215

Como aprendem o que dizem saber


Segundo respostas obtidas, há nas hierarquias educacionais pessoas
que não estão preparadas para desempenhar cargos ou funções de coman-
do, gerando descompasso entre o que é emanado pelos órgãos superiores
e a própria escola. Daí decorre uma pergunta que não quer calar: o que
devem saber de gestão escolar e suas necessidades aqueles que assumem
posições ou cargos nas esferas superiores à escola? Segundo o que dizem
saber, exposto pelo diretor ou diretora (Diretor – rede estadual – 3 a 5 anos
de função – Amazonas), deveriam saber como funciona a escola, de perto,
tendo vivido no cotidiano de uma delas, ao menos. Posso derivar desse sa-
ber que há diretores que se ressentem de estar submissos a pessoas desses
órgãos superiores que não podem ajudá-lo por falta de competência técni-
ca. Muitas ocupam cargos ou funções por razões outras que não os saberes
exigidos para o seu bom exercício.
Outro saber que dizem ter indica que é preciso respeitar os diferentes
segmentos, tanto da escola quanto da educação, na respectiva rede, e não
apenas guardar reverência às hierarquias, como se elas fossem responsáveis
pela efetiva qualidade da escola ofertada à população.
Como aprendem esses saberes? No primeiro caso notamos que as práti-
cas de gestão têm servido de parâmetro para a qualidade do gestor. Porém,
certamente é um pouco mais complexo. Apesar de termos recebido relatos
de que professores que assumem o cargo de diretor de escola, sem experi-
ência anterior, se sentem perdidos por não receberem um preparo para tal,
sabemos que na relação com o saber dos diretores e diretoras de escola
pública recorrem aos órgãos superiores para resolver dúvidas e problemas
que surgem no seu cotidiano de atuação. Então, os saberes não decorrem
apenas das práticas vividas no interior da escola, mas também das reuniões,
dos atendimentos individualizados que recebem quando procuram ajuda na
Secretaria de Educação, nos contatos com outros diretores, em eventuais
cursos de formação de que participam, enfim, aprendem num mosaico de
oportunidades e ações. Mesmo assim sentimos que permanece certo res-
sentimento em relação àqueles que estão hierarquicamente acima da esco-
la, mas não têm condições técnicas de ajudar os gestores escolares.
216 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

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Discografia
CAETANO Veloso. Dom de iludir. Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=gzfWbqISMmo>. Acesso em: 13 out. 2020.
5

Projeto Político-Pedagógico e a
Pedagogia de Projetos1
Sandra Aparecida Riscal

Ementa: O Projeto Político-Pedagógico (PPP) como um projeto global de


múltiplas dimensões e de ressignificação do espaço e das práticas escolares.
Dimensão política e pedagógica do PPP. Elaboração do PPP como processo
democrático e participativo. Etapas da elaboração do PPP: os conceitos de
projeto e planejamento, a contextualização, o diagnóstico, o plano de ações
e avaliação dos resultados. Perspectiva pedagógica da elaboração de proje-
tos como processo de construção de conhecimento.

Objetivos:
• Conhecer o caráter global e multidimensional do PPP e seu caráter pro-
cessual, não apenas como um documento, mas como um procedimento
coletivo, democrático e interativo, capaz de fazer da escola um espaço
vivo e aberto;
• Aprender sobre o significado político do PPP, uma vez que se trata da
percepção de que sua elaboração deve ser democrática e republica-
na, isto é, contando com a participação coletiva e voltada para o bem
comum;
• Saber do caráter pedagógico que caracteriza o PPP, uma vez que deve
ser voltado para a melhoria da qualidade de ensino, enfocando os as-
pectos pedagógicos e metodológicos que devem ser adotados para
alcançar esse objetivo;
• Reconhecer as etapas de elaboração do PPP, tendo compreensão do
conceito de projeto e planejamento, da importância da contextualização

1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se deve
ao fato de esses termos se referirem conjuntamente a homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
218 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

da comunidade escolar, do diagnóstico das dificuldades e avanços, da


elaboração do plano de ação com base no diagnóstico e da avaliação
dos resultados, para identificação dos sucessos e insucessos;
• Compreender a perspectiva pedagógica da elaboração dos projetos
pedagógicos, multidisciplinares, entre outros, como resultado de um
processo de construção coletiva do conhecimento.

Introdução
Este material constitui uma parte dos vários saberes elaborados para
o Projeto de Mentoria de diretores escolares. A escolha da apresentação
do material de apoio no formato de trilhas foi considerada mais adequada,
devido à consideração pelas pessoas que são diferentes, têm formações dís-
pares, distintas experiências e percepções diversas da realidade. As trilhas
não constituem processos de treinamento ou capacitação, mas oferecem
diferentes possibilidades de percurso para a construção de um conhecimen-
to que permite articular os saberes já constituídos com novas percepções e
possibilidades de conhecimento.
Este material de apoio constitui o conteúdo sobre o Projeto Político-Pe-
dagógico. Partindo do pressuposto de que já existem vários materiais sobre
o Projeto Político-Pedagógico, o objetivo foi provocar a reflexão sobre o que
se apresenta como saber e prática, quando se trata de dilemas enfrentados
e na construção de novas possibilidades de conhecimento. Trata-se, portan-
to, de uma reflexão sobre o próprio ato de conhecer e sobre as formas como
esse conhecimento foi produzido e de a ele contrapor novas possibilidades
de construção do conhecimento.
Como observou Bachelard (2008), o ato de conhecer dá-se sempre por
meio da reflexão sobre os obstáculos impostos pelo conhecimento anterior-
mente estabelecido. Saberes estagnados pelo hábito, práticas consolidadas
como rotineiras não são frequentemente pensados ou contrapostos a outras
possibilidades.
Em primeiro lugar são necessárias a disposição e a tomada de posição,
que determinam a vontade de repensar aquilo que se sabe e que já se so-
lidificou nas práticas cotidianas. Mas é importante que não se ignore "que
não se pode anular de um só golpe todos os conhecimentos habituais" (BA-
CHELARD, 2008, p. 18).
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 219

Os saberes solidificados nas práticas habituais tendem a constituir-se


como preconcepções que resistem às possibilidades de inovação. Estabe-
lecidos e consolidados, são percebidos como imperativos funcionais, con-
siderados úteis aos objetivos que se propuseram, como práticas de sobre-
vivência, impondo uma lentidão a qualquer perspectiva de mudança. Sair
da habitualidade do mesmo e confrontar-se com a possibilidade de outro
é uma forma de abrir-se para as diversificações das próprias percepções do
mundo. Esta é meta deste material de apoio: o confronto com novas percep-
ções e a abertura para o conhecimento da variedade de percepções sobre
a escola e sobre o mundo.
O tema – Projeto Político-Pedagógico (PPP) – não pretende apresentar
um modelo, fórmula ou guia de ação. O escopo é a reflexão sobre sua con-
dição de processo com múltiplas dimensões e de ressignificação do espaço
e das práticas escolares. É, portanto, um processo que exige repensar as
práticas habituais, abrindo-se para outras perspectivas. Trata-se de mudar a
cultura da repetição e da estagnação burocrática; de lançar um novo olhar
sobre a vida escolar em todas as suas dimensões e possibilidades.
O Projeto Político-Pedagógico é, portanto, um instrumento de mudança,
de reavaliação das práticas solidificadas e de abertura para a multiplicidade
de percepções da escola. Não é, portanto, apenas um documento, mas um
processo de ressignificação das práticas e saberes sobre a vida na escola e,
nesse sentido, é uma avaliação e desconstrução dos saberes já estabeleci-
dos, uma renovação do pensar sobre a escola. Seu pressuposto fundamen-
tal é de que seja elaborado de forma democrática e participativa, abrindo
espaço para a coletividade. Na sua condição de instituição pública, a escola
deve constituir-se como um espaço público, que, por meio da interação,
colaboração, da escuta atenta das percepções de todos e da mediação, re-
aliza a sua tarefa republicana de alcançar o bem comum. O Projeto Político-
-Pedagógico apresenta, portanto, um caráter pedagógico de aprendizado
da construção coletiva de um conhecimento sobre a escola e para a escola
em sua totalidade.
220 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Algumas reflexões em torno da recepção da proposta de elaboração


dos Projetos Político-Pedagógicos das escolas

Qual a origem do Projeto Político-Pedagógico e por que foi introduzido


nas escolas?
A admissão do Projeto Político-Pedagógico (PPP) como instrumento de
organização e planejamento das atividades escolares não é recente. O PPP
é uma das estratégias para a introdução da gestão democrática nas escolas
públicas, prevista no inciso VI do artigo 206 da Constituição Federal de 1988:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na for-
ma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade;
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação
escolar pública, nos termos de lei federal;
IX – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.

A gestão democrática das escolas públicas, como dispositivo constitu-


cional, está instituída há mais de 32 anos, portanto, não se trata de algo
novo. Desde a promulgação da Constituição de 1988, foram elaborados
centenas de estudos sobre o papel, a importância e o significado da gestão
democrática.
A gestão democrática não se apresenta, no texto constitucional, como
um elemento isolado, mas deve ser compreendida em sua articulação com
outros incisos do artigo 106. Isso significa que a gestão democrática, como
elemento fundante das políticas educacionais, constituiria um processo que
permitiria que os demais dispositivos constitucionais tivessem efetividade.
Por meio da gestão democrática seria possível a garantia da educação, da
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 221

permanência na escola, do livre-arbítrio de aprender, ensinar, pesquisar e di-


vulgar o pensamento, da arte e do saber, bem como do pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas. A gestão democrática caracteriza-se, ainda,
como um instrumento para a garantia do padrão e da qualidade do ensino.
Esses preceitos são reproduzidos na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

TÍTULO II – Dos Princípios e Fins da Educação Nacional


Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pen-
samento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII – valorização do profissional da educação escolar;
VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX – garantia de padrão de qualidade;
X – valorização da experiência extraescolar;
XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;
XII – consideração com a diversidade étnico-racial;
XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.

Ao acrescentar no inciso XII, a LDB 9394/96 introduz mais um elemento


que deve ser articulado ao processo de gestão democrática, a consideração
com a diversidade étnico-racial. Entretanto, a LDB é ainda mais explícita do
que a Constituição na determinação do caráter da gestão democrática nas
escolas. No artigo 12, inciso I, é especificado que "os estabelecimentos de
ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão
a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica".
Mais adiante, no artigo 13, é estabelecido que:

Os docentes incumbir-se-ão de:


I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento
de ensino;
222 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógi-


ca do estabelecimento de ensino;
III – zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor
rendimento;
V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e
ao desenvolvimento profissional;
VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade.

E no artigo 14:

Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do en-


sino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades
e conforme os seguintes princípios:
I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares
ou equivalentes.

Considerados em sua totalidade, os diversos dispositivos constitucionais


e legais procuram assegurar a gestão democrática das escolas públicas, por
meio da participação da coletividade escolar na elaboração da proposta pe-
dagógica e da sua articulação com as famílias e a comunidade.
Com base nos fundamentos introduzidos pela legislação, constatou-se
que a gestão democrática das escolas deveria ter um papel central nas re-
lações escolares e na elaboração de um Projeto Pedagógico. Esse projeto
pedagógico deveria ser um instrumento de mudança nas relações de poder
escolares e por isso deveria ser compreendido como um instrumento políti-
co de ação. E, por esse motivo, o projeto não deve ser considerado apenas
como pedagógico, mas a compreensão da ação pedagógica deve ser funda-
mentada em uma concepção política democrática da organização escolar.
Trinta e dois anos depois do princípio da gestão democrática como dis-
positivo constitucional e 24 anos após a LDB 9394/96 ter determinado o as-
pecto participativo e democrático da elaboração dos Projetos Pedagógicos,
ainda pairam dúvidas sobre o significado desses preceitos e, mais frequen-
temente, sobre a sua importância e factibilidade pelas unidades escolares.
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 223

Não se pode afirmar que a gestão democrática e a iniciação da elabo-


ração participativa do Projeto Político-Pedagógico tenham sido ignoradas,
uma vez que constituem exigência da maioria dos sistemas de ensinos. En-
tretanto, seja pela ausência de uma compreensão do que signifique a elabo-
ração de um Projeto Político-Pedagógico participativo e democrático, seja
pela acomodação às tradicionais práticas escolares, em grande parte das
escolas públicas do país a gestão democrática nos parece uma ficção.
É comum em conversas com diretores e coordenadores escolares a de-
claração de que o Projeto Político-Pedagógico é um documento, elaborado
pela equipe gestora, que tem a finalidade exclusiva de atender às exigências
dos sistemas de ensino. Em muitos casos, apenas se procede à cópia do que
foi elaborado em anos anteriores. Muitas vezes, afirma-se que é um docu-
mento que "fica na gaveta", e o verdadeiro planejamento das atividades es-
colares segue o mesmo ritmo de sempre, segundo as práticas costumeiras.
Compreendido apenas como um documento, o Projeto Político-Peda-
gógico perde a sua razão de ser, porque se apresenta como letras mortas
no papel. Nesse caso ele não é nem projeto, nem político, nem pedagógico.
Mas quais teriam sido as razões e as dificuldades para o fracasso na imple-
mentação do Projeto Político-Pedagógico nessas escolas? O que levaria
gestores e professores a desdenhar a possibilidade da elaboração de um
PPP participativo e democrático?
Não seria razoável imaginar se tratar do desconhecimento dos dispositi-
vos constitucionais, uma vez que a gestão democrática das escolas e a ela-
boração participativa do Projeto Político-Pedagógico estão entre os temas
com maior quantidade de publicações e discussões no meio educacional.
Seria uma resistência em relação à instauração de relações mais democrá-
ticas nas escolas? Seria o desconhecimento das formas de sua implementa-
ção? As hipóteses são várias. Alega-se, frequentemente, o desinteresse da
comunidade escolar na participação das atividades escolares, fato que vem
sendo contestado com exemplos de escolas que têm conseguido ampla
participação da comunidade na vida escolar.
É importante ressaltar que não se trata, aqui, de eleger culpados ou de
apresentar um modelo ideal de participação da comunidade e de gestão
democrática na escola. O que se pretende é compreender o discurso de
gestores e docentes em relação à gestão democrática e elaboração partici-
pativa do PPP. Tomando-se como ponto de partida as suas representações
sobre o papel da escola, de seu papel como agentes escolares e de sua
224 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

percepção sobre a participação da comunidade, pretende-se problematizar


suas perspectivas com a finalidade de proporcionar a reflexão sobre essas
representações.

Algumas palavras sobre o espanto, o cotidiano e a resistência na


vida escolar

Você já parou para refletir sobre o papel do espanto para a educação?


Segundo Aristóteles (1975), seria da própria natureza humana a tendên-
cia ao saber, que constituiria uma das atividades mais prazerosas conhecidas
pelos homens. E esse prazer teria início com o espanto, com a admiração,
que produziria no homem o desejo de pensar. O espanto! A admiração dian-
te do inesperado, do inusitado provoca a imaginação e o pensamento e
permite que pensemos para além daquilo que, para nós, era o conhecido ou
para além das coisas sobre as quais acreditávamos que já sabíamos tudo. A
surpresa, o choque, a perplexidade são o ponto de ignição do pensar. Pen-
sar o mundo por meio de outras perspectivas, permitir o espanto diante de
saberes outros ou, ainda, construir saberes outros: não poderíamos imaginar
que seria este o papel da escola? Trazer de volta o espanto, a admiração não
seria ocasionar o prazer pelo conhecimento para as atividades escolares?
Mas como fazer isso se os próprios docentes e gestores escolares já não
encontram mais na escola o prazer pelo conhecimento? Se já não há espanto
e admiração pelo inusitado e se espera que o cotidiano seja sempre a repro-
dução do mesmo?

Que reflexões podem ser feitas sobre o cotidiano escolar?


A ordem da vida escolar tende à repetição; a infinita reprodução do mes-
mo e a cotidianidade manifestam-se, assim, como uma constante reprise das
mesmas ações, sem que se consiga fugir da imperiosa necessidade de se
fazerem sempre as mesmas coisas. O problema é que a acomodação à repe-
tição dos fazeres cotidianos tende a reduzir nosso prazer com a admiração
daquilo que nos parece estranho. Não nos interessam outros saberes, eles
perturbam a quietude da eterna reprodução do mesmo.
Tornamo-nos, assim, arredios às diferentes perspectivas, não gostamos
do que nos parece estranho, pois este nos retira do conforto. Afinal, aquilo
que é conhecido e que sempre se repete da mesma forma é confortável, e
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 225

nos apegamos afetivamente a esse conforto, que fornece uma sensação de


aconchego e proteção. Sair do aconchego da acomodação cotidiana exige
atitude, requer uma vontade de mudar, obriga a um reordenamento de nos-
sa visão de mundo. Isso pode parecer uma tarefa hercúlea ou, para muitos,
simplesmente desnecessária, pois as coisas parecem ir bem tal como estão.
Qual seria o papel do cotidiano na implementação das propostas de
inovação na gestão das escolas? Afinal, se tudo está indo tão bem, por que
se fala tanto na crise da educação? Afinal, o discurso sobre o problema da
educação brasileira persiste há décadas, e há quem diga que desde os seus
primórdios a educação brasileira está sempre em crise.
Desde a promulgação da Constituição de 1988 e, posteriormente, da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, a política educacional
brasileira tem como um de seus aspectos fundamentais a universalização do
ensino fundamental. Mas atingir esse objetivo só tem algum significado se,
além de garantir o acesso à escola para toda a população quando dentro da
faixa etária para entrar na escola, for garantida a sua permanência e com um
ensino de qualidade. Isso significa que não adianta haver vagas para todos,
mas que a educação propiciada pelas unidades escolares seja de qualidade.
Nos últimos 20 anos proliferaram projetos governamentais, nos níveis
federal, estadual e municipal, que visaram, por meio de cursos de formação
continuada, levar a perspectiva de mudanças para que as escolas pudessem
ao menos vislumbrar um horizonte de oferta de um ensino de qualidade.
Além disso, programas efetivados pelo Ministério da Educação, do FNDE,
têm sido desenvolvidos para garantir transporte, livros, alimentação etc.,
com vistas a garantir a permanência dos alunos nas salas de aula. Outros
tantos programas foram desenvolvidos com a finalidade de auxiliar o diag-
nóstico dos problemas, a gestão e o acesso a recursos para as unidades
escolares.
Desde 2007 foram instituídas pelo Ministério da Educação tentativas de
auxiliar a identificação dos problemas das escolas por meio de avaliações ex-
ternas e por meio da criação de um indicador de qualidade, o Ideb (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica). Entretanto, há uma sensação, quase
generalizada, de que essas tentativas não conseguiram atingir o cotidiano de
uma grande quantidade de escolas ou que os resultados obtidos estariam
aquém daqueles que se pretendiam.
Essa situação não parece provocar espanto. Os diferentes agentes esco-
lares parecem ter se acostumado com as diferentes propostas e programas
226 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

governamentais, sem que, de fato, depositassem neles a confiança de que


promoveriam uma mudança real na educação.
Para desconsolo dos propositores das políticas educacionais, frequen-
temente distantes do cotidiano escolar, boa parte dos projetos, bem in-
tencionados e bem delineados, não atingiria os resultados esperados por-
que enfrentaria a resistência dos agentes escolares, que, acostumados às
suas práticas tradicionais, permanecem impermeáveis às novas propostas
educacionais.
Como reagem os docentes e gestores das escolas em relação às pro-
postas de inovação dos sistemas públicos de ensino? Talvez falte aqui uma
observação sobre esses professores e gestores que parecem resistir às
novas propostas educacionais. Charlot (2008) afirma que, nas representa-
ções mais comuns sobre os professores, "faltaria o professor normal, que
simplesmente trabalha para ganhar um salário e sustentar sua família, que
vive situações esgotantes e, também, prazeres dos quais pouco fala, que
se sente objeto de críticas, mas, afinal de contas, orgulha-se do trabalho
feito" (CHARLOT, 2008, p. 22) Seguindo os apontamentos de Peter Woods,
Charlot argumenta que esse professor, que poderíamos chamar de normal,
ou aquele que encontraríamos na maioria das escolas, adotaria estratégias
de sobrevivência diante das propostas de mudanças que frequentemente
lhe são endereçadas pelas autoridades dos sistemas de ensino:

O primeiro objetivo do professor, explica ele, é sobreviver, profissional


e psicologicamente, e só a seguir vêm os objetivos de formação dos
alunos. Quanto mais difíceis as condições de trabalho, mais predominam
as estratégias de sobrevivência. Avanço a hipótese de que são essas
estratégias de sobrevivência, e não uma misteriosa "resistência à mudan-
ça", que freiam as tentativas de reforma ou inovação pedagógica. Quem
propõe uma mudança significativa desestabiliza as estratégias de sobre-
vivência do professor, e este não recusa a mudança, mas a reinterpreta na
lógica de suas estratégias de sobrevivência – o que, muitas vezes, acaba
por esvaziar o sentido da inovação (CHARLOT, 2008. p. 23).

A reflexão de Charlot (2008) aponta para aspectos muito interessantes.


A "resistência a mudanças" de professores e gestores, que é frequentemen-
te reconhecida como uma das causas do fracasso das novas propostas e
projetos educacionais, exigiria uma abordagem mais complexa e não tão
reducionista e generalizante.
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 227

A proposição de novas maneiras de ser e de pensar-se como docente e


gestor escolar não tem provocado o espanto que geraria uma nova atitude
ou uma tomada de posição que fosse capaz de ressignificar suas ações e
práticas escolares. A repetição cotidiana, povoada de estratégias de sobre-
vivência que oferecem a segurança e o conforto do conhecido, entra em
confronto com as mudanças, que se apresentam como um caminho des-
conhecido, que desestabilizam o costumeiro modo de pensar, agir e sen-
tir, colocando em xeque as estratégias que vinham garantidas até então, a
sobrevivência.
Seguindo o raciocínio de Charlot (2008), não poderíamos acusar profes-
sores e gestores de recusarem as propostas de inovação feitas pelos sistemas
de ensino, uma vez que estas não seriam peremptoriamente rejeitadas, mas
seriam reinterpretadas por meio da lógica das estratégias de sobrevivência.
A reflexão de Charlot (2008) apresenta um aspecto instigante: se as
inovações propostas pelos projetos e programas educacionais são sempre
reinterpretadas pela lógica das estratégias de sobrevivência dos docentes e
gestores, que tipo de abordagem se deveria ter para os projetos educacio-
nais, que visam melhorar a qualidade do ensino na escola? Como devemos
sensibilizar esses docentes e gestores para a importância e necessidade
da adoção de uma nova perspectiva para as escolas? Como provocar um
desejo e uma atitude que possibilite as mudanças? Ou, para aquém dessas
questões, antes da proposição de mudanças que alterem significativamente
as estratégias de sobrevivência desses docentes e gestores, não deveríamos
partir precisamente destas e do saber com os quais esses docentes e ges-
tores representam a si, a escola e a sua relação com o processo educativo?

É possível restaurar o espanto criador?


A questão é partir do que pensam os gestores e professores sobre o seu
cotidiano escolar e, por meio do inventário de suas representações, provo-
car o espanto no confronto de suas perspectivas com as perspectivas dos
demais agentes escolares. O que se busca, aqui, é suscitar precisamente
aquilo do qual se foge no cotidiano: o confronto, o conflito e as tensões.
Trata-se de compreender que não se pode criar conhecimento em um am-
biente no qual todos os agentes convergem para uma mesma direção, pois
a tensão e divergência são intrinsecamente mais produtivas e frutíferas em
um ambiente educacional.
228 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A crise e a divergência são, antes de tudo, uma oportunidade para refle-


xão e mudanças. A proposta é, portanto, abrir o caminho para o espanto e
para as diferenças, de forma que culturas e percepções de mundo e de vida
diferentes possam, também, encontrar aconchego na escola.

Mas, afinal, o que é e para que serve o Projeto Político-Pedagógico?


Um dos aspectos mais interessantes da elaboração do Projeto Político-
-Pedagógico é propiciar um momento de espanto em relação às diferentes
perspectivas e discursos sobre a escola presentes no ambiente escolar.
Considera-se, com frequência, que todos têm a mesma opinião sobre o pa-
pel da escola e sobre a importância do ensino de qualidade. A escola é um
ambiente diverso, onde convivem grupos sociais distintos, com uma grande
variedade cultural, então certamente não se encontrará unanimidade entre
docentes. Se considerarmos as diferentes perspectivas dos membros da co-
munidade e dos alunos, pode-se perceber que na escola convive um emara-
nhado de percepções sobre o que se deve fazer em uma instituição escolar.
Para além das concepções generalistas e dos chavões presentes nos
sites educacionais e manuais pedagógicos, a percepção real que cada um
tem sobre a escola pode variar consideravelmente, segundo a sua categoria
social, econômica e cultural, além de sua posição na hierarquia escolar. O pa-
pel primordial do Projeto Político-Pedagógico é propiciar que todos tenham
a oportunidade de apresentar suas concepções e falar sobre quais seriam
suas perspectivas sobre a escola, o ensino e o ambiente escolar. Mas não
se trata de simplesmente promover uma discussão lúdica ou algo parecido
com uma terapia em grupo, em que cada um pode apresentar inconsequen-
temente suas sugestões. Trata-se de propiciar um debate coletivo sobre os
princípios que devem nortear o ensino, as práticas e o convívio na escola.
Esse é o passo inicial de um processo que visa o planejamento e a orga-
nização das atividades e ações a serem implementadas na escola. Tensões,
discordâncias e questionamentos são inerentes ao próprio processo de
discussão, e a possibilidade de abrir novos horizontes e novas perspectivas
para os diferentes agentes escolares não pode ser eclipsada por tentativas
artificiais de consenso, que frequentemente fazem com que grupos mais
bem articulados e organizados acabem por fazer esmorecer o ímpeto inicial
de debate.
O aspecto fundamental a ser observado, aqui, é dar início a um processo,
levando em conta que por vezes não se alcançarão os resultados esperados
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 229

e que nem todas as concepções serão, ao final, contempladas. O que im-


porta é dar início a uma prática de discussão, de programar uma mudança
de atitude em relação às costumeiras e cômodas concepções que povoam
o cotidiano escolar. O enfrentamento do inusitado é difícil, frequentemente
trabalhoso, mas pode mostrar-se, para nosso espanto, admirável em sua po-
tencialidade de trazer à tona toda a vida que se encontrava submersa e que
não encontrara jamais condições de emergir.
Nessa perspectiva, Veiga (2010) ressalta a importância do caráter par-
ticipativo do processo de deliberação, que, essencial à elaboração do PPP,
permite a instauração de uma organização que supere o cotidiano baseado
nas decisões hierarquizadas.

Constituindo-se em processo participativo de decisões, o projeto políti-


co-pedagógico procura instaurar uma forma de organização do trabalho
pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, busque eliminar
as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a
rotina do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as
relações horizontais no interior da escola (VEIGA, 2010, p. 1).

O enfrentamento dos conflitos e contradições frequentemente sufoca-


dos pelas relações de poder hierarquizadas abre espaço para a ruptura das
relações de mando tradicionais. A elaboração coletiva do PPP é, indubitavel-
mente, uma tarefa difícil e nem sempre bem aceita por todos os membros
da comunidade escolar. Não se alcançarão os objetivos em sua primeira
tentativa, e é preciso que se compreenda que toda a trajetória de elabo-
ração coletiva do PPP é também um processo pedagógico. Entretanto, ao
introduzir uma perspectiva mais dinâmica nas relações escolares, o trabalho
colaborativo poderá começar a ser visto como uma possibilidade factível e
frutífera.

As dimensões do Projeto Político-Pedagógico

A dinamização das relações escolares e dos espaços de poder


Uma das mais importantes dimensões do PPP encontra-se no próprio
processo de elaboração e de tomada de decisões: a dinamização das re-
lações escolares, introduzidas por meio de um processo de participação
coletiva. Por esse motivo, o PPP não pode ser considerado apenas um
230 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

documento burocrático. A introdução de novas formas de participação e de


decisão, com espírito democrático, é uma das dimensões que definem o que
é o Projeto Político-Pedagógico. A ausência dessa dimensão retira o caráter
político e pedagógico do projeto, que passa a ser mais um documento que
alimenta o curso burocrático da vida escolar. Sem um processo de elabo-
ração coletiva, o PPP perde seu significado primordial, que é a introdução
da participação coletiva no processo decisório, dinamizando as relações de
poder na escola.
O processo de participação coletiva visa, precisamente, desconstruir as
formas tradicionais de relações de poder na escola, que, abandonando a hie-
rarquia de autoridade vertical, horizontaliza os processos decisórios. Ressig-
nificar o sentido da autoridade escolar é um dos principais aspectos do PPP.
Os vícios impostos pelas antigas práticas escolares e que se encontram não
apenas disseminados, mas incrustrados nas mentes e nas práticas cotidianas
frequentemente impedem a elaboração democrática do PPP. Constituem-se
não apenas de preconcepções em relação à participação coletiva, mas de
apego às estruturas tradicionais de poder.
A ausência de uma reflexão sobre as formas de relações de poder tra-
dicionais, centralizadas na figura do diretor, impede a realização de um
processo democratizante. Repensar essas formas de poder é um aspecto,
portanto, importante. Não se trata, com a democratização e horizontaliza-
ção das instâncias decisórias, de eliminar o papel do diretor. Trata-se, princi-
palmente, de ressignificar o seu papel de liderança no processo de mudança
e de compreender que compartilhar não significa perda de poder, mas o
revigoramento de sua autoridade como principal agente de um processo
colaborativo. Assumir o papel de liderança no processo de mudança e de
ressignificação das relações de poder exige uma tomada de posição por
parte do diretor e da equipe gestora.
Não se pode perder de vista que o PPP deve se constituir em um instru-
mento construído coletivamente que indica o percurso e as diretrizes que a
escola deve perseguir para alcançar, da melhor forma possível, seu objetivo
fundamental: a melhoria da qualidade de ensino na escola. Porém, esse ob-
jetivo só pode ser alcançado de forma significativa por meio da dissemina-
ção de uma nova cultura escolar, da revitalização das relações cotidianas e
da instauração de uma dimensão pública no processo decisório.
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 231

As dimensões Política e Pedagógica do PPP: por que o Projeto é Político


e Pedagógico?
A denominação de Projeto Político-Pedagógico frequentemente provo-
ca o estranhamento de muitos agentes escolares acostumados, apenas, a
pensar em termos de Projeto Pedagógico. Algumas secretarias de educação
colaboram para essa percepção ao solicitarem apenas o Projeto Pedagógi-
co, porque consideram que o termo político referir-se-ia a alguma concep-
ção partidária.
É importante que se compreenda que os adjetivos Político e Pedagógico
se referem a duas dimensões indissociáveis do processo de elaboração do
PPP. Ao ser político e considerar a multiplicidade de concepções e a partici-
pação coletiva, o PPP é também uma prática pedagógica.

Por que o Projeto é Político?


Como já foi dito, um dos aspectos fundamentais prescritos constitucio-
nalmente é a gestão democrática da educação nas instituições públicas de
ensino. O caráter Político do Projeto refere-se precisamente à necessidade
de participação democrática no processo de elaboração do PPP. Além da
participação democrática, o elemento político exprime-se pela necessidade
de o processo ter caráter republicano, no sentido de que deve ser sempre
pensado em termos de benefício público.
Um dos aspectos mais relevantes introduzidos na Constituição Federal
foi a concepção da educação como um dos princípios fundamentais para
todo cidadão brasileiro. A educação é um direito subjetivo, o que significa
que todos os brasileiros podem exigir o seu acesso e a permanência na es-
cola. Além disso, as escolas públicas são mantidas com recursos públicos, o
que denota a responsabilidade de sua finalidade pública, isto é, como bene-
fício para a totalidade dos brasileiros. Definida nesses termos, a educação é
coisa pública (res pública), e sua concepção deve atender ao bem comum, e
não aos interesses de sujeitos particulares. O conceito de república é um dos
fundamentos do Estado brasileiro e deve nortear todas as políticas públicas
em todas as áreas de atuação do Estado em que estejam representados
agentes públicos. O termo república designa, literalmente, coisa do povo e
remete ao benefício coletivo que deve necessariamente ser o foco das ações
de todas as instituições públicas, entre elas, a escola.
232 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Nesse sentido, o PPP deve necessariamente ter uma dimensão repu-


blicana e ser pensado como um instrumento que resultaria de um projeto
coletivo com a finalidade de realização do bem da coletividade e do direto
público à educação. A dimensão política do PPP refere-se, portanto, por um
lado, à participação democrática na sua elaboração e, por outro, à perspec-
tiva para o interesse público e o bem comum. Nessa visão, o PPP constitui
um comprometimento sociopolítico com os interesses coletivos de toda a
comunidade escolar, um "compromisso com a formação do cidadão para
um tipo de sociedade" (VEIGA, 2010, p. 13).

Por que o Projeto é Pedagógico?


A dimensão pedagógica do PPP deve ser compreendida para além da
mera organização curricular e das disciplinas escolares. Em articulação com a
dimensão política, a dimensão pedagógica deve resultar das determinações
estabelecidas democrática e republicanamente. A organização do trabalho
na escola é uma tarefa coletiva, e a este respeito Veiga comenta:

Concebido na perspectiva da sociedade, da educação e da escola, ele


aponta um rumo, uma direção, um sentido específico para um compro-
misso estabelecido coletivamente. Ao ser claramente delineado, discutido
e assumido coletivamente, o projeto constitui-se como processo e, ao
fazê-lo, reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, assu-
mindo sua função de coordenar a ação educativa da escola para que ela
atinja o seu objetivo político-pedagógico (VEIGA, 2010, p. 1).

Em sua dimensão pedagógica, o PPP tem como finalidade assegurar a


qualidade do ensino, diagnosticando os problemas e dificuldades encon-
trados para a realização do trabalho pedagógico e elaborando proposta de
ação para a sua superação.
Como observa Vasconcellos (2000), o Projeto Político-Pedagógico é

entendido como a sistematização, nunca definitiva, de um processo de


Planejamento Participativo, que se aperfeiçoa e se concretiza na cami-
nhada, que define claramente o tipo de ação educativa que se quer
realizar. E um instrumento teórico-metodológico para a intervenção e
mudança da realidade. É um elemento de organização e integração da
atividade prática da instituição neste processo de transformação (VAS-
CONCELLOS, 2000, p. 142).
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 233

A dimensão pedagógica deve asseverar que os princípios e fundamen-


tos políticos que foram acordados na dimensão política norteiem a proposta
pedagógica e a proposta educativa da escola.

O planejamento do Projeto Político-Pedagógico


O Projeto Político-Pedagógico participativo é o resultado de um pro-
cesso de planejamento coletivo, que envolve toda a comunidade escolar.
Frequentemente a tarefa de planejamento é realizada durante alguns dias,
no período que antecede o início das atividades letivas. Em boa parte dos
casos, trata-se da distribuição das classes e disciplinas entre os docentes,
com algum debate curricular. Nessa perspectiva, não há de fato um plane-
jamento que vise a organização do trabalho pedagógico, constituindo-se,
principalmente, como um hábito burocrático de distribuição de tarefas que
raramente se articula ao PPP da escola. O planejamento é, sem dúvida algu-
ma, uma das tarefas mais importantes do trabalho pedagógico. Entretanto,
constitui, para uma grande quantidade de docentes, um encargo pouco
satisfatório ou ainda, para alguns, desnecessário.
Em um artigo, hoje considerado um clássico sobre o planejamento,
Fusari (1999) introduz a discussão do problema por meio dos seguintes
comentários:

O contato direto com professores tem revelado certo grau de insatisfa-


ção destes em relação ao trabalho de planejamento. O que se ouve, com
certa frequência, são falas do tipo: "Eu acho importante planejamento,
mas não da forma como vem sendo realizado"; "Eu acho que dá para
trabalhar sem planejamento"; "Do jeito que as coisas estão, impossível
planejar o meu trabalho docente; vivo de constantes improvisações"; "Eu
não acredito nos planejamentos tecnicistas que a Rede vem elaborando
mecanicamente e que nada tem a ver com a sala de aula"; "Eu sempre
transcrevo o planejamento do ano anterior, acrescento algo quando dá,
entrego e pronto"; "Cumpri a minha obrigação" (FUSARI, 1990, p. 44).

As constatações dos professores ouvidos por Fusari, há 30 anos, não são


muito distintas daquelas que ainda hoje podemos verificar entre os docen-
tes e gestores em relação ao planejamento do PPP. É interessante, então,
ainda hoje, acompanhar os comentários de Fusari (1990) em relação a essas
considerações dos professores. O autor observa que a primeira reflexão a
ser feita é que as atitudes dos docentes diante do planejamento do trabalho
234 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

pedagógico, e incluiríamos, aqui, do PPP, seriam apenas a ponta visível de


um problema mais agudo, o qual precisa ser enfrentado e superado.
Também Vasconcellos (2000) considera que as representações que do-
centes e gestores têm do processo de planejamento estariam marcadas por
uma perspectiva de impossibilidade – seria impraticável planejar efetivamen-
te o que será realizado – ou pelas constantes contingências que impediriam
a realização plena de projetos. Uma das primeiras questões apresentadas
por Vasconcellos é compreender que o projeto não é um instrumento mi-
lagroso, uma panaceia que solucionaria todos os problemas da escola. A
possibilidade de realização das ações planejadas está na autenticidade do
projeto, isto é, na sua factibilidade, na possibilidade de realizar-se, porque
foram consideradas as condições reais de possibilidade de sua realização.
Já em relação às contingências, todo planejamento deve ser flexível. Não
pode constituir-se como um projeto rígido e intransigente, porque a realida-
de não pode ser moldada ao nosso bel prazer. É preciso compreender que
o campo do vivido apresenta sempre incertezas, e o acaso, o acidental, o
fortuito e aleatório são condições com as quais sempre nos defrontamos em
nossos afazeres cotidianos.
Nessa perspectiva, um planejamento realista não pode ser rigoroso e
aplicado com obstinação, deve ser adaptável e ajustável, considerando que
nem tudo pode ser previsto ou prognosticado. Além disso, deve-se conside-
rar que as ações humanas sempre comportam certo grau de aleatoriedade e
de contradições, e, por esse motivo, devem-se sempre considerar os limites
do que pode ser planejado. Toda a experiência anterior, principalmente no
que se refere às contingências, deve ser considerada na elaboração do pla-
nejamento, para que ele seja realmente factível. É, portanto, urgente que se
realize uma ressignificação da prática do planejamento.
É preciso esclarecer que o planejamento não pode ser compreendido
como uma tarefa burocrática. Isso é frisado por Fusari (1990) como um pri-
meiro ponto importante a ser esclarecido. Isso significa que a concepção de
planejamento precisa ser reinventada pela equipe gestora da escola e pelos
docentes. O planejamento do PPP deve ser concebido como um meio para
viabilizar a democratização do ensino e deve ter como proposta fundamental
a melhoria da qualidade do ensino na escola. Fusari complementa: "ele deve
ser concebido, assumido e vivenciado no cotidiano da prática social docen-
te, como um processo de reflexão" (FUSARI, 1990, p. 45, grifo do autor).
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 235

O planejamento, compreendido como processo de reflexão, exigiria,


antes de tudo, uma atitude crítica de gestores e docentes em relação ao seu
trabalho na instituição escolar. Essa atitude, observa Fusari (1990), deve ser
radical, rigorosa e de conjunto:

• "radical" – o que significa buscar a raiz do problema;


• "rigorosa" – na medida em que faz uso do método científico;
• "de conjunto" – pois exige visão da totalidade na qual o fenômeno
aparece (FUSARI, 1990, p. 45).

A atitude radical significa diagnosticar e buscar os problemas e suas


raízes ou fontes. O rigor seria a introdução de uma análise metódica e cir-
cunstanciada dos problemas e de suas possíveis formas de enfrentamento. A
visão de totalidade permitiria a percepção de conjunto da instituição escolar,
não se fragmentando as discussões na análise de problemas de disciplinas
específicas ou docentes, mas considerando possibilidades de compreen-
sões coletivas dos problemas.
O planejamento do PPP não pode ser, portanto, confundido com a ela-
boração de planos de aula ou do elenco de disciplinas e docentes que serão
responsáveis por elas. Antes de tudo, deve ser um processo de reflexão, que
visa um repensar da própria instituição escolar.

Afinal, o que é planejar?


A etimologia da palavra "planejar" indica a sua origem no termo latino
planus, que significa achatado, nivelado. Assim, planejar significaria, em prin-
cípio, colocar em um plano. Segundo o Novo Dicionário da Língua Portugue-
sa Aurélio, planejar é o ato de elaborar um roteiro, de programar, planificar
(FERREIRA, 1986, p. 1343).
Já o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa acrescenta o sentido de
"projetar" e de ter a "intenção de" (HOUAISS, 2001, p. 2232), engendrar e
pretender. O resultado do ato de planejar é a realização de um planejamen-
to, que, de acordo com o dicionário Houaiss (2001), significa "preparação
de um trabalho, de uma tarefa, com o estabelecimento de métodos conve-
nientes". Acrescenta, ainda, outra acepção: "determinação de um conjunto
de procedimentos, de ações (por uma empresa ou órgão de governo etc.),
visando à realização de um determinado projeto" (HOUAISS, 2001, p. 2232).
O planejamento requer ainda, na acepção de marketing, um estudo e o
236 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

desenvolvimento de um produto que atenda aos anseios do consumidor


(HOUAISS, 2001).
Como se pode perceber facilmente, o verbo "planejar" e o substantivo
"planejamento" referem-se a um ato, uma ação a qual tem uma intenção que
a norteia e que prepara um trabalho, uma tarefa, estabelecendo métodos,
os mais adequados para o fim proposto. Embora pertença a outro campo de
conhecimento, o sentido orientado para o marketing, indicado no dicionário
Houaiss (2001), põe em relevo o ato de desenvolvimento de um projeto que
atenderia aos interesses dos consumidores, no nosso caso, da comunidade
escolar.
Planejamento é, portanto, o ato de elaborar um projeto. De acordo com
o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de Cunha (2020), o termo
"projeto" tem origem nos vocábulos latinos projectus e projectare, que têm
a mesma raiz etimológica de projectio, projeção ou ato ou efeito de lançar.
O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa usa o termo latino
"projectu" que significa "lançar à diante" (FERREIRA, 1986, p. 1400). Indica
"ideia que se forma de executar ou realizar algo, no futuro; plano intento,
desígnio" (FERREIRA, 1986, p. 1400). Já o dicionário Houaiss (2001) indica,
como a primeira acepção de "projeto", "ideia, desejo, intenção de fazer ou
realizar algo no futuro" (HOUAISS, 2001, p. 2308).
Considerando os significados apresentados, pode-se concluir que o
termo "projeto" refere-se ao planejamento detalhado de uma tarefa a ser
realizada. O projeto significa, ainda, lançar-se no futuro, isto é, planejar as
atividades a serem realizadas no futuro, considerando os métodos mais ade-
quados para a sua realização.
Partindo do princípio de que o PPP é um processo com dimensões po-
líticas e pedagógicas, devemos também compreender o seu planejamento
como um processo político de reflexão e proposta de ações para a escola.
A elaboração do planejamento é uma atividade de mediação entre o conhe-
cimento da realidade escolar e a ação a ser realizada, e por esse motivo tem
os pés no presente, mas os olhos no futuro que se deseja alcançar. Seu as-
pecto político fundamental é a democratização da escola, e sua elaboração
constitui um processo de racionalização das atividades coletivas. Trata-se,
assim, de organizar as reflexões intersubjetivas por meio de um instrumento
de análise e de tomada de decisões para a ação.
Pode-se afirmar que, de maneira geral, planejar é organizar os objeti-
vos, metas e meios adequados para alcançá-los. Constitui, portanto, um
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 237

processo de racionalização da ação, em um período previamente estabele-


cido, com a finalidade de atingir fins que foram considerados importantes.
O planejamento pode ser entendido como uma técnica de gestão, mas deve
ser, antes de tudo, concebido como uma atitude, uma tomada de decisão
que deve nortear a ação.
O planejamento do PPP pode ser construído de diferentes formas, e
cabe à comunidade escolar definir como e de que forma o PPP deve ser
delineado. Apresentaremos algumas noções básicas sobre o planejamento
do PPP, que não esgotam todas as possibilidades e que não impedem que o
debate e a colaboração da comunidade considerem outros formatos.

O processo de elaboração do Projeto Político-Pedagógico


A elaboração do planejamento do Projeto Político-Pedagógico é um
processo e pressupõe que sejam estabelecidos diferentes momentos de
ação. Esses momentos devem levar em consideração três proposições bá-
sicas, discutidas pela comunidade escolar: o que se pretende alcançar, isto
é, quais são os objetivos do processo educativo promovido na escola; quais
têm sido os impedimentos e empecilhos para se alcançarem os objetivos
desejados; o que se pode fazer, objetiva e concretamente, para superar os
empecilhos e obstáculos (VASCONCELLOS, 2000).
O delineamento das três proposições apresentadas deve resultar de um
amplo debate coletivo e, ao final, servirá de guia para a elaboração do PPP
em seus diferentes momentos:
• Objetivos do PPP: o primeiro passo, para a elaboração coletiva do PPP,
é a determinação dos objetivos, por meio de um esquema geral que
oriente as ações segundo as prioridades, de acordo com sua relevância
e urgência;
• Diagnóstico: a realização de um diagnóstico que contemple a totalidade
da vida escolar, apontando os problemas e pontos positivos e os diferen-
tes aspectos que podem ter contribuído para as questões levantadas.
Aqui devem ser considerados os aspectos sociais, culturais, econômicos,
além das relações que caracterizam a vida escolar ou qualquer outro
aspecto que possa ser considerado como impactante no processo de
ensino. Hoje as escolas dispõem de diversas ferramentas para a realiza-
ção do diagnóstico. Entre as principais estão os indicadores produzidos
pelo Saeb – Sistema de Avaliação da Educação Básica, que permitem re-
alizar um diagnóstico da escola em relação às questões avaliadas nesse
238 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

sistema. Além disso, o FNDE dispõe de programas que permitem a aná-


lise e o diagnóstico da escola, como o PDE, uma ferramenta gerencial
que auxilia a escola na avaliação de suas necessidades e problemas. O
Ministério da Educação dispõe ainda do aplicativo denominado "Clique
Escola", cujo download pode ser realizado por meio de celulares e que
tem como finalidade propiciar e incentivar o acesso da comunidade es-
colar às principais informações das escolas, sejam educacionais, financei-
ras ou sociais. Além das questões especificamente relativas ao processo
de ensino e aprendizagem, o diagnóstico deve também contemplar as
diferentes percepções sobre as relações de poder na escola, processo
de tomada de decisões, relações entre os diferentes agentes escolares,
abordando questões como mandonismo, violência e indisciplina;
• Estabelecimento de metas: o processo de diagnóstico tem como fina-
lidade apresentar os pontos positivos que podem ser aperfeiçoados,
considerando a experiência anterior e os problemas detectados. Consi-
derados todos os aspectos do diagnóstico, é importante que se estabe-
leçam metas objetivas, que determinem claramente os resultados que se
pretende alcançar;
• Plano de ação: a elaboração de um plano que, considerando os pro-
blemas elencados pelo diagnóstico, apresente diversas possibilidades
de ação. O plano de ação deve ser, antes de tudo, considerado factível
e exequível pela totalidade da comunidade escolar. Deve-se evitar a
apresentação de planos de ação que exijam recursos inexistentes ou a
participação de pessoas que não estão entre aqueles que colaboraram
para a elaboração do plano de ação;
• Execução: a execução do pano de ação, considerando sempre e a qual-
quer momento os problemas enfrentados, as contingências, possibilitan-
do, sempre, um replanejamento das ações propostas;
• Avaliação: a avaliação dos resultados obtidos na execução do plano de
ação e do alcance das metas e objetivos propostos no início do proces-
so de planejamento. Deve-se considerar que a avaliação é um processo
contínuo e que deve acompanhar todo o processo, desde o planejamen-
to até o final de sua execução.
Desde o momento inicial do planejamento do PPP, é importante pro-
piciar uma reflexão de todos os agentes escolares sobre quais seriam suas
perspectivas em relação ao papel da educação e da escola. Algumas per-
guntas fundamentais aqui, que devem nortear o debate entre os diferentes
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 239

agentes escolares, são: Por que as crianças devem frequentar a escola? Quais
representações os diferentes agentes escolares têm em relação ao papel
da escola? Como essas representações determinam as relações de saber
desses sujeitos com o mundo, consigo mesmo e com a instituição escolar?
Seria interessante observar-se que alunos, familiares, docentes e mesmo
a equipe gestora da escola podem representar o papel da escola, da educa-
ção e das suas atividades na instituição escolar de maneiras muito distintas.
Como observou Antônio Cândido em um célebre texto de 1958, deno-
minado "A estrutura da Escola", a escola é uma instância instituída pelos
poderes públicos e regida pela política educacional vigente. Para além do
seu caráter instituído, que formaliza e homogeneíza, por meio da legislação
e burocracia, a estrutura escolar, a escola possui uma organização interna
constituída pelos seus diferentes integrantes e pelas distintas disposições
que coletivamente a caracterizam.
Na escola convivem adultos, jovens e crianças, diferentes em suas manei-
ras de viver, convivem diversas origens sociais e econômicas, formas discre-
pantes de percepções culturais, concepções conflitantes de configurações
de poder, além das diferenças de comportamento entre os mais resistentes
ou os mais disciplinados, o que revela uma rede tensa e diversificada de inte-
rações. Formam-se, no interior da escola, diversos grupos de interesse, que
não se limitam apenas aos grupos de professores e alunos genericamente,
mas diversas formas de envolvimento, engajamento e participação. Esses
agrupamentos, nem sempre facilmente identificáveis, são responsáveis pelo​​
embate e pela tensão entre diferentes interesses e projetos. Trata-se de va-
riadas experiências de sociabilidade entre pares, estabelecendo parcerias
que podem ir muito além dos muros de cada instituição.
Uma das tarefas da Educação e da escola, como instituição educativa,
é lidar com as disputas e conflitos que podem ocorrer em diferentes níveis,
realizando um trabalho pedagógico que seja sensível a tal complexidade
(CANDIDO, 1958). Deve se considerar, aqui, que o papel educativo da escola
não se limita à sua missão de aprendizagem de conteúdos, pois, além disso,
a escola é um espaço em que as relações entre sujeitos se estabelecem e,
portanto, compreende e articula dimensões múltiplas da vida. A elaboração
do PPP deve realizar-se considerando o debate entre as diferentes perspec-
tivas, dos diferentes agrupamentos e posições pessoais presentes na esfera
escolar.
240 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Como se trata de um debate entre diferentes concepções, certamente,


serão apresentadas proposições contraditórias que podem gerar tensões
durante o processo. Ainda que possam não ser as percepções partilhadas
pela maioria, essas contradições não podem ser simplesmente ignoradas ou
desprezadas. Para impedir que as proposições em conflito sejam desconsi-
deradas, é importante um papel de mediação por parte da equipe gestora,
que deve assumir a responsabilidade de discutir e trabalhar coletivamen-
te os diferentes aspectos do que foi proposto, buscando subsídios para o
debate e aprofundamento das contradições, assim como alternativas que
possam contemplar todas as posições existentes.
É crucial que os debates não assumam um caráter beligerante. Uma pausa
na discussão para propiciar uma reflexão mais comedida e a busca de outras
opções de delineamento do projeto, além da verificação da possibilidade de
atender a todas as demandas, considerando suas possibilidades efetivas de
realização, podem ser instrumentos eficazes para dirimir conflitos.

A perspectiva pedagógica da elaboração de projetos


A perspectiva pedagógica da elaboração dos projetos pedagógicos
decorre do processo de construção coletiva do conhecimento. Isso significa
que, tomando como ponto de partida os elementos presentes nas discus-
sões que propiciaram a construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico,
incluindo-se, aqui, aqueles que foram objeto de tensão e conflitos, é possível
elaborar projetos que possam criar uma experiência de convivência entre as
diferentes perspectivas.
Os projetos elaborados para atender aos pressupostos do PPP e às me-
tas propostas devem ser sempre articulados com os planos de ensino, que
também devem ser elaborados considerando-se os objetivos e as metas do
PPP. Os planos de ensino correspondem à organização do conteúdo e das
metodologias empregadas em um planejamento curricular. O planejamento
curricular deve ser realizado coletivamente, atendendo tanto às perspectivas
dispostas legalmente quanto às concepções teórico-metodológicas dos di-
ferentes docentes e expressadas pela comunidade escolas no momento de
elaboração do PPP.
O ordenamento e a organização dos conteúdos devem ser discutidos e
elaborados conjuntamente pelos professores de uma mesma série, tendo
consideração pelas diferenças subjetivas. Devem ainda estar plenamente
articulados com os conteúdos das demais séries, para que não ocorram
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 241

repetições, mudanças metodológicas bruscas, ou vácuos de conteúdos.


Por isso, trata-se aqui de um real processo de planejamento, que deve ser
realizado coletivamente, considerando as diferentes matrizes curriculares, as
perspectivas apontadas pelo PPP e as metas estabelecidas. Isso significa
que todos os docentes devem não apenas estar a par das metas, mas de-
vem ter participado de sua elaboração, de modo que possam contribuir com
suas percepções pessoais e coletivas para a elaboração do planejamento
pedagógico.
As metas, que foram criadas com a perspectiva de melhorar aspectos
pedagógicos, devem ser acompanhadas de projetos e planos de ação es-
pecíficos e não devem envolver apenas os docentes das disciplinas consi-
deradas como problemáticas, mas também familiares e alunos, de forma a
garantir um esforço coletivo.
Considerando que os planos de ação, voltados para o alcance das me-
tas estabelecidas no PPP, foram o resultado de uma colaboração entre os
diferentes agentes escolares, a sua implementação também deve ser de
responsabilidade coletiva. A responsabilização de todos os agentes é fun-
damental para o pleno desenvolvimento dos projetos previstos nos planos
de ação. Trata-se, assim, de uma nova dimensão da elaboração dos projetos,
porque traz, em seu próprio processo de formulação, um caráter pedagógi-
co. A disposição de trabalhar coletivamente na elaboração e realização dos
projetos implica o aprendizado de como partilhar não apenas funções, mas,
acima de tudo, um modo de conhecer o mundo e os outros. Por esse motivo,
os projetos devem, em sua maioria, se apresentar como multidisciplinares,
possibilitando que novos olhares, novas perspectivas sejam encampadas e
apropriadas pelos diferentes participantes.

Referências
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BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
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CHARLOT, B. O professor na sociedade contemporânea: Um trabalhador da contradição. Educa-
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242 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

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FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
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HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
VASCONCELLOS, C. C. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-peda-
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VEIGA, I. P. A. Projeto Político-Pedagógico da Escola de Ensino Médio e suas Articulações com
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-escola-ilma-passos/file>. Acesso em: 20 set. 2020.
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Liderança do diretor de escola1

Camila Perez da Silva


Ricardo Gavioli de Oliveira

Ementa: Habilidades profissionais do líder. Incentivo ao trabalho colaborativo


com participação coletiva. O gestor como líder das relações interpessoais na
escola. Liderança educacional compartilhada e distribuída. Visão estratégica
e atuação integrada. Gerenciamento de riscos e gestão das contingências.

Objetivos:
• Analisar a importância da liderança na gestão escolar, com destaque
para o trabalho colaborativo e com visão coletiva;
• Diferenciar as lideranças compartilhadas e distribuídas;
• Compreender como as relações interpessoais e as contingências influen-
ciam a cultura organizacional da escola.

Liderança educacional: O quê? Quando? Onde? Por quê?


Em algum momento de sua trajetória profissional, você já se deparou
com os seguintes questionamentos: Quais as características de um líder?
Como minha equipe classificaria minha atuação? Existe diferença entre lide-
rar e chefiar?
Tais indagações são mais frequentes à medida que se ocupa um cargo
de direção, ou uma posição mais elevada na hierarquia de uma determinada
instituição. Portanto, se você já se deparou com essas questões, muito pro-
vavelmente você exerce ou já exerceu alguma função de liderança.

1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se deve
ao fato de esses termos se referirem a homens e mulheres, exceto pelo uso de "o/a",
"los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de fórmula implica uma saturação gráfica
que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
244 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Mas, afinal, o que é liderança? O que caracteriza um líder educacional?


A fim de instigar sobre esse tema, com vistas à reflexão sobre os saberes
que envolvem a gestão escolar e sua relação com a liderança educacional,
o presente material foi dividido em quatro seções nas quais serão apresen-
tadas diferentes situações-problema relacionadas às vivências cotidianas de
gestores escolares, com o intuito de aproximar teoria e prática, com vistas à
práxis profissional.
Na primeira seção, apresentaremos uma breve contextualização sobre o
conceito de liderança, com destaque para as principais habilidades profis-
sionais do gestor-líder, face às especificidades do contexto educacional. Na
segunda seção, destacaremos a importância da ação do gestor enquanto
líder das relações interpessoais na escola, elucidando desafios relacionados
ao incentivo do trabalho colaborativo e da participação coletiva envolvendo
toda a comunidade. Na terceira seção, abordaremos a distinção entre lide-
rança compartilhada e liderança distribuída, desvelando suas especificida-
des e consequências. E na quarta e última seção a ênfase será sobre as ques-
tões relacionadas ao gerenciamento de riscos e a gestão das contingências,
com vistas à atuação integrada e ao desenvolvimento de um planejamento
estratégico.
Ao final de cada seção, sugerimos a realização de um exercício refle-
xivo, para desvelar novas possibilidades de experimentação do conteúdo
estudado, tendo como base sua própria realidade educacional. O objetivo é
permitir a identificação de aspectos específicos da atuação profissional rela-
cionados a cada temática trabalhada, a fim de colaborar para a melhoria da
cultura organizacional da escola e a evolução qualitativa da gestão a partir
da exercitação da liderança.

Liderança e as habilidades profissionais do gestor-líder


As diferentes transformações ocorridas em sociedade a partir do adven-
to e da consolidação do regime capitalista de produção provocaram mudan-
ças substanciais na escola e no seu modelo de organização, especialmente
porque a administração empresarial exerceu grande influência na adminis-
tração escolar, em função do intenso vínculo dos sistemas educacionais ao
sistema de produção capitalista.
Impregnada pela lógica empresarial, a função do diretor de escola per-
maneceu vinculada, durante anos, às questões burocráticas e administrativas,
Liderança do diretor de escola | 245

sem qualquer envolvimento com os aspectos político-pedagógicos ineren-


tes às instituições de ensino.
Com a reabertura político-democrática e o advento das chamadas Peda-
gogias Críticas, o modelo de administração empresarial que prevalecia nas
escolas passa a ser questionado, de tal forma que o enfoque tecnocrático
a ele inerente vai aos poucos sendo substituído pelo enfoque pedagógico,
provocando significativas transformações não apenas em termos das prá-
ticas de administração, mas principalmente no perfil dos profissionais da
educação, em especial no dos diretores escolares.
No início da obra intitulada Líderes na Escola, Gois (2020) chama a aten-
ção para uma questão intrigante: nos filmes que retratam o cotidiano das es-
colas, em especial aqueles nos quais são abordadas as transformações pro-
vocadas pelos professores a partir de práticas pedagógicas inovadoras, por
exemplo, o filme Escritores da Liberdade (2007), o diretor é frequentemente
retratado como um burocrata sem empatia, muito mais preocupado com a
administração financeira da escola do que com o rendimento pedagógico
dos estudantes. Não estabelece nenhum tipo de diálogo com a comunidade
e é pouco querido por estudantes e professores.
Esse perfil de diretor de fala ríspida e atitudes autoritárias e centrali-
zadoras marcou boa parte da história da educação brasileira, a tal ponto
que a agressividade parecia fazer parte do rol das características próprias
para o exercício da função. O principal indicativo do sucesso de sua gestão
era mensurado pelo silêncio e subserviência de professores, funcionários e
estudantes. Afirmações como "Se comporte, senão vou te mandar para a
diretoria!", ou ainda "Cuidado! O diretor está vindo!", evidenciam como a
noção de respeito relacionada a esse profissional estava sempre atrelada
ao medo, como se o seu poder fosse soberano, inquestionável e absoluto.
A utilização do masculino para a descrição dessa função também pre-
valeceu durante muito tempo nas escolas, afinal, os postos de direção eram
ocupados, prioritariamente, por profissionais do público masculino, muito
embora a maioria dos sujeitos que atuassem nas escolas fosse do público
feminino, o que evidencia não apenas as preconcepções sociais, mas tam-
bém as relações de poder que se perpetuaram no ambiente educacional por
décadas (VICENTINI; LUGLI, 2009).
Essas relações de poder, em escala menor, reproduzem a rede de rela-
ções existentes na sociedade, daí a necessidade de compreender como tais
relações "se processam e qual o pano de fundo de ideias e conceitos que
246 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

permitem que elas se realizem de fato" (TRAGTENBERG, 2001, s/p.). Para


Bordignon e Gracindo (2013), a compreensão da escola como organização
hierárquica é consequência de um paradigma positivista-racional, no qual
as relações entre os sujeitos se caracterizam fundamentalmente por domi-
nação e poder, favorecendo muito mais o desenvolvimento de um ambiente
autoritário do que democrático.
Essa "legitimidade autoritária" é notória em relatos de pessoas que sen-
tiram as consequências de frequentarem os ambientes escolares do sistema
educacional brasileiro em períodos nos quais prevalecia o autoritarismo, e
não a autoridade. Elas ressaltam, por exemplo, a obrigatoriedade de perma-
necerem em pé toda vez que o diretor adentrava a sala de aula. Tais relatos
são frequentemente acompanhados por uma espécie de nostalgia em re-
lação à organização rígida e hierarquizada da escola, como se houvesse a
assimilação direta entre rigidez, disciplina e aprendizagem.
As consequências dessa "herança cultural" provoca sérios entraves ao
desenvolvimento de uma aprendizagem significativa até os dias de hoje.
Para Vasconcellos (1994, p. 24), essa percepção social de que a escola e, mais
especificamente, a sala de aula são espaços "de submissão, de doutrinação,
de seleção natural, de domesticação" é, portanto, perfeitamente
compreensível, o que demanda todo um trabalho de ressignificação da
prática educativa, especialmente por parte do gestor escolar, no sentido de
elucidar que disciplina não é sinônimo de aprendizagem.
Para pensar sobre essas questões, selecionamos uma situação-problema
extraída do filme Escritores da Liberdade (2007). Durante uma aula, após en-
contrar um desenho em forma de caricatura de um dos estudantes da sala, a
professora inicia um debate sobre o Holocausto. Em determinado momento,
uma aluna faz a seguinte afirmação: "Você não sabe de nada [...] não tem res-
peito nenhum pelo modo como vivemos. Você vem aqui para ensinar essa
droga de gramática e depois a gente tem que voltar para a rua. E o que você
entende disso? O que você faz aqui dentro que muda alguma coisa na minha
vida?". Em seguida, a professora pergunta: "Você não se sente respeitada. É
isso que está dizendo?". A aluna sinaliza que sim com a cabeça. A discussão
segue, e outro estudante questiona: "Por que eu deveria te respeitar? Por ser
professora? [...] Eu não vou respeitar você só porque é professora".
Esta é uma cena bastante emblemática. Nela é possível refletir sobre di-
ferentes aspectos relacionados à função social da escola e sobre uma ques-
tão central em relação ao conceito de autoridade: a ideia de que autoridade
Liderança do diretor de escola | 247

não é algo inerente a um cargo ou à função que determinada pessoa ocupa.


Ou seja, o simples fato de ocupar uma posição mais elevada na hierarquia
de uma instituição não deve ser entendido como sinônimo de autoridade, e
a autoridade está relacionada à noção de respeito; de fazer com que o outro
se sinta respeitado; à capacidade de ser autor; de tornar o outro autor.
Quando um dos alunos afirma "Eu não vou respeitar você só porque é
professora", ele explicita justamente esses aspectos, instigando a reflexão
acerca da diferença entre autoridade e autoritarismo.
No capítulo "O que é autoridade?", da obra Entre o passado e o futu-
ro, Arendt (2014) discorre sobre esse conceito, explicitando suas principais
características e origem. A autora afirma: "Visto que a autoridade sempre
exige obediência, ela é comumente confundida com alguma forma de poder
ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos
de coerção. Onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou"
(ARENDT, 2014, p. 129).
Dessa forma, ela destaca a diferença entre obediência e medo, uma
diferenciação que é motivo de muita confusão nas escolas, uma vez que é
comum nos depararmos com situações nas quais a busca pela obediência
e disciplina provoca o desenvolvimento de práticas extremamente autoritá-
rias, como se a autoridade fosse algo que se impõe, e não que se conquista.
Com a promulgação da Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996, tais práticas passaram a ser profun-
damente questionadas, em virtude dos princípios democráticos expressos
nesses documentos. A estimulação da participação democrática da comuni-
dade escolar nos processos decisórios da escola provocou a ressignificação
dessa postura pouco dialógica e punitiva dos profissionais da educação, em
especial dos gestores escolares. O incentivo do processo de democratiza-
ção da gestão decorrente desses princípios não apenas instigou alterações
significativas no que se refere ao exercício da autoridade profissional dos
educadores, como suscitou importantes debates acerca da diferenciação
entre uma atuação pautada na liderança e/ou na chefia.
A ideia de que a liderança é primordial no trabalho escolar começou
a ganhar espaço a partir da segunda metade da década de 1990, com a
universalização do ensino público. Nesse período, aumentou a preocupação
com a formação de lideranças na escola, algo restrito, até então, apenas aos
ambientes empresariais. Tal fato foi primordial para a substituição da ideia
de administração escolar pela de gestão escolar.
248 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Conforme Lück (2000), tal substituição não se refere apenas a uma mu-
dança terminológica, mas sim a uma mudança de postura e de atitude; uma
nova orientação conceitual: "sua prática é promotora de transformações de
relações de poder, de práticas e da organização escolar em si, e não de ino-
vações, como costumava acontecer com a administração científica" (LÜCK,
2000, p. 15).
Outro fator que contribuiu para esse processo de ressignificação da fun-
ção do diretor escolar foram as políticas de divulgação pública dos resulta-
dos obtidos nas avaliações em larga escala. Esse fator foi fundamental para
trazer para o conjunto da escola a responsabilização sobre os resultados
obtidos, impelindo os gestores a desenvolverem um olhar mais atento para
as causas dos resultados apresentados.
Isso fez com que se iniciasse na escola todo um debate coletivo sobre no-
vas possibilidades pedagógicas de intervenção com vistas à melhoria desses
índices, o que fez com que os gestores dessem uma atenção diferenciada
para os aspectos pedagógicos da escola, em detrimento do administrativo-
-burocrático que prevalecia até então (BRITISH COUNCIL, 2019).
Por esse motivo, é de suma importância compreender como a concep-
ção de liderança influencia diretamente a atuação do gestor escolar e quais
suas consequências para a melhoria efetiva do processo de ensino e apren-
dizagem da escola.
De acordo com dicionários da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001), líder
é a pessoa que possui autoridade e que exerce algum tipo de influência
tanto no comportamento como na maneira de pensar do outro. Liderança
é, portanto, sinônimo de autoridade e implica o exercício de um poder legi-
timado pelos liderados, reconhecido como coerente; representativo; cole-
giado. O líder faz com que as pessoas se sintam respeitadas, pois age com
empatia, levando em consideração suas carências e dificuldades.
Liderança relaciona-se muito mais à orientação, condução, norteamento
do que a comando, capitaneamento, características mais voltadas para a
ideia de chefia.
Se retornarmos ao filme Escritores da Liberdade (2007), verificaremos
que as principais transformações conquistadas pela professora no que se
refere à melhoria da qualidade da relação pedagógica e da aprendizagem
de seus estudantes são inerentes ao reconhecimento da autoridade da pro-
fessora pela turma, uma vez que ela respeita o contexto social no qual a
escola está inserida e oferece subsídios didáticos eficazes para a superação
Liderança do diretor de escola | 249

das dificuldades de aprendizagem dos estudantes, evidenciando o sentido


social dos conteúdos estudados. Nesse caso, ela é reconhecida como líder,
pois seu poder é legitimado pelos estudantes e não é visto como algo arbi-
trário e autoritário.
Conforme ressalta Chiavenato (2000, p. 107), "liderança é a influência
interpessoal exercida numa situação e dirigida por meios do processo da
comunicação humana para a consecução de um determinado objetivo".
Ademais, faz-se necessário destacar que liderança não é uma caracte-
rística pessoal ou um atributo singular inato de cada um, muito embora a
personalidade tenha interferência direta no tipo de liderança que se exerce.
Para Maximiano (2017), a liderança corresponde a um conjunto de apti-
dões que podem vir a se transformar em competências profissionais a partir
das motivações, das experiências e do tipo de preparação de cada um, e é
imprescindível ter senso de identidade pessoal para exercê-la. Isso signifi-
ca que as pessoas dispostas a atuarem como líderes devem se reconhecer
como tais, tendo motivação e senso de responsabilização para ocupar de-
terminados cargos.
Kouzes e Posner (2009) ressaltam cinco práticas essenciais para o exer-
cício de uma liderança efetiva, tendo como base o comportamento e não a
personalidade do líder. São elas:
• mostrar o caminho – sendo exemplo para alcançar a garantia e o respeito
de exercer a liderança de forma legítima;
• inspirar uma visão conjunta – envolvendo a equipe a partir de objetivos
comuns;
• desafiar o progresso – estimulando novas ideias e atitudes proativas;
• permitir que os outros ajam – estimulando a colaboração, a confiança
mútua e a distribuição do poder exercido;
• encorajar a vontade – incentivando o espírito de comunidade.
O líder, portanto, é aquele que tem capacidade de influenciar e motivar
as pessoas para atingirem objetivos comuns, estabelecendo uma cultura de
colaboração capaz de envolver todos os membros de sua equipe. Não im-
põe seu poder, mas busca estabelecer uma relação de confiança. Entende
que sua liderança não tem relação direta à posição que ocupa na hierarquia
de uma determinada instituição e compreende que o reconhecimento de
sua autoridade é legitimado por seus liderados.
250 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Como salienta McGregor (1960), liderança é um "processo social" que


envolve quatro componentes principais: a conjuntura; as habilidades do lí-
der; as motivações dos liderados; e a tarefa ou missão proposta pelo líder.
Cabe a este identificar quais as diferenças e consequências de suas ações,
tendo como parâmetro determinados estilos de liderança, compreendendo
quais dessas características e objetivos permitirão uma atuação mais condi-
zente com sua realidade. Afinal, o estilo de liderança interfere diretamente
nos resultados obtidos.

Quadro 1 Estilos de liderança.

Estilos de liderança Objetivos Características


Concentrar a autoridade e
Autocrático
o processo de tomada de
Orientado para tarefa Autoritário
decisões nos resultados de
Diretivo
um projeto
Enfatizar a participação da
Democrático
equipe no processo deci-
Orientado para pessoas Participativo
sório e o clima humano do
Consultivo
projeto

Fonte: baseado em Maximiano (2017, p. 271).

Para Maximiano (2000, p. 344), tanto a autocracia como a democracia,


inerentes à liderança, representam pontos de uma escala que permite ve-
rificar se o seu estilo "se concentra no líder", diminuindo a "autonomia do
liderado" ou o contrário.
No contexto educacional, o estilo de liderança está muito mais orien-
tado para as pessoas do que para tarefas. Dessa forma, o líder educacional
deve incentivar a participação coletiva e democrática, pois, quanto maior
o envolvimento da comunidade escolar nos processos decisórios, maior a
qualidade da educação oferecida.
O gestor que pretende atuar a partir da perspectiva da liderança, e não
da chefia, deve incentivar a participação colaborativa de todos os membros
da comunidade escolar, de tal forma que estudantes, professores, funcio-
nários, pais/responsáveis possam participar da construção dos processos
organizacionais da escola, proporcionando a democratização de sua gestão.
Liderança do diretor de escola | 251

Verifica-se, portanto, que a liderança

é um conceito complexo que abrange um conjunto de comportamentos,


atitudes e ações voltado para influenciar pessoas e produzir resultados,
levando em consideração a dinâmica das organizações sociais e do
relacionamento interpessoal e intergrupal no seu contexto, superando
ambiguidades (LÜCK, 2010b, p. 37).

Assim, as ações de um gestor que se pretende líder devem objetivar a


confiança e o incentivo do trabalho colaborativo, afinal, a principal função da
gestão escolar é o aprimoramento dos processos organizacionais da escola,
com foco na otimização da sua função pedagógica. A gestão é, portanto,
responsável "por realizar ações conjuntas, associadas e articuladas, visando
o objetivo comum da qualidade do ensino e seus resultados" (LÜCK, 2010a,
p. 25).
A liderança escolar, de acordo com o relatório Activating Policy Levers
for Education2 2030 (BRITISH COUNCIL, 2019), é considerada uma das três
principais alavancas responsáveis pela melhoria da educação, além da go-
vernança e do monitoramento e avaliação de sistemas educacionais.
Evidentemente, apenas o fato de a escola contar com uma boa gestão
não é panaceia para todos os problemas que nela possam existir. Todavia,
é fundamental que o gestor-líder atue no sentido de promover mudanças,
abandonando o conformismo frente aos desafios enfrentados, a fim de oti-
mizar o potencial dos recursos humanos e financeiros disponíveis, incenti-
vando o engajamento dos demais membros da comunidade escolar.
Nesse sentido, as principais habilidades profissionais do líder que atua
em ambientes educacionais são as evidenciadas na Figura 1.

2 Tradução livre: "Ativando alavancas de política para educação".


252 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Figura 1 Habilidades profissionais do líder educacional.

Fonte: elaborada pelos autores.

Conforme ressaltam Leithwood e Riehl (2003), as influências do gestor-


-líder no processo de melhoria da educação oferecida são tão importantes
que permanecem atrás apenas das influências que os professores exercem
na garantia da aprendizagem dos estudantes.
É certo, portanto, que a liderança do gestor produz efeitos diretos sobre
a aprendizagem dos alunos, de tal modo que suas ações incidem diretamen-
te no estabelecimento de um clima organizacional positivo, capaz de moti-
var a todos em prol do cumprimento de objetivos comuns. Por esse motivo,
é fundamental que o gestor-líder organize suas atividades administrativas
tendo como foco a gestão da aprendizagem, sobretudo porque as escolas
que apresentam os melhores resultados são justamente aquelas nas quais
a gestão é predominantemente voltada para o pedagógico. Todavia, isso
vai além do simples monitoramento das atividades desenvolvidas por pro-
fessores e/ou funcionários. Aliás, quando a atuação do gestor se restringe
apenas ao monitoramento ou à supervisão dessas atividades, pode ocorrer
o comprometimento de todo o trabalho de incentivo e motivação da equipe.
Professores e funcionários precisam perceber o gestor como um colabora-
dor e facilitador de suas ações e não o seu contrário.
Liderança do diretor de escola | 253

A Figura 2 evidencia os aspectos centrais da atuação do gestor-líder em


relação à aprendizagem dos alunos, ao bem-estar e à realização da equipe,
e às altas expectativas, realizando a manutenção e o monitoramento cons-
tante do grau de motivação de seus liderados.

Figura 2 Aspectos relacionados à liderança educacional bem-sucedida.

Fonte: Day et al. (2010) apud British Council (2019).

Além desses aspectos, destacam-se as ações do gestor-líder na defi-


nição coletiva da Visão, dos Valores e dos Objetivos (Missão) da escola, o
que implica a elaboração colaborativa de seu Projeto Político-Pedagógico,
estabelecendo uma relação de confiança capaz de influenciar de maneira
positiva as relações interpessoais e seu clima organizacional.
Torres-Arcadia et al. (2013), a partir de uma análise sobre a realidade me-
xicana, evidenciaram como as diferenças de personalidade e de estilos de
liderança exercem influências diretas no êxito ou no fracasso escolar. Todos
os gestores considerados bem-sucedidos apresentavam práticas e carac-
terísticas comuns, independentemente da escola em que atuavam. Essas
práticas foram nomeadas de "catalizadoras", pois favorecem a efetivação
254 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

das ações colaborativas entre os membros da comunidade escolar. São elas:


escuta ativa, liderança compartilhada e estrutura de trabalho.

Figura 3 Modelo de diretor bem-sucedido de escolas mexicanas.

Fonte: Torres-Arcadia et al. (2013, tradução nossa).

A Figura 3 elucida o modelo da estrutura de suporte necessário para


uma atuação efetiva (eficaz e eficiente) do gestor-líder.

A análise de dados resultou em 16 categorias proeminentes: as seis carac-


terísticas e as 10 práticas do diretor. Essas categorias foram organizadas
em uma estrutura de apoio que mostra a forma como as características
e práticas do diretor conduzem para o cumprimento dos objetivos da
escola. Das dez práticas identificadas, três desencadearam o restante da
estrutura de apoio: escuta ativa (P1) e estrutura de trabalho (P3) apoiam
o processo decisório inclusivo (P2). A combinação dessas três práticas
aumenta a percepção da presença do diretor (P4) (mesmo que ele/ela
não esteja realmente nas instalações), bem como a liderança comparti-
lhada (P5). Isso assegura o cumprimento daquilo que ficou combinado
por meio de monitoramento e avaliação (P6) do que o diretor faz. Vale
ressaltar que a prática de monitorar e avaliar o diretor é sustentada por
dois dos traços principais: coerência (C1) e perseverança (C2). As práticas
mencionadas apoiam a gestão eficiente (P7) com base na orientação do
diretor para resultados (C3) e melhoria (C4). Como resultado de uma
gestão eficiente, o diretor conta com sua capacidade de se comunicar
(C5) e motivar (C6) a fim de promover vínculos com aqueles com os quais
incentiva o trabalho colaborativo (P9) e o desenvolvimento de alunos e
professores (P10). Tudo isso leva a atingir os objetivos e metas da escola
(R1). (TORRES-ARCADIA et al., 2013, p. 8-9, tradução nossa).
Liderança do diretor de escola | 255

Para exemplificar como essas "práticas catalizadoras" se concretizam nas


escolas, elaboramos uma breve descrição de ações do gestor-líder, conside-
radas exemplos de inspiração de confiança e motivação da equipe.

Quadro 2 Características dos gestores que se destacam em relação à liderança.

Características Exemplos de atuação

Coerência Ações que condizem com seu discurso

Perseverança Atitude proativa mediante os desafios


Melhoria do clima organizacional Ênfase nas soluções e não nos problemas
Mensagens claras e alinhadas a objetivos
Comunicação
comuns
Motivação da equipe Definição de metas viáveis
Proposição de ações educativas colaborativas
Preocupação com os resultados
voltadas para a aprendizagem

Fonte: baseado em Torres-Arcadia et al. (2013).

Verifica-se, portanto, que, quando desenvolvida a partir das práticas


apresentadas, a liderança educacional exercida pelo gestor permite que
professores, estudantes, funcionários e pais/responsáveis tenham abertura
para levar suas preocupações e sugestões à direção, proporcionando maior
desenvolvimento profissional da equipe, fomentando a participação e o in-
centivo do trabalho colaborativo, tendo em vista o cumprimento de metas
viáveis. Tais ações fornecem subsídios concretos para a efetivação dos ob-
jetivos traçados, favorecendo inclusive a conexão com diferentes instâncias
externas à escola a fim de encontrar soluções diferenciadas para os proble-
mas identificados.
Temos consciência de que é necessário realizar um exercício de rela-
tivização das experiências desenvolvidas em outros países, dado que as
especificidades da realidade educacional brasileira já se apresentam como
um complexo desafio a se enfrentar. Todavia, estamos convencidos de que
conhecer as experiências de gestores de outras localidades é fundamen-
tal para que possamos vislumbrar novas possibilidades de ação, buscando
inspirações para a concretização de uma gestão pautada no exercício da
liderança a partir do estabelecimento de uma cultura de colaboração.
Esperamos que essa breve explanação acerca da liderança educacional e
das habilidades profissionais do gestor-líder contribua para o favorecimento
256 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

do processo de democratização da gestão nas escolas, colaborando, inclu-


sive, para a recuperação de seu sentido social (ARROYO, 1979).

O gestor como líder das relações interpessoais na escola


Um complexo desafio que os gestores enfrentam no cotidiano das es-
colas é o de atuar como líder das relações interpessoais. Isso significa que
suas ações necessitam estar alinhadas com membros da comunidade, de
tal forma que suas decisões sejam compartilhadas, assumindo uma postura
democrática e dialógica que motive a todos a se envolverem nos processos
de tomadas de decisão coletivas.
Para Kouzes e Posner (2009), quanto maior o senso de pertencimento
desses sujeitos, maior o grau de comprometimento e mais efetivo o trabalho
desenvolvido. Esse grau de comprometimento pode ser aferido a partir do
grau de satisfação em relação ao ambiente de trabalho. Por esse motivo, "é
fundamental que exista nas escolas um clima no qual os profissionais se sin-
tam motivados para realizarem suas tarefas" (COLOMBO, 2001, p. 77), pois,
quanto mais motivados e envolvidos estiverem os sujeitos que ali atuam,
melhores serão os resultados acadêmicos e sociais obtidos.
Liderança e motivação são "dois processos interpessoais estreitamente
interdependentes" (MAXIMIANO, 2017, p. 267). O líder deve ser capaz de
ao mesmo tempo gerenciar conflitos e exercer influências positivas "em am-
bientes ambíguos, complexos e incertos" (BENTO, 2008, p. 145).
Assim, ao assumir a liderança das relações interpessoais na escola, o
gestor deverá ser capaz de gerenciar conflitos, identificando suas causas e
consequências, com vistas à resolução efetiva dos problemas que envolvem
o cotidiano da escola e, consequentemente, a ação dos gestores.
Para refletir sobre essa questão, apresentamos a seguinte
situação-problema:

Após inúmeros contratempos ocorridos durante o intervalo na fila da cantina de


uma unidade escolar, estudantes e professores procuraram a coordenação para
tentar solucionar o impasse: os estudantes queixavam-se que os professores "fura-
vam a fila" e acabavam comprando os melhores salgados; os professores se quei-
xavam que os estudantes provocavam tumultos desnecessários, pois era legítimo
"furar a fila" em função do pouco tempo disponível para tomarem o lanche. Após
ouvir as duas partes em meio a mais um dia de tumulto decorrente desse conflito,
a coordenação procurou a direção apresentando sua versão do fato.
Liderança do diretor de escola | 257

Situação-problema Continuação...

Após isso, a direção determinou que fosse tomada a seguinte decisão: a partir do
dia seguinte, deveriam ser realizadas duas filas, uma para os estudantes e outra
para os professores. A coordenação retornou ao ambiente, no qual os estudantes
e professores permaneciam ainda com os ânimos exaltados, e informou a decisão
da direção. Os estudantes ficaram ainda mais enfurecidos, pois afirmaram que a
decisão continuava favorecendo os professores. Já os professores mostraram-se
satisfeitos com a decisão e retornaram para a sala.

A situação acima evidencia vários entraves relacionados à habilidade de


lidar com conflitos e como a ausência dessa habilidade interfere diretamente
nos relacionamentos interpessoais e no clima organizacional da escola.
Após o estudo do conteúdo da primeira seção, seria possível afirmar que
a direção agiu com liderança?
Embora tenha sido definida uma regra para solucionar os tumultos ocor-
ridos na cantina durante o intervalo, é notório que o problema central do
conflito não foi solucionado. Ao contrário: os estudantes sentiram-se ainda
mais desrespeitados, pois, segundo eles, a decisão contribuiu para legitimar
o privilégio dos professores, que deveria ser extinto, qual seja, a vantagem
para adquirirem os melhores salgados.
Embora esta seja uma situação simples, ela elucida claramente um im-
passe recorrente no interior das unidades de ensino: a falta de habilidade
do gestor para identificar a causa real dos problemas e conflitos presentes
no cotidiano escolar. Isso faz com que as soluções funcionem muito mais
como um paliativo do que como um mecanismo efetivo de eliminação do
problema. Afinal, soluções superficiais e pouco eficientes servem apenas
para camuflar os conflitos ao invés de eliminá-los, podendo gerar problemas
ainda mais complexos.
No caso em questão, a falta de habilidade da direção para solucionar o
impasse descrito revela que a situação acabou apresentando um potencial
de comprometimento da qualidade do processo de ensino e aprendizagem,
pois o descontentamento por parte dos estudantes poderia incidir direta-
mente na qualidade da relação pedagógica entre eles e os professores, e
isso não foi considerado pela direção ao definir a estratégia para solucionar
o problema.
A situação elucida também outro impasse recorrente nas instituições de
ensino que interfere diretamente nos relacionamentos interpessoais e na
qualidade do clima organizacional: a ausência da escuta ativa.
258 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Se considerarmos as características relacionadas às práticas catalizado-


ras de um gestor-líder, conforme apresentado na seção anterior, poderíamos
afirmar que a direção cometeu dois equívocos centrais, que não permitiram
que sua atitude fosse reconhecida como legítima pelos estudantes.
1º) A tomada de decisão, além de não ter ocorrido de maneira colegiada,
teve como base apenas o parecer emitido pela coordenação, o que eviden-
cia, além da ausência da escuta ativa, a falta de abertura para o diálogo.
Nesse caso, seria mais adequado se a direção promovesse um encontro com
os representantes dos estudantes e professores, acionando, por exemplo, o
Grêmio Estudantil e o Conselho Escolar, a fim de compreender as angústias
e descontentamentos de ambas as partes, estabelecendo um diálogo sau-
dável e produtivo, longe da região do conflito e após os ânimos terem sido
acalmados.
2º) Ao ouvir apenas o parecer da coordenação, a direção não considerou
a principal causa do conflito, que era a insatisfação dos estudantes em rela-
ção ao fato de os professores comprarem os melhores salgados. Assim, em-
bora os tumultos tenham sido minimizados a partir da criação de duas filas, o
principal problema não foi solucionado, inviabilizando o estabelecimento de
culturas e estruturas de facilitação em prol de processos decisórios coletivos.
A solução parcial do problema possibilitou a criação de brechas para
novos conflitos, neutralizando a possibilidade de que fosse estabelecida
uma cultura de colaboração efetiva, pois não houve envolvimento de todos.
Verifica-se, portanto, a importância de o gestor-líder criar mecanismos
para estabelecer um clima organizacional favorável, afinal, tanto o desempe-
nho acadêmico como o clima organizacional da escola devem ser o centro
de sua preocupação, especialmente porque este último é resultado "de uma
constelação de fatores circunstanciais" que podem gerar efeitos positivos
ou negativos (SOUZA, 1992, p. 4).
Embora não haja uma definição única e consolidada para o clima or-
ganizacional no ambiente escolar, é preciso considerar o conjunto de per-
cepções psicológicas e comportamentais a ele relacionados, pois, embora
intangíveis, suas consequências se materializam de maneira tangível, por
meio de indicadores como: o absenteísmo, a depredação do patrimônio pú-
blico, a recorrência de conflitos, a falta de comprometimento com horário,
a evasão e, principalmente, o baixo índice de rendimento nas avaliações em
larga escala. Tais indicadores permitem a verificação do grau de satisfação
ou insatisfação dos sujeitos frente às normas e aos tipos de relacionamento
estabelecidos (CHIAVENATO, 2003).
Liderança do diretor de escola | 259

Como salienta Dewes (2007), o clima organizacional saudável não se res-


tringe apenas à eliminação dos conflitos, mas, sim, à busca por novas formas
de gerir a escola, o que demanda uma atuação integradora por parte do
gestor-líder no sentido de aglutinar os sujeitos em torno de metas comuns.
Libâneo (2004, p. 100) salienta que a escola é uma "unidade social que
reúne pessoas que interagem entre si e opera por meio de estruturas e
processos organizativos próprios". Assim, "as condições físicas e materiais"
representam meios para que a escola cumpra ou não seu objetivo central,
qual seja, "o ensino e a aprendizagem dos alunos" (LIBÂNEO, 2004, p. 11).
Para Sebring et al. (2006), o gestor deve considerar quatro suportes or-
ganizacionais centrais para o exercício de uma liderança efetiva: laços entre
pais e comunidade; capacidade profissional de professores e funcionários;
ambiente de aprendizagem centrado no aluno; e instrução ambiciosa.

Figura 4 Estrutura de suportes essenciais e recursos contextuais para a melhoria da


escola.

Fonte: Sebring et al. (2006, tradução nossa).

A liderança do gestor é o primeiro catalizador da melhoria da escola,


responsável por promover a participação e o envolvimento da comunidade,
criando laços de confiança com os pais/responsáveis, a fim de envolvê-los
em instâncias colegiadas como o Conselho de Escola e a APM (Associação
de Pais e Mestres), promovendo uma interação colaborativa, conforme indi-
ca a Figura 4.
260 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O gestor-líder deve estimular ações que possibilitem que professores e


funcionários conheçam amplamente a realidade social dos estudantes e suas
famílias, a fim de que suas ações respeitem as diferenças sociais, econômicas
e culturais que os envolvem. Cabe a ele, ainda, criar mecanismos para que
se estabeleça uma rede de organizações comunitárias, a partir de parcerias
com instituições locais diversas, como universidades, Unidades Básicas de
Saúde, associação de moradores, ONGs etc., em prol da melhoria da escola
como um todo.
Ademais, é imprescindível que ele seja capaz de combinar recursos hu-
manos e sociais, com vistas ao desenvolvimento da capacidade profissional
dos docentes, promovendo momentos de formação continuada, a fim de
que a ação educativa incentive os estudantes a buscarem novos conheci-
mentos para além dos conteúdos ensinados (o que os autores chamam de
instrução ambiciosa), incentivando ações voltadas para o debate sobre o
projeto de vida dos estudantes, de modo a elucidar o potencial transforma-
dor da educação oferecida.
Para Sebring et al. (2006), tais práticas contribuirão sobremaneira para a
ampliação da qualidade geral das relações sociais estabelecidas na escola,
incitando mudanças significativas a partir de ações com foco no replane-
jamento e na avaliação constante das atividades desenvolvidas. Somente
dessa forma essas mudanças poderão ser sustentadas ao longo do tempo.
Esse tipo de liderança implica "descobrir o poder que existe nas pes-
soas", a fim de torná-las "capazes de criatividade, autorrealização e visua-
lização de um futuro melhor para si próprias e para a organização em que
trabalham" (MOTTA, 1999, p. 221). Por esse motivo, é fundamental que no
processo de gerenciamento das relações interpessoais na escola o gestor-
-líder saiba reconhecer quais sujeitos exercem diferentes tipos de liderança,
canalizando o potencial dessas influências de forma a otimizar a qualidade
da educação oferecida, envolvendo a todos no trabalho de efetivação da
Missão, da Visão e dos Valores da escola.
Esperamos que as reflexões apresentadas nesta seção tenham contri-
buído para enfatizar a importância da realização de diagnósticos completos
acerca dos problemas e conflitos presentes na escola, de modo a solucioná-
-los de maneira efetiva, tendo vista a necessidade de manter relações inter-
pessoais positivas, otimizando seu clima organizacional, em prol da melhoria
do processo de ensino e aprendizagem.
Liderança do diretor de escola | 261

Liderança Compartilhada e Liderança Distribuída


Como vimos na seção anterior, liderança implica descobrir o poder que
existe nas pessoas e as influências que elas exercem, a fim de extrair de cada
um qualidades que poderão contribuir para a melhoria efetiva da escola.
Nesse sentido, o gestor-líder necessita desenvolver habilidades para
reconhecer as diferentes lideranças presentes em todos os segmentos (pro-
fessores, funcionários, estudantes, pais/responsáveis), identificando o tipo
de influência que cada um exerce, a fim de motivá-los não apenas para que
contribuam com as atividades desenvolvidas, mas para que favoreçam o
processo de legitimação da sua própria liderança perante os demais.
Para refletirmos sobre essas questões, analisemos a seguinte
situação-problema:

Após quatro anos à frente de uma escola de Educação Infantil, a diretora Carmem
encerrou sua atuação em função da troca da administração da prefeitura munici-
pal, uma vez que seu cargo era comissionado. Durante o período que permaneceu
como gestora da unidade, provocou uma verdadeira revolução, tanto em termos
da evolução acadêmica de professores e estudantes quanto da estrutura física e
organizacional da escola, proporcionando uma aproximação efetiva com a comuni-
dade. Sua liderança e autoridade eram reconhecidas por todos. Na ocasião de sua
saída, Carmem recebeu carinhosas homenagens de todos, que fizeram questão de
ressaltar que as transformações proporcionadas durante sua gestão jamais seriam
esquecidas. Todavia, com a chegada da nova gestora, muitas conquistas decor-
rentes do trabalho desenvolvido por Carmem foram aos poucos abandonadas, em
especial o trabalho a partir da interculturalidade que ela tanto valorizava.

Qual foi o principal equívoco cometido por Carmem que fez com que
suas influências fossem aos poucos abandonadas e/ou substituídas?
Essa situação-problema retrata a realidade de muitas escolas brasileiras,
nas quais a troca da gestão representa muito mais do que um recomeço
ou um momento de transição e readequação necessárias. Ela elucida que
há uma espécie de neutralização das conquistas anteriores em virtude da
ausência de um trabalho, por parte do gestor-líder, para definir compartilha-
damente a Missão, a Visão e os Valores da escola, com vistas à preservação
de sua identidade.
A falta de continuidade observada nesse caso resulta igualmente da
descontinuidade das políticas públicas que mudam a cada eleição, geran-
do consequências devastadoras para a qualidade acadêmica e social das
escolas.
262 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

No Chile, onde são notórios os avanços em termos de políticas públi-


cas específicas de formação continuada para gestores escolares, evidências
indicam que a sustentabilidade das ações desencadeadas por seus líderes
após a troca da gestão depende de "processos planificados de sucessão",
cujo objetivo é a promoção de um trabalho voltado para a institucionaliza-
ção das práticas desenvolvidas, estimulando o "capital social e profissional
das escolas" (BERLEY, 2014 apud GOIS, 2020, p. 78).
Fullan e Hargreaves (2012) também ressaltam que a preservação do ca-
pital profissional é fundamental para minimizar os traumas decorrentes da
rotatividade presente nas escolas.
Nesse sentido, cabe ao gestor-líder desenvolver habilidades para atuar
a partir da perspectiva de distribuição e compartilhamento de sua lideran-
ça, promovendo ações colegiadas e colaborativas pautadas no princípio da
descentralização e da transitoriedade, a fim de gerar maior envolvimento e
responsabilização conjunta dos sujeitos que estão sob sua orientação.
O gestor-líder deve ter clareza dos efeitos que sua liderança produz,
entendendo que esses efeitos "não dependem apenas de suas ações e da
motivação dos liderados, mas de uma combinação complexa de elementos",
que inclui o compartilhamento e a distribuição de sua liderança (MAXIMIA-
NO, 2017, p. 267).
Líder é aquele que "transfere sua autoridade para os liderados, confe-
rindo-lhes o poder de tomar decisões" (MAXIMIANO, 2000, p. 344). Toda-
via, essa transferência tem como função facilitar o estabelecimento de uma
cultura colaborativa e colegiada, na qual são distribuídas e compartilhadas
as responsabilidades. É preciso estar atento, porém, para que o processo
de distribuição de sua liderança não provoque o enfraquecimento de sua
autoridade perante os demais, criando um efeito contrário ao esperado.
Por esse motivo, o processo de distribuição e compartilhamento da lide-
rança exige especial atenção do gestor ao grau de confiança estabelecida
entre ele e os demais membros de sua equipe, posto que este é um proces-
so que vai muito além da simples delegação ou distribuição de tarefas. Seu
objetivo é contribuir para que os profissionais da escola desenvolvam suas
capacidades particulares em conjunto e em prol do funcionamento orgânico
da unidade, de tal modo que o gestor-líder seja visto como alguém capaz de
assegurar que todas as tarefas sejam executadas com qualidade por todos, e
não como o único sujeito capaz de fazer tudo na instituição (FULLAN, 2014).
Liderança do diretor de escola | 263

O grande desafio está em identificar diferentes perfis de atuação, con-


siderando os pontos fortes e as fragilidades de cada um, evitando que o
processo de distribuição e compartilhamento de liderança se torne um fator
de geração de caos em virtude da falta de habilidade do gestor-líder para
reconhecer as competências profissionais de cada membro de sua equipe,
atribuindo-lhes responsabilidades que não condizem com suas capacidades.
A liderança distribuída ocorre ao longo de um continuum entre liderança
"focada" e "distribuída", que permite ao gestor identificar diferentes fontes
de liderança com capacidade elevada de influência na equipe. Esse tipo de
liderança exige do gestor a competência para alinhar as habilidades das
pessoas às tarefas que elas executam.
Já a liderança compartilhada resulta de um processo de influência di-
nâmica e interativa entre os membros da equipe, com o objetivo de levar o
outro a realizar espontaneamente e com o maior grau de envolvimento as
metas estabelecidas em conjunto. É um processo no qual a liderança é rea-
lizada pela equipe como um todo, de tal forma que a influência de cada um
está embutida nas interações interpessoais ali estabelecidas, com potencial
de otimizar cada vez mais o desempenho organizacional da instituição. É
uma propriedade emergente da equipe, de mútua influência e compartilha-
mento de responsabilidades (GÜNTHER et al., 2017).
A liderança compartilhada pressupõe uma colaboração mútua e conjun-
ta, enquanto a liderança distribuída, uma colaboração específica de diversos
indivíduos em diferentes níveis organizacionais. Ambas constituem comple-
xos processos organizacionais em construção permanente.
Compreender as vantagens e riscos desses tipos de liderança é funda-
mental para que o gestor-líder identifique as implicações de cada uma delas
para o processo de democratização de sua gestão, tendo em vista que a li-
derança não deve ser um monopólio ou responsabilidade de uma só pessoa,
mas, sim, um processo social (BOLDEN, 2011).

Gerenciamento de riscos e gestão das contingências


Um risco é caracterizado pela sua probabilidade de ocorrência e pelo
seu impacto sobre os objetivos de um determinado projeto e está direta-
mente associado a uma atividade cuja finalidade é realizar um levantamento
das incertezas a ele relacionadas, podendo gerar resultados positivos ou
negativos. À medida que essas incertezas se acumulam, elas se convertem
264 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

em riscos. Um risco negativo é definido como uma ameaça, enquanto um


risco positivo é definido como uma oportunidade.
De acordo com Ewald (2000), a noção de risco pode ser utilizada tan-
to para explicar os desvios da norma quanto os eventos amedrontadores
que ameaçam ou colocam em perigo um determinado grupo social. Lupton
(1999) destaca que a identificação das chamadas "zonas de risco" é funda-
mental, pois possibilita o planejamento de ações com vistas à sua prevenção
ou administração de um determinado projeto. Borraz (2014) ressalta a neces-
sidade de identificar cinco estágios principais no processo de qualificação
do risco e que esse processo de identificação é fundamental para indicar
os momentos chave do "ciclo de vida" de determinada questão de risco,
conforme mostra a Figura 5.

Figura 5 Ciclo de vida do risco.

Fonte: baseada em Borraz (2014).

O gerenciamento de riscos possibilita tratar com eficácia as incertezas,


bem como os riscos e as oportunidades a elas associadas. As incertezas re-
presentam riscos com potencial para destruir ou agregar valor.
Para gerenciar os riscos, é possível aplicar diferentes técnicas visando
minimizar os efeitos indesejáveis ou maximizar efeitos desejáveis. Todavia,
é importante ressaltar que, embora o risco seja administrável, a incerteza
Liderança do diretor de escola | 265

não é. Por esse motivo, administrar um objeto repleto de incertezas, como a


escola, exige o uso de procedimentos e instrumentos capazes de convertê-
-las em dimensões sobre as quais se pode agir.
Ao utilizar a noção de risco e incerteza para gerir o ambiente educacio-
nal, o gestor-líder poderá realizar a verificação de diversos efeitos indese-
jáveis durante o desenvolvimento de determinadas atividades ou projetos,
que poderiam ser mais bem equacionados se tivessem sido abordados a
partir de uma visão estratégica e compartilhada.
Para refletirmos sobre essas questões, apresentamos a seguinte
situação-problema:

Após a troca dos gestores de todas as unidades de ensino em função da realiza-


ção de concurso público, as escolas municipais passaram por um complexo pro-
cesso de readaptação, especialmente porque, até aquele momento, a escolha dos
gestores era feita exclusivamente por meio de indicação por parte da Secretaria
Municipal de Educação. Uma das escolas apresentava alto índice de evasão, baixo
grau de satisfação da comunidade em relação à avaliação de seu clima organiza-
cional, baixos índices de rendimento pedagógico e estava localizada em uma área
de elevada vulnerabilidade social. Eram constantes as agressões físicas e simbóli-
cas entre estudantes e professores, e o tráfico de entorpecentes em seu entorno
e interior era intenso. Ao assumir a direção dessa escola, a nova equipe gestora
realizou uma reunião para definir estratégias de melhoria da situação apresentada.
Decidiram em conjunto que a primeira ação seria estabelecer um diálogo com
professores, estudantes, funcionários, pais/responsáveis, a fim de encontrar a cau-
sa dos problemas elucidados. As reuniões evidenciaram que todos, sem exceção,
se queixavam do fato de a Secretaria Municipal de Educação ter transformado a
unidade em Escola de Tempo Integral, sem que tivesse havido uma consulta prévia
sobre essa decisão. Alegaram que a escola não oferecia condições estruturais e
pedagógicas para que os estudantes permanecessem ali o dia todo e que esta
era a principal causa das situações de violência vivenciadas. Após ouvir a todos, a
equipe gestora elaborou um documento que foi encaminhado à Secretaria Munici-
pal de Educação e à Secretaria de Segurança Pública, a fim de expor os principais
riscos a que professores, funcionários e estudantes estavam submetidos em
função da implantação mal planejada do Ensino de Tempo Integral nessa unidade.
No documento foi solicitado o apoio de ambas as Secretarias para que houvesse a
imediata adequação do modelo de ensino, assim como a presença mais constante
da Ronda Escolar, com vistas à inibição do intenso fluxo de tráfico de entorpecen-
tes. O documento surtiu o efeito desejado. Além de a escola voltar a oferecer o
modelo parcial de ensino, respeitando os anseios de toda a comunidade, o apoio
da Secretaria de Segurança Pública com a presença constante da Ronda Escolar
diminuiu não apenas o fluxo de tráfico no interior e nos arredores da escola, como
também inibiu as situações de violência que eram constantes.

A situação apresentada é um exemplo clássico da força da ação conjun-


ta e compartilhada dos membros da escola para alterar uma determinada
266 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

realidade. Fica evidente que o descontentamento e os problemas elencados


se relacionavam à ausência de qualquer indício da participação democrática
e coletiva da comunidade no processo de transformação da unidade em
Escola de Tempo Integral.
A capacidade da nova equipe gestora para identificar os riscos e proble-
mas da escola, buscando soluções abrangentes e colegiadas, representou
um diferencial, pois fez com que a comunidade os reconhecesse como líde-
res de fato, legitimando sua autoridade.
Como ressalta Maximiano (2017, p. 123), "riscos são eventos ou condições
prováveis que comprometem a realização do projeto". E, como não há um
"catálogo de riscos" específicos que possam ou não ocorrer, é fundamental
que os gestores considerem os aprendizados obtidos e sua experiência pro-
fissional para identificar e gerenciar os riscos, lembrando, inclusive, que não
há um modelo único para solucioná-los. Dessa forma, o gestor-líder deve
ter especial atenção para os recursos humanos e materiais disponíveis, com
vistas à proposição de ações que sejam efetivamente viáveis e executáveis.
Para facilitar a compreensão sobre como realizar a identificação dos
riscos em uma unidade escolar, elaboramos uma Planilha de Avaliação de
Risco, na qual são destacados seus eventos, impactos e consequências. Os
eventos de risco elencados para fins de exemplificação fazem parte da reali-
dade de muitas escolas brasileiras.

Quadro 3 Planilha de Avaliação de Risco.


Evento de risco Impactos Consequências
Tráfico de
entorpecentes Diminuição da segurança e apro- Violência física e simbólica
no interior e ao ximação dos estudantes com a no interior e ao redor da
redor da unidade utilização de entorpecentes unidade de ensino
escolar
Problemas de funcionamento de
Impossibilidade de funcio-
utensílios eletrônicos, como refri-
namento da unidade, com-
Rede elétrica gerador, impressoras, utensílios
prometendo a segurança
danificada de cozinha, ventilação das salas,
do patrimônio material e
da iluminação do ambiente e do
humano
sistema de alarme
Comprometimento do processo Aumento do índice de fe-
Vidros quebrados de ensino e aprendizagem e da rimentos e automutilação
segurança dos estudantes dos estudantes
Liderança do diretor de escola | 267

Quadro 3 Continuação...
Evento de risco Impactos Consequências
Entrada de pombos e animais
Contaminação dos ali-
Falta de telas no peçonhentos; comprometimento
mentos e proliferação de
refeitório da segurança alimentar da
doenças
unidade
Proliferação de bactérias
Ventiladores
Ventilação inadequada dos causadas pela ausência
com mau
ambientes de ventilação; risco de
funcionamento
desmaios e mal-estar
Capacidade de escoamen-
to de água insuficiente
Cozinha Problemas com a segurança
durante a limpeza, o que
danificada alimentar
inviabiliza a higienização
adequada
Comprometimento do
Inexistência/Más processo de ensino e
condições de Impedimento da ventilação e do aprendizagem e condições
cortinas nas salas controle da iluminação das salas inadequadas de uso dos
de aula ambientes devido à condi-
ção climática
Oferta de espaço adequado para
Conserto da qua- Segurança dos estudantes,
o desenvolvimento de atividades
dra poliesportiva professores e funcionários
no contraturno e/ou extraclasse
Ausência da formação
Revitalização/Rea- Desenvolvimento de atividades
voltada para o letramento
tivação da sala de de informática no contraturno e/
digital de estudantes e
informática ou extraclasse
professores

Fonte: elaborado pelos autores.

Além da identificação e do gerenciamento dos riscos, é imprescindível


que o gestor-líder saiba realizar também a gestão das contingências, que se
refere àquelas situações ou eventos que não se consegue prever ou contro-
lar, cujo caso mais latente verificado na atualidade é a pandemia decorrente
do novo coronavírus (SARS-CoV-2), que tem demandado ações de plane-
jamento e replanejamento estratégico constantes por parte dos gestores
escolares.
O Plano de Contingência é um planejamento preventivo que a escola
elabora para evitar contratempos indesejáveis que possam vir a compro-
meter o desenvolvimento de atividades que são normalmente planejadas e
executadas, como o processo de ensino e aprendizagem.
268 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Uma situação que demandou dos gestores a elaboração de diferentes


planos de contingência foi o jogo "Baleia Azul", oriundo da Rússia em 2015 e
se tornou um imenso pesadelo nas escolas brasileiras a partir de 2017. O jogo
instigava suicídios e a mutilação de estudantes e, embora não tivesse como
ser previsto, tornou-se um risco que comprometia todo o trabalho desenvol-
vido nas escolas, impelindo os gestores a elaborarem ações de combate e
prevenção, a fim de minimizar suas consequências, criando procedimentos
alternativos com objetivos de orientar a comunidade escolar de forma que o
evento afetasse o menos possível o funcionamento normal da escola.
O plano de contingência refere-se ao estudo de um cenário que permi-
te a identificação dos riscos com potencial para paralisar ou comprometer
ações consideradas centrais em uma determinada instituição. As ações nele
apresentadas não têm por objetivo evitar uma determinada ocorrência,
como é o caso da avaliação e gerenciamento de riscos, mas, sim, apresentar
soluções plausíveis quando um efeito indesejável não pode ser evitado por
estar fora do alcance do gestor. Sua principal função é minimizar os danos,
descrevendo medidas que poderão vir a ser tomadas no caso da ocorrência
de um evento imprevisto.

Figura 6 Etapas de elaboração de um Plano de Contingência.

Fonte: elaborada pelos autores.

A elaboração desse tipo de plano demanda igualmente a participação


de todos os membros da comunidade escolar, facilitando a atuação do ges-
tor e aumentando as chances de as ações apresentadas surtirem efeitos mais
positivos e eficientes, gerando uma postura de (co)responsabilização de to-
dos, instigando igualmente a empatia e o envolvimento direto nos processos
decisórios da escola.

Considerações finais
Como vimos a partir do estudo deste material, o processo de democrati-
zação da gestão escolar tem como premissa a participação social de todos,
de modo que cada membro tenha clareza e conhecimento de seu papel
Liderança do diretor de escola | 269

com vistas à promoção de ações e projetos que colaborem não apenas para
a boa organização do trabalho ali desenvolvido, mas, principalmente, para
o exercício pleno da cidadania, pois, como ressaltam Luiz e Nascente (2013),
a escola se tornou o espaço primeiro da convivência e de vivência de regras
e de organização social coletiva, que passou a oferecer, por sua própria di-
nâmica, a possibilidade de experimentação e efetivação da cidadania via
participação democrática de todos aqueles que a compõem. Uma escola
democrática é aquela que se baseia em princípios democráticos, cujo ob-
jetivo é a formação de cidadãos verdadeiramente preparados para assumir
seu papel na sociedade.
Por esse motivo, a participação efetiva de todos nos processos decisórios
da escola só acontece quando todos têm conhecimento sobre suas nuances
(BORDENAVE, 1992). Incentivar a participação e o envolvimento da comuni-
dade escolar nesses processos requer do gestor-líder disponibilidade para
aprender continuamente, desenvolvendo habilidades para reconhecer quais
ferramentas são adequadas ou não para atingir esse objetivo.
Ao longo deste material, procuramos destacar quais são as habilidades
inerentes à atuação de um gestor escolar que se pretende líder das rela-
ções interpessoais, tendo em vista que a liderança educacional ainda é um
desafio a se enfrentar, sobretudo em um país como o Brasil, cujas iniciativas
de formação inicial e/ou continuada de gestores escolares ainda são muito
incipientes.
Sabemos ainda que desencadear e sustentar processos de melhorias
significativas e permanentes nas escolas não é tarefa simples. Mas estamos
convencidos de que metodologias de partilha e orientação, com foco na
troca de experiências e no debate coletivo sobre os desafios colocados,
como é o caso da proposta do Programa de Mentoria e Cooperação em
Gestão Escolar, constituem instrumentos concretos para a transformação da
escola em prol do cumprimento efetivo de sua função social. A proposta
de formação continuada com características da mentoria deste programa
possibilita o compartilhamento do conjunto de conhecimentos e vivências
de profissionais experientes com profissionais em início de carreira, a fim
de que essa troca evidencie ferramentas para o enfrentamento efetivo das
problemáticas que exigem uma tomada de decisão coletiva, construindo,
assim, uma cultura de colaboração com foco na proposição de soluções com
potencial de promover avanços pedagógicos reais, minimizando problemas
inerentes ao cotidiano das instituições nas quais atuam.
270 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

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272 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Anexos
Anexo I Questionário para autoavaliação institucional.
Avalie utilizando a escala
de
AVALIAÇÃO DO GRAU DE SATISFAÇÃO DA 0 (zero) a 10 (dez)
COMUNIDADE ESCOLAR EM RELAÇÃO AOS 0 (zero) = totalmente
ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DA ESCOLA insatisfeito
10 (dez) = totalmente
satisfeito
1. A escola procura conhecer o que pensam os pais/
responsáveis pelos alunos, incentivando a participa-
ção coletiva?
2. A escola propõe a elaboração conjunta de seu
Projeto Político-Pedagógico?
3. A escola desenvolve ações de conscientização
sobre segurança e higiene?
4. A escola dispõe dos recursos bibliográficos,
didáticos e tecnológicos adequados para o desen-
volvimento do trabalho pedagógico?
5. Estou de acordo com a formação humana, social
e pedagógica oferecida pela escola?
6. A manutenção da infraestrutura da escola (salas,
pátios, banheiros, cantina, ventilação, bebedouros
etc.) é adequada?
7. O Conselho de Escola e a APM (Associação de
Pais e Mestres) são convocados periodicamente e
têm participação efetiva nas tomadas de decisões
coletivas?
8. Os professores e gestores participam regularmen-
te de cursos de aperfeiçoamento e capacitação?
9. A escola apresenta periodicamente os resultados
da aprendizagem dos alunos aos pais/responsáveis?
10. Os resultados obtidos nas avaliações internas e
externas são utilizados para melhorar efetivamente
o processo de ensino e aprendizagem?
Liderança do diretor de escola | 273

Avalie utilizando a escala


de
AVALIAÇÃO DO GRAU DE SATISFAÇÃO DA 0 (zero) a 10 (dez)
GESTÃO COMO LÍDER DAS RELAÇÕES INTER- 0 (zero) = totalmente
PESSOAIS NA ESCOLA insatisfeito
10 (dez) = totalmente
satisfeito
1. A direção estimula, mobiliza e gera o com-
prometimento de professores, funcionários e da
comunidade?
2. A direção lidera e conduz os processos pedagó-
gicos e formativos da escola?
3. Existem procedimentos por parte da direção que
permitem aos diferentes segmentos conhecer e agir
coerentemente em torno da Missão Institucional da
escola?
4. A direção disponibiliza periodicamente o balan-
cete da gestão financeira da escola?
5. A direção utiliza mecanismos de acompanhamen-
to e orientação do trabalho pedagógico desenvolvi-
do pelos professores em sala de aula?

Anexo II Planilha de avaliação e gerenciamento de riscos.


EVENTO
IMPACTOS CONSEQUÊNCIAS AÇÕES RESPONSÁVEIS
DE RISCOS
7

Gestão financeira e as demandas de


infraestrutura na escola1
Anderson Severiano Gomes

Ementa: Conhecimento dos recursos públicos disponíveis e as possibilida-


des de desenvolver um trabalho colaborativo e participativo com a Unidade
Executora (UEx) – Associação de Pais e Mestre (APM) – e o Conselho Escolar
(CE). Diagnóstico dos problemas de infraestruturas física e pedagógica com
foco nas metas do Projeto Político-Pedagógico (PPP). Transparência e ética
no uso do dinheiro público com as devidas prestações de contas. Planeja-
mento anual do PDDE Interativo (Programa Dinheiro Direto na Escola). Uso
do aplicativo Clique Escola. Gestão dos recursos públicos, tais como PDDE
Básico (manutenção), o PDDE Educação Conectada, entre outros. Uso de
recursos públicos para democratização do acesso à informação com infra-
estrutura tecnológica adequada à realidade local. Uso de Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC).

Objetivos:
• Gerir recursos públicos com vistas a melhorar a infraestrutura física e
pedagógica da escola;
• Compreender a amplitude do uso de verbas públicas, dentro de um con-
texto de gestão democrática;
• Utilizar o PDDE Interativo e o aplicativo Clique Escola com finalidade
de facilitar e incentivar o acesso da comunidade escolar às informações
educacionais e financeiras da escola.

1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se deve
ao fato de esses termos se referirem conjuntamente a homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
276 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Conhecimento dos recursos públicos disponíveis e as possibilidades


de desenvolver cultura colaborativa e participativa
A escola é o espaço social da esfera pública mais próxima das pessoas,
e seu papel como lugar público traz a possibilidade de discutir aspectos
financeiros e recursos públicos sob a ótica constitucional, que a define como
parte fundamental da gestão pública da educação. Assim, compreendemos
que vivemos num país republicano, construído em uma estrutura federalista
em que a totalidade depende do encaixe de partes que, mesmo disformes,
ao final comporão o pluralismo brasileiro com suas diferenças e discrepân-
cias. E o papel do diretor de escola passa por essa busca de princípios de
equidade, justiça e democracia, apregoados desde a nossa fundação repu-
blicana, passando pela redemocratização, até a atual Constituição Federal
do país.
Partamos do princípio de que a escola pode acessar verbas públicas,
sendo a mais conhecida, e objeto do nosso estudo aqui, o PDDE (Programa
Dinheiro Direto na Escola). Por ser pública, essa verba constitui-se na junção
de um conjunto de impostos e transferências à União, que faz o processo de
redistribuição, e por isso, na busca por um sistema equânime, respeita um
conjunto de leis e recolhe dinheiro do contribuinte brasileiro. Assim, essa
base é formada por dinheiro de todos, e dessa forma avaliamos, desde esse
início, que a melhor forma de utilizá-lo é usando canais de participação, fa-
zendo com que todos os atores escolares, inclusive os estudantes, possam
participar da tomada de decisões sobre seu uso.
Isso coloca o diretor no papel fundamental do desenvolvimento de uma
educação que desenvolve múltiplos saberes. Sua ação deve ser profunda
na comunidade, gerada na relação cotidiana do que significa escola em seu
território, fincada no seu pertencimento formativo, que vincula toda a sua
experiência de vida, acadêmica com as possibilidades de a escola desen-
volver seus potenciais pedagógicos e administrativos, estes últimos como
duas facetas complementares de uma mesma intencionalidade: o acesso ao
conhecimento por todos aqueles que transitam pela escola.
Nesse mesmo sentido, a educação brasileira – feita de nuances regionais
próximas e distâncias aberrantes – configura-se em um desenho no qual o
olhar recai sobre as unidades da federação, em que sua compreensão ci-
dadã interdependente num conjunto de escolas propiciará que todos seus
partícipes tenham as mesmas oportunidades e escolhas. Dessa forma, a
aplicação de verbas federais nas escolas públicas precisa de um trabalho
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 277

colaborativo e participativo entre os membros da Unidade Executora (UEx),


também definida como APM (Associação de Pais e Mestres) em algumas
regiões, e seus Conselhos Escolares. Avaliamos que esse caminho, ainda
que complexo, pode tornar a educação desenvolvida localmente pela es-
cola como um dos pilares centrais dos caminhos que o país quer trilhar para
melhorar seus índices educacionais.
Todo o processo origina-se na construção do Fundef (Fundo de Desen-
volvimento do Ensino Fundamental), reconfigurado no atual Fundeb (Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magis-
tério) e seu processo de redistribuição que leva dinheiro às escolas, em uma
perspectiva de tornar o processo equitativo. Cabe ao diretor a organização
dos órgãos colegiados da escola, que deverão, juntamente à gestão, admi-
nistrar as verbas recebidas pela escola, participando e opinando nas deci-
sões tomadas em relação ao seu destino e, também, ao desenvolvimento
pedagógico ocorrido durante o ano letivo. Conforme Lück (2000):

A gestão escolar é uma dimensão, um enfoque de atuação, um meio e


não um fim em si mesmo, uma vez que o objetivo final da gestão é a apren-
dizagem efetiva e significativa dos alunos, de modo que, no cotidiano
que vivenciam na escola, desenvolvam as competências que a sociedade
demanda, dentre as quais se evidenciam: pensar criativamente; analisar
informações e proposições diversas, de forma contextualizada; expres-
sar ideias com clareza, tanto oralmente como por escrito; empregar a
aritmética e a estatística para resolver problemas; ser capaz de tomar
decisões fundamentadas e resolver conflitos, dentre muitas outras com-
petências necessárias para a prática de cidadania responsável. Portanto,
o processo de gestão escolar deve estar voltado para garantir que os
alunos aprendam sobre o seu mundo e sobre si mesmos em relação a
esse mundo, adquiram conhecimentos úteis e aprendam a trabalhar com
informações de complexidades gradativas e contraditórias da realidade
social, econômica, política e científica, como condição para o exercício
da cidadania responsável (LÜCK, 2000, p. 22).

A tensão entre a centralização da burocratização dos processos nas


mãos dos diretores, bem como a limitação de seu trabalho ao que significa
administrar a escola é um conceito antiquado. Assim, a descentralização de
suas ações passa primeiro pela compreensão de que todas as ações intraes-
colares são pedagógicas. A base dessa incompreensão e difusão encontra-
-se na distinção entre as principais tradições teóricas acerca do federalismo
e da forma como o Brasil morreu monarquista e nasceu republicano como
278 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

um Estado unitário, em que a definição dos papéis intergovernamentais foi


importante para a construção histórica de suas políticas públicas, com o viés
do mando e da obediência.
Sem retomar toda a historiografia aqui, recorrendo ao período de re-
democratização e situando a atual Constituição, houve uma reação ao cen-
tralismo autoritário, que era o pano de fundo do período militar, e seu final,
entre outras políticas sociais, foi dominado pelo discurso da descentraliza-
ção, traduzida principalmente como municipalização. Criou-se transferência
de poder e de recursos, especialmente a partir da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
(BRASIL, 1996), em seu artigo 15, a fim de agregar a escola à União e às
Unidades Federativas num processo descentralizado de unicidade e neces-
sariamente participativo, tendo a liderança do diretor o fator fundamental
que alinha esses processos.
As origens desse processo, naquele momento histórico, vincularam-se à
visão de que a municipalização teria uma potencialidade democratizadora e
aumentaria a eficiência na provisão dos serviços, por estar mais próxima aos
cidadãos. Junto a esses elementos, havia fontes mais específicas no campo
educacional, relacionadas ao histórico debate do municipalismo existente
na área e aos exemplos bem-sucedidos de alguns governos locais durante
a ditadura militar em produzir experiências inovadoras na educação a partir
da experiência do território.
Nossa República Federativa adota um tipo de Estado em que há tanto
um autogoverno (concentração) quanto um governo compartilhado (difusão).
Pode-se dizer que o caráter federativo de um Estado nacional se concentra
em um polo central de poder e, ao mesmo tempo, difunde-se pela autono-
mia dos seus membros, que possuem competências próprias. Além disso,
podemos afirmar que temos um processo federalista absolutamente distinto
do resto do planeta, em que os municípios se tornam mais uma esfera de
poder, ampliando sua relação com as Unidades da Federação.
Nosso país construiu ao longo da sua história suas constituições, sen-
do vigente a de 1988, que reafirmou em seu cerne o federalismo como a
possibilidade de uma discussão permanente sobre a estrutura política,
administrativa, econômica e, mais importante para nossa compreensão, a
questão educacional. Reitera-se que, nesse mesmo período, o país viveu
uma explosão no nascimento de novos municípios, o que conformou, de cer-
to ponto de vista, uma descentralização do poder, mas, ao mesmo tempo, a
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 279

diminuição da ação cooperativa e ordenada de suas Unidades Federativas,


favorecendo a ação operativa com resultados celerados.
Dessa forma, o novo marco legal proposto a partir da Constituição e
de suas revisões em emendas que se construíram nos últimos anos colocou
a descentralização econômica do país no centro das atenções, tendo em
vista que a nova perspectiva econômica mundial faz a defesa das parcerias
com a sociedade civil, com vistas a diminuir o tamanho do Estado e a rede-
finir a especificidade do papel da educação. Essa descentralização inicial
passou a ser apontada como saída para o impasse político-institucional do
Estado brasileiro, que foi considerado, naquele momento, poderosamente
centralizado, incapaz, cheio de vícios e ineficiente para atender as demandas
básicas da população.
Assim, o termo descentralização foi uma das questões mais polêmicas e
constantes nas últimas duas décadas, em que seu princípio era a adoção de
modelos econômicos propostos pelo mercado e voltados para a chamada
gerência da qualidade total, conforme políticas neoliberais adotadas pelas
agências internacionais. Entretanto, sobreviveu o modelo que propõe gra-
dativa autonomia financeira às escolas por meio do uso de verbas calculadas
a partir do número de matrículas efetivas.
Para a União, essa descentralização respondia a uma leitura de transfe-
rência de gerenciamento direto, o que significou, em parte, colocar o dinhei-
ro diretamente na escola, porém uma descentralização através dos estados
e municípios, com uma parcela que estes devem receber para pagar seu
consumo interno e, em alguns casos, programas de formação continuada.
Assim, verificou-se uma descentralização operativa e que conferiu à unidade
executora federal um monitoramento das ações, especialmente do ensino
básico.
Essa descentralização do ensino foi apresentada como solução imediata
dos problemas centralizadores e portadora de um conjunto de vantagens,
sendo um elemento que contribui para aumentar a participação nos proces-
sos decisórios da população em geral. Nesse sentido, o PDDE (Programa
Dinheiro Direto na Escola) é exatamente a política pública que democratiza
esse processo, elevando a participação local por meio de sua Unidade Exe-
cutora (UEx), observando as questões que queremos discutir neste texto:
inclusão e participação ampliada.
Quando analisamos a educação brasileira, observamos as diferenças inter
e intrarregionais, decorrentes da assimetria entre as condições econômicas
280 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

dos entes federados e entre a distribuição de competências previstas cons-


titucionalmente, resultando em diferentes e discrepantes condições qualita-
tivas e quantitativas em todos os níveis e indicando a necessidade de uma
reorganização estrutural no provimento da educação para a população.
Esse é o ponto central da discussão que se inicia, na qual se pretende
criar mecanismos e instrumentos para o(a) diretor(a) administrar os recursos
e os meios, o que demonstra o seu papel preponderante e fundamental na
condução e aproximação dos currículos locais às demandas nacionais. Isso
se justifica exatamente pela necessidade de oferecer educação, que pressu-
põe equidade de condições para todos, de maneira direta e efetiva por meio
da estrutura do sistema federativo.
No Brasil, avaliamos essa reestruturação como particularmente impor-
tante para as políticas públicas, uma vez que interferirá diretamente nas
temáticas da democracia, da equidade de acesso e de permanência na es-
cola. Porém, além de afirmar a legitimidade de ser diferente, ao se discutir
a garantia da educação se descentralizam os recursos públicos. Assim, a
federação disponibiliza recursos para as escolas, com propósito de redefinir
o importante papel da União de produzir diretrizes e normas nacionais.
Isso se soma à sua função redistributiva e supletiva, "de forma a garantir
a equalização das oportunidades educacionais e padrão mínimo de quali-
dade de ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios" (BRASIL, 1988, artigo 211, § 1º), o que hoje
se faz por meio do Fundeb.
Este mesmo artigo constitucional resume as possibilidades de um sis-
tema único integrado no país ao propor três coisas: 1) inicia-se com uma
divisão de competências mais descentralizadas na execução dos serviços,
dando um peso importante às escolas na adoção de garantias financeiras
para a sua realização junto a uma gestão democrática no plano local; 2) pas-
sando pela junção de elementos matizadores de uma descentralização; e
3) finalizando com a noção de regime de colaboração, cujo objetivo seria a
articulação dos entes federativos nas várias ações educacionais e diante da
existência de redes complexas.
Chegamos ao cerne da questão, pois é necessária a cooperação entre
os níveis de governo para evitar choques ou ações descoordenadas que se-
riam capazes de provocar uma piora na qualidade da participação, e, assim,
será a escola o espaço de equalização das ações e oportunidades. E foi o
que se verificou ao longo do processo de financiamento público nas últimas
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 281

décadas. Nesse ponto, a escola é nossa hipótese para a criação de sistemas


equânimes, colaborativos e regulados pela sociedade civil, de acordo com as
prerrogativas constitucionais, além de tornar os regimes mais participativos
e, portanto, com uma maior tendência democrática, ao agregar conselhos,
fóruns, entidades e organizações sociais de maneira permanente.
Esse regime de colaboração na educação básica exigiria fundamental-
mente três pontos iniciais, a serem complementados: a institucionalização
de fóruns de negociação federativa; uma melhor definição com medidas
que definissem a função coordenadora em nível estadual; o fortalecimento
da cooperação e participação no interior de cada escola. Sobre este último
ponto, ele trata especificamente da escola, de sua necessidade de manuten-
ção predial e consequente análise de seu desenvolvimento pedagógico a
partir do PPP (Projeto Político-Pedagógico), dos dados acerca do desempe-
nho dos estudantes, bem como de seu acesso e permanência.

Diagnóstico dos problemas de infraestruturas física e pedagógica


com foco nas metas do Projeto Político-Pedagógico (PPP)
Cabe ao diretor ter todo um olhar curioso sobre a estrutura física e
pedagógica da escola, observar cada espaço, o cotidiano, os objetos, as
necessidades, refletir como cada cantinho do espaço escolar precisa de suas
mãos e que estas necessitam se unir a outras para conseguir realizar obje-
tivos conjuntos, delineados no PPP da escola, com o desafio de propor um
espaço com tempos que permitam que a aprendizagem seja o foco central
de desenvolvimento escolar.
O diretor, por mais que tenha o desejo de observar todos os problemas
da escola, não consegue estar em todos os espaços para conseguir diag-
nosticar as prioridades e executar, por etapas, as ações que a escola precisa
realizar. Por isso, ele precisará criar mecanismos que permitam dialogar com
sua comunidade as prioridades que cercam o ambiente escolar. Quanto
mais amplo e coletivo esse olhar puder ser, mais informações o diretor pode
coletar do cotidiano – e de forma mais abrangente – para a execução orça-
mentária adequada.
Em primeiro lugar, ele deve ter todos os diagnósticos dos problemas
que se relacionam à segurança da comunidade escolar no uso diário do pré-
dio. Nos corredores, salas de aula, paredes, brinquedos, mobília, cozinha e
282 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

espaços comuns, ele deve dirigir seu olhar à segurança de cada criança ou
adulto que tende a ficar nesses espaços por um longo tempo de seus dias.
Na sequência, vencidos os problemas que poderiam criar insegurança
nos ambientes, esses olhares precisam se debruçar sobre o PPP da escola
e as necessidades diárias que envolvem todo o processo pedagógico, seja
na adequação de ambientes, seja na aquisição de material adequado para o
melhor desenvolvimento das diversas aprendizagens. Nesse sentido, a ação
deve sempre priorizar o uso coletivo dos ambientes, dos espaços, dos mate-
riais adquiridos com o dinheiro público.
Superada essa etapa, o olhar do diretor precisa envolver a presença
constante de todos que transitam dentro do ambiente escolar. Localizar
problemas estruturais ou para o desenvolvimento de ações que podem ser
custeadas com dinheiro público, para que a aprendizagem fique sempre
como o centro do processo de ensino, exige, assim, a participação colegia-
da, inclusiva.
O PPP representa, com o corpo docente e a comunidade, a concretização
de elementos que ampliam a busca por uma educação de qualidade como
plano de ação visando acesso aos caminhos que a escola intencionalmente
pretende desenvolver. O PPP traz movimentos e ações intencionalmente
pensados que mantêm a cultura local, o território e a multiplicidade como
partes constitutivas da estrutura escolar.
Com isso, nasce a primeira conquista da gestão democrática que o PPP
representa em prol de uma educação, que antes era apenas massificada e
agora passa para formas de trabalho alinhadas a novas concepções rela-
cionais do corpo docente e discente. Tendo como prioridade a junção e
ação de todos que estão na escola, o PPP traduz processos que elevam os
objetivos de uma educação democrática que inclua aqueles que, permanen-
temente, querem, podem e devem participar.
Quando pensamos em qualidade, precisamos compreendê-la como fato
que envolve uma escola acolhedora, que desempenha uma função social,
onde são ampliados os espaços de empatia, com cuidados para que todos
se sintam parte dali, tendo segurança de poder falar e ser ouvido e ao mes-
mo tempo sabendo que a escuta é um bem pelo qual todos zelam. Será por
meio desses itens que a qualidade local poderá ser analisada, de manei-
ra que os gestores da instituição devem sempre ampliar o convívio social,
com o maior número possível de encontros entre as mais diversas formas
de pensar a escola, e a gestão financeira é parte desse processo, quando se
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 283

definem as prioridades da escola e se observa, naquele momento, o jogo de


forças que se movimentam.
Na gestão democrática, essa responsabilidade está associada a deci-
sões partilhadas, condição necessária para a formação e ação dos sujeitos
que integram o PPP e a APM (Associação de Pais e Mestres), em que todos
podem participar das decisões dos objetivos e problemas institucionais. A
construção do PPP é tarefa da escola, porém, a escola não é isolada dos pen-
samentos que transitam na sociedade e que jogarão forças nesse momento
de decisão de prioridades de gastos financeiros na escola. Isso garante as
condições necessárias para a construção, implementação e avaliação do
processo pedagógico, e a responsabilidade por esse processo precisa ser
compartilhada com todas as instâncias constituídas na escola, de maneira
transparente, principalmente o uso do dinheiro público em ações investidas
no sistema de ensino e de aprendizagem.
Para ocorrer transformações dentro da escola, antes de tudo, precisa-
-se entender a gestão financeira de maneira democrática, com objetivo de
integrar problemas vividos no ambiente escolar, com a união do máximo de
olhares possíveis na busca de solucionar as questões. A maneira mais fácil
de organizar essa estratégia para trazer à tona o conhecimento de quais
são as prioridades, para a gestão financeira, é com a mobilização da escola.
Pois será a partir daí que o diretor poderá enxergar as necessidades que a
comunidade escolar mais precisa e, em seguida, visar e montar estratégias,
mobilizando o máximo possível de atores, criando ondas de participação
contínuas.
As dimensões do PPP podem girar em torno da participação de todos,
de bons materiais pedagógicos, boa estrutura física etc., com capacidade de
mobilizar a comunidade escolar. Sua elaboração deve promover discussões
que possibilitem: diagnóstico e implementação do PPP. A busca por propos-
tas e ações coletivas, com reavaliação constante, com vistas a estabelecer
relações entre o projetado e o realizado e as mudanças para o próximo exer-
cício, neste caso, de gestão financeira.
Entretanto, mobilizar ações dentro da escola implica conjugar multipli-
cidades em torno de um objetivo comum. Existe a tarefa de buscar concor-
dâncias e negociações entre educadores, num trabalho que parte de estra-
tégias e mobilizações da equipe gestora para uma ação coletiva – devem
estar presentes os professores, grêmios, APMS e Conselho Escolar –, e a
responsabilidade e colaboração na organização da escola são de todos. É
284 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

dessa maneira que objetivos comuns surgem, e cada instituição, de acordo


com sua cultura local, definirá caminhos em prol de uma mobilização entre
comunidade e escola para a gestão financeira.
A autonomia e a possibilidade de participação dos colegiados, atribuí-
dos pela LDB (BRASIL, 1996), tornam possível a perspectiva de a escola ter
seu projeto, sua identidade, algo singular, que deve ser descrito no PPP de
maneira particular para cada situação importante para a comunidade escolar.
A gestão de recursos nas escolas é fundamental para a implementação
do PPP e para seus desdobramentos em ações importantes. A instituição
escolar deve administrar reparos, consertos, aquisição de bens e de itens
de consumo para si. O uso de verbas advindas do programa PDDE permite
a melhoria da infraestrutura sem perder de foco o PPP, colabora com a con-
tinuidade do trabalho pedagógico com recursos financeiros públicos sendo
utilizados em conformidade com metas e estratégias definidas. Deve aten-
der as solicitações dos colegiados escolares, sempre priorizando a estrutura
física e pedagógica, e não utilizar recursos financeiros para atender pedidos
individuais ou de algumas pessoas centralizadoras. A decisão final deve ser
coletiva, com aval da própria comunidade escolar.
A meta é promover objetivos comuns e coletivos, bem como envolver
aqueles que sempre são coadjuvantes, como: estudantes, seus familiares e
a comunidade de entorno. São grupos de sujeitos que precisam participar,
saindo da condição de excluídos. O gestor terá um papel preponderante em
gerir a integração da comunidade, pois se firmam nela os objetivos de diver-
sificar a cultura escolar. Para manter o processo com qualidade, atendendo
a LDB (BRASIL, 1996), ao gestor caberá intensificar a elaboração do PPP com
participação e autonomia do PPP, já que no artigo 12 da LDB consta que
"os estabelecimentos de ensino, respeitando as normas comuns e ao seu
sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta
pedagógica" (BRASIL, 1996).
Importante notar que esse esforço de articulação requer estudos, re-
flexões e práticas concretas que dialoguem com outros temas e possibili-
tem desdobramentos, como interdisciplinaridade, pedagogia de projetos e
autonomia intelectual dos estudantes, com foco na formação social. Cada
escola é resultado de um processo de desenvolvimento de suas próprias
contradições, não existindo duas escolas iguais. Nessa definição, as esco-
las vêm, aos poucos, aprimorando e desenvolvendo seus PPP conforme a
demanda que a instituição exige e necessita, e cada qual tem suas metas,
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 285

objetivos e necessidades, de acordo com o envolvimento da comunidade e


com a intencionalidade pedagógica ali desenvolvida.
Partindo do pressuposto de que elaboramos, na contemporaneidade,
um conceito complexo de educação de qualidade, pois ele tem de ser cons-
truído por todos aqueles que estão envolvidos diretamente com a escola
e pela comunidade onde está inserida, o PPP precisa manter organizações
coerentes, com planos de ação para o currículo escolar que visem toda a
estrutura de uma escola que incorpore a gestão democrática.
Entre os deveres e obrigações presentes nas unidades escolares, desta-
cam-se as necessidades de alfabetizar os estudantes até o final do primeiro
ciclo do Ensino Fundamental, superar o déficit de aprendizagem apresen-
tado por muitos estudantes, suprir a formação com lacunas de um conjunto
de professores e definir estratégias de ensino que possam interferir nessa
realidade e promover a aprendizagem de todos.
Dentro do PPP, fazem-se levantamentos financeiros, priorizando o de-
senvolvimento da criança num local seguro. Com base nos pontos que as
escolas precisam melhorar, faz-se o levantamento das ferramentas e mate-
riais didáticos ligados ao aprendizado. Assim temos, por exemplo, um local
adequado para integrar os estudantes a atividades com leituras, e nesse
ponto a organização das verbas públicas pode, no longo prazo, auxiliar a
gestão desses processos.
Com esse levantamento observado no PPP, promovemos, em seu campo
de ação, uma gestão financeira situada, que prioriza e mantém essas abertu-
ras na prática, adequando os registros e contendo resultados. Gadotti (2000,
p. 67), ao discutir o PPP, também aponta como princípio central para a gestão
democrática da escola: autonomia e participação. Segundo o autor, esses
princípios garantem que o PPP não se torne apenas carta de intenções, ou
princípios expostos no papel, mas a força de uma ação publicada num plano
orientado por metas, com compromissos para todos os envolvidos e estraté-
gias fidedignas ao que acontece no cotidiano, fincadas no chão da escola. A
gestão democrática da escola é, portanto, uma exigência do seu PPP.
É devido a isso que as escolas, em suas finalidades de educação, preci-
sam se revestir de propostas e ações concretas, fazendo-se necessário que
os profissionais tenham uma base sólida para desenvolverem seu trabalho.
Nesse sentido, a forma como o diretor proporá ações não é apenas uma
maneira de construir a participação na escola, mas, em serviço, forjar uma
equipe que permita que as construções coletivas aconteçam e coloquem
286 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

todo esse procedimento em função do PPP nos seus objetivos, rompendo


e criando desafios. É um processo complexo, mas que passa pela busca de
incrementos nas metas e objetivos dos sistemas públicos, mantendo as es-
colas como órgãos descentralizados no uso de verbas.
Essa proposta elaborada na condução do PPP, o compromisso assu-
mido, apesar de distinto em termos de prioridade e foco, evidencia-se na
definição de uma forma de gestão numa esfera de funcionamento, antes
centralizadora, agora participativa. Esta se define num desejo de tornar real
a melhoria de uma educação com qualidade. De acordo com Vasconcellos
(2006), é necessário considerar o PPP como:

Um instrumento teórico-metodológico que visa enfrentar e ajudar os


desafios cotidianos da escola, só que de uma forma refletida, consciente,
sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma me-
todologia de trabalho que possibilita ressignificar a ação de todos os
agentes da instituição (VASCONCELLOS, 2006, p. 34).

Essa consideração em prol de um PPP participativo mantém o compro-


misso de estabelecer laços de confiança e ações democráticas, mantendo
todos os agentes da instituição num trabalho conjunto, em busca de unifi-
cação de saberes, em que o conflito é parte construtiva a essa construção.
Assim, mantêm-se como missão a ampliação e a variedade de olhares sobre
o uso de verbas públicas em ações necessárias à atualidade totalmente re-
publicana, com integração dos processos pedagógicos, tendo preocupação
com as tecnologias da informação e comunicação.
Ao abrirmos espaços nas esferas administrativa e pedagógica para
uma gestão participativa, estamos contribuindo para a formação do sujei-
to crítico, reflexivo, criativo, pensante e atuante, seja o professor, sejam os
estudantes, pois não é apenas o espaço da sala de aula que forma: nossas
ações cotidianas, ambientadas nas variadas formas de participação, também
formam. Assim, se ouço os problemas trazidos pela comunidade escolar, en-
frentados por meus estudantes, estes se sentem partícipes do ambiente e
com isso sentem que o espaço lhes acolhe, e a reciprocidade acontece. O
gestor escolar, como figura central nesse processo, precisa ser observado,
pois é ele quem define, planeja, organiza, coordena, avalia e integra todas as
atividades desenvolvidas no âmbito escolar.
Ao abranger o plano de ação constituído pelo PPP dentro de uma
ação planejada pelo professor, a escola torna-se um espaço de vivência e
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 287

convivências entre todos os sujeitos que estão ali inseridos. Esse ambien-
te, por encarar a multiplicidade das diferenças e dos conflitos em todas as
gerações, capacita e promove princípios de solidariedade, cooperação, sa-
tisfação com a escola, comprometimento e participação. Com eles, temos
os elementos para encarar o problema de frente em prol de uma estrutura
com qualidade na gestão escolar, da mesma forma que a LDB (BRASIL, 1996)
contempla a formação continuada e permanente nesse sentido, com o cor-
po docente vinculado à comunidade participativa como forma de contribuir
para a aprendizagem e visando a promoção de uma cultura local, fortale-
cendo os processos participativos da escola, que podem se espraiar para o
território.
Podem até surgir novas formas de diálogo do prédio escolar com o ter-
ritório, novas formas de uso da infraestrutura predial escolar como parte da
paisagem local, novas formas de desenvolver o cuidado com o bem público,
integrando, diretamente, os bens que sejam internos ou externos, com um
uso contínuo, dialogado, que também pode ser cuidadoso pela comuni-
dade. Observamos que essa integração amplia as estruturas de lazer, de
formas de brincar e de unir as famílias num espaço público que está na sua
região, ampliando a política do cuidado.
Estamos tratando de um PPP que precisa contemplar estruturas que
criem pessoas as quais aprendam a cooperar, ampliando as mãos e braços
da gestão escolar. Os indicadores para alavancar a dimensão das institui-
ções devem ter como foco a avaliação, a prática pedagógica, o acesso, a
permanência num ambiente educativo com sucesso na aprendizagem e com
formação continuada para os profissionais da educação. Com essas dimen-
sões apontadas, a gestão escolar pode analisar, perceber os problemas e
os desafios que as instituições precisam encarar, passando a ter prioridades
para a solução.
Esses desafios, em que o PPP encara os problemas e estabelece ações
funcionais, contemplam a junção entre a prática e a teoria. Dessa maneira,
o PPP não fica esquecido numa gaveta, perdido num armário, nem é um
documento com letras mortas; ao contrário, ele é presente, ativo e precisa
ser visto como um guia e um instrumento poderoso que deve ser vivenciado
pelos diretores, discutido pela comunidade num processo permanente e
continuado. É dessa forma que o corpo docente participa da gestão escolar
para estabelecer espaços democráticos na melhoria do sistema e do uso dos
recursos públicos.
288 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Por meio dessa construção democrática, evolui-se, juntamente à LDB


(BRASIL, 1996), para que a escola garanta a participação das pessoas na dis-
cussão sobre o dinheiro público, sua transparência e seu uso racional. No
entender de Ferreira (2000, p. 69), "a gestão da educação assume, mais do
que nunca, o papel fundamental na condução da educação e do ensino". É
nesse contexto que devemos ter uma união entre todos os cooperadores
formados e não formados dentro do sistema educacional, visando o cresci-
mento da educação, permitindo e estimulando o diálogo franco e aberto na
tentativa de um consenso mais próximo das decisões do grupo.
Definindo a participação a partir do PPP, firmamos por sua vez o diálogo,
a ação coletiva, a identidade e a autonomia como presentes no cotidiano das
instituições. Assim, contemplamos os pilares que colaboram para essa ação
democrática, com deveres éticos como princípios basilares, e encontramos
soluções dentro da realidade. Por meio da ação democrática, podemos lidar
com as diferenças de todos aqueles que cooperam no processo e também
daqueles que apenas transitam nas instituições.
O PPP pode se transformar, verdadeiramente, na ferramenta que promo-
ve a organização e a participação da comunidade escolar, trabalhando como
aliado da APM (Associação de Pais e Mestres). Essa gestão conjunta ajuda
com a garantia de qualidade no ensino e aprendizagem.
Ao contemplar a junção do PPP e da APM, a direção da escola exerce e
garante a ação realizada na prática, agindo democraticamente. Isso porque
integra e contempla pessoas divergentes na busca de consensos, encaran-
do os problemas cotidianos na busca de resultados coletivos, gerando um
alicerce funcional. Por sua vez, esses problemas desafiam um sistema falho e
ainda doente, aquele que, por ser centrado em poucas mãos, não consegue
olhar o todo, não depreende os saberes e olhares alheios e contrários. Nossa
busca, ao contrário disso, garante novas perspectivas em prol de uma ges-
tão financeira transparente, para atingir os principais objetivos da educação.
Com isso, a democracia escolar vem vivenciando grandes lutas para en-
frentar os problemas e desafios da educação brasileira, que não são peque-
nos, e em momentos como a pandemia, ou de crises gerais, tornam-se ainda
mais frágeis, dificultando vivermos em uma sociedade mais justa e equâni-
me. Assim, uma ação focada, integrada ao território em que se situa a escola,
com deliberações coletivas, garante que os recursos públicos cheguem mais
diretamente na ação sobre os problemas mais urgentes e imediatos.
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 289

Ao contemplar a utilização do recurso público e otimizá-lo, o diretor ob-


tém resultado efetivo para suprimir demandas simples, bem como sua ação
relacional na escola ganha amplitude demonstrada pela sua capacidade de
agregar todos os segmentos nas discussões, com realização de reparos e
conservação de suas dependências físicas, de seus móveis, equipamentos
e material didático. As participações na construção do PPP, na definição de
prioridades, não só ampliam a ação nos espaços e tempos escolares, mas
também intervêm de maneira a favorecer sempre a aprendizagem, manten-
do o ambiente confortável e reconhecível pela comunidade. Essa junção de
múltiplas ações a muitas mãos revela deveres éticos de cuidar do lugar onde
o educando passa a maior parte do tempo. Da mesma forma, amplia uma vi-
são mais crítica em relação aos cuidados necessários com o lugar de ensino
e aprendizagem.

Transparência e ética no uso do dinheiro público com as devidas


prestações de contas
Existem dois princípios fundamentais no processo que envolve o uso do
dinheiro público: descentralização e transparência. Por isso, ações profícuas
que envolvem formação continuada, reuniões com a comunidade escolar,
Conselhos Escolares, UEx e/ou APM etc. devem ser fomentadas. Há neces-
sidade de se criarem instrumentos que fortaleçam a gestão pública com
metas claras, com incentivos para que todos participem das prioridades que
a escola apresente.
Subindo a ordem cooperativa de ações hierarquizadas e contínuas, ha-
veria um fortalecimento da coordenação educacional no plano estadual com
maior engajamento dos resultados dentro da unidade federativa, sem per-
der o caminho de unicidade e concretude de ações ajustadas pelo Ministé-
rio da Educação (MEC) em todos os níveis educacionais e mesmo no trato do
ensino público com a mesma relevância que se dá hoje ao privado. Isso de
uma maneira associativa, sem discriminar quaisquer dos lados, privilegiando
a equalização de acesso, permanência e, aqui vai o ponto novo: a qualidade
com equidade de oportunidades.
Esse encadeamento envolveria a ampliação dos fóruns federativos exis-
tentes, como o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e a
Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), e criação
de espaços de negociação de medidas de cunho federativo, similares às
290 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

comissões bipartites e tripartites existentes no campo da saúde pública.


Agregado a isso teríamos o Plano Nacional de Educação, não só para cons-
tituir consensos e dissensos sobre objetivos gerais, mas principalmente para
fixar instrumentos e metas de gestão educacional, com a definição de como
isso funcionará na engrenagem federativa brasileira. Esse seria um passo
decisivo para ter uma coalizão diagnóstica e ativa na educação, visando dar
suporte a um sistema nacional de políticas públicas no horizonte do Sistema
Único de Educação.
Na gestão democrática, administrar a educação é uma tarefa coletiva
entre todos os envolvidos na comunidade escolar, levando-se em considera-
ção a opinião e a cultura da comunidade em que a instituição está inserida,
o que é uma premissa numa nova sociedade do conhecimento, que busca
uma nova concepção de educação de qualidade para todos, educação esta
que deve ser significativa para o ser humano e que definirá a verdadeira
finalidade da escola.
Como uma das formas de chegar a esse objetivo, os conselhos escolares
deliberativos, que defendiam a participação de pais e estudantes, surgem
na década de 1980 como canal de comunicação entre comunidade escolar
e poder público, de forma que a primeira passasse de mera espectadora à
participante ativa das decisões em relação à escola.
A gestão democrática busca a descentralização do poder e das decisões
e estimula a participação principalmente de pais e estudantes em todos os
segmentos da escola, garantindo e permitindo relações mais democráticas
em seu interior. Visa também a democratização do acesso e elaboração de
estratégias que garantam a permanência na escola, tendo como horizonte a
universalização do ensino para toda a população, bem como o debate sobre
a qualidade social dessa educação (PADILHA, 2004).
De forma prática, encontramos diferentes vivências dessa proposta,
como a introdução até mesmo de modelos de administração empresariais,
ou processos que respeitam a especificidade da educação enquanto política
social, buscando a transformação da sociedade e da escola, por meio da
participação e construção da autonomia e da cidadania. Falar em gestão
democrática remete-nos, portanto, quase imediatamente, a pensar em au-
tonomia e participação de todos os envolvidos no processo educacional.
A escola é o primeiro espaço social vivenciado por crianças e adolescen-
tes, por isso precisam experienciar situações inclusivas. Será a escola o local
em que estudantes ouvirão múltiplas vozes e perceberão grandes diferenças
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 291

entre os sujeitos em seus espaços. Esse é um momento de aprendizado,


de construção da identidade e de presenciar conflitos de ideais, por isso
é importante a utilização de ferramentas e instrumentos que favoreçam o
diálogo democrático.
Partindo desse pressuposto e da clara necessidade de uma reforma no
sistema educacional vigente, a gestão democrática tem recebido destaque
por englobar questões e conceitos há muito tempo discutidos. Os constan-
tes estudos sobre os diversos tipos de gestão destacam a democrática como
a concretização da educação "para" e "com" todos os envolvidos: pais, es-
tudantes, professores e funcionários das instituições (PADILHA, 2004, p. 33).
Para tal, as instituições devem contar com os recursos públicos gerencia-
dos, a fim de suprir as necessidades de cada comunidade escolar, que atuará
conforme o regimento de cada escola, assistida por comissões, conselhos
escolares, além de outras formas colegiadas que podem ser criadas, mas
sempre passando por assembleias públicas para, assim, garantir a transpa-
rência na busca pela fiel representação de seus interessados e dos interesses
que cada um defende.
Os conselhos e assembleias escolares devem ter funções deliberativas,
consultivas e fiscalizadoras, de modo que possam dirigir e avaliar todo o pro-
cesso de gestão escolar, e não apenas funcionar como instância de consulta.
Esses órgãos devem ser compreendidos como ferramentas de intervenção
constante nas definições e nas decisões das políticas públicas, uma prática
social efetiva que fomente uma nova cultura de cidadania. Com essas ferra-
mentas, a população faz-se ouvir, participa, planeja e decide o que reivindica
com consciência cidadã, bem como fiscaliza e controla a sua execução, e o
diretor amplia sua capacidade de exercer sua profissão.
Em suma, após uma história marcada por diversas reformas nos diferen-
tes níveis de ensino, é preciso construir um federalismo educacional mais
equilibrado, que seja descentralizado na ação final na escola, mas que esta
possua e se paute em seus padrões de qualidade e em outros padrões na-
cionais, combatendo as disparidades regionais e entre municípios e tendo
como norte principal a busca de um regime efetivo de colaboração, como
apregoa a legislação vigente. As políticas públicas podem potencialmente
ter caráter agregador (descentralizado nas mãos de mais sujeitos) ou centra-
lizador (com a finalidade de um controle mais preciso).
O Sistema Nacional de Educação se aproximaria de uma formulação
unívoca e unitributária, cujo paradigma mais próximo é o Sistema Único de
292 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Saúde (SUS). Nesse caso, ainda que cabível, a analogia vai até um determi-
nado limite. No caso do SUS, o atendimento pode ser organizado em função
da gravidade e natureza da enfermidade, podendo o enfermo ser atendido
por instituições de variada dependência administrativa, e no campo edu-
cacional as formas de cooperação se cumpririam por meio de organismos
interdependentes em sua ação de integrar as dificuldades locais às percep-
ções regionais de associação, posto que o problema educacional não fosse
de esfera única de poder, mas inteiramente dividido entre todos os entes
que constituem a federação, calcados na unicidade curricular e avaliativa.
Identificada a ação, localizamos algumas discussões que propõem for-
mas de tentar equacionar a questão, iniciando por compor não um fundo
nacional com complementos sistêmicos, como o antigo Fundef ou o atual
Fundeb, mas um regime de arrecadação unitário em que se busca aperfei-
çoar o arranjo existente, ao mesmo tempo que se implantam mecanismos
de financiamento que busquem alinhar oferta de serviços a recebimento de
recursos.
Seriam ajustes nesses mecanismos de transferências constitucionais de
impostos, utilizando-se a parcela da União da receita tributária para reduzir
as disparidades regionais. Repetindo, apenas se inicia com o uso dos fundos
educacionais, mas com avanços significativos, em que é possível utilizar o
poder normativo já estabelecido para a esfera federal a fim de interferir na
gestão dos sistemas. Isso ocorre por meio de diretrizes mais centralizadoras,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ou a atual Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), com generalização de sistemas de avaliação.
São medidas que, por meio de repasses de recursos mediante transfe-
rências diretas e voluntárias a partir do Governo Federal, diminuindo a inter-
ferência de estados e municípios, ampliariam os repasses diretos às escolas,
aumentando, portanto, o poder local. São ações implantadas pela União que
atingiriam escolas e redes diretamente, sem os inconvenientes repasses vin-
culados aos poderes públicos, garantindo uma distribuição de recursos mais
equânime a partir das diferenças regionais e estruturais do Brasil.
Trata-se de utilizar o significativo poder indutor dessa medida para
implantar políticas, princípios de gestão participativa que definitivamente
precisam retirar as indicações políticas dos cargos gestores das escolas,
dotando cada unidade, ou conjunto de unidades escolares, de gestões in-
dependentes, ao mesmo tempo interdependentes, visto que as metas são
gerais e observadas pelos mecanismos que geram cobrança por meio de
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 293

práticas de seu interesse. Não se pode negar que o objetivo pode ser mais
facilmente alcançado, particularmente nas redes menores, em que mesmo
montantes muito pequenos de recursos podem impactar.
Da mesma forma que a União formula proposições claras e induz ou-
tros entes federados, em regiões metropolitanas as parcerias acabam en-
volvendo, além do governo estadual, as prefeituras. Esses tipos de relação
de poder propiciados pela União, por exemplo, possibilita o surgimento de
mecanismos como consórcios (públicos e privados). Assim, da mesma for-
ma, fortalecem associações estaduais e municipais. Por vezes, agregam-se
metas e ações e desagregam-se mecanismos centrais de institucionalização,
resultando em enfraquecimento do Sistema Único de Educação.
É fundamental simplificar as estruturas burocráticas, descentralizar os
processos de decisão e de execução, fortalecer as escolas, articular os di-
ferentes níveis de ensino, os sistemas municipais e estaduais, integrando a
educação formal e não formal, articulando a educação escolar com as ações
educativas produzidas no interior dos movimentos sociais e populares,
valorizando também os processos de avaliação institucional e continuada
discente e docente.
Pode-se objetar o processo aqui indicado, inicialmente culpando o
tamanho do país, suas diferenças regionais, as relações de poder postas,
as várias formas de definir um diretor de escola pelo país, a formação dos
profissionais da educação, porém, não vemos a mesma resistência quando
temos programas que centralizam para descentralizar, de maneira muito
participativa, como acontece em programas como o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD), os que injetam dinheiro direto nas escolas, como
PDDE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), para citar alguns
entre vários com absoluto sucesso.
Assim, o que se propõe é uma ampliação na base do que é viável por
meio de uma educação democrática e participativa, em que a quase totali-
dade de ações adquire a dinâmica agregação-desagregação sem descuidar
dos itens fundamentais do processo educativo, que passam por uma comu-
nidade participativa e ativa, boa formação aos profissionais da educação, em
especial os professores.
Da mesma forma que a dinâmica agregação-desagregação atuou com
sucesso na área da saúde, ainda que com limites, erradicando doenças en-
dêmicas no Brasil, intervimos com processos educacionais que, com com-
prometimento mútuo, no devido tempo, com metas bem definidas, marcos
294 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

legais e tributários explícitos, possam com coragem e competência guiar


o país, reconduzindo seus pilares educacionais a outros patamares, agindo
fortemente contra os problemas advindos das dificuldades de aprendiza-
gem e de inclusão social.
Para isso, faz-se necessário universalizar e implementar mecanismos
democráticos, legítimos e transparentes de avaliação interna e externa.
Os princípios de democracia e qualidade social da educação expressos no
Plano Nacional de Educação (PNE) promulgam a implantação sistêmica des-
ses mecanismos democráticos pelos diretores escolares, a fim de facilitar a
função da direção escolar e a leitura referente aos problemas estruturais de
cada escola. A ideia é que os diretores possam explicitar dinâmicas de ação,
pesquisas, trabalhos analíticos, marcos legais e científicos a partir de suas
ações, valorizando-as como o artífice fundamental.

Planejamento anual do PDDE Interativo (Programa Dinheiro Direto


na Escola)
Planejar o uso de verbas requer pensar cada projeto da escola e priorizar
as ações, em especial aquelas que naquele momento favorecem as apren-
dizagens. Dentro daquilo que estamos discutindo, a autonomia do grupo
e sua parceria para a tomada coletiva de decisões podem ser um processo
para democratizarmos a prática pedagógica, permitindo a participação de
toda a comunidade escolar.
Sua participação colegiada a partir do Conselho Escolar, da UEx, da APM
nos âmbitos pedagógico, administrativo e financeiro, de caráter consultivo,
deliberativo e normativo, integra a ação democrática, essa prática que, ao
dinamizar os diversos segmentos que compõem a comunidade escolar, num
projeto totalizador e solidário, contribui com o seu papel de força auxiliar
na transformação do papel social da escola e também daqueles que das
decisões são parte.
Diante desses fatos, a gestão escolar, evidenciada por meio da LDB
(BRASIL, 1996), proporciona flexibilidade às ações assim estabelecidas, ga-
rantindo movimentos de autonomia frente aos interesses e às necessidades
advindas do cotidiano escolar. A gestão é entendida também como uma
grande evolução do ato de administrar, buscando o trabalho coletivo e abo-
lindo o trabalho individual.
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 295

A autonomia financeira se dará por meio de repasse às escolas de re-


cursos para despesas de manutenção e cumprimento de sua proposta
pedagógica. O foco, portanto, não são as grandes despesas, que devem
ser realizadas pelo regime normal e de preferência pelos departamentos
de suprimentos e licitações das prefeituras e dos governos estaduais, mas a
manutenção das atividades presentes e futuras.
São os pequenos gastos, como materiais didáticos, pedagógicos, des-
pesas administrativas, de higiene e limpeza e de conservação do prédio,
do mobiliário e dos equipamentos existentes, entre outros, para os quais o
PDDE acaba se tornando um verdadeiro parceiro, que devem ser atendidos
por recursos repassados à escola, que lá se encontram à disposição do dire-
tor para garantir o bom funcionamento da unidade escolar e o atendimento
das necessidades de caráter pedagógico.
Nesse sentido, repensar o contexto educacional a partir de uma ação
financeira planejada pode construir, gradualmente, a autonomia da escola
frente às necessidades impostas pela comunidade escolar ou local. Com
isso, o ambiente escolar passa a ser visto como espaço de construção so-
cial, na medida em que os colegiados também participam da gestão dos
recursos financeiros, decidindo sobre as prioridades da escola, valorizando
e corresponsabilizando a todos, dos gestores aos demais profissionais, bem
como a comunidade local.
A autonomia da escola não é apenas dos professores, ou dos pais, muito
menos só dos gestores. A autonomia, nesse caso, é partilhada e parte de um
resultado decorrente de um equilíbrio de forças entre diferentes detentores
de influência (externa ou interna) numa determinada escola, dos quais se
destacam: o governo, os seus representantes, os professores, os estudantes,
os pais e outros membros da sociedade local (BARROSO, 1996, p. 16-17).
É preciso ressaltar a importância do envolvimento de todos os atores da
escola – gestores, professores, estudantes, pais, demais funcionários e re-
presentantes da comunidade local –, pois não se pode esperar que apenas
os segmentos escolares tenham consciência da importância da participação.
É necessário que o diretor crie condições e mecanismos que favoreçam a
gestão participativa. Nesse sentido, a autonomia é baseada em algumas
questões:
a) administrativa – aquela que possibilita tomada de decisões por meio
da elaboração de planos, programas e projetos, conforme temos de-
fendido, por pessoas que conhecem a realidade da escola, em especial
296 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

partindo do Conselho Escolar e chegando ao PPP, contribuindo para que


a comunidade escolar participe, de forma democrática, nas tomadas de
decisões;
b) financeira – a escola deve adequar os recursos financeiros para a efetiva-
ção dos seus planos e projetos, buscando caminhos para uma conquista
gradualmente total, como indica a LDB (BRASIL, 1996), e nesse processo
a escola pode assumir, com o tempo, a responsabilidade de administrar
todos os recursos a ela repassados pelo poder público;
c) jurídica – a instituição de ensino pode elaborar suas normas escolares
baseadas na legislação educacional, possibilitando que seu funciona-
mento faça parte de um regime elaborado pelos segmentos envolvidos
na escola, e nesse sentido princípios de convivência podem ser criados,
porque se nascidos assim (e não de um regimento que pertence a todas
as instituições escolares) podem ser repensados pelos próprios estudan-
tes como parte integrante de sua formação participativa; e
d) pedagógica – define o desenvolvimento e a avaliação do PPP, bem como
outros indicadores, tendo como condição necessária o ensino e a pes-
quisa. É nessa dimensão que encontramos a identidade e função social
da escola. Por meio dela a escola pode definir em um processo inten-
cional suas atividades pedagógico-curriculares (DOURADO et al., 2006).
Quando a autonomia é vista como uma forma de inserir a comunidade
no processo decisório da escola, a gestão democrática passa a ser uma prá-
tica presente na escola, que procura deixar de lado as práticas autoritárias
que estão em vigor na sociedade, assumindo uma postura de participação
e emancipação. Assim, o planejamento que parte de decisões partilhadas
pela escola pode levar a graduais níveis de autonomia na busca de aumentar
a qualidade do atendimento e, também, promover um ensino de qualidade.
Olhar o planejamento requer compreender o que é urgente, pois não
dá para esperar que as urgências pereçam e se transformem num problema
emergencial. Portanto, é um procedimento que lista coletivamente e discute
as ações que precisam ser resolvidas com urgência num determinado prazo,
atacando os problemas para que não se tornem emergências. Ao mesmo
tempo, também separamos aquilo que é importante do que é prioritário,
em que o que é importante não pode ter maior relevância que as priorida-
des que precisamos resolver. Esses são movimentos necessários para que
a escola compreenda como encaminhar o uso do dinheiro público a cada
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 297

repasse, olhando a sequência: prioridades e urgências, importâncias e emer-


gências, para agir em conformidade.
Ao longo do ano, observados os momentos em que a comunidade pre-
cisa se reunir para a tomada de decisões, assim como trazer à tona o seu
olhar sobre os problemas, com vistas ao uso das verbas públicas, nesse caso
do PDDE, entende-se que os educadores e familiares criam condições de
discutir as continuidades necessárias para o melhor funcionamento da esco-
la. Ao longo do processo, da aquisição de bens ou de custeio, o diretor pode
criar momentos presenciais para uma prestação de contas que demonstre
os acontecimentos e como cada ação favoreceu um maior acesso a novos
conhecimentos pelos estudantes.

Uso do aplicativo Clique Escola


As novas tecnologias permitem uma integração dos sistemas que orga-
nizam a vida financeira das escolas, e nesse sentido destacamos o Aplicativo
Clique Escola. Ele foi desenvolvido pela Secretaria de Educação Básica do
Ministério da Educação para tratar com transparência os dados educacio-
nais. Assim, ele atinge objetivos legais e financeiros com a disponibilização
dos dados das escolas públicas de educação básica do país.
Ele facilita a integração de processos, pois, além de informar a nota de
cada escola no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) por ano,
etapa de ensino e disciplina, demonstra dados que a escola pode ir moni-
torando, como retenção, evasão, que são bases para a geração da avaliação
do Saeb. Porém, o mais importante é que é possível analisar se o uso das
verbas públicas está adequado, se está sendo bem aplicado ou vertendo
resultados sobre os problemas que a escola apresenta. Assim, se os recur-
sos repassados por meio do PDDE não têm alterado os dados advindos do
Saeb, o diretor e a comunidade escolar podem ter diagnósticos que, com
investimentos realizados em outras áreas da escola, possam alterar, futura-
mente, os resultados.
No aplicativo Clique Escola, os dados ficam à mão de quem o utiliza,
dando transparência aos recursos públicos. Desde as contas bancárias de
escolas referentes ao PDDE, que presta assistência financeira para contribuir
para a manutenção e melhoria da infraestrutura física e pedagógica, com
consequente elevação do desempenho escolar, até os dados de desempe-
nho da escola no Saeb, todos poderão não só consultar, mas verter novos
298 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

olhares mais práticos sobre como considerar novas metas que sejam neces-
sárias. Assim, a sociedade tem acesso às datas de pagamentos do programa,
ao valor total da parcela, além da diferenciação entre as partes referentes ao
custeio e ao capital, sabendo, de antemão, o que poderá executar.
Ao tratarmos desses itens, estamos falando de avaliação de toda a ges-
tão financeira da escola, nesse caso do Ideb (Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica) e do CAQi (Custo Aluno-Qualidade inicial). Assim, se o
primeiro é mais conhecido e estabelecido a cada dois anos a partir da Prova
Brasil e dos índices gerados pelo Censo Escolar, o segundo foi criado pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação como um indicador que mostra
o quanto deve ser investido ao ano por aluno em cada etapa da educação
básica.
Ambos consideram atos que as leis brasileiras indicam, como acesso,
permanência, avaliação dos estudantes e dos sistemas de ensino, bem como
custos de manutenção das escolas para que garantam um padrão mínimo de
qualidade, conforme previsto na Constituição Federal (BRASIL, 1988), na Lei
9394/96 – LDB (BRASIL, 1996) e no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005,
de 25 de junho de 2014). Ao mesmo tempo, o aplicativo atende a legislações
sobre a transparência no uso de recursos públicos.
Nesse sentido, como é totalmente interativo, o aplicativo Clique Escola
permite acessar dados básicos da escola a fim de integrar essas informações
e objetiva ser um canal de comunicação do MEC com as escolas, permitindo
uma comunicação direta, bem como a transparência de ações, pois ele pode
ser acessado por estudantes, pais, comunidade e profissionais da educação.
Assim, essas informações podem ser atualizadas diariamente por todos e
auxiliar na construção de ações conjuntas que defendemos como parceria
para a gestão da escola pública. As informações são facilitadas para que os
prazos sejam cumpridos e as informações sejam disseminadas e trocadas.

Gestão dos recursos públicos, tais como PDDE Básico (manutenção),


PDDE Educação Conectada, entre outros
Os recursos federais estão à disposição das escolas e devem ser acessa-
dos com a finalidade de atender as demandas que relatamos anteriormente.
Tratar de gestão democrática no espaço escolar significa olhar para o PPP ou
para o uso das verbas federais etc., sendo todas essas questões importantes
para construir um espaço participativo na escola. Para receber os recursos,
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 299

é preciso estar em dia com a prestação de contas, e, assim, é fundamental


não apenas cuidar da organização financeira da escola, com balanços, todos
assinados, e atas de prioridades. Também é positivo ter um espaço na escola
onde todos os números de gastos estejam à disposição da população, em
lugar visível e numa linguagem acessível.
Ao final de cada ano, as escolas repassam essas informações financeiras
às redes de ensino, que fazem uma primeira análise. Além disso, em etapas
posteriores cabe ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa-
ção), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Sistema de Controle Interno
do Poder Executivo Federal fiscalizarem a aplicação das verbas, fato que
também é bom deixar bem claro a todos os partícipes.
É sempre bom executar recursos financeiros por meio de licitações, mes-
mo que estes sejam em quantias pequenas, para demonstrar que o bom uso
do dinheiro público é uma prerrogativa. Sim, sabemos que na prestação de
contas isso é necessário, mas também é necessário demonstrar à comunida-
de escolar que isso está sendo feito, pois o uso do menor orçamento entre
três propostas é um fato que mostra que o zelo com o dinheiro público é
parte do ordenamento.
Ao mesmo tempo, sempre observe a necessidade de a escola se plane-
jar para acessar novos equipamentos. Há, nas verbas do PDDE, uma parte de
custeio para o uso de materiais cotidianos, de consumo rápido pela escola e
que contribuem para o desenvolvimento pedagógico. Entretanto, também
há a possibilidade de agregar a verba do PDDE para adquirir bens de capi-
tal, ou seja, bens duráveis que também podem contribuir para a solidificação
de determinados espaços na escola, com finalidades bem específicas ao co-
tidiano pedagógico.
Mesmo quando o valor do bem não permite sua aquisição com um re-
passe, o diretor pode solicitar a devida reprogramação para o ano seguinte,
com a finalidade de, com um novo repasse, unir verbas e adquirir um bem
de valor mais elevado. A consolidação desse processo também precisa ser
dialogada, demonstrada a partir dos relatórios ou extratos bancários da re-
programação feita, com a finalidade clara de atingir determinados objetivos
mais arrojados em etapas posteriores.
Conforme abordamos anteriormente, o aplicativo Clique Escola pode ser
um bom balizador para que o diretor compreenda, ano a ano, a necessidade
de enfrentar problemas físicos, estruturais e de olhar o futuro de investimen-
tos em aprendizagens diversificadas em sua escola e com sua comunidade.
300 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A organização orçamentária deve ser adquirida para bens futuros ou inves-


timentos de manutenção dos espaços de forma diversificada (no caso, as
etapas de desenvolvimento pedagógico da escola devem ser atingidas em
ciclos de investimentos, e isso deve estar claro na hora de apresentar as
contas para a comunidade).
Ao mesmo tempo, observa-se que as escolas também podem obter
mais tecnologia na gestão e nas práticas pedagógicas, aderindo ao PDDE
Educação Conectada. O diretor pode acessar o site e realizar um diagnósti-
co de como se encontra a sua escola com relação às novas tecnologias, por
meio do PDDE Interativo, com um questionário que auxilia a detectar os de-
safios de implantação e/ou planejamento para cada unidade escolar. Isso dá
à escola uma visão, um diagnóstico importante, com base na metodologia
de planejamento do Guia Edutec, cedida pelo MEC por meio do Centro de
Inovação para a Educação Brasileira (Cieb).
O questionário deverá ser respondido pelo diretor da escola, acompa-
nhado de ao menos outros dois professores, de preferência um que use
habitualmente tecnologia em suas práticas pedagógicas, e outro que não a
utilize, ampliando a dimensão e as possibilidades de novos usos. O questio-
nário é dividido em quatro dimensões: visão, formação, recursos educacio-
nais digitais e infraestrutura.
De posse desse diagnóstico inicial e de outros que a escola poderá in-
cluir a partir de seu próprio olhar, a escola pode refletir sobre novas formas
de uso das novas tecnologias, mas também pode aderir ao PDDE Educação
Conectada, objetivando novos usos de tecnologias e o alargamento da com-
preensão do que essas linguagens podem possibilitar ao cotidiano escolar.
Assim, com a aquisição de novos equipamentos a escola pode acessar a
rede mundial de computadores, buscar novas informações, trabalhar com
elas e ampliar o repertório e o olhar dos estudantes sobre o mundo que os
circunda.
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 301

Uso de recursos públicos para democratização do acesso à


informação com infraestrutura tecnológica adequada à realidade
local
O Ministério da Educação (MEC) permite que as escolas e os sistemas de
ensino, com pouco acesso às novas tecnologias, se organizem e alavanquem
sua conectividade, ampliando a possibilidade de obterem mais informações
e conhecimentos, assim como acesso às redes mundiais de computadores,
se assim for pensado o processo pedagógico por meio do PPP. Quando li-
damos com crianças que são nato-digitais, precisamos entender essa ação
como um fato que precisa estar presente no ambiente escolar e ser discuti-
do pelos professores.
Como qualquer outro instrumento, as novas tecnologias têm suas poten-
cialidades e seus problemas. Atualmente, as formas de controle, de consu-
mo, de comportamento passam pelo uso das redes sociais. Avaliamos que
as escolas precisam refletir sobre o uso crítico dessas tecnologias, não para
demonizá-las, mas para compreendê-las, com uso para informações e com o
tempo para o conhecimento.
Pensar a realidade local, observar o desenvolvimento de crianças, jovens
e adultos e sua ação na mobilidade social de sua cidade e do nosso país,
bem como sua integração a linguagens universais é parte fundamental para
que uma escola pública possa ampliar seu repertório e sua ação pedagógica.
Num mundo vinculado ao desenvolvimento tecnológico, a escola pode ser
o primeiro espaço de democratização do acesso à informação, do combate
às fake news e de transformação de ambientes informativos em espaços do
conhecimento.
Os recursos públicos devem caminhar a serviço da democratização
dessas linguagens, para crianças e jovens, a partir do acesso à internet. O
uso do PDDE pode contemplar essa ampliação do uso de tecnologias na
escola, desde que seja acompanhada de um PPP que denote os usos tec-
nológicos de forma ampliada e para permitir o acesso a novos e variados
conhecimentos.
Para exemplificar, o acesso às tecnologias assistivas para a inclusão de
crianças com deficiência pode ser viabilizado pela escola com verbas públi-
cas. Assim, um planejamento que observe a realidade local e formas de am-
pliar essa realidade deve ser objeto de discussão no uso de verbas públicas
pela escola. A inclusão é um fundamento que sempre deve ser observado
pelo diretor como uma meta a ser desenvolvida.
302 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Ao mesmo tempo, acreditamos que as crianças conseguem acessar as


novas tecnologias em suas casas, mas esta ainda é uma realidade de poucos
no Brasil, como observamos durante a pandemia. Uma análise que parta
da escuta dos pais sobre como usam as redes sociais, como permitem o
uso delas por seus filhos, pode dar pistas importantes para analisarmos as
necessidades de investimentos nesta área.
Também é preciso frisar que, para a execução do PDDE, o MEC dispõe
da ferramenta de gerenciamento PDDEWeb. Nesse caso, a escola precisa
estar conectada e deve preencher seu uso exclusivo de Unidade Executora.
Essa atualização revela os valores a serem usados, o seu cadastro (documen-
tação vigente naquele exercício) etc. É nesse espaço do PDDEWeb que o
diretor (ou alguém que ele responsabilize) vai alterar as ações entre custeio
e capital, além dos planejamentos baseados em necessidades que a escola
priorize e/ou utilize no exercício posterior.
Como frisamos anteriormente, a comunidade pode ter acesso a essas
informações por meio do aplicativo Clique Escola, e, sendo assim, a própria
escola pode criar momentos de ensinar os estudantes e os pais a usá-lo.
Como as crianças sabem manejar melhor os aparelhos tecnológicos, elas
podem ser um bom meio de envolver os pais nesse processo. Assim, existem
formas as mais variadas com a finalidade pedagógica de difundir o uso de
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), e as verbas podem ter um
papel preponderante no planejamento de ações.

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Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 303

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8

Avaliação de aprendizagem, institucional


e de larga escala1
Sandra Aparecida Riscal
José Reinaldo Riscal

Ementa: Caracterização das três modalidades de avaliação do ponto de vis-


ta da gestão escolar: avaliação do ensino e aprendizagem; avaliação institu-
cional (qualificação dos educadores e dos educandos); e avaliação externa.
Avaliação do ensino e aprendizagem como processo contínuo, cumulativo
e sistemático. O caráter diagnóstico e prognóstico da avaliação. O que são
as avaliações em larga escala. A importância do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) para a elevação da qualidade de ensino.

Objetivos:
• Compreender que o processo de avaliação não se restringe à avaliação
da aprendizagem, mas entremeia todas as atividades e aspectos da vida
na escola;
• Possibilitar a compreensão das três modalidades de avaliação que de-
vem ser realizadas no âmbito escolar (a avaliação do ensino e aprendiza-
gem, a avaliação institucional e a avaliação externa) e sua contribuição na
melhoria da qualidade de ensino da escola;
• Entender que a avaliação do ensino e da aprendizagem não se constitui
em aplicar provas, atribuir notas e aprovar ou reprovar, mas deve consti-
tuir um processo contínuo, cumulativo e sistemático, isto é, de forma coti-
diana e permanente, assumindo as funções diagnósticas e prognósticas;

1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se
deve ao fato de tais termos se referirem conjuntamente a homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
306 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• Compreender que os três tipos de avaliação servem para subsidiar as


intervenções no processo e as ações de docentes (e da escola na sua
totalidade);
• Identificar as avaliações em larga escala, particularmente, o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), como indicadores que possibilitam diagnósticos
e elaborações de ações na escola, com intenção de melhoria da quali-
dade do ensino.
Este texto tem como tema principal a avaliação educacional, que será
abordada do ponto de vista da gestão escolar. Nessa perspectiva, consi-
deraremos três modalidades de avaliação: avaliação do ensino e aprendiza-
gem; avaliação institucional (qualificação dos educadores e dos educandos);
e avaliação externa. Trata-se de compreender a avaliação do ensino e apren-
dizagem como processo contínuo, cumulativo e sistemático, ressaltando o
caráter diagnóstico e prognóstico da avaliação.

A avaliação educacional
Avaliação Educacional é hoje um campo complexo que abrange dife-
rentes áreas com características diversas: em termos escolares, a avaliação
mais característica é a do ensino-aprendizagem em sala de aula. Entretanto,
nas últimas décadas vêm ganhando cada vez maior importância a avaliação
institucional e a autoavaliação da instituição escolar. Além das avaliações
com foco na sala de aula ou na instituição escolar, o processo avaliativo do
rendimento ou de desempenho escolar tem sido o objeto de macroanáli-
ses, conhecidas como avaliações externas, que têm como finalidade regular
e estabelecer políticas educacionais, seja no nível municipal, estadual ou
nacional.
No cotidiano escolar é ainda predominante a concepção de avaliação
escolar com o significado exclusivo de avaliação do rendimento e desem-
penho dos alunos nas salas de aula. As demais formas de avaliação, seja
aquela que se refere à avaliação institucional, seja aquela que se refere à
avaliação externa, ainda têm penetração incipiente na vida escolar. Ainda
que a grande maioria dos gestores escolares tenha ouvido falar das avalia-
ções externas, em particular de seus instrumentos, como o Saeb ou Prova
Brasil, ou de indicadores educacionais, como o Ideb, ainda existem dúvidas
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 307

ou desconhecimento de seus significados e de sua importância para o pro-


cesso educativo.
Iniciamos nossa discussão pela forma mais conhecida de avaliação – a
avaliação do ensino-aprendizagem –, posteriormente abordamos a avalia-
ção institucional e finalmente trataremos das avaliações em larga escala.

Avaliação na vida escolar


A avaliação é possivelmente o termo mais frequentemente utilizado nas
escolas. A maioria dos alunos não tem dúvida de que o papel da escola e
do professor é avaliar. Afinal de contas, são os resultados das avaliações que
determinam os seus destinos e o sucesso de sua condição de aluno. Tam-
bém para os professores, a avaliação apresenta-se frequentemente como
um aspecto fundamental de suas tarefas docentes. Tudo se passa como se
o aluno fosse à escola apenas para passar de ano, e para isso deve passar
nas avaliações. O professor, por sua vez, vê na avaliação o resultado de seu
trabalho, em que sua tarefa fundamental seria garantir que os alunos passem
nas provas.
O imaginário de grande parte dos docentes sobre a avaliação origina-se
nas suas próprias experiências como alunos, e essas vivências determinam
de modo crucial suas perspectivas sobre o processo avaliativo. Formados em
uma escola de ensino tradicional, em cursos superiores em que as praticas
avaliativas permaneceram conservadoras, os professores, em sua maioria,
não tiveram experiências significativas de outros processos de avaliação e
sentem-se, por isso, inseguros em pensar outras modalidades diferentes da-
quelas conhecidas. Prevalece a ideia de que o que é conhecido e o que tem
funcionado até agora deve ser seguido. Porque, afinal, conhecemos os seus
resultados. Isso traz maior segurança para os docentes, mas é precisamente
sobre esses resultados conhecidos que devemos nos debruçar: falta aqui
uma indagação se esses resultados conhecidos são satisfatórios. Um profes-
sor pode considerar que, em relação ao conteúdo apresentado aos alunos,
obteve, nas provas, o melhor resultado possível, e, mesmo que o desfecho
não tenha sido o esperado para alguns alunos, isso é parte do processo.
Em todas as classes existem aqueles que se saem muito bem, alguns que se
saem bem, outros têm resultados mediano, e existem, ainda, aqueles que
não se saem tão bem e aqueles que fracassam.
308 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Essa é a percepção da maioria dos professores, e o fracasso é geralmen-


te atribuído à falta de estudo do aluno, à sua incapacidade de compreender
minimamente o que foi ensinado, a seu desinteresse ou alheamento aos
estudos.
Muito embora sejam conhecidas as diferentes dificuldades que podem
envolver o processo de ensino-aprendizagem, como fatores sociais, psico-
lógicos, familiares, culturais, o que ainda importa é o resultado final obtido
pelo aluno no processo avaliativo. E só há aqui uma coisa que deve ser consi-
derada: a nota. Todo o processo de ensino-aprendizagem se reduz a isso – a
nota obtida ao final.
É interessante observar como a nota permanece sendo o clímax ou o an-
ticlímax das atividades escolares e pode determinar, juntamente à passagem
ou não de ano, outro fracasso ou sucesso – aquele da escola na formação de
sujeitos sociais capazes de apreciar o saber escolar, de serem autônomos e
críticos. Embora propalado em reuniões, manuais, teorias e concursos, essas
questões permanecem ainda apenas como discurso a ser repetido sempre
que se deseja falar sobre a escola e sobre o que se deseja dos alunos. Em re-
lação ao seu papel nas práticas escolares, pouco, de fato, mudou, porque o
tão pretendido caráter social da escola – a formação de educandos autôno-
mos, críticos e cidadãos – chegou muito acanhadamente nas salas de aula.
E isso não é estranho, se pensarmos que para muitos professores esse
tipo de saber, voltado para as diferenças sociais e culturais dos alunos, jamais
foi discutido em termos avaliativos. Formados em uma avaliação tradicional
e conservadora, aprenderam apenas uma forma de avaliação, sem que te-
nha sido rediscutido o papel da própria avaliação em relação ao processo
de ensino-aprendizagem, e ignoram que podem existir vários métodos de
avaliação, que podem não ser apenas provas e exames, mas seminários ou
trabalhos em grupo.
É necessário, portanto, para que se ultrapassem a dicotomia sucesso/
fracasso, as concepções segundo as quais a nota é o resultado mais
importante da vida na escola e a visão classificatória do desempenho escolar,
que se ressignifique a concepção de avaliação, mas para isso teremos que
repensar todo o processo de ensino aprendizagem.

A sala de aula como espaço de disputa


A concepção tradicional da avaliação, de caráter classificatório e focada
no "passar ou não de ano", tem raízes profundas não apenas na escola, mas
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 309

também na própria concepção que se tem de escola e está profundamente


enraizada no imaginário social. A sala de aula apresenta-se, para alunos e
professores, como um espaço de disputa, em que o próprio processo de
ensino-aprendizagem tem pouca valia, sendo superado pelas estratégias de
alunos para garantir uma boa nota e de docentes, que pretendem não ser
enganados pelos alunos.
A sala de aula constitui um espaço de guerra entre alunos, professores
e frequentemente pais, e uma rápida busca na internet permite que se en-
contre uma série infindável de sites com os seguintes títulos: como "trolar"
seu professor, como irritar o seu professor, 1001 maneiras de detonar o pro-
fessor, infernizando na aula, entre outros. Não se trata, apenas, de alguns
alunos "espírito de porco", como os docentes os chamariam, que pretendem
difundir estratégias de enlouquecimento de seus professores, mas uma ma-
nifestação de um tipo de cultura que se encontra muito presente no ima-
ginário dos alunos e que denota que algo não vai bem dentro das salas de
aula. Além destes, é possível encontrar vídeos de como enganar o professor
e sobre o uso eficiente de "colas". E os docentes não ficam atrás. Há pelo
menos dois livros dedicados ao tema de como irritar os seus alunos. Isso
significa que, também entre os docentes, a coisa vai mal.
As manifestações sobre o processo de irritação mútua, entre alunos e
professores, demonstram que a sala de aula está longe de ser o esperado
lugar pacífico onde deveria ocorrer um processo de ensino-aprendizagem.
E mesmo aquele docente que considera ter uma relação tranquila com os
alunos em sala de aula já sentiu, alguma vez, uma irritação sincera com rela-
ção aos seus alunos. E não há dúvida de que todas as exibições de irritação
ou mesmo de violência e indisciplina têm relação direta com o processo
avaliativo.
Uma análise mais aprofundada do problema permite que se constate
que não se trata de simplesmente criticar avaliações extremamente rigoro-
sas, muitas vezes resultantes de práticas de docências autoritárias, conside-
rando-se que amenizar as avaliações resultaria em um melhor clima na sala
de aula. O enraizamento da importância seletiva dos processos de avaliação
nas escolas e na sociedade traz consigo uma percepção coletiva de que o
bom professor é aquele que é rigoroso, e o professor brando é frequen-
temente depreciado. Se interrogados, os alunos respondem que o bom
professor é aquele que explica bem, o que permite constatar que uma boa
explicação é essencial para que eles tenham sucesso nas avaliações. Mas o
310 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

problema permanece o mesmo, as avaliações permanecem como o ponto


central, o foco para onde converge o processo de ensino-aprendizagem.
Além disso, pelo fato de deter em suas mãos o principal instrumento de
aprovação ou reprovação dos alunos – a nota –, o professor tem condições
de exercer o seu poder muitas vezes discricionariamente. Os alunos sabem
que não participam de uma relação igualitária e que, por mais simpático,
gentil ou imparcial que o professor seja, sempre resta, em suas mãos, o po-
der de ser arbitrário ou caprichoso.
Para eliminar essa situação de disputa constante, que faz da sala de aula
um local onde os alunos se sentem frequentemente obrigados a bajular
ou adular os docentes ou a enfrentá-los, muitas vezes agressivamente, é
importante que se reveja o papel da avaliação e do processo de ensino-
-aprendizagem. A transparência nos objetivos e métodos do processo de
ensino-aprendizagem bem como nos critérios de avaliação é fundamental
para que se possa ressignificar o ensino nas salas de aula.

Mas como chegamos a esse ponto? A longa trajetória da reprovação


A trajetória da avaliação e sua história indicam que os processos avalia-
tivos estão diretamente relacionados aos contextos sociais, culturais e polí-
ticos nos quais estão inseridos. A cultura da avaliação como processo clas-
sificatório e seletivo tem caracterizado secularmente a educação brasileira.

Habitualmente, quando se fala de avaliação se pensa, de forma prioritária


ou mesmo exclusiva, nos resultados obtidos pelos alunos. Hoje em dia,
este continua sendo o principal alvo de qualquer aproximação ao fato
avaliador. Os professores, as administrações, os pais e os próprios alunos
se referem à avaliação como o instrumento ou processo para avaliar o
grau de alcance, de cada menino e menina, em relação a determinados
objetivos previstos nos diversos níveis escolares. Basicamente, a ava-
liação é considerada como um instrumento sancionador e qualificador,
em que o sujeito da avaliação é o aluno e somente o aluno, e o objeto
da avaliação são as aprendizagens realizadas segundo certos objetivos
mínimos para todos (ZABALA, 1998, p. 195).

A avaliação é, segundo Zabala (1998), um dos hábitos que tem corrobora-


do os problemas da educação escolar que enfrentamos até os dias de hoje.
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 311

muitos dos problemas de compreensão do que acontece nas escolas


não se devem tanto às dificuldades reais. Devem-se mais aos hábitos
e costumes acumulados de uma tradição escolar, cuja função básica foi
seletiva e propedêutica (ZABALA, 1998, p. 196).

Característica do modelo de educação tradicional e conservador, essa


forma de avaliação ainda é preponderante na maioria das salas de aula.
Trata-se de uma avaliação realizada pontualmente, por meio de provas ou
exames que visam verificar se os conteúdos ensinados pelos professores
foram apreendidos pelos alunos. Como observa Gatti,

Não sem razão, visto que esta é a modalidade de avaliação mais pre-
sente no cotidiano das pessoas. Como nossas escolas emergiram sob a
égide da preparação de elites, a avaliação seletiva no cotidiano escolar
firmou-se, por centenas de anos, como cultura preponderante. Mesmo
em momentos nos quais aparecem propósitos de democratização das
escolas e os primeiros debates sobre a expansão do sistema de ensino,
a cultura que dá forma aos processos avaliativos na escola é a que tem
como referência critérios altamente seletivos, associados a padrões ditos
rigorosos, mas sempre pouco claros (GATTI, 2002, p. 17).

Segundo Luckesi (2002), as avaliações foram internalizadas socialmente


como processos negativos e tiveram grande utilidade para o processo de
seletividade social. Essa característica histórica determinou que nas mãos do
professor residiria a responsabilidade de aprovação ou reprovação dos alu-
nos e que ele, desde os primórdios da avaliação, podia dispor dos critérios
que bem entendesse.

Se os procedimentos da avaliação estivessem articulados com o processo


de ensino-aprendizagem propriamente dito, não haveria a possibilidade
de dispor-se deles como se bem entende. Estariam articulados com os
procedimentos de ensino e não poderiam, por isso mesmo, conduzir ao
arbítrio (LUCKESI, 2002, p. 26).

A seletividade apresentou-se, sempre, não apenas como uma caracte-


rística do próprio processo de ensino-aprendizagem, mas como atributo e
marca distintiva da própria avaliação, que, segundo Luckesi (2002) sempre
esteve muito mais articulada com a reprovação do que com a aprovação.
Em outras palavras, o foco da avaliação é a reprovação, e por meio dela a
própria aprovação adquire sentido. A aprovação denota acima de tudo que
o aluno não foi reprovado e, portanto, que permanece entre aqueles que
312 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

podem usufruir do próximo ano escolar. Isso significa, para Luckesi (2002),
que o exercício pedagógico escolar é atravessado mais por uma pedagogia
do exame do que por uma pedagogia do ensino.
Desde o período da educação jesuítica, no século XVI, predominou
no Brasil colonial aquilo que atualmente denominamos como avaliação do
aprendizado, concebida como uma verificação dos conteúdos ensinados,
predominantemente por meio de exames orais, instituindo-se um ritual
de classificação e promoção. Apenas aqueles aprovados nos exames orais
tinham sua competência reconhecida. Essa mesma prática de exames per-
maneceu após a expulsão dos jesuítas, no século XVIII, perdurando como
a principal forma de verificação dos conteúdos aprendidos durante prati-
camente todo o período imperial brasileiro. Esse desenho do processo
avaliativo tinha um caráter profundamente seletivo e tinha relação direta
com uma educação que excluía dos bancos escolares mais de dois terços
da população.
No final do século XIX e início do século XX, seguindo a tendência pre-
dominante na Europa, ocorreram no Brasil reorganizações administrativas e
didático-pedagógicas. No Brasil tem início o modelo de escola graduada,
constituída pela seriação baseada em faixas etárias homogêneas. As antigas
classes multisseriadas foram substituídas pelos grupos escolares que "agru-
pavam" as antigas classes isoladas em um sistema de seriação segundo a
faixa etária. Possibilitou-se assim que em uma mesma série fossem reunidos
alunos de uma mesma faixa etária que receberiam conteúdos considerados
adequados para as suas faixas etárias. A seriação acirra o caráter competiti-
vo e introduz os sistemas de retenção e progressão das séries. Importante
foi, nesse momento, o papel das novas disciplinas de ciências da educação,
como a psicologia educacional, sociologia da educação e didática, entre
outras, cujos estudos visavam estabelecer os conteúdos curriculares ade-
quados ao processo de desenvolvimento cognitivo e social dos alunos.
Com o auxílio, principalmente, da psicologia educacional, foram introdu-
zidos instrumentos de testes e medidas para o desenvolvimento de padrões
avaliativos mais especializados. Em 1904 é publicado o livro do psicólogo
norte-americano Edward Lee Thorndike – An Introduction to the Theory of
Mental and Social –, cuja influência internacional levou à introdução de mé-
todos de mensuração da aprendizagem que marcaram a incorporação da
psicologia comportamental no processo de avaliação da aprendizagem. Se-
gundo a perspectiva comportamental, o processo educativo teria como fina-
lidade alterar os padrões antecedentes de comportamento dos educandos,
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 313

induzindo novos padrões. A avaliação teria como base a mensuração da


mudança dos comportamentos que se tinham, a princípio, colocado como
objetivo.
A concepção comportamental foi amplamente disseminada e associada
ao sistema tradicional de provas e exames. Aliada a uma técnica cada vez
mais especializada de medição, o fracasso do aluno passou a ser atribuído a
problemas cognitivo-comportamentais.
Em meados da década de 1950, Benjamin Samuel Bloom, psicólogo nor-
te-americano, e seus associados propõem um instrumento de planejamento,
organização controle e avaliação da aprendizagem. Esse modelo, conhecido
como a taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom, pretendia articular
os objetivos da aprendizagem a conteúdos adequados ao processo cogni-
tivo. A taxonomia de Bloom teve grande sucesso nos meios acadêmicos e
é considerada, até hoje, como uma das mais importantes contribuições ao
processo de ensino e aprendizagem. Entretanto, a forma como foi incorpo-
rada na prática educativa brasileira pouco alterou a concepção tradicional
de avaliação, que manteve as mesmas características seletivas e baseadas na
mensuração pontual dos conteúdos.
Na década de 1970 a educação começa a atingir setores sociais que an-
tes estavam excluídos da escola. A massificação da escola, que agora passa
a contar com alunos provenientes de camadas sociais mais pobres, torna
mais evidente o processo seletivo da avaliação escolar e a reprovação e eva-
são dos alunos, o que, entretanto, não é objeto de discussão por parte de
docentes, autoridades escolares e responsáveis pela política educacional.
Segundo Gatti (2002), nos anos 1970,

ainda não se discutem a reprovação escolar em massa que se processava


no ensino fundamental e a evasão de alunos, que tinha foros dramáticos.
Nas escolas, fazer alunos "repetirem" o ano, por "avaliações rigorosas",
tornou-se "natural". O fato de se eliminarem alunos das escolas,
especialmente os de baixa renda, pelo insucesso ininterrupto, não era
questionado (GATTI, 2002, p. 18).

Gatti (2002) observa que foi precisamente essa centenária cultura de


avaliação que se reproduziu cotidianamente nas escolas. Permanecendo até
hoje, deixou

uma forte marca na vida das pessoas e na representação que fazem da


avaliação. Então, o fato de os processos avaliativos estarem sempre pre-
sentes no ambiente escolar, em todos os níveis, faz com que as pessoas
314 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

se reportem de imediato a esse tipo de avaliação quando se fala em


avaliação educacional, restringindo seu significado (GATTI, 2002, p. 18).

Até os dias de hoje a avaliação permaneceu tingida com a sua marca de


nascimento. Como um processo seletivo, excludente e elitizante.

Avaliação tradicional – qual o seu problema?


Muitos gestores e professores espantam-se diante das críticas ao proces-
so de avaliação tradicional. Afinal, sempre funcionou, e, mesmo provocando
sofrimento, muitos professores alegam ter tido sucesso em seus estudos,
graças a esse tipo de avaliação, que os teria levado a superar suas próprias
debilidades em relação ao conhecimento. É claro que, em sua maioria, os
professores não tiveram contato com outra forma de avaliação que não fosse
a tradicional. Acreditam que sempre haverá perdas e que aqueles que não
manifestarem talento para uma disciplina de estudos devem perecer e ser
deixados pelo caminho.
Embora representada como uma história de sucesso, deve-se levar em
consideração que apenas aqueles que se adaptaram ao processo seletivo e
excludente imposto aos alunos obtiveram êxito e que, para cada aluno que
triunfou, outros tantos se perderam no caminho. Alguns sequer tiveram a
chance de percurso, porque, em sintonia com um modelo que concebia a
educação como um privilégio, a avaliação tradicional não apenas seleciona
aqueles considerados melhores, mas, e principalmente, aqueles capazes de
se adaptar e se desenvolver em uma sociedade concorrencial.
De acordo com Moreto (2008), o foco da escola tradicional poderia ser
caracterizado da seguinte forma: "aquisição de conteúdos selecionados
das diferentes ciências, tendo um critério essencialmente acadêmico, com
grande desvinculação das representações já trazidas pelo aluno e de seu
contexto social e político" (MORETO, 2008, p. 17).
Vejamos como isso se dá:

Trabalha-se uma unidade de estudo, faz-se uma verificação do apren-


dido, atribuem-se conceitos ou notas aos resultados (manifestação
supostamente relevante do aprendido) que, em si, devem simbolizar o
valor do aprendizado do educando e encerra-se aí o ato de avaliar. O
símbolo que expressa o valor atribuído pelo professor ao aprendido é
registrado e, definitivamente, o educando permanecerá nesta situação
(LUCKESI, 2002, p. 34).
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 315

A descrição de Luckesi (2002) do processo de avaliação tradicional revela


que a sua maior preocupação se encontra no processo de obtenção de mé-
dias de aprovação ou médias de reprovação.

No final de uma unidade de ensino, por exemplo, um aluno foi classi-


ficado em inferior. Não se faz nada para que ele saia dessa situação, o
que equivale a ele estar definitivamente classificado. Mas vamos supor
que um professor seja "democrático" e, então, se diz que ele "dá uma
nova oportunidade ao aluno" para que se recupere. Faz-se uma nova
avaliação da aprendizagem, após um período de estudo. E vamos supor,
ainda, que o aluno agora seja classificado em "superior". Por convenção,
atribui-se ao conceito "inferior" o valor numérico 4 (quatro) e ao conceito
"superior", o valor 8 (oito) (LUCKESI, 2002, p. 35-36).

A análise de Luckesi (2002) revela que, recebendo ao final a média 6,0


(seis) – resultante da média entre a nota inferior 4,0 (quatro) e a nota supe-
rior 8,0 (oito) –, fica obscurecido o fato de o aluno ter revelado um esforço
para melhorar, tendo crescido durante o processo. O sistema de médias não
valoriza o esforço do aluno, mas o castiga em função de uma nota anterior.

Ora, o educando cresceu, se desenvolveu e foi classificado abaixo do


seu nível atual de desempenho devido à classificação anterior. A anterior
era tão baixa e autoritariamente estabelecida que exigiu o rebaixamento
da posterior. A média, assim obtida, não revela nem o valor anterior do
desempenho nem o posterior, mas o enquadramento do educando a
partir de posicionamentos estáticos e autoritários a respeito da prática
educacional (LUCKESI, 2002, p. 35-36).

Na educação tradicional o professor ocupa o papel central no processo


de ensino. Sua função é transmitir informações, que são tratadas como ver-
dades já prontas, validadas pela sociedade.

Esse ensino, que costumamos chamar de tradicional, foi resultado de


muitos e muitos anos de trabalho com o foco na aquisição pura e sim-
ples de conteúdos. Eles eram "transmitidos" pelo professor, recebidos
(copiados) pelo aluno e reproduzidos fielmente nas provas (MORETO,
2008, p. 110).

Cabe ao aluno o papel de memorizar e repetir as informações, que mui-


tas vezes não são compreendidas ou carecem de significados para ele.
316 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Não cabe ao aluno o papel de escolher o que deve ou não saber, nem a
maneira pela qual essa aprendizagem deva ser feita. A ele cabe aprender
o que é colocado, da forma como foi planejado, e repetir no momento
da verificação da aprendizagem (MORETO, 2008, p. 99).

O modelo tradicional elimina o prazer pelo conhecimento, o desejo de


saber mais e a curiosidade pelas coisas ainda não conhecidas, deixando de
ter lugar na escola. Reduzido à meta de passar nas provas e obter notas altas,
o processo de aprendizagem perde o seu significado como construção do
conhecimento.

os alunos passam a estudar para se dar bem na prova e para isso têm de
memorizar as respostas consideradas certas pelo professor ou professora.
Desaparece o debate, a polêmica, as diferentes leituras do mesmo texto,
o exercício da dúvida e do pensamento divergente [...]. A sala de aula
se torna um pobre espaço de repetição, sem possibilidade de criação e
circulação de novas ideias (GARCIA, 1999, p. 41).

Nessa perspectiva, o ato de estudar tem como única finalidade obter


boas notas. Também o papel do professor é frustrante. Seu gosto pelo ensi-
no e a busca pelo interesse dos alunos definham, restando-lhe a constante
repetição das mesmas aulas.

Ao professor da linha tradicional cabe: saber a matéria, programar o que


irá apresentar aos alunos, transmitir em aula o que está previsto (e escrito
nos livros) e depois cobrar nas provas da mesma forma como ensinou.
Nesse modelo de ensino, quem demonstrou o que aprendeu é aprova-
do, quem não conseguiu fazer isso é reprovado, e, dessa forma, a missão
do professor está cumprida (MORETO, 2008, p. 111).

Acumuladores e meros reprodutores de conteúdos que lhes foram pas-


sados pelos seus próprios professores, o processo de ensino e aprendizagem
perde o sentido também para os professores. Acreditando que as práticas
tradicionais são as únicas que apresentam resultados, o professor tradicional
apequena-se, e seu papel como educador torna-se apenas a cobrança no
momento da prova e a aprovação ou reprovação dos alunos.

Aos professores cabe conceituar o aluno de maneira que representem


definições em termos da sua promoção ou não para a série seguinte.
Tais procedimentos são práticas tradicionais repetidas pelos professores,
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 317

sem que reflitam sobre o seu significado ou coerência, causando sérios


prejuízos ao desenvolvimento socioafetivo dos alunos (HOFFMANN,
1993, p. 110).

Como observa Hadji (2001), reduzida ao modelo tradicional de avaliação,


que centenariamente habita as representações sociais sobre esse tema, a
avaliação torna-se um ato de provação para o aluno. Frequentemente conce-
bida como uma atitude de cobrança dos conteúdos aprendidos ou decora-
dos pelos alunos, a avaliação assume, não poucas vezes, uma conotação de
vingança do professor, "momento em que esse se delicia ao ver o desespero
dos alunos diante das questões" (HADJI, 2001, p. 10).

Mas, afinal de contas, o que é a avaliação?


De acordo com Bartolomé (1996), a avaliação é uma atividade sistemática
e contínua, integrada ao processo educativo e que tem como objetivo pro-
porcionar o máximo de informações para melhorar a qualidade do processo,
reajustando os objetivos, revisando criticamente o planejamento, planos e
programas, os métodos e recursos, oferecendo a melhor contribuição possí-
vel para a orientação e o desenvolvimento dos alunos.
Embora, tradicionalmente, tenha sido concebida como mensuração da
resposta dos alunos em relação aos conteúdos aprendidos, a avaliação é
atualmente compreendida como parte integrante do processo de ensino e
aprendizagem, envolvendo tanto os docentes quanto os alunos.
Segundo Bartolomé (1996), a concepção de avaliação apresenta varia-
ções de acordo com o contexto educativo e o sistema educacional.

Quadro 1 Sistema de ensino, modelo de avaliação e instrumento de avaliação.


Sistema de ensino Modelo de avaliação Instrumentos de avaliação
Rígido e seletivo Sancionador e restritivo Exames e provas
Aberto e democrático Orientador e crítico Processual e diversificado

Fonte: Bartolomé (1996).

A concepção rígida é seletiva na medida em que por meio das notas


ocorre um processo de exclusão daqueles considerados inaptos e valoriza-
ção daqueles considerados mais produtivos. Por isso, sua forma de avaliação
é constituída por exames e provas.
318 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Já a avaliação aberta e democrática converte a avaliação em um ato


educativo, porque passa a ser parte do próprio processo de aprendizagem
e como processo de orientação dos alunos.
Segundo Bartolomé (1996), seriam características de uma avaliação aber-
ta e democrática:
• é uma atividade sistemática e contínua incorporada organicamente ao
processo de ensino e aprendizagem;
• tem como objetivo principal recolher informações fidedignas sobre o
processo de ensino e aprendizagem e sobre o projeto em seu conjunto;
• contribui para melhorar o próprio processo e para aprimorar o planeja-
mento, planos, programas, técnicas de aprendizagem e recursos;
• colabora para elevar a qualidade de aprendizagem e o rendimento dos
alunos.
Ainda de acordo com Bartolomé (1996), as funções da avaliação aberta e
democrática seriam as seguintes:
• diagnosticar – verificar até que ponto se conseguiu atingir os objetivos
propostos, determinando o grau de discrepância ou de sucesso entre os
resultados e objetivos propostos;
• orientar e reorientar – avaliação de todos os elementos do processo de
ensino e aprendizagem, identificando os diferentes momentos em que
os alunos alcançaram os objetivos e fornecendo uma reavaliação por
meio de feedback e retroalimentação;
• prognosticar e prever – avaliar as possibilidades de desenvolvimento
dos alunos e apresentar instrumentos de orientação da aprendizagem
pessoal;
• monitorar o rendimento dos alunos.
Bartolomé (1996) considera que, de acordo com os objetivos estabele-
cidos para uma avaliação aberta e democrática, se podem estabelecer três
momentos do processo:
1. inicial – avaliação das atitudes do aluno diante do conhecimento, da es-
cola, das relações com outros alunos e de sua integração no ambiente
escolar;
2. contínua – diagnóstico das dificuldades, identificando as coletivas e as
individuais durante o processo de ensino-aprendizagem;
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 319

3. final – consideração dos objetivos, se foram ou não alcançados, e avalia-


ção dos problemas encontrados e dos sucessos.

Repensando o processo avaliativo


Ao se desvencilharem da função de meros acumuladores de informa-
ções a serem transmitidas, os docentes, bem como os alunos, podem se be-
neficiar da aula e de sua avaliação como processo estimulante e desafiador.

o novo foco está na preparação das condições para que o aluno seja
competente, isto é, seja capaz de estabelecer relações significativas no
universo simbólico das informações disponíveis. Estabelecer relações, a
partir da análise crítica de situações complexas, é gerenciar informações
na solução de problemas. Voltamos à função fundamental da escola:
preparar os gerentes das informações (MORETTO, 2008, p. 76).

Haydt (1988) observa que muitos professores têm procurado fugir dos
problemas da avaliação tradicional propondo modelos mais "inteligentes",
que poderiam ajudar na compreensão e progressão dos alunos. Ocorre que,
pressionados pela grande quantidade de alunos e classes e pela burocracia
inerente ao sistema educacional, acabam cedendo ao modelo tradicional,
que é mais fácil de ser administrado e demanda uma quantidade menor de
tempo. Muitos docentes, ainda, consideram as novas formas de avaliação
um problema a mais entre as suas tarefas já excessivas e as consideram um
peso ou tempo perdido.
A avaliação do rendimento do aluno tem sido uma preocupação cons-
tante dos professores, pois faz parte do trabalho docente verificar e julgar o
rendimento dos alunos, avaliando os resultados do ensino, e ainda porque
o progresso alcançado pelos alunos reflete a eficácia do ensino. Nesse sen-
tido, o rendimento do aluno reflete o trabalho desenvolvido em classe pelo
professor, uma vez que, ao avaliar os alunos, o professor está também ava-
liando seu próprio trabalho. Portanto, a avaliação faz parte da rotina escolar,
e é responsabilidade do professor aperfeiçoar suas técnicas de avaliação
(HAYDT, 1988, p. 7).
Como o problema recai sobre o aluno, que é considerado sempre o res-
ponsável pela sua própria nota, caberia nos perguntarmos, como se trata
de um processo de ensino-aprendizagem, qual seria a parte do fracasso do
aluno que compete ao professor?
320 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Quem é o sujeito da avaliação?


Segundo Zabala (1998), a reflexão sobre quem é o sujeito da avaliação
pode abrir novas perspectivas para a compreensão desse tema. Tradicio-
nalmente, o sujeito da avaliação sempre foi o aluno. Entretanto, nas últimas
décadas o foco da avaliação tem mudado de lugar, e, embora muitos pro-
fessores prefiram ignorar o problema, não se pode mais pensar o processo
avaliativo como um ato arbitrário do docente, cujo objeto é sempre o aluno.
A introdução das avaliações externas e em larga escala, como o Saeb e a
Prova Brasil, redimensionou o processo avaliativo, articulando o que ocorre
na sala de aula com o desempenho da escola e do sistema educacional.
Segundo as novas políticas educacionais em vigor no país, o professor
não pode mais pensar sozinho o processo de ensino-aprendizagem e as
avaliações, como se fosse um assunto pessoal. O rendimento do aluno está
diretamente associado às estratégias adotadas pelas escolas, que são hoje
também avaliadas como elementos de um sistema de ensino.
Essas mudanças deslocaram o foco da avaliação do aluno para o próprio
processo de ensino-aprendizagem, que deve ser pensado coletivamente,
não apenas pelos docentes, mas pela coletividade da escola, exigindo a
intervenção constante da equipe gestora. É aqui de grande interesse recu-
perar uma afirmação de Zabala (1998):

Talvez a pergunta que nos permita esclarecer em cada momento qual


deve ser o objeto e o sujeito da avaliação seja aquela que corresponde
aos próprios fins do ensino: por que temos que avaliar?
Certamente, a partir da resposta a esta pergunta surgirão outras, por
exemplo, o que se tem que avaliar, a quem se tem que avaliar, como se
deve avaliar, como temos que comunicar o conhecimento obtido através
da avaliação, etc. (ZABALA, 1998, p. 196).

Um aspecto crucial do processo avaliativo é apresentado por Zabala


(1998): a avaliação tem relação com a finalidade do próprio ensino. Como a
finalidade do ensino é constitucionalmente estabelecida como social, tam-
bém o processo avaliativo, bem como todo o processo de ensino-aprendiza-
gem devem ser repensados por meio dessa perspectiva.

Numa concepção do ensino centrado na seleção dos alunos mais pre-


parados para continuar a escolarização até os estudos universitários, é
lógico que o sujeito de avaliação seja o aluno e que se considerem obje-
to da avaliação as aprendizagens alcançadas em relação às necessidades
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 321

futuras que foram estabelecidas – as universitárias. Desta forma se dá


prioridade a uma clara função sancionadora: qualificar e sancionar desde
pequenos aqueles que podem triunfar nesta carreira até a universida-
de. No entanto, podemos entender que a função social do ensino não
consiste apenas em promover e selecionar os "mais aptos" para a uni-
versidade, mas que abarca outras dimensões da personalidade. Quando
a formação integral é a finalidade principal do ensino e, portanto, seu
objetivo é o desenvolvimento de todas as capacidades da pessoa e não
apenas as cognitivas, muitos dos pressupostos da avaliação mudam (ZA-
BALA, 1998, p. 197).

O caráter social e democrático da educação, constitucionalmente es-


tabelecido, exige que se levem em consideração conteúdos conceituais
voltados para a cidadania e diferença, além de processos procedimentais
voltados para a autonomia, relação interpessoal e de inserção social.
Como observa Zabala (1998), essas novas exigências implicam uma mu-
dança radical na forma como se concebe a avaliação. O caráter social da
educação introduz um novo elemento, que rompe definitivamente com as
formas de avaliação tradicionais: a inclusão de todos os alunos no processo
educativo. Assim, não são mais aceitáveis avaliações seletivas e excludentes,
e o fracasso deixa de ser atribuído apenas ao aluno, mas também ao profes-
sor, à escola e ao sistema educacional em sua totalidade.
Essas mudanças envolvem uma mudança substancial não apenas nos
processos avaliativos, mas em todo o processo de ensino-aprendizagem,
que deve ser reformulado coletivamente, considerando-se a característica
da escola como uma instituição social.

A avaliação como parte inerente do processo de ensino-aprendizagem


Um dos primeiros problemas a serem examinados refere-se à compre-
ensão do processo de ensino-aprendizagem como um par dicotômico. De
um lado o ensino, que se refere à tarefa do professor, e de outro a apren-
dizagem, que se refere ao papel do aluno. A concepção de ensino-apren-
dizagem deve ultrapassar e superar essa dicotomia, uma vez que se trata
de um processo que deve ser compreendido por meio de uma relação em
que os dois termos são dependentes um do outro e se determinam mu-
tuamente. Ensino e aprendizagem não devem, portanto, ser apreendidos
como momentos distintos, em que o professor se dedica ao planejamento
dos conteúdos, à metodologia das aulas e às avaliações, cabendo ao aluno,
de sua parte, estudar. Concebido como um verdadeiro processo, ensino e
322 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

aprendizagem realizam-se ao mesmo tempo, e alunos e docentes interagem


em uma dinâmica própria. Nessa perspectiva, a avaliação constitui-se em um
processo no qual docentes e alunos avaliam continuamente os seus resulta-
dos diante do processo de ensino-aprendizagem.
Nessa perspectiva, a avaliação do ensino e aprendizagem constitui um
processo contínuo, realizado a todo momento, cumulativo, porque incorpora
o crescimento individual dos alunos em cada etapa do processo, e sistemáti-
co, porque estrutura e ordena metodicamente cada momento do aprendiza-
do. Acompanhando cotidianamente cada etapa do processo de aprendiza-
gem, a avaliação pode constituir-se como um diagnóstico das dificuldades e
problemas dos alunos, que devem ser trabalhados pelo docente, e pode ser
prognóstica, porque permite o planejamento das ações necessárias para a
superação dos problemas encontrados. Além disso, o processo de avaliação
não deve se restringir à avaliação apenas especificamente da aprendizagem,
mas deve entremear todas as atividades e aspectos da vida na escola.
Segundo Hoffmann (1993), uma nova forma de avaliação poderia ser
compreendida como mediadora do processo educativo. Para além da con-
cepção objetiva e impessoal dos conteúdos apresentados em sala, uma
concepção mediadora da avaliação valorizaria a subjetividade do processo
de aprendizagem, incentivando a elaboração das perguntas e eliminando as
correções constrangedoras, por meio de uma reflexão sobre as hipóteses
que viessem a ser construídas pelos alunos.
A valorização do saber dos alunos constitui um aspecto importante des-
se tipo de abordagem, que respeita a cultura vivida pelos alunos e dá opor-
tunidade para que eles expressem suas opiniões e ideias. As questões e opi-
niões apresentadas pelos alunos podem ser discutidas como hipóteses, que
podem ser objeto de reflexão teórica coletiva, localizando-se as dificuldades
e apresentando elementos para que o próprio aluno encontre as melhores
soluções. O aluno pode, assim, avaliar a sua própria performance, bem como
a performance do professor sobre o tema em estudo (HOFFMANN, 1993).
É necessário, como observa Charlot (2000), que o docente pratique uma
leitura positiva das observações, interrogações e manifestações do aluno,
procurando situar o saber do aluno na perspectiva de sua cultura e de sua
visão de mundo. Não se trata de perceber as carências, lacunas ou defi-
ciências de conhecimento na enunciação do aluno. Trata-se de perguntar
quais as hipóteses que teriam levado o aluno a pensar dessa maneira, qual o
sentido de sua afirmação para ele e qual situação teria lhe conduzido a esse
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 323

significado. Nas palavras do autor, "A leitura positiva busca compreender


como se constrói a situação de um aluno que fracassa em um aprendizado e
não ‘o que falta’ para essa situação ser uma situação de aluno bem-sucedi-
do" (CHARLOT, 2000, p. 30).
O que se objetiva, nessa perspectiva da avaliação mediadora, é uma mu-
dança no olhar avaliativo. Superando as perspectivas de um conhecimento
impessoal e objetivo, a avaliação mediadora introduz a consideração por to-
dos os diferentes olhares sobre o mundo, permitindo o escrutínio, por parte
dos alunos, das diferentes perspectivas diante dos fenômenos, situações,
objetos e pessoas, abrindo-se, assim, para as múltiplas dimensões que o
saber pode adquirir (HOFFMANN, 1993).
Trata-se de uma mudança na relação professor/aluno, que permite res-
gatar um traço essencial do processo educativo – a sua humanidade, que
se consubstancia na consideração pelo outro, na convivência de múltiplas
perspectivas e no reconhecimento da diferença entre as culturas, entre os
saberes.
Como observa Charlot (2000), toda relação com o saber se constitui
por meio da interação do sujeito com os objetos de conhecimento de seu
mundo, da relação com os outros e da relação desse saber consigo próprio.
Cada aluno, na sua interação com o mundo, com os outros e consigo, des-
cobre e constrói o mundo à sua própria maneira, que é subjetiva, diferente
e única. Atribuir objetividade e uma versão única e homogênea ao mundo
e aos fenômenos entorpece o processo de compreensão, as coisas perdem
significado, e o saber separa-se da compreensão possível do sujeito.
A mediação e colaboração do aluno com docentes e outros alunos,
além de sua própria comunidade, permite que não se percam a riqueza e
o desafio impostos pelo encontro com outros saberes diferentes dos seus.
A interação com um saber distinto do seu deve ser estimulado como um
desafio a ser superado, como um espanto diante do inusitado que pode
ser concebido como uma nova aventura do saber. Diferentemente do que
ocorre nas costumeiras correções e da condenação do erro, as dificuldades
devem ser trazidas à tona para reflexão e compreensão de sua fonte, deba-
tidas como hipóteses a serem confrontadas com outras possibilidades, que,
devidamente conceituadas, podem levar à superação do obstáculo inicial-
mente enfrentado.
Nessa perspectiva, a avaliação constitui um processo interativo e colabo-
rativo. A heterogeneidade é valorizada, substituindo a homogeneidade da
324 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

aula baseada no ponto e no conteúdo único. As singularidades encontram a


possibilidade de expressão, e mesmo aquilo que antes seria considerado um
erro pode ser a oportunidade para debate e reflexão coletivos. O processo
avaliativo, promovendo constantemente espaços de discussão interativa e
colaborativa, elimina a dicotomia entre ensino e aprendizagem, e a avaliação
torna-se parte integrante do processo educativo.
Uma das mais importantes discussões em torno do processo de ensino-
-aprendizagem é a democratização dos processos avaliativos. A eliminação
do papel arbitrário e autoritário do docente, característico da avaliação tra-
dicional, deve ser realizada por meio da introdução da transparência dos
critérios de avaliação. Desde o início, na primeira aula, o docente deve deixar
claro para os alunos quais serão os conteúdos estudados e como eles serão
avaliados. É importante que seja aberto o diálogo em torno dos processos
avaliativos, de forma que os alunos possam opinar sobre as formas pelas
quais serão avaliados. Trata-se de estabelecer um acordo, um processo cola-
borativo que tem como finalidade eliminar a disputa entre docentes e alunos
em torno da avaliação.
Esse procedimento pode ser considerado um acordo, ou um contrato
pedagógico, entre docentes e alunos, por meio do qual as duas partes se
comprometem a ter apreço mútuo e honrar o que foi acordado. É um pro-
cedimento ético, por meio do qual professor e aluno discutem, de forma
colaborativa, o papel de cada um no processo de ensino-aprendizagem.

Avaliação institucional
Desde a década de 1990, começaram a surgir indagações sobre a repon-
sabilidade institucional da escola em relação ao processo de ensino-apren-
dizagem e ao rendimento escolar dos alunos. Nesse período, começaram a
ser implementados, ainda de forma incipiente, processos de autoavaliação
em algumas escolas, cujos resultados positivos motivaram a expansão dessa
modalidade de avaliação para outras instituições e sistemas de ensino.
A autoavaliação institucional deve constituir o primeiro passo para a
avaliação sistematizada do processo educativo promovido pelas escolas.
Trata-se de um instrumento de conhecimento da realidade escolar que deve
contemplar todas as dimensões do processo educativo, considerando as
condições estruturais, culturais, sociais e pedagógicas da escola. Deve ser
um processo contínuo de reflexão e análise de todas as características e
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 325

resultados da escola, e para tanto deve ser mobilizada toda a comunida-


de escolar, segundo os princípios da gestão democrática e participativa. A
autoavaliação é uma atitude de responsabilidade e comprometimento da
escola com a finalidade social da educação e deve ser compartilhada entre
seus membros, demonstrando a transparência e a publicidade daquilo que
é realizado na escola. Trata-se de compreender a melhoria da escola como
ato de responsabilidade compartilhada e que todos devem participar do
processo de avaliação e responsabilização dos resultados, os quais devem
espelhar as condições reais de realização das atividades escolares.
O processo de autoavaliação institucional deve partir inicialmente da
enumeração dos diferentes aspectos a serem avaliados, tais como: as con-
dições de infraestrutura da escola; os resultados das avaliações individuais
dos alunos por séries; os resultados das avaliações externas; avaliação de
docentes, pais, alunos e funcionários sobre a escola; relações de sociabili-
dade, indisciplina e violência no ambiente escolar. A autoavaliação da escola
deve ser plenamente divulgada de forma a garantir a mobilização de toda a
comunidade escolar. Devem ser estabelecidas estratégias para a coleta de
dados, como questionários e entrevistas, e os resultados obtidos devem ser
organizados, publicizados e debatidos por toda a comunidade escolar.

A avaliação institucional é uma construção coletiva de questionamentos,


é uma resposta ao desejo de ruptura das inércias, é um pôr em movimen-
to um conjunto articulado de estudos, análises, reflexões e juízos de valor
que tenham alguma força de transformação qualitativa da instituição e
do seu contexto, através da melhora dos seus processos e das relações
psicossociais (SOBRINHO, 2000, p. 103).

Essencial para a autoavaliação institucional é a avaliação sistemática de


docentes e coordenadores pedagógicos, do planejamento, planos de ensi-
no, da interação entre disciplinas e séries.
Nas escolas onde não há obrigatoriedade de autoavaliação da escola
pelos sistemas de ensino, esse processo pode ser instituído por iniciativa
da direção da escola ou do Conselho Escolar. Os resultados do processo
são elementos importantes a serem incorporados na elaboração do Projeto
Político-Pedagógico da escola.
326 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Avaliação externa ou avaliação em larga escala


As avalições externas ou avaliação em larga escala são processos ava-
liativos implementados pelos órgãos de educação estatais com o objetivo
de oferecer subsídios para a elaboração de políticas públicas para os sis-
temas de ensino. Por meio da análise dos resultados de provas aplicadas a
todos e/ou em parte dos alunos de um sistema de ensino, acompanhadas
de verificação dos resultados de rendimento, reprovação e fluxo escolar, a
avaliação externa permite a realização de um diagnóstico do desempenho
desses sistemas de ensino.
Os resultados são categorizados e analisados estatisticamente, produ-
zindo indicadores que permitem conhecer o estágio do desempenho de
unidades escolares e da totalidade do sistema de ensino. Esses indicadores
são importantes para o estabelecimento de metas e direcionamento das
ações dos gestores das unidades escolares e de implementação de políticas
públicas.

O que são indicadores?


De acordo com o Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais Anísio Teixeira,

Os indicadores são sinais que revelam aspectos de determinada realida-


de e que podem qualificar algo. Por exemplo, para saber se uma pessoa
está doente, usamos vários indicadores: febre, dor, desânimo. Para saber
se a economia do país vai bem, usamos como indicadores a inflação e a
taxa de juros. A variação dos indicadores nos possibilita constatar mu-
danças (a febre que baixou significa que a pessoa está melhor, a inflação
mais baixa no último ano diz que a economia está melhorando). Aqui, os
indicadores apresentam a qualidade da escola em relação a importantes
elementos de sua realidade: as dimensões (BRASIL, 2004, p. 5).

Em âmbito nacional, a avaliação em larga escala brasileira, o Saeb (Siste-


ma Nacional de Avaliação da Educação Básica), começou a ser desenvolvida
no final da década de 1980, tendo sua aplicação iniciada no início na década
de 1990. Em 1995 o Saeb foi reestruturado, adotando-se uma metodolo-
gia que permitiu a comparabilidade e o acompanhamento da evolução dos
desempenhos das unidades escolares e dos sistemas nacional, estaduais e
municipais ao longo dos anos.
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 327

Desde a implantação do Saeb, a maioria das redes estaduais de ensino


implementou seus próprios sistemas de avaliação em larga escala, adapta-
dos às suas próprias condições regionais e culturais.
As avaliações em larga escala podem ser censitárias, quando abrangem
a totalidade do sistema, ou amostrais, que são aplicadas a uma amostra de
alunos. A implementação dessas avaliações demanda um conhecimento es-
pecífico que requer o estudo das metodologias e instrumentos de avaliação
e análise adequados a cada tipo de situação. A confiabilidade dos resulta-
dos depende do processo de padronização das provas e questionários, que
deve garantir a comparabilidade dos resultados.
O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira), órgão do Ministério da Educação, é a instituição responsável pe-
las avaliações promovidas pelo Saeb. Até 2018 eram promovidos três tipos
distintos de avaliações, cada uma delas voltada para um nível específico de
ensino:
• Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), que avalia os níveis de alfa-
betização e letramento em língua portuguesa, em matemática e consi-
dera ainda as condições de oferta do ciclo inicial de alfabetização nos
sistemas públicos de ensino;
• Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), também conhecido
como Prova Brasil, que é aplicada nas escolas públicas que tenham no
mínimo 20 estudantes matriculados no quinto e no nono anos do ensino
fundamental;
• Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb), que avalia as redes pú-
blicas e particulares de ensino, sendo aplicada no terceiro ano do ensino
médio.
Desde 2019 as três denominações foram substituídas pela designação
única de Saeb. De acordo com o IBGE (BRASIL, 2020), o Saeb tem como
principais objetivos:
• oferecer subsídios à formulação, reformulação e monitoramento de po-
líticas públicas e programas de intervenção ajustados às necessidades
diagnosticadas nas áreas e etapas de ensino avaliadas;
• identificar os problemas e as diferenças regionais do ensino;
• produzir informações sobre os fatores do contexto socioeconômico, cul-
tural e escolar que influenciam o desempenho dos alunos;
328 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• proporcionar aos agentes educacionais e à sociedade uma visão clara


dos resultados dos processos de ensino e aprendizagem e das condi-
ções em que são desenvolvidos;
• desenvolver competência técnica e científica na área de avaliação educa-
cional, ativando o intercâmbio entre instituições educacionais de ensino
e pesquisa (BRASIL, 2020).
De acordo com o IBGE (BRASIL, 2020), as matrizes de referência utiliza-
das para a realização do Saeb têm como base os Parâmetros Curriculares
Nacionais.

A realização de uma avaliação de sistema com amplitude nacional,


para ser efetiva, exige a construção de uma matriz de referência que dê
transparência e legitimidade ao processo de avaliação, informando aos
interessados o que será avaliado. As matrizes descrevem o objeto da
avaliação, são um referencial curricular mínimo a ser avaliado em cada
disciplina e série, informando as competências e habilidades esperadas
dos alunos.
Torna-se necessário ressaltar que as matrizes não englobam todo o cur-
rículo escolar. É feito um recorte com base no que possa ser aferido por
meio do tipo de instrumento de medida utilizado no Saeb e na Prova
Brasil e que, ao mesmo tempo, seja representativo do que está contem-
plado nos currículos vigentes no Brasil.
Assim compreendidas, as matrizes não podem ser confundidas com
procedimentos, estratégias de ensino ou orientações metodológicas,
nem com conteúdo para o desenvolvimento do trabalho do professor
em sala de aula. Estes elementos estão presentes nos guias ou propostas
curriculares dos sistemas de ensino (BRASIL, 2020).

O Saeb conta com diferentes instrumentos para a coleta de dados. Os


mais conhecidos são as provas ou testes, que têm como objetivo mensurar
a habilidade de leitura em Língua Portuguesa e de resolução de problemas
em Matemática dos alunos. Os testes são constituídos de 169 itens de múl-
tipla escolha para cada uma das séries e disciplinas avaliadas e têm como
base os descritores das Matrizes de Referência para o Saeb (BRASIL, 2020).
Além dos testes, são aplicados questionários a alunos, professores e
gestores, com a finalidade de coletar informações sobre o contexto social,
econômico e cultural dos alunos, além da trajetória de escolarização, com a
finalidade de identificar a possível influência desses fatores sobre o desem-
penho escolar (BRASIL, 2020).
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 329

Os questionários aplicados a professores e diretores têm como intuito


conhecer a formação e trajetória profissional, suas práticas pedagógicas, o
seu nível socioeconômico e cultural, os estilos de liderança e as formas de
gestão utilizadas. O questionário procura ainda coletar dados sobre o clima
pedagógico e disciplinar da escola, os recursos pedagógicos disponíveis, a
infraestrutura e recursos humanos (BRASIL, 2020).
Os seguintes itens são considerados relevantes para a análise do Saeb:
Questionário dos alunos: sexo; raça; idade; utensílios que possui em
casa; quantidade de pessoas com quem mora na casa e quantos quartos
a casa possui; escolaridade dos pais ou responsáveis; participação dos res-
ponsáveis nos estudos; se trabalha ou não fora de casa; informação sobre
abandono e reprovação; violência na escola (questionário do 3º ano do en-
sino médio); expectativas pessoais de escolaridade e trabalho (questionário
de 8ª série do ensino fundamental e 3º ano de ensino médio).
Questionário do professor: sexo; raça; idade; escolaridade e parti-
cipação em curso de formação continuada; salário bruto do professor; há
quanto tempo leciona; carga horária semanal; atividades que realiza com os
alunos; como foi desenvolvido o projeto pedagógico da escola; percepção
do professor a respeito dos motivos que podem explicar as dificuldades de
aprendizagem dos alunos; participação do diretor na motivação dos funcio-
nários; problemas que ocorrem com a escola; violência na escola; opinião do
professor acerca da qualidade dos livros didáticos.
Questionário do diretor: sexo; raça; idade; escolaridade e participação
em curso de formação continuada; salário bruto e renda familiar bruta; ex-
periência na área de educação e na função de direção; promoveu alguma
atividade de formação continuada; composição do conselho escolar; projeto
pedagógico da escola; a escola possui programas de redução das taxas de
abandono e reprovação e programas de apoio ou reforço de aprendizagem;
problemas que ocorrem com a escola; condições para o exercício do cargo
na escola; recursos existentes ou não na escola; informações sobre violência
na escola.
Questionário da escola: adequação dos itens do prédio; estado de
conservação da escola; aspectos relacionados à segurança da escola; quan-
tidade de computadores existentes; estado de conservação de diversos
equipamentos existentes na escola; informações a respeito da utilização da
biblioteca; estado de conservação dos livros.
330 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A análise dos dados dos questionários e a sua comparação com os re-


sultados do Ideb permite estabelecer quais itens estão correlacionados com
a elevação ou queda desse indicador. Por isso, é importante o acompanha-
mento, por parte dos gestores, não apenas dos resultados do Ideb, mas das
análises que permitem identificar quais fatores podem ser decisivos na ele-
vação do Ideb, além de atentarem para os resultados não só de sua escola.
Riscal e Luiz publicaram, em 2016, uma análise detalhada dos fatores que
contribuem para melhores ou piores desempenhos segundo os resultados
do Ideb. Tomando como ponto de partida as respostas aos questionários,
pode-se estabelecer a correlação entre a elevação do Ideb e procedimentos
de gestão escolar, sendo importantes itens como: a composição de um Con-
selho Escolar que conte com a participação efetiva de pais ou responsáveis;
a elaboração do Projeto Político-Pedagógico com a participação efetiva da
comunidade; uma gestão administrativa, financeira e pedagógica da esco-
la que atenda ao que foi definido e validado pelo Conselho Escolar; uma
grande periodicidade das reuniões do Conselho Escolar; o papel efetivo do
Conselho Escolar na definição e validação do planejamento pedagógico da
escola; a participação efetiva do Conselho Escolar no planejamento e aplica-
ção dos recursos financeiros da escola; e a participação do Conselho Escolar
na prestação de contas dos gastos efetuados pela escola. Os resultados do
Saeb são públicos, e todos os gestores podem conhecer esses dados aces-
sando o endereço: http://www.inep.gov.br/básica/saeb/default.asp/.
A base com os microdados do Saeb pode ser encontrada no endereço:
http://www.inep.gov.br/basica/levantamentos/microdados.asp.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb


O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb, criado em
2007, é o principal indicador da educação brasileira. Apresenta um caráter
de diagnóstico, e sua análise revela importantes elementos que contribuem
para a elevação da qualidade do ensino nas escolas. Além de estabelecer
metas de qualidade, o Ideb permite que cada escola avalie comparativa-
mente os resultados que obteve ao longo dos anos e os elementos que
deram resultado e o que deve ser aprimorado.
Segundo o Inep, o Ideb

reúne, em um só indicador, os resultados de dois conceitos igualmente


importantes para a qualidade da educação: o fluxo escolar e as médias
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 331

de desempenho nas avaliações. O Ideb é calculado a partir dos dados


sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e das médias de de-
sempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
O Ideb agrega ao enfoque pedagógico das avaliações em larga escala
a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que
permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O
índice varia de 0 a 10. A combinação entre fluxo e aprendizagem tem o
mérito de equilibrar as duas dimensões: se um sistema de ensino retiver
seus alunos para obter resultados de melhor qualidade no Saeb, o fator
fluxo será alterado, indicando a necessidade de melhoria do sistema. Se,
ao contrário, o sistema apressar a aprovação do aluno sem qualidade, o
resultado das avaliações indicará igualmente a necessidade de melhoria
do sistema (BRASIL, 2020).

O Ideb é um importante instrumento para a gestão escolar, e seus resul-


tados devem ser elemento de discussão coletiva na escola, principalmente
para a elaboração do Projeto Político-Pedagógico. A análise dos resultados
traz importantes subsídios para o diagnóstico das condições e evolução do
desempenho escolar, e o debate sobre as causas dos resultados pode pro-
piciar a reformulação ou adoção de práticas que podem contribuir para a
elevação da qualidade do ensino na escola.
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ces.ibge.gov.br/base-de-dados/metadados/inep/sistema-nacional-de-avaliacao-da-educacao-ba-
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332 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

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9

Violências sociais e escolares: o desafio


das relações cotidianas
Maria Cecília Luiz
Jéssica Veloso Morito

Ementa: Compreensão dos tipos de violências simbólicas dentro da escola


(bullying, violências psicológicas, verbais, físicas etc.) e fora dela (pobreza,
diferenças sociais, abandono, negligência etc.). Compreensão do processo
de invisibilização das violências na escola. Violências e evasão. Sofrimento
emocional: depressão, vulnerabilidade social, contexto social e psicológico.

Objetivos:
• Conhecer e refletir sobre as violências extraescolares no ensino e na
aprendizagem;
• Refletir sobre a violência simbólica e sua invisibilização;
• Refletir sobre as condições de pobreza, diferenças sociais, negligência,
contexto social e psicológico e sobre como essas questões interferem
nas relações escolares;
• Conhecer e refletir sobre as violências intraescolares que interferem nas
relações escolares.

Violências e as perspectivas para a mentoria de diretores


Independentemente da situação política, social, cultural e econômica,
em municípios de grande ou pequeno porte, grande parte das escolas pú-
blicas brasileiras tem vivenciado problemas com relação às violências. Em
momentos diferenciados devido às inconstâncias sociais, a problematização
das violências é pauta de práticas escolares, com dimensão pedagógica, por
isso elas são referenciadas, neste texto, no plural.
Por vezes as violências acontecem de forma invisível, adentram os muros
escolares e se camuflam em práticas cotidianas. Em nível global há um pro-
gresso mensurável em termos de problematizar a questão da violência, que
334 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

se configura como um problema de diferentes áreas do conhecimento por


afetar a saúde individual e coletiva e por exigir prevenção e enfrentamento,
com formulação de políticas específicas, organização de práticas e serviços
contínuos para a desnaturalização desse cenário.
Relatórios organizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002,
2005) documentaram a magnitude dos efeitos das violências e forneceram
a base de evidências para prevenção, com intenção de apoiar politicamente
resoluções na Assembleia Mundial da Saúde e na Assembleia Geral, bem
como por meio de documentos e ferramentas para ajudar os países a agir
de acordo com as recomendações. No entanto, a negligência histórica com
as raízes que nutrem as situações de violência significa que muitos países
têm pouca capacidade para agir e implementar esses direcionamentos e
ferramentas. O resultado é a necessidade premente de obter sujeitos pre-
parados para perceber a violência naturalizada e capacitá-los em práticas de
prevenção e resolução de conflitos. Em termos das necessidades de capa-
cidade de recursos humanos, há um déficit de profissionais bem treinados e
de pessoal com conjuntos de habilidades desenvolvidas para serem eficazes
na identificação, reconhecimento e abordagem de conflitos para que estes
não culminem em situações de violência.
Nessa dimensão, tem-se duas perspectivas de abordagem: conheci-
mentos sobre violências e habilidades para lidar com situações de violência.
O conhecimento refere-se à consciência de informações ou fatos e princí-
pios, e as habilidades referem-se à capacidade de fazer algo para resolução,
normalmente algo que requer treinamento e experiência.
Para obter conhecimento sobre as violências intraescolares e extra-
escolares, necessita-se de reflexão sobre os tipos de violências, como se
naturalizam as inter-relações violentas, quais as abordagens da concepção/
significado e as possibilidades de atuação frente aos conflitos. Para obter
habilidades, faz-se necessário aprender como prevenir, com técnicas que
dependem mais das interações entre os pares, conforme ilustração a seguir.
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 335

Quadro 1 Habilidades para lidar com violências.

-- Saber mapear os conflitos e as violências;


-- estabelecer sistemas de apoio;
-- criar espaços seguros de escuta consciente;
-- desenvolver de forma coletiva e democrática normas para
convivência;
Habilidades de
-- liderar para resolver problemas;
um diretor mentor
-- ter sensibilidade para mediar;
para lidar com
-- gerenciar situações imprevistas;
casos de violência
-- criar espaços de diálogo, de modo horizontal, pois todos
têm o mesmo valor;
-- compreender a perspectiva intersetorial da educação, em
que todos compõem a instituição escolar; e
-- saber lidar com a diferença.

Fonte: elaborado pelas autoras.

O referencial teórico que embasa a mentoria transformadora enfatiza a


importância da troca de experiências, de sentimentos, de informações etc.,
portanto, neste caso, desenvolver uma abordagem de atuação com direto-
res mentores e mentorados significa prevenir e desnaturalizar as violências
com habilidades (em oposição ao treinamento) para lidar com situações de
conflitos e violências no ambiente escolar. Na convivência escolar, a comuni-
dade educacional deve buscar integrar um espaço inclusivo e não violento,
incentivando boas relações com todos (de modo satisfatório), para melhorar
ou modificar o clima ou a cultura organizacional da escola.

Conhecimentos sobre violências: definições e situações violentas


Questionamentos relacionados às violências, durante a escolaridade, não
é algo novo, tampouco acontece apenas na realidade brasileira. A temática,
em geral, tem preocupado os profissionais da educação – em grande parte
dos países ocidentais –, pois interfere diretamente na questão do ensino e
da aprendizagem dos alunos, a primeira das diversas finalidades da escola.
A dificuldade em conceituar e definir procedimentos sobre a violência
encontra-se na sua polissemia, na sua multiforma e nas controvérsias sobre
o assunto. Essa complexidade acaba dificultando a compreensão de situ-
ações de violências, pois seu significado, em cada contexto social, institui
um conjunto de valores subjetivos, conforme regras estabelecidas pelas
circunstâncias.
336 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

O termo violência tem suas raízes no latim violentia (MICHAUD, 1989),


que significa veemência, impetuosidade nas ações ou palavras, e sua pro-
cedência está relacionada ao termo violação, do latim violare, interligado ao
uso da agressividade intencional, com a finalidade de ameaçar ou cometer
algum ato que obrigue alguém a fazer ou deixar de fazer algo que, de outra
forma, não faria ou não deixaria de fazer.
A violência é percebida porque possui uma atuação, pois há necessida-
de de ação para ser atribuído um valor:

há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores


agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos
a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física,
seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações
simbólicas e culturais (MICHAUD, 1989, p. 11).

Para Houaiss (2001, p. 1462), violência é a "qualidade do violento. Ação


ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo), ou
intimidação moral contra (alguém), ato violento, crueldade, força. Força sú-
bita que se faz sentir com intensidade, fúria, veemência".
Segundo Arendt (2004), a violência é considerada um instrumento de
dominação, por isso é dinâmica e mutável, e à medida que uma socieda-
de se transforma as violências também alteram suas representações, suas
dimensões e seus significados, interligando-se com o momento histórico e
geográfico do contexto cultural e a uma série de outros fatores de caráter
dinâmico dos fenômenos sociais. Tem como característica o não reconheci-
mento do outro, a negação da dignidade humana, a ausência de empatia e
a falta de alteridade, que em conjunto causam danos físicos, psicológicos e/
ou sociais aos indivíduos pertencentes a um dado coletivo/grupo.
Quando não existe o respeito como a forma pela qual a coletividade se
organiza, ou seja, quando a falta de diálogo e escuta direciona as relações
para as manifestações de poder, porque a autoridade se torna tensa e con-
flituosa, de tal modo que o

poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas


para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo;
pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em
que o grupo se conserva unido. Quando dizemos que alguém está "no
poder", na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por
certo número de pessoas para agir em seu nome (ARENDT, 1983, p. 36).
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 337

Wieviorka (2007) redimensiona o conceito de violência, dentro do atu-


al estado de globalização mundial, como: intolerância política; terrorismo;
conceitos de desenvolvimento e de subdesenvolvimento; crise internacional;
políticas assistenciais de organismos internacionais; narcotráfico; novas con-
ceituações culturais e sociais, entre outros. Estes são temas contemporâneos
que estabelecem um novo paradigma do fenômeno violência.
Conforme Rosa (2020, p. 21-22):

O refugo global está no mundo, nas ruas brasileiras, nas gangues de ado-
lescentes que queimam carros nos subúrbios de Paris, nos soldados das
redes de distribuição de drogas na América, nos refugiados albaneses na
Itália ou nos massacres em Ruanda. A globalização tem garantido uma
vasta capacidade de agir a distância para alguns, e para os pobres ou
"consumidores falhos", como denomina Bauman (1999), sobra apenas
o lugar de plateia desqualificada. Nesse quadro, com a globalização,
aqueles que são descartáveis têm suas situações pioradas, pois ela tem
aumentado a distância entre os que fazem parte da sociedade daqueles
que não fazem.

Para Tavares dos Santos (2009), as práticas de violência aparecem por


conta das fragmentações sociais, isto é, pela exclusão econômica e social de
diversos grupos da sociedade atual. Ainda acredita que, no caso do Brasil,
a sociedade parece aceitar a violência como se essas práticas fossem natu-
rais, o que contribui para a coerção de sujeitos, tanto no mundo real como
no virtual, impedindo o reconhecimento de quem está fora dos padrões
estabelecidos.
A violência, segundo Tavares dos Santos (2009), principalmente no âmbi-
to escolar, é uma preocupação que deve ser enfrentada como um mal que o
assola. Uma vez que o sujeito não é reconhecido ou não se considera perten-
cente à escola, tem sua subjetividade negada ou ameaçada, o que provoca
repulsa, podendo culminar em novos atos de violência como resposta às
ações que primeiramente sofreu.
Para este material de apoio, as violências são compreendidas como:

Fenômenos sociais, em suas múltiplas formas e manifestações, que promovem rela-


cionamentos ou atos de crueldades físicas, verbais, psicológicas e simbólicas contra
um sujeito ou grupos, propiciando consequências como sofrimento, silenciamento,
humilhação, temor e inquietação.
338 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Esclarece-se que as violências, divididas em quatro vertentes1 (verbal,


física, simbólica e psicológica), ocorrem em unicidade, de forma comple-
mentar ou desencadeadas umas nas outras, sendo essa divisão apenas para
possibilitar um melhor entendimento das situações.
• Violência Verbal pode ser caracterizada pela passividade imposta à força
e pelo silêncio, de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são
impedidas ou anuladas, há agressão. A sua presença promove a sensa-
ção de coibição, rebaixamento, indiferença ou limitação pela imposição
de poder. É concebida como a ruptura do viés comunicativo, pois pro-
move o distanciamento dos corpos, dos discursos, que por resistência
respondem à força imposta com outra equivalente, por exemplo, o uso
de palavras de baixo calão.
• Violência Física ocorre no uso intencional da força física, contra um sujei-
to ou grupo, que resulte em ferimentos, danos físicos ou privações.
• Violência Psicológica é difícil de ser identificada, pois é subjetiva, e, as-
sim, até o silêncio pode se caracterizar como violência psicológica. Além
disso, nem sempre se apresenta como um ato ou como um episódio
identificável, ocorrendo, às vezes, de forma imperceptível, isto é, de for-
ma despercebida. Ela requer do sujeito um esforço para identificá-la e
superá-la, principalmente quando se torna rotina, e, por isso, é facilmen-
te naturalizada.
• Violência Simbólica é conceituada pelo sociólogo francês Pierre Bour-
dieu como suave, insensível, invisível às suas próprias vítimas, e sua ação
é exercida pelas vias simbólicas da comunicação e do conhecimento
(BOURDIEU, 2003). Esse tipo de violência torna-se uma prática sutil e de
difícil percepção, pois produz uma relação de dominação sem que os
sujeitos a percebam ou questionem, apenas a aceitam.
Segundo Abramovay (2002), a violência simbólica constitui-se de abuso
de poder por meio de uma autoridade e mediante uso de símbolos, comu-
nicação verbal e institucional, como diferenciação, marginalização e práticas
de submissão utilizadas pelas instituições. No quadro a seguir, veremos as
características dessas violências no interior da escola.

1 Essas definições são feitas baseadas no livro "Violências no cotidiano social e escolar:
desnaturalizando com a arte" (LUIZ, 2020).
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 339

Quadro 2 Como as violências ocorrem no interior da escola.


Violência física: segurar alguém contra parede; tapas; empurrões; socos; beliscões;
pontapés; puxar blusa ou mochilas; arranhar; colocar pé para tropeçar; brigas;
jogar coisas (objetos) no outro; coagir impedindo a passagens por meio da força
física.
Violência verbal: ocorre nas formas de comunicação, como falar palavrões;
xingar alguém; desacatar; humilhar; impedir de se expressar; coagir por meio de
gozações em grupo (ridicularizar); mandar calar a boca; colocar apelidos; gritar;
ameaçar.
Violência psicológica: consiste em atitudes (não físicas) específicas por parte do
agressor, como rejeição, depreciação, indiferença, diferenciação, desmoralização,
punições (exageradas) etc.
Violência simbólica: é evidenciada nas punições específicas feitas por discentes,
gestores, docentes etc. a outros estudantes, em função de suas condutas fora de
padrões previamente, ou não, estabelecidos. Ocorrem por meio de procedimen-
tos, discursos, anseios padronizados pela prática escolar e social. Têm caráter de
excluir aluno ou alunos dentro da própria sala de aula, com ações como alienação,
apatia, ressentimento, tédio, atitude destrutiva e agressões de todos os tipos.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Os diversos tipos de violências envolvem a juventude, tornando-a, por


vezes, protagonista, vítima ou espectadora, conforme as relações de poder
ou as interações entre agressor e agredido que acontecem em espaços ma-
cros e micros em todos os espaços sociais.
Para uma melhor compreensão das tensões violentas, definem-se, a
seguir, os conceitos de conflito, violências duras, incivilidades e violências
simbólicas, conforme Abramovay, Cunha e Calaf (2009):
• Conflitos são atos e/ou ações sem situações de violência, mas com alto
potencial para ocorrê-las. Quando há desentendimentos ou não concor-
dância existem conflitos, isso porque o posicionamento, as atitudes ou
direcionamentos adotados como padrão para todos nem sempre são
aceitos. Nas diferenças de ideias podem ocorrer instabilidades no reco-
nhecimento do espaço e nas diferenças, por isso há o estranhamento.
Nessa hora, deve-se potencializar o diálogo e a construção em comum
dos pensamentos divergentes, pois sujeitos que possuem posiciona-
mentos diferentes, se não estabelecem alguns acordos, acabam em atos
de violência, principalmente se houve o silenciamento dos sujeitos ou a
sensação de não pertencimento no grupo.
340 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

• Violências duras são atos e/ou ações classificados perante a lei como
crimes ou infrações pautados nos códigos penais, ou seja, infringem a
constituição e ferem as garantias sociais do outro.
• Incivilidades (ou microviolências) são atos e/ou ações que não possuem
vínculo com medidas legais nem com os diferentes tipos de regimentos
estabelecidos, mas que ferem a boa convivência. As incivilidades podem
ser consideradas como desordem e possuem forte teor moral e ético.
• Violências simbólicas, como já dito, são aquelas que se utilizam de me-
canismos simbólicos de poder e compõem a estruturação social, man-
tendo a hierarquização da sociedade. A força de dominação entre os
sujeitos é naturalizada e invisibilizada, torna-se algo aceito sem questio-
namento, dando legitimidade às relações sociais.
Nessa percepção de desnivelamento, as relações de forças permitem
compreender como as violências se dão em contexto educacional, conhe-
cendo as três categorias de fenômenos da violência em meio escolar, segun-
do Charlot (2002):

Quadro 3 Violências na, à e da escola.

Fonte: elaborado pelas autoras.


Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 341

Geralmente, as violências praticadas pela escola (violências da escola)


são caracterizadas como violências simbólicas, pois ocorrem de formas invi-
síveis, negadas e silenciadas das mais distintas maneiras. Investigar a violên-
cia na/da/à escola explicita a compreensão de que se educa os sujeitos para
repetirem atitudes e comportamentos sociais esperados pela sociedade, de
tal modo que se formem à imagem desta. O processo de socialização e co-
municação é imprescindível para qualquer aluno, mas, por vezes, essa ação
social impõe padrões, normas, valores, atitudes e sentimentos, e a escola
torna-se campo de divergências e conflitos. Os estudantes chegam à escola
com histórias e memórias que estabeleceram ao longo de suas vidas, e os
ajustes entre discentes e docentes (com características muito diferentes), às
vezes, tornam-se violentos.
Nessa ótica, as violências têm afligido espaços e limitado a escola de
exercer a função de proporcionar o ensino e a aprendizagem aos estudan-
tes, pois se vivenciam relações cotidianas violentas (principalmente a violên-
cia simbólica). A saída está em articular o diálogo e promover a consideração
pelas diferenças individuais e coletivas em conjunto, pois a participação na
reconstrução de novos saberes propicia novos modos de pensar e fazer,
além de ampliar as experiências e os conhecimentos (SACRISTÁN; GÓMEZ,
1998).

Violências extra e intraescolares


O espaço escolar constitui-se como um lócus de interações sociais, no
qual educadores e educandos passam a maior parte do tempo diário, e por
isso deveria ser, também, um local em que algumas preocupações teriam
que ser constantes, com relação a: como a escola entende a violência; como
lida com os conflitos; como entende os sujeitos em situações de suposta
violência; como os identifica; quais são as medidas (procedimentos) antes e
depois de situações violentas. Isso nem sempre acontece, mesmo quando
os educadores sentem muita dificuldade em lidar com a violência estrutural
(violência da própria sociedade) ou com a que ocorre dentro dos seus espa-
ços (denominada de intramuros).
Por vezes, os sentimentos de impotência dos educadores, diante de uma
rede de relações desconhecidas, os levam a buscar soluções – seja por falta
de conhecimento ou de habilidades – mais violentas, na tentativa de ameni-
zar os conflitos ou violências já instauradas.
342 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

A escola não é apolítica, e as conjecturas das relações pessoais interfe-


rem nas convivências e perpassam o período de escolaridade dos alunos;
neste caso, há duas variantes para os casos de violência escolar, conforme
diagrama abaixo:

Figura 1 Violências extra e intraescolares que permeiam a escolaridade dos alunos.

Fonte: elaborada pelas autoras.

Em geral, os sujeitos realizam suas interações sociais e se agregam em


grupos, compondo uma coletividade, e a escola é um desses locais em que
ocorrem relações interpessoais que integram o ambiente educativo. Assim,
no seu coletivo sempre ocorrem conflitos e violências (TURNER, 1999).
As violências extraescolares possuem fatores que dificultam e/ou impe-
dem o acesso, a permanência e a conclusão dos estudos de vários estudan-
tes, principalmente daqueles que estão em situação de pobreza. A escola
não é responsável diretamente por tais violências, mas, como parte de sua
função social, pode compreender como ocorrem e prejudicam a escolarida-
de dos estudantes.
Cada escola faz parte de um contexto social específico e único, e as vio-
lências são fruto de cada realidade e representam o discurso de sujeitos
com perspectivas diferentes. Esses discursos aparecem nas insatisfações ou
nos problemas de ordem social e tornam-se dispositivos de poder utilizados
nas relações entre sujeitos, por meio do uso da força, cujos danos causam
prejuízos físicos e/ou simbólicos.
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A violência social acontece fora e dentro dos muros escolares, pois


situações como pobreza, drogas, negligência etc. infelizmente ocorrem e
ocorreram sempre. Com a ausência de planejamento escolar, os discentes
que já vivenciam falta de estrutura social e econômica acabam por aumentar
esse cenário de exclusão social e educacional. Uma das mais antigas carac-
terísticas da história brasileira está na injustiça advinda das divisões de clas-
ses sociais, em que sujeitos vivem em situação de pobreza ou de extrema
pobreza, com necessidades básicas, com subsistência precária. Além disso,
essa população reside em locais com grande probabilidade de ocorrência
de crimes e roubos, que, muitas vezes, ocorrem pela necessidade ou por
falta de possibilidade para sobreviver.
A injustiça social aumenta todo tipo de violência, pois propicia a ausência
de garantias sociais e recursos básicos para a sobrevivência, não apenas físi-
ca, mas simbólica, e produz a naturalização do sentimento de desvantagem
em contextos sociais específicos, coligada a um processo de justificação e
legitimação de inferioridade.
A omissão do Estado produz mais dificuldade socioeconômica, o que
resulta em mais violências, como: falta de condições dignas e de garantias
básicas aos cidadãos; falta de comprometimento nas questões socioeconô-
micas; falta de estrutura e planejamento com a explosão demográfica; falta
de integração nacional, com ações efetivas voltadas aos fatores culturais di-
ferentes; falta de prerrogativas legais para os seres humanos, quando estas
não são respeitadas; e falta de responsabilização de formadores de opinião
e meios de comunicação, que usam do seu espaço de voz para influenciar
(re)ações violentas, inclusive em ambientes virtuais.
A função social da escola é propiciar conhecimentos que possam eluci-
dar qual tem sido e como teria que ser o lugar dos seus alunos na sociedade,
além de respeitar as suas subjetividades durante o processo de ensino e de
aprendizagem, e os educadores deveriam motivar a alteridade, com práticas
educativas que reconhecem o outro com empatia. Trata-se de formar um
sujeito capaz de compreender as injustiças sociais e que busque a garantia
de prerrogativas legais e sociais a todos.
A violência da escola é explícita quando não há diálogo ou consideração
para escutar conscientemente o outro, e essa falta de reconhecimento social
propicia a incapacidade de negociação. Na tentativa de enfrentar as diferen-
ças sociais, ampliam-se os campos de conflitos e violências.
344 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

Geralmente, a indisciplina ou as formas violentas de (re)ação ocorrem


como resposta à dificuldade de aprendizagem, o que pode gerar desen-
canto com relação à escola, e esse sentimento de não pertencimento em
relação ao universo escolar provoca o abandono do aluno. Caracteriza-se
como violência da escola toda forma de repreensão ou punição que os alu-
nos recebem ao não atenderem as normas ou padrões estabelecidos.
Quando não ocorrem negociações, quando existe omissão por parte da
escola com relação aos conflitos, as violências acabam acontecendo. O que
motiva esse ciclo de violências da escola é a ausência de: regras de boa
convivência; reconhecimento social; incentivo para ascensão social; preparo
da escola para lidar com os conflitos e violências; formação pedagógica para
os educadores; comunicação com alunos líderes e formadores de opinião;
e diálogo e reflexão sobre as diferenciações e preconcepções que incidem
na escola.
Há inúmeras formas de enumerar como a violência da escola ocorre e im-
pacta a vida do estudante, resultando, muitas vezes, em evasão, visto que ela
cria um espaço insustentável de entendimento, diálogo e reflexões sobre as
ocorrências dentro do ambiente escolar. Conselho Escolar e Grêmio Escolar
são colegiados da escola, ambientes públicos que podem fortalecer inicia-
tivas de reconhecimento social e de consideração entre os vários discentes.
Nesse sentido, conflitos podem ser discutidos e, ao invés de culmina-
rem em violências, podem colaborar para decisões coletivas, motivando os
envolvidos em prol do bem comum, de forma participativa. Entretanto, é
necessário abertura à inclusão, ao diálogo e à boa convivência no cotidiano,
tanto por parte da instituição e de seus educadores (professores, alunos,
funcionários, equipe gestora) quanto de familiares.

Habilidades e procedimentos: práticas e situações de violências


Habilidades e procedimentos práticos precisam ser desenvolvidos e/
ou aprimorados para a ação dos educadores, e, para isso, a escuta cons-
ciente e a comunicação não violenta são introduções de uma concepção
humanizadora de educação, uma vez que "a comunicação é a percepção
da compreensão do sujeito no coletivo, não podemos nos compreender in-
dividualmente, afinal, só existimos – como seres sociais – na relação com o
outro, ou seja, na mediação da comunicação" (MORITO, 2020, p. 79).
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O sistema EVA (espectador, vítima e agressor) consiste em entender


como relações de violências e ciclos de agressões ocorrem frequentemente,
caso não haja intervenções reflexivas para desnaturalizar as convicções dos
sujeitos – mantendo as emoções reprimidas. A ideia é propor novos olhares
para além do sentimento de retribuição ou perpetuação do "levei e retribui".
A teoria dos sistemas do desenvolvimento humano, seja por interações
ativas ou reativas, possui diferentes panoramas que interligam microssiste-
ma, mesossistema, exossistema ou macrossistema. Verifica-se que o sistema
EVA, VAE, AVE, AEV, EAV ou VEA possibilita a análise da violência, com com-
petência emocional e social dos sujeitos.

Figura 2 Violência no sistema EVA (espectador, vítima e agressor).

Fonte: elaborado pelas autoras.

Existem vários ciclos que podem ser interrompidos por quesitos subjeti-
vos, mas a frequência pode culminar no fomento desse círculo vicioso.
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Quadro 4 Círculos viciosos.

• EVA – Espectador  Vítima  Agressor


• VAE – Vítima  Agressor  Espectador
• AVE – Agressor  Vítima  Espectador
• AEV – Agressor  Espectador  Vítima
• EAV – Espectador  Agressor  Vítima
• VEA – Vítima  Espectador  Agressor

Fonte: elaborado pelas autoras.

As relações que ocorrem entre sujeitos não são lineares, tampouco de-
finitivas, e assim, nas configurações, um agressor pode vir a ser uma vítima
ou espectador, assim como um espectador pode assumir o papel de vítima
ou agressor, ou uma vítima pode ser uma espectadora de outras violências
e agressora de outros sujeitos. Nessa dimensão, cabe a quem media fazer
intervenções para que o ciclo cesse ou se rompa, por meio da reflexão sobre
empatia e autorregulação das emoções, de modo individual (pela autoper-
cepção) ou coletivo, com enfoque naquilo que machuca ou fere as pessoas
ou grupos.

Quadro 5 Micro, Meso, Exo e Macrossistema.

Fonte: elaborado pelas autoras.


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Dentro dessa concepção das dimensões, as violências no microssistema


podem acontecer em todos os espaços escolares, mas representam as me-
nores causas de sofrimento ao sujeito; no mesossistema, podem acontecer
em sala de aula, um local em que educandos e educadores passam grande
tempo dentro da escola; no exossistema, podem acontecer em locais ex-
traescolares; e no macrossistema podem acontecer em qualquer relação,
sendo esta dimensão a que causa maior sofrimento dentro da escola.
As violências validam-se em contextos de intolerância, renúncia e repú-
dio às diferenças, mas algumas medidas podem modicar essas situações e
proporcionar uma rede colaborativa para desnaturalizá-las, como:
• obter informação e conhecimento sobre os efeitos da violência para toda
a comunidade educacional;
• saber mais sobre as causas e consequências da violência, com relatos de
educandos e educadores;
• prevenir as violências;
• mediar conflitos por meio do diálogo;
• integrar os alunos, com uma perspectiva de educação inclusiva;
• compartilhar situações de violências e bullying entre estudantes;
• refletir sobre empatia, com exemplos de sofrimentos de vítimas das vio-
lências e de bullying;
• formar educadores e educandos – figuras de apoio – com o objetivo de
instituir uma rede de confiança que promova a autoestima e reduza a
insegurança causada por situações preocupantes de violências.
Essa intervenção em prol da melhoria na convivência, no espaço e na
cultura organizacional da escola necessita envolver toda a comunidade edu-
cacional. A síntese desse processo de intervenção, realizada pela dimensão
do triângulo da violência EVA (espectadores, vítimas e agressores) e nas va-
riáveis que são trabalhadas para modificar o clima escolar, tende a diminuir
a ocorrência de protagonistas agressores para adequar-se ao triângulo da
mudança VER (valores, empatia e respeito).
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Figura 3 Violência e o sistema VER (valores, empatia e respeito).

Fonte: elaborada pelas autoras.

Esse procedimento de intervenção, que coloca os alunos como protago-


nistas do processo de prevenção da violência, não anula o reconhecimento
de toda a equipe escolar. As ações devem ir além da natureza informativa,
devem ser reais e efetivas no processo de convivência, por meio do auto-
conhecimento, do conhecer o outro, do reconhecer o espaço de todos de
forma justa e do modo operacional, isto é, de como a prevenção da violência
acontece no cotidiano da escola.

Problematizar a violência com os estudantes


É inegável que a presença das violências interfere no convívio escolar e,
consequentemente, na qualidade do ensino e na escolaridade dos alunos.
Torna-se um desafio sensibilizar todos os sujeitos envolvidos com a escola,
em especial os alunos, e mobilizar práticas que possibilitem o diálogo e a
desnaturalização das violências.
É fundamental ter sempre o foco do que a escola pretende ao abordar
a temática da violência, pois é um assunto que não se ensina ou determina
novos hábitos e comportamentos, mas é um processo de novas posturas
mais empáticas, como: compartilhar o sentimento de pertencimento pelo
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 349

reconhecimento das diferenças; entender que o sofrimento do outro deve


ser abordado com mais sensibilidade etc.
Nessa perspectiva, sugere-se a leitura de uma experiência vivenciada
pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Subjetividade e Cultura
(Gepesc) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no estado de São
Paulo. A proposta foi desenvolver ateliês com a utilização das artes e do
espaço para o diálogo, por meio de exercícios elaborados, para articular a
desnaturalização das violências no contexto escolar.

Ateliês e a desnaturalização das violências: uma experiência bem-


sucedida
Os ateliês fizeram parte de uma pesquisa e extensão universitária rea-
lizada em uma Escola Estadual de Ensino Integral, localizada no interior do
estado de São Paulo, durante os anos de 2018 e 2019. Esses ateliês foram
realizados durante 15 semanas em cada semestre, com encontros semanais
de 1h40, com discentes dos Ensinos Fundamental (Anos Finais) e Médio. Os
ateliês eram iniciados por um debate-reflexivo indagando a percepção da
violência e os desafios da juventude em três perspectivas: no mundo, na
escola e nas relações interpessoais.
Com a intenção de produzir materiais por meio de exercícios escritos ou
de cunho audiovisual, foram discutidos os quatro tipos de violências, física,
verbal, psicológica e simbólica, e os alunos puderam (re)observar práticas
e contextos. Nessa perspectiva, em forma de exercícios, os discentes de-
bateram sobre as violências e tornaram-se protagonistas do processo – ao
exibirem relatos de suas vivências – e do produto – ao elaborarem materiais
escritos, sonoros e/ou visuais.
O objetivo dos ateliês era analisar os discursos e identificar o desen-
volvimento de alteridades e o favorecimento da equidade educativa e das
interações, por meio de elementos textuais, artísticos e cinematográficos
em processos criativos. Os conteúdos desenvolvidos estavam relacionados
à elaboração de textos expositivos, em seus mais distintos gêneros, de foto-
grafias e de produções audiovisuais.
O grande desafio foi cultivar relações de gentileza, reciprocidade e con-
quistar a confiança desses estudantes participantes. Além da abordagem
dos diversos tipos de violências, a metodologia foi baseada no trabalho
grupal, caracterizado pela "construção coletiva de um saber, de análise
350 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil

da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências" (CANDAU;


ZENAIDE, 1999, p. 23). Nesse sentido, o saber não se limita ao resultado
final, mas está no processo de construção em si, com ênfase na ação, sendo
"um tempo e um espaço para aprendizagem; um processo ativo de transfor-
mação recíproca entre sujeito e objeto; um caminho com alternativas, com
equilibrações que nos aproximam progressivamente do objeto a conhecer"
(CUBERES apud VIEIRA; VOLQUIND, 2002, p. 11).
Essa proposta teve como pressuposto a apropriação de saberes por
meio de ações concretas e vivências no coletivo, isto é, os alunos de uma
classe foram divididos em quatro grupos e tinham que planejar e responder
às situações-problema apresentadas para cada grupo. As produções cria-
das pelos discentes articularam saberes que provinham do próprio senso
comum, oriundo de experiências ou informações da sociedade; ou de dis-
cursos científicos, desnaturalizando as violências com relatos vivenciados e/
ou observados pelas vítimas.
Nas investigações em educação, os grupos de discussões oferecem a
oportunidade de armazenar dados qualitativos relativos às percepções e
opiniões de sujeitos selecionados, permitindo captar informações sobre os
pensamentos e sentimentos, em tempo relativamente curto. Isso representa
uma via de acesso para a reconstrução dos conceitos coletivos, com a defi-
nição do problema a ser avaliado e análise do discurso de todos os sujeitos
do grupo. Propicia, também, um contato direto e intensivo na relação entre
os sujeitos, com empatia, apoio e encorajamento nas opiniões francas, mas
gentis e corteses.
As atividades realizadas nos ateliês tinham como princípio a escuta, o
ouvir, com o propósito de compreender como as violências aconteciam e
como eram vistas no ambiente escolar. Durante os processos criativos e
produtivos, os envolvidos eram desafiados a terem novas posturas e pontos
de vistas, com possibilidades de repensarem as relações consigo e com o
entorno.
Os ateliês foram, na prática, muito mais do que definir e discutir os tipos
de violências, pois suscitaram duas sensações importantes para mudanças
de atitudes: experimentar a oportunidade de observar, restabelecer uma
nova interpretação do outro, que até então era percebido somente pelas
diferenças, pela exclusão, isto é, alguém basicamente desconhecido; e a
outra sensação foi falar e ouvir sobre suas narrativas, suas visões de mun-
do e sobre como essas perspectivas se estabeleceram com o tempo. Isso
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significou perceber as características de cada um e aprender a ouvir o outro


com atenção e consideração. A seguir, apresentamos as propostas para
cada tipo de violência.

1) Perspectivas no Mundo
• Violência física: a partir da visualização de um vídeo de curta-metragem
de dança, retirado da internet (https://vimeo.com/169940864), com ex-
posição de sons e imagens que representam as violências físicas, foram
elencadas com os alunos palavras que expressavam os sentimentos des-
pertados. Por fim, criou-se um poema com o grupo todo e gravou-se um
vídeo da leitura da produção.
• Violência verbal: com várias fotos retiradas da internet evidenciando a
violência verbal, instigou-se a reflexão sobre as perspectivas acerca des-
sa violência tão presente no ambiente escolar. Logo após, o grupo teve
que criar fotos que representassem as violências verbais por meio de
sombras, utilizando o quadro branco da sala de aula.
• Violência psicológica: por meio de uma discussão sobre o ódio nas redes
sociais, foi feito um curta-carta exaltando o que os estudantes achavam
importante relatar para o espectador. O curta-carta é desafiador: mobi-
liza não só ideias, mas sentimentos e narrações em um curto espaço de
tempo, e o que se filma, necessariamente, se dirige a outra(s) pessoa(s).
A escolha do tema (redes sociais e discurso de ódio) deu-se pelas altera-
ções interpessoais devidas às redes sociais e às novas formas de comu-
nicação, de demonstração de afetos e desafetos – mudanças estas que
geram alterações em como nos relacionamos e no que compreendemos
por "eu".
• Violência simbólica: a partir de fotos retiradas da internet e do curta-
-metragem "Quanto custa à intervenção no Rio", realizado em 2018, que
evidencia a ação da polícia militar e do exército brasileiro nas comunida-
des do Rio de Janeiro com o objetivo de garantir a segurança, os alunos
realizaram uma roda de conversa para debater sobre as violências sim-
bólicas percebidas por eles naquele contexto e, em seguida, elaboraram
um roteiro para apresentação de um telejornal com representação das
violências simbólicas.
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2) Perspectivas na escola
• Violência física: a atividade foi a câmera subjetiva. Esse tipo de exer-
cício colocou os estudantes em situações ainda não experimentadas,
despertando neles a deferência e a valorização do ser humano. A ideia
foi criar um personagem, isto é, um estudante novo na escola que estava
sofrendo violências físicas. Como trabalho final foram criadas duas cenas
por meio de celulares: uma primeira, filmada como plano americano, de
quem está vendo a cena; a outra foi filmada com o olhar de quem estava
vivenciando a violência física (cena filmada junto ao aluno agredido). A
proposta é sentir o que o outro está sentindo.
• Violência verbal: a atividade foi a "imagem que conta muito além do que
registra". Cada aluno do grupo teve que fotografar um objeto da escola,
em qualquer lugar ou espaço, e logo após o grupo escolheu três fotos
de objetos de três alunos diferentes. Depois desse processo, houve a
etapa de elaborar uma história sobre como ocorrem os conflitos e vio-
lências verbais na escola, utilizando-se das imagens escolhidas e dando
uma sequência de filmagem. A criatividade pode ser aflorada.
• Violência psicológica: o exercício era gravar com o celular a mesma situ-
ação, mas em diferentes perspectivas de narrador. Os alunos deveriam
pensar em situações de conflito que poderiam acontecer na escola a
partir de diferentes narrativas e pontos de vista. O intuito era desnatu-
ralizar aquilo que deixamos de enquadrar. Dando ênfase na alteridade
e no estabelecimento de relações na escola, a filmagem possibilitou a
reflexão sobre a identificação e o afastamento entre as pessoas quan-
do não se dá a chance de escutar ou conhecer outra perspectiva que
não a própria. A proposta foi articular reflexões sobre o que definimos
como algo que deve ser visto em uma imagem e o que deve ficar fora de
quadro, exercitando os enquadramentos, problematizando o olhar e os
modos de ver, que não são parciais e localizados, mas são recortes do
mundo.
• Violência simbólica: em roda de conversa, buscou-se compreender o
que é e como acontece a violência simbólica na escola. Em grupo, os
alunos pensaram e descreveram uma violência simbólica que aconteceu
dentro da escola, podendo ser algo que observaram, perceberam, vi-
venciaram, de que participaram etc. Em seguida, o grupo escolheu um
acontecimento específico para retratar em forma de história, elaborando
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 353

uma fábula com animais como personagens e que foi filmada em apenas
três cenas (com começo, meio e fim).

3) Perspectivas nas relações interpessoais


• Violência física: o exercício utilizou a expressão artística cênica, em que
os sujeitos assistiram a vários curtas que transpõem a violência física, em
diferentes contextos e temporalidades. Foi ressaltado que a observação
deveria ser sobre a ocupação dos corpos ou a retração da corporeida-
de em locais nos quais é renegado seu pertencimento. Em seguida, os
alunos fizeram um desenho ou poesia que retratou os sentimentos, per-
cepções e sensações despertados pelos vídeos. A ideia foi sensibilizar
como a agressão marca muito mais do que fisicamente, pois traz concep-
ções de não pertencimento que vão distanciando os sujeitos, espaços e
tempos.
• Violência verbal: a atividade intitulada "ouvido que vê" parte da vivência
do "andar pela escola". Os alunos foram questionados sobre as situa-
ções de violência "invisíveis" que tinham relação com o contexto escolar,
relatando os sons percebidos ou sua ausência. Em seguida fizeram um
desenho (uma produção coletiva ou individual), em que expressaram os
sons característicos da escola, em cada espaço explorado. Para desco-
brir os sons e silêncios, um aluno ficou de olhos vendados e outro foi
conduzindo-o com intenção de ajudá-lo para não se machucar (não era
permitido conversar), o que propiciou, além da escuta consciente no
ambiente escolar – do que se fala, grita, ou se silencia –, o cuidado na
dimensão do outro.
• Violência psicológica: o exercício foi denominado de autorretrato e (re)
construção de identidade. Consistiu em uma filmagem com espelhos,
dando a possibilidade de brincarem com reflexos, recortes e narrativas
sobre si e sobre o outro. O foco era perceber que coletivos são forma-
dos pelas proximidades e distâncias entre sujeitos e que a abordagem
da violência psicológica perpassa a comunicação de como os reflexos
sociais, muitas vezes, não permitem aceitar as diferenças. De maneira lú-
dica, propôs-se o uso do espelho para refletir sobre quem filma e quem
é filmado (pelo celular) e sobre como, a partir das falas, os alunos eram
afetados por eles mesmos e pelos outros. Foi proposta a elaboração de
um texto com o tema "a minha relação com o que há de mais distante e
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próximo de mim". Formaram-se duplas, e, ao final da escrita do texto e


da filmagem com o reflexo da pessoa lendo o texto diante do espelho,
os estudantes tiveram que elaborar um encerramento improvisado para
o vídeo.
• Violência simbólica: a atividade intitulada "eu dentro da caixa" teve
como objetivo trazer elementos para uma discussão sobre a violência
simbólica. Compreender que essa violência está dentro de um campo
de forças que é social, mas que cada um faz parte desse "social" não foi
tarefa fácil. Os alunos refletiram sobre preferências e escolhas em âmbi-
to individual, ao longo dos anos. Como resultado interagiram com uma
caixa, produzindo um vídeo de até dois minutos envolvendo a caixa, isto
é, tinham que filmar através dela, dentro, pelos furos, encaixando-a em
algum enquadramento etc. No tempo de filmagem as falas apareceram
com rupturas entre a combinação das imagens e dos sons, e por isso o
resultado não foi de uma mensagem explícita única, mas de várias.
Os resultados dessa intervenção com estudantes de uma Escola Estadual
de Ensino Integral auxiliaram na compreensão do que os alunos entendiam
como violências escolares e como reconstruíam suas visões sobre o tema.
Existiam inúmeras formas de violências que estavam presentes no cotidiano
da escola, mas segundo os alunos dessa escola a mais frequente era a ver-
bal, pois durante as aulas se desencadeavam conflitos sem que os docentes
percebessem, e essas atitudes acabam gerando brigas ou agressões físicas.
Perceber os significados abrangentes e pessoais desses alunos do Ensi-
no Fundamental Anos Finais e do Ensino Médio sobre violências possibilitou
a compreensão de vários discursos, ora escolares, ora não, além da visão
de quem está vivendo em uma sociedade com tantos tipos de violências.
Acredita-se que, quando educadores e discentes têm percepções e consta-
tações a respeito das suas convivências, as chances de melhora das intera-
ções sociais e das aprendizagens escolares também aumentam.
De maneira geral, dificilmente os estudantes reconhecem a escola como
um espaço de interação e integração, pelo contrário, a ideia é de um local
de segregação e exclusão que potencializa a dor e invisibiliza socialmente
os sujeitos, sem considerar as subjetividades, causando uma sensação
de despertencimento que só pode ser avaliada pelo próprio sujeito.
No caso dos ateliês realizados na escola de ensino integral, pode-se afir-
mar que foi extremamente complexo propiciar grandes reflexões sobre as
violências com adolescentes e jovens, mas crucial para os relacionamentos
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de educadores e de educandos, o que resultou em um ganho substancial


nas convivências escolares.

Algumas considerações para os diretores mentores


A reflexão sobre as situações de violências traz uma complexidade de vi-
vências extraescolares e intraescolares, principalmente quando se analisam
as relações cotidianas da escola. É importante que os diretores mentores e
mentorados entendam que as violências acontecem nos microespaços do
dia a dia e possuem uma trajetória dentro do ambiente escolar que pode
ser compreendida, mas para isso é necessário parar para ouvir os sujeitos, os
corpos, os sons da escola.
Culpabilizar estudantes e/ou seus familiares ou utilizar a psicologização
para medicar discentes não têm trazido algo novo nem mudanças significa-
tivas, e nesse sentido seria melhor parar de achar culpados e enxergar como
e o que tem sido conviver na instituição escolar.
De modo geral, mesmo permeada por situações de conflitos, a escola
pode superar dificuldades, pois os obstáculos não são razões para desmoti-
vá-la, ao contrário, quando a violência ocorre desaparecem os movimentos,
as vozes, a representatividade tanto no âmbito individual como no coletivo.
A mentoria de diretores deve ser um local em que se buscam soluções,
a compreensão das causas e consequências das violências pelas trocas de
experiências, vivências etc., pois sem essa compreensão a escola se anula e
perde o potencial das inter-relações e dos entendimentos.
Todos os envolvidos com a escola, em especial os diretores escolares,
podem atuar de forma representativa, dialogada e crítica, não evidenciando
os conflitos como um problema, mas como algo que potencializa oportu-
nidades para lidar com as diferenças. Acredita-se que, quando diretores e
professores têm o conhecimento de tais percepções e constatações, eles
podem auxiliar no processo de escolarização de estudantes, tendo como
consequência um discente com melhor interação social e aprendizagem
escolar.
Refletir sobre quais são as pretensões de gestores escolares significa dis-
cutir sobre as violências, e, aqui, diretores mentores e mentorados deixam de
ser espectadores de injustiças sociais para serem pessoas ativas que querem
repensá-las em conjunto com seus alunos. Antes de refletir sobre estratégias
pedagógicas ou mesmo de entender as causas das violências – problema
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tão amplo e complexo –, propõe-se que os diretores e todos os educadores


comecem suas ações com grande disposição de ouvir seus estudantes.

Referências
ABRAMOVAY, M. Escola e violência. Brasília: Unesco, 2002.
ABRAMOVAY, M.; CUNHA, A. L.; CALAF, P. P. Revelando tramas, descobrindo segredos: violência
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