Você está na página 1de 22

Responsáveis – pessoas físicas,

jurídicas, públicas e privadas

Este conteúdo está organizado nos seguintes tópicos:

1.1. Jurisdição do Tribunal de Contas da União


1.2. Pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre recursos públicos federais
1.3. Agentes públicos da Administração direta e indireta
1.4. O agente particular (pessoa física) e a empresa contratada
1.5. A pessoa jurídica de direito privado que celebra convênios ou outros
instrumentos congêneres com a Administração Pública
1.6. Síntese
1.7. Bibliografia
© Copyright 2020, Tribunal de Contas de União
portal.tcu.gov.br

Permite-se a reprodução desta publicação, em parte ou no todo,


sem alteração do conteúdo, desde que citada a fonte e sem fins comerciais.

Responsabilidade pelo Conteúdo


Tribunal de Contas da União
Secretaria Geral da Presidência
Instituto Serzedello Corrêa

Conteudistas
José Rodrigues de Sousa Filho
Marcio André Santos Albuquerque

Tratamento Pedagógico
Carla Nogueira Fernandes

Este material tem função didática. A última atualização ocorreu em Abril de 2021.
As afirmações e opiniões são de responsabilidade exclusiva dos autores e podem
não expressar a posição oficial do Tribunal de Contas da União.
Os Responsáveis – pessoas físicas,
jurídicas, públicas e privadas

1. O TCU possui competência para julgar as contas


de empresas contratadas pela Administração?
2. O dever de prestar contas é da pessoa física ou
da pessoa jurídica destinatária do recurso público?
3. Pode o TCU condenar em débito o particular sem
que algum agente público seja solidário?
4. Devem as pessoas jurídicas de direito privado destinatárias
de transferências voluntárias de recursos federais
feitas com vistas à consecução de uma finalidade pública
responderem solidariamente com seus administradores pelos
danos causados ao erário na aplicação desses recursos?

1.1. JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

A palavra jurisdição é composta pela aglutinação de dois termos latinos: JURIS (direito) e DIÇÃO (dizer).
Logo, jurisdição significa dizer o direito. Dessa forma, quando se diz que a jurisdição do Tribunal de Contas
da União abrange as sociedades de economia mista, está-se dizendo que a Corte pode dizer o direito para
aquelas sociedades em matérias que lhe competem.

Aguiar et al, na obra a Administração Pública sob a Perspectiva do Controle Externo, tecem as seguintes
considerações sobre a jurisdição do TCU:

Alguns doutrinadores entendem inapropriado falar que o Tribunal de Contas da União possui
jurisdição, pois, segundo eles, somente o Poder Judiciário teria competência para dizer o direito. A
enciclopédia jurídica Soibelman menciona que
Em sentido técnico processual, só o poder judiciário é que tem jurisdição, ou seja, o poder de julgar, de
dizer do direito entre as partes, sem estar subordinado a nenhum outro poder. Só o poder judiciário
diz a palavra final entre as partes, fazendo coisa julgada (V.), o que não acontece com outros órgãos
da soberania que, embora decidam questões de direito, têm as suas decisões submetidas ao poder
judiciário sempre que assim requerer o prejudicado.” (1997)

Pelo disposto no caput do art. 73 da Constituição Federal, o Tribunal de Contas da União pode dizer o
direito em todo o território nacional. Ocorre que não é qualquer direito que o Tribunal pode dizer, mas
somente aqueles relacionados às matérias que sejam de sua competência. O art. 4º da LOTCU, de forma
cristalina, estabelece que “O Tribunal de Contas da União tem jurisdição própria e privativa, em todo o
território nacional, sobre as pessoas e matérias sujeitas à sua competência.”

3
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

Desse dispositivo, especial atenção deve ser dada para as expressões “própria e privativa” e “sobre as pessoas
e matérias sujeitas à sua competência.”.

Essas expressões, analisadas de forma conjunta, indicam que somente o Tribunal pode dizer o direito
em matérias de sua competência. Essa informação ratifica o posicionamento acima no sentido de que o
Poder Judiciário não pode substituir o TCU e julgar as contas de um administrador, por ter entendido, por
exemplo, que não foi franqueado ao responsável o consagrado direito do devido processo legal.

Vejam um exemplo capaz de elucidar o que se pretende dizer acerca de jurisdição em matéria de sua
competência:

Determinado servidor público subtraiu de sua repartição R$ 50.000,00 em vales-transportes. Por esse
ato, o Tribunal de Contas da União poderia condenar o servidor ao ressarcimento do valor subtraído,
juntamente com alguma sanção prevista na LOTCU. Jamais o Tribunal poderia condenar o servidor pelo
crime de peculato, porquanto somente o Poder Judiciário possui competência para condená-lo pelo crime.

A jurisdição, como já mencionado, é a possibilidade de o Tribunal dizer o direito para determinadas pessoas,
desde que esse direito se refira à matéria de sua competência. Cumpre, nesse momento, verificar quem são
essas pessoas.

A constituição, por meio do parágrafo único do art. 70, estabelece o dever de prestar contas. O art. 71,
inciso II, concedeu competência para o TCU julgar as contas dos responsáveis por recursos federais. Assim,
para essas pessoas, o TCU poderá dizer o direito, no que se refere ao julgamento das contas. O art. 5º da
LOTCU trata a matéria da seguinte forma:

Art. 5º A jurisdição do Tribunal abrange:


I – qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou
administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome
desta, assuma obrigações de natureza pecuniária;

Já na CF de 1988, no art. 71, inciso II, temos que:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de Contas da União, ao qual compete:
(...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo
Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público;

Como o Tribunal tem competência para julgar as contas das pessoas destacadas no inciso II do art. 71
da CF, sobre essas pessoas o TCU também possui jurisdição, ou seja, também pode dizer o direito. Com
efeitoPor conseguinte, os dirigentes das empresas públicas e sociedades de economia mista, bem como os
responsáveis por quaisquer órgãos ou entidades da Administração Pública federal estão sob a jurisdição do
TCU. Uma vez que os conselhos de profissão são considerados autarquias especiais, esses também estão na
jurisdição do TCU.

4
Pela inteligência desses dois dispositivos, tem-se que o Tribunal pode dizer o direito para todos aqueles que
gerenciem, guardem, arrecadem, utilizem e administrem recursos públicos. Assim sendo, as organizações
sociais, que recebem recursos públicos para a sua administração, também se encontram na jurisdição do
Tribunal de Contas da União.

Vejamos o dispositivo da LOTCU que detalha a abrangência da jurisdição do TCU, em rol não exaustivo.
Cabe destacar que a jurisdição do TCU tem sede constitucional e outras leis também podem adicionar
novas atribuições, desde que compatíveis com a Constituição Federal:

Art. 5° A jurisdição do Tribunal abrange:


I - qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1° desta Lei, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária;
II - aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário;
III - os dirigentes ou liquidantes das empresas encampadas ou sob intervenção ou que de qualquer
modo venham a integrar, provisória ou permanentemente, o patrimônio da União ou de outra
entidade pública federal;
IV - os responsáveis pelas contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a
União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo.
V - os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam
contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social;
VI - todos aqueles que lhe devam prestar contas ou cujos atos estejam sujeitos à sua fiscalização por
expressa disposição de Lei;
VII - os responsáveis pela aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio,
acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
VIII - os sucessores dos administradores e responsáveis a que se refere este artigo, até o limite do
valor do patrimônio transferido, nos termos do inciso XLV do art. 5° da Constituição Federal;
IX - os representantes da União ou do Poder Público na Assembléia Geral das empresas estatais e
sociedades anônimas de cujo capital a União ou o Poder Público participem, solidariamente, com
os membros dos Conselhos Fiscal e de Administração, pela prática de atos de gestão ruinosa ou
liberalidade à custa das respectivas sociedades.

Agora vamos analisar com mais detalhes as pessoas que podem ser responsabilizadas perante o TCU.

1.2. PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA, PÚBLICA OU PRIVADA, QUE UTILIZE,


ARRECADE, GUARDE, GERENCIE OU ADMINISTRE RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS

Embora o inciso I do art. 5º da LOTCU mencione apenas “pessoa física, órgão ou entidade”, o certo é que
a Constituição Federal, art. 70, parágrafo único, sofreu alteração pela Emenda Constitucional nº 19, de
1998, que assentou expressamente a responsabilização da pessoa jurídica, como podemos constatar na
comparação entre a versão original e a redação alterada:

5
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou entidade pública que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda,
ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação original)
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Portanto, a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998 não há mais dúvida de que a pessoa jurídica que
lida com recurso público federal pode ser responsabilizada perante o TCU.

Tanto é assim que o Tribunal, por meio do Acórdão 321/2019-P, de relatoria da Ministra Ana Arraes,
reconheceu a competência do TCU de julgar as contas de pessoas físicas e jurídicas, conforme pode ser
verificado pela leitura do sumário ora reproduzido:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA COM O OBJETIVO DE DIRIMIR


DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS A RESPEITO DA COMPETÊNCIA DO TCU PARA JULGAR
CONTAS DE TERCEIROS PARTICULARES QUE CAUSEM DANO AO ERÁRIO. FIXAÇÃO DE
ENTENDIMENTO SOBRE O ASSUNTO. Compete ao TCU, de acordo com as disposições dos artigos
70, parágrafo único, e 71, inciso II, da Constituição de 1988 c/c os artigos 5º, inciso II, 16, § 2º, e 19
da Lei 8.443/1992 e o artigo 209, § 6º, do Regimento Interno, julgar as contas de pessoa física ou
jurídica de direito privado que causarem dano ao erário, independentemente da coparticipação
de servidor, empregado ou agente público, desde que as ações do particular contrárias ao interesse
público derivem de ato ou contrato administrativo sujeitos ao Controle Externo. (grifo acrescido)

1.3. AGENTES PÚBLICOS DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA

O inciso II do art. 71 estabelece que que o TCU possui competência para “julgar as contas dos administradores
e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas
as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal.”

Uma questão recorrente sobre esses agentes é saber se o dever de prestar contas é pessoal ou é do órgão
ou da entidade a que o gestor está vinculado. Frequentemente, o gestor faltoso alega que cabe ao órgão/
entidade prestar contas, e não a ele como pessoa física, pois o recurso federal transferido fora recebido e
aplicado pelo órgão/entidade.

De fato, na transferência voluntária, por exemplo, um ministério transfere recursos para um munícipio
por meio de um convênio ou contrato de repasse.

O ajuste é celebrado entre duas pessoas jurídicas: a União e o respectivo município. Note que a prefeitura é
apenas um órgão do ente federativo, de modo que o ajuste é celebrado com o ente federativo, e não com a
prefeitura.

Nessa hipótese, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o dever de prestar contas é da pessoa física
responsável por bens e valores públicos, e não da entidade, independente ser a pessoa física agente público
ou não (MS 21.644, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, DJ 08/11/96). Além disso, a jurisprudência do

6
TCU é pacífica no sentido de que o dever de prestar contas é pessoal, isto é, da pessoa física que geriu os
recursos repassados. Assim, pouco importa que o instrumento de repasse tenha sido firmado entre duas
pessoas jurídicas. Vejam alguns exemplos:

• No Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, o prefeito é responsável pela omissão na prestação
de contas e pelo ressarcimento dos recursos, mesmo quando os recursos são transferidos diretamente
às escolas (Acórdão 8933/2017. Segunda Câmara. Ministra Ana Arraes.

• Na aplicação dos recursos do Fundo Partidário, a responsabilidade pelas irregularidades ou pela omissão
no dever de prestar contas recai pessoalmente sobre os gestores à época da ocorrência dos fatos, e não
sobre o diretório de partido (Acórdão 2705/2017. Segunda Câmara. Ministro Marcos Bemquerer).

• Em processo de Contas do Governo, decidiu o TCU que a eventual comunicação para o exercício do
contraditório para fins de responsabilização deve ser encaminhada diretamente ao titular do Poder
Executivo, e não para a Advocacia-Geral da União, tendo em vista que o dever de prestar contas é da
pessoa física (Acórdão 1497/2016. Plenário. Ministro José Múcio Monteiro).

Saliente-se que, na hipótese de a pessoa jurídica de direito privado receber e gerir recursos públicos (uma
ONG, por exemplo), a pessoa jurídica também tem o dever de prestar contas, como veremos mais adiante.

Nesse aspecto, é importante ressaltar que o dever de prestar contas não se esgota na pessoa física que
geriu os recursos, de modo que as pessoas jurídicas envolvidas também podem ter suas contas julgadas
pelo Tribunal de contas. Trataremos dessa situação mais adiante.

Outra situação que precisa ficar esclarecida diz respeito à distinção da responsabilidade entre o gestor do
convênio e a empresa contratada, porque, diante da inexecução parcial do objeto do convênio, o gestor
pessoalmente responde pelo total dos recursos por ele geridos, enquanto a empresa contratada, por outro
lado, somente deve ressarcir ao erário o montante correspondente ao valor recebido e não executado,
tendo em vista que a contratada não tem a responsabilidade de assegurar o cumprimento dos objetivos do
convênio, mas de realizar a obra (Acórdão 346/2017. Primeira Câmara. Ministro Augusto Sherman).

1.4. O AGENTE PARTICULAR (PESSOA FÍSICA) E A EMPRESA CONTRATADA

É incontestável que o particular, na qualidade de solidário do agente público, poderá ser responsabilizado
pelo Tribunal de contas, por ter de algum modo concorrido para o cometimento do dano apurado, conforme
a previsão da alínea “b” do §2 º do art. 16 da LOTCU:

§ 2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas,
fixará a responsabilidade solidária:

a) do agente público que praticou o ato irregular, e

b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo
haja concorrido para o cometimento do dano apurado.

7
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

A condição prevista na alínea “b” do §2 º do art. 16 da LOTCU se traduz na exigência de solidariedade do


agente particular com o agente público, a fim de que o agente particular possa ser responsabilizado pelo
Tribunal de contas.

Este entendimento está consolidado na antiga Súmula TCU 187, abaixo reproduzida:

• SÚMULA TCU 187: Sem prejuízo da adoção, pelas autoridades ou pelos órgãos competentes, nas instâncias,
próprias e distintas, das medidas administrativas, civis e penais cabíveis, dispensa-se, a juízo do Tribunal
de Contas, a tomada de contas especial, quando houver dano ou prejuízo financeiro ou patrimonial,
causado por pessoa estranha ao serviço público e sem conluio com servidor da Administração Direta ou
Indireta e de Fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, e, ainda, de qualquer outra entidade
que gerencie recursos públicos, independentemente de sua natureza jurídica ou do nível quantitativo de
participação no capital social. (Plenário. Ministro Octávio Gallotti. Ata 80/1982.)

Mas a jurisprudência do TCU sofreu uma reviravolta marcante em 2013, passando a permitir que seja
atribuído débito unicamente à empresa contratada, sem exigir a solidariedade com o gestor público, na
linha do entendimento inaugurado mediante o Acórdão 946/2013, Plenário, da relatoria do Ministro
Benjamin Zymler.

Saiba mais - Confira a íntegra do Acórdão

Embora o acórdão paradigmático tenha se referido a empresa contratada, as razões de decidir aplicam-se a
qualquer agente particular que tenha lesado o erário sem a coparticipação de agentes públicos.

Na esteira inaugurada pelo Acórdão 946/2013, outras deliberações da Corte consolidaram o novo
entendimento, delimitando as especificidades e as nuances da responsabilização sem coparticipação do
agente público, abrangendo também outras situações não abordadas no mencionado acórdão. Exemplo
disso é o caso da indisponibilidade de bens do particular, da responsabilização do particular beneficiário de
aposentadoria do INSS e de pessoa física que tenha atuado exclusivamente como funcionário da empresa
contratada pela Administração Pública. Vejam o teor desses outros acórdãos:

• É possível o TCU condenar em débito apenas a contratada como responsável pelo dano ao erário, sem a
responsabilização solidária de agente público, com fundamento no art. 71, inciso II, da Constituição Federal,
c/c o art. 5º, inciso II, da Lei 8.443/1992. Acórdão 1546/2017. Plenário. Ministro José Múcio Monteiro.

• O agente particular que tenha dado causa a dano ao erário está sujeito à jurisdição do TCU,
independentemente de ter atuado em conjunto com agente da Administração Pública, conforme o art.
71, inciso II, da Constituição Federal. Cabe ao Tribunal delimitar as situações em que os particulares
estão sujeitos a sua jurisdição. Acórdão 2505/2016. Plenário. Ministro Augusto Sherman.

• A medida cautelar de indisponibilidade de bens (art. 44, § 2º, da Lei 8.443/1992) pode alcançar tanto
os agentes públicos quanto os terceiros particulares responsáveis pelo ressarcimento dos danos em
apuração. Acórdão 2428/2016. Plenário. Ministro Benjamin Zymler.

8
• É possível julgar as contas de particular beneficiário de aposentadoria do INSS que atuou com dolo
para a obtenção fraudulenta do benefício, pois estão submetidos ao julgamento do TCU todos aqueles
que derem causa a irregularidade de que resulte dano ao erário, inclusive entes privados que recebam
ou se beneficiem de recursos públicos (arts. 70 e 71, inciso II, da Constituição Federal, c/c arts. 5º, inciso
II, e 16, § 2º, da Lei 8.443/1992). Acórdão 638/2017. Plenário. Ministro Aroldo Cedraz.

• Pessoa física que tenha atuado exclusivamente como funcionário da empresa contratada pela
Administração Pública pode ser condenado por dano ao erário no âmbito do TCU, sendo necessário,
para tanto, a presença dos seguintes pressupostos: a) ação ou omissão do agente; b) a relação de
causalidade entre a ação do responsável e o dano causado; c) dolo ou culpa grave do empregado.
(Acórdão 1637/2016. Plenário. Ministro Benjamin Zymler.

A pessoa física que tenha atuado exclusivamente como funcionário da empresa contratada pela
Administração Pública, e sem conluio com o agente público, conforme o entendimento expressado no voto
condutor do Acórdão 1637/2016 – Plenário, rel. BENJAMIN ZYMLER, pode ser condenada a ressarcir o
prejuízo causado aos cofres públicos. Para tanto, devem estar presentes os seguintes pressupostos:

a) ação ou omissão do empregado;


b) relação de causalidade entre a ação do responsável e o dano causado;
c) presença de dolo ou culpa grave do empregado.

Saiba mais - Confira o excerto do voto na parte que trata do assunto

Convém esclarecer que o terceiro particular (pessoa física ou jurídica) que apenas recebe pagamento da
Administração pela prestação de serviços ou fornecimento de bens contratados não tem a obrigação de
prestar contas dos valores recebidos, conforme o seguinte enunciado:

O terceiro que recebe pagamento da Administração pela prestação de serviços ou fornecimento de


bens não tem o dever de prestar contas dos valores recebidos, pois não é, nessa condição, gestor de
recursos ou bens públicos. Acórdão 1085/2015. Plenário. Ministro BENJAMIN ZYMLER

Entretanto, se o particular contratado para prestar serviços em troca de contraprestação financeira deu
causa à irregularidade da qual resultou dano ao erário, o entendimento majoritário é no sentido de caber
o julgamento das suas contas, conforme expresso no Acórdão 1785/2017 (Plenário. Ministro José Mucio
Monteiro) cujo trecho encontra-se transcrito abaixo:

“16. Com as devidas vênias, dissinto das ponderações do Ministério Público no que se refere ao
julgamento das contas de terceiros que não tenham atuado como gestores dos recursos públicos.
Filio-me à corrente majoritária que defende o julgamento das contas de todos aqueles que derem
causa à irregularidade da qual resulte dano ao erário. São nessa linha, entre outros, os Acórdãos
295/2016 – Plenário (Relator Ministro Bruno Dantas), 8650/2013 – 1ª Câmara (Relator Ministro
Benjamin Zymler), 2545/2013 – Plenário (Relator Ministro José Múcio Monteiro) e 2248/2013 –
Plenário (Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti).”

9
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

Importante rememorar que eventual dúvida em relação a esse tema foi esclarecida por ocasião da apreciação
do incidente de uniformização de jurisprudência com o objetivo de dirimir divergência de entendimentos
a respeito da competência do TCU para julgar contas de terceiros particulares que causem dano ao erário,
objeto do Acórdão 321/2019 (Plenário. Ministra Ana Arraes).

1.5. A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO QUE CELEBRA CONVÊNIOS OU


OUTROS INSTRUMENTOS CONGÊNERES COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Nesse tópico, iremos estudar a responsabilização de pessoas jurídicas de direito privado que celebram
convênios ou outros ajustes similares com a Administração Pública. Em geral, esses ajustes são celebrados
por Organizações Não Governamentais – ONGs.

Por meio do Acórdão 2763/2011-Plenário, de relatoria do Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti,


o TCU uniformizou sua jurisprudência, consignando que, “na hipótese em que a pessoa jurídica de direito
privado e seus administradores derem causa a dano ao erário na execução de avença celebrada com o poder
público federal com vistas à realização de uma finalidade pública, incide sobre ambos a responsabilidade
solidária pelo dano”. Esse entendimento consta, também, na Súmula TCU 286:

A pessoa jurídica de direito privado destinatária de transferências voluntárias de recursos federais


feitas com vistas à consecução de uma finalidade pública responde solidariamente com seus
administradores pelos danos causados ao erário na aplicação desses recursos. (Acórdão 2386/2014.
Plenário. Ministro Benjamin Zymler)

Em seu voto, o relator do já mencionado Acórdão 2763/2011 destaca que a pessoa jurídica de direito privado,
ao celebrar convênio ou outro ajuste similar com a Administração Pública, assume o papel de gestora
pública naquele ato e, em consequência, está sujeita ao cumprimento da obrigação pessoal de prestar contas
ao poder público, nos termos do artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal.

Saiba mais - Excerto do voto do relator que traz a fundamentação de sua tese

Resumindo, a pessoa jurídica de direito privado equipara-se ao gestor público quando celebra convênio,
ou outros instrumentos congêneres, com poder público e recebe recursos para realizar uma finalidade
pública. Na hipótese de malversação dos recursos públicos recebidos, a pessoa jurídica de direito privado
responde solidariamente com seus administradores perante o Tribunal de contas.

1.6. SÍNTESE

Nessa aula, tivemos a oportunidade de estudar a jurisdição do Tribunal de Contas da União e começar a
reconhecer para quem o TCU pode dizer o direito.

Aprendemos que o Tribunal, ao apreciar incidente de uniformização de jurisprudência, considerou que,


consoante o disposto no art. 70, parágrafo único, e 71, inciso II, da Constituição de 1988 c/c os artigos 5º, inciso

10
II, 16, § 2º, e 19 da Lei 8.443/1992 e o artigo 209, § 6º, do Regimento Interno, possui competência para julgar
as contas de pessoa física ou jurídica de direito privado que causarem dano ao erário, independentemente
da coparticipação de servidor, empregado ou agente público, desde que as ações do particular contrárias ao
interesse público derivem de ato ou contrato administrativo sujeitos ao Controle Externo.

Vimos que tanto o STF como o TCU possuem julgados no sentido de que o dever de prestar contas é da pessoa
física responsável por bens e valores públicos e não da entidade, independente de a pessoa física ser agente
público ou não. O dever de prestar contas é pessoal, isto é, da pessoa física que geriu os recursos repassados.
Assim, pouco importa que o instrumento de repasse tenha sido firmado entre duas pessoas jurídicas.

Em relação à condenação em débito, foi visto que, a partir do Acórdão 946/2013-Plenário, o TCU passou a
entender que não é necessária a solidariedade com algum gestor público para se atingir um particular.

Por fim, aprendemos, também, que o Tribunal consagrou, por meio da Súmula 286, o entendimento de que
a pessoa jurídica de direito privado destinatária de transferências voluntárias de recursos federais feitas
com vistas à consecução de uma finalidade pública responde solidariamente com seus administradores
pelos danos causados ao erário na aplicação desses recursos.

1.7. BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 231.644. Plenário. Ministro Néri da Silveira.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 321/2019. Plenário. Ministra Ana Arraes.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1546/2017. Plenário. Ministro José Múcio Monteiro.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2505/2016. Plenário. Ministro Augusto Sherman.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2428/2016. Plenário. Ministro Benjamin Zymler.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 638/2017. Plenário. Ministro Aroldo Cedraz.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1637/2016. Plenário. Ministro Benjamin Zymler.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1085/2015. Plenário. Ministro Benjamin Zymler.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1785/2015. Plenário. Ministro José Múcio Monteiro.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2763/2011. Plenário. Ministro Augusto Sherman.

. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2386. Plenário. Ministro Benjamin Zymler.

. Tribunal de Contas da União. Súmula 187/1982.

. Tribunal de Contas da União. Súmula 286/2014.

11
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

12
SAIBA MAIS – CONFIRA A ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO

IV Da possibilidade de condenação em débito de pessoa jurídica privada por danos


cometidos ao erário sem a imputação de solidariedade com agentes da Administração
Pública

42. Nesse ponto, volto à situação consignada no item 33 do presente voto, em que, diante dos
elementos carreados aos autos, concluí que remanescia como responsável pelo débito indicado no
subitem 9.3.1 e no subitem 9.3.2, quanto à parcela decorrente do contrato 001/1993, apenas a empresa
[omissis], pessoa jurídica não vinculada à Administração.

43. Acerca do assunto, trago à baila a comunicação que fiz na Sessão Plenária de 28/11/2012, na qual
expus estudo a respeito da possibilidade de condenação em débito de pessoa jurídica privada por
danos cometidos ao erário sem a imputação de solidariedade com agentes da Administração Pública.

44. O art. 70 da Constituição Federal assim dispõe em seu parágrafo único:

‘Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.’

45. A primeira parte do inciso II do art. 71 da Constituição Federal atribui ao Tribunal de Contas da
União a competência de:

‘II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo
poder público federal, (...) ’

46. Esses dois dispositivos constitucionais estão fortemente entrelaçados. O primeiro disciplina o
princípio constitucional da prestação de contas e estabelece aqueles que devem prestá-las. O segundo
estabelece a jurisdição do Tribunal de Contas da União sobre a matéria.

47. Da análise dos limites subjetivos fixados por essas disposições, verifica-se que o dever de prestar
contas e a jurisdição do TCU sobre os responsáveis envolve tanto os agentes públicos quanto os
privados. Para o surgimento do dever de prestar contas basta que a pessoa esteja na condição de
responsável pela administração de dinheiros, bens e valores públicos, a qual é atribuída a todos
aqueles que arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiros, bens e valores públicos.

48. A segunda parte do inciso II do art. 71 da Constituição Federal, por sua vez, atribui ao TCU a
competência para julgar:

‘II - (...) as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte
prejuízo ao erário público’. (segunda parte)

13
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

49 Nesse caso, exige-se um evento específico para ocorrer a necessidade da apresentação das
contas, qual seja, a existência de eventual prejuízo ao patrimônio público. Por isso, trata-se de contas
especiais ou não ordinárias.

50. Também aqui, a norma não teve o seu alcance subjetivo delimitado. Ou seja, estaria alcançado
pela obrigação de prestar contas todo aquele cuja conduta provoque prejuízo ao erário. Não há,
pois, nesse dispositivo constitucional a distinção entre agentes públicos ou particulares e tampouco
há a exigência de que esses últimos estejam exercendo múnus público ou que tenham agido em
solidariedade com qualquer agente público.

51. Poder-se-ia, é bem verdade, interpretar que essa segunda parte do mencionado inciso II abrange
somente aqueles tratados na primeira parte desse inciso, ou seja, os responsáveis por bens públicos.
Entretanto, caso se adote tal entendimento, chegar-se-ia à conclusão de que a segunda parte do
dispositivo em exame encerraria uma regra inútil, ou seja, uma redundância, porquanto os agentes
públicos ou particulares a exercer múnus público, independentemente de terem cometido dano ou
não, já são alcançados pelo dever de prestar contas e estão sujeitos à jurisdição do TCU. Trata-se,
portanto, de ilação a ser rechaçada.

52. Outra interpretação possível seria a de que a norma somente se refere aos agentes públicos
não responsáveis originariamente pela gestão de bens. Ou seja, aqueles servidores públicos ou
agentes particulares no exercício de múnus público, não incluídos no rol de responsáveis das contas
ordinárias. Por não estarem abrangidos na primeira parte do inciso II do art. 71 da Constituição
Federal, seria razoável supor que a segunda parte do inciso II a eles se refira.

53. Entretanto, entender desse modo significa impor uma restrição não autorizada ao significado da
norma constitucional. Ora, se a parte final do dispositivo em exame preconiza que compete ao TCU
julgar as contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte
prejuízo ao erário público, não há qualquer razão jurídica para delimitar o sentido da expressão
‘daqueles’ aos agentes administrativos ou particulares no exercício de múnus público.

54. Desse modo, é assente que a parte final do inciso II do art. 71 da Constituição Federal alcança os
agentes particulares, os quais terão de prestar contas e serão sujeitos à jurisdição do TCU, caso deem
causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

55. Dito isso, passo a examinar a necessidade de se configurar a responsabilidade solidária de agente
público para a responsabilização de empresa privada causadora de dano aos cofres da União.

56. Acerca do assunto, sou da opinião que a leitura do art. 71, inciso II, da Constituição Federal não
permite a conclusão de que a condenação em débito daquele que der causa a prejuízo ao erário público
somente ocorrerá se houve a condenação solidária de agente público. Nesse sentido, entendo que o
dispositivo definiu dois espaços de atuação distintos da competência do Tribunal de julgar contas: a
dos agentes que exercem múnus público e de qualquer pessoa que deu causa a um dano ao erário.

57. Quando se estabeleceu a jurisdição do TCU sobre aqueles que deram causa à perda, extravio
ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, o dispositivo não se exigiu a
participação de agentes administrativos nos atos jurídicos praticados por tais sujeitos. Tal exegese
somente seria possível se a aludida norma tivesse, por exemplo, essa redação:

14
‘Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de Contas da União, ao qual compete:

(...) II. julgar as contas:

a) dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração
direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público
federal;

b) daqueles que, em conjunto com os administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens
e valores públicos da administração direta e indireta, derem causa a perda, extravio ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;’

58. Todavia, entendo que extrair da aludida norma o sentido expresso na redação acima implica
desconstruir o significado do texto constitucional, o que é absolutamente vedado ao intérprete. Nesse
sentido, cito Dimitri Dimoulis: ‘ (...) ao intérprete não é dado escolher significados que não estejam
abarcados pela moldura da norma. Interpretar não pode significar violentar a norma.’ (Positivismo
Jurídico. São Paulo: Método, 2006, p. 220) .59. Dessa forma, deve-se tomar o sentido etimológico
como limite da atividade interpretativa, a qual não pode superado, a ponto de destruir a própria
norma a ser interpretada. Ou, como diz Konrad Hesse, ‘o texto da norma é o limite insuperável da
atividade interpretativa.’ (Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha,
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003, p. 71) .

60. Com isso, concluo que o agente particular que tenha dado causa a um dano ao erário está sujeito
à jurisdição desta Corte de Contas, independentemente de ter atuado em conjunto com agente da
Administração Pública, conforme o a art. 71, inciso II, da Constituição Federal.

61. Isso não implica, por óbvio, que o TCU deve atuar em todas as situações em uma pessoa jurídica
privada tenha causado um prejuízo aos cofres públicos. Nesse ponto, repito as considerações que fiz
na Sessão Plenária de 28/11/2012:

‘Por outro lado, considerando que são finitas as possibilidades de atuação dos órgãos de controle,
não é razoável supor que todas as situações em que ocorra débito ao erário devam ser submetidas
ao Tribunal de Contas da União. No mesmo sentido, não deveria ocorrer a obrigação de o Tribunal
apreciar as contas de todos aqueles que gerirem bens públicos.

Assim, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, são legítimas as ações que buscam
focar a atuação de controle nas situações mais relevantes. Maximiza-se assim a proteção ao erário e
atende-se ao princípio constitucional da eficiência, que em poucas palavras pode ser traduzido como
a busca do melhor resultado possível ante os recursos disponíveis

Atuando nessa linha, no exercício de seu poder regulamentar, o TCU costuma estabelecer que
devem a ele ser submetidos somente processos que cuidam de potenciais danos ao erário superiores
a determinado valor. Ou então, sem afastá-los de sua jurisdição, estipula-se que determinados
administradores de bens públicos não precisam apresentar contas ao Tribunal ordinariamente (v.g.
os responsáveis pela administração dos conselhos de fiscalização profissional) .

15
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

Ainda com base nesse entendimento, pode haver situações em que a natureza da operação que
provocou o dano ao erário não justifica ou não recomenda a atuação do TCU. Tome-se, por exemplo,
a inadimplência de particulares em operações de crédito regularmente realizadas - ou seja, de acordo
com os normativos pertinentes - por bancos oficiais. Primeiro, porque a quantidade dessas operações
demandaria significativos esforços dos órgãos de controle, alijando-os da atuação em situações mais
relevantes. Segundo, porque se trata de operações tipicamente privadas de acordo com o regime
jurídico próprio das empresas privadas a que estão submetidas as instituições financeiras oficias (art.
173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal).

Veja-se que esses exemplos de balizamento da atuação do TCU não levaram em conta o fato de o
agente ser público ou particular e tampouco se deve haver conluio entre esses agentes para que
o particular se submeta à jurisdição do TCU. Verificou-se, sim, se a situação, de acordo com os
princípios constitucionais pertinentes, justifica ou não a atuação do órgão de controle externo.

Esse entendimento, a meu ver, é o que deve ser seguido pelas normas infraconstitucionais para que
elas sejam compatíveis com o texto constitucional.

Nesse contexto de que a atuação do TCU não deve ser definida simplesmente em razão da natureza
jurídica dos agentes envolvidos, foi editado o Enunciado nº 187 da Súmula de Jurisprudência do TCU:

‘sem prejuízo da adoção, pelas autoridades ou pelos órgãos competentes, nas instâncias próprias e
distintas, das medidas administrativas, civis e penais cabíveis, dispensa-se, a juízo do Tribunal de
Contas, a tomada de contas especial, quando houver dano ou prejuízo financeiro ou patrimonial,
causado por pessoa estranha ao serviço público e sem conluio com servidor da Administração Direta
ou Indireta e de Fundação instituída ou mantida pelo Poder Público, e, ainda, de qualquer outra
entidade que gerencie recursos públicos, independentemente de sua natureza jurídica ou do nível
quantitativo de participação no capital social.’ (grifei)

Ou seja, cabe ao TCU, de acordo com os princípios constitucionais que regem a matéria e com os
parâmetros legais pertinentes, delimitar as situações em que os particulares estão sujeitos a sua
jurisdição.’

62. Por fim, trato da suposta incompatibilidade do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.443/1992 com o os arts.
70, parágrafo único, e 71, inciso II, da Constituição Federal. Acerca do assunto, reproduzo mais uma
vez as considerações por mim esposadas na supramencionada comunicação ao Plenário.

63. À primeira vista, o § 2º do art. 16 da Lei nº 8.443/1992 limitaria o campo de atuação do TCU.

64 Entretanto, o campo de jurisdição do Tribunal de Contas da União foi definido no Capítulo II do


Título I da Lei 8.443/1992, sendo que o seu art. 5º dispõe que:

‘Art. 5º A jurisdição do Tribunal abrange:

I - qualquer pessoa física, órgão ou entidade a que se refere o inciso I do art. 1º desta lei, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta assuma obrigações de natureza pecuniária;

II - aqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário;’

16
65. Ou seja, a norma legal estabelece parâmetros praticamente idênticos aos da Constituição Federal
no que diz respeito à fixação da jurisdição do TCU. Assim, sob esse aspecto, não haveria que se falar
em incompatibilidade entre a norma legal e a norma constitucional.

66. Por outro lado, observo que o entendimento no sentido de que é necessária a participação de
agente público atuando para a responsabilização de terceiros está baseada no § 2º do art. 16 da Lei nº
8.443/1992, constante da Seção II do Capítulo I do Título II da Lei nº 8.443/1992, que versa acerca dos
procedimentos a serem adotados nas tomadas ou prestações de contas.

67. Desta feita, ao se adotar uma apreciação sistemática da Lei nº 8.443/1992, parece-me que o seu
art. 16, § 2º, não trata da definição do campo jurisdicional do TCU, mas de meros procedimentos a
serem adotados nos processos de contas.

68. Em nome do princípio da conservação das normas e da presunção de constitucionalidade das leis,
cabe, na hipótese de haver mais de uma interpretação possível, acatar aquela que preserva a validade
da norma. Assim, tendo em conta as ponderações efetuadas acerca do disposto nos arts. 70 e 71,
inciso II, da Constituição Federal, entendo ser possível extrair do comando legal supramencionado o
mesmo sentido dos referidos artigos da Constituição.

69. Em suma, pode-se concluir que, quando a norma determina que cabe ao TCU ‘fixar
responsabilidade solidária do agente público que praticou o ato irregular e do terceiro que, como
contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para
o cometimento do dano apurado’, ela está a firmar o procedimento a ser adotado quando houver
fundamentos jurídicos para a fixação da solidariedade. Não se vislumbra aqui, repito, qualquer
limitação ao alcance de jurisdição, no sentido de que terceiros que tenham lesado o erário sem a
coparticipação de agentes públicos não se submetem a esta Corte de Contas.

70 Como consequência dessas considerações, não haveria que se falar em incompatibilidade entre
esse dispositivo legal e a Constituição Federal.

Voltar

17
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

SAIBA MAIS - CONFIRA O EXCERTO DO VOTO NA PARTE QUE TRATA DO ASSUNTO

24. Contudo, deixo expressamente ressalvado que a jurisdição do TCU pode alcançar terceiros
que hajam concorrido para o cometimento de dano aos cofres públicos, sejam agentes públicos ou
privados, conforme se extrai dos seguintes dispositivos da Lei Maior:

“Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e


das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de Contas da União, ao qual compete: (...)

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo
Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público;

(...)

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as


sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano
causado ao erário;

25. A interpretação da redação dos arts. 70, parágrafo único, 71, incisos II, VIII, deixa evidente o
poder-dever de o Tribunal de Contas da União julgar, não só as contas dos administradores, mas de
qualquer pessoa física ou jurídica que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que
resulte prejuízo ao erário público.

26. Reputo também ser absolutamente prescindível a demonstração de locupletamento pessoal para
responsabilização desses agentes ou, ainda, que seja necessária a desconsideração da personalidade
jurídica das sociedades empresárias beneficiárias para alcançar a responsabilidade pessoal dos seus
sócios ou empregados.

27. A responsabilização dos empregados das pessoas jurídicas que de alguma forma concorreram ou
se beneficiaram dos atos que resultaram em dano ao erário é de natureza extracontratual, também
chamada de aquiliana, visto que resulta da prática de um ato ilícito ou da violação direta de uma
norma legal ou de um dever fundado em algum princípio geral de direito.

28. Entretanto, para que uma pessoa física, atuando unicamente como funcionário da empresa
contratada pela Administração, seja condenado ao ressarcimento do prejuízo aos cofres públicos,
alguns pressupostos têm que estar presentes, tais como a existência de alguma ação ou omissão do

18
agente, a relação de causalidade entre a ação do responsável e o dano causado e a presença de dolo
ou culpa grave do empregado.

29. Nos processos de controle externo, como esta Corte não dispõe dos típicos poderes de investigação
judicial, além de não examinar os atos interna corporis das empresas contratadas pela Administração
Pública, não é comum haver responsabilização dos seus empregados. Mas há relevantes precedentes
do TCU em que tal tese foi aplicada, em particular no caso de fraudes que foram comprovadas nos
autos, perpetradas por pessoas físicas com vínculo trabalhista com as empresas contratadas, a
exemplo do Acórdão 835/2015-Plenário, de relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues.

30. Retornando ao exame da conduta do Sr. [empregado da contratada], verifico que não houve uma
atuação grosseira ou com elevada falta de cautela, ou seja, um descuido injustificável ao homem
normal, visto que o responsável apenas utilizou nos novos orçamentos os preços que já estavam
contratados e que não seria exigível que tivesse ciência dos apontamentos realizados pelo TCU, pois
não era servidor do Dnit.

Voltar

19
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

SAIBA MAIS - EXCERTO DO VOTO DO RELATOR QUE


TRAZ A FUNDAMENTAÇÃO DE SUA TESE:

2. Nos termos do art. 91 do Regimento Interno deste Tribunal, trago à apreciação deste Colegiado
Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelo representante do Ministério Público
junto ao TCU, Procurador-Geral Lucas Rocha Furtado, por meio do qual aponta divergências
encontradas no exame de processos em que os danos ao erário têm origem nas transferências
voluntárias de recursos federais a entidades privadas, com vistas à consecução de uma finalidade
pública, relativamente à indicação das pessoas que devem responder por aqueles danos e das pessoas
que, em razão daqueles mesmos danos, devem ter suas contas julgadas por este Tribunal.

3. O representante do Parquet especializado levantou a questão em decorrência das controvérsias


verificadas nas deliberações deste Tribunal no que se refere à responsabilização dos agentes pelo dano
apurado. O Procurador-Geral apontou três grupos de deliberações encontradas na jurisprudência
desta Casa a respeito do tema: i) julgamento de contas somente dos gestores da entidade privada,
com a imputação do débito aos gestores; ii) julgamento de contas somente da entidade privada, com
a imputação de débito à entidade; e iii) julgamento de contas da entidade e dos gestores da entidade,
com a imputação do débito à entidade e/ou aos gestores da entidade.

4. Nos presentes autos, em que se analisa processo de Tomada de Contas Especial instaurada em
virtude da não comprovação da regular aplicação dos recursos repassados pelo Incra mediante
convênio para a Associação [omissis], consoante determinado pelo Acórdão 2.261/2005-Plenário, a
proposta da unidade técnica, corroborada pelo representante do Ministério Público, é no sentido de
que a responsabilidade deve ser atribuída solidariamente à entidade e ao seu dirigente.

5. O então Ministro Relator, Benjamin Zymler, ao apreciar os argumentos trazidos pelo Ministério
Público, considerou oportuna a instauração do presente Incidente de Uniformização de
Jurisprudência em razão das divergências apontadas. Assim, levou a matéria ao Plenário desta Casa,
em 11/8/2010, que prolatou o Acórdão 1.974/2010-TCU, com a seguinte deliberação:

“9.1 - preliminarmente à análise do mérito desta tomada de contas especial, instaurar incidente de
uniformização de jurisprudência, com fulcro no artigo 91 do Regimento Interno desta Corte;

9.2 - determinar à Secretaria das Sessões a constituição de volume anexo aos presentes autos, do qual
constarão as manifestações relativas ao mérito da uniformização de jurisprudência sob comento;

9.3 - dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, aos responsáveis;

9.4 - determinar o retorno destes autos ao Gabinete do Ministro-Relator para a adoção das
providências a seu cargo.”

6. Em seu voto, o Ministro Benjamin Zymler deixou assente que o Ministério Público junto ao TCU
havia se posicionado no sentido de que as razões e as conclusões apresentadas quando da proposta de
instauração do presente Incidente de Uniformização de Jurisprudência poderiam ser consideradas
como resposta à audiência a que se refere o § 1º do art. 91 do Regimento Interno.

7. O Ministério Público, cujo parecer está reproduzido no relatório que antecede este voto, após
proceder a um minucioso exame jurídico do assunto, à luz das normas que regem a matéria,

20
especialmente, os artigos 70 e 71 da Constituição Federal/88, conclui, sucintamente, que “na hipótese
em que a pessoa jurídica de direito privado e seus administradores derem causa a dano ao erário na
execução de avença celebrada com o poder público federal com vistas à realização de uma finalidade
pública, incide sobre eles a responsabilidade solidária pelo dano ao Erário”.

8. De início, manifesto minha concordância com as conclusões do MP/TCU, cujos fundamentos


incorporo ao meu voto, com a finalidade de apresentar a este Tribunal a uniformização do
entendimento quanto à identificação das pessoas que devem responder por danos ao erário ocorridos
na aplicação de transferências voluntárias de recursos federais a entidades privadas, com vistas à
consecução de uma finalidade pública.

9. A tese sustentada pelo representante do MP/TCU é de que a pessoa jurídica de direito privado, ao
celebrar avença com o poder público federal, objetivando alcançar uma finalidade pública, assume o
papel de gestora pública naquele ato e, em consequência, está sujeita ao cumprimento da obrigação
pessoal de prestar contas ao poder público, nos termos do artigo 70, parágrafo único, da Constituição
Federal; por conseguinte, passa a recair, também, sobre essa entidade a presunção iuris tantum
de ter dado causa a dano ao erário eventualmente ocorrido na execução da avença, por imposição
constitucional, com base no disposto no mesmo art. 70, parágrafo único, combinado com a parte
final do inciso II do art. 71 da Carta Magna.

10. Da mesma forma, a responsabilidade da pessoa física, na condição de dirigente de entidades privadas,
encontra amparo nos citados artigos 70 e 71 da CF, visto que, de fato, a pessoa natural é quem determina
a destinação a ser dada aos recursos públicos transferidos; por isso, a obrigação de comprovar a boa e
regular aplicação dos recursos recai sobre ela também, por meio de prestação de contas.

11. Acrescento que, por comungar desse entendimento, deixei consignado no voto condutor do
Acórdão 2025/2011-Plenário, exarado nos autos do TC-004.163/2010-9, que, para fins de citação,
fosse incluída a responsabilidade solidária da pessoa jurídica de direito privado e da pessoa física
responsável pela gestão dos recursos, pois, em que pese o Tribunal não ter, naquela oportunidade,
decidido este Incidente de Uniformização de Jurisprudência, como se tratava, naquele momento, de
adoção de medidas preliminares, eventual uniformização do entendimento jurisprudencial poderia
ser levada em consideração na ocasião do julgamento das tomadas de contas especiais instauradas.

12. Em consulta à jurisprudência desta Casa, minha assessoria constatou que as últimas
deliberações desta Corte em processos de tomada de contas especial relacionados a esse tema,
após a instauração do presente Incidente de Uniformização de Jurisprudência, têm adotado o
posicionamento ora defendido pelo Ministério Público e acolhido por este Relator, de imputação da
responsabilidade solidária à entidade privada recebedora dos recursos oriundos de convênios com os
responsáveis pela gestão desses recursos, como pode ser visto nos Acórdãos 5.678/2010-2ª Câmara,
2.811/2010-Plenário, 4.780/2011-1ª Câmara, 5.259/2011-1ª Câmara.

13. No que tange à responsabilização da pessoa física, na figura de representante da entidade


privada, entendo não aplicável, neste caso, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da
entidade, prevista no art. 50, do Código Civil Brasileiro, tendo em vista que o dever de prestar contas
do administrador desses recursos é inerente à atribuição que lhe foi dada, qual seja, o gerenciamento
de recursos federais repassados para o alcance de finalidade pública, e essa responsabilidade já
tem previsão constitucional, conforme defendido pelo representante do Ministério Público em seu
parecer.

21
ISC // EAD // DESENVOLVENDO A MATRIZ DE RESPONSABILIZAÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

14. Desse modo, quanto à identificação das pessoas que devem responder por danos ao erário
ocorridos na aplicação de transferências voluntárias de recursos federais a entidades privadas, com
vistas à consecução de uma finalidade pública, proponho que este Tribunal firme o entendimento de
que, na hipótese em que a pessoa jurídica de direito privado e seus administradores derem causa a
dano ao erário na execução de avença celebrada com o poder público federal com vistas à realização
de uma finalidade pública, incide sobre ambos a responsabilidade solidária pelo dano ao Erário.

Voltar

22

Você também pode gostar