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ISBN – 978-65-86891-11-9
Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1 Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Maria Cecília Luiz; Rita de Cássia Rosa da Silva; Viviane Wellichan; Aline Cristina de
Souza; Jéssica Veloso Morito; Caroline Miranda Palmieri da Silva
Objetivos:
• Compreender a estrutura e as técnicas da mentoria;
• Desenvolver um Programa de Mentoria, com foco em três etapas: seleção
dos diretores; formação para a mentoria e estratégias metodológicas.
1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Esta escolha se
deve ao fato de tais termos se referirem conjuntamente homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e este tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
14 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
O que é mentoria?
A mentoria refere-se à relação entre duas ou mais pessoas, sendo uma
mais experiente, que proporciona orientação, treino, ensino etc., compar-
tilhamento de contatos, redes de relacionamento e apoio em um campo
escolhido (BESNOY; MCDANIEL, 2016).
Para Botti e Rego (2008), o conceito de mentor, muitas vezes, é confun-
dido com funções como tutor, supervisor, coach etc., atribuições que não
condizem com o seu desempenho. A confusão acontece, segundo Bragotto
(2005), devido à proximidade dos significados destas palavras com a palavra
mentor, embora nenhuma expressão seja suficiente para expressar seu real
sentido. Também, se procurarmos sua definição em dicionários ou na per-
cepção de diferentes autores acharemos uma grande variabilidade de sinô-
nimos. Segundo Crisp e Cruz (2009), em seu estudo de revisão bibliográfica,
os autores encontraram mais de 500 significados, incluindo termos como
protetor, atencioso, responsável pelo desenvolvimento social, espiritual, físi-
co e intelectual dos mais jovens, guia, mestre etc.
A mentoria de diretores é descrita por autores como Bush (2011) como
um processo que beneficia novos diretores (primeira experiência na carreira)
na dependência administrativa (via concurso ou indicação), ou aqueles que
estão em algum momento de suas carreiras com dificuldades de administrar
suas escolas. Com base em uma relação estruturada e confiante de aproxi-
mação entre diretores de escola, chamamos de diretor mentor aquele mais
experiente, com práticas exitosas em sua profissão, e o diretor mentorado
o menos experiente, ou aquele, como foi dito, que está passando por de-
safios sérios em suas escolas. Existem vários estudos que já concluíram que
a mentoria promoveu crescimento e aprendizagem contínua para diretores
mentores e mentorados.
Uma revisão da literatura feita por Hansford e Ehrich (2006) indicou que os
resultados positivos para esses diretores incluíram: apoio, empatia, aconse-
lhamento, compartilhamento de ideias e resolução de problemas, desenvol-
vimento profissional, aumento da confiança, oportunidade de refletir e uma
oportunidade de estabelecer uma rede de contatos. Além disso, a mentoria
contribui para aliviar a solidão do diretor e oferecer afirmação e avanço na
sua carreira profissional, por meio de feedback e reforços positivos.
Estudos internacionais concentraram-se em desafios e dificulda-
des encontrados pelos diretores escolares recém-nomeados, em países
como: Inglaterra (BUSH, 2011); Hong Kong (CHEUNG; WALKER, 2006);
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 15
inexperientes, e para atingir seu potencial deve ser vista como processo de
partilha e reflexão intencional e ter base na confiança.
Neste caso, a escolha para este material de apoio, em que se descreve
um Programa de Mentoria, é a mentoria transformadora. Segundo Alcover
e Gil (2002), o mais interessante é que diretores de escola, por meio de um
Programa de Mentoria, possam trocar ideias, sentimentos, experiências, in-
formações e impressões e, por meio dessa troca, chegar a entendimentos do
que é aceitável para todos. Consequentemente, este tipo de aprendizagem
coloca ênfase em processos, como ouvir e respeitar os outros, compreender
perspectivas alternativas, desafiar e questionar, negociar pontos de vista e
manter sujeitos e grupo juntos como um todo.
Embora a mentoria tenha tido forte desenvolvimento nos últimos 50
anos nos Estados Unidos, Europa e países asiáticos – sendo área de interes-
se para pesquisas nos mais diferentes segmentos, por exemplo, formação
inicial, formação continuada, diretores, coordenadores etc. –, no Brasil, o
processo ainda se encontra em desenvolvimento. Uma revisão da literatura
científica brasileira demonstra haver escassez de publicações sobre o tema
(AZEVEDO; DIAS, 2002). No campo da educação brasileira, as experiências
desenvolvidas voltam-se frequentemente para a formação de novos pro-
fessores, que são amparados pela experiência de docentes mais antigos
em projetos de indução à docência (REALI; TANCREDI; MIZUKAMI, 2008).
Assim, a experiência empreendida neste Programa de Mentoria é inédita,
porque tem como foco diretores de escola em serviço.
Os diretores de escola com participação no projeto-piloto (Programa
de Mentoria e Cooperação em Gestão Escolar: gestor mentor) realizado
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em parceria com a Se-
cretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC) tiveram
resultados diferentes em suas trajetórias como diretores. Esse processo de
mentoria não deve ser considerado como uma forma de ensinar os diretores;
trata-se de estabelecer um processo de colaboração, de instaurar um novo
sentido para o processo de gestão escolar, que possa ser compartilhado
entre diferentes gestores com diferentes experiências.
Geralmente, os Programas de Mentoria desenvolvidos em outros países
utilizam abordagens com os focos Pedagógico, Administrativo e na Lideran-
ça (hierarquia – relações de poder). Por isso, além de conhecer os tipos de
mentoria, a Secretaria de Educação (SE) deve ter atenção especial para o
caráter formativo multidisciplinar. Neste caso, seria interessante reunir vários
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 17
1ª etapa: Preparação
Recapitulando, depois de confirmada a decisão da Secretaria de Educa-
ção, o Programa de Mentoria, um projeto institucional, deve estabelecer: o
público-alvo que o Programa atenderá; o tipo de orientação que o Programa
oferecerá; e a natureza das orientações.
Após essa primeira fase, fundamos dois tópicos principais para esta
primeira etapa de preparação do Programa de Mentoria: seleção dos direto-
res mentores e formação para mentores e mentorados.
O primeiro tópico – seleção dos diretores mentores – trata de algo
fundamental para o Programa, pois os diretores selecionados estarão à
frente do processo e serão importantíssimos para o seu sucesso. Por isso,
aconselhamos que esse profissional: tenha experiência de direção escolar
(de preferência que seja da dependência administrativa da SE); conheça a
perspectiva do sistema administrativo e educacional da SE; tenha motiva-
ção; tenha vontade de compartilhar com demais profissionais; possua uma
autocrítica construtiva e habilidades interpessoais. Lembrando que o envol-
vimento do diretor mentor significa ter certeza de que sua responsabilidade
e compromisso com o Programa de Mentoria fará diferença entre motivação
e passividade, confusão e equilíbrio, desordens e acertos etc.
22 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
a todos; refletir sobre o que significa ter um desafio com o coletivo etc. Além
disso, Libâneo (2001) pontua a importância de observar como um diretor
administra informações e conduz a cultura organizacional da sua escola.
Pode-se dizer que cada pessoa tem suas próprias orientações motivacio-
nais e, por esse motivo, torna-se difícil entender e aceitar o que motiva
o outro. Essas diferentes necessidades que existem no interior de cada
indivíduo são comparadas aos desejos, que quando supridos tornam a
pessoa satisfeita e quando não, insatisfeita.
Quadro 1 continuação...
Tipo Descrição
As decisões sobre linhas principais de trabalho, prazos e re-
sultados esperados são estabelecidas por líder e equipe em
conjunto. E isso é uma vantagem, pois possibilita à equipe
Liderança estabelecer a tarefa mais adequada para cada integrante e
democrática situação. Outro ponto positivo é que a liderança democráti-
ca prioriza a valorização da participação das pessoas. Dessa
forma, as equipes são beneficiadas por ideias, opiniões e
pontos de vista discutidos e apresentados.
Apresenta alto grau de confiança na capacidade e no
desempenho dos colaboradores, por isso, ela dá à equipe
Liderança liberal
o livre-arbítrio para tomar decisões em grupo e individuais,
com participação mínima do líder.
Para Assis (2015), a função da liderança não é algo simples, visto que
um líder precisa atender e criar expectativas, em si mesmo e no grupo. A
liderança exige que um diretor líder tenha caráter disciplinado, paciente,
humilde e comprometido, a fim de conduzir o grupo aos resultados e obje-
tivos almejados. Nesse contexto, o diretor de escola prioriza desenvolver e
aprimorar suas aptidões para influenciar e motivar a equipe de modo cons-
trutivo, ético e positivo. Oliveira e Perez (2015) indicam que:
fica perceptível que, diante das definições, o líder é aquele que conquis-
ta seus liderados sem usar seu poder de autoridade, mas através de seu
poder de influenciar pessoas. Ele é formador de opinião e é capaz de
motivar seus liderados a alcançarem objetivos e uni-los em prol da mes-
ma causa (OLIVEIRA; PEREZ, 2015, p. 2).
gestão escolar, e refletir sobre os tipos de relações que estão sendo vividas
na escola é crucial para criar um ambiente social democrático.
alguém capaz de resolver todos os desafios que aparecem. Mesmo com essa
consciência, sabe-se que vários diretores se sobressaem com realização de
boas práticas, por meio de motivação e aprendizado – algo que deve ser, na
medida do possível, compartilhado, e não copiado.
O diretor mentor precisa de uma série de conhecimentos relacionais e
técnicos para assegurar o bom desempenho do seu grupo de mentorados,
com o intuito de buscar a harmonia em situações de conflitos, mas, ao mes-
mo tempo, necessita de motivação e comprometimento durante o processo
de mentoria, visto que, como já foi dito, a liderança não é uma competência
nata, mas adquirida com formação adequada. Ainda, dentre as habilidades
interpessoais a serem desenvolvidas, destacamos:
• manter uma escuta ativa, tendo calma diante dos conflitos e de opiniões
contraditórias;
• facilitar o diálogo com a descentralização da hierarquia, uma vez que
assim é mais eficaz manter o envolvimento de todos;
• estabelecer regras de conduta de comum acordo, ficando claro o intuito
e aonde se quer chegar – visualizar resultados desejados;
• realizar análise crítica de colocações e ações do grupo de mentorados,
fazendo a avaliação pelo acompanhamento dos resultados que norteiam
as inferências internas e externas;
• valorizar seus pares, com reconhecimento das qualidades e incentivando
os diretores – dando feedbacks que ressaltem acertos, e não apenas os
pontos negativos;
• flexibilizar para não sucumbir à cultura de resistência e estar sempre
aberto ao diálogo;
• fomentar a comunicação não violenta, com reflexões colaborativas e
construtivas sobre situações de conflitos – seja em pares ou em grupo;
• colocar o desafio na centralidade da mentoria, visto que, mesmo sendo
um mentor selecionado por ter práticas exitosas, não se deve esquecer
que o foco da mentoria é auxiliar o mentorado, e não aguçar suas pró-
prias iniciativas;
• conhecer o espaço escolar dos mentorados, pois verdadeiras mudanças
só acontecem com o conhecimento prévio do ambiente sobre o qual se
propõem mudanças;
• ter uma organização que possibilite compreender o dinamismo da rotina
do outro;
• marcar com antecedência as interações e cumprir prazos estabelecidos.
42 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
2ª etapa: Efetivação
identificar sua maior necessidade e iniciar essa proposta a partir desse pon-
to. Cada uma dessas etapas visa atingir a um objetivo específico, conforme
descrito a seguir:
• autoavaliação e monitoramento – essa etapa está pautada na observação
e análise das disposições para o trabalho colaborativo, para conscienti-
zação de seu ponto de partida e para o acompanhamento da progressão
das etapas.
• conscientização e propósito – essa etapa está pautada na sensibilização
da comunidade educacional pela equipe gestora sobre o trabalho cola-
borativo, por meio do envolvimento nas mudanças, possibilitando sua
sustentabilidade.
• identificação de oportunidades – essa etapa está pautada na identifica-
ção das oportunidades de inovação, investigação das percepções das
ideias para suas conceitualização.
• desenvolvimento de práticas – essa etapa está pautada no desenvolvi-
mento transversal de práticas colaborativas, instalação de novas ações e
acompanhamento do trabalho colaborativo.
A partir da identificação da etapa na qual a instituição escolar se en-
contra, o trabalho colaborativo pode ser realizado seguindo uma rota de
aprendizagem, por meio do desenvolvimento de ferramentas que auxiliem
na prática de atividades dessas etapas.
Essa rota de aprendizagem facilita todo o processo de trabalho e favo-
rece a construção e consolidação das práticas colaborativas. Ela pode ser
montada com base em quatro pilares, identificados pelos verbos conectar,
conhecer, praticar e consolidar, conforme descritos a seguir (CHILE, 2019a,
2019b):
• conectar – são realizadas atividades com foco nas experiências prévias
dos participantes, com o intuito de se aproximar de um novo aprendiza-
do com base nos conhecimentos que já se tem.
• conhecer – são realizadas atividades com foco na exploração e compre-
ensão dos novos conhecimentos, com implicação no trabalho do diretor.
• praticar – são realizadas atividades com foco na aplicação prática nas
situações identificadas, analisando a realidade atual e estabelecendo
conexões entre os conteúdos estudados e o trabalho do diretor.
58 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
para cada subtema (considerando uma capacidade para seis a oito pessoas
por mesa), personificando cada temática para que todas sejam abordadas
durante as trocas e diálogos do grupo.
Além disso, um quadro deve ser organizado para escrever o tema cen-
tral. Se for realizado on-line, isso não se faz necessário. Então, os participan-
tes devem receber explicações sobre o objetivo, o tema a ser discutido e
a duração da atividade, e cada grupo terá um subtema a ser discutido. O
facilitador será aquele que orientará a atividade, dando instruções gerais e
controlando os horários. Cada grupo terá um ajudante conduzindo a conver-
sa. Durante a rotação dos grupos, o ajudante deve permanecer no mesmo
local (apenas os participantes rodam), dando as boas-vindas aos diferentes
participantes, mediando a conversa, anotando as ideias que surgem de cada
diálogo (e podendo incorporar o que foi discutido pelo grupo anterior).
Desenvolvimento da atividade
Receba participantes: o facilitador dá as boas-vindas aos participantes
e indica o objetivo da atividade, o tema a ser discutido e explica a forma de
trabalhar. Se entre os participantes houver pessoas que não se conheçam,
deve haver antes uma rodada de apresentações.
Convide os participantes a abordar temas de acordo com seus inte-
resses: o facilitador deve garantir que haja equilíbrio no número de partici-
pantes por grupo. Conforme indicado, cada grupo possui um subtópico de
conversa diferente que está vinculado ao tema central e sobre o qual será
feita uma conversa guiada. Além disso, cada grupo conta com um ajudante
que estará sempre presente e mediará a discussão, ordenando as ideias no
decorrer da conversa.
Comece a primeira rodada de conversa: o facilitador dá 15 minutos
para a primeira rodada de conversa. O ajudante de cada grupo registra suas
ideias.
Rodar grupos: decorrido o tempo da primeira rodada, é anunciada a
rotação dos grupos para outro local (podem ser mesas), a fim das pessoas
serem redistribuídas formando novos grupos, de acordo com seus interes-
ses. Os ajudantes devem garantir que todos tenham um grupo.
Comece a segunda rodada de conversa: os ajudantes sintetizam o tema
para o novo grupo e apontam as ideias emanadas dos participantes anterio-
res. O novo grupo dá continuidade à conversa ou discute um novo aspecto
relacionado, conforme disposto nas questões norteadoras. Por exemplo, em
cada rodada, as seguintes perguntas podem ser feitas:
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 61
• Reciprocidade
• Comunicação mútua
• Resultado significante
resolver, como também a forma viável de esse problema ser resolvido, isto
é, por meio de um trabalho colaborativo entre todos os envolvidos com a
escola. Para isso, sugere-se realizar um brainstorming, cuja análise propiciará
as ações mais propícias para resolvê-lo. É importante considerar que essa
seleção de prioridade também deve estar relacionada a algum objetivo do
PPP da instituição escolar, e, caso não esteja, esta é a melhor ocasião para
repensar os objetivos estratégicos da escola.
Uma observação importante: caso não seja possível reunir todas as
pessoas que participam da escola neste estágio de desvendar problemas,
sugere-se a formação de uma comissão específica para essa tarefa. Essa co-
missão deve ter representantes de diferentes níveis, considerando membros
da equipe gestora, professores de diferentes ciclos, assistentes pedagógi-
cos e profissionais de apoio, funcionários etc., composta de no mínimo três
e no máximo oito membros, dependendo do tamanho da escola. O requisito
mais importante é que essa comissão seja composta de integrantes com
grande motivação para resolver o problema escolhido e com habilidades
para realizar um projeto de inovação de uma forma concreta.
Ter empatia: nesse momento, investiga-se como o problema ocorre
(usando um padrão ou contexto) com o intuito de redefini-lo para que seja
resolvido. Nesse estágio, conta-se com a familiarização das situações e com
a empatia dos sujeitos – em especial, para refletir sobre as necessidades
daqueles que fazem parte diretamente dos problemas levantados –, visando
compreender para resolver. A ideia é se colocar no lugar do outro e per-
ceber quais são os empecilhos enfrentados, com vistas a propor soluções
condizentes com a realidade.
Fazer definições: nessa etapa, apresenta-se uma reflexão pedagógica
dos problemas definidos pela comissão ou grupo inteiro da escola, para, em
seguida, realizar um brainstorming e elencar diferentes hipóteses – depois
de filtrar todas as informações coletadas e atender as necessidades obser-
vadas. Os participantes podem refletir sobre as hipóteses para a solução dos
problemas, e no final apenas duas hipóteses serão selecionadas – com duas
soluções. Por exemplo, uma primeira hipótese poderia ser "Se os alunos
aplicassem os conteúdos em seus cotidianos, os conhecimentos fariam mais
sentido, produzindo aprendizagens significativas", e outra hipótese seria "Se
os assuntos estivessem ligados aos tópicos de interesse dos alunos, tudo
faria mais sentido, o que chamamos de aprendizagens significativas".
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 75
Aqui fica uma dica: adultos aprendem mais intensamente a partir da ex-
periência e da reflexão sobre sua prática, e o aprendizado vem à medida que
saímos da zona de conforto do que já sabemos e dominamos. Na mentoria,
a aprendizagem se dá no cotidiano da escola, no fazer. É comum recorrer
às lembranças do que já se conhece e/ou já se viveu, e por isso, como adul-
to, o acúmulo de experiências significativas permite estabelecer relações e
atribuir valores a novos cenários, conceitos e situações. A partir desse reper-
tório, construído ao longo dos anos, obtemos uma vasta experiência, que
é a matéria-prima para a criação de pontes e memórias que nos ajudam na
transformação de concepções e práticas.
Compartilhar experiências, refletir, buscar outras teorias, debater posi-
cionamentos, reorganizar novas ideias, testar hipóteses, registrar as refle-
xões, observar a melhor forma de aprender são exercícios que estimulam a
revisão de posicionamentos e práticas e oportunizam mudanças no modo
de agir.
2 Este tópico sobre comunicação e comunicação não violenta é muito importante para a
formação do diretor mentor, e por isso há um material de apoio específico que aborda
a temática com mais aprofundamento teórico e prático.
Mentoria e as bases técnicas de apoio ao mentor | 81
3 https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-18132018000100383&script=sci_arttext
84 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
3ª etapa: Avaliação
aceita pelos diretores de escola. Essa avaliação torna-se crucial para dar con-
tinuidade e condições às ações do Programa.
Alguns desafios
Um dos desafios será a sistematização das conversas mantidas via corres-
pondência entre mentores e mentorados e das reuniões semanais envolven-
do mentores e pesquisadores. Outro desafio será identificar e determinar a
qualidade dos processos reflexivos relacionados à melhoria das práticas de
mentores e mentorados.
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2
Objetivos:
• Compreender os saberes dos diretores quanto à participação e gestão
democrática;
• Compreender como ocorrem as relações nos ambientes escolares na
perspectiva de saberes dos diretores;
• Problematizar os saberes sobre as práticas democráticas e a cultura
colaborativa.
1 Utilizarei no texto todo a Teoria da Relação com o Saber a partir dessa sigla – RcS.
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 101
1ª parte
2ª parte
Começamos aqui a apresentação das constelações (temas) e das figuras
do aprender (saberes e formas do aprender do ponto de vista epistêmico
– os fundamentos dos conhecimentos envolvidos) que apareceram nas res-
postas obtidas na enquete que foi realizada pela coordenação do Programa
de Mentoria na UFSCar. Apresentamos sempre a constelação primeiro e
em seguida a lista dos saberes que compõem as figuras do aprender para
estabelecer diálogos com ambas. Ao final da apresentação de extratos das
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 105
Nosso maior ganho é fazer o outro se sentir bem (Diretor – rede estadual
– 11 a 15 anos de função/cargo – São Paulo).
Na construção da gestão democrática e participativa, houve muitos
avanços na conscientização da importância da corresponsabilidade de
todos os atores (corpo docente, funcionários e alunos), com o desen-
volvimento de ações com foco na melhoria dos resultados no processo
ensino-aprendizagem (Diretor – rede estadual – 16 a 20 anos de função/
cargo – São Paulo).
Nosso enfrentamento diário é ter uma comunidade participativa no âm-
bito escolar para evitarmos problemas como evasão, faixa etária, série,
reprovações e valorização financeira (Diretor – rede estadual – 6 a 10 anos
de função/cargo – Acre).
Dar voz e ter voz deve servir para que todos possam falar e se posicionar
sobre um problema que tortura o diretor escolar engajado com sua escola
e com a educação: a evasão escolar. Claro que, antes mesmo de chegar
à evasão, sabemos que outros problemas já se apresentaram. São eles: a
diferença entre a faixa etária esperada para cada ano escolar, reprovações
e outros. Podemos dizer que só pode dar voz quem tem voz, e quem tem
voz é porque tem o que dizer, porque o que pensa vale a pena dizer. Mas a
questão que não quer calar é: dizer a quem? Dizer para quê? Se ficar só no
ouvir, se não passar pela mente, se não perturbar o sono, perde-se o tempo
em dizer.
estão prontos para anotar e ansiosos por ouvir o que temos a dizer. Ser dire-
tor da escola está mais para caniço que se agita no deserto do que qualquer
outra coisa. Às vezes, não se é ouvido sequer pelos que trabalham na mesma
escola todos os dias, dividindo o cafezinho na sala dos professores. Esse dar
a voz é uma arte. Arte da sedução. Atrair o outro, dar sinais de que o que se
vai dizer lhe interessa, faz sentido. Aí se tem alguma chance.
Das respostas acima, sugerimos que passemos a pensar sobre dois pon-
tos que nos parecem essenciais na relação escola-comunidade. O primeiro
refere-se ao interesse da gestão por saber o que pensam os pais e familiares
dos alunos. O segundo refere-se a um saber-do-diretor de que essa relação
é normalmente ruim. Daí precisa melhorar. Vamos pensar um pouco. Pode-
mos partir de uma pequena inversão e dizer que a relação da escola com os
familiares dos alunos é ruim por falta de interesse da escola e, eventualmen-
te, de sua gestão, em particular. Alguns, no entanto, já se apressariam em
esbravejar o contrário, com base em um jargão escolar, um lugar-comum que
assim se enuncia: "os pais não têm interesse pela escola e pela vida escolar
de seus filhos". Ou ainda "a escola é um depósito de crianças ou jovens. É
para eles não darem trabalho em casa que levam seus filhos à escola". No
entanto, que os jovens desejam ir à escola nos parece ser um ponto bem
interessante. Vamos pedir ajuda na reflexão. O professor Charlot (2009) afir-
ma que os jovens e as crianças gostam de ir à escola. Lá se encontram com
amigos, fazem brincadeiras, fazem besteiras juntos, se identificam dentro de
um grupo da mesma faixa etária, fazem também alguns inimigos, cultivam
alguns desafetos. Vão à escola para paquerar, para namorar, para ficar, mas,
nos diz o autor, não vão para estudar e afirmam, em geral, que não gostam
de estudar.
Alguns até se habilitam a dizer: aí está o problema da juventude e das
crianças de hoje em dia, eles não chegam à escola querendo estudar. Aque-
les que assim pensam têm certa razão. A questão, nos diz o educador fran-
cês, é que esse não é problema do aluno, mas da escola. Dos professores.
Da coordenadora pedagógica. É a escola quem tem de atrair os alunos para
aprender aquilo que se considera importante do ponto de vista dos adultos,
professores e outros. Para o autor, aprender a gostar de estudar é desenvol-
ver uma atividade intelectual. É mobilizar-se intelectualmente. Coisa com a
qual as crianças e jovens não estão acostumados ou mesmo interessados,
em geral.
Em publicação recente (CHARLOT, 2020), o autor adverte-nos sobre o
embate entre a pedagogia tradicional, baseada na norma, na disciplinari-
zação do aluno, daquela escola que chegou até os dias de nossa infância
– e que ainda persiste na cabeça de alguns educadores –, e a pedagogia
nova, baseada no desejo. A escola seria baseada no desejo do aluno em
particular, mas também do professor e de outros adultos que lá trabalham.
Não podemos deixar de antecipar que a disputa entre as duas concepções
110 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
pedagógicas tem problemas e está, hoje em dia, em crise, pois as duas con-
cepções não respondem mais aos problemas que estão presentes na escola
atualmente.
Outro aspecto do saber sobre a gestão democrática na relação escola-
-comunidade foi destacado como um sentimento, um reconhecimento ou
uma ação de familiares no sentido de pertencimento à escola. Assim, ser
parte, fazer parte e tomar parte, embora se refiram ao mesmo objetivo – a
parte –, são formas de percepção diferentes. A primeira refere-se a um saber
específico: o nome está na lista; se é membro; se é considerado alguém
que está dentro. Trata-se mais de um saber ligado a um sentimento de
identificação com o coletivo da escola. Ser reconhecido. A segunda forma
passa do sentimento à ação – o verbo fazer o indica. Para além de ser parte,
entende-se que é preciso fazer algo. Talvez possa significar fazer algo junto
ao coletivo da escola. Pode ser comparecer a reuniões ou outras atividades,
sabendo qual parte lhe cabe em cada evento. Por último, a terceira forma é
mais incisiva: tomar parte. O verbo tomar já indica que é uma ação, mas é
aquele tipo de ação que deixa uma marca: quando algo está em discussão,
tomar parte significa dizer o que pensa, dizer o que é melhor segundo seus
princípios e sua forma de pensar, independentemente do que os outros vão
pensar. É considerar que tomar parte é participar das decisões. Vejamos al-
gumas respostas:
Hoje temos uma escola tranquila, não temos problemas com drogas e
violência, os alunos mais participativos e os professores comprometidos.
O maior desafio é desenvolver na escola a gestão democrática e fazer
com que todos os segmentos da comunidade escolar se sintam parte
integrante do processo de aprendizagem. Começamos a desenvolver a
liderança por meio da criação do Grêmio Estudantil e da eleição dos
líderes de turma. Demos voz e responsabilidade às lideranças e os con-
vidamos a tomar parte das decisões da escola. Quanto aos servidores
procuramos dialogar e tomar as decisões em colegiado (Diretor – rede
estadual – 6 a 10 anos de função/cargo – Minas Gerais).
Quando assumi a direção da escola, a comunidade escolar não estava
engajada nas ações e atividades da escola, e, por meio de reuniões com
a equipe escolar, pais e parceiros do entorno da escola, tivemos uma boa
resposta e conseguimos aproximar todos da gestão escolar. Estou como
gestor nesta escola há pouco mais de um ano, mas para pouco tempo
de gestão consegui parcerias com instituições de ensino superior para
o desenvolvimento das práticas e projetos pedagógicos, assim como
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 111
correndo o risco de perder o cargo. Viver é correr riscos! Há que se dizer uma
coisa, a confiança da escola inteira vai aumentar em cada um e no processo
de aprender ali dentro. Isso não quer dizer que tem de fazer a coisa de qual-
quer jeito. Vamos lembrar que entre a coragem e o medo sempre haverá a
necessidade de um meio termo: a prudência. Por via das dúvidas, é melhor
fortalecer os órgãos colegiados, pois na hora da necessidade, da disputa,
mais cabeças pensam melhor do que uma só.
significa dizer que o receptor não está ali desde sempre, esperando aquela
mensagem daquele locutor, mas ele é constituído no momento mesmo da
enunciação da mensagem. A interação é que cria o locutor e o locutário.
Portanto, multiplicar formas de interação verbal, sejam elas orais ou não,
é comprometer-se com o diálogo nessa perspectiva teórica. É uma forma de
aprender a dialogar. Assim, quando o diretor ou diretora de escola se abre
para o diálogo, está produzindo uma abertura para a interação com o outro.
Mas o que seria então uma gestão dialógica, como enunciado pelo gestor
(Diretor – rede estadual – 11 a 15 anos de função/cargo – Minas Gerais), aci-
ma exposto? Seria uma gestão aberta ao diálogo, à interação verbal? Sim.
Mas é também mais do que isso. Ao diálogo, o gestor está atribuindo um
valor essencial na gestão, ou, dito de outra maneira, o diálogo é o funda-
mento da gestão escolar. O diálogo está sempre aberto a todos. Não há o
que não se possa tratar com a gestão da escola. A que saber esse gestor se
reporta? Saber dialogar, saber o lugar-do-outro na gestão, saber e valorizar
não apenas a posição da maioria, mas também as opiniões particulares. Por
isso, podemos considerar que chamar a equipe para dialogar significa, para
além de emitir opiniões à vontade na escola, que as pessoas são também
convidadas a se posicionarem frente a questões importantes, graves ou ur-
gentes. É um constante contamos com você na hora de decidir algo.
Nenhum gestor dá conta sozinho de tocar a escola, e consideramos que
todos eles sabem disso. O que resta saber é o que eles escolhem fazer em
função dessa impossibilidade. Ou eles se remetem e conversam com um
pequeno grupo, ou eles confiam a decisão a todos que estão na escola e aos
familiares dos alunos também. Portanto, ao indicar que baseia sua gestão no
diálogo, podemos supor que todos são ouvidos e considerados, sobretudo
nos momentos mais cruciais da vida escolar. Se o gestor tem como princípio
o diálogo, supõe-se que ele não faz distinção entre aqueles que têm a prer-
rogativa legal de interagir na gestão e os outros que não a têm. Como saber
se o diálogo está fundamentando a gestão escolar: se na escola a pauta é
coletiva, ou se tudo o que ocorre é passível de ser discutido em algum coleti-
vo, seja ele o Conselho Escolar ou o HTPC, pode-se saber que a gestão pre-
za por práticas democráticas, que, possivelmente, indicam que há princípios
também democráticos por ali. Além de existir uma pauta permanentemente
coletiva, pode-se perceber que há reuniões fixas dos colegiados escolares.
A essa reflexão acrescentamos a noção de coparticipação, enten-
dida aqui como compartilhamento de algo, fazer junto com alguém algo
120 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
então o Grêmio não serve para quase nada. Trata-se de um saber que a
escola pode propiciar aos alunos e que não é, exatamente, dentro da sala de
aula, ou ao menos não está previsto nas disciplinas e seus conteúdos. E este
é um saber que só se pode aprender na escola.
Esses saberes são portadores de uma cultura de confiança, o que sig-
nifica muito mais que apenas participar. Trata-se de ter oportunidade de
demonstrar que é capaz de interagir em assuntos importantes e de tomar
posição frente a eles, nos momentos de decisão, na escola.
Então vemos que uma gestão compartilhada faz com que todos acabem
se envolvendo em prol de um bem comum. Está dando certo (Diretor –
rede estadual – 3 a 5 anos de função/cargo – Amapá).
efetivamente, alterar alguma coisa que valha a pena na escola. Vamos anali-
sar cada uma.
O que a comunidade pede? É uma pergunta que pode ser entendida,
pelo menos, de duas maneiras distintas: a primeira, quando cada pai, mãe
ou outro familiar pede algo na escola. Ao final de um dia, de uma semana
ou mês, deve haver um conjunto de pedidos individuais que somados eu
poderia entender como pedidos da comunidade. A segunda forma seria
chamar a tal comunidade para uma conversa, seja no início do ano letivo ou
em outro momento, e perguntar a todos o que gostariam de pedir à escola.
Seriam os mesmos pedidos? Lembremo-nos: duas cabeças pensam melhor
do que uma... Então, pode ser que muitas cabeças pensem melhor do que
uma, duas, cinco ou dez. E podemos afirmar também que, quando um pai,
uma mãe ou outra pessoa da família faz um pedido, ele também expõe não
apenas um problema que identifica na escola, mas a própria forma como
essa pessoa vê a escola.
Assim também podemos dizer que uma escuta ativa, uma espécie de
mecanismo conhecido por todos na escola, seja um momento de uma as-
sembleia, seja um momento da reunião do Conselho de Escola, ou qualquer
outra forma, em que os alunos possam falar e o diretor, a coordenadora
pedagógica e o professor estejam dispostos a ouvir, a dialogar com a pessoa
– em vez de repetir as normas da escola, apenas –, posicionar-se de forma
sensível às queixas, aos pedidos, aos sonhos ou seja lá o que for que o aluno
queira falar, parece ser uma forma de aproximar a escola oferecida ao aluno
da escola pretendida pelo aluno.
A interação, o trabalho em equipe sugerem uma ideia bem próxima uma
coisa da outra. Interagir é agir entre pares. É poder agir fazendo com que
minha ação não seja lida apenas pelo crivo da hierarquia da instituição, que,
normalmente, tende a gerar aquela pergunta "quem você pensa que é?",
à qual o aluno ou o ouvinte poderia simplesmente responder "eu sou eu
mesmo. E você, quem você pensa que é?". Ao invés disso, podemos apenas
dizer: Podemos dialogar? Por que gostamos tanto de hierarquias, principal-
mente, quando nós estamos no degrau de cima?
Quanto a trazer a família para o interior da escola, eu me pergunto sem-
pre: Para quê? O que de fato queremos? Essa pergunta me vem à cabeça,
pois grandes decisões da escola, por exemplo, qual é o projeto de escola que
queremos – pergunta boa feita na discussão do PPP –, parecem não caber
numa reunião em que estão pais ou familiares dos alunos, pois, afinal, o que
130 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
eles entendem de PPP, não é? E, por acaso, algum de nós nasceu sabendo
o que é o PPP? Então, por que não dizer aos pais o que é e para que serve,
a ponto de que possam ter o que dizer na elaboração desse documento?
Ninguém nasce sabendo participar. A ideia de que as pessoas precisam
aprender antes para depois participar serve, muitas vezes, de escudo para
excluir pessoas de uma participação efetiva. Como se aprende a andar de
bicicleta? Pode ter diversas formas e tentativas, mas quando se sobe na bi-
cicleta e tenta, apesar do risco quase certo de cair, a chance de aprender
também existe. Poderíamos utilizar o mesmo princípio na escola. Por exem-
plo: como fazer os alunos participarem da vida da escola, para além de ir até
lá, todos os dias, e passar horas sentados, escutando o professor? Participar
das decisões, participar da organização de eventos, participar das angústias
e tristezas, enfim viver a escola, como se aprende? O Grêmio Estudantil é
uma boa resposta a essa pergunta. Ele dá trabalho para organizar, principal-
mente se os adultos não fazem para os alunos, mas lhes dão condições para
que o façam por si mesmos. Com o Grêmio, não só os alunos vão aprender
a participar, como a direção escolar, os professores e os outros funcionários
da escola poderão aprender... a ver os alunos de forma diferente e também
respeitá-los.
Outra forma de proporcionar uma forma de aprender a participar é a
eleição de líderes de turma. Aprender um processo de representação do
coletivo. Tarefa difícil, pois o mais comum é que o representante acabe re-
presentando a si próprio. Além disso, muitas vezes ele se esquece de que
deve dar retorno aos representados do que aconteceu nos espaços de dis-
cussão e decisão nos quais foi chamado a participar em nome da turma. Se
o processo for conduzido com respeito, de forma ética do começo ao fim,
todos poderão aprender que a participação política é mais do que votar.
Lição que muitos adultos até hoje não aprenderam ainda.
Tomar parte nas decisões da escola costuma ser uma coisa fácil de falar,
mas difícil de fazer. O destaque é que é importante aprender e fazer. Duas
perguntas que me vêm à mente quando se trata desse tema é: Participar
de quais decisões? Quem poderia participar? As respostas são simples e
se resumem a: de tudo e todos. Ou, dito de outra forma, o que justifica
deixar alguém ou algum setor da escola de fora das decisões que afetam
a vida de toda a escola? Nada. Apenas o medo de perder o controle. Essa
ideia é originária de outra: para decidir é preciso conhecer a melhor razão
das coisas. A ela, cabe a indagação: Quem tem a melhor razão na escola? O
Saberes dos diretores e a cultura colaborativa | 131
Referências
BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BAUMAN, Z. A modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CHARLOT, B. A relação com o saber nos meios populares: uma investigação nos liceus profissionais
de subúrbio. Porto: CIIE/Livpsic, 2009. (Coleção Ciências da Educação, 5).
CHARLOT, B. Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas,
2000.
CHARLOT, B. Educação ou barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. São Paulo:
Cortez, 2020.
NEHMY, R. M. Q; PAIM, I. Repensando a sociedade da informação. Perspectiva em ciência da
informação, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 9-21, jan./jun. 2002.
RISCAL, S.; OLIVEIRA, B.; BALDAN, M. A coordenação pedagógica e a escola democrática. São
Carlos: Pixel, 2016.
VIANA, M. J. B. A relação com o saber, com o aprender e com a escola: uma abordagem em termos
de processos epistêmicos. Paidéia, v. 12, n. 24, p. 175-183, 2003. Disponível em: <https://www.
scielo.br/pdf/paideia/v12n24/06.pdf>. Acesso em: 29 out. 2020.
3
Objetivos:
• Refletir sobre maneiras efetivas e positivas de lidar com conflitos no am-
biente escolar;
• Aprender sobre os métodos autocompositivos como práticas possíveis
para as convivências escolares;
• Compreender a perspectiva da escola justa – por meio de engajamento,
explicação e transparência – como proposta de inclusão escolar.
Conflitos na escola
Segundo Chrispino (2007), conflito é toda opinião divergente ou maneira
diferente de ver ou interpretar algum acontecimento. Todos que vivem em
sociedade têm experiências de conflito, tais como:
• conflitos próprios da infância;
• conflitos pessoais da adolescência;
• conflitos intrapessoais, como ir/não ir, fazer/não fazer, falar/não falar,
comprar/não comprar, vender/não vender, casar/não casar etc.;
• conflitos interpessoais, como brigas de vizinhos, separação familiar,
guerras, desentendimentos entre alunos.
136 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
• para apoiar alguém que foi prejudicado(a) pelas ações de outra pessoa,
indagar
▪▪ Em que você pensou ao perceber o que havia acontecido?
▪▪ Que impacto o incidente causou em você e nas demais pessoas?
▪▪ Para você, qual foi a coisa mais difícil?
▪▪ Em sua opinião, o que é preciso para tornar as coisas melhores?
Costello, Wachtel e Wachtel (2011, p. 12) afirmam que "essas perguntas
procuram trazer à tona a história dos atos e dos eventos, os pensamentos e
os sentimentos associados a tais atos e eventos, e soluções para resolver as
coisas, em vez de culpar os outros e procurar justificativas para determinado
comportamento".
Pedro Scuro Neto (2008) relata sobre a primeira experiência com com-
ponentes da Justiça Restaurativa no Brasil, realizada em 1998, em algumas
escolas públicas da cidade de Jundiaí, no estado de São Paulo, dentro
de um programa de pesquisa sobre prevenção de desordem, violência e
criminalidade.
Comunicação e relações interpessoais | 143
pessoas que não foram formadas para tal finalidade (ORTEGA-RUIZ; DEL
REY, 2002 apud POSSATO et al., 2016).
O Brasil possui uma trajetória de projetos e programas inseridos nas
políticas públicas que visam amenizar as violências nas escolas. Devido à
intensidade de fatos ocorridos na década de 1990, o Ministério da Justiça
encarregou uma comissão de especialistas da Secretaria de Direitos Huma-
nos de elaborar diretrizes para a diminuição das manifestações violentas
nas escolas. O "Programa Paz nas escolas" foi difundido em nível nacional e
focava a formação de professores e de policiais para lidarem com o tema da
violência nas escolas.
Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu-se o projeto
"Escolas de Mediadores", em 2000. A ideia era capacitar alunos para que
utilizassem as técnicas de mediação de conflitos com seus colegas. Foi apli-
cado em duas escolas públicas do Rio de Janeiro (SALES; ALENCAR, 2004
apud POSSATO et al., 2016). Outras experiências pontuais aplicadas em al-
gumas escolas surgiram nas cidades de São Paulo (RUOTTI; ALVES; CUBAS,
2006 apud POSSATO et al., 2016), de Porto Alegre (SANTOS, 2001 apud
POSSATO et al., 2016), no estado do Ceará (BEZERRA, 2008 apud POSSATO
et al., 2016), entre outras.
Em junho de 2010, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (Se-
esp), juntamente à Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e
à Secretaria da Segurança Pública criaram a função do "Professor Mediador
Escolar e Comunitário" (PMEC). Em grande parte, essa função surgiu como
resposta às manifestações de violência na escola, principalmente as propa-
gadas indiscriminadamente pela mídia. De acordo com a Resolução SE nº 19,
de 12 de fevereiro de 2010, esse profissional deveria, entre outras funções,
"adotar práticas de mediação de conflitos no ambiente escolar e apoiar
o desenvolvimento de ações e programas de Justiça Restaurativa" (SÃO
PAULO, 2010, art. 7º). Os PMECs seriam os professores responsáveis pelo
desenvolvimento do Sistema de Proteção Escolar. Quase mil professores
de diferentes áreas de ensino atuaram como PMECs nas escolas estaduais
paulistas em 2010. De acordo com a tese de Possato (2014), esse profissional
não assumiu as funções de um mediador de conflitos, tampouco utilizou a
Justiça Restaurativa, e essas técnicas permaneceram apenas na legislação e
no nome dado a essa função na educação paulista.
A seguir, trazemos alguns destaques feitos por Possato et al. (2016) acer-
ca da mediação escolar no Brasil e na América Latina:
Comunicação e relações interpessoais | 145
inferior a dois anos (apenas 28,7% dos sujeitos têm contrato com mais de
dois anos). A grande maioria encontra-se em seu primeiro emprego (62,9%).
Os participantes do estudo desenvolvem a sua atividade profissional
como mediadores socioeducativos em diferentes contextos de trabalho:
instituições públicas e privadas e programas interministeriais. Eles intervêm
em diferentes contextos sócio-organizacionais, embora o contexto escolar
seja o que tem maior representatividade. Alguns também são inseridos em
práticas da mediação no contexto associativo, no tipo de mediação intercul-
tural, e tem como população-alvo a imigrante; outros atuam na mediação
comunitária ou outro tipo.
A população jovem e os jovens alunos são os que mais correspondem ao
alvo da intervenção dos mediadores socioeducativos. Em grande medida,
isso está relacionado ao objetivo fundamental dos programas e das institui-
ções, assim como ao combate ao insucesso e abandono escolar como polí-
ticas socioeducativas ao longo dos anos de 2004/2005, em consequência do
mandato da Estratégia de Lisboa.
É igualmente relevante salientar que, independentemente dos contextos
em que ocorre a mediação, a modalidade de intervenção em equipe é aque-
la que mais é mobilizada pelos mediadores. O fato de intervirem em equipe
parece evidenciar a mobilização de distintos recursos humanos, distintos
profissionais e instituições diversas, trabalhando em rede. Essa característica
é mais um indicador de que a sua intervenção mobiliza outros recursos, para
além da simples técnica de resolução alternativa de conflitos. Isso traduz a
natureza multidisciplinar e multifuncional da mediação socioeducativa, que
se assume como atividade complexa, mobilizadora de diferentes perfis e
competências pessoais e profissionais.
Os mediadores socioeducativos que participaram têm, em sua maioria,
formação acadêmica de nível superior (92,1%), e 25,3% possuem pós-gra-
duação, como mestrado e doutorado (8,4% dos mediadores). A preparação
para o exercício da função desses mediadores apresenta-se muito diversa,
tendo como áreas nucleares aquelas que preparam para a intervenção na
área de psicologia e socioeducativa. Contudo, também se verifica a pre-
sença de mediadores com outros tipos de formação, como Ciência Política,
Estudos Europeus, Geografia e Planeamento etc. Uma das explicações para
essa realidade é a carência de trabalho em Portugal para jovens qualificados
com formação superior, mas naturalmente o conceito aberto de "mediador"
148 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
1. Encarar a vulnerabilidade;
2. Viver de acordo com os nossos valores;
3. Desafiar a confiança;
4. Aprender a crescer.
150 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Para equipes com mais de dez pessoas, sugere-se o Kanban Diário, com
base na filosofia YAGNI (You Aren’t Gonna Need It, ou Você não precisará
disso, tradução livre para o português), como uma ferramenta para manter
atualizado o fluxo de trabalho, seguindo os padrões de: a fazer, fazendo e
feito.
Para tanto, é possível utilizar recursos visuais por meio de quadros dividi-
dos em três áreas, cada uma delas correspondentes aos padrões de a fazer,
fazendo e feito para a organização das tarefas, ou ainda ferramentas digitais
para acompanhamento virtual das informações pela equipe.
relacionamento entre EUA e antiga URSS, na época da Guerra Fria. Ele pode
ser utilizado em qualquer tipo de conflito – individual, coletivo, político, fami-
liar, comunitário –, inclusive na escola, por todos os agentes que dela fazem
parte.
Primeiramente, é necessário mudar a nossa posição num conflito, numa
conversa difícil com outra pessoa, de "emissário de mensagens", ou seja, de
alguém que possui "a verdade", "os fatos" e que só vai transmitir tudo isso
ao outro, para uma posição de aprendizado. Só assim será possível construir
o caminho para um diálogo de aprendizado.
Será que meus sentimentos são válidos? Apropriados? Será que eu de-
veria aceitá-los ou negá-los, expô-los ou guardá-los? O que fazer com os
sentimentos da outra pessoa?
Geralmente, tentamos nos ater à racionalidade, evitando demonstrar e
observar com profundidade nossos sentimentos. No entanto, toda conversa
difícil envolve MUITO os sentimentos, e eles não podem ser deixados de
lado.
Os sentimentos podem, às vezes, parecer inadequados, principalmente
no trabalho dentro da escola. Além disso, os sentimentos deixam-nos vulne-
ráveis, temos medo do que o outro pode pensar ou dizer, se vão se importar
ou não conosco...
Comunicação e relações interpessoais | 159
DIÁLOGO DA IDENTIDADE
A invenção da intenção
Você gritou comigo para me magoar ou para enfatizar seu ponto de vis-
ta? Você me chamou de favelado e preguiçoso para me ofender ou para me
pressionar a estudar mais e ter melhores resultados na escola?
Presumimos que sabemos as intenções do outro, quando, na verdade,
não sabemos. Nossas suposições são baseadas no comportamento das pes-
soas. Ou seja, nós as criamos, inventamos.
As pessoas agem com intenções variadas. Às vezes, agem sem intenção,
ou pelo menos nenhuma que esteja relacionada a nós. Às vezes, agem com
boa intenção, mas, mesmo assim, acabam nos magoando.
A estrutura da culpa
Quem é o culpado? Precisa haver um culpado, não importa quem seja,
contanto que não sejamos nós. Quem agiu de forma errada? Essa forma de
olhar gera discordância, contestação e pouco aprendizado. Ninguém quer
ser culpado, principalmente de maneira injusta, então a energia da pessoa é
direcionada para sua defesa.
Olhando como observadores imparciais, é possível enxergar que existe
contribuição de todos os lados num conflito. No exemplo anterior, podemos
perceber que Humberto contribuiu para o problema não realizando as tare-
fas propostas e sendo indisciplinado em sala de aula, enquanto a professora
Joana contribuiu sendo ofensiva e magoando o aluno.
No entanto, é muito mais difícil perceber que contribuímos para o pro-
blema quando estamos envolvidos nele.
Falar de culpa atrapalha a investigação dos motivos pelos quais a situa-
ção culminou no conflito e de como evitar que aquilo se repita.
a) "Eles são egoístas" (um aluno acha que o outro é egoísta por não ajudá-
-lo no trabalho em grupo);
b) "Eles são irracionais" (aluno pensa que a professora é maluca, porque
gritou com ele durante a aula, ou seja, considera que a professora é
irracional).
Ficamos frustrados, porque a outra pessoa não nos ouve. Assim, senti-
mo-nos impotentes diante do problema.
Então, o que podemos fazer? Escutar o outro. O outro acha que nós
somos o problema.
A professora Joana acha que Humberto é desrespeitoso e preguiçoso,
porque é indisciplinado e não completa as atividades propostas. Já Hum-
berto considera que Joana é malvada, porque ela o magoou por um motivo
banal.
Por que nunca pensamos que o problema pode ser nós mesmos? Porque
sempre somos coerentes em nossas versões do que aconteceu. Não nos
vemos como problema, porque, de fato, não o somos. O que estamos
dizendo realmente faz sentido. Contudo, não percebemos que o que o outro
diz também faz sentido. Assim, na realidade, o choque ocorre porque as
pessoas têm histórias diferentes. Nossas histórias são construídas seguindo
estes passos:
• recebemos informações;
• vivenciamos o mundo (visões, sons e sentimentos);
• interpretamos o que vemos, ouvimos e sentimos;
• damos significado a tudo isso;
• tiramos conclusões do que está acontecendo.
A cada passo, há a possibilidade de nossa história chocar-se com a do
outro. Em conversas difíceis, é comum negociarmos conclusões, sem com-
preendermos as histórias por trás: as formas de ver e interpretar o mundo.
Dessa maneira, percebemos que, sem sequer nos darmos conta disso,
temos a tendência de desenvolver uma percepção que embasa nosso pró-
prio ponto de vista e nossas próprias conclusões. Essa tendência faz parte
da espécie humana, por isso "é necessária uma certa dose de humildade
sobre a exatidão de nossas histórias, especialmente quando há algo impor-
tante em jogo" (STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 32).
Mude da certeza para a curiosidade: substitua "como eles podem pen-
sar isso?" por "gostaria de saber a história que eles possuem para pensar
desse jeito". Compartilhe sua história e encoraje o outro a fazer o mesmo.
• Torne o outro seu parceiro para resolver o problema: use "Será que po-
deria me ajudar a compreender?";
• Explore de onde vem cada história ("Provavelmente minha reação tem a
ver com um trauma que tive no passado...");
• Compartilhe o impacto exercido sobre você ("Não sei se foi sua inten-
ção, mas eu me senti ofendida quando...");
• Assuma a responsabilidade pela sua contribuição ("Sei que não agi bem
quando...");
• Descreva os sentimentos ("Estou ansioso por falar sobre isso, mas, ao
mesmo tempo, acho importante conversar sobre esse assunto");
• Reflita sobre as questões de identidade ("Acho que este assunto me dei-
xa inerte, porque não gosto de pensar em mim mesmo como alguém
que poderia te magoar").
Posição Você-Eu "E": validar o que o outro sente e o que você sente
Podemos imaginar um exemplo em que um diretor de escola está insa-
tisfeito com a forma como um professor está trabalhando e resolve ter uma
conversa com este. O trabalho na escola está pesado, com muitas obriga-
ções. O diretor sabe que o professor está passando por problemas pessoais
e que, por isso, está atrasado com seus afazeres. Assim, o diretor poderia
dizer: "Entendo que seja difícil para você o ritmo de trabalho que estamos
tendo por aqui ultimamente e que você está se sentindo sobrecarregado
em razão de questões pessoais. Contudo, para mim é importante pontuar o
que acredito que possa melhorar em nosso ambiente de trabalho, e por isso
resolvi conversar com você sobre a questão do atraso nos afazeres. Gostaria
que pudéssemos manter o diálogo aberto e quero sempre ouvir o que você
pensa sobre isso".
170 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Foi Gandhi quem deu ao Ocidente o termo não violência, como tradução
para o termo sânscrito ahimsa, que aparece com frequência na literatura
hindu, jainista e budista. Ahimsa é um composto do prefixo negativo a
e do substantivo himsa, que significa o desejo de ferir ou cometer uma
violência contra uma criatura viva. Ahimsa é, portanto, reconhecer, do-
mar, dominar e transmutar o desejo por violência encontrado nos seres
humanos, que nos leva a querer eliminar, excluir, livrar-se de ou machucar
seus semelhantes (MULLER, 2006, p. 40).
Comunicação e relações interpessoais | 173
O ativismo não violento de Gandhi, por sua vez, foi uma das inspirações
de Martin Luther King Jr., ativista político nos Estados Unidos durante os
anos 1950/1960 pela defesa das garantias civis e políticas por meio da não
violência e desobediência civil.
A violência, por outro lado, segundo Jean-Marie Muller (2006, p. 35),
"acontece quando uma pessoa se recusa a deixar que seu desejo seja cir-
cunscrito pela realidade, ou frustrado pela existência do outro", e
• criação
• diversão
• identidade
• livre-arbítrio
Estas são diferentes abordagens para referir-se ao tema das necessida-
des, relevante para a expansão do repertório de palavras para melhor com-
preensão dos nossos porquês diante da tomada de uma decisão.
O último componente da CNV é o dos pedidos: como expressar para
si ou para as demais pessoas o que de fato desejamos. Uma distinção im-
portante é que pedidos não são exigências: a não violência é justamente
compreender que o não é uma possibilidade de resposta e que a relação
que você estabelece com a outra pessoa não está baseada no padrão de
poder e submissão. Pela experiência de Marshall Rosenberg, quando as pes-
soas incluem em seus pedidos seus sentimentos e suas necessidades, quem
ouve tende a ser mais colaborativo, o que contribui para entendimentos e
acordos.
Os pedidos, assim, no âmbito da CNV congregam tudo o que foi men-
cionado antes: a observação, os sentimentos e as necessidades, para que
possa ser expresso, por meio de uma ação concreta, algo objetivo que você
deseja, no afirmativo, o mais específico possível para que a outra pessoa
compreenda a importância do que está sendo expresso e possa correspon-
der por meio de palavras, ações ou acordos.
E como a Comunicação Não Violenta pode ser aplicada na prática no
contexto escolar? Começando pela relação de cada educador(a) consigo
mesmo e depois passar para as relações vivenciadas na comunidade escolar:
entre os pares, com o(a)(s) educando(a)(s), familiares e também nas relações
com a direção.
Há, ainda, a possibilidade de a CNV ser integrada na gestão por meio
do desenvolvimento contínuo da comunidade escolar por meio da prática
de feedback.
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4
Objetivos:
• Perceber como os saberes circulam entre os dirigentes das Redes Muni-
cipal e Estadual e os diretores;
• Compreender como os diretores desenvolvem seus projetos na escola,
com base nas Políticas Públicas;
• Refletir sobre o projeto de uma escola-outra com a percepção da escola
que temos, impedindo de pensar outra maneira de ser escola;
• Debater formas de produção de novos saberes sobre a trajetória escolar
dos alunos e suas perspectivas de futuro.
1ª Parte
Um professor chamado Bernard Charlot, que é francês e vive no Brasil há
mais de 15 anos, trabalhando na Universidade Federal de Sergipe, em Ara-
caju, tem estudado essas questões que estamos levantando aqui, e talvez
seus estudos possam nos dar algumas pistas. Diz ele que o homem, quando
nasce, não está pronto, precisa se relacionar com o mundo que o cerca e
precisa fazer algo para se tornar propriamente humano: "O filho do homem:
obrigado a aprender para ser" (CHARLOT, 2000, p. 51). Nessa afirmação,
chama-nos a atenção de que há necessariamente uma relação entre saber e
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 183
ser. Algo mais ou menos assim: saber é ser. Ou ser é saber. Na vida, vamos
nos deparando a cada momento, a cada situação, com novos desafios, novas
barreiras, novas dificuldades. Quando as enfrentamos ou evitamos, saímos
de cada uma delas diferentes do que éramos. É mais ou menos como em
uma ideia atribuída ao filósofo antigo Heráclito de Éfeso: tudo muda, nada é
permanente, somente a mudança permanece. Assim teria dito o pensador:
"Nenhum homem pode banhar-se no mesmo rio duas vezes… pois na se-
gunda vez o rio não é mais o mesmo, tampouco o homem".1
Aprender é uma atividade humana muito ampla. Aprendemos a contro-
lar atividades, a fazer escolhas, a decidir por objetos do cotidiano, a nos
relacionar com as pessoas, a jogar video game, a cozinhar, a comer, enfim,
não terminamos um dia sequer sem termos aprendido algo de novo. Por
isso, aprender é muito mais envolvente do que os saberes que produzimos
(CHARLOT, 2000). Mas o que é, afinal, um saber? Segundo esse autor, saber
é um conteúdo de consciência que expressamos por meio da linguagem. No
entanto, o conceito foi criado originalmente em francês pelos professores
Bernard Charlot e outros dois pesquisadores, Jean-Yves Rochex e Elisabeth
Bautier, no final da década de 1990, na França. Para definir o que é relação
com o saber, indicamos que "é uma relação do sujeito com o mundo, com
ele mesmo e com os outros. É relação com o mundo como conjunto de signi-
ficados, mas, também, como espaço de atividades, e se inscreve no tempo"
(CHARLOT, 2000, p. 78, grifos do autor).
Forma de relação com o mundo, relação com o mundo interior de si
mesmo e com o mundo exterior, conteúdo de consciência e de pensamento,
horizonte de atividades. Tudo isso está conectado, para o autor, e nos leva a
pensar sobre como as pessoas se relacionam com tudo isso que lhes permite
aprender, que lhes permite produzir saber. O autor nos dá algumas pistas
sobre essa questão. Diz ele que o mundo não se reduz a um conjunto de
significados, mas é também pleno de atividades nas quais nos envolvemos
a todo momento. Isso não é feito de forma isolada, mas conta sempre com
o outro, com os outros, com lugares, objetos, pensamentos, circunstâncias,
situações. Assim, na escola cada um se relaciona com o outro, aqueles todos
que ali trabalham e passam parte de suas vidas. Também nos chama a aten-
ção, o mesmo autor, ao escrever que, ao nos relacionarmos com o mundo,
nós o fazemos por meio da linguagem, o que equivale a dizer que entre
questão que vida vivemos, inclusive aquela que vivemos dentro da escola.
Onde se possa perguntar em todas as salas, de aula, da direção, na cozinha,
no pátio, nos intervalos e, também, durante as aulas, como aprendemos
aquilo que sabemos e o que fazemos com aquilo que sabemos.
Alguém poderia dizer: "Ah... já sei, lá vem mais um falando da escola da
ponte, lá de Portugal, mas, depois de tanto ouvir falar dela, não sabemos se
o que nos falta é a ponte ou o Pacheco (que já esteve entre nós diversas ve-
zes para contar sua experiência) para trazer alguma solução milagrosa". Não,
não. Não se trata de insistir em experiências de longe de casa. Vamos ver o
que temos por aqui mesmo. Estudar um pouco mais o cotidiano de nossas
escolas, encontrar suas rachaduras, suas construções antigas e outras novas,
entender o que se passa na sala dos professores, na reunião de conselho de
classe, na reunião da APM ou da UEx (Unidade Executora para controle e uso
das verbas do PDDE, que, às vezes, é o próprio pessoal da APM, com outro
nome...), por dentro das reuniões do Conselho Escolar ou Conselho Escola-
-Comunidade (CEC), como é denominado no município de Americana-SP.
Escutar as perguntas silenciosas feitas pela coordenadora pedagógica sobre
o que fazer diante da demanda por formação dos professores. Enfim, escutar
o pulsar da escola.
Charlot (2000) propõe que quem estuda aspectos do cotidiano daqueles
que atuam na escola analisa as relações com a escola, com os professores,
com os pais, com os amigos, com a matemática, com as máquinas, com o
desemprego, com o futuro, entre outros. A abordagem da RcS2 sugere que
prestemos atenção ao que se vive na escola, que nos fixemos sobre o coti-
diano escolar, seus relatos e as formas que cada um ali estabelece vínculos,
organizando o olhar a partir de figuras do aprender – figuras que, juntas,
formarão constelações: "Essas relações articulam-se entre si, em configura-
ções cujo número não é infinito: as figuras do aprender (que são figuras da
relação com o saber)" (CHARLOT, 2009). O que faremos neste texto é isso:
captar essas figuras a partir do que dizem diretores e diretoras de escolas
públicas, figuras estas que nos permitem construir ou reunir esses saberes
em constelações – grandes temas –, procurando identificar os processos
que caracterizam essas figuras.
"O conceito de relação com o saber implica o de desejo: não há relação
com o saber senão a de um sujeito; e só há sujeito ‘desejante’" (CHARLOT,
2000, p. 81). Ora, a relação com o saber também é um conjunto organizado
2ª Parte
Neste ano graças a Deus não houve nenhuma situação neste sentido.
Esse é meu primeiro mandato como gestor escolar. O desafio está sendo
muito árduo, pois os gestores anteriores não implementavam um traba-
lho presencial voltado para um ensino de melhor qualidade. O gestor
anterior pouco permanecia na escola (Diretor – rede estadual – menos
de um ano de função – Acre).
fato parece certo: uma ausência mais expressiva do diretor na escola sugere
um coletivo à deriva... Um barco que balança para lá e para cá. Como o
diretor aprende isso? Experimentando períodos de ausência e de presença
na escola. Daí ele tira um saber. Em uma escola, sua forma de trabalhar já
antecipa aos professores ou coordenação pedagógica que a escola deve
andar normalmente. Há uma confiança circulando pelos seus corredores. Em
outra, o diretor é aquele que puxa todo mundo para o compromisso frente
às demandas cotidianas. Quando ele está, todos sentem-se compelidos à
ação. Isso não é, necessariamente, uma forma autoritária de gestão, o que
só se saberá quando ele não estiver e algo importante tiver de ser resolvido.
Outro saber que identificamos nos dizeres dos diretores e diretoras é
relativo aos espaços físicos, aos recursos financeiros e aos recursos mate-
riais. Os dizeres convergem para um saber: a escola pública vivencia várias
deficiências. O atual discurso empresarial do fazer mais com menos pode até
ser interessante, mas o que parece ser inquestionável é que a escola pública
ainda tem diversas precariedades. Todas as formas de autofinanciamento da
escola tendem a ser vistas como paliativos, pois a arrecadação delas pode
ser pequena diante das necessidades escolares, e, o pior, podem represen-
tar um tempo grande tomado de atividades pedagógicas, mesmo das aulas,
ocupando o tempo dos professores e dos alunos com coisas que não se
encaixam bem no Projeto Pedagógico da escola, são exclusivamente arre-
cadatórias. Está correto a escola dedicar tempo significativamente elevado
com essas atividades? Quanto tempo consome da gestão escolar?
Dois últimos dizeres que indicam saberes nesta constelação. O primeiro
refere-se a decisões verticais sem a devida consulta à comunidade escolar.
Alguém decide que algo é bom, necessário ou urgente para a escola, em
princípio, mas a questão é que diversas políticas públicas chegam à escola
com o carimbo do cumpra-se. A escola – professores, coordenação pedagó-
gica, direção, alunos e seus familiares – é que tem de se virar para dar conta.
Como fica o PPP da escola nessas situações? Toca fazer de novo, fazer um
remendo, abrir um buraco nas prioridades estabelecidas, ignorar algumas
urgências do cotidiano escolar para abrigar essas decisões que desabam
sobre a unidade. O jeito é engolir seco e seguir adiante... Como eles apren-
dem a fazê-lo? Aprendem fazendo um arranjo no meio de suas atividades.
Fazendo uma adaptação, ou uma pura e simples substituição de uma coisa
importante para eles por outra coisa importante para alguém de fora da
escola.
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 195
e outros agentes escolares não têm escolha. Têm de continuar, no dia se-
guinte, a ir para a escola, receber os alunos e nadar contra a correnteza da
angústia, dos não saberes para virar a situação algum dia. Tirar forças do
fundo do poço, para sair de lá. É o que muitas escolas estão fazendo, pelos
relatos que colhemos.
A posição da escola na malha escolar da cidade pode ser outro saber que
envolve diversos problemas e preconcepções. Ao que parece, a educação
no campo ainda não aparece com vigor nas políticas públicas educacionais
(SOUZA, 2008). Afinal, o que quer dizer escola da periferia? O que quer dizer
escola rural? O que quer dizer escola do distrito que fica a 30 quilômetros da
cidade – lá, onde ninguém quer ir trabalhar? Isso representa, provavelmente,
um saber, já um tanto cristalizado, de que o bom é trabalhar no centro da
cidade, onde os alunos tomam banho todo dia, não estão com o nariz escor-
rendo o tempo todo, têm uniforme limpinho, sabem falar a língua da escola,
os pais vêm às reuniões, enfim, é uma ilha da fantasia. Enquanto a outra,
aquela lá de longe, mais parece a escola-do-fim-do-mundo. Mais parece o
muro das lamentações. Quem construiu essa imagem? Provavelmente, os
mesmos que construíram a cidade nesse formato. Tem até um nome pom-
poso para esse negócio: chamam de gentrificação de lugares na cidade. Dito
no português claro, significa limpar alguns lugares de pessoas indesejáveis,
pobres, mal vestidas, com casinhas caindo aos pedaços, gente feia... Todas
as preconcepções que geraram os condomínios fechados nas cidades. A
escola só é da periferia se olhada do centro da cidade. Essa visão é fundada
pelas políticas públicas municipais, estaduais e federais, que as tratam como
escolas marginalizadas. Como os diretores aprendem esses saberes? É sim-
ples: indo com seus carros, todos os dias, pelas estradinhas, esburacadas,
de terra, de lama quando chove, até lá. O abandono é algo que se sente na
pele.
concebidas. Muitas vezes, ouvindo dos diretores que precisam dar uma
passadinha na escola para ver mais de perto o que se precisa ali e em que
condições estão trabalhando. Aprendizado difícil, mas necessário, pois a
relação deve ser pautada pelo diálogo, pela compreensão, por uma atitude
de se colocar no lugar do outro, enfim, de perceber que quem está na Se-
cretaria de Educação tem também saberes, tem uma trajetória na educação,
assim como quem está lá na ponta, na escola, por mais distante que ela seja,
que há saberes cotidianos que se estabelecem ali, pois todos que atuam na
escola estão buscando dar sentido ao que fazem, à sua profissão, ao seu
lugar na educação. Como se aprende uma relação com o outro? Vivendo
experiências com o outro. Dando a essas vivências um sentido de que somos
todos um coletivo, nos esforçando para levar nossos alunos a uma condição
de saber.
Quando o diretor ou diretora diz que sua gestão está alinhada com a Se-
cretaria de Educação, complementando que isso envolve também a comu-
nidade escolar, pode estar nos indicando três tipos de saberes. No primeiro,
o alinhamento é discursivo, ou seja, na escola se faz o mesmo discurso que a
Secretaria faz. Se lá se fala que cada um deve se virar, na escola, o diretor fala
algo parecido com todos na escola. Se lá a ideia é de que a conversa é vocês
choram de barriga cheia, então na escola se fala: vamos parar de choramin-
gar e vamos trabalhar. Pode parecer que o que estou dizendo é inteiramente
negativo, trazendo a ideia de que o diretor é uma espécie de papagaio de
pirata. Só repete o que o dono diz. Não é essa, em princípio, a ideia que que-
ro transmitir. Digo que a gestão escolar leva para a escola a força discursiva
da Secretaria no sentido de mostrar a todos que são capazes de superar os
problemas, barreiras e dificuldades. Embora possam existir alguns diretores
que apenas repetem o que ouvem de seus superiores, penso que a maioria,
quando volta de mãos vazias para a escola, chama o seu grupo todo e lhe
diz: não vamos olhar para a negativa que recebemos, vamos fazer tudo o que
for possível com o que temos nas mãos.
O segundo alinhamento é prático. Há questões que são de ordem legal-
-burocrática da qual, por vezes, não se pode escapar. Às vezes, o não-pode-
-isso-ou-aquilo é inevitável. É hora de apertar a tecla do deixa pra lá. Nesses
casos, com raiva, com pena, com angústia, com receios, com a impressão
de que ninguém nos ama, o que faz a escola? Sobrevive! E, em geral, alguns
professores, o diretor, com a ajuda da coordenação pedagógica, tomam a
frente, fazem uma boa conversa na reunião pedagógica, regada a cafezinho
202 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
e sua seleção para o cargo; caminhar em sentido contrário; mais verbas para
aquisição de materiais; primeiríssima infância; formação docente; formação
continuada; que facilitem todo esse processo; educação integral; mais inves-
timento (infraestrutura, recursos humanos e mobiliários); educação infantil;
educação inclusiva.
O que dizem saber os diretores sobre a gestão escolar e as políticas
públicas em educação?
Vamos voltar às respostas que obtivemos para enveredar pelas pistas
que recebemos. São alguns extratos apenas que vamos utilizar para pon-
derar algumas possibilidades de resposta à indagação acima. Vamos dividir
esta seção em duas partes: a primeira versará sobre o que dizem saber os
diretores sobre a gestão, e a segunda, o que eles dizem saber sobre políticas
públicas em educação.
Com muito zelo pelo que deve ser priorizado, pode se desenvolver da
melhor forma possível o que for planejado (Diretor – rede estadual – 3 a
5 anos de função – Acre).
O maior desafio como gestor escolar é a questão de a infraestrutura da
escola ser totalmente inadequada para uma escola de tempo Integral. A
escola não possui internet e computadores para uso do aluno nem para a
gestão escolar (Diretor – rede estadual – 1 a 2 anos de função – Amapá).
Um dos desafios da gestão escolar é a construção de uma boa relação da
escola com a comunidade local, ao estabelecer esta relação a qualidade
pode melhorar muito, pois a comunidade, nas periferias, necessita da
escola, e a escola para cumprir seu papel social necessita de uma boa
relação social e comunitária (Diretor – rede municipal – 1 a 2 anos de
função – Bahia).
Em todo o escopo desta produção foi referenciada a palavra gestor, esta
intenção se deu, pois acredito que a delimitação se faz necessária para
o entendimento do conceito de administração e gestão escolar. Sabe-
mos que há uma diferença na abordagem tecnicista ligada à concepção
de uma administração em que a organização é representada por uma
pirâmide, ou seja, uma pessoa lidera e as demais são lideradas. A ten-
dência tecnicista em educação resulta da tentativa de aplicar na escola o
modelo empresarial, que se baseia na racionalização, própria do sistema
de produção capitalista. Um dos objetivos dos teóricos dessa linha é,
portanto, adequar a educação às exigências da sociedade industrial e
tecnológica, evidentemente com economia de tempo, esforços e custos
(Diretor – rede municipal – 1 a 2 anos de função – Ceará).
O conceito de gestão envolve, além dos aspectos bá-
sicos da organização de uma instituição, aspectos mais
amplos. Envolve descentralização do poder, dos processos de deci-
são e proporciona a participação da representatividade da escola,
o seu coletivo. Busca em conjunto oferecer respostas à diferença, à
inclusão, se pautando em valores como respeito mútuo, compreensão,
apoio, equidade, dentre outros (Diretor – rede municipal – 1 a 2 anos de
função – Ceará).
Relação com a Secretaria de Educação, Políticas Públicas e os saberes dos diretores | 205
O exercício que vamos fazer neste tópico é assim: não dispomos de res-
postas dos dirigentes de redes ou sistemas de ensino municipais ou estadu-
ais, mas podemos fazer uma leitura do que sabem, inferindo esses saberes
a partir das respostas dos diretores e diretoras que já temos. Trata-se de
conjecturar com os indícios desses saberes, o que é um risco, mas um risco
que vale a pena correr. Ao final, cada diretor ou diretora que ler este texto
poderá avaliar se erramos ou se nossas análises são coerentes e confiáveis.
Vamos fazer um acordo, eu e você, caro leitor: proponho uma leitura pelo
espelho, ou seja, lendo a resposta de alguns diretores procurarei encontrar
os saberes dos dirigentes da rede ou do sistema.
Vamos começar retomando uma ideia que nos parece importante. Se os
sujeitos produzem saberes atribuindo sentido às informações que lhes che-
gam, podemos perguntar, assim como os sujeitos estabelecem relações ins-
titucionais baseadas em hierarquias, o que pensar dos saberes produzidos?
Na medida em que os saberes são produzidos pelos sentidos que os
sujeitos atribuem às informações que recebem e por entender que os su-
jeitos são dispostos em lugares sociais diferentes devido às tradicionais
hierarquias, concluímos que os saberes também estão hierarquizados. Tem
saberes que valem mais que outros saberes, não pelo conteúdo de significa-
ção que emerge das relações de comunicação, mas porque os sujeitos que
os enunciam convivem com formas hierárquicas que os dividem em cargos,
funções ou apenas o lugar-social de cada um dentro de uma instituição. O
organograma de uma instituição não revela apenas quais são os cargos que
ali existem, mas qual é a fisionomia das relações de poder que organizam a
vida institucional. Trata-se de uma maquinaria ou, dito de outra forma, de
uma tecnologia do poder, segundo o filósofo francês Michel Foucault (1996).
Para o pensador, o poder não está em um lugar específico ou num cargo ou
numa pessoa, mas está na relação que tecem entre si os sujeitos, na institui-
ção. Voltando às respostas dos diretores e diretoras escolares. Vamos ver o
que dizem sobre essas relações hierárquicas.
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5
Projeto Político-Pedagógico e a
Pedagogia de Projetos1
Sandra Aparecida Riscal
Objetivos:
• Conhecer o caráter global e multidimensional do PPP e seu caráter pro-
cessual, não apenas como um documento, mas como um procedimento
coletivo, democrático e interativo, capaz de fazer da escola um espaço
vivo e aberto;
• Aprender sobre o significado político do PPP, uma vez que se trata da
percepção de que sua elaboração deve ser democrática e republica-
na, isto é, contando com a participação coletiva e voltada para o bem
comum;
• Saber do caráter pedagógico que caracteriza o PPP, uma vez que deve
ser voltado para a melhoria da qualidade de ensino, enfocando os as-
pectos pedagógicos e metodológicos que devem ser adotados para
alcançar esse objetivo;
• Reconhecer as etapas de elaboração do PPP, tendo compreensão do
conceito de projeto e planejamento, da importância da contextualização
1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se deve
ao fato de esses termos se referirem conjuntamente a homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
218 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Introdução
Este material constitui uma parte dos vários saberes elaborados para
o Projeto de Mentoria de diretores escolares. A escolha da apresentação
do material de apoio no formato de trilhas foi considerada mais adequada,
devido à consideração pelas pessoas que são diferentes, têm formações dís-
pares, distintas experiências e percepções diversas da realidade. As trilhas
não constituem processos de treinamento ou capacitação, mas oferecem
diferentes possibilidades de percurso para a construção de um conhecimen-
to que permite articular os saberes já constituídos com novas percepções e
possibilidades de conhecimento.
Este material de apoio constitui o conteúdo sobre o Projeto Político-Pe-
dagógico. Partindo do pressuposto de que já existem vários materiais sobre
o Projeto Político-Pedagógico, o objetivo foi provocar a reflexão sobre o que
se apresenta como saber e prática, quando se trata de dilemas enfrentados
e na construção de novas possibilidades de conhecimento. Trata-se, portan-
to, de uma reflexão sobre o próprio ato de conhecer e sobre as formas como
esse conhecimento foi produzido e de a ele contrapor novas possibilidades
de construção do conhecimento.
Como observou Bachelard (2008), o ato de conhecer dá-se sempre por
meio da reflexão sobre os obstáculos impostos pelo conhecimento anterior-
mente estabelecido. Saberes estagnados pelo hábito, práticas consolidadas
como rotineiras não são frequentemente pensados ou contrapostos a outras
possibilidades.
Em primeiro lugar são necessárias a disposição e a tomada de posição,
que determinam a vontade de repensar aquilo que se sabe e que já se so-
lidificou nas práticas cotidianas. Mas é importante que não se ignore "que
não se pode anular de um só golpe todos os conhecimentos habituais" (BA-
CHELARD, 2008, p. 18).
Projeto Político-Pedagógico e a Pedagogia de Projetos | 219
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na for-
ma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade;
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação
escolar pública, nos termos de lei federal;
IX – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
E no artigo 14:
agentes escolares, são: Por que as crianças devem frequentar a escola? Quais
representações os diferentes agentes escolares têm em relação ao papel
da escola? Como essas representações determinam as relações de saber
desses sujeitos com o mundo, consigo mesmo e com a instituição escolar?
Seria interessante observar-se que alunos, familiares, docentes e mesmo
a equipe gestora da escola podem representar o papel da escola, da educa-
ção e das suas atividades na instituição escolar de maneiras muito distintas.
Como observou Antônio Cândido em um célebre texto de 1958, deno-
minado "A estrutura da Escola", a escola é uma instância instituída pelos
poderes públicos e regida pela política educacional vigente. Para além do
seu caráter instituído, que formaliza e homogeneíza, por meio da legislação
e burocracia, a estrutura escolar, a escola possui uma organização interna
constituída pelos seus diferentes integrantes e pelas distintas disposições
que coletivamente a caracterizam.
Na escola convivem adultos, jovens e crianças, diferentes em suas manei-
ras de viver, convivem diversas origens sociais e econômicas, formas discre-
pantes de percepções culturais, concepções conflitantes de configurações
de poder, além das diferenças de comportamento entre os mais resistentes
ou os mais disciplinados, o que revela uma rede tensa e diversificada de inte-
rações. Formam-se, no interior da escola, diversos grupos de interesse, que
não se limitam apenas aos grupos de professores e alunos genericamente,
mas diversas formas de envolvimento, engajamento e participação. Esses
agrupamentos, nem sempre facilmente identificáveis, são responsáveis pelo
embate e pela tensão entre diferentes interesses e projetos. Trata-se de va-
riadas experiências de sociabilidade entre pares, estabelecendo parcerias
que podem ir muito além dos muros de cada instituição.
Uma das tarefas da Educação e da escola, como instituição educativa,
é lidar com as disputas e conflitos que podem ocorrer em diferentes níveis,
realizando um trabalho pedagógico que seja sensível a tal complexidade
(CANDIDO, 1958). Deve se considerar, aqui, que o papel educativo da escola
não se limita à sua missão de aprendizagem de conteúdos, pois, além disso,
a escola é um espaço em que as relações entre sujeitos se estabelecem e,
portanto, compreende e articula dimensões múltiplas da vida. A elaboração
do PPP deve realizar-se considerando o debate entre as diferentes perspec-
tivas, dos diferentes agrupamentos e posições pessoais presentes na esfera
escolar.
240 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Referências
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-escola-ilma-passos/file>. Acesso em: 20 set. 2020.
6
Objetivos:
• Analisar a importância da liderança na gestão escolar, com destaque
para o trabalho colaborativo e com visão coletiva;
• Diferenciar as lideranças compartilhadas e distribuídas;
• Compreender como as relações interpessoais e as contingências influen-
ciam a cultura organizacional da escola.
1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se deve
ao fato de esses termos se referirem a homens e mulheres, exceto pelo uso de "o/a",
"los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de fórmula implica uma saturação gráfica
que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
244 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Conforme Lück (2000), tal substituição não se refere apenas a uma mu-
dança terminológica, mas sim a uma mudança de postura e de atitude; uma
nova orientação conceitual: "sua prática é promotora de transformações de
relações de poder, de práticas e da organização escolar em si, e não de ino-
vações, como costumava acontecer com a administração científica" (LÜCK,
2000, p. 15).
Outro fator que contribuiu para esse processo de ressignificação da fun-
ção do diretor escolar foram as políticas de divulgação pública dos resulta-
dos obtidos nas avaliações em larga escala. Esse fator foi fundamental para
trazer para o conjunto da escola a responsabilização sobre os resultados
obtidos, impelindo os gestores a desenvolverem um olhar mais atento para
as causas dos resultados apresentados.
Isso fez com que se iniciasse na escola todo um debate coletivo sobre no-
vas possibilidades pedagógicas de intervenção com vistas à melhoria desses
índices, o que fez com que os gestores dessem uma atenção diferenciada
para os aspectos pedagógicos da escola, em detrimento do administrativo-
-burocrático que prevalecia até então (BRITISH COUNCIL, 2019).
Por esse motivo, é de suma importância compreender como a concep-
ção de liderança influencia diretamente a atuação do gestor escolar e quais
suas consequências para a melhoria efetiva do processo de ensino e apren-
dizagem da escola.
De acordo com dicionários da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2001), líder
é a pessoa que possui autoridade e que exerce algum tipo de influência
tanto no comportamento como na maneira de pensar do outro. Liderança
é, portanto, sinônimo de autoridade e implica o exercício de um poder legi-
timado pelos liderados, reconhecido como coerente; representativo; cole-
giado. O líder faz com que as pessoas se sintam respeitadas, pois age com
empatia, levando em consideração suas carências e dificuldades.
Liderança relaciona-se muito mais à orientação, condução, norteamento
do que a comando, capitaneamento, características mais voltadas para a
ideia de chefia.
Se retornarmos ao filme Escritores da Liberdade (2007), verificaremos
que as principais transformações conquistadas pela professora no que se
refere à melhoria da qualidade da relação pedagógica e da aprendizagem
de seus estudantes são inerentes ao reconhecimento da autoridade da pro-
fessora pela turma, uma vez que ela respeita o contexto social no qual a
escola está inserida e oferece subsídios didáticos eficazes para a superação
Liderança do diretor de escola | 249
Situação-problema Continuação...
Após isso, a direção determinou que fosse tomada a seguinte decisão: a partir do
dia seguinte, deveriam ser realizadas duas filas, uma para os estudantes e outra
para os professores. A coordenação retornou ao ambiente, no qual os estudantes
e professores permaneciam ainda com os ânimos exaltados, e informou a decisão
da direção. Os estudantes ficaram ainda mais enfurecidos, pois afirmaram que a
decisão continuava favorecendo os professores. Já os professores mostraram-se
satisfeitos com a decisão e retornaram para a sala.
Após quatro anos à frente de uma escola de Educação Infantil, a diretora Carmem
encerrou sua atuação em função da troca da administração da prefeitura munici-
pal, uma vez que seu cargo era comissionado. Durante o período que permaneceu
como gestora da unidade, provocou uma verdadeira revolução, tanto em termos
da evolução acadêmica de professores e estudantes quanto da estrutura física e
organizacional da escola, proporcionando uma aproximação efetiva com a comuni-
dade. Sua liderança e autoridade eram reconhecidas por todos. Na ocasião de sua
saída, Carmem recebeu carinhosas homenagens de todos, que fizeram questão de
ressaltar que as transformações proporcionadas durante sua gestão jamais seriam
esquecidas. Todavia, com a chegada da nova gestora, muitas conquistas decor-
rentes do trabalho desenvolvido por Carmem foram aos poucos abandonadas, em
especial o trabalho a partir da interculturalidade que ela tanto valorizava.
Qual foi o principal equívoco cometido por Carmem que fez com que
suas influências fossem aos poucos abandonadas e/ou substituídas?
Essa situação-problema retrata a realidade de muitas escolas brasileiras,
nas quais a troca da gestão representa muito mais do que um recomeço
ou um momento de transição e readequação necessárias. Ela elucida que
há uma espécie de neutralização das conquistas anteriores em virtude da
ausência de um trabalho, por parte do gestor-líder, para definir compartilha-
damente a Missão, a Visão e os Valores da escola, com vistas à preservação
de sua identidade.
A falta de continuidade observada nesse caso resulta igualmente da
descontinuidade das políticas públicas que mudam a cada eleição, geran-
do consequências devastadoras para a qualidade acadêmica e social das
escolas.
262 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Quadro 3 Continuação...
Evento de risco Impactos Consequências
Entrada de pombos e animais
Contaminação dos ali-
Falta de telas no peçonhentos; comprometimento
mentos e proliferação de
refeitório da segurança alimentar da
doenças
unidade
Proliferação de bactérias
Ventiladores
Ventilação inadequada dos causadas pela ausência
com mau
ambientes de ventilação; risco de
funcionamento
desmaios e mal-estar
Capacidade de escoamen-
to de água insuficiente
Cozinha Problemas com a segurança
durante a limpeza, o que
danificada alimentar
inviabiliza a higienização
adequada
Comprometimento do
Inexistência/Más processo de ensino e
condições de Impedimento da ventilação e do aprendizagem e condições
cortinas nas salas controle da iluminação das salas inadequadas de uso dos
de aula ambientes devido à condi-
ção climática
Oferta de espaço adequado para
Conserto da qua- Segurança dos estudantes,
o desenvolvimento de atividades
dra poliesportiva professores e funcionários
no contraturno e/ou extraclasse
Ausência da formação
Revitalização/Rea- Desenvolvimento de atividades
voltada para o letramento
tivação da sala de de informática no contraturno e/
digital de estudantes e
informática ou extraclasse
professores
Considerações finais
Como vimos a partir do estudo deste material, o processo de democrati-
zação da gestão escolar tem como premissa a participação social de todos,
de modo que cada membro tenha clareza e conhecimento de seu papel
Liderança do diretor de escola | 269
com vistas à promoção de ações e projetos que colaborem não apenas para
a boa organização do trabalho ali desenvolvido, mas, principalmente, para
o exercício pleno da cidadania, pois, como ressaltam Luiz e Nascente (2013),
a escola se tornou o espaço primeiro da convivência e de vivência de regras
e de organização social coletiva, que passou a oferecer, por sua própria di-
nâmica, a possibilidade de experimentação e efetivação da cidadania via
participação democrática de todos aqueles que a compõem. Uma escola
democrática é aquela que se baseia em princípios democráticos, cujo ob-
jetivo é a formação de cidadãos verdadeiramente preparados para assumir
seu papel na sociedade.
Por esse motivo, a participação efetiva de todos nos processos decisórios
da escola só acontece quando todos têm conhecimento sobre suas nuances
(BORDENAVE, 1992). Incentivar a participação e o envolvimento da comuni-
dade escolar nesses processos requer do gestor-líder disponibilidade para
aprender continuamente, desenvolvendo habilidades para reconhecer quais
ferramentas são adequadas ou não para atingir esse objetivo.
Ao longo deste material, procuramos destacar quais são as habilidades
inerentes à atuação de um gestor escolar que se pretende líder das rela-
ções interpessoais, tendo em vista que a liderança educacional ainda é um
desafio a se enfrentar, sobretudo em um país como o Brasil, cujas iniciativas
de formação inicial e/ou continuada de gestores escolares ainda são muito
incipientes.
Sabemos ainda que desencadear e sustentar processos de melhorias
significativas e permanentes nas escolas não é tarefa simples. Mas estamos
convencidos de que metodologias de partilha e orientação, com foco na
troca de experiências e no debate coletivo sobre os desafios colocados,
como é o caso da proposta do Programa de Mentoria e Cooperação em
Gestão Escolar, constituem instrumentos concretos para a transformação da
escola em prol do cumprimento efetivo de sua função social. A proposta
de formação continuada com características da mentoria deste programa
possibilita o compartilhamento do conjunto de conhecimentos e vivências
de profissionais experientes com profissionais em início de carreira, a fim
de que essa troca evidencie ferramentas para o enfrentamento efetivo das
problemáticas que exigem uma tomada de decisão coletiva, construindo,
assim, uma cultura de colaboração com foco na proposição de soluções com
potencial de promover avanços pedagógicos reais, minimizando problemas
inerentes ao cotidiano das instituições nas quais atuam.
270 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
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272 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Anexos
Anexo I Questionário para autoavaliação institucional.
Avalie utilizando a escala
de
AVALIAÇÃO DO GRAU DE SATISFAÇÃO DA 0 (zero) a 10 (dez)
COMUNIDADE ESCOLAR EM RELAÇÃO AOS 0 (zero) = totalmente
ASPECTOS ORGANIZACIONAIS DA ESCOLA insatisfeito
10 (dez) = totalmente
satisfeito
1. A escola procura conhecer o que pensam os pais/
responsáveis pelos alunos, incentivando a participa-
ção coletiva?
2. A escola propõe a elaboração conjunta de seu
Projeto Político-Pedagógico?
3. A escola desenvolve ações de conscientização
sobre segurança e higiene?
4. A escola dispõe dos recursos bibliográficos,
didáticos e tecnológicos adequados para o desen-
volvimento do trabalho pedagógico?
5. Estou de acordo com a formação humana, social
e pedagógica oferecida pela escola?
6. A manutenção da infraestrutura da escola (salas,
pátios, banheiros, cantina, ventilação, bebedouros
etc.) é adequada?
7. O Conselho de Escola e a APM (Associação de
Pais e Mestres) são convocados periodicamente e
têm participação efetiva nas tomadas de decisões
coletivas?
8. Os professores e gestores participam regularmen-
te de cursos de aperfeiçoamento e capacitação?
9. A escola apresenta periodicamente os resultados
da aprendizagem dos alunos aos pais/responsáveis?
10. Os resultados obtidos nas avaliações internas e
externas são utilizados para melhorar efetivamente
o processo de ensino e aprendizagem?
Liderança do diretor de escola | 273
Objetivos:
• Gerir recursos públicos com vistas a melhorar a infraestrutura física e
pedagógica da escola;
• Compreender a amplitude do uso de verbas públicas, dentro de um con-
texto de gestão democrática;
• Utilizar o PDDE Interativo e o aplicativo Clique Escola com finalidade
de facilitar e incentivar o acesso da comunidade escolar às informações
educacionais e financeiras da escola.
1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se deve
ao fato de esses termos se referirem conjuntamente a homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
276 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
espaços comuns, ele deve dirigir seu olhar à segurança de cada criança ou
adulto que tende a ficar nesses espaços por um longo tempo de seus dias.
Na sequência, vencidos os problemas que poderiam criar insegurança
nos ambientes, esses olhares precisam se debruçar sobre o PPP da escola
e as necessidades diárias que envolvem todo o processo pedagógico, seja
na adequação de ambientes, seja na aquisição de material adequado para o
melhor desenvolvimento das diversas aprendizagens. Nesse sentido, a ação
deve sempre priorizar o uso coletivo dos ambientes, dos espaços, dos mate-
riais adquiridos com o dinheiro público.
Superada essa etapa, o olhar do diretor precisa envolver a presença
constante de todos que transitam dentro do ambiente escolar. Localizar
problemas estruturais ou para o desenvolvimento de ações que podem ser
custeadas com dinheiro público, para que a aprendizagem fique sempre
como o centro do processo de ensino, exige, assim, a participação colegia-
da, inclusiva.
O PPP representa, com o corpo docente e a comunidade, a concretização
de elementos que ampliam a busca por uma educação de qualidade como
plano de ação visando acesso aos caminhos que a escola intencionalmente
pretende desenvolver. O PPP traz movimentos e ações intencionalmente
pensados que mantêm a cultura local, o território e a multiplicidade como
partes constitutivas da estrutura escolar.
Com isso, nasce a primeira conquista da gestão democrática que o PPP
representa em prol de uma educação, que antes era apenas massificada e
agora passa para formas de trabalho alinhadas a novas concepções rela-
cionais do corpo docente e discente. Tendo como prioridade a junção e
ação de todos que estão na escola, o PPP traduz processos que elevam os
objetivos de uma educação democrática que inclua aqueles que, permanen-
temente, querem, podem e devem participar.
Quando pensamos em qualidade, precisamos compreendê-la como fato
que envolve uma escola acolhedora, que desempenha uma função social,
onde são ampliados os espaços de empatia, com cuidados para que todos
se sintam parte dali, tendo segurança de poder falar e ser ouvido e ao mes-
mo tempo sabendo que a escuta é um bem pelo qual todos zelam. Será por
meio desses itens que a qualidade local poderá ser analisada, de manei-
ra que os gestores da instituição devem sempre ampliar o convívio social,
com o maior número possível de encontros entre as mais diversas formas
de pensar a escola, e a gestão financeira é parte desse processo, quando se
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 283
convivências entre todos os sujeitos que estão ali inseridos. Esse ambien-
te, por encarar a multiplicidade das diferenças e dos conflitos em todas as
gerações, capacita e promove princípios de solidariedade, cooperação, sa-
tisfação com a escola, comprometimento e participação. Com eles, temos
os elementos para encarar o problema de frente em prol de uma estrutura
com qualidade na gestão escolar, da mesma forma que a LDB (BRASIL, 1996)
contempla a formação continuada e permanente nesse sentido, com o cor-
po docente vinculado à comunidade participativa como forma de contribuir
para a aprendizagem e visando a promoção de uma cultura local, fortale-
cendo os processos participativos da escola, que podem se espraiar para o
território.
Podem até surgir novas formas de diálogo do prédio escolar com o ter-
ritório, novas formas de uso da infraestrutura predial escolar como parte da
paisagem local, novas formas de desenvolver o cuidado com o bem público,
integrando, diretamente, os bens que sejam internos ou externos, com um
uso contínuo, dialogado, que também pode ser cuidadoso pela comuni-
dade. Observamos que essa integração amplia as estruturas de lazer, de
formas de brincar e de unir as famílias num espaço público que está na sua
região, ampliando a política do cuidado.
Estamos tratando de um PPP que precisa contemplar estruturas que
criem pessoas as quais aprendam a cooperar, ampliando as mãos e braços
da gestão escolar. Os indicadores para alavancar a dimensão das institui-
ções devem ter como foco a avaliação, a prática pedagógica, o acesso, a
permanência num ambiente educativo com sucesso na aprendizagem e com
formação continuada para os profissionais da educação. Com essas dimen-
sões apontadas, a gestão escolar pode analisar, perceber os problemas e
os desafios que as instituições precisam encarar, passando a ter prioridades
para a solução.
Esses desafios, em que o PPP encara os problemas e estabelece ações
funcionais, contemplam a junção entre a prática e a teoria. Dessa maneira,
o PPP não fica esquecido numa gaveta, perdido num armário, nem é um
documento com letras mortas; ao contrário, ele é presente, ativo e precisa
ser visto como um guia e um instrumento poderoso que deve ser vivenciado
pelos diretores, discutido pela comunidade num processo permanente e
continuado. É dessa forma que o corpo docente participa da gestão escolar
para estabelecer espaços democráticos na melhoria do sistema e do uso dos
recursos públicos.
288 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Saúde (SUS). Nesse caso, ainda que cabível, a analogia vai até um determi-
nado limite. No caso do SUS, o atendimento pode ser organizado em função
da gravidade e natureza da enfermidade, podendo o enfermo ser atendido
por instituições de variada dependência administrativa, e no campo edu-
cacional as formas de cooperação se cumpririam por meio de organismos
interdependentes em sua ação de integrar as dificuldades locais às percep-
ções regionais de associação, posto que o problema educacional não fosse
de esfera única de poder, mas inteiramente dividido entre todos os entes
que constituem a federação, calcados na unicidade curricular e avaliativa.
Identificada a ação, localizamos algumas discussões que propõem for-
mas de tentar equacionar a questão, iniciando por compor não um fundo
nacional com complementos sistêmicos, como o antigo Fundef ou o atual
Fundeb, mas um regime de arrecadação unitário em que se busca aperfei-
çoar o arranjo existente, ao mesmo tempo que se implantam mecanismos
de financiamento que busquem alinhar oferta de serviços a recebimento de
recursos.
Seriam ajustes nesses mecanismos de transferências constitucionais de
impostos, utilizando-se a parcela da União da receita tributária para reduzir
as disparidades regionais. Repetindo, apenas se inicia com o uso dos fundos
educacionais, mas com avanços significativos, em que é possível utilizar o
poder normativo já estabelecido para a esfera federal a fim de interferir na
gestão dos sistemas. Isso ocorre por meio de diretrizes mais centralizadoras,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) ou a atual Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), com generalização de sistemas de avaliação.
São medidas que, por meio de repasses de recursos mediante transfe-
rências diretas e voluntárias a partir do Governo Federal, diminuindo a inter-
ferência de estados e municípios, ampliariam os repasses diretos às escolas,
aumentando, portanto, o poder local. São ações implantadas pela União que
atingiriam escolas e redes diretamente, sem os inconvenientes repasses vin-
culados aos poderes públicos, garantindo uma distribuição de recursos mais
equânime a partir das diferenças regionais e estruturais do Brasil.
Trata-se de utilizar o significativo poder indutor dessa medida para
implantar políticas, princípios de gestão participativa que definitivamente
precisam retirar as indicações políticas dos cargos gestores das escolas,
dotando cada unidade, ou conjunto de unidades escolares, de gestões in-
dependentes, ao mesmo tempo interdependentes, visto que as metas são
gerais e observadas pelos mecanismos que geram cobrança por meio de
Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 293
práticas de seu interesse. Não se pode negar que o objetivo pode ser mais
facilmente alcançado, particularmente nas redes menores, em que mesmo
montantes muito pequenos de recursos podem impactar.
Da mesma forma que a União formula proposições claras e induz ou-
tros entes federados, em regiões metropolitanas as parcerias acabam en-
volvendo, além do governo estadual, as prefeituras. Esses tipos de relação
de poder propiciados pela União, por exemplo, possibilita o surgimento de
mecanismos como consórcios (públicos e privados). Assim, da mesma for-
ma, fortalecem associações estaduais e municipais. Por vezes, agregam-se
metas e ações e desagregam-se mecanismos centrais de institucionalização,
resultando em enfraquecimento do Sistema Único de Educação.
É fundamental simplificar as estruturas burocráticas, descentralizar os
processos de decisão e de execução, fortalecer as escolas, articular os di-
ferentes níveis de ensino, os sistemas municipais e estaduais, integrando a
educação formal e não formal, articulando a educação escolar com as ações
educativas produzidas no interior dos movimentos sociais e populares,
valorizando também os processos de avaliação institucional e continuada
discente e docente.
Pode-se objetar o processo aqui indicado, inicialmente culpando o
tamanho do país, suas diferenças regionais, as relações de poder postas,
as várias formas de definir um diretor de escola pelo país, a formação dos
profissionais da educação, porém, não vemos a mesma resistência quando
temos programas que centralizam para descentralizar, de maneira muito
participativa, como acontece em programas como o Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD), os que injetam dinheiro direto nas escolas, como
PDDE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), para citar alguns
entre vários com absoluto sucesso.
Assim, o que se propõe é uma ampliação na base do que é viável por
meio de uma educação democrática e participativa, em que a quase totali-
dade de ações adquire a dinâmica agregação-desagregação sem descuidar
dos itens fundamentais do processo educativo, que passam por uma comu-
nidade participativa e ativa, boa formação aos profissionais da educação, em
especial os professores.
Da mesma forma que a dinâmica agregação-desagregação atuou com
sucesso na área da saúde, ainda que com limites, erradicando doenças en-
dêmicas no Brasil, intervimos com processos educacionais que, com com-
prometimento mútuo, no devido tempo, com metas bem definidas, marcos
294 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
olhares mais práticos sobre como considerar novas metas que sejam neces-
sárias. Assim, a sociedade tem acesso às datas de pagamentos do programa,
ao valor total da parcela, além da diferenciação entre as partes referentes ao
custeio e ao capital, sabendo, de antemão, o que poderá executar.
Ao tratarmos desses itens, estamos falando de avaliação de toda a ges-
tão financeira da escola, nesse caso do Ideb (Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica) e do CAQi (Custo Aluno-Qualidade inicial). Assim, se o
primeiro é mais conhecido e estabelecido a cada dois anos a partir da Prova
Brasil e dos índices gerados pelo Censo Escolar, o segundo foi criado pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação como um indicador que mostra
o quanto deve ser investido ao ano por aluno em cada etapa da educação
básica.
Ambos consideram atos que as leis brasileiras indicam, como acesso,
permanência, avaliação dos estudantes e dos sistemas de ensino, bem como
custos de manutenção das escolas para que garantam um padrão mínimo de
qualidade, conforme previsto na Constituição Federal (BRASIL, 1988), na Lei
9394/96 – LDB (BRASIL, 1996) e no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005,
de 25 de junho de 2014). Ao mesmo tempo, o aplicativo atende a legislações
sobre a transparência no uso de recursos públicos.
Nesse sentido, como é totalmente interativo, o aplicativo Clique Escola
permite acessar dados básicos da escola a fim de integrar essas informações
e objetiva ser um canal de comunicação do MEC com as escolas, permitindo
uma comunicação direta, bem como a transparência de ações, pois ele pode
ser acessado por estudantes, pais, comunidade e profissionais da educação.
Assim, essas informações podem ser atualizadas diariamente por todos e
auxiliar na construção de ações conjuntas que defendemos como parceria
para a gestão da escola pública. As informações são facilitadas para que os
prazos sejam cumpridos e as informações sejam disseminadas e trocadas.
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Gestão financeira e as demandas de infraestrutura na escola | 303
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8
Objetivos:
• Compreender que o processo de avaliação não se restringe à avaliação
da aprendizagem, mas entremeia todas as atividades e aspectos da vida
na escola;
• Possibilitar a compreensão das três modalidades de avaliação que de-
vem ser realizadas no âmbito escolar (a avaliação do ensino e aprendiza-
gem, a avaliação institucional e a avaliação externa) e sua contribuição na
melhoria da qualidade de ensino da escola;
• Entender que a avaliação do ensino e da aprendizagem não se constitui
em aplicar provas, atribuir notas e aprovar ou reprovar, mas deve consti-
tuir um processo contínuo, cumulativo e sistemático, isto é, de forma coti-
diana e permanente, assumindo as funções diagnósticas e prognósticas;
1 Neste documento, termos como "o diretor", "o professor" e seus respectivos plurais
são usados de forma inclusiva para se referir a homens e mulheres. Essa escolha se
deve ao fato de tais termos se referirem conjuntamente a homens e mulheres na língua
portuguesa, exceto pelo uso de "o/a", "los/las" e outros semelhantes, e esse tipo de
fórmula implica uma saturação gráfica que pode tornar a compreensão da leitura difícil.
306 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
A avaliação educacional
Avaliação Educacional é hoje um campo complexo que abrange dife-
rentes áreas com características diversas: em termos escolares, a avaliação
mais característica é a do ensino-aprendizagem em sala de aula. Entretanto,
nas últimas décadas vêm ganhando cada vez maior importância a avaliação
institucional e a autoavaliação da instituição escolar. Além das avaliações
com foco na sala de aula ou na instituição escolar, o processo avaliativo do
rendimento ou de desempenho escolar tem sido o objeto de macroanáli-
ses, conhecidas como avaliações externas, que têm como finalidade regular
e estabelecer políticas educacionais, seja no nível municipal, estadual ou
nacional.
No cotidiano escolar é ainda predominante a concepção de avaliação
escolar com o significado exclusivo de avaliação do rendimento e desem-
penho dos alunos nas salas de aula. As demais formas de avaliação, seja
aquela que se refere à avaliação institucional, seja aquela que se refere à
avaliação externa, ainda têm penetração incipiente na vida escolar. Ainda
que a grande maioria dos gestores escolares tenha ouvido falar das avalia-
ções externas, em particular de seus instrumentos, como o Saeb ou Prova
Brasil, ou de indicadores educacionais, como o Ideb, ainda existem dúvidas
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 307
Não sem razão, visto que esta é a modalidade de avaliação mais pre-
sente no cotidiano das pessoas. Como nossas escolas emergiram sob a
égide da preparação de elites, a avaliação seletiva no cotidiano escolar
firmou-se, por centenas de anos, como cultura preponderante. Mesmo
em momentos nos quais aparecem propósitos de democratização das
escolas e os primeiros debates sobre a expansão do sistema de ensino,
a cultura que dá forma aos processos avaliativos na escola é a que tem
como referência critérios altamente seletivos, associados a padrões ditos
rigorosos, mas sempre pouco claros (GATTI, 2002, p. 17).
podem usufruir do próximo ano escolar. Isso significa, para Luckesi (2002),
que o exercício pedagógico escolar é atravessado mais por uma pedagogia
do exame do que por uma pedagogia do ensino.
Desde o período da educação jesuítica, no século XVI, predominou
no Brasil colonial aquilo que atualmente denominamos como avaliação do
aprendizado, concebida como uma verificação dos conteúdos ensinados,
predominantemente por meio de exames orais, instituindo-se um ritual
de classificação e promoção. Apenas aqueles aprovados nos exames orais
tinham sua competência reconhecida. Essa mesma prática de exames per-
maneceu após a expulsão dos jesuítas, no século XVIII, perdurando como
a principal forma de verificação dos conteúdos aprendidos durante prati-
camente todo o período imperial brasileiro. Esse desenho do processo
avaliativo tinha um caráter profundamente seletivo e tinha relação direta
com uma educação que excluía dos bancos escolares mais de dois terços
da população.
No final do século XIX e início do século XX, seguindo a tendência pre-
dominante na Europa, ocorreram no Brasil reorganizações administrativas e
didático-pedagógicas. No Brasil tem início o modelo de escola graduada,
constituída pela seriação baseada em faixas etárias homogêneas. As antigas
classes multisseriadas foram substituídas pelos grupos escolares que "agru-
pavam" as antigas classes isoladas em um sistema de seriação segundo a
faixa etária. Possibilitou-se assim que em uma mesma série fossem reunidos
alunos de uma mesma faixa etária que receberiam conteúdos considerados
adequados para as suas faixas etárias. A seriação acirra o caráter competiti-
vo e introduz os sistemas de retenção e progressão das séries. Importante
foi, nesse momento, o papel das novas disciplinas de ciências da educação,
como a psicologia educacional, sociologia da educação e didática, entre
outras, cujos estudos visavam estabelecer os conteúdos curriculares ade-
quados ao processo de desenvolvimento cognitivo e social dos alunos.
Com o auxílio, principalmente, da psicologia educacional, foram introdu-
zidos instrumentos de testes e medidas para o desenvolvimento de padrões
avaliativos mais especializados. Em 1904 é publicado o livro do psicólogo
norte-americano Edward Lee Thorndike – An Introduction to the Theory of
Mental and Social –, cuja influência internacional levou à introdução de mé-
todos de mensuração da aprendizagem que marcaram a incorporação da
psicologia comportamental no processo de avaliação da aprendizagem. Se-
gundo a perspectiva comportamental, o processo educativo teria como fina-
lidade alterar os padrões antecedentes de comportamento dos educandos,
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 313
Não cabe ao aluno o papel de escolher o que deve ou não saber, nem a
maneira pela qual essa aprendizagem deva ser feita. A ele cabe aprender
o que é colocado, da forma como foi planejado, e repetir no momento
da verificação da aprendizagem (MORETO, 2008, p. 99).
os alunos passam a estudar para se dar bem na prova e para isso têm de
memorizar as respostas consideradas certas pelo professor ou professora.
Desaparece o debate, a polêmica, as diferentes leituras do mesmo texto,
o exercício da dúvida e do pensamento divergente [...]. A sala de aula
se torna um pobre espaço de repetição, sem possibilidade de criação e
circulação de novas ideias (GARCIA, 1999, p. 41).
o novo foco está na preparação das condições para que o aluno seja
competente, isto é, seja capaz de estabelecer relações significativas no
universo simbólico das informações disponíveis. Estabelecer relações, a
partir da análise crítica de situações complexas, é gerenciar informações
na solução de problemas. Voltamos à função fundamental da escola:
preparar os gerentes das informações (MORETTO, 2008, p. 76).
Haydt (1988) observa que muitos professores têm procurado fugir dos
problemas da avaliação tradicional propondo modelos mais "inteligentes",
que poderiam ajudar na compreensão e progressão dos alunos. Ocorre que,
pressionados pela grande quantidade de alunos e classes e pela burocracia
inerente ao sistema educacional, acabam cedendo ao modelo tradicional,
que é mais fácil de ser administrado e demanda uma quantidade menor de
tempo. Muitos docentes, ainda, consideram as novas formas de avaliação
um problema a mais entre as suas tarefas já excessivas e as consideram um
peso ou tempo perdido.
A avaliação do rendimento do aluno tem sido uma preocupação cons-
tante dos professores, pois faz parte do trabalho docente verificar e julgar o
rendimento dos alunos, avaliando os resultados do ensino, e ainda porque
o progresso alcançado pelos alunos reflete a eficácia do ensino. Nesse sen-
tido, o rendimento do aluno reflete o trabalho desenvolvido em classe pelo
professor, uma vez que, ao avaliar os alunos, o professor está também ava-
liando seu próprio trabalho. Portanto, a avaliação faz parte da rotina escolar,
e é responsabilidade do professor aperfeiçoar suas técnicas de avaliação
(HAYDT, 1988, p. 7).
Como o problema recai sobre o aluno, que é considerado sempre o res-
ponsável pela sua própria nota, caberia nos perguntarmos, como se trata
de um processo de ensino-aprendizagem, qual seria a parte do fracasso do
aluno que compete ao professor?
320 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
Avaliação institucional
Desde a década de 1990, começaram a surgir indagações sobre a repon-
sabilidade institucional da escola em relação ao processo de ensino-apren-
dizagem e ao rendimento escolar dos alunos. Nesse período, começaram a
ser implementados, ainda de forma incipiente, processos de autoavaliação
em algumas escolas, cujos resultados positivos motivaram a expansão dessa
modalidade de avaliação para outras instituições e sistemas de ensino.
A autoavaliação institucional deve constituir o primeiro passo para a
avaliação sistematizada do processo educativo promovido pelas escolas.
Trata-se de um instrumento de conhecimento da realidade escolar que deve
contemplar todas as dimensões do processo educativo, considerando as
condições estruturais, culturais, sociais e pedagógicas da escola. Deve ser
um processo contínuo de reflexão e análise de todas as características e
Avaliação de aprendizagem, insitucional e de larga escala | 325
Objetivos:
• Conhecer e refletir sobre as violências extraescolares no ensino e na
aprendizagem;
• Refletir sobre a violência simbólica e sua invisibilização;
• Refletir sobre as condições de pobreza, diferenças sociais, negligência,
contexto social e psicológico e sobre como essas questões interferem
nas relações escolares;
• Conhecer e refletir sobre as violências intraescolares que interferem nas
relações escolares.
O refugo global está no mundo, nas ruas brasileiras, nas gangues de ado-
lescentes que queimam carros nos subúrbios de Paris, nos soldados das
redes de distribuição de drogas na América, nos refugiados albaneses na
Itália ou nos massacres em Ruanda. A globalização tem garantido uma
vasta capacidade de agir a distância para alguns, e para os pobres ou
"consumidores falhos", como denomina Bauman (1999), sobra apenas
o lugar de plateia desqualificada. Nesse quadro, com a globalização,
aqueles que são descartáveis têm suas situações pioradas, pois ela tem
aumentado a distância entre os que fazem parte da sociedade daqueles
que não fazem.
1 Essas definições são feitas baseadas no livro "Violências no cotidiano social e escolar:
desnaturalizando com a arte" (LUIZ, 2020).
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 339
• Violências duras são atos e/ou ações classificados perante a lei como
crimes ou infrações pautados nos códigos penais, ou seja, infringem a
constituição e ferem as garantias sociais do outro.
• Incivilidades (ou microviolências) são atos e/ou ações que não possuem
vínculo com medidas legais nem com os diferentes tipos de regimentos
estabelecidos, mas que ferem a boa convivência. As incivilidades podem
ser consideradas como desordem e possuem forte teor moral e ético.
• Violências simbólicas, como já dito, são aquelas que se utilizam de me-
canismos simbólicos de poder e compõem a estruturação social, man-
tendo a hierarquização da sociedade. A força de dominação entre os
sujeitos é naturalizada e invisibilizada, torna-se algo aceito sem questio-
namento, dando legitimidade às relações sociais.
Nessa percepção de desnivelamento, as relações de forças permitem
compreender como as violências se dão em contexto educacional, conhe-
cendo as três categorias de fenômenos da violência em meio escolar, segun-
do Charlot (2002):
Existem vários ciclos que podem ser interrompidos por quesitos subjeti-
vos, mas a frequência pode culminar no fomento desse círculo vicioso.
346 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
As relações que ocorrem entre sujeitos não são lineares, tampouco de-
finitivas, e assim, nas configurações, um agressor pode vir a ser uma vítima
ou espectador, assim como um espectador pode assumir o papel de vítima
ou agressor, ou uma vítima pode ser uma espectadora de outras violências
e agressora de outros sujeitos. Nessa dimensão, cabe a quem media fazer
intervenções para que o ciclo cesse ou se rompa, por meio da reflexão sobre
empatia e autorregulação das emoções, de modo individual (pela autoper-
cepção) ou coletivo, com enfoque naquilo que machuca ou fere as pessoas
ou grupos.
1) Perspectivas no Mundo
• Violência física: a partir da visualização de um vídeo de curta-metragem
de dança, retirado da internet (https://vimeo.com/169940864), com ex-
posição de sons e imagens que representam as violências físicas, foram
elencadas com os alunos palavras que expressavam os sentimentos des-
pertados. Por fim, criou-se um poema com o grupo todo e gravou-se um
vídeo da leitura da produção.
• Violência verbal: com várias fotos retiradas da internet evidenciando a
violência verbal, instigou-se a reflexão sobre as perspectivas acerca des-
sa violência tão presente no ambiente escolar. Logo após, o grupo teve
que criar fotos que representassem as violências verbais por meio de
sombras, utilizando o quadro branco da sala de aula.
• Violência psicológica: por meio de uma discussão sobre o ódio nas redes
sociais, foi feito um curta-carta exaltando o que os estudantes achavam
importante relatar para o espectador. O curta-carta é desafiador: mobi-
liza não só ideias, mas sentimentos e narrações em um curto espaço de
tempo, e o que se filma, necessariamente, se dirige a outra(s) pessoa(s).
A escolha do tema (redes sociais e discurso de ódio) deu-se pelas altera-
ções interpessoais devidas às redes sociais e às novas formas de comu-
nicação, de demonstração de afetos e desafetos – mudanças estas que
geram alterações em como nos relacionamos e no que compreendemos
por "eu".
• Violência simbólica: a partir de fotos retiradas da internet e do curta-
-metragem "Quanto custa à intervenção no Rio", realizado em 2018, que
evidencia a ação da polícia militar e do exército brasileiro nas comunida-
des do Rio de Janeiro com o objetivo de garantir a segurança, os alunos
realizaram uma roda de conversa para debater sobre as violências sim-
bólicas percebidas por eles naquele contexto e, em seguida, elaboraram
um roteiro para apresentação de um telejornal com representação das
violências simbólicas.
352 | Mentoria de Diretores Escolares: formação e contextos educacionais no Brasil
2) Perspectivas na escola
• Violência física: a atividade foi a câmera subjetiva. Esse tipo de exer-
cício colocou os estudantes em situações ainda não experimentadas,
despertando neles a deferência e a valorização do ser humano. A ideia
foi criar um personagem, isto é, um estudante novo na escola que estava
sofrendo violências físicas. Como trabalho final foram criadas duas cenas
por meio de celulares: uma primeira, filmada como plano americano, de
quem está vendo a cena; a outra foi filmada com o olhar de quem estava
vivenciando a violência física (cena filmada junto ao aluno agredido). A
proposta é sentir o que o outro está sentindo.
• Violência verbal: a atividade foi a "imagem que conta muito além do que
registra". Cada aluno do grupo teve que fotografar um objeto da escola,
em qualquer lugar ou espaço, e logo após o grupo escolheu três fotos
de objetos de três alunos diferentes. Depois desse processo, houve a
etapa de elaborar uma história sobre como ocorrem os conflitos e vio-
lências verbais na escola, utilizando-se das imagens escolhidas e dando
uma sequência de filmagem. A criatividade pode ser aflorada.
• Violência psicológica: o exercício era gravar com o celular a mesma situ-
ação, mas em diferentes perspectivas de narrador. Os alunos deveriam
pensar em situações de conflito que poderiam acontecer na escola a
partir de diferentes narrativas e pontos de vista. O intuito era desnatu-
ralizar aquilo que deixamos de enquadrar. Dando ênfase na alteridade
e no estabelecimento de relações na escola, a filmagem possibilitou a
reflexão sobre a identificação e o afastamento entre as pessoas quan-
do não se dá a chance de escutar ou conhecer outra perspectiva que
não a própria. A proposta foi articular reflexões sobre o que definimos
como algo que deve ser visto em uma imagem e o que deve ficar fora de
quadro, exercitando os enquadramentos, problematizando o olhar e os
modos de ver, que não são parciais e localizados, mas são recortes do
mundo.
• Violência simbólica: em roda de conversa, buscou-se compreender o
que é e como acontece a violência simbólica na escola. Em grupo, os
alunos pensaram e descreveram uma violência simbólica que aconteceu
dentro da escola, podendo ser algo que observaram, perceberam, vi-
venciaram, de que participaram etc. Em seguida, o grupo escolheu um
acontecimento específico para retratar em forma de história, elaborando
Violências sociais e escolares: o desafio das relações cotidianas | 353
uma fábula com animais como personagens e que foi filmada em apenas
três cenas (com começo, meio e fim).
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