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MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO

SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO


Esplanada dos Ministérios, Bloco F, Anexo, Ala B, 10 andar, sala 176- CEP: 70059-900 - Brasília/DF
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NOTA TÉCNICA N.° 2I2I20I2IDMSCISIT

Número do Processo (no MTE): 46014.000641/2012-58.


Documento de Referência: Memorando n.° 455/2012/CONJUR-MTE.
Interessado: CONJUR-MTE.

Contratação temporária por excepcional


interesse público. Fraude. Lei municipal
manifestamente inconstitucional.
Sonegação de direitos trabalhistas.
Violação do princípio da ampla
acessibilidade a cargos e empregos
públicos.

1 - Considerações Iniciais.

Por intermédio do Memorando n.° 455/2012, a Consultoria Jurídica desta


Pasta solicita à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) informações sobre os
fatos para elaboração da defesa da União na "Ação Declaratória de Inexistência de
Relação Jurídico-Tributária c/c Anulatória de Débito Tributário com Pedido de
Antecipação de Tutela" ajuizada pelo Município de Rio do Sul (SC).

Com vistas a subsidiar resposta à CONJUR-MTE, cumpre fornecer as


seguintes informações.

2 - Informações.

O pedido de tutela antecipada feito pelo Município é no sentido de que seja


suspendida a exigibilidade dos créditos tributários apontados em notificações
expedidas por Auditores-Fiscais do Trabalho por ausência de depósito do FGTS e
por não recolhimento da Contribuição Social. Ao final, requer que se declare a
inexistência da relação jurídico-tributária entre as partes que possibilite aos AFTs
fiscalizarem contratos de cunho jurídico-administrativo firmados pelo Município de
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Lages; anular o ato do Auditor-Fiscal que teria decidido administrativamente anular


os contratos firmados entre partes; e anular as notificações e decorrentes créditos
tributários apontados na peça inicial.

Com o devido respeito, não assiste razão ao Autor.

2.1 - Questão da Competência Jurisdicional.

Em primeiro lugar, é importante frisar que a questão principal na ação sob


comento é a procedência ou não de autos de infração lavrados pela Inspeção do
Trabalho em face da municipalidade autora, o que, a nosso sentir, atrairia a
competência material da Justiça do Trabalho por força de expressa
disposição constitucional. Nesse sentido, o inciso VII do art. 114 da Constituição
na redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional n.° 45/2004:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


(...)
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas
aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações
de trabalho;

Dentro desse contexto, ressalvado melhor juízo, entendemos que a lide não
apenas foi deduzida sob órgão judiciário materialmente incompetente para tanto,
como a própria natureza da lide está equivocada, por não se tratar de provimento
declaratório, mas sim evidentemente desconstitutivo (salvo melhor juízo, a ação
correta a ser ajuizada no presente caso teria a ação anulatória de auto de infração
perante a Justiça do Trabalho, sendo que a inexigibilidade do crédito decorrente da
multa seria consectário lógico da própria anulação do auto).

Entendemos também que o cancelamento da OJ 205 da SBDI-1 tão-


somente permite concluir que a Justiça do Trabalho não tem competência para
processar e julgar causas instauradas entre o Poder Público e o servidor que a ele
seja vinculado por relação jurídico-administrativa; não se extraindo daí qualquer
repercussão que afaste a competência da Justiça do Trabalho para causas
concernentes à imposição de penalidades pela Inspeção do Trabalho, hipótese
para a qual existe, inclusive, norma constitucional expressa conforme citado.

2.2 - Sobre o Mérito.


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Em primeiro lugar, é importante deixar claro que a discussão na presente


lide não é sobre o crédito tributário propriamente, mas sim sobre a validade ou não
do seu fato gerador, no caso as autuações de infrações à legislação trabalhista
perpetradas pela municipalidade autora.

A despeito do sentido para o qual vem se encaminhando a jurisprudência,


entendemos que os provimentos jurisdicionais até então existentes não vedam a
atuação da Inspeção do Trabalho no caso de contratações fraudulentas utilizando-
se o art. 37, 1X1 , da Constituição como pretexto para referendar irregularidades.
Muito ao contrário, acreditamos que o sentido dessa jurisprudência pode e deve ser
modificado com o auxílio das ações da Inspeção do Trabalho.

Explica-se: permitir que as unidades federativas burlem a norma que impõe


a realização de concurso público para preenchimento de cargos e empregos
públicos; desvirtuem a possibilidade de contratação temporária para excepcional
interesse público e; além disso, soneguem direitos trabalhistas a quem se
enquadra do ponto de vista fático e jurídico no conceito de empregado representa a
legitimação de condutas que agridem, de uma só vez, uma infinidade de princípios
jurídicos.

De plano, aponte-se o macro-princípio jurídico segundo o qual ninguém pode


se valer da própria torpeza. Assim, se um ente federativo não realiza concurso
público para uma atividade típica que nada possui de temporária, além de
burlar a lei, não pode ainda vangloriar-se do ato ilícito por intermédio da
sonegação de direitos sociais, o que propicia ao mesmo tempo tanto o
enriquecimento sem causa do ente federativo que fraudou a lei como também
a frustração de praticamente todo o rol de direitos sociais salvaguardado pela
Constituição Federal. Aliás, frise-se que o artigo 7 0 da Constituição, ao instituir um
extenso elenco de direitos sociais, não os estende apenas aos "empregados", mas
aos "trabalhadores", numa clara sinalização de que a utilização de estratagemas
fraudulentos que busquem associar o trabalho subordinado a um regime jurídico
diverso do emprego não será convalidada pela ordem jurídica ali instituída. Mais
que isso, o princípio da primazia da realidade reclama aplicação no sentido
de que, presentes os elementos característicos de uma relação de emprego
(subordinação, pessoalidade, onerosidade e não-eventualidade), os direitos
trabalhistas podem e devem aplicar-se. As exceções - entendendo-se que a

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária
de excepcional interesse público;
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Constituição permite a contratação temporária no art. 37, IX, por regime


diverso - obviamente apenas poderiam ser aceitas se as funções para as
quais os trabalhadores fossem contratados fossem, de fato, temporárias (o
que não é o caso). Entendimento diverso ilustra tão-somente o absurdo de se
interpretar restritivamente um dispositivo constitucional que exterioriza
simplesmente todo o rol de direitos trabalhistas.

Ora, segundo consta nos processos administrativos de auto de infração, "os


trabalhadores identificados pelo AFT exercem funções junto aos órgãos da
administração municipal como verdadeiros servidores, realizando atividades típicas
da administração pública tais como professores, administrativos, agentes de saúde,
entre outras funções, não se enquadrando nas hipóteses de contratação
temporária de excepcional interesse público dos serviços na forma do inciso IX do
art. 37 da Constituição Federaf'. 2

Aliás, causa espécie constatar que a própria lei municipal que a


municipalidade autora invoca (Lei n.° 3796/2002, de Rio do Sul/SC) é
flagrantemente inconstitucional ao permitir a contratação "temporária" para
ocupação de cargos públicos. Vejamos:

Art. 2 0- Considera-se necessidade temporária de excepcional


interesse público:
(...)
V - admissão de pessoal em virtude de existência de vaga
não ocupada em concurso público, até a realização de novo
concurso;
VI - admissão de pessoal em decorrência de abertura de
novas vagas, até a realização de novo concurso;

Perceba-se o absurdo: a lei municipal é de tal modo grosseiramente


inconstitucional que chega, no inciso V, ao desplante de afirmar ser possível a
contratação temporária para "vaga não ocupada em concurso público até a
realização de novo concurso". Ora, com o devido respeito, se a vaga for
ocupada por alguém não concursado, é evidente que a Administração Pública não
terá qualquer pressa em preenchê-la com o concurso. Mais que isso, se a vaga é
para ser suprida por concurso, é clamorosamente inconstitucional que se
venha a preenchê-la de forma diversa. O inciso VI é ainda mais perturbador
sob a ótica jurídica, pois admite que sejam criadas novas vagas (cargos ou

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Trecho extraído da análise do auto de infração n.° 0 1638225 1.
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empregos públicos) e, ao invés de preenchê-los pela via do concurso público,


que sejam preenchidos nos moldes da contratação temporária.

Não deixa de ser irônico imaginar que uma lei tão ostensivamente afrontosa
à Constituição possa ter, aos olhos de alguns, presunção de constitucional idade;
ao passo em que a presunção de legalidade dos atos administrativos corretamente
praticados pela Inspeção do Trabalho seja relegada ao esquecimento. Pensar o
ordenamento jurídico dessa forma representa, em termos práticos, situar as
abstrações jurídicas concebidas sabe-se lá para a serventia de quais
interesses acima não apenas do interesse dos trabalhadores (cujos direitos
sociais são vulnerados in concreto), mas de toda a coletividade que, in
abstrato, faria jus ao direito de concorrer, pela via correta do concurso
público, a um cargo ou emprego público cujo regime jurídico impõe o
reconhecimento de uma variada gama de direitos assegurados pela
Constituição.

Nesse contexto, se as funções para as quais foram admitidos os


trabalhadores (que a municipalidade autora chama de "contratados") não se
enquadram dentre aquelas que o permissivo constitucional se aplica (necessidade
temporária), fica evidente que a contratação - seja a partir de que regime for - é
integralmente nula. Aliás, no caso, pouco importa a existência de uma lei municipal,
haja vista que a legislação municipal não pode reprimir a incidência de um
dispositivo limitador constitucional. Assim, ao contrário do que argumenta a
municipalidade, o art. 37, IX, da Constituição não é o que dá suporte as suas
pretensões; mas sim justamente o que permite aferir a completa ilegalidade
das contratações feitas pelo município a partir do uso deturpado de uma
autorização constitucional.

Dessa forma, se uma contratação não sobrevive ao cotejo com dispositivo


constitucional que lhe conferiria validade, ela é, juridicamente, nula de pleno direito.
Ora, sendo nula de pleno direito, é razoável supor que os trabalhadores - salvo se
comprovada a má-fé destes, o que não é o caso - devem fazer jus aos direitos
que lhes seriam assegurados em caso de contratação regular, o que inclui
necessariamente o FGTS.

Frise-se que o próprio TST, cujo entendimento consegue ser - sob óticas
diversas - ao mesmo tempo conservador e vanguardista, editou a Súmula 363
que assegura, nos casos de nulidade do contrato, o pagamento de salários e FGTS
aos trabalhadores. Nesse sentido, é razoável cogitar-se da exigibilidade dos
depósitos de fundo de garantia para os trabalhadores cuja situação é
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ostensivamente irregular. Aliás, sem o depósito do FGTS, a tendência é que


continue a reinar no país uma lastimável indiferença aos comandos constitucionais.

As discussões sobre o regime jurídico a ser aplicado a cada trabalhador


estão, a nosso sentir, terrivelmente deturpadas em nosso país. Infelizmente, tem
predominado uma linha de pensamento que entende que a abstração fraudulenta,
ou seja, um regime jurídico instituído para ser aplicado a quem ele não deveria
reger, é mais importante do que a situação concreta de quem presta serviços e, a
partir da natureza dessa função ou desse trabalho, deveria atrair para si o regime
jurídico cabível, ao menos durante o tempo em que efetivamente prestou serviços e
sem prejuízo da posterior declaração de nulidade da contratação.

Feitas as presentes considerações, entendemos que os autos de infração


lavrados contra a municipalidade autora, longe de serem nulos, são válidos e
pautam-se num princípio que deveria ser levado mais a sério por aqueles
responsáveis pela aplicação do direito, isto é, a primazia da realidade. Assim, se
alguém desempenha todas as funções de um empregado público, mas por força de
um regime jurídico instituído de modo inconstitucional, não é tratado como tal,
deveria ter seus direitos guarnecidos pelo ordenamento e não suplantados ou
sonegados. A fraude, tanto aos direitos trabalhistas como ao primado do amplo
acesso a cargos e empregos públicos, amparada em lei manifestamente
inconstitucional, não pode e não deve prosperar.

À consideração superior.

Bras' ,11 de julio de 2012.

Danie' ce at s S mpaio Chagas


AL4itor-Fiscat do Trabalho
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Bíjília, 11 dejIho de 2012.


Aprovo a presente)ota Técni9 4Encaminhe-se à CONJUR.
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Vera Lúcia Ribeiro de Albuquerque
Secretária de Inspeção do Trabalho

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