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CRIMES EM ESPECIAL

1º Teste

01/04/2021
RITA G. E. BRAAMCAMP

01 – 09/02/2021

Hipótese:

A, colaborador da empresa XPTO, convence B, C e D a assaltarem o local onde trabalha. A, B,


C e D planeiam em conjunto o assalto, dando-lhes A indicação da porta por onde deveriam entrar
e que ele deixaria aberta quando saísse do serviço. De acordo com o plano B ficaria de vigia e
distrairia E, o guarda da empresa. Nessa altura C e D introduzir-se-iam no edifício e, enquanto
C arrombaria o cofre, D subtrairia outros valores que ali encontrasse. Todos levariam armas que,
no entanto, só utilizariam caso fossem perseguidos e estivessem em perigo de ser apanhados.

No dia e hora aprazados B não compareceu no local, ficando a vaguear nas imediações da
empresa XPTO visivelmente agitado. M, uma transeunte que passara por B e achara algo de
estranho no seu comportamento, ao notar que ele caminhava agitado atrás de si, pensou que ele
se preparava para a assaltar e pegou numa pedra que lhe atirou à cabeça deixando-o inanimado.
M, não obstante reparar que B estava em perigo de vida nada fez para o ajudar, acabando este
por morrer por falta de assistência médica tempestiva.

Entretanto, C e D, apesar da ausência de B, decidem avançar com o assalto ao repararem que o


guarda E, que havia bebido demais, adormecera profundamente. Enquanto C procedia ao
arrombamento do cofre, D entrou num dos gabinetes para saquear os valores que encontrasse,
conforme haviam planeado, e deparou, inesperadamente, com o contabilista, G, que, sentado à
secretária, parecia dormitar (mas, na verdade, tinha acabado de morrer com um ataque cardíaco)
e, acto contínuo, disparou sobre ele.

E, o guarda, que despertara ao ouvir o tiro, ainda conseguiu ver D fugir e tentou acertar-lhe, mas
não conseguiu atingi-lo, vindo a ferir F numa perna. Com isso, sem saber, evitou que F
concretizasse a intenção de matar H, a casa de quem aquele se dirigia para esse efeito.

Determine a responsabilidade criminal dos intervenientes.

Resposta:

O primeiro problema que esta hipótese colocava era saber do ponto de vista da comparticipação
criminosa, a que título é que cada um destes 4 agentes – A, B, C e D – podia responder por esta
tentativa de furto. Quando trabalhamos a matéria da comparticipação criminosa, há uma regra
prática que devemos seguir, devemos começar por apurar a responsabilidade criminal dos autores
materiais, portanto, sempre que tenhamos uma hipótese que descreva muita gente a
comparticipar, em sentido amplo, na prática de um facto, devemos começar por determinar a

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responsabilidade dos executores materiais, ou seja, de quem está mais próximo do facto. Devemos
começar por determinar a responsabilidade de quem está mais próximo do facto e depois recuar
para quem está mais longe do facto. Quem são os executores materiais desta tentativa de furto?
O C e o D. Do ponto de vista da comparticipação criminosa o que é que o C e o D são? São co-
autores desta tentativa de furto. Porque? O que é que permite caracterizar alguém como co-autor?
A co-autoria pressupõe uma decisão conjunta e execução conjunta, isto significa que eu só posso
punir como co-autor aquele que simultaneamente participa na decisão mas também participa
diretamente na própria execução do facto (art.26º).

O A é co-autor ou é outra coisa? O A poderia ser co-autor? Co-autor é aquele que participa na
decisão e na execução, portanto, só é co-autor aquele que toma parte na própria execução do
facto. A hipótese diz-me que o A convenceu os outros, que combinou com os restantes como a
coisa deveria ser feita e diz-me que, umas horas antes, ao sair da empresa deixou a porta aperta
por onde os outros depois entrariam. Isto é o que objetivamente o A fez. Algum destes atos é um
ato de execução do furto? Não, são tudo atos meramente preparatórios. E como é que eu sei se
um ato é preparatório de execução? Ou aquilo que o agente faz cabe numa das alíneas do nº2 do
art.22º, porque são estas que me dizem o que são atos de execução para efeitos do direito penal,
ou não cabendo em nenhuma das alíneas, então por exclusão de partes, o ato é meramente
preparatório. O ato de convencer os outros ou o ato de estar a elaborar o plano com os outros,
ou mesmo o ato de umas horas antes deixar a porta aberta, não cabe em nenhuma das alíneas do
art.22º, nº2 e, portanto, são atos meramente preparatórios, o que significa que uma vez que o A
não fez mais nada, então o A não participou diretamente na própria execução, o contributo do A
esgota-se ainda antes do furto entrar na fase dos atos de execução.

O A tem uma participação importante e decisiva, mas que não é durante a execução, portanto
eu não tenho o suficiente para punir o A como co-autor. O facto do A abrir a porta não se pode
considerar um ato imediatamente anterior da al.c)? Não, o ato de abrir a porta só seria uma ato
de execução se imediatamente a seguir os outros fossem entrar, ou seja, se os outros já tivessem
nessa altura no lado de lá da porta e assim que o A abrisse aporta eles entrarem.

O A seria instigador porque convence, a instigação é determinar outra pessoa (art.26º), o que
significa convencer, criar nessa pessoa a vontade da decisão que ela não tinha de praticar o facto
típico. O A convenceu o B, o C e o D à pratica do facto e isto permite considerá-lo e puni-lo como
instigador.

Então e o B? O B ficaria a vigiar e a distrair o guarda da empresa, mas acontece que entretanto
teve medo e ficou apenas a rondar a empresa. Podíamos puni-lo como co-autor? Não porque ele
não participou, se ele tivesse chegado a fazer aquilo que o plano lhe atribuía enquanto função, ele

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podia ter sido punido como co-autor, mas ele não chegou a fazer isso, portanto não chegou a
tomar parte direta na execução, e por isso não pode ser punido como co-autor, mas pode ser
punido como cúmplice porque ele contribuiu para o plano.

Tem alguma relevância do ponto de vista da responsabilidade criminal do B ele ter desistido? É
verdade que ele desisti, e quando isso acontece, a desistência de uma tentativa a que já se
tinha dado início, diz o art.24º, pode ser relevante se for voluntária. Quando é que a desistência
é voluntária? Quando não é determinada por um fator externo, que na representação do agente
significa a impossibilidade de continuar ou um risco acrescido em continuar (exemplo: se o
assaltante de um banco desisti porque vê umas luzes ao fundo azuis e pensa que é a policia, está
desistência é não voluntária porque é determinada por um fato externo que significa na
representação do agente que já não vai conseguir ou que se tornou muito arriscado continuar a
tentar). No nosso caso concreto a hipótese não nos diz quais foram as razões pelas quais ele estava
hesitante, mas independente da questão da voluntariedade, a verdade é que ele estava a atuar
num contexto de comparticipação criminosa, e quando se trata de desistência num contexto de
comparticipação criminosa, então para além do art.24º, importa também o art.25º, quer dizer
que ainda que voluntária a desistência só releva, conduzindo à não punição do agente se o agente
pelo menos se esforçou seriamente para impedir ou prevenir a consumação, e isso manifestamente
o B não fez. A desistência neste caso era irrelevante, quer porque não é certo que seja voluntária,
quer porque ainda que fosse ele não teria feito nenhum esforço, quanto mais um esforço sério
para impedir a consumação.

Entretanto passa M, que entretanto vê o B atrás dela com o tal ar agitado e parece a M que se
trata de um assaltante e atira-lhe com uma pedra à cabeça, e não obstante de ter percebido que
o B ficou em perigo de vida, decide nada fazer, acabando o B por morrer por falta de assistência
médica. Temos aqui dois momentos:

Ø o primeiro é quando M lhe atira com a pedra a cabeça porque representa que está perante
um assaltante quando não está, e isso é um erro do art.16º, nº2 que depois remete para o nº1
que exclui o dolo, a M está em erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de
exclusão da ilicitude, neste caso da legitima defesa, portanto, ela erradamente representa
que está perante uma questão atual e ilícita, que não está. O nº2 do art.16º tem como
consequência a exclusão do dolo por força da remissão da primeira parte do nº2 faz para a
parte final do nº1. Mas agora, excluído o dolo, diz o art.16º, nº3 que fica ressalvada a
punibilidade da negligência nos termos gerias, portanto, temos que ir ver se o crime em
causa é punido na forma negligente, e depois se o agente em concreto atuou com negligência,
ou seja, se a M violou um direito de cuidado que estava obrigada e de que era capaz quando
não percebeu que não era nenhum assaltante, mas apenas alguém mais agitado.

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Ø No segundo momento, a M ao constatar que o B ficou em perigo de vida não faz nada para
evitar que esse perigo que criou se concretize na morte, e B acaba por morrer. Estamos
perante um comportamento omissivo, e sempre que estamos nesta situação, para decidirmos
do enquadramento típico daquela omissão, ou seja para decidirmos a que tipo legal de crime
é que aquele comportamento omissivo se subsume, é decisivo responder à pergunta de saber
se o omitente (M) tinha ou não a chamada posição de garante (art.10º, nº2), ou seja, se a
M tinha ou não tinha um dever jurídico que a pessoalmente obrigava a ter agido, naquele
caso concreto, para evitar a morte de B. Essa posição de garante, de acordo com uma
determinada perspetiva – teoria formal das fontes da posição de garante – pode ter na sua
base uma de três possíveis fontes: lei, contrato e ingerência. Neste caso concreto a fonte da
posição de garante da M é então a ingerência que é a criação de um perigo através de um
comportamento ilícito anterior. O perigo para a vida de B resulta daquele comportamento
ilícito anterior da M, portanto, tendo sido ela, que através desse comportamento criou a
situação de perigo, então fica constituída numa posição de garante, ou seja, no dever de a
partir daí fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que esse perigo que criou para a
vida de B se materialize na morte de B.

Neste segundo momento, não tendo cumprido esse dever, tendo a vítima morrido, então o crime
que ela cometeu, não é apenas uma crime de omissão de auxílio (art.200º), punido com uma pena
até 1 ano, mas é um crime de homicídio por omissão. Então mas isto é um homicídio doloso
ou negligente? No segundo momento nos já não estamos a avaliar o elemento subjetivo que existia
no momento em que ela lhe atira a pedra, pensando que era um ladrão, mas o momento agora
relevante é quando M, constatando que vai abandonar alguém que está em perigo de vida, decide
ir embora. Ela atuou dolosa ou negligentemente? O professor aceita as duas hipóteses, desde que
sejam bem fundadas, e diz que tanto pode ser uma hipótese de dolo eventual como de
negligência consciente. Como é que distinguimos uma coisa da outra? No dolo eventual
conforma-se com o resultado, ou seja, a M pensa se morrer, morreu. Mas se pensar que se se for
embora, como aquela rua tem bastante movimento que alguém haveria de ir ajudar o B, isto é
uma atitude típica da negligência consciente, o agente representa em abstrato a possibilidade de
acontecer, mas depois afasta mentalmente essa possibilidade, ou seja, acredita que é possível mas
que não vai acontecer. No caso concreto a hipótese não dá dados suficientes para decisivamente
concluir que estávamos perante uma coisa ou outra.

Entretanto, o C e o D perceberam o que B não apareceu mas decidiram continuar. Entram na


empresa, e já lá dentro o D depara com um contabilista (G) da empresa sentado a uma mesa que
parece esta a dormitar, e resolve-lhe dar um tiro. A verdade é que se prova que o tal contabilista
não estava apenas a dormitar, mas que tinha morrido de um ataque cardíaco. Responsabilidade
criminal do D? É uma tentativa impossível (art.23º, nº3), que é uma hipótese, em que à

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partida, aquilo que o agente está a tentar não pode acontecer por uma de duas razões: ou porque
o meio que ele está a utilizar não é idóneo (exemplo: está a tentar matar com uma pistola que não
tem balas), ou porque o objeto essencial à consumação do crime que ele está a tentar cometer não
está lá, que era exatamente o nosso caso, ou seja, o objeto essencial à consumação do crime de
homicídio é uma pessoa vida, de facto não está lá uma pessoa vida, portanto trata-se de uma
tentativa impossível por inexistência do objeto essencial à consumação de um crime de homicídio.
É uma tentativa impossível punível ou não punível? A tentativa de cometer um crime só é punível
se o crime consumado correspondente for também ele punível com pena superior a 3 anos,
portanto, tentar praticar um crime só é em si mesmo um crime se esse crime na forma consumada
for punível com pena de prisão superior a 3 anos, esta é a regra que está no art.23º, nº1e é válida
para decidir da punibilidade de qualquer tentativa, seja possível ou impossível. Mas depois no
caso da tentativa impossível, em cima desta regra, há uma outra que resulta explicitamente do
nº3 – que diz que a tentativa não é punível quando for manifesta a impossibilidade, ou seja, claro,
inequívoco, óbvio. Quando essa impossibilidade não for óbvia, então eu tenho uma tentativa
impossível punível. Mas manifesta para quem? De acordo com a chamada teoria da inversão,
manifesto para quem pudesse estar de fora a observar o que o agente preparava para fazer antes
de o fazer.

Entretanto, o guarda E acordou e pega na pistola para atingir o D, mas acaba por não acertar do
D, mas sim no F, sendo que se prova que o F se dirigia a casa de H para o matar. Que situações
é que aqui temos? Temos um erro de execução (ab ratio ictus), porque o E dirige a ação a um
determinado objeto da ação, mas por falta de pontaria acaba por atingir um objeto de ação
diferente daquele a quem a ação foi dirigida. Qual é que é a responsabilidade criminal que está
associada ao erro na execução? Resulta o preenchimento de dois tipos legais de crime, em
concurso efetivo – um na forma tentada e outro na forma negligente, ou seja, uma tentativa
relativamente ao que o agente pretendia cometer mas não consumou, neste caso tentativa de
homicídio do D, e um crime negligente consumado em relação ao objeto que ele atingiu sem
querer, neste caso uma ofensa à integridade física negligente do F.

A hipótese diz-nos que o F no momento que foi atingido dirigia-se a casa do H para o matar e,
portanto, embora sem saber, ao acertar na perna do F, impedindo que ele continuasse a tal
viagem, o E acabou por evitar que o F mata-se o H. Que problema é que eu aqui tenho? Eu tenho
aqui uma causa de exclusão da ilicitude, neste caso a legitima defesa, mas falta-me o elemento
subjetivo, ou seja, é uma hipótese em que estão reunidos os elementos objetivos de uma causa de
justificação, neste caso seria a legitima defesa de terceiro, mas falta o elemento subjetivo, o
chamado animus defendendi. Qual é o regime aplicável a essas hipóteses em que estão preenchidos
os elementos objetivos de uma causa de justificação, faltando apenas o elemento subjetivo? Das
duas umas:

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• Se estivermos perante um facto doloso então a solução é não punir o agente pelo crime
consumado que praticou, mas apenas com a pena aplicável à tentativa desse crime –
analogia do art.38º, nº4;
• Se estivermos perante um facto negligente, então as causas de exclusão da ilicitude
funcionam em termos puramente objetivos, quer dizer, então é suficiente que estejam
reunidos os elementos objetivos da causa de exclusão da ilicitude ou da causa de
justificação para que se exclua a ilicitude. É suficiente, para que se exclua a ilicitude, que
estejam preenchidos os elementos objetivos, não é preciso o elemento subjetivo.

Na nossa hipótese, como se tratava de um facto negligente a simples presença dos elementos
objetivos da legitima defesa são suficientes para excluir a ilicitude e, portanto, para excluir a
responsabilidade criminal do E.

Art.38º, nº4 – refere-se a uma outra causa de exclusão da ilicitude que é o consentimento do
ofendido. Tenho prevista uma hipótese em que o elemento objetivo da causa de exclusão da
ilicitude existe, havia consentimento da vítima, mas falta um elemento subjetivo, falta o
conhecimento do consentimento. Exemplo: alguém que me autoriza a partir-lhe o carro, mas eu
parto o carro mas desconhecia a autorização. Portanto, objetivamente eu tinha consentimento do
titular do bem jurídico para fazer aquilo mas desconhecia. O elemento objetivo da causa de
justificação está lá, falta-se o elemento subjetivo. O art.38º, nº4 diz que nessas hipóteses o agente
deve ser punido, não pelo crime consumado que praticou mas, pelo crime tentado. Aquilo que a
doutrina tem dito, é que essa mesma solução pode e deve aplicar-se por analogia às hipóteses em
que o problema equivalente se coloca mas por referência a uma qualquer outra causa de
justificação, ou seja, aplicamos por analogia a solução deste artigo para punir pelo crime tentado
e não pelo crime consumado. Está analogia não é proibida porque é favorável ao arguido.

02 – 16/02/2021

HOMICÍDIO

Nos termos do art.131º e diferentes artigos da parte especial do CP, homicídio é matar outra
pessoa. Um primeiro problema que normalmente se discute quando se começa a falar do crime
de homicídio é o de saber a partir de que momento é que eu tenho “outra pessoa” no sentido do
artigo do homicídio. Portanto, o bem jurídico protegido pelo crime de homicídio é a vida humana
e o objeto da ação do crime de homicídio é outra pessoa.

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A verdade é que o CP protege a vida humana através da proteção que lhe é conferida a partir de
uma determinada fase pelo crime de homicídio, mas o direito penal protege também a vida
humana numa fase anterior do processo de formação da vida humana, através da proteção que é
conferida a esse bem jurídico pelo crime de aborto.

O aborto também é crime nos termos do art.140º, e o art.142º prevê um conjunto de cláusulas de
exclusão da punibilidade, ou mais concretamente, da ilicitude do aborto. Portanto, a vida humana
é protegida pelo direito penal em duas fases diferentes – até determinada é protegida pela proteção
que dá o crime de aborto, e a partir de certa altura, a ofensa ao bem jurídico da vida humana
deixa de ser punida através da pena prevista para o crime de aborto, e passa a ser punida através
da aplicação da pena, mais grave, prevista para o crime de homicídio.

Nem sempre é evidente onde é que está exatamente a fronteira, ou seja, até que momento é que
nos temos o objeto de proteção do crime de aborto e partir de que momento é que passamos a ter
o objeto de proteção do crime de homicídio. Nem sempre é evidente até que momento é que a
morte do “bebé” é punido como aborto e a partir de que momento é que a questão da
responsabilidade de quem ofenda o bem jurídico já não se coloca face ao crime de aborto, mas
coloca-se face ao crime de homicídio. Portanto, a primeira questão que temos que trabalhar a
delimitação desta fronteira. Está discussão tem uma enorme importância prática, desde logo
porque embora o direito penal pune quer o crime de aborto, quer o crime de homicídio, a verdade
é que a pena prevista para o crime de homicídio é completamente diferente da pena prevista para
o crime de aborto. A pena para o crime de homicídio é substancialmente mais grave do que a
pena prevista para o crime de aborto. Mas para além disto há outro aspecto muito relevante – se
estivermos perante o objeto de proteção dos crimes de homicídio, essa proteção é conferida, quer
face a comportamentos dolosos, quer face a comportamentos negligentes. Quer dizer, o homicídio
é crime quer quando praticado dolosamente, quer quando praticado negligentemente. Isto já não
é assim no caso do crime de aborto, porque o art.13º diz que os factos que estão tipificados como
crime nos artigos da parte especial do código penal por regra só são crime se praticados
dolosamente. Portanto, a punição de um determinado facto, quando praticado com mera
negligência é excecional e só acontece nos casos em que o legislador no tipo do artigo da parte
especial expressamente referiu a possibilidade de punir aquele comportamento como crime
também quando praticado com negligência. Ora isto não acontece no crime de aborto, não existe
nenhuma artigo do código penal uma norma a mandar punir o crime de aborto praticado
negligentemente. Portanto, aqueles casos que estão na fronteira da decisão sobre se estamos
perante um crime de homicídio ou perante um crime de aborto depende muitas vezes se estamos
perante um crime, porque se eu estou perante um facto negligente isso só é crime se for um crime
de homicídio, porque se ainda estivermos por um aborto, por mais grosseira que seja a
negligência, essa negligência não gera responsabilidade criminal.

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Como vamos delimitar essa fronteira?

Uma primeira possibilidade seria transportar para esta discussão o critério que nos termos do
art.66º do CC determina que a personalidade jurídica, portanto, a qualidade de ser pessoa, se
adquire com o nascimento completo e com vida. Portanto, uma primeira possibilidade seria na
ausência do CP de uma norma que delimite em que momento é que eu tenho outra pessoa, no
sentido do crime de homicídio, recorro ao critério que está no CC que me diz que há outra pessoa
a partir do nascimento completo e com vida (a partir do corte do cordão umbilical). Se fossemos
buscar esse critério, isso significaria que sempre que a morte fosse provocada até ao corte do
cordão umbilical é aborto e sempre que a morte é provocada depois do corte do cordão umbilical
é homicídio. Então podemos transpor para este problema este critério? Não podemos e um
argumento nesse sentido vamos buscá-lo ao art.136º do CP que prevê o crime de infanticídio.
Infanticídio é a morte da criança com a mãe em circunstâncias muito especificas que a lei descreve
como estando ainda sobre a influência perturbadora do parto. De facto deste artigo decorre
efetivamente que não podemos trabalhar a partir de que momento estamos perante um homicídio
com esse critério que resultaria do art.66º do CC. Mas em que medida que é de facto é que o
art.136º do CP se pode extrair um argumento que permite afirmar que a solução do critério do
art.66º do CC? O art.66º diz que a qualidade da pessoa se adquire ao corte do cordão umbilical,
ou seja, à separação definitiva da criança da mãe, mas isso não é compatível com ao art.136º. O
art.136º é ainda um homicídio (apesar de em circunstâncias muito especiais). O momento que
marca o inicio da vida para efeitos de homicídio tem que ser o mesmo para todos os homicídios.
Então que expressão é que no art.136º nos permite deduzir que o legislador não está a pensar no
critério do CC? A a expressão “durante o parto” – o que resulta do art.136º é que se a morte
acontece durante o parto eu já estou perante um homicídio e não apenas crime de
aborto. Já existe vida humana no sentido dos crimes de homicídio. Se eu transporta-se para esta
discussão o critério do art.66º então se a morte é provocada até ao corte do cordão umbilical
temos um aborto, se a morte é provocada depois do corte do cordão umbilical então temos
homicídio. Isto não é compatível com o art.136º que nos diz que se a morte é provocada durante
o parto isso já é homicídio, o que significa que para efeitos e homicídio a outra vida começa não
com o fim do parto, mas com o inicio do parto. Portanto, se se mata durante o parto já se está a
cometer um crime de homicídio.

Agora temos outro problema: quando é que começa o parto? Hoje vamos falar apenas no parto
natural. Se formos ver o comentário conimbricence aquilo que leram é que o parto natural
começa com as chamadas dores de parto (contrações). Na perspetiva da Drª Conceição Valdágua
este não é o melhor critério, no seu entendimento o momento relevante não é do início das dores
de parto mas sim o início do parto ativo, ou seja, da fase ativa do parto que acontece quando se
dá a dilatação do colo do útero nos termos do parto já não ser reversível. Entre o início das dores

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de parto e o momento em que o parte entra nesta fase ativa podem demorar horas ou até dias e,
portanto, para maior parte da doutrina é este momento que é relevante. Se alguém mata o “bebé”
no início das dores de parto e o início do parto ativo isto ainda não é homicídio. Exemplo: se a mãe
que começou com as dores de parto vai a caminho do hospital a pé porque o é mesmo ali ao lado
e é atropelada, e isto provoca a morte do feto, para a Drª Valdágua isto não é homicídio, ainda é
aborto, mas para o entendimento dominante isto é homicídio porque já se tinha dado início as
chamadas dores de parto.

Porque é que a Drª. Valdágua considera que o segundo critério é o preferível? Tem haver com a
razão pela qual de facto não se seguiu nesta matéria o art.66º do CC, ou seja, porque é que o
legislador terá entendido que eu tenho homicídio a partir do início do parto e não apenas a partir
do fim do parto com o nascimento completo e com vida? Porque é que o legislador considerou
que se a morte é provocada durante o parto isto já coloca o problema da responsabilidade face
ao crime de homicídio e não apenas face ao crime de aborto? Isto tem haver com a perceção que
existe por parte do legislador em que o momento do parto é um momento de especial
vulnerabilidade e, portanto, um momento de particular risco para o feto porque está sujeito a
uma multiplicidade de intervenções dos médicos, dos enfermeiros, dos parteiros, que tornam
aquele momento muito vulnerável. Se este momento não fosse protegido pelo crime de homicídio
mas apenas protegidos pelo crime de aborto, então por mais grosseira que fosse a negligência do
médico isto não gerava nenhum tipo de responsabilidade criminal por força da opção de não
punir o aborto quando não praticado dolosamente. Ora o legislador entendeu que esta proteção,
por força da fragilidade que o bebé se encontra naquela altura, não é suficiente, especialmente
por não punir o aborto na forma dolosa. A proteção do bebé contra comportamentos negligentes
só é possível através de proteção que lhe é conferida pelo crime de homicídio e não pelo crime de
aborto.

Se nos transpuséssemos para o direito penal o critério do art.66º do CC se de facto durante o


parto a parteira na sequência de um comportamento grosseiramente negligente provocassem a
morte do feto não gerava nenhum tipo de responsabilidade criminal e isto de facto seria uma
desproteção do bem jurídico numa fase em que ele carece de maior proteção. Portanto, é por isso
que se entende que o legislador penal tomou no crime de homicídio uma opção diferente do
legislador civil.

Então porque é que o critério da Drª. Valdágua é então preferível? Porque se a razão da
antecipação está na circunstância de se constatar que a fase do parto é uma fase de especial risco
para o feto, então diz a professora que isso só acontece a partir do momento em que o parto entra
na fase ativa e não é logo com as dores de parto, ou seja, essa intensificação da intervenção dos
médicos, enfermeiros, parteiros que se não executarem o parto com cuidado isso pode ser

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particularmente perigoso para o bem jurídico e essa intensificação está especialmente presente a
partir do momento em que o parto entra na fase ativa. Então faz sentido que a transição do aborto
para o homicídio seja o momento em que tipicamente se intensificam essas intervenções.

Há uma outra discussão que se coloca em termos diferentes, é que há hipóteses em que a conduta
acontece antes do inicio do parto, mas o resultado acontece depois.

- Exemplo 1: Alguém atropela uma mulher que está gravida no oitavo mês de gravidez, o
atropelamento gera uma antecipação do parto e a mulher é transportada ao hospital e dá-se início
ao parto, tendo a criança chegado a nascer com vida mas morre uns dias depois por força das
lesões marcadas pelo atropelamento da mãe. A questão que se coloca é saber se o comportamento
do condutor deve ser tratado fase ao crime de aborto ou fase ao crime de homicídio.

- Exemplo 2: Alguém dá a uma mulher grávida no sexto mês de gravidez um veneno, esse
veneno só produz efeitos a médio-prazo, ou seja, a criança acaba por nascer, mas por efeito do
veneno morre passado uns meses. Isto é aborto ou homicídio? A doutrina divide-se, há de facto
quem entenda que é aborto (professor Silva Dias), porque entendem que o momento relevante é
o momento da ação e não o momento do resultado, neste caso a ação aconteceu ao sexto mês de
gravidez e, portanto, numa altura em que não havia outra pessoa para matar. Portanto, o
professor Silva Dias, apoiado no art.3º do CP, entende que quando haja uma divergência entre o
momento da ação e o momento do resultado relevante ao momento da ação e não ao momento
do resultado, para efeitos de decidir se estamos perante um crime de aborto ou de homicídio o
momento relevante é o momento da ação e, portanto, se a ação acontece antes do início
do parto, a responsabilidade do agente só se pode colocar face ao crime do aborto e se ação
acontece depois do início do parte, a responsabilidade do agente coloca-se face aos crimes de
homicídio. Nestas hipóteses isto levava a considerar que a responsabilidade de quem induziu o
veneno se colocava face ao crime e aborto. Mas nesta hipótese faz sentido tratar isto como um
crime de aborto? Não, é por isso que o entendimento dominante tem sido o de que o momento
relevante não é o da ação mas – agora também há aqui uma divergência:

Ø há alguns autores que vão dizer que é o momento em que a ação inicia os seus efeitos
sobre o bem jurídico – comentário conimbricence, professor Silva Dias, Escola de
Coimbra;
Ø e depois há quem entenda que o momento relevante é o do desfecho final, do resultado
final – professora Valdágua.

Portanto, se a morte acontece até ao início do parto, temos aborto, se a morte acontece depois do
início do parto temos homicídio independentemente de saber qual é o momento da ação.

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No primeiro caso, só não é homicídio no caso em que bebé morreu logo antes do parto, neste
caso para a professora Valdágua isto é aborto, mas para o professor Silva Dias isto é homicídio
porque o início do parto se dá com as chamadas dores de parto.

03 – 23/02/2021

Vamos estudar agora a questão de saber a partir de que momento é que já existe o objeto de ação
do bem jurídico protegido pelo crime de homicídio, quer dizer, a partir de que momento é que
temos outra pessoa no sentido de crime de homicídio ou a partir de que momento é que temos
vida humana no sentido do objeto do bem jurídico protegido pelo crime de homicídio.

Tinha visto que esta discussão é importante porque é ela que permite delimitar o campo de
aplicação do crime de aborto, do campo de aplicação do crime de homicídio naquelas
hipóteses que estão na zona de fronteira. O que a doutrina tem entendido é que temos que rejeitar,
enquanto critério que permita de facto fazer essa distinção, o critério que resultaria da aplicação
do art.66º do CC e, portanto, não podemos de facto considerar que só há vida humana depois do
nascimento completo e com vida que é o que resultaria da transposição para este problema do
critério que está subjacente ao art.66º do CC e temos que rejeitar porque ele não é compatível
com aquilo que o legislador expressamente refere com o art.136 do CP a propósito do infanticídio.
Tínhamos visto que na perspetiva do legislador quando a morte acontece durante o parto então
já estamos perante um crime de homicídio e não um crime de aborto. Para efeitos do crime de
homicídio o momento relevante não é o momento do fim do parto, mas é o momento do início
do parto e também tínhamos visto que há uma discussão para saber quando é que começa o parto
e no entendimento de maior parte da doutrina o critério preferível é o do chamado parto ativo,
ou seja, a vida humana começa a partir do momento em que o parto entra na chamada fase
ativa.

Depois tínhamos visto que há um conjunto de hipóteses que coloca aqui um problema muito
especial que são as hipóteses que a doutrina identifica como casos de condutas pré-natais –
são situações em que o comportamento acontece antes do início do parto, mas o resultado
acontece já depois do início do parto. Portanto, são hipóteses em que se consideramos o momento
da ação do agente ainda só temos o objeto de proteção do crime de aborto, mas se considerarmos
o momento da produção do resultado, então esse resultado dá-se já noutra pessoa, no sentido dos
crimes de homicídio.

A responsabilidade destes agentes deve ser colocado em aborto ou homicídio?

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- Exemplo 1: Alguém atropela uma mulher que estava grávida e a senhora é levada ao
hospital e o bebe nasce com vida, mas passado uns dias morre por causa de lesões causadas pelo
impacto.

- Exemplo 2: alguém decide matar outra pessoa, e ministra a uma mulher que está grávida
um veneno que só produz efeitos passados uns anos e o bebe com 2 anos morre por causa desse
mesmo veneno.

Estas duas hipóteses colocam o mesmo problema que é o de saber se a responsabilidade criminal
destes agentes deve ser colocada fase ao crime de aborto ou fase ao crime de homicídio, portanto,
que crimes, ou que crimes eles cometeram? A responsabilidade do condutor coloca-se fase o crime
de aborto ou fase ao crime de homicídio?

Há um primeiro critério que na doutrina era defendido pelo professor Silva Dias que sustenta que
devemos convocar o art.3º do CP para resolvermos estes problemas e diz-nos que quando exista
uma diferença entre o momento da prática da ação e o momento do resultado, então aquilo que
é relevante é o momento da prática da ação e não o momento do resultado.

Ø Isto significa que no caso do acidente de viação, a responsabilidade criminal do agente só


pode colocar-se face ao crime de aborto, porque no momento da ação ainda não havia
“outra pessoa” nos sentido dos crimes de homicídio, o que significa na aplicação prática
desse critério que no caso do acidente de viação o agente seria punido pelo crime de
aborto. E pode? Não, o que significa que o agente não teria nenhuma responsabilidade
criminal, porque o aborto obedece à tal regra do art.13º do CC que significa que não
dizendo nada o art.40º, só pode ser punido quando praticado com dolo, portanto não é
punido quando praticado com mera negligência.
Ø Na segunda hipótese, ele seria punido apenas punido por um crime de aborto, mas não
faz sentido.Dizer que isto é aborto não faz sentido porque a criança nasceu, a criança
viveu durante 5 anos até que o veneno foi ativado.

Então este critério não é o melhor que resolve estas situações. Como é que nos podemos afastar
este argumento que o professor Silva Dias extraia do art.3º do CP, que parece não ser tão decisivo?
Que problema é que este artigo visa resolver? É um problema de delimitação em distinguir crime
de aborto e crime de homicídio? Visa resolver o problema de saber quando temos vida humana?
Ou é um problema completamente diferente? Este artigo visa resolver um problema de
aplicação da lei no tempo. O que o artigo me vem dizer é que se houver uma sucessão de leis
penais, ou seja, se duas leis penais vierem sucessivamente estabelecer regimes diferentes para o
mesmo facto, estando uma em vigor no momento da prática da ação e outra no momento da

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prática do resultado, a lei do momento da prática do facto é a lei do momento da ação e não a lei
do momento do resultado.

- Exemplo: se hoje alguém dispara sobre outra pessoa que morre 5 anos depois, se entretanto,
entre o momento em que o A deu o tiro no B e o momento em que o B morreu, a lei a penal for
alterada (homicídio passa a ser punido mais gravemente) o que me diz o art.3º é que para efeitos
de saber em que termos é que eu responsabilizo o agente, eu tenho que considerar o momento da
prática da ação e não o momento do resultado.

Então o objeto do art.3º é o problema de sucessão de leis penais. O problema que eu aqui tenho
é um problema diferente, tenho essencialmente um problema de interpretação dos tipos da parte
especial, e essa não é a preocupação do art.3º, portanto, parece que tem razão quem entende que
a resposta destas hipóteses não é considerar relevante o momento da prática da ação e, portanto,
há de ser outro momento diferente. Que momento? Depois aqui há outra divergência. Se lerem
o comentário conimbricence (que acolhe o entendimento dominante na doutrina Alemã) verão
que se diz que o momento relevante não é o momento da ação mas o momento em que a ação
começa a produzir os seus efeitos sobre o bem jurídico, ou seja, o momento do início da produção
de efeitos sobre o bem jurídico. Aquilo que a professora Valdágua (e que o professor Raposo
concorda) propõe é uma outra solução, que considera que o momento determinante para saber
qual é o crime (homicídio ou aborto) não é, nem o momento da ação, nem o momento do início
da produção dos efeitos, mas é o momento do desfecho final, é o momento do resultado final.

Ø Isto significa que se a morte acontece antes do início do parto é aborto;


Ø Se a morte acontece durante ou depois do parto a responsabilidade criminal do agente
coloca-se fase aos crimes de homicídio.

Portanto, na hipótese do agente que ministra veneno na mulher grávida não há duvida que
estamos perante um crime de homicídio, mas também estamos perante um crime de homicídio
na hipótese do acidente de viação porque o desfecho final acontece depois do início do parto.

E para aquela tese intermédia do professor Figueiredo Dias (comentário conimbricence)? Como
é que resolveríamos o problema do acidente de viação? A responsabilidade do agente colocar-se-
ia ao crime de aborto o que significaria que não seria punido porque o aborto não é punido na
forma negligente. Mas porque? Porque o início dos efeitos da ação sobre o bem jurídico protegido
acontece ainda antes do início do parto, ou seja, o bem jurídico é impactado pelo comportamento
do agente, ainda antes do início do parto.

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Então a primeira questão é de saber quando é que se dá o início do parto, e para a professora
Valdágua o início do parto dá-se não com o início das dores de parto, mas com o início do
chamado parto ativo, ou seja, com o início da chamada fase ativa do parto. Este é um problema.

Outro problema diferente é de facto o problema que decorre destas hipóteses em que a ação
acontece antes do início do parto e o resultado acontece depois do início do parto. E o que nós
estamos a dizer é que nessas hipóteses a responsabilidade criminal do agente deve colocar-se face
ao crime de homicídio. Porque se o resultado do desfecho final acontece apenas depois do início
do parto (determinado com o critério do parto ativo) então eu tenho um caso de homicídio e não
apenas um caso de aborto.

HOMICÍDIO QUALIFICADO

Art.132º - a estrutura do homicídio qualificado resulta da conjugação respectivamente do nº1 e


do nº2 de duas coisas. Em primeiro lugar, no nº1 eu tenho uma cláusula geral que é o fundamento
último da qualificação. Diz o nº1 “se a morte for produzida em circunstâncias que revelam especial
censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25”, portanto, o fundamento
último da qualificação está nesta expressão, aquilo que torna o homicídio do art.132º mais grave
do que o homicídio que está no art.131º é o facto de ser produzido em circunstâncias que revelam
especial censurabilidade ou perversidade. E portanto, é aqui que está o fundamento último da
gravação da qualificação que está subjacente neste artigo. O que acontece é que o legislador não
se ficou por este nº1, o legislador depois no nº2 descreve um conjunto de circunstâncias que na
sua perspetiva são à partida circunstâncias suscetíveis de indiciar a tal especial censurabilidade ou
perversidade de que fala o nº1. No nº2 o legislador numera um conjunto de circunstâncias que
geram uma especial censurabilidade ou perversidade.

Primeira questão: é suficiente demonstrar que alguém atuou nas circunstâncias descritas no nº2
do art.132º para poder definitivamente concluir que estamos perante um homicídio qualificado?
Basta demonstrar a presença de circunstâncias que estão no nº2 para concluir que estamos
perante um homicídio qualificado? Não. Aquilo que se diz, é que nos devemos começar a resolver
a hipótese pelo nº2 do art.132º e não pelo nº1, ou seja, devemos começar por verificar se estão ou
não estão presentes circunstâncias do tipo das enunciadas nas diferentes alíneas do nº2, mas ainda
que concluamos que sim, isto não permite definitivamente concluir que estamos perante um
homicídio qualificado. Aquilo que a doutrina tem dito é que estás circunstâncias
sugerem/indiciam uma especial censurabilidade ou perversidade, mas esse juízo é apenas

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indiciário, não é definitivo, ou seja, ele pode ser contraditado pela presença de outras
circunstâncias que infirmem esse juízo que resulta da presença da circunstâncias do art.132º.

- Exemplo: se a Maria matou o marido porque acabou de chegar a casa e tinha se apercebido
que o marido tinha acabado de violar a filha comum do casal, isto preenche a al.b) do nº2 do
art.132º, porque o facto foi praticado contra cônjuge, mas a ninguém passaria pela cabeça dizer
que este homicídio praticado nestas circunstâncias o tornam especialmente perverso ou
especialmente censurável.

Está expressão especial censurabilidade ou perversidade é uma expressão que normalmente se


liga à culpa. A diferença entre o homicídio do art.132º e do art.131º tem essencialmente haver
com culpa, ou seja, quando o facto é praticado nas circunstâncias descritas no art.132º, nº2 à
partida isso aponta para uma culpa mais elevada. O que pode de facto acontecer é que na mesma
situação, na mesma hipótese, no mesmo caso, concorram circunstâncias que do ponto de vista da
culpa puxão a culpa para cima (como é o caso das circunstâncias descritas no nº2 do art.132º)
com outras circunstâncias que do ponto de vista da culpa puxão a culpa para baixo (como é o
caso da Maria estar a perturbada por ter acabado de se aperceber que o marido violava a filha do
casal). Portanto, eu posso ter circunstâncias do nº2 do art.132º que de facto indiciam, sugerem
uma especial censurabilidade ou perversidade mas depois esse efeito indiciário de uma culpa mais
elevada decorrente de circunstâncias do nº2 ser anulado pela presença de outras circunstâncias
que tem sobre a culpa um efeito contrário, ou seja, tem o efeito de puxar a culpa para baixo.

Que outras circunstâncias são essas? Vamos ver quando estudarmos o art.133º, são as
circunstâncias que podem permitir afirmar que estamos perante homicídio privilegiado –
emoção violenta, compaixão, desespero, motivo de relevante valor moral ou social.

- Exemplo: se alguém mata o pai porque já não suporta mais ver um quadro de sofrimento
atros por força de uma situação de doença em que o pai está, mata porque não consegue ver mais
o sofrimento do pai, a ninguém passa pela cabeça dizer que o homicídio praticado nestas
circunstâncias é especialmente perverso, ou especialmente censurável. Mas a verdade é que eu
tenho uma circunstâncias prevista na al.a) do nº2.

Imaginem que há uma escala de culpa que começa no grau 0 e atinge o grau 100. Se a culpa do
agente se situa entre o 75 e o 100 isto é a culpa típica de um homicídio qualificado. Se a culpa se
situa entre os 0 e os 25 é a culpa típica de um homicídio privilegiado. Se a culpa está entre os 25
e os 75, isto é a culpa típica de um homicídio simples, ou seja, nem é especialmente censurável
nem tem uma culpa especialmente diminuta.

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Nós vamos ver quando eu tenho circunstâncias que conflituam, umas a puxar a culpa para cima
outras a puxar a culpa para baixo, em abstrato pode acontecer que as que puxam para baixo são
de facto tão intensas que fazer com que a culpa seja especialmente diminuta ao ponto de permitir
por um homicídio privilegiado. Ou então, podem puxar a culpa para baixo mas não ao ponto de
poder afirmar o homicídio privilegiado mas apenas ao ponto de poder negar o homicídio
qualificado e ter um homicídio simples.

Segunda questão: para que eu possa punir por um homicídio qualificado é necessário que estejam
reunidas circunstâncias do art.132º, nº2 ou é possível punir mesmo que não esteja presente
nenhuma das circunstâncias expressas no nº2? Temos uma expressão no nº2 que diz que são,
entre outras, suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade as seguintes
circunstâncias, portanto quando o artigo diz “entre outras” temos a possibilidade de considerar
outras circunstâncias diferentes daquelas que o legislador se lembrou e que descrever nas alíneas
do nº2.

Mas que outras é que podem ser consideras? A doutrina dominante tem dito que a abertura dada
por esta expressão é uma abertura muito limitada, ou seja, o juiz não pode punir com homicídio
qualificado considerando outras quaisquer circunstâncias que sejam completamente diferentes
das circunstâncias que estão descritas nas alíneas do nº2. O que é que a doutrina e a jurisprudência
tem dito dominantemente? Tem dito que estas outras circunstâncias que podem ser consideradas
tem que ter a mesma estrutura valorativa das circunstâncias que foram expressamente
qualificadas pelo legislador nas alíneas do nº2. Portanto, estas outras circunstâncias não são umas
quaisquer que o juiz se lembre mas tem que ter uma proximidade muito forte com as
circunstâncias que estão identificadas nas alíneas do nº2. Essa proximidade muito forte,
normalmente é descrita pela doutrina e pela jurisprudência dominante através do recurso da ideia
da mesma estrutura valorativa e, portanto, essas outras circunstâncias que o legislador pode de
facto considerar são outras que tenham a mesma estrutura valorativa. Isto significa que a
propósito de cada alínea nós temos que compreender qual é a sua estrutura valorativa, quer dizer,
qual é a razão substantiva, última, que está por trás do juízo do legislador no sentido de considerar
as circunstâncias reveladoras de especial perversidade ou censurabilidade. Só podemos estender
a alínea a outras circunstâncias onde se verifique a presença da mesma razão.

- Exemplo: considerando a primeira alínea, vamos imaginar que o padrasto mata o enteado.
Isto não cabe no teor literal da circunstância que está descrita na al.a), mas esta relação entre
padrasto e enteado tem ou não tem a mesma estrutura valorativa das relações familiares que estão
descritas na al.a)? Tem, mas não basta concluir que a vitima era descendente, ascendente,
adotante, adotado, padrasto ou enteado para eu ter um homicídio qualificado, eu tenho que ver
se naquele caso concreto é de facto revelador de especial censurabilidade ou perversidade. E para

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esse juízo importa ver qual é que é a relação que existe entre aquelas pessoas. Se são pai e filho
mas de facto nunca se viram na vida, eu tenho a circunstância da al.a) mas pode não revelar a
especial censurabilidade ou perversidade. Mas a relação padrasto e enteado, ela do ponto de vista
da sua estrutura é equivalente às relação que estão descritas na al.a). E o fratricídio, a morte de
um irmão ao outro, ou tio e sobrinho, ou primos? Estas hipóteses tem a mesma estrutura
valorativa? A al.a) não fala em relações familiares, ele circunscreve a alínea a um certo tipo de
relação familiar, que é uma relação familiar que se realiza com uma estrutura de natureza vertical,
enquanto a relação entre irmão tem uma natureza horizontal. Portanto, dominantemente
entende-se que homicídio praticado por padrasto a enteado pode ter a mesma estrutura valorativa
da situação da al.a) mas o mesmo já não acontece quando falamos da morte entre tio e sobrinho
ou entre irmãos.

É este o exercício que temos que fazer a propósito de cada uma das alienas. Procurar compreender
qual é a estrutura valorativa comum às hipóteses que estão presentes na alínea e depois podemos
estender a outras hipóteses mas essas hipóteses tem de manter a mesma estrutura valorativa.

02/03/2021 – 04

Hipótese:

Ana odeia a irmã porque, sendo mais bonita tem sempre a simpatia dos rapazes. Certo dia,
decidiu convencer Bento a troco de 1000 € matar a irmã. Bento acedeu e assim o fez.

Resposta:

– Bento:

Sempre que tenhamos um caso prático que convoque a matéria da comparticipação


criminosa, ou seja, em que diferentes agentes tenham contribuído para o facto, devemos seguir
a regra de começar por determinar a responsabilidade do autor material, do executor do facto.

Como é que determinamos a responsabilidade criminal do Bento? Temos que verificar se o agente
atuou em algumas circunstâncias enunciadas nas alíneas do nº2 do art.132º. Do ponto de vista
muito prático, estes casos que provocam a aplicação do art.132º, nº2 começam a resolver-se pelo
nº2 e não pelo nº1, ou seja, começa-se por verificar-se se estão ou não presentes as circunstâncias
do tipo que estão descritas no nº2. O Bento atuou em alguma das circunstâncias deste número?
A al.e) começa por determinar a circunstâncias de ser determinado por avidez – significa agir
determinado por uma motivação económica, para lucrar do ponto de vista financeiro com o ato

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de matar. Na nossa hipótese, considerando apenas o que o enunciado nos diz. A razão do Bento
foi apenas uma, o Bento predispôs-se a matar outra pessoa para poder aceder aos tais 1000€ que
a Ana lhe oferecia se ele fizesse isso. Se ele agiu determinado por essa vantagem económica então,
agiu determinado por avidez no sentido do nº2.

Está presente mais alguma circunstância ou não? Eu não excluiria a al.j), ou seja, a hipótese não
nos diz o que é que aconteceu exatamente, ou seja, quanto tempo é que ele teve entre a oferta da
Ana e depois o ato de matar a irmã, mas admitindo que há aqui uma reflexão sobre os meios
empregados ou essa permanência da intenção de matar por mais 24 horas então tínhamos
preenchida mais esta outra circunstância.

Sempre que se verifique mais do que uma circunstância, devemos ter o cuidado de as identificar
todas, isto porque se é verdade que em abstrato uma delas pode ser suficiente para permitir a
qualificação, a presença de várias circunstâncias não é relevante depois em sede de determinação
da medida concreta da pena, ou seja, à partida se se verificarem mais do que uma circunstância
das referidas no nº2 isso tem reflexos na culpa concreta e, portanto, por efeito do reflexo na culpa
concreta, na pena concreta a aplicar ao agente.

Do ponto de vista prático, primeira fase do processo de resolução de casos práticos:

1. Identificar a/as alíneas do nº2 do art.132º que descrevem circunstâncias que estão
presentes na hipótese.
2. Não basta à conclusão que estamos perante circunstâncias do nº2 para concluir que
estamos perante homicídio qualificado porque eu posso ter outras circunstâncias que
puxem a culpa para baixo – são as circunstâncias do art.133º.

Isto é suficiente para que eu possa concluir que o Bento deve mesmo ir para a cadeia por cometer
um crime de homicídio qualificado? O Bento atuou determinado por avidez e vamos até admitir
que ele atuou também com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter
persistido na intenção de matar por mais de 24 horas. Essa demonstração é suficiente para
concluir que o Bento deve ser punido por um homicídio qualificado? Não, a presença de
circunstâncias do nº2 não é suficiente só por isso para que possamos concluir que estamos perante
um homicídio qualificado. Essas circunstâncias são apenas um indicio da especial censurabilidade
ou perversidade que fala o nº1 do art.132º que é o verdadeiro fundamento da qualificação. Aquilo
que a doutrina tem dito é que a presença dessas circunstâncias tem apenas apenas o significado
de elas apontarem para a possibilidade de estarmos perante um homicídio especialmente perverso
ou especialmente censurável. Esse juízo é apenas um juízo indiciário, não é definitivo, o que quer
dizer que é perfeitamente possível que alguém atue realizando uma ou mais das circunstâncias do
nº2, mas no final do dia se conclua que o homicídio não é qualificado. O primeiro ponto é que

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não basta para concluirmos que estamos perante um homicídio qualificado a demonstração que
agiu determinado por avidez.

Então como é que esse juízo indiciário de uma culpa mais elevada, que decorre da demonstração
da presença de circunstâncias do nº2, pode ser anulado? Ou seja, o que é que tem que se
demonstrar para além disso, para concluir que o homicídio é mesmo qualificado ou não. O que
é que eu tenho que fazer a seguir?

Vamos ver o exemplo da aula passada: a Ana matou o marido porque descobriu assim que chegou
a casa que ele violava a filha comum do casal. A Ana cometeu um crime de homicídio qualificado?
Está preenchida a circunstância presente na al.b) do nº2. O facto de estar preenchida uma
circunstância a que o legislador associa a uma especial censurabilidade ou perversidade, em geral
aponta para estar associada para uma especial censurabilidade ou perversidade. Mas como é que
este juízo indiciário/presunção pode ser ilidida?

Estas circunstâncias que estão no nº2 são circunstâncias que na perspectiva do legislador puxam
a culpa para cima, sugerem uma culpa mais elevada, ora a verdade é que há outras circunstâncias
às quais o legislador expressamente reconhece um efeito contrário, ou seja, o efeito de puxar a
culpa para baixo. Que outras circunstâncias são essas? São as descritas no art.133º →
compreensível emoção violenta, desespero, compaixão ou outro motivo de relevante valor moral
ou social.

Então o que pode anular esse indicio de uma culpa mais elevada que decorre da presença de
circunstâncias do tipo descritas no nº2 do art.132º? A presença de outras circunstâncias do tipo
da natureza das descritas no art.133º, que tem sobre a culpa o efeito contrário. A relação dos
artigos 131º, 132º e 133º, aquilo que varia entre eles é o grau de culpa, portanto, sempre que a
culpa associada ao ato de matar é uma culpa especialmente elevada, então o legislador entende
que deve ser punido pela pena de 12 a 25 anos nos termos do homicídio qualificado. Pelo
contrário, sempre que a culpa é uma culpa particularmente baixa, especialmente diminuta então
a pena prevista é muitíssimo mais leve que é a pena do homicídio previligiado. Sempre que a
culpa não é nem especialmente elevada, nem especialmente baixa então eu tenho a culpa típica
de um homicídio simples (8 a 16 anos). O que acontece é que o legislador no art.132p me diz é
que por regra o homicídio praticado nestas circunstâncias é revelador de uma culpa mais alta, e
depois no art.133º diz que se as circunstâncias forem desta outra natureza então à partida isso
aponta para uma culpa mais baixa. O que pode acontecer é que eu tenha na mesma hipótese
circunstâncias que por um lado puxam a culpa para cima, por outro puxam a culpa para baixo.
No caso da mãe que se apercebeu que o marido violava a filha, eu tenho uma circunstância que
o legislador em geral associa uma culpa mais alta – ela mata o marido – mas também tenho uma

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circunstância a que o legislador associa uma culpa mais baixa – ela age sobre o efeito de uma
compreensível emoção violenta. As circunstâncias que podem ter o tal efeito de anular o efeito
indiciário de uma culpa mais alta que corre da presença de circunstâncias do art.132º é a presença
de circunstâncias do art.133º, ou seja, circunstâncias que surgiram uma menor censurabilidade
ou perversidade associada ao ato de matar.

No nosso caso concreto se o Bento agiu determinado para ganhar dinheiro e andou a pensar
naquilo durante uma semana para saber como agir. Se eu não tenho mais nada que surgira de
facto, qualquer coisa que do ponto de vista da culpa aponte para uma culpa diminuída, então o
efeito indiciário da presença de circunstâncias do art.132º confirma-se, porque não é infirmado
com a presença na mesma hipótese de outras circunstâncias que tenham sobre a culpa um efeito
contrário.

Agora image que aqueles 1000 € eram a única hipótese do Bento conseguir o financiamento que
ele precisava para assegurar a realização da operação que lhe podia salvar a filha então eu aqui
posso configurar uma hipótese de desespero. Para que eu no final do dia tenha um homicídio
privilegiado eu tenho que poder falar numa culpa especialmente diminuta, baixa. Pode acontecer
eu ter circunstâncias do art.133º que tem uma intensidade tão forte que podem de facto puxar a
culpa de tal modo para baixo ao ponto de eu poder afirmar que estou perante um homicídio
privilegiado. Ou posso ter circunstâncias do art.133º que não tem a intensidade ou a força para
puxar a culpa para baixo mas tem pelo menos a força suficiente para anular as circunstâncias do
art.132º. No final do dia eu não fico com um homicídio qualificado porque o efeito indiciário das
circunstâncias do art.132º foi anulado, nem com o homicídio privilegiado porque a intensidade
dessas circunstâncias não é de tal forma forte que permita falar numa culpa especialmente
diminuta mas as circunstâncias anulam-se umas puxando para cima e outras puxando para baixo
e eu fico com um homicídio simples.

A presença de circunstâncias do art.133º não é só por si suficiente para que o homicídio seja
privilegiado, pode ser por essas circunstâncias se elas tem no caso concreto uma intensidade de
tal forma forte que permita dizer que a culpa é residual, muito diminuída. Eu posso ter algum
grau de desespero, algum grau de compaixão que tenha intensidade suficiente para dizer isto não
é especialmente censurável ou perverso e, portanto, para anular o efeito das circunstâncias do
art.132º mas não a intensidade suficiente para poder falar em homicídio privilegiado.

Então a conclusão é que se pode considerar o Bento como autor de um homicídio qualificado.

– Ana:

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Do ponto de vista da comparticipação criminosa o que é? Como é que nos distinguimos autor
imediato de instigador? Na instigação eu tenho alguém que determina outra pessoa à pratica
do facto, convence outra pessoa a praticar o facto, mas não tem o domínio da vontade de quem
o vai executar materialmente. Determinar significa criar na outra pessoa a vontade que a outra
pessoa ainda não tinha de cometer o facto. A autoria mediata, o homem de trás tem o domínio
da vontade do executor material, portanto, leva o executor material à prática do facto, mas por
força de um domínio que tem sobre o executor material – os casos clássicos são os de erro ou
coação.

- Exemplo: alguém aponta uma pistola à cabeça de outra pessoa e diz-lhe dá um tiro no teu
pai ou levas tu um tiro. Isto é um caso de autoria mediata porque o homem de trás não está apenas
a convencer, tem o domínio da vontade do executor material.

À luz do critério clássico de distinção de autoria mediata e instigação, estes casos em que alguém
paga a outra pessoa são classificados como caso de instigação e não te autoria mediata, porque
o executor material, neste caso o Bento, tem a vontade completamente livre para decidir se aceita
ou se não aceita e está esclarecido. Mas para além dos casos clássicos de autoria mediata em que
há coação ou há indução em erro, a professora Valdágua entende que há uma outra forma de
autoria mediata que não assenta nem na coação nem no erro. Qual é? Casos de subordinação
voluntária – sempre que o executor material, ainda que voluntariamente, se subordina em
absoluto à vontade do homem de trás são casos de autoria mediata e não de instigação a professora
entende que essa subordinação voluntária se verifica designadamente nos casos de aliciamento
(alguém prefere 1.000€) isto significa que no entendimento da professora Valdágua o homem de
trás tem ainda o domínio do facto, porque se a qualquer momento retirar os 1.000€ o executor
material não faz, porque a vontade do executor material depende decisivamente da manutenção
da vontade do homem de trás. Este não é o entendimento dominante.

Independentemente de sabermos se a Ana é instigadora ou se é autora mediata, a questão é de


saber mas de que crime? O facto de termos já concluído que o executor material vai ser
responsabilizado pelo homicídio qualificado é suficiente para podermos afirmar que pelo facto da
Ana ser instigadora/autora mediata do crime que o Bento praticou se o crime do Bento é um
homicídio qualificado então a Ana é autora mediata/instigadora de um homicídio qualificado. É
assim? Não, as circunstâncias do art.132º, nº2 e especialmente o fundamento último da
qualificação de especial censurabilidade ou perversidade tem haver com culpa. Ora a este
propósito o artigo que aqui é decisivo é o art.29º, que me diz que em casos de comparticipação
criminosa, a culpa de cada um dos comparticipantes afere-se individualmente, quer dizer que, a
maior ou a menor culpa de algum dos comparticipantes não se comunica aos outros
comparticipantes, porque cada um é julgado segundo a sua culpa. Eu determinei que o Bento

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praticou um homicídio qualificado porque foi determinado por avidez, mas a Ana não agiu
determinada por avidez. Isto quer dizer que o exercício que eu fiz para o Bento tenho que o fazer
para a Ana ou para qualquer comparticipante.

09/03/2021 – 05

Continuação da hipótese da aula passada:

A Ana é responsável por um homicídio qualificado, simples ou privilegiado? Em casos de


comparticipação criminosa vale a regra do art.29º, portanto, a culpa de cada um dos
comparticipantes tem de ser analisada individualmente. Nada impede em abstrato que o Bento
seja punido com homicídio qualificado, mas que a Ana seja punida com homicídio simples ou
privilegiado. Temos que fazer o mesmo exercício que fizemos para o Bento. A Ana também atuou
em alguma das circunstâncias a que a lei atribui um efeito indiciário de especial censurabilidade
ou perversidade? A Ana contrata alguém para lhe matar a irmã. Nos não podemos considerar a
circunstância de ser irmã como tendo a mesma estrutura valorativa das que estão descritas na
al.a) do nº2 do art.132º? A al.a) não vale em irmãos, mas o nº1 diz que podem ser consideradas
outras circunstâncias que não coincidam exatamente com as que estão descritas nas alíneas. Estas
“outras” não podem ser outras quaisquer, tem que ter uma relação com as que estão descritas nas
alíneas do nº2, o que a doutrina tem dito é que tem que ter a mesma estrutura valorativa das
circunstâncias que estão descritas nas alíneas. O fratricídio não tem a mesma estrutura valorativa
que está subjacente a esta aliena, porque o legislador não utiliza um conceito mais genérico de
relação familiares próximas mas escolheu um tipi de relação familiar próxima para colocar nesta
alínea. Aquilo que se diz é que normalmente a relação entre irmãos não tem a estrutura valorativa
das relações que estão aqui descritas na al.a). Ainda que se entenda assim isso não significa que
não possamos encontrar outros indícios de qualificação. A Ana decidiu mandar matar a irmã
porque tinha ciúmes, porque a irmã era mais bonita, isto é um motivo fútil da al.e) do nº2. Motivo
fútil significa insignificante, algo de tão pouca importância que torna ainda mais incompreensível
como é que alguém se dispõe a matar outra pessoa por algo tão pequeno. O que é que temos que
fazer agora? Temos que dizer que estas circunstâncias tem de facto a natureza de exemplos
padrão, elas indiciam uma culpa mais elevada, mas esse juízo não é ainda definitivo, é apenas
indiciário que pode ser contraditado pela presença de outras circunstâncias que possam ter sobre
a culpa um efeito contrário (puxar a culpa para baixo). Tínhamos que ver se há outras
circunstâncias que possam anular este efeito de sugestão de uma culpa mais elevada. Em geral
entende-se que são circunstâncias da natureza das que estão no art.133º - desperto, compreensiva
emoção violenta, motivo de relevante valor moral ou social. Se eu olhar apenas para o enunciado

22
da hipótese esta não nos diz nada de a Ana poder ter atuado por compaixão, desespero, etc... não
havendo nada no enunciado que surgira isto então o mais certo é a confirmação deste juízo
indiciário que facto está associado à presença de circunstâncias do tipo das que estão descritas nas
alíneas do nº2 do art.132º e confirmar-se-ia a especial censurabilidade ou perversidade que é de
facto o fundamento último da qualificação e por isso a punição da Ana por homicídio qualificado.

Hipótese:

Diana, que de há muito temia e odiava Álvaro, com quem vivia em união de facto, pelos maus-
tratos que este lhe infligia, nada fez para evitar a sua morte quando reparou que ele, ao cair da
escada depois de mais uma noite em que chegara embriagado, se esvaia em sangue, inanimado.
Eduardo, filho de Álvaro (mas não de Diana), que adorava o pai, quando soube do sucedido
decidiu vingar-se e, nessa mesma noite, ministrou na comida de Diana um pó, absolutamente
inócuo, que julgava altamente venenoso. Quando Diana acabou a refeição, Eduardo contou o
que tinha feito e comentou: “agora já não podes fazer nada. Só me resta assistir ao espetáculo”.
Diana, em pânico e convencida de que a morte seria inevitável, respondeu que “não iria morrer
sozinha”, ao mesmo tempo que pegava numa faca e a espetava na barriga de Eduardo (que
acabou por não morrer, pois um vizinho que acudiu aos gritos transportou-o ao hospital mesmo
a tempo de evitar a morte).

Determine a responsabilidade criminal dos intervenientes.

Resposta:

Responsabilidade de Diana pela morte de Álvaro:

Só faz sentido discutirmos se perante a Diana estamos perante um homicídio simples, qualificado
ou privilegiado depois de termos concluído que podemos punir por um crime de homicídio. A
verdade é que tratando-se de um comportamento omissivo, então sabemos que eu só posso punir
por um crime de resultado (homicídio) quem não evita a morte se demonstra que o omitente tem
a tal posição de garante – dever jurídico que pessoalmente a obriga a evitar o resultado. Se a
Diana tiver posição de garante tratar-se-á de uma omissão pura ou imprópria, significando isso
que ela é punida por um crime de homicídio por omissão, mas à que demonstrar que ela tem
posição de garante. Como é que se faz esta demonstração? Tenho que olhar para as chamadas
fontes da posição de garante – lei, contrato ou ingerência – (fonte formal) aqui tínhamos
que olhar para a lei e ver se entre unidos de facto também existem deveres legais de assistência
dos mesmo termos que existem entre cônjuges. Independentemente disso seria sempre possível

23
fundamentar a posição de garante a partir das fontes materiais da posição de garante, aqui
podíamos fundamentar com as estreita relação de proximidade. Há nessa estreita relação de
proximidade uma relação material que pode de facto justificar onerá-las com deveres de garante.
A Diana tem posição de garante, o que significa que não tende feito nada para evitar a morte, o
crime que ela comete é um homicídio por omissão, articulando o art.10º com o preceito de
homicídio.

Que homicídio é que estamos a falar? Temos que ver se a hipótese sugere a presença de alguma
circunstância que nos termos do nº2 do art.132º possa indiciar especial censurabilidade ou
perversidade e, portanto, apontar para a possibilidade de ser mesmo um homicídio qualificado.
A Diana encontra-se patroa com o Álvaro numa das relações que estão especialmente previstas
na al.b), ela mantém uma relação análoga à dos cônjuges. Mas isto não é suficiente para
considerarmos que é homicídio qualificado, temos que ir ver outras circunstâncias. A Ana temia
e odiava o Álvaro porque há ali um quadro de maus tratos por parte deste. Portanto, esta é uma
circunstância que tem efeito sobre a culpa puxando-a para baixo. É uma situação análoga ao
desespero que fala o art.133º. Agora das duas uma: ou de facto esse quadro (dependendo do
contexto) pode ter uma intensidade suficiente para puxar a culpa para níveis tão baixos ao ponto
de podermos falar num homicídio privilegiado ou pode ter apenas intensidade para impedir que
se fale num facto especialmente censurável e perverso, para impedir a afirmação do grau de culpa
que seria necessário para punir com homicídio qualificado, mas não intensidade suficiente para
que se possa falar numa culpa especialmente diminuta e, portanto que se possa punir por
homicídio privilegiado e se for assim concluo que estou perante um homicídio simples. O
enunciado não me dá informação suficiente para enquadrar aqueles maus tratos, e dependente
do modo como caracterizássemos esse quadro isso podia ter um de dois efeitos: tinha pelo menos
o efeito de anular o efeito indiciário de uma culpa especialmente alta e punir apenas por homicídio
simples e não qualificado, mas também admito que pudéssemos configurar um quadro em que o
efeito pela culpa pudesse ter intensidade suficiente para baixar a culpa para os patamares do
art.133º.

Eduardo sobre deitar veneno no copo da Diana:

Que crime é que cometeu o Eduardo? Tentativa de homicídio, mas ele está a tentar matar a
Diana com um pó inócuo, por isso temos aqui uma tentativa impossível que está prevista no
art.23º, nº3. Entanto tentativa impossível é punível ou não punível?

O nosso direito penal pune as chamadas tentativas impossíveis? Depende, em determinadas


circunstâncias é punível e em outras não é. O critério da punibilidade ou da não punibilidade da
tentativa impossível está no próprio nº3 que diz que a tentativa não é punível quando for manifesta

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essa impossibilidade. Manifesto significa claro, evidente, obvio. Esse caráter obvio não é para o
próprio agente, mas para um observador externo que pudesse estar a olhar para o que o agente
estivesse a fazer. Para quem pudesse estar de fora a observar, seria claro, evidente, inequívoco que
aquela era uma tentativa impossível? Se a resposta for sim, a tentativa não é punível. Se a resposta
for não, a tentativa é punível.

Alguém que pudesse estar a ver o Eduardo a por o pó na medida da madrasta seria evidente para
alguém que estivesse de fora a observar que aquilo não era veneno? Não, eu tenho uma tentativa
impossível de homicídio mas punível. Isto agora é uma tentativa de homicídio simples,
privilegiado ou qualificado? Há uma questão na doutrina sobre a compatibilidade ou
incompatibilidade da figura da tentativa de homicídio como homicídio qualificado, há quem diga
que é compatível e há quem diga que não e há quem diga que é só nuns casos e não nos outros.

16/03/2021 – 06

Continuação:

Já vimos que temos uma tentativa impossível. Primeiro temos que ver se é uma tentativa
impossível:

§ porque o meio que o agente está a utilizar para matar é inidóneo – o meio que o agente
está a utilizar para tentar matar é incapaz de levar ao resultado que ele pretende que
aconteça.
§ ou porque o objeto essencial à consumação do crime de homicídio, que é uma pessoa
viva, não está lá.

O objeto da ação, a realidade sobre que se hoje num crime de homicídio é outra pessoa, é uma
pessoa vida, portanto, se eu estou a tentar matar alguém mas que depois se verifica que essa pessoa
já estava morta quando eu deparei sobre ela isto é uma tentativa impossível por inexistência do
objeto essencial à consumação do crime.

Neste caso trata-se de uma tentativa impossível porque o meio que ele está a utilizar não é idóneo
a matar. Outra questão completamente diferente é de saber se esta tentativa impossível é punível
ou não punível. Depende, o nº3 do art.23º diz que ela não é punível quando for manifesta a
impossibilidade. Daqui resulta que não for manifesta a impossibilidade então a tentativa
impossível é punível. Depois a chamada teoria da impressão vem nos dizer que tem que ser
manifesta ou não manifesta para quem pudesse estar a observar a partir de fora. No nossa caso
não era manifesto por isso o Eduardo vai ser punido por tentativa impossível de homicídio.

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Agora homicídio qualificado, simples ou privilegiado? A primeira coisa a fazer é ir verificar se o
Eduardo atuou em alguma das alíneas do nº2 do art.132º. Temos a presença de alguma destas
circunstâncias? No caso da união união de facto eu não precisei de recorrer à ideia de que posso
considerar outras circunstâncias que tenham a mesma estrutura valorativa das circunstâncias
previstas nas alíneas, porque a união de facto está expressamente prevista na al.b). A primeira
circunstância que está verificada é a relação que existe entre eles uma relação de madrasta e
enteado, porque de facto se entende que essa relação tem a mesma estrutura valorativa das
relações que estão expressamente descritas na al.a).

Mais alguma possibilidade? Será que al.i) se enquadra? Ele não usou veneno mas pensava que
estava a utilizar. Isto levamos para uma questão que é da compatibilidade ou incompatibilidade
da figura da tentativa impossível com a figura do homicídio qualificado.

Quando é que se pode falar em tentativa impossível de homicídio qualificado?

Há um entendimento que considera que para que possamos ter uma tentativa impossível de
homicídio qualificado é necessário que objetivamente se verifique o fator de qualificação, ou seja,
não basta que o agente tenha dolo do fator de qualificação (de uma das circunstâncias que estão
descritas nas alíneas do nº2) é necessário que essa circunstância objetivamente esteja presente. De
acordo com este entendimento eu só tenho uma tentativa impossível de homicídio qualificado se
o agente efetivamente tivesse utilizado veneno, portanto, não basta o dolo da circunstância do
art.132º, é necessário que objetivamente a própria circunstância do art.132º se verifique.

Há um outro entendimento que entenda que basta que o dolo se dirija as circunstâncias do nº2
mas há outro entendimento, que é mais exigente, e que não se basta com o facto de no plano
subjetivo o dolo se dirigir à realização de circunstâncias do nº2, exige que elas efetivamente
estejam lá. De acordo com este entendimento eu não teria uma tentativa de homicídio qualificado,
quando o agente não utiliza efetivamente veneno, apenas tem dolo de utilizar veneno. Mas já
teria, por exemplo:

- Exemplo: se o A decide matar o pai, dá um tiro no pai mas verifica-se depois que o pai já
tinha morrido, aqui eu já tenho o fator de qualificação que objetivamente se verifica, era de facto
o pai dele que lá está. O fator de qualificação não existe apenas na cabeça do agente, existe
também do ponto de vista objetivo.

- Exemplo: se o agente persistiu com a intenção de matar durante mais de 24 horas ou agiu
com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados [al.j)] e a tentativa era impossível
porque a arma não tinha balas. Tenho uma tentativa impossível de homicídio qualificado porque
a impossibilidade da tentativa não impede a verificação objetiva do fundamento da qualificação

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porque ele andou a pensar naquilo durante mais de 24 horas e, portanto, há ali frieza de animo
ou reflexão sobre os meios empregados.

Neste caso concreto, de acordo com esta tese que exige a verificação objetiva do fator de
qualificação. Eu não posso considerar como fator de qualificação a utilização de veneno porque
de facto ele não utilizou veneno, mas posso considerar o outro porque ele está a tentar matar a
madrasta num contexto que tem a estrutura valorativa equivalente à al.a) do nº2. Isto significa
que eu tenho a presença de circunstâncias de natureza das que estão referidas no nº2 do art.132º.

Basta demonstra a presença dessas circunstâncias para podermos definitivamente concluir que
estamos perante um homicídio qualificado? Não, estas circunstâncias apontam para uma especial
censurabilidade ou perversidade mas isso não é ainda o juízo definitivo, temos que considerar
todas as circunstâncias da hipótese e ver se não há outras circunstâncias que possam de facto
contraditar este efeito indiciário que decorre da presença de circunstâncias do nº2 do art.132º ou
circunstâncias com uma estrutura valorativa análoga. Há mais alguma coisa na nossa hipótese
que seja relevante no sentido de poder contraditar este efeito?a outra circunstância que é aqui
relevante tem haver com as motivações do Eduardo. Por um lado diz que ele adorava o pai, por
outro lado sugere que ele odiava a madrasta e que se queria vingar dela. Se o sentimento que foi
determinante para a decisão de tentar matar a madrasta foi esse sentimento de vingança porque
já a odiava, então isso não releva sequer para afastar o indício de especial censurabilidade ou
perversidade. Se aquilo que ali é determinante é a outra dimensão que hipótese sugere que é ele
ter acabado de saber que o pai morreu porque a madrasta não fez nada para evitar essa morte,
portanto, aqui podemos considerar circunstâncias que não são irrelevantes do ponto de vista da
culpa e que podem ter relevância no sentido de puxar a culpa para baixo. Mas não bastam que
existam circunstâncias que sobre a culpa tenham um efeito contrário ao nº2 para concluirmos
que estamos perante um homicídio privilegiado, este homicídio é uma hipótese em que estão
presentes as circunstâncias do art.133º mas numa intensidade tal que permitam falar numa culpa
especialmente diminuta. A hipótese dá-me dados suficientes para poder concluir que não estou
perante um caso desse tipo, portanto, há alguma frieza no modo como o Eduardo reage e o
comentário que ele fez após a madrasta ter comido a sopa. Ou temos homicídio qualificado ou
homicídio simples dependendo de facto da predominância ao nível das motivações dele.

Responsabilidade de Diana em relação ao Eduardo:

Não temos aqui legitima defesa porque ela não se está a defender de uma ação que lhe seja
eminente, ela reage à noticia que acabou de ser envenenada por ele. A primeira questão que esta
hipótese nos obriga a discutir é de saber se a Diana não teria agido dominada por uma
compreensiva emoção violenta. O homicídio privilegiado nos termos do art.133º (neste caso

27
seria tentativa de homicídio) ele pode ser privilegiado quando praticado por uma compreensível
emoção violenta, neste caso por a Diana ter acabado de saber que ele lhe tinha administrado
veneno. Vamos falar disto mais tarde.

Vamos agora falar de outro problema que a hipótese também colocava, mas que é um problema
genérico. Eu tenho uma hipótese em que alguém tenta matar outra pessoa mas objetivamente a
vítima não morre, dá-se apenas uma ofensa grave à integridade física. Há aqui um problema que
tem haver com a questão de saber do ponto de vista da matéria dos concursos como é que
estas hipóteses devem ser resolvidas, ou seja, sempre que alguém tenta matar outra pessoa, mas a
vítima acaba por não morrer mas dá-se uma ofensa grave à integridade física (art.144º) há uma
discussão na doutrina na questão de saber se o agente deve ser punido apenas pela tentativa de
homicídio – há um primeiro entendimento que considera que entre a tentativa de homicídio e as
ofensas corporais graves consumadas há uma relação de concurso aparente ou de normas em que
a tentativa de homicídio vai prevalecer sobre as ofensas corporais graves consumadas – mas há
um outro entendimento que considera que não estamos perante o concurso aparente ou de
normas mas estamos perante o concurso efetivo ou de crimes – estamos perante uma situação em
que o agente deve ser punido pelas duas coisas pela tentativa de homicídio com a pena prevista
para a tentativa de homicídio mais a pena prevista para as ofensas corporais graves consumadas.

Concursos:

Eu tenho um problema de concurso quando o comportamento do agente se subsume à previsão


de mais do que um tipo legal de crime. É o caso desta hipótese quando a Diana da a facada no
Eduardo isto preenche a previsão do art.144º - ofensa grave à integridade física – mas também
temos tentativa de homicídio porque ela fá-lo com dolo de morte. Sempre que um
comportamento se subsume à previsão de mais do que um tipo legal de crime, então eu tenho um
problema para resolver. Que é o de saber se no final do dia aplico ao agente apenas a pena de um
desses tipos legais de crime (a mais grave) ou aplico ao agente a pena prevista por todos os tipos
legais de crime a que o comportamento se subsume. Ora dentro destas situações de concurso há
uma grande distinção a fazer, que é por um lado o chamado concurso de normas (ou concurso
aparente) e por outro lado o chamado concurso de crimes (ou concurso efetivo).

Ø Concurso de normas – eu concluo que o comportamento se subsume a mais do que


um tipo legal de crime mas concluo que vou aplicar só uma, ou seja, a aplicação ao agente
da pena prevista por uma das normas a que o facto se subsume impede a possibilidade da
aplicação cumulativa das outras.

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Ø Concurso de crimes – eu concluo que o facto se subsume a mais do que um tipo legal
de crime e o agente deve ser punido com as penas que resultam dos diferentes tipos legais
de crime a que o comportamento se subsume.

Qual é que é o critério que me permite de facto em cada caso concreto decidir se é aparente ou
se é efetivo?

- Exemplo: António matou o pai. O comportamento do António subsume-se à previsão do


art.131º - quem matar outra pessoas – mas também se subsume à previsão do art.132º - quem
matar ascendente – eu aplico ao António apenas a pena do art.132º ou uma pena achada dentro
da moldura do art.132º mais uma pena a encontrar dentro da moldura do art.131º? Ou seja,
pena de 12 a 25 ou uma pena 12 a 25 com mais 8 a 16? Só a pena de 12 a 25. Que princípio
fundamental é que eu estaria a violar se lhe aplicasse uma pena de 8 a 16 com mais uma pena de
12 a 25? Princípio da proibição ne bis in idem (art.29º, nº5). Quando eu aplico com uma
pena de 12 a 25 eu já o estou a punir pelo facto de ter morto outra pessoa, se acima dessa eu lhe
for aplicar a pena do art.131º então eu estou a puni-lo duas vezes pelo facto de ter morto outra
pessoa quando só matou uma vez. É este princípio que vai ajudar a decidir se estou perante um
concurso aparente ou um concurso efetivo. Neste caso a aplicação da pena do art.132º vai afastar
a aplicação do art.131º, impede a aplicação cumulativa do art.131º.

- Exemplo – se o A colocar uma bomba e matou B e feriu C e destruiu o carro de D. O


comportamento de A subsume-se à previsão do crime de homicídio (B), à previsão do crime à
integridade física (C) e à previsão do crime de dano (D). Cada um destes artigos prevê uma
diferente pena. Eu aplico ao A apenas a pena de homicídio ou posso aplicar a do homicídio, mais
a das ofensas mais o crime de dano? Pode aplicar as outras todas porque não estou a punir duas
vezes pelo mesmo facto, porque quando aplico o crime de homicídio o fundamento é a lesão da
vida de B, quando aplico a pena do art.144º fundamento é a ofensa à integridade física do C e
quando aplico a pena do dano o fundamento é a destruição do património do D.

No nosso caso, a Diana deve ser apenas punida pela tentativa de homicídio ou deve ser punida
em concurso efetivo de crimes pela tentativa de homicídio mais pelo art.144º? Este problema dá-
se sempre quando alguém tenta matar outra pessoa mas a vitima acaba por não morrer fica
apenas com uma ofensa grave à integridade física.

23/03/2021 – 07

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A questão que se coloca é a de saber como resolver a partir da teoria dos concursos, as hipóteses
em que alguém age com dolo de morte, mas em que objetivamente a morte a acaba por não
acontecer mas apenas uma ofensa grave à integridade física consumado. Nestas hipóteses há uma
discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a questão de saber se a melhor forma de resolver o
problema na perspetiva da teoria dos concursos é considerar que há aqui um concursos de crime,
quer dizer considerar que o agente deve mesmo ser punido com a pena prevista para a tentativa
de homicídio em cima dela, cumulativamente, a pena prevista para as ofensas corporais
consumadas ou se o concurso tem a natureza de um concurso aparente, de normas em que a
aplicação da pena prevista pela tentativa de homicídio (porque é mais grave) impede a aplicação
da pena prevista para a ofensa à integridade física. Há duas soluções:

Ø Concurso de crimes – há uma solução que é minoritária, defendida pelo professor Silva
Dias, que sustentava que estas hipóteses deviam ser punidas em concurso efetivo, o agente
deve ser punido com a pena prevista para a tentativa de homicídio e cumulativamente com a
pena prevista para o crime de ofensas corporais graves consumadas. O professor Silva Dias
diz que esta é a única forma de punir o agente por tudo aquilo que ele fez. Também diz que
isto não viola o princípio que não se pode punir duas vezes pela mesma coisa porque a
aplicação da pena prevista para a tentativa pune o chamado desvalor da ação – querido matar
– e a pena prevista para a ofensa pune pelo desvalor do resultado – ter provocado uma ofensa
grave à integridade física. Também argumentava que se não fosse assim estaríamos a punir
da mesma maneira coisas que são completamente diferentes.
Ø Concurso de normas – o entendimento dominante é o de que estas hipóteses devem ser
punidas não como casos de concurso efetivo, mas como casos de concurso aparente, ou seja,
o agente deve ser punido apenas com a pena prevista para a tentativa de homicídio. Porque?
Porque a solução de punir em concurso efetivo é uma solução que em parte significa dupla
punição sobre a mesma coisa. Porque? Porque quando eu aplico a pena prevista para a
tentativa de homicídio eu já estou a punir pelo desvalor da ação, ou seja, já estou a punir pelo
facto de ter tentado violar um bem jurídico fundamental. Se eu lhe aplicar em cima a pena
do art.144º não é verdade que a pena do art.144º seja pena pensada para punir o desvalor do
resultado, esta pena pune o desvalor do resultado, pune a circunstância de se ter ofendido a
integridade física de outra pessoa, mas pune também o desvalor da ação, pelo facto de isso
ser feito dolosamente. A demonstração de que é assim esta em que: se alguém
negligentemente, por mais grosseira que seja a negligência, ofender gravemente a integridade
física de outra pessoa, resultando que ela fique paraplégica para o resto da vida, nos termos
do art.148º a pena não pode ultrapassar os 2 anos. A pena prevista pelo art.144º para as
ofensas corporais, graves, dolosas, pode ir aos 10 anos. O que significa que há aqui uma
grande parte desta pena do art.144º que é pena para punir o desvalor da ação, o dolo, mas

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pena por isso, o agente já está a sofrer quando se lhe aplica a pena prevista para a tentativa
de homicídio. Portanto, a aplicação da pena prevista para a tentativa de homicídio mais a
pena do art.144º é de facto violadora do ne bis in idem na parte em que significaria dupla
punição do desvalor da ação.

Por outro lado também não é verdade que então, se não for assim estamos a punir nos mesmos
termos o tiro em que a bala passa ao lado e o tiro em que acerta na pessoa e que ela fique
paraplégica para o resto da vida. Não é assim porque a moldura de pena prevista para
tentativa de homicídio qualificado tem margem suficiente para distinguir, ao nível depois de
pena concreta, a hipótese em que alguém tenta matar mas a bala acerta ao lado e a hipótese
em que alguém tenta matar mas a pessoa fica paraplégica.

Qual é que é a pena aplicável a tentativa de homicídio qualificado? O ponto de partida está
no art.23º, nº2 que me diz que a pena da tentativa é a pena prevista para o crime consumado
mas especialmente atenuada. Em que termos é que se faz essa atenuação especial? Está no
art.73º. Então qual é a moldura de pena? O limite máximo é reduzido de 1/3. O limite
máximo são 25, um terço de 25 são 8,4 o que significa que o limite máximo passa a 16,8. O
limite máximo aplicável a uma tentativa de homicídio qualificado são 16 anos e 8 meses. E o
limite mínimo? É reduzido a 1/5. Um quinto de 12 são 2,4. Portanto, uma pena aplicável a
uma tentativa de homicídio qualificado é uma pena entre 2,4 e 16,8. Isto significa que há
margem mais do que suficiente nesta moldura para distinguir depois ao nível da pena concreta
entre a tentativa em que a bala passou ao lado e não aconteceu nada ao agente, e a tentativa
em que a bala acertou no agente que ficou paraplégico para o resto da vida.

Hipótese:

António estava desempregado há vários meses e não tinha como sustentar Maria, sua mulher,
que há algumas semanas ficara paralítica em virtude da derrocada de parte do telhado da barraca
onde viviam com os dois filhos que Maria tinha tido, fruto de um primeiro casamento. Não
obstante a piedade dos vizinhos, passavam fome e há já dois dias que ninguém naquela família
comia.

António dirigiu-se então a casa do antigo patrão, Carlos, que o havia despedido - por despeito
devido ao facto de Maria se ter recusado a abandonar António para ficar consigo -, pedindo-
lhe que lhe devolvesse o emprego. Carlos mostrou-se inflexível. Numa última tentativa de o
convencer António ainda lhe disse que se saísse dali sem emprego acabaria com a vida de todos,

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ao que Carlos respondeu, pensando para consigo que assim a sua vingança seria perfeita, “se
quiseres até te empresto uma pistola”. Completamente destroçado, António, nessa noite, com a
pistola emprestada por Carlos, matou a mulher e as duas crianças. Ainda tentou o suicídio mas,
nessa altura, a pistola já estava descarregada.

Determine a responsabilidade criminal dos intervenientes?

Resposta:

Em primeiro lugar temos que ir ver se temos presentes as circunstâncias que estão previstas no
nº2 do art.132º. Temos aqui 3 homicídios. Relativamente ao homicídio da mulher, temos a
circunstância descrita na al.b) e relativamente à morte das crianças, a relação que existe entre o
António e as crianças é a relação que existe entre enteado e padrasto. É uma situação que não é
exatamente a que está descrita na al.a) mas é uma relação que tem a mesma estrutura valorativa
das relações que estão lá descritas. É um dos casos em que se entende que se pode recorrer ao nº2.
Há mais alguma circunstância que podemos retirar do nº2? A al.c) quer em relação à esposa quer
em relação às crianças. A esposa em relação à sua doença e as crianças em razão da idade, ou
seja, de facto qualquer das vítimas são pessoas particularmente indefesas.

Estando verificadas estas circunstâncias podemos concluir definitivamente que o António


cometeu três homicídios qualificados? Não, temos que ver se existe uma especial censurabilidade
e perversidade retirado destas alíneas do nº2 mas que este juízo é um juízo indiciário, não é um
juízo definitivo. É um juízo que pode ser infirmado pela demonstração da presença de outras
circunstâncias que tenham sobre a culpa o efeito contrário ao que tem a presença destas: de outras
circunstâncias que influenciem a culpa diminuindo-a. Que outras circunstâncias são essas? São as
que estão descritas no art.133º. Considerando de facto os dados da nossa hipótese qual de entre
estas circunstâncias que estão descritas no art.133º é que vos parece que aqui podia de facto ser
relevante? O desespero, é a ideia de que o agente se vê confrontado com uma situação, onde
tentou tudo, mas aquilo que imaginou que podia de facto ser uma forma de ultrapassar essa
situação e essas alternativas que o agente tentou não foram eficazes e o agente é confrontado com
uma situação de incapacidade de lidar com o problema, mas também de o ultrapassar por outra
forma qualquer. Não basta que haja a situação de desespero para estarmos perante um
homicídio privilegiado, é necessário que, para além da verificação de uma das circunstâncias
do art.133º, que essas circunstâncias se materializem numa diminuição sensível da culpa (sensível
aqui significa clara, manifesta, forte). Isto significa que não é qualquer quadro de desespero ou
não é qualquer quadro que possamos caracterizar como compaixão que só por si conduza à
conclusão que o homicídio é privilegiado. O que se pode dizer com segurança, em função dos
dados que a hipótese nos dá, que não estamos perante um homicídio qualificado, ou seja, não

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estamos perante um homicídio de que se pode dizer que é especialmente perverso ou
especialmente censurável, há aqui um quadro de desespero que infirma o tal juízo indiciário. Se
esse desespero que tem intensidade suficiente para que se possa dizer que a culpa é sensivelmente
diminuta e podemos concluir que estamos perante um homicídio privilegiado ou se há ali um
quadro de desespero mas não ao ponto de se poder falar de uma culpa tão baixa como a que é
pressuposta no art.133º, então pode acontecer que esse desespero tenha força suficiente para
puxar a culpa para patamares que impedem a punição por homicídio qualificado mas não
intensidade suficiente para puxar a culpa para patamares tão baixos como aqueles que são
pressupostos pelo homicídio privilegiado e se for esse o caso ficamos com o homicídio simples.

Temos agora o problema da responsabilidade criminal do Carlos. O que o Carlos fez foi
emprestar a pistola. Do ponto de vista da comparticipação criminosa isso permite
responsabilizar o Carlos a que tipo? O que é que caracteriza a instigação? É convencer, é criar
na outra pessoa a vontade que ela não tinha. Foi o Carlos que criou no António a vontade que
ele não tinha de matar a família? Não. Por outro lado autor mediato também não porque este
é quem domina a vontade de outra pessoa através da indução em erro ou coação. Isto é um caso
de cumplicidade material, porque ele presta um auxílio material (art.27º) ao disponibilizar
um meio que o António vai depois utilizar para cometer os crimes.

Eu concluiu que o António era um autor do crime (vamos dar de barato) de homicídio privilegiado
e estou a agora a concluir que o Carlos é cúmplice desses homicídios que o António praticou. A
circunstância de relativamente ao autor material (António) eu ter concluído que estou perante
homicídios privilegiados significa osso automaticamente que a responsabilidade do Carlos
enquanto cúmplice desse homicídio, há de ser também de cúmplice de um homicídio privilegiado?
Não, por causa do art.29º, porque se nos aceitarmos que as circunstâncias do art.132º ou art.133º
tem haver com culpa, então elas tem que ser apreciadas individualmente, ou seja, a maior ou a
menor culpa de um dos comparticipantes vale para ele, não se comunica aos demais. A
circunstância de eu ter concluído que o António tem uma culpa diminuída porque atuou
desesperado essa circunstância. Vale para António mas não vale para o Carlos e, portanto, cada
comparticipantes é punido segundo a sua culpa. O mesmo exercício que eu fiz para o António
tenho que fazer para o Carlos.

Há aqui circunstâncias do art.132º, nº2 para o Carlos? Sim, al.e), na parte de motivo torpe ou
fútil. A decisão que está por trás de emprestar esta pistola é como forma de vingança pelo facto
de ela ter preferido ficar com o António do que ficar com Carlos. E, portanto, eu tenho presente
pelo menos esta circunstância. O que significa que tenho um indício de especial censurabilidade
ou perversidade mas neste caso, ao contrário do que acontecia com António, aqui eu não tenho
nada que aponte para a presença de outras circunstâncias que possam contraditar este efeito

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indiciário da presença das circunstâncias do art.132º. Se mais nada se provasse isto seria mesmo
punido com a pena aplicável ao cúmplice de um homicídio qualificado. Isto significa que é a pena
do homicídio qualificado especialmente atenuada, porque o art.27º, nº2 também diz para a
cumplicidade que a pena aplicável ao cúmplice é a pena prevista para o autor mas especialmente
atenuada. O cúmplice neste caso ia ser punido mais gravemente do que o autor material, porque
o outro matou desesperado em termos que permitem diminuir a culpa, enquanto que o Carlos
contribuiu para essa morte por razões que permitem afirmar que esta contribuição dele no
homicídio é especialmente perversa ou censurável.

30/03/2021 – 08

Hipótese:

A, milionária, decidiu deixar a B, caso não tivesse descendentes, todo o seu património. Passados
meses A veio a apaixonar-se por C de quem engravidou. B, ao descobrir que A engravidara,
ofereceu €5000 a D para que este a matasse antes que ela pudesse alterar o testamento. No dia
seguinte D atropelou A, que acabou por falecer. A criança chegou a nascer com vida mas, pela
mesma razão (o atropelamento), também não resistiu mais de 2 horas.

C, nesse mesmo dia, ao descobrir que tinha sido B o mandante do crime, ficou completamente
fora de si. E, que nessa altura se encontrava junto dele, pegou na pistola que sempre trazia consigo
e disse-lhe: “toma, tal crime só merece a morte”. C dirigiu-se então a casa de B, que ficava ali ao
lado, e mal este abriu a porta disparou dois tiros que lhe provocaram a morte.

Determine a responsabilidade dos intervenientes.

Resposta:

A historia tem duas partes, temos em primeiro lugar a história do B que contrata D para que este
mate o A e depois o D atropela o A que acaba por morrer e a criança de quem ela estava grávida
chega a nascer com vida durante duas horas, mas não resiste e morre.

Começamos por determinar a responsabilidade criminal de quem? Do D porque ele é o autor


material. Tenho um caso de comparticipação criminosa e por isso começo sempre por apurar a
responsabilidade criminal do executor material do facto. Esta é a primeira regra. São dois crimes
que podem estar em causa: a vítima A e o bebé.

Responsabilidade criminal de D pela morte de A:

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Temos que ver se estão presentes algumas circunstâncias do art.132º, nº2. Há de facto pelo menos
uma na al.e), o agente está determinado por avidez, que significa que D decide-se a matar A em
função da oferta dos 5.000€, é uma motivação de cariz económico. Há mais alguma circunstância
que parece estar preenchida? A al.c) não baste que esteja grávida, a gravidez tem que deixar a
pessoa mais indefesa fase ao risco que concretamente estava em causa. Ou seja, alguém que vai
normalmente a passar uma passadeira fica por isso mais frágil pelo facto de estar grávida? Para
que esteja preenchida o pressuposto da al.c) não basta que a pessoa esteja grávida, é necessário
que por força dessa razão ela se encontra-se numa situação que a estivesse particularmente
indefesa. Podíamos ir a al.j) que fala da frieza de ânimo.

Demonstrada a presença de duas circunstâncias do nº2 como é que se avançava na resolução da


hipótese? Temos que ver se existem circunstâncias que digam que estes são apenas factos
indiciários de existir uma especial censurabilidade ou perversidade. Esse indício pode, no caso
concreto, ser desmentido pelo facto de outras circunstâncias existirem. A hipótese não descreve
nada que possa ter esse efeito de contrariar este efeito indiciário, uma culpa mais elevada. Estamos
perante um homicídio qualificado no que se refere à morte de A.

Responsabilidade criminal do D quanto à morte do bebé:

Temos um primeiro problema que é a da chamada das condutas pré-natais, que é a questão de
saber como tratar aquelas hipóteses em que o comportamento se dá antes do início do parto mas
que o resultado final acontece já depois do início do parto. Há quem entenda que o momento
relevante é o momento da ação (professor Silva Dias) e há quem entenda que o momento relevante
é o momento em que ação começa a produzir efeitos sobre o objeto da ação (professor Figueiredo
Dias) e à luz desses critérios se essa solução prevalecesse o D podia ser punido por que crime?
Crime de aborto, porque o momento da ação ou o momento em que a ação projetada os seus
efeitos sobre o bem jurídico há de ser o momento do atropelamento. Há um outro entendimento,
que a doutora Valdágua defende, que entende que o crime se decide em função do momento do
desfecho final (morte), portanto, se o desfecho final se dá antes do início do parto a
responsabilidade do agente coloca-se fase ao crime de aborto, se o desfecho final se dá depois do
início do parto a responsabilidade do agente coloca-se fase ao crime de homicídio. Aplicando este
critério não há duvida nenhuma de que então o D seria punido pelo crime de homicídio.

Mas que homicídio? No pressuposto que o D tem dolo de homicídio, ou seja, representou e quis
a morte da Ana mas também a morte do feto, por efeito do atropelamento, ele podia ser punido
por um crime de homicídio. O que é que podia aqui acontecer? Que se demonstrasse apenas que
relativamente à criança ele tem dolo de aborto, ou seja, acreditou que a criança morreria
imediatamente no embate, ou seja, para haver dolo de homicídio ele tem que quer e representar

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matar uma pessoa viva. Teria que ter representado e ter pelo menos conformado com a
possibilidade da criança ter nascido e morrer já depois de ter nascido. Não é de excluir que
relativamente à criança aquilo que se pudesse provar fosse apenas o dolo de aborto, ou seja, que
o D representou e quis a morte enquanto aborto. Se for o caso podíamos puni-lo em que termos?
Homicídio negligente em concurso com tentativa de aborto. Isto é uma espécie de erro na
execução aberratio ictus, ele dirige a ação a um objeto mas a sua ação acaba por produzir o
resultado com um objeto de ação diferente que é o objeto de ação do crime de homicídio.

Responsabilidade criminal de C pela morte de B:

É aqui que surge a questão da possível responsabilidade criminal por homicídio privilegiado.
Podemos punir por homicídio privilegiado por ele ter atuado por uma compreensiva emoção
violenta? A caber no art.133º há de caber na primeira parte quando se fala no agente agir
determinado por uma compreensível emoção violenta, o que é que isso significa? Nesta expressão
temos que a separar em duas partes: uma coisa é emoção violenta – questão de facto – outra é
saber se é ou não compreensível – questão de direito, ou seja, pressupõe um juízo normativo, um
juízo do direito à cerca do que deve ou não considerar-se para este efeito como compreensível.

Ø Temos de decidiu se o agente agiu determinado por uma emoção violenta – matéria
de facto – e concluindo que sim temos que depois decidir se essa emoção violenta é ou
não compreensível. Aí temos que ter um critério para decidir quando é que uma emoção
violenta se considera ou não compreensível. Saber se o agente agiu determinado ou não
por uma emoção violenta é a ideia de ficar fora de si, sem controlo. O que é que a doutrina
tem dito que pode ser relevante ou irrelevante para sabermos se neste caso concreto se o
agente agiu ou não sobre emoção violenta? A doutrina tem exigido uma relação de
proximidade temporal estreita entre o facto gerador da emoção violenta e a reação
determinada pela emoção violenta. Normalmente essa emoção violente é uma reação
quase instantânea quase imediata ao facto que a gera. Há uma proximidade estreita entre
o facto gerador de emoção violenta e a emoção violenta. O B não estava logo ali, estava
a umas ruas de distância, portanto, podia de facto discutisse se a circunstância de C não
estar na presença de B quando tem de facto conhecimento de que o B foi o mandante dos
crimes se isso ainda é compatível com a emoção violenta. A doutrina não estabelece um
prazo mas tem se entendido que esse estado é um estado que pressupõe alguma
proximidade do ponto de vista temporal com o facto gerador da emoção violenta.
Ø É necessário que essa emoção seja compreensível. Eu tenho que me perguntar se
aquela emoção é compreensível, ou seja, se é de facto compreensível que o agente tenha
vivido, experimentado, sentido aquela emoção quando confrontado com aquele facto.
Mas outra questão que falta discutir, que quem a haver com a natureza do critério em

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função do qual se decide da compreensibilidade da emoção. Isto é a questão de saber se
este critério tem uma natureza essencialmente objetiva ou uma natureza essencialmente
subjetiva. Ou seja, é perguntar se é compreensível para aquele agente, em função do que
ele é, em função daquilo que ele acredita e os seus valores, ou se se pergunta pela
compreensibilidade da emoção a partir de um critério que considera não aquele agente
concreto mas o tal homem médio.

- Exemplo: vamos imaginar alguém que odeia pessoas de uma determinada raça, religião,
mas odeia porque tem 18 anos mas ao longo desses 18 anos foi ensinada a odiar pessoas daquela
raça, ou religião. A certa altura esta pessoa não reage bem a uma discussão com uma pessoa com
outra orientação sexual ou religião, raça e mata-a. Se eu pegar nisto a partir de uma perspetiva
subjetiva, em que aquele agente a única informação que recebeu foi a de odiar pessoas que se
enquadram nesta situação, eu posso, no limite, chegar à conclusão que era difícil exigir ao agente
pessoa a quem sempre disseram que as pessoas daquela religião, raça ou orientação sexual são a
pior coisa do mundo, era difícil reagir de outra forma diferente. Mas uma emoção violenta que
parta de um sentido de ódio a uma outra categoria de pessoas em função da raça ou da orientação
sexual nunca pode à luz da ordem jurídica ser considerado compreensível. Portanto, se eu partir
de um critério objetivo, daquilo que em geral se pode aceitar como compreensível, então em geral
a ordem jurídica não pode aceitar compreensível uma emoção violenta que é determinada pela
raça/orientação sexual/religião.

A maioria dos autores entende que este critério de compreensível ou não é um critério de natureza
essencialmente objetiva. Mas é ou não é compreensível que alguém que acaba de ver o filho ser
morte a sua frente que se possa de facto ficar fora de si e reagir contra o condutor que estava
completamente embriagado e matou o filho à frente, isto é uma emoção que se pode aceitar que
pode ser vivenciada mesmo por aquele que é um cidadão absolutamente respeitador do direito e
dos bens jurídicos das outras pessoas. O entendimento dominante aponta para que este caráter
compreensível ou não compreensível seja uma decisão tomada a partir de um critério de natureza
essencialmente objetiva e não puramente subjetiva.

Responsabilidade criminal do E:

Do ponto de vista da comparticipação criminosa eu diria que o E tem dois contributos, quando
diz para o C ir e quando lhe empresta a pistola. Este emprestar da pistola isto é, do ponto de vista
da comparticipação, um cúmplice. Para além disso ele diz para ele ir, se esse “toma, vai” é decisivo
para criar no C a vontade que o C ainda não tinha toma então mais dos eu cumplicidade isto
transforma-se num caso de instigação. A instigação é criar noutra pessoa a vontade que a outra
pessoa ainda não tinha formado de matar. Mesmo que tivéssemos concluído que para o C isto era

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privilegiado, o E não beneficia desse privilegiamento, porque o E não agiu determinado pela tal
emoção violenta (art.29º).

A hipótese não nos diz absolutamente nada acerca das razões do E decidiu fazer isto. Por isso, em
função dos elementos que a hipótese nos dá o mais seguro seria dizer que o E era punido como
instigador de um crime de homicídio simples, porque a hipótese não me dá circunstâncias que
possam afirmar o privilegiamento nem circunstâncias que permitam de facto indiciar a
qualificação.

Responsabilidade de B:

Do ponto de vista da comparticipação criminosa temos aqui uma questão, para o entendimento
dominante isto é um caso de instigação, para a doutora Valdágua isto mais do que instigação, é
um caso de autoria mediata fundada na subordinação voluntária. É instigador ou autor mediato
também de um homicídio qualificado porque também relativamente a ele se verifica a avidez. A
razão que o leva a fazer isto é para manter o nome dele no testamento de A, tem motivação de
cariz financeiro. E se se verificassem as razões da frieza de ânimo, se ele andou a pensar nisto
durante algum tempo, portanto as mesmas razões que nos dissemos que podiam indiciar a
qualificação do homicídio para o autor material, eu diria que faz sentido discutir aqui
relativamente ao B.

Compaixão - traduz-se num sentimento de piedade , ou seja, o autor não consegue ultrapassar o impulso para
não matar porque está dominado por um sentimento de solidariedade com o sofrimento da vítima.

Desespero - são normalmente caracterizadas por estados de depressão passivos, em que existe um estado
de perturbações psicológicas do agente, mas trata-se de uma perturbação interiorizada, acumulada. O seu
efeito leva a que o agente se sinta num “beco sem saída” e veja o homicídio como a única forma de
ultrapassar a situação.

Motivo de relevante valor social ou moral - não pressupõe que o agente se encontre psicologicamente
perturbado, é fundamental que este atue motivado pela prossecução de objetivos, finalidades valiosos do
ponto de vista social ou moral

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