Você está na página 1de 2292

Trilogia homens da lei - LIVRO 3.

1
Copyright © 2021 – Mari
Sillva

Capa: Murillo Magalhães


Revisão: Vitória Villanova
Diagramação: DC Diagramações –
Denilia Carneiro

1ª Edição
Esta é uma obra de ficção. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova
Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e / ou a


reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios ─ tangível ou
intangível ─ sem o consentimento escrito
da autora.

A violação dos direitos autorais é crime


estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
EPÍLOGO
OUTROS LIVROS DA SÉRIE
SOBRE A AUTORA
AGRADECIMENTOS
Antes

Solange

Como um animal indo para o

abate.
Foi assim que eu me senti naquele

maldito dia.

Mas eu estava longe de ser a

vítima. O primeiro passo foi meu.

Direto para o inferno.

E não teria mais volta, não depois

de vender a minha alma para o diabo

espanhol de pele bronzeada e olhos


verdes perigosamente atraentes,

perigosamente. A verdadeira face do

diabo que destruiria a minha vida. Para

sempre.

— Não chora, Solange. Você só

precisa sobreviver a essa noite e todos

os seus problemas serão resolvidos,

quer dizer, pelo menos o maior deles. —


Respiro fundo, mas não importa quanto

ar eu puxe, parece não ser o suficiente.

— Você vem ou não, moça? — A

madame vestida com um casaco

pomposo de pele marrom me olha de

baixo para cima, ela deve ter matado

pelo menos vinte animais para suprir o

seu luxo descabido.


A antipática segura a porta do

elevador com as pontas dos dedos

exibindo as unhas falsas gigantes

pintadas de azul-turquesa, tão falsas

quanto o loiro amarelado do seu cabelo

preso em um rabo de cavalo torto. Pelo

nariz empinado e a colônia adocicada

estilo europeu, deve ser moradora desse


prédio, que fica em um dos bairros mais

nobres do Rio de Janeiro. Como diz

minha mãe, gente rica a gente conhece

pelo cheiro.

— Eu vou. — Engulo as lágrimas

antes de entrar no elevador e aperto o

botão do décimo andar, com as pernas

trêmulas.
Não lembro de ter ficado tão

nervosa assim antes, logo eu, que

pensava ser a mulher mais confiante do

mundo e me orgulhava bastante disso.

— Que porra você está fazendo da

sua vida, Solange? — sussurro ao

encarar o meu reflexo na parede de aço

espelhada, estou toda maquiada


parecendo uma stripper prestes a entrar

no palco e fazer sua melhor performance

erótica e enlouquecer a todos os

homens.

Não que eu tenha algo contra a

quem trabalha como stripper ou

profissional do sexo, mas

definitivamente não nasci para isso,


estou a ponto de colocar os bofes para

fora a cada segundo que passa. Contudo,

devo admitir que estou bonita, mas de

um jeito meio que “chamativo”. Deixei

as tranças escuras soltas jogadas para o

lado em um penteado que presumi que

me deixaria sexy, se é que isso é

possível. Tenho o meu próprio estilo e


está longe de ser atraente. Venho de uma

família riponga, então dá para ter uma

leve ideia de como me visto. Por isso,

tive que pegar emprestada cada peça

que estou usando hoje, a única coisa no

meu corpo que me pertence é o conjunto

de joias de três peças envolto por

pedras vermelhas que comprei em uma


barraquinha de bijuterias qualquer.

Optei por usar um sobretudo preto

na altura das minhas coxas com um cinto

que marca bem a minha cintura; uso

tamanho G com muito orgulho.Apesar de

odiar salto alto devido aos vários quilos

extras para alguém da minha estatura,

ridículos um metro e cinquenta e sete e


meio de altura. Preciso parecer

poderosa, então peguei emprestado —

sem que minha mãe saiba — o par de

scarpin vermelho de salto agulha que ela

comprou para ir ao aniversário de

cinquenta anos da tia Valquíria e nunca

mais usou.

Também não sou nenhuma mestre


em maquiagem, mas a que fiz hoje dá

para o gasto. Escolhi uma combinação

perfeita de sombra em tons fortes sobre

os olhos e batom marcante, tudo no tom

certo para chamar a atenção mesmo. O

que é uma grande ironia, já que por toda

a minha vida tentei passar despercebida

para o máximo possível de pessoas.


Esse era o meu escudo para me proteger

do mundo.

“Corra para bem longe, Solange!

Ainda dá tempo de desistir dessa

loucura.”

Grita a minha consciência quando


o elevador para no décimo andar, meu

coração bate cada vez mais forte.

“Mas se você não fizer isso, sabe

o que vai acontecer depois, não é? E

será tudo por culpa do seu orgulho,

então vá em frente e faça o que tem que

fazer e pegue a porra do dinheiro que


precisa.”

Manda a razão como uma bela

bofetada no meu rosto, e de fato não vim

até aqui para desistir agora. No entanto,

a cada vez que tento impulsionar a perna

para fora do elevador, algo me puxa de

volta para dentro.


— Você vai sair ou não,

queridinha? Não tenho a noite toda — a

madame de nariz em pé ousa ser irônica

comigo novamente.

— Se está com tanta pressa,

querida, por que não usa as escadas e

para de encher o meu saco? — Olho feio

na sua direção e a vaca não se atreve a


falar mais nada, bom para ela.

Tomo o meu tempo, e só depois de

sorver uma longa lufada de ar consigo

saltar para fora da caixa de aço.

Conforme caminho pelo corredor, sinto

como se a cada passo que dou para

frente, deixasse algo de bom em mim

para trás, arrancado da minha alma um


por um.

Meu amor-próprio.

A minha força.

A fé nas pessoas.

Em mim.

— Eu nunca vou me perdoar por


isso. — Engulo o choro ao apertar a

campainha, agora não tem mais volta.

Em menos de um segundo ouço o

click da porta sendo destrancada, meu

coração perde uma batida. Sou

envolvida por uma rajada de colônia

masculina traiçoeira, daquela que seduz

e faz a gente ir para outra dimensão sem


sair do lugar; como eu disse

anteriormente, gente rica se conhece

pelo cheiro. Prendo a respiração antes

de encarar o peito largo à minha frente,

a camisa branca envolve os músculos

bem definidos quase que de maneira

triunfal. Elevo o olhar para o rosto que

parece ter sido esculpido à mão de tão


perfeito, desafio qualquer pessoa a olhar

para ele durante horas e encontrar algum

defeito. E não estou exagerando. Essa

obra-prima é composta por um queixo

quadrado com um leve furinho no meio,

nariz empinado sobre os lábios grossos

e olhos verde-escuros estonteantes,

nesse momento quentes como as


labaredas do inferno.

Alejandro Gonzales é o tipo de

homem que não passa despercebido

aonde chega, mesmo com o lugar cheio

de homens tão bonitos quanto ele,

porque esse latino não tem só beleza e

dinheiro. Vai muito além disso. Tudo

nele exala masculinidade e charme,


desde a forma sedutora como sorri e

anda. O sotaque espanhol ao falar é a

cereja do bolo que atrai o sexo oposto

feito abelha no mel.

Advogado Alejandro Gonzales é

uma verdadeira força da natureza,

mesmo que eu o odeie com todas as

minhas forças não dá para negar isso.


Sou orgulhosa, não cega.

— No faz ideia do prazer que

tenho em te ver novamente, Cariño. —

O desgraçado me recebe com um sorriso

vitorioso, queria poder tirá-lo do seu

rosto com as minhas próprias unhas.

Todo sedutor, desliza os dedos

pelos fios sedosos castanho-escuros do


seu cabelo na altura do queixo, caído

sobre o rosto de maneira hipnotizante.

Mantenho a face dura, enquanto seu

olhar predador inicia uma análise

minuciosa que começa nos meus

scarpins vermelhos e sobe lentamente,

dando uma atenção mais que especial

para o meu decote generoso; quando


nossos olhares enfim se cruzam,

estremeço.

Sua expressão não poderia ser

mais profana, tenho certeza de que vai

aproveitar cada centavo que investiu

nessa noite.

Porra! Eu estou perdida.

Na verdade, já estava perdida


desde o momento que enviei aquela

mensagem amaldiçoada e fiz ao

Gonzales uma proposta indecente…

Estava bêbada e desesperada, sem ter

para onde correr. No fundo, me agarrei à

esperança de que Gonzales, mesmo

sendo podre de rico, jamais aceitaria

esse absurdo. Alguém como ele pode


dormir com a mulher que quiser e de

graça. Mulheres muito mais lindas e

magras do que eu. E mesmo se não

pudesse, porra!

QUE MALUCO PAGARIA DEZ

MIL REAIS PARA FAZER SEXO COM

ALGUÉM?

Parece algo tão absurdo, no


entanto, a explicação disso tudo é muito

simples. Alguém com o ego do tamanho

do Gonzales, que nunca levou um não

antes de me conhecer, é capaz de fazer

qualquer coisa para conseguir o que

quer. Por isso não me deu paz desde o

dia que nos conhecemos naquela boate

dos infernos. Dia que ficou marcado na


história quando:

“O grande Advogado Alejandro

Gonzales, conhecido como o pegador

do Rio de Janeiro por dormir só com as

mulheres mais desejadas da elite

carioca, foi rejeitado pela primeira vez

por uma preta gorda toda tatuada,


tranças no cabelo e roupas estranhas,

muito dona de si e empoderada.”

Por isso Gonzales ficou tão

obcecado em me levar para a cama, mas

eu me mantive firme em todas as suas

investidas. Gente como ele não me atrai

em nada. Sou muito exigente no quesito


beleza, ela tem que refletir para o mundo

de dentro para fora. Seja nas atitudes,

palavras, olhar ou até mesmo um

simples toque. Fui criada pelos meus

pais para ser uma mulher de princípios e

valores, meu pai sempre dizia que não

existe vitória sem dor e muito trabalho

duro. Só que ele se esqueceu de me


ensinar que às vezes o destino é um

verdadeiro filho da puta e nos leva a um

caminho sem volta, onde temos que

escolher entre o fim de tudo ou vender a

alma para o diabo. Bem, acho que a

minha escolha está bem clara.

Vamos lá, Solange, força!

Tento pensar positivo. Já que


estou na merda, vou seguir em frente.

Contudo, antes que eu possa

cumprimentar Gonzales e estabilizar um

clima menos tenso diante da situação, o

homem se joga em cima de mim vindo

em direção à minha boca. Ainda bem

que sou mais ágil do que ele e viro o

rosto para o lado rapidamente.


Meu estômago embrulha só de

imaginá-lo me tocando, só espero

conseguir sair viva depois dessa noite

de horrores.

— Esqueci de dizer, espanhol,

mas é sem beijos — esclareço com a

voz firme, se ele não aceitar viro as

costas e vou embora já estou sendo


humilhada essa noite o suficiente.

Por favor, não aceite!

Torço.

Mas, para a minha surpresa,

Gonzales concorda com um aceno de

cabeça sem pestanejar. Acho que, apesar

de ser um cretino sem coração, entende

que uma coisa é deixar que use o meu


corpo por dinheiro, mas envolver beijos

vai para o lado pessoal. E eu não quero

isso de forma nenhuma, não suporto esse

homem. Depois dessa noite, a única

coisa que quero entre mim e ele, se

possível, é um oceano inteiro.

— Entre, por favor, Sol —

convida educado.
Passo por ele com a postura

ereta, cabeça erguida e o peito cheio de

falsa confiança. Estou toda arrepiada até

o último fio de cabelo, minha espinha

está tomada por um calafrio. Mas me

policio e tento prestar atenção em

qualquer coisa à minha volta que não

seja ele. Discreta, observo a luxuosa


toca onde essa raposa astuta se esconde.

Móveis escuros e modernos, sofás de

couro preto e uma televisão gigante

fixada na parede, que parece uma tela de

cinema. No fundo da sala, um minibar

repleto de garrafas de bebidas caras, o

balcão é uma espécie de aquário com os

tipos de peixes mais inusitados que já


vi.

Uma decoração bem rústica só

em tons frios, igual ao seu estado de

espírito. Diz a lenda que a aparência do

nosso lar revela quem somos de

verdade. Por isso o meu quarto vive uma

bagunça.

— Será que podemos acabar


logo com isso, Gonzales? — Já que

estou aqui, vou direto ao ponto, abro o

sobretudo e mostro a lingerie branca de

renda com direito a meias de cinta-liga.

— Onde é o seu quarto? — Olho para

todos os lados, nervosa.

Gonzales engole em seco, por

um momento penso que vai ter um troço,


nem pisca os olhos.

— Tu no quieres beber alguma

coisa antes, Cariño, talvez um vinho? —

Sua voz sai entrecortada, não sei por

que está insistindo nessas formalidades.

— Isso não é um encontro,

Gonzales, é um negócio. E pare de me

chamar de Cariño, porque não gosto.


Muito menos de Sol. Para você, apenas

Solange está ótimo! — perco a

paciência, sei bem quem esse homem é.

Não precisa ficar bancando o

simpático comigo porque não vai colar.

— O quarto fica à primeira porta

no corredor à direita, Solange. — Faz

sinal para que eu vá na frente.


Me sinto incomodada em saber

que ele está vindo atrás de mim, posso

sentir os seus olhos tendo uma boa visão

do “produto descartável” que comprou

caríssimo e está prestes a consumir para

depois jogar fora como todas as outras.

Assim que entramos no quarto

dele, Gonzales vira para trancar a porta.


O que não faz nenhum sentido, já que

estamos apenas ele e eu nesse

apartamento gigantesco. Acho que está

com medo de que eu desista do acordo e

fuja dele. Para deixar bem claro que

isso não vai acontecer de maneira

nenhuma, tiro o sobretudo e deixo cair

em volta dos meus pés. Quando


Gonzales se vira e me encontra apenas

com o conjunto de lingerie transparente

de três peças, seus olhos incendeiam

sobre cada pedacinho do meu corpo.

Sorvo uma longa lufada de ar

sentindo-me intimidada, não pelo meu

visível excesso de peso porque isso

nunca me preocupou, sempre me achei


perfeita como sou. Mesmo tendo que

conviver com o bullying desde criança e

depois de adulta sendo taxada por essa

nossa sociedade suja como uma

fracassada, sem nenhuma perspectiva de

um futuro digno.O que me incomoda de

fato nesse momento é o olhar predador

do Gonzales, como se, em um mundo


com 7,2 bilhões de pessoas, eu fosse

única.

Para ele.

— Dios mío, eres una Diosa —

rosna em espanhol e parte para cima de

mim como um animal faminto indo para

cima da sua pobre presa já dominada,

apenas à espera de ser devorada porque


não há mais nenhuma chance de

salvação ou para onde correr.

O que resta apenas é fechar os

olhos e aceitar o seu trágico destino.

Por impulso, Gonzales esquece

do nosso recente acordo e me puxa pela

cintura para um beijo ardente. Me

esquivo novamente e isso o enfurece;


sem nenhuma gentileza desce os lábios

para o meu pescoço em um rastro de

chupões e mordidas. Ágil feito um gato,

conduz as duas mãos para as minhas

costas e desabotoa o sutiã. Na primeira

tentativa a peça vai ao chão, e a calcinha

vai embora em um puxão.

Tudo isso enquanto me empurra


até a cama e me joga sobre ela de

maneira rude. Sem quebrar o contato

visual, tira toda a roupa em questão de

segundos e cobre o meu corpo com o

seu; desapareço debaixo da montanha de

músculos, eu não conseguiria fugir agora

nem se quisesse.

Se vestido Gonzales é lindo, nu é


algo surreal. Musculoso, mas sem

exagero. Ombros largos e braços fortes,

um peitoral liso composto por montes

bem definidos, que minha nossa! Deus

estava mesmo inspirado quando criou

esse homem. E isso nem é a melhor

parte, porque o amigão lá de baixo…

Puta que pariu!


Grito mentalmente sem tirar os

olhos do pau do cara, duro e curvado

para cima, pronto para entrar em campo

e liderar a partida de um jogo onde

apenas ele sairá vencedor. Já vi muitos

paus grandes, mas o de Gonzales é algo

fora do normal. Nem sabia que era

possível ser tão grande e grosso assim.


A ponta rosadinha e as veias pulsantes

em toda a extensão, simplesmente

divino. Até nessa parte o filho da mãe

consegue ser perfeito. Outra mulher no

meu lugar teria gozado apenas olhando

para esse monumento. Contudo, não

sinto absolutamente nada além de puro

desprezo, talvez pelo fato de ele ser o


homem mais filho da puta que cruzou o

meu caminho ou por me sentir atraída

apenas por deuses de ébano com a pele

cor de chocolate.

Além de ser a primeira vez — e

única, espero — que durmo com alguém

por dinheiro, também é a primeira que

terei relações sexuais com um homem


branco. Na minha família todas as

mulheres são casadas com homens da

mesma etnia que a nossa, não por

racismo, mas por questão de gosto

mesmo.

Gonzales se aproxima da cama

com o sorrisinho cafajeste de sempre,

esfregando a sua virilidade na minha


cara.Sabe que é lindo e não perde a

oportunidade de se vangloriar por conta

disso. Mal pisco e ele já está em cima

de mim, suas mãos por todo o meu

corpo. Distribui beijos pelo meu

pescoço, morde e chupa o lóbulo da

minha orelha, provocando-me. Quer me

ver perder a compostura.


— Cacete! — xingo bem

baixinho, audível apenas para mim.

Estou tão furiosa com toda essa

situação que permaneço imóvel,

totalmente indiferente ao Gonzales. Não

porque estou enojada com o seu toque

como pensei que ficaria, mas sim porque

o meu corpo está respondendo — de


maneira involuntária — às investidas

desse desgraçado. Mas eu prefiro

morrer do que dar o braço a torcer e ele

percebe isso porque começa a jogar

baixo de verdade, esse espanhol é

mestre nisso.

Mordo o lábio e tento pensar só

em coisas broxantes, porque ceder às


investidas do Gonzales é assumir de vez

que ele ganhou essa guerra. Mas, porra!

Sou forte, mas não de ferro. A essa

altura estou pegando fogo. E ele não

para com a tortura, passa a língua pela

auréola do bico do meu peito antes de

sugar violentamente, primeiro um e

depois o outro. Esfrego as pernas uma


na outra para conter a pressão no meio

delas. Gonzales realmente sabe o que

está fazendo, sabe onde e como tocar

uma mulher para deixá-la subindo as

paredes.

Por favor, Solange, seja forte!

Não se entregue.

Não para ele.


Só morder os lábios não é o

suficiente, então trinco os dentes para

conter um gemido. Ele me toca com a

língua, minha libido aflora e fico toda

molhada no mesmo instante. O cretino

me chupa, morde, lambe e me fode com

os dois dedos pelo que pareceram horas

e mais horas para mim. Vez ou outra


olha para cima com aquela expressão de

deboche que é só dele, suas pupilas

estão dilatadas e um pouco mais

escuras. Me fita atento à espera de um

gemido da minha parte, mas não solto

um grunhido sequer.

Porém, eu até posso controlar a

minha boca, mas o meu corpo já é outra


história bem diferente. Gozo

desenfreadamente na boca do Gonzales,

aperto o lençol da cama com tanta força

que os meus dedos chegam a ficar sem

cor. Não consigo soltar o ar preso nos

meus pulmões, estou toda mole sobre a

cama. Olho para baixo naqueles

segundos em que tudo parece estar em


câmera lenta e vejo o espanhol

lambendo todo o meu líquido. Cada

gota. Seus olhos brilham como duas

pedras de esmeralda valiosas entre os

fios negros do cabelo colado no seu

rosto suado, sexy pra cacete. Sou

obrigada a jogar a cabeça para trás e

apertar os meus seios para conter um


rugido preso na minha garganta, sinto

como se o meu corpo fervesse. Mas não

solto nenhum ruído.

Minha relutância deixa Gonzales

ainda mais puto; em um movimento

rápido, pega uma camisinha no bolso da

sua calça jogada no chão e coloca

apressado, com uma técnica de quem fez


aquilo um milhão de vezes todos os

dias. Impaciente, entra em mim em um

golpe só, indo o mais fundo que

consegue. Ele esperava que com isso eu

iria soltar pelo menos algum tipo de

som, mesmo que fosse um palavrão ou

xingamento. Mas não sai nada,

permaneço muda.
Apesar de eu estar gritando por

dentro querendo mais. Muito mais.

Prefiro morrer a pedir. Quebro o contato

visual antes que os meus olhos me

entreguem, porém, como se ele lesse o

meu pensamento ou por puro ódio, o

espanhol estoca uma vez atrás da outra

feito um louco.
— Maldición! Como você é

apertadinha. Mal consigo entrar por

completo — rosna em meio às

investidas.

Depois disso, Gonzalez perde o

controle, esquecendo todo o seu orgulho

em relação à minha falta de

demonstração de prazer e focaliza


apenas no seu. Me fode com força, mas

não deixa de me provocar sempre que

possível.

— Com essa marra toda, yo

esperava uma mujer mais fogosa na

cama. — Puxa o canto da boca em um

sorriso desafiador enquanto me come

com força.
Segura o meu queixo e me obriga

a encará-lo. Para mim é a mesma coisa

que abrir as portas do inferno, agora

Gonzales tocou no meu ponto fraco.

Odeio ser desafiada.

— É mesmo, espanhol? Pois eu

estou farta de você. Mas se quer ver o

meu lado quente, vou te dar uma surra de


boceta que nunca mais vai esquecer! —

Tomo a rédeas da situação; já que estou

agindo feito uma prostituta, vou fazer o

trabalho bem-feito.

Minha avó sempre dizia que, se

quiser dar uma lição em um homem, é só

dar uma surra de boceta nele que nunca

vai esquecer na vida. É isso que farei


com esse espanhol hoje. Em um giro

preciso, troco as posições e fico por

cima do Gonzales, pegando-o de

surpresa. Deve estar acostumado a

comandar na hora do sexo. Não dou a

ele muito tempo para pensar, sento no

seu pau com gosto e começo a cavalgar

em uma velocidade eloquente. Mexo o


corpo de um jeito que o obriga a

permanecer imóvel, ele me olha feio e

tenta segurar na minha cintura e voltar

ao controle.

Mas eu o impeço apoiando

minha mão aberta sobre o seu peito

sarado; se olhar para seu corpo é bom,

tocar é melhor ainda. Inclino sobre o


Gonzales e aproximo nossas bocas como

se fosse beijá-lo, mas, faltando

centímetros para nossos lábios se

tocarem, me afasto. Sua expressão de

frustração é hilária. Como castigo, ele

dá o troco e ergue o tronco e abocanha o

meu peito sugando-o de um jeito

doloroso e ao mesmo tempo tão gostoso


que dessa vez não contenho um gemido.

Ele sorri egocêntrico, esse desgraçado

sempre consegue mesmo o que quer.

E eu o odeio por isso!

Nas horas seguintes, faço o meu

papel de garota de programa por uma

noite, com tudo o que tem direito. Menos

beijos. Foi só sexo sujo. De fato, dei


uma surra de boceta das caprichadas, as

mulherzinhas que o espanhol costuma

comer vão ter que suar para fazer

melhor. Sempre fui uma boa pessoa, mas

nunca fui santa e sei melhor do que

ninguém agradar um macho na cama,

sem tabu ou frescuras.

Perco a conta de quantas vezes


transamos nas horas seguintes, só

paramos quando o sol nasceu atrás das

montanhas. O peso do Gonzales cai

sobre mim, entregando os pontos, sua

respiração é ofegante. Eu suguei toda a

sua energia, ele fez o mesmo comigo.

Estou toda melada de suor e porra, mole

de exaustão e o coração partido.


Nunca me senti tão suja e imoral

antes, só quero ir embora daqui o mais

rápido possível.

— Eu já fiz a minha parte do

negócio, agora é a sua vez — digo em

um fio de voz, em uma tentativa

fracassada de esconder a vontade de

chorar.
— Nada mais que justo, Cariño.

Você merece cada centavo desse

dinheiro. Soube me servir muito bem

essa noite — se vangloria, fazendo com

que eu me sinta ainda mais suja.

Não aguento e solto um soluço

baixinho, não tenho certeza se o

Gonzales escutou. Contudo, ele sai de


cima de mim no mesmo instante e deita

ao meu lado na cama e, em total

silêncio, estica o braço sobre mim. Me

encolho toda com medo de que me toque

novamente. Só que, ao invés disso, pega

o talão de cheques e uma caneta sobre o

aparador e assina o valor de dez mil

reais e me entrega.
Pego e me levanto praticamente

correndo, visto as minhas roupas o mais

rápido que consigo e, antes de ir

embora, encaro pela última vez o

homem mais arrogante e desprezível que

existe no mundo e digo:

— Adeus, Gonzales. Espero que

trate a próxima melhor do que a mim. —


Meus lábios tremem.

Acabo soltando outro soluço,

desta vez um pouco mais alto. Por toda a

minha vida pensei que o dinheiro não

pudesse comprar tudo, mas Alejandro

Gonzales apareceu vindo das

profundezas do inferno e me provou que

estou errada. No final, gente como ele,


de um jeito ou de outro, consegue tudo o

que deseja. Usa e abusa, depois joga

fora quando a próxima vítima aparece e

assim continua esse ciclo doentio.

Como não quero desmoronar na

frente desse monstro, me viro e vou

embora a passos largos e raivosos. Não

vou dar ao Gonzales o gostinho de me


ver chorar. Mas é só passar pela porta

que o choro vem com força, havia

segurado desde que entrei no

apartamento ontem. Sinto tanto nojo de

mim que duvido muito que algum dia eu

vá me perdoar por isso, muito menos

Deus.

E eu não estou falando só pelo


fato de ter vendido o meu corpo para o

diabo.

Mas sim por ter gostado.


Um ano depois, quando

tudo voltou ao normal.

Dentro do possível, é

claro…

Agora…
Solange

Termino de organizar os lápis de

colorir e as folhas A4 sobre a minha

mesa. Se tem algo que prezo, é organizar

as minhas coisas antes que o sinal toque


para avisar que o intervalo terminou.

Mesmo sabendo que cinco minutos

depois estará tudo de pernas para o ar

novamente. Como faço todos os dias,

fico de pé na porta próxima à parede

com o cartaz que fiz com muito amor.

Nele tem o desenho de uma mão que

significa um cumprimento, o de coração


um abraço bem forte e o símbolo da

música que é uma dancinha engraçada e

bem divertida. Os meus alunos já sabem,

quando voltam do recreio montam uma

fila organizada e escolhem uma das três

figuras e, antes de entrarem na sala de

aula, eu dou o tipo de carinho que eles

estão precisando no momento.


Muitas crianças não recebem amor

em casa, então eu tive essa ideia para

que aqueles que não têm coragem de se

abrir possam receber carinho assim

mesmo. Sou professora há mais de

cincos anos e sempre fiz e faço de tudo

para que os meus alunos se sintam

amados o máximo possível desde o


instante que colocam o pé dentro desta

escola.

— Oiiii, tia Sol, hoje eu quero

dançar. — Sorri a Lia mostrando a

recém-janelinha do dente que caiu na

frente, ela correu muito para pegar o

posto de primeiro lugar da fila hoje e

está muito orgulhosa disso.


Lia é uma japonesinha linda de

olhos bem apertadinhos e o cabelo

comprido preto e liso com uma franja

reta ao meio da testa, parece essas

bonequinhas de desenhos orientais. A

mãe dela a veste como se fosse uma. O

vestido azul e rosa rodado com a saia

cheia de pregas e as botas brancas de


cano longo que está usando hoje é a

prova disso. Ela voltou do recreio com

a boca toda suja seja lá do que trouxe de

merenda de casa hoje, parece bolo de

chocolate com glacê colorido. No

entanto, também noto algo verde

grudado nos seus dentes, o que chutaria

como vestígios de brócolis. Uma


combinação interessante para a segunda

refeição do dia.

— Que legal, meu amor, ótima

escolha! Sabe o que fazer, não é? —

digo no mesmo tom de animação que o

dela.

Lia bate a mão sobre o símbolo da

música no cartaz, então ela e eu


começamos a fazer nossa dancinha

engraçada, balançando o corpo de um

lado para o outro. Ela gargalha e todos

da fila também. O bom dessa

brincadeira é que meus alunos se

divertem na vez deles e nas dos

coleguinhas. Depois que todos estão

dentro da sala, dou continuidade à aula e


tudo transcorre perfeitamente bem.

Quer dizer, bem até depois do

final da aula, quando estou arrumando

minhas coisas para ir embora e sou

chamada com urgência pelo professor

do quinto ano — o qual acho um crime

de tão lindo e cavalheiro —, o Roberto.

Ele é o tipo de homem que não se vê


muito por aí hoje em dia, agraciado pela

beleza e com muito conteúdo. É tão

inteligente que dá gosto de ouvi-lo

falando até de coxinhas de frango. Fora

aquela pele de chocolate provocante que

dá vontade de morder para saber se o

gosto é tão bom quanto a imagem

aparenta.
Preocupada, vou correndo ver o

que ele quer falar comigo de tão urgente,

ele é professor do meu irmão caçula

Rafael Louis, que é especial. Minha mãe

teve várias complicações durante a

gravidez dele, eu não tinha nem dez anos

na época, mas lembro perfeitamente de

cada detalhe. No dia do parto, enquanto


esperava na sala de espera com o meu

pai, lembro que ele intercalava entre

orar e chorar. Às vezes, fazia os dois ao

mesmo tempo.

Várias horas depois o médico

veio e conversou com o meu pai, disse

que teve muitas complicações durante a

cesariana e o meu irmão nasceu com


pouco oxigênio no cérebro. Isso

resultaria em uma capacidade mental

bem abaixo da média; por exemplo, já

era para ele ter terminado o ensino

médio há muito tempo, mas ainda está no

quinto ano porque sua capacidade de

aprendizagem é muito limitada. O fato

de ele ter sido diagnosticado com


autismo aos cinco anos deixou tudo mais

complicado, mas meus pais souberam

tirar de letra e o criaram muito bem.

— O que o meu irmão aprontou

dessa vez, Roberto? — Chego à porta

quase sem voz.

Professor Roberto está encostado

na sua mesa, com os braços cruzados


sobre o peito, elegante como sempre, de

camisa branca, calça preta e sapatos

sociais. Gosto de como as covinhas

brotam nas suas bochechas quando sorri.

Na verdade, gosto de tudo nele. Meu

irmão se encontra sentado em uma

cadeira próxima, balançando o corpo

para frente e para trás constantemente


com as mãos sobre os ouvidos.

No ano passado tive a sorte de

pegar a turma do Rafael para dar aula,

então podia ficar de olho nele. Notei que

só um coleguinha de classe, Maximilian,

filho do Juiz Thompson e da Yudiana,

interagia com o meu irmão dentro da

sala de aula e durante o intervalo. É um


menino incrível. Tanto que até convidou

o Rafa para ir em uma festa na sua casa,

eu só não esperava pelo reencontro

desagradável que teria com o Gonzales

lá assim que chegamos.Pelo que entendi,

é um grande amigo da família.

— Ei, Rafael Louis, como você

está, rapaz? — cumprimentou a mãe de


Max assim que nos viu chegando, e

com carinho tocou o ombro de Louis.

Yudiana sempre foi muito gentil

comigo e o meu irmão, eu já a conhecia

há um tempo atrás, quando dei uns

pegas no ex-chefe dela, Joe, dono da

boate LUXOS. Mas era apenas algo

casual, logo depois ele conheceu a mãe


da Yudi e acabou se apaixonando. Se

casaram e estão muito felizes.

— Estou péssimo. Não queria ter

vindo a essa festa. Queria ter ficado em

casa pintando meus quadros. Mas

minha irmã me obrigou, disse que é

bom que eu faça mais amigos legais

como o Max. Odeio lugares com muitas


pessoas. Festas têm barulho e pessoas

me tocando o tempo todo. — Tirou a

mão de Yudiana do seu ombro, depois

limpou o local sem olhar para ela em

nenhum momento.

Meu rosto queimou de vergonha.

— Me desculpe, Yudiana. Meu

irmão preza pela sinceridade até mais


do que devia. Já tentei ensinar bons

modos para esse menino, mas não

adianta. — Sorri sem graça.

De repente, ouvi a voz do homem

que eu pensei que nunca mais teria o

desprazer de colocar os meus olhos

novamente. Senti tudo o que havia

comido durante o dia revirar no meu


estômago.

— No pode ensinar para o seu

irmão algo que no tem, Sol. Talvez

possa ensiná-lo a ser interesseiro,

porque isso você sabe ser melhor que

ninguém, no é mesmo, Cariño? Adora

ganhar dinheiro fácil. Aliás, eu gostei

tanto do último trabalho que fez para


mim que quero marcar outro horário

contigo — as palavras saíram da boca

de Gonzales como puro veneno,

atravessando o meu peito com toda a

força do seu ódio.

Se ele soubesse o inferno que

tenho passado desde a vez que nos

vimos no seu apartamento de luxo,


tendo quematar um leão por dia para

sobreviver, sem saber como lidar com

toda essa dor, não teria me julgado

daquela forma cruel por ter vendido o

meu corpo.

— Eu acho que não foi uma boa

ideia ter vindo, Yudiana. Vou levar meu

irmão para casa. Ele acordou um


pouco agitado hoje e quando fica assim

só se acalma quando pinta um dos seus

quadros — disse o que me veio na

cabeça com um sorriso falso, foi a

primeira vez que passei por um

momento embaraçoso na frente da mãe

de um dos meus alunos.

Depois de ser mais uma vez


humilhada pela arrogância daquele

espanhol sem coração, fui embora com o

meu irmão que, com toda a sua

simplicidade, não fazia ideia do porquê

saímos da casa do seu amigo da escola

praticamente correndo.

Não voltei mais na casa da

Yudiana depois disso, tinha medo de ter


o azar de encontrar Gonzales por lá mais

uma vez, até porque depois que o Max

passou para o sexto ano, quase não tive

mais contato com ele e a sua família.

Como a diretora me trocou de turma e o

meu irmão repetiu o quinto ano mesmo

eu dando reforço em casa em todas as

matérias, o coitadinho ficou na mesma


sala sem o amigo e ainda teve que se

adaptar com um novo professor, até hoje

ele e o Roberto estão se adaptando ao

jeito um do outro.

— Veja com os seus próprios

olhos, Solange. — Roberto aponta para

a parede do fundo da sala, meu queixo

cai literalmente.
— Meu Deus! — é a única coisa

que consigo dizer, não importa quantas

vezes eu seja chamada devido a alguma

arte que o Rafael aprontou, ele sempre

consegue me surpreender.

— Eu só me virei por cinco

minutos para passar a matéria sobre a

origem do quadro da Monalisa. Quando


me virei quase caí para trás ao colocar

os meus olhos nisso. — Eleva um pouco

a voz, mas não chega a ser zangada.

Mas eu nem escuto direito, estou

chocada demais e não consigo parar de

olhar para a réplica perfeita do quadro

da Monalisa feita com caneta preta na

parede branca.
— Você gostou, irmã? — Rafael

pergunta inocente.

— Claro, meu amor, como tudo o

que você desenha. — Sorrio orgulhosa,

mas morta de vergonha ao mesmo

tempo.

A condição de autismo do meu

irmão é parecida com a do personagem


Shaun Murphy, da famosa série “The

Good Doctor”, a síndrome de Asperger,

que é considerada o grau mais leve entre

os tipos de autismo, três vezes mais

comum em meninos do que em meninas.

Pessoas nessa condição veem, ouvem e

sentem o mundo de forma diferente. No

caso do Rafael Louis, ele se comunica


com o mundo através dos seus desenhos.

Basta olhar apenas uma vez por alguns

segundos que ele consegue passar para o

papel com riqueza de detalhes, como

essa replica idêntica à de Monalisa,

para não dizer melhor que a original, e

não estou exagerando.

Mas nem tudo são flores, como


demonstra o ator da série The Good

Doctor, que atua com maestria no papel

de um jovem médico com a síndrome de

Asperger. Os portadores dessa patologia

têm comportamentos peculiares e

apresentam, com frequência,

preocupações obsessivas. Como por

exemplo, Rafael se senta no mesmo


lugar na mesa para comer todos os dias,

usa o mesmo copo, prato e talheres. Sua

capacidade de interagir com as outras

pessoas é zero, desde criança tem um

comportamento que caminha no sentido

de se distanciar das pessoas.

Sua forma de se vestir é

estranhamente alinhada e fora de moda,


tem o seu próprio gosto para roupas e

nem toca em uma peça que não seja em

tons neutros.

— Mil perdões por isso, Roberto,

já conversei com meu irmão um milhão

de vezes que não pode desenhar em

qualquer lugar que sinta vontade. —

Olho feio para o Rafael Louis.


— Mas, Sol, a mamãe disse que a

escola é o melhor lugar para inspirar as

outras pessoas com o nosso talento —

justifica o meu irmão olhando para o

nada, ele nunca olha nos olhos das

pessoas.

Também resiste a mudanças de

rotina, odeia lugares barulhentos e não


tem paciência com gente chata. Mas isso

de tolerância zero com pessoas sem

noção acho que puxou de mim, não tem

nada a ver com o autismo.

— Em casa a gente conversa,

Louis. Agora peça desculpas para o seu

professor e vem me ajudar a limpar a

parede — sou firme.


Contudo, arrasada por ter que

apagar essa obra de arte. Só que se a

entojada da diretora ver, é capaz de

suspender o meu irmão pela milésima

vez por desenhar em lugares

inapropriados da “minha escola”, como

ela enche a boca para dizer.

— Desculpa, professor Roberto.


Apesar de eu não ter feito absolutamente

nada de errado — me afronta sem

intenção e com muita relutância pega o

apagador sobre a mesa.

— Não precisa se desculpar,

Rafa, e de jeito nenhum vou deixar que

apague essa obra de arte. Na verdade,

caso sua irmã autorize, gostaria que


decorasse o resto da sala. — Arregalo

os olhos, ele não pode estar falando

sério.

Rafael não é muito de sorrir, mas

nesse momento está com uma expressão

de felicidade interna gigante.

— Não sei se é uma boa ideia,

Roberto. Acho que a diretora pode não


gostar muito disso — aviso.

A diretora deste colégio vive

pegando no meu pé e do meu irmão por

ele ter autismo e tenta colocar a culpa no

coitado por tudo o que acontece de

errado nessa entidade de ensino. Não

queria aceitar a matrícula dele aqui

porque nunca tiveram um aluno na sua


condição, mas ela teve que engolir

porque existe a lei nº 12.764, que

institui a Política Nacional de Proteção

dos Direitos da Pessoa com Transtorno

do Espectro Autista.

— Eu pensei que fosse o

professor Roberto que mandasse na sala

dele, não a bruxa da diretora Helena —


comenta com a sua sinceridade nua e

crua, doa a quem doer, esqueci de falar

que essa criatura sempre fala o que

pensa. Nos mínimos detalhes.

Minha mãe e eu já ficamos em

muita saia justa por conta disso, como

por exemplo quando estávamos no

casamento da prima Verônica. Quando


fomos cumprimentá-la e ao noivo depois

da cerimônia, meu irmão disse que o

vestido dela era horroroso, mas a

maquiagem conseguia ser ainda pior. O

que não era mentira de fato, mas ele

disse com uma naturalidade que nem

parecia uma crítica e sim apenas uma

constatação óbvia. Conclusão da


história, nós nem quisemos mais ficar

para a festa, de tanta vergonha.

— Boa, Rafa, é isso aí, quem

manda na minha sala sou eu. Deixa que

com a cobra da diretora me resolvo

depois. — Roberto ergue a mão para

bater na dele, mas o meu irmão

permanece olhando para o nada,


deixando-o no vácuo.

Se meu irmão não gosta de contato

visual, ele odeia o físico, ele nunca

abraçou meus pais ou a mim, quem dirá

terceiros.

— Então está tudo bem, meninos,

podemos ir para a casa agora, Rafael

Louis? Tenho muita coisa importante


para fazer hoje. — Cruzo os braços com

a sobrancelha erguida; apesar de tudo,

vou ter uma longa conversa com esse

garoto em casa.

Já sobrou até para todas as

páginas do meu TCC da faculdade de

pedagogia virarem local para desenhar,

eu estava em cima da data para entregar


e tive que fazer tudo de novo em tempo

recorde. Não gosto nem de lembrar

desse dia caótico, tive que tomar a

metade de uma cartela de calmantes para

não ter um colapso nervoso.

— Não tem não, Solange, você

disse ontem que ia tirar a tarde de hoje

só para comer tudo que tem na geladeira


e dormir. E não ia sair da cama nem se o

gostoso do professor Roberto te

chamasse para um encontro — comenta

Rafael, sem maldade, e minha cara vai

no chão.

— Rafael! — o advirto.

— O que, irmã? Você falou

mesmo. — Dá de ombros. —Podemos ir


agora? Temos que encontrar a mamãe,

vou te esperar no carro — deixa o seu

recado e sai andando na frente,

segurando firme na alça da mochila.

— Eu… eu não sei o que dizer,

Roberto, que vergonha, meu Deus! —

Cubro o rosto com as mãos balançando

a cabeça. Se tivesse um buraco no chão,


me escondia dentro dele.

— Bem, não precisa dizer nada,

Solange. A verdade é que já estou

querendo te chamar para sair faz tempo.

Hoje eu sei que não vai rolar porque vai

tirar a tarde para você, mas o que acha

do final de semana?— Me estonteia com

um sorriso lindo daqueles para seduzir


mesmo, os dentes brancos arredondados

chegam a brilhar igual aquelas

propagandas de creme dental.

Estou muito surpresa pelo Roberto

nunca ter demonstrado que queria me

chamar para sair, parece um homem

conservador. Vem sempre dar aula bem-

vestido, o cabelo cortado e a barba


feita. Todas as mulheres dessa escola,

entre casadas e solteiras, sonham em dar

para ele. Em outros tempos, eu mesma já

teria me jogado em cima dele e sentado

bem gostoso no seu pau.

Mas hoje são outros tempos…

— Eu te acho um pedaço de mau

caminho, Roberto. Mas não vai rolar.


Não estou com cabeça para encontros

agora. — Talvez nunca.

Completo em minha mente, porque

não tenho coragem de dizer em voz alta.

Faz tempo que não me sinto uma mulher

completa em vários sentidos.

— Eu não entendo, Solange, você

se sente atraída por mim e eu por você.


O problema é trabalharmos juntos?

— Não, Roberto, o problema sou

eu. E caso você não saiba, todas as

mulheres que trabalham nessa escola

lambem o chão que você pisa, é só

escolher, partir para o ataque e ser feliz.

— Me viro para ir embora.

— Mas nenhuma delas tem o seu


brilho, Solange Almeida, nunca conheci

nenhuma mulher com algo que chegasse

nem perto — declara e eu fico sem

fôlego.

Paro de andar já no vão da porta e

apoio a mão na tabua de madeira para

não ir ao chão toda derretida, não me

sinto à vontade de maneira íntima com


um homem desde que…

Prefiro não lembrar daquele dia.

— A minha família tem um bar

muito conhecido no Madureira, com

samba de qualidade e comida boa. Eu

canto para os clientes às terças, quintas

e sábados. Mas estou presente todas as

noites para ajudar a minha mãe. Vou te


enviar o endereço via WhatsApp, se

quiser aparece por lá, a primeira rodada

de cerveja é por minha conta — convido

sem pretensão.

Chega de inventar desculpas para

não me envolver com ninguém, se o

Roberto não me fizer voltar a confiar em

mim e enfrentar os traumas do passado,


nenhum outro fará. Ele é o cara certo

para mim, faz o meu tipo e ainda sabe

como me fazer sentir especial.


Gonzales

Tento abrir os olhos, mas yo no

consigo. Pela fresta da persiana que

cobre toda a extensão da parede de

vidro da minha luxuosa suíte, uma

cobertura no Leblon que acabei de


comprar, com vista de frente para o mar,

escapa um raio de luz insistente sobre o

meu rosto. Minha cabeça dói tanto que

parece que vai explodir. Desde que me

mudei para esse pequeno palácio, minha

rotina se resume a farra e sexo explícito.

No tinha mais condições de continuar

vivendo deprimido na minha antiga casa.


La habitam lembranças de uma única

noche que me marcou por toda uma

vida. Lembranças que nem essas três

mujeres nuas agarradas a mim na minha

cama, ou as garrafas de uísque que bebi

ontem, me fizeram esquecer.

Mas a impressão que tenho é que

no importa aonde yo vá ou quantas


vadias coma, as lembranças daquela

diaba tatuada no me deixarão em paz

nunca. Solange me enfeitiçou. Sexo

nunca foi tão bom como foi com ela. E

olha que já perdi a conta de quantas

mujeres comi nessa minha vida

mundana; sinceramente, no conseguiria

nem contar as que deitaram comigo


durante o último ano que passou.

Durante todo esse tempo yo pensei

por um milhão de vezes em ir atrás da

Sol e oferecer o dobro do que paguei

para tê-la na minha cama novamente,

mas sou orgulhoso demais para quebrar

a regra de no dormir com a mesma

mujer mais de uma vez. Ainda mais uma


oportunista como ela, que se fez de

difícil quando a conheci e por um minuto

até acreditei que fosse diferente, mas no

final deu o seu preço como todas as

outras.

— Dios mio! — resmungo

zangado com o toque do meu celular

sobre o móvel perto da cama no volume


mais alto.

Minha cabeça dói ainda mais, yo

passo o braço por cima da loira

siliconada e desligo na cara de quem

quer que seja. Volto a dormir, mas no

dura por muito tempo.

Menos de dez minutos depois levo

um susto com as cortinas sendo


escancaradas, trazendo muita claridade

para o cômodo, quase cegando-me.

Entre os raios de sol vejo o rosto da

latina mais linda e sangue quente que

conheço.

— Mas que pouca vergonha é

essa, Alejandro Gonzales? — Dona

Carmem leva as mãos na cintura e joga


para o lado o cabelo preto longo

ondulado, suas narinas estão infladas.

Mi madre é elegante e muito

jovem para a sua idade, e no é diferente

com mi padre. Antônio Gonzalez parece

um galã de novela mexicana, fazem um

casal lindo juntos. Quando meu irmão e

yo saímos com eles, as pessoas pensam


que somos irmãos e no pais e filhos.

— Buenos dias, madre! O que

queres tão cedo aqui? — Bocejo

preguiçosamente.

—Buenos dias coisa nenhuma,

Cabron! Já é boa tarde, tenho um recado

importante para você! — grita e a minha

cabeça lateja, mamá quando está


nervosa é mais perigosa do que uma

manada de touros bravos.

— Ok, madre, por favor, fala logo

e me deixe voltar a dormir. — Bocejo.

— Yo vou contar até cinco para

você sair dessa cama, Alejandro

Gonzales! — ameaça o furacão latino.

Nem me abalo. Viro para o outro


lado, lhe ofereço as costas e volto a

dormir. Mi madre no fala mais nada,

ouço o barulho dos seus saltos indo em

direção à saída do quarto. Fecho os

olhos certo de que ela desistiu de me

atormentar e foi embora, mais tarde ligo

para ela e peço desculpas. Contudo, a

mujer volta com uma jarra d’água fria e


joga sobre nós na cama.

Minhas acompanhantes acordam

zangadas, e com razão, o cabelo

chapado cheio de spray já era.

— Quem é essa maluca,

Gonzales? — resmunga a loira com uma

voz fina irritante, quase perdi o tesão

com os gritos agudos dela ontem, tive


que cobrir a sua boca enquanto metia

nela sem dó.

— Yo vou te mostrar quem é a

maluca, sua putana. — Pronto, o show

vai começar.

Como diz mi padre, agora dona

Carmem vai se transformar na própria

encarnação del diablo.


— Sem violência, mamá, no

quiero que os meus vizinhos do andar de

baixo chamem a polícia.

— Para o inferno com os seus

vizinhos, yo estou farta de você e essas

putas de rua que você come. — Arranca

duas das mujeres nuas da minha cama e

as arrasta para fora do quarto, a outra


não espera a vez dela. Junta as suas

roupas e as das amigas espalhadas pelo

chão e vai embora correndo.

— Se quiser outra rodada dessa,

me liga, espanhol! — Ouço o seu grito

depois de passar pela porta.

— Vai sonhando, mujer! Figurinha

repetida no entra no meu álbum. —


Fecho os olhos e aproveito os meus

últimos segundos até que o furacão

latino volte, mi madre anda pegando no

meu pé mais do que o de costume.

Acho que é porque o

enforcamento, quero dizer, o casamento

do meu irmão do meio, Luiz Fernando,

está chegando e na cabeça dela é


inaceitável o fato de ele ser mais novo

do que yo e estar caindo na bobeira de

se casar com aquela insuportável da

Camila. No suporto a minha cunhada,

Dios Santo! Ela vive pegando no meu pé

porque me acha um cafajeste e trato as

mulheres como lixo, no sei de onde tira

esses absurdos ao meu respeito.


— Quando vai arrumar uma mujer

decente como a noiva do seu irmão e me

dar netos? — dramatiza, sabia que ia

começar com a mesma ladainha de

sempre.

— Nunca, dona Carmem

Gonzales! Yo no presto, e a senhora sabe

bem disso.
— E como yo sei, Alejandro, tanto

que passou a noite na farra e nem

atendeu o celular. Foi preciso a esposa

do seu amigo, Yudiana, entrar em

contato comigo e deixar recado. — Me

enche de tapas.

— Que aviso, madre? — Sento na

cama e tento me esquivar dos seus


golpes.

— Que infelizmente o filho da sua

funcionária, Daniele Mendonça, faleceu

ontem à noite. Acho que deveríamos ir

ao velório e dar os pêsames para a

família. — Tira um lenço da bolsa e

assoa o nariz, é impossível no se

comover quando o assunto é a morte de


uma criança.

Yo tenho uma irmãzinha de oito

anos, a Maria Guadalupe.Ela foi a

melhor coisa que poderia ter acontecido

na nossa família. A notícia da sua

chegada foi inesperada, meu irmão e yo

já éramos homens feitos. Nosso padre

desmaiou quando soube, se achava


velho demais para encarar a paternidade

novamente, no auge dos cinquenta anos.

Mas logo se acostumou com a ideia de

termos um bebê em casa, quando

soubemos que seria uma menina, então,

surtamos de tanta alegria. Hoje Lupita é

a criança mais feliz e mimada do mundo,

no consigo nem imaginar o que seríamos


de nós se a perdêssemos.

Por isso, yo preciso dar o meu

apoio à Daniele, até porque, além de

ótima pessoa e mãe, tem se mostrado

uma profissional extremamente

competente na minha empresa.

— Yo fico pronto em cinco

minutos, mamá. Obrigado por vir aqui


pessoalmente dar o recado e me

acompanhar no velório.

— No precisa agradecer, filho. —

Beija o meu rosto.

Levanto às pressas com o lençol

enrolado na cintura e tomo uma ducha

rápida, visto calça e camisa social

pretas e calço os sapatos na velocidade


da luz. Enquanto procuro as chaves do

carro, penteio o cabelo com auxílio dos

dedos, deslizando-os entre os fios

medianos ainda molhados; preciso de

um corte urgente.

— Yo havia esquecido o quanto

odeio funerais! — bufo ao chegarmos na

igreja onde o corpo do garoto está sendo


velado, mi madre toca o meu ombro.

— Tudo bem, querido, tu madre

está aqui com você. — Sorri cúmplice e

alisa o meu rosto.

Saímos do carro e ela agarra o

meu braço, entramos na igreja lado a

lado. Sinto uma dor no coração quando

vejo o pequeno caixão branco próximo


ao altar, os pais do garoto estão

sentados próximos do filho, de mãos

dadas e uma expressão triste de cortar

até um corazón frio como o meu.

— Vem, Gonzales, vamos

cumprimentar a Daniele e o marido dela.

— Assinto.

Caminhamos pelo corredor do


meio na direção do casal, a igreja está

lotada. No banco da frente estão os

amigos mais próximos, aceno para o

meu melhor amigo, o Juiz Thompson, e a

esposa Yudiana, sentados na ponta à

direita.

— Yo sinto muito pela sua perda,

Daniele — digo sem jeito, em momentos


como este a gente nunca sabe ao certo

quais palavras usar.

Olho para baixo, sob o ombro de

Daniele, e vejo o rosto daquele anjinho

no caixão, vestido com a fantasia do

Capitão América. Sua expresión é tão

serena, quase um leve sorriso. Está em

paz agora. Pelo pouco que ouvi sobre


esse garoto, ele foi um guerreiro, lutou

até o último segundo. Mas no final,

infelizmente, o câncer levou a melhor.

— Muito obrigada por ter vindo,

chefe, e por tudo que tem feito por nós,

Léo e eu seremos eternamente gratos. —

Ela e o marido trocam olhares

cúmplices.
Ficam de pé para nos

cumprimentar, Daniele me abraça com

lágrimas nos olhos. Dios! Deve ser

horrível a perda de um filho.

— Nós no somos apenas um grupo

na empresa, Daniele. Somos uma família

e devemos ajudar um ao outro sempre.

Por isso, tire o tempo que precisar, já


disse que no será descontado um

centavo do seu salário. — Ela sorri

triste.

Me sinto mal, queria poder fazer

mais do que isso pelos meus

funcionários em momentos como este.

— E se vocês precisarem de

alguém para conversar, podem aparecer


na minha casa para um chá sempre que

quiserem. Serão muito bem-vindos. —

Mi madre abraça os dois ao mesmo

tempo, ela está segurando para no

chorar na frente deles.

— Muito obrigada, senhora, é

muita gentileza da sua parte. Temos

recebido tanto carinho de todos nesse


momento difícil, nosso menino era muito

amado — o pai do garoto fala com a voz

embargada, está visivelmente arrasado.

— Está tudo bem, meu amor,

nosso menino está em um lugar melhor

agora. — O casal se abraça em

lágrimas, mi madre e yo nos

entreolhamos e resolvemos dar


privacidade aos pais nesse momento

delicado.

— Vem, filho, tem dois lugares

vazios ali. — Me puxa para o banco,

realmente sinto muito pela Daniele e o

marido, mas o meu plano é ir embora,

realmente no me sinto bem em velórios.

Fora que nessa igreja está fazendo


um calor horroroso, yo estou quase

derretendo aqui dentro.

— Só vamos ficar cinco minutos,

mamá, nem um segundo a mais. — Me

inclino e cochicho no ouvido dela, que

apenas dá de ombros.

— Nós vamos ficar pelo menos

para a missa, então vê se no me amole,


menino. — Dá um tapa no meu braço, yo

apenas reviro os olhos e no discuto, já

abusei bastante da sua paciência hoje.

Coloco os meus óculos escuros e

encosto as costas no banco, pego o meu

celular e aproveito para olhar os meus

e-mails.A última vez que estive em um

velório foi no do meu avô, na Espanha.


Yo era um adolescente na época, lembro

de chorar por dois dias seguidos. O

amava demais, uma das melhores

pessoas que passaram por esse mundo.

— Nossa, que mujer hermosa! —

elogia mi madre com bastante ênfase

olhando para a entrada da igreja, fico

curioso. É muito difícil Carmem


Gonzales elogiar alguém sem um forte

motivo, até mesmo quando se refere aos

filhos.

Obviamente ergo a cabeça para

ver a tal mujer hermosa, sei que aqui no

é um lugar para paquerar e peço perdón

a Dios por isso, mas um bom investidor

como yo sempre vê boas oportunidades


nos lugares e situações mais inusitados.

— No pode ser! — Mi corazón

perde uma batida quando olho na

direção da porta.

Então yo a vejo, a minha

Solange.Mi Cariño. Linda como um anjo

vindo a passos lentos e elegantes pelo

corredor do meio da igreja, em um


vestido preto comprido com mangas três

quartos, deixando à mostra o antebraço

coberto por tatuagens. Suas tranças

longas estão em um coque alto e

volumoso, no usa maquiagem ou nada do

tipo. Apenas brincos grandes de argola

prateadas. Em frente ao corpo, segura

uma rosa vermelha entre as mãos.


Os raios de sol que invadem a

igreja através dos vidros coloridos do

teto que formam desenhos bíblicos em

uma espécie de mosaico pairam sobre

Solange, a coisa mais linda que yo com

certeza já vi na minha vida, parece até

que estou diante de algo enviado direto

do céu.
Para mim...

— Você está se sentindo bem, mi

amor? Está pálido e suando frio, filho.

— Apenas assinto, no consigo tirar os

olhos da Sol.

Solange caminha até a frente do

altar e abraça Daniele por um longo

tempo, quase posso sentir sua dor daqui.


No sabia que as duas eram tão íntimas.

Lágrimas dolorosas deslizam pelo seu

lindo rosto. É estranho dizer, mas yo

queria poder ir lá e enxugar cada uma

delas. Depois de dar os pêsames aos

pais do garoto, Solange se inclina e

beija o rosto do corpo frágil e sem vida

dentro do caixão branco e diz algumas


palavras ao afagar os seus cabelos

castanho-claros quase loiros com

carinho e ternura, como se ele pudesse

de fato ouvi-la.

Fico tenso quando Solange se

despede e se vira para ir embora, yo

abaixo a cabeça poque no quero que ela

me veja. No é o momento certo. No


depois do jeito horrível que a tratei

quando a vi em uma festa na casa do

John há um ano, a noche que passamos

juntos estava muito recente e desejá-la

mais a cada dia me deixava furioso.

Atacá-la naquele momento foi o jeito

que encontrei para me proteger daquele

sentimento forte que me consumia por


dentro, dia após dia.

Observo Solange indo embora

para longe de mim pelo mesmo caminho

por onde chegou, só então consigo voltar

a respirar. Mas mi corazón bate tão

forte que parece que vai sair pela boca,

no adianta negar, essa mujer mexe com

todas as minhas estruturas de um jeito


que no tem explicación. Preciso

desesperadamente provar o sabor dos

seus lábios, no teve um dia durante todo

esse tempo que no imaginei como seria

beijá-la e espero descobrir em breve.

Agora que reencontrei Solange,

tenho mais certeza do que nunca de que

yo a quero para mim, custe o que custar.


E no é só por uma noche.
Solange

— Ei, filha, como você está? —

Minha mãe para de conferir o estoque

do bar ao me ver chegar e vem me

abraçar. — Sinto muito pela perda do

seu aluno, querida, sei que gostava


muito dele. — Me acalenta dentro dos

seus braços.

Não existe abraço melhor no

mundo que o da dona Cátia, conhecida

por todos carinhosamente como Cacau

por causa dessa pele escura linda que

tive a sorte de herdar dela. Amo o estilo

despojado dela, bem riponga, só usa


saia e vestido longo e calças largas com

estampas ricas em cores, ama uma

rasteirinha e mantém o cabelo bem curto

quase raspado, com brincos grandes e

chamativos. Se tenho muita tatuagem, ela

tem o dobro. Meu pai então, tinha

noventa por cento do corpo tatuado, só

salvava a área do rosto. Era um homem


lindo! Usava barba cumprida e dreads

longos no cabelo, tipo o Bob Marley,

que era o seu cantor favorito.

As pessoas nunca entenderam

porque o meu pai, o melhor partido de

Madureira, escolheu se casar com a

minha mãe que, assim como eu, era o

maior alvo de deboche no colegial


devido ao excesso de peso, temos o

mesmo tipo físico. Peitos e bunda

grande, quadril largo e cintura fina. Mas

as pernas são grossas. Muito grossas.

Mas, para o meu pai, ela era a garota

mais linda do mundo. Desde que

colocou os olhos nela soube que seria

sua esposa e a mãe dos seus filhos e


fazia questão de dizer isso a ela todos os

dias.

Logo que se casaram abriram esse

bar juntos. Colocaram todas as suas

economias e muito amor aqui, acho que

por isso o estabelecimento foi um

sucesso por mais de duas décadas. No

entanto, depois da morte do meu pai


tudo mudou. A nossa grande clientela

diminuiu muito; para piorar, tivemos

alguns problemas complicados

recentemente lá em casa e estamos

atolados em dívidas. Se eu não tivesse

vendido a minha motona maravilhosa e

feito aquela proposta de dormir com o

Gonzales por dinheiro, não teríamos


nem o que comer na mesa hoje.

Mas isso não me faz sentir menos

culpada e suja pelo o que fiz. Nada

justifica. Foi minha escolha e não culpo

mais ninguém além de mim por ter me

vendido.

— Nada bem, mãe, me sinto

péssima. Não acredito que perdi mais


um aluno. Ainda por cima para esse

maldito câncer — suspiro melancólica,

então ela me abraça mais forte.

Sou apaixonada pelo meu

trabalho, mas infelizmente Marcelinho

não é o primeiro aluno que já perdi e

nem será o último. Mesmo sabendo que

o seu caso era terminal e já estava


internado há alguns dias, ainda assim

fiquei em estado de choque quando

recebi a notícia da sua morte.

— Calma, filhota, a vida é assim

mesmo. Uns vão tarde e outros cedo

demais, como no caso do seu pai. —

Beija o topo da minha cabeça com

carinho.
Minha mãe não fala muito sobre a

morte do meu pai, foi há quatro anos.

Ele fechou o bar de madrugada e estava

voltando para a casa depois de um dia

longo de trabalho, quando foi atropelado

por um motorista bêbado que invadiu a

calçada. Um filhinho de papai em um

carro importado que tinha acabado de


sair de uma festa, bêbado e drogado. Só

que o pai do desgraçado, um senador

famoso no Rio de Janeiro, pagou a

fiança alta e o assassino aguarda o

julgamento em liberdade até hoje. Anda

por aí com uma vida confortável, mesmo

depois de destruir uma família inteira.


Preto e pobre não tem justiça

nesse país, parado é suspeito e

correndo é culpado.

Eu me lembro como se fosse

ontem, quando o policial bateu na porta

da nossa casa para dar a notícia da

morte do meu pai, dava para ouvir os


gritos da minha mãe a várias quadras

daqui. Aquele foi, com certeza, o dia

mais triste da minha vida. Rafael Louis

não foi ao velório e ficou meses sem

falar com ninguém.

— Mas no caso do Marcelo ele

era só um garotinho, mãe, não viveu

quase nada. — Puxo um banquinho


próximo ao balcão e me sento,

cabisbaixa.

— Não fica assim, Sol. Tenho

certeza de que o seu aluno está em um

lugar melhor agora. — Assinto.

— A senhora tem razão, mãe,

preciso me conformar e deixar o

Marcelinho ir. Vou rezar por ele antes de


dormir. — Sorvo o ar pesadamente.

Enfio a mão no bolso e sinto um

objeto estranho dentro dele, só então me

recordo do relógio que achei próximo a

um carro na entrada da igreja. Olhei

para todos os lados para ver se

encontrava o dono, mas não vi ninguém.

— Nossa, filha, que relógio lindo!


Onde conseguiu? — Pega da minha mão

e vira a peça de um lado para o outro em

uma análise minuciosa. — Será que é de

ouro? — Morde o relógio como se fosse

uma maçã de amostra na feira.

Parece ser uma peça antiga e

valiosa, tipo aqueles relógios de bolso

que os senhores ricos usavam


antigamente.

— Não faz isso, mãe, pode

estragar o relógio — me zango com ela,

mas a danada finge que não escuta.

— Olha, Sol, nem arranhou, é

ouro sim, e do bom! Deve valer uma

fortuna. Viu que ele é todo cravejado de

pedras por dentro? Com certeza são


diamantes, filha, estou te dizendo —

devaneia.

— Muita calma nessa hora, dona

avaliadora de joias — zombo.

— Estou falando sério, menina.

Temos que achar o dono logo, seja quem

for, o pobre coitado deve estar

desesperado atrás do seu relógio caro.


— Bate as pestanas longas, preocupada

com um estranho.

Que não faz ideia de que o seu

relógio “supostamente de ouro e

cravejado de diamante” está no coração

do Madureira nas mãos de duas malucas

atoladas em dívidas.

Que orgulho dessa mulher!


Nem em sonho minha mãe jamais

cogitaria a possibilidade de tentarmos

vender o relógio e descolar uma boa

grana fácil, é honesta demais para isso.

Por esse motivo a amo tanto e morro de

medo de ela saber que eu escolhi o

caminho mais fácil quando estávamos

em apuros, seria um desgosto grande


demais para a coitada.

— Farei de tudo para devolver

pessoalmente nas mãos do tal dono

pobre coitado, mãe, eu prometo. —

Beijo o seu rosto com carinho, ela sorri

docemente.

Mas a verdade é que, se tem

algum pobre coitado nessa história,


somos ela e eu, o dono desse relógio

deve ser podre de rico e nem deve ter

percebido que o perdeu.

— Ótimo, filha, foi assim que eu

te ensinei. Agora vai no banheiro dos

fundos e toma um banho sem pressa para

ajudar a mamãe, porque estou orando

para que a casa lote essa noite. Trouxe o


seu uniforme. — Cruza os dedos

esperançosa, minha mãe vive para

manter o sonho do meu pai vivo através

deste bar.

E eu também, tudo aqui lembra ele

e às vezes posso jurar que sinto a sua

presença. Meu pai era um cara com uma

vibe muito boa, tinha uma energia


positiva que alegrava todo o ambiente

onde chegava. Acreditava que tudo

podia ser resolvido com uma boa

conversa, um riponga desses de raiz, não

é à toa que deu ao nosso bar o nome de

Mandala. A primeira coisa que o cliente

encontra quando vem aqui é uma foto do

Bob Marley logo na porta, temos


quadros de grandes líderes que lutaram

pelo direito de igualdade racial, como

Nelson Mandela, Martin Luther King,

entre outros.

Sempre achei o máximo a pegada

da decoração do bar, meu pai tinha um

estilo próprio. Tudo aqui foi escolhido

por ele dentro de temas místicos, desde


as mesas em formato de símbolos da

paz, até bebidas exóticas criadas pelo

meu velho usando frutas cítricas, ervas

medicinais e álcool, uma combinação

que ele afirmava ter o poder de aflorar

os desejos mais ocultos das pessoas.

— Sim, senhora, volto daqui a

pouco. — Dou um tapa na bunda dela e


saio correndo.

— Que isso, menina, deixa o meu

pandeiro quieto que só o seu pai podia

tocar nele. — Solta uma gargalhada

gostosa.

— E o Rafael Louis, onde está,

mãe? — Paro antes de entrar no

banheiro, meu irmão está quieto demais


para o meu gosto.

— O que você acha, minha filha?

— Não preciso pensar muito para dizer.

— Desenhando em algum canto!

— Reviro os olhos rindo.

Faltando uma hora para abrir o

bar, o pessoal que trabalha conosco

chega, nossa rotina de trabalho consiste


em minha mãe na cozinha fazendo os

petiscos mais deliciosos do Rio de

Janeiro. Temos o Valdeci como barman,

o cara mais gente boa que conheço.

Como garçonetes, somos o trio das

meninas superpoderosas, a Eloísa, Lily

e eu. Antes tínhamos o dobro de

funcionários, mas depois da maré de


problemas financeiros tivemos que, com

muito pesar, cortar a equipe pela

metade, foi muito triste ter que escolher

quem despedir.

Como Rafael Louis odeia lugares

barulhentos, assim que o bar começa a

lotar ele vai para a casa do nosso avô

paterno, que mora praticamente do outro


lado da rua. Eles se dão muito bem,

vovô Manoel é fofo demais. Depois da

morte da vó Margarida, um faz

companhia para o outro.

Como mamãe havia previsto, o

movimento no bar essa noite foi ótimo,

não paramos nem para respirar, ainda

bem que hoje não é meu dia de fazer


show ao vivo porque não teria fôlego

para cantar. Meus pés estão inchados

dentro dos tênis, acabamos de dispensar

os últimos clientes.

Enquanto minha mãe fecha o

caixa, as meninas e eu terminamos de

limpar a cozinha.

— Graças a Deus esse é o último


copo, minhas pernas estão latejando.

Acho até que vou desmaiar. — Eloisa se

joga em cima de mim fazendo drama, é a

pessoa mais descolada de nós três.

Tem mais de trinta anos e não se

importa nem um pouco de sair por aí

com o cabelo pintado de várias cores,

parece um arco-íris, tem a


personalidade meio bruta, mas o

coração é mole. Suas roupas exóticas

são ela mesma que customiza, amo cada

um dos looks que usa aqui no bar.

— Sai de cima da Sol, amor. Não

é só você que está cansada, criatura. —

Lily puxa a Eloisa, as duas se

conheceram trabalhando aqui e se


apaixonaram.

O casamento aconteceu aqui no

bar mesmo; acredite ou não, quem

conduziu a cerimônia foi o meu pai.

Minha mãe e eu fomos as madrinhas, foi

tudo muito lindo.

— Tudo bem, Lily, meu corpo está

tão dormente de tanto andar para lá e


para cá servindo as mesas, que pode

cair todo peso do mundo em cima de

mim que não vou sentir nada — brinco e

elas acham graça.

— E você ainda precisa levantar

cedo amanhã para trabalhar, não é,

amiga? — Assinto com um suspiro, Lily

abraça as minhas costas com pena de


mim enquanto enxugo os copos.

Lily é o tipo de pessoa que ama

demonstrar os seus sentimentos com

contato físico, abraços e beijos ou um

simples toque de apoio. Ela é o oposto

de Eloísa, é bem mais nova também.

Loira, alta e ama um salto, se veste

como uma adolescente. Mas a sua maior


característica é o jeito doce, só vê o

lado bom nas pessoas, isso me preocupa

um pouco às vezes.

— Sinceramente, Sol, não sei

como aguenta trabalhar a noite inteira

aqui no bar e no dia seguinte encarar

aquelas pestinhas. — Valdeci chega na

cozinha com mais uma pilha de louça


suja, as meninas e eu resmungamos.

— Não fala assim dos meus

anjinhos, Valdeci. — Dou uma

cotovelada nele, nosso barman moreno

gato e musculoso. Só de namorada fixa

dele eu conheço três, fora uma penca de

ficantes, uma em cada rua diferente.

Valdeci se acha o alecrim dourado


porque é o único homem trabalhando

aqui no bar, mas a verdade é que nós

acabamos o mimando porque é um cara

incrível, do tipo que pode ligar a

qualquer momento até para pedir ajuda

para enterrar um corpo, que ele aparece

em menos de cinco minutos sem te julgar

ou exigir explicações. Só pede as


instruções e coloca as mãos na obra e

que se dane o resto.

Depois de deixarmos o bar pronto

para abrir amanhã, nos despedimos do

pessoal, passamos no vovô para pegar o

Louis e vamos para a nossa casa. Tomo

um banho quente e desabo na minha

cama, exausta. Mal fecho os olhos e o


meu despertador toca, é hora de acordar

e ir para o trabalho. Levanto em meio a

um bocejo longo e, ao passar em frente

ao quarto da minha mãe, a vejo com o

seu pijama de urso e a touquinha de

meia-calça na cabeça, que usa para

dormir, sentada sobre a cama, rodeada

por boletos de contas que não fazemos a


mínima ideia de como vamos pagar.

Sem pensar duas vezes, vou até

ela e a abraço fortemente, então

choramos as duas juntas por um longo

tempo.

— Desculpa, mãe, a culpa disso é

toda minha! Se aquilo não tivesse

acontecido, teríamos dinheiro para


pagar as contas e não correríamos o

risco de fechar o bar — digo entre os

soluços.

— Nunca mais repita isso,

Solange, fizemos o que tinha que ser

feito e eu não me arrependo de nada nem

por um segundo. Temos de ser gratas a

Deus que você conseguiu aquele quarto


empréstimo no banco de dez mil reais,

ou o pior teria acontecido e não teria

volta — tenta me consolar, mas eu choro

mais ainda por saber que Deus não tem

nada a ver com os métodos que eu usei

para conseguir o dinheiro.

— Por que vocês estão chorando?

— Louis aparece na porta, contorcendo


uma mão na outra, o olhar fixo em

qualquer lugar bem distante de nós.

— Nada, querido, só estamos

emotivas hoje. Quer um abraço da

mamãe também?

— Não! Obrigado, mãe, odeio

abraços. — Faz uma careta. — Preciso

ir agora, faltam quarenta e sete segundos


para o horário do meu café da manhã. —

Segue o seu caminho para a cozinha.

Minha mãe e eu limpamos as

lágrimas e fomos nos juntar ao meu

irmão na mesa para o café da manhã,

onde tentamos fingir que está tudo bem.

Ultimamente só temos feito isso.

— O seu cereal está gostoso? —


Minha mãe sorri para ele.

— Está normal, mãe. Mesmo

gosto de sempre. — Dá de ombros.

Isso quer dizer que está bom,

porque se não estivesse ele estaria

fazendo um escândalo.

— Que bom, querido, meu café

também não está nada mal. — Ergue sua


caneca de esmalte para cima.

— Meu chocolate quente então,

está de lamber os beiços, gente. —

Levanto o meu copão e brindo com ela,

nossas refeições sempre são divertidas.

Tem de tudo no nosso café da

manhã, gostamos de começar o dia com

uma refeição reforçada. Não temos uma


casa chique ou espaçosa, os móveis são

da época que os meus pais se casaram.

Mas estão muito bem conservados. O

local onde mais passamos tempo é na

cozinha, temos uma mesa de quatro

lugares de madeira e armários brancos

embutidos na parede. Só o fogão que é

novo, do tipo industrial, minha mãe ama


cozinhar e nós amamos comer tudo o que

ela faz.

Antes de sair para o trabalho,

abraço minha mãe bem apertado e

sussurro no seu ouvido que tudo vai

ficar bem. Como sempre fiz, pensarei

em alguma coisa para sairmos dessa e

não termos que fechar o bar. Com o


salário como professora não posso

contar porque é a renda para pagar as

parcelas dos três empréstimos que

fizemos, preciso arrumar algum jeito de

fazer um dinheiro extra. O problema é

ter tempo para mais um trabalho; quando

não estou na escola estou no bar. No

pouco tempo livre que me resta dou


aulas de reforço particulares. Que porra

de vida bandida!

Me despeço da minha mãe com um

beijo no rosto. Rafael fica só no aceno,

vindo da parte dele está mais que bom.

Como ele estuda na escola que eu

trabalho, vamos juntos, minha mãe me

deixa usar o fusquinha preto dela caindo


aos pedaços que herdou da minha avó,

mas que ela ama e morre de ciúmes. Até

o batizou com o nome de Osvaldo.

— Tchau, querido, tenha uma boa

aula. — Sorrio para o meu irmão ao

deixá-lo na porta da sua sala, ele não

retribui.

Mesmo na idade dele, faço


questão de deixá-lo e buscá-lo na porta

da sala de aula todos os dias.

— Obrigado, Solange, vejo você

ao meio-dia. — Se vira para entrar na

sala, conto mentalmente… 1… 2… 3,

então ele completa: — Em ponto. —

Balanço a cabeça, divertida.

— Com certeza, Rafael Louis —


penso alto rindo ao me dirigir para a

minha sala de aula. É segunda-feira, isso

quer dizer que as crianças chegaram

ainda com o pique do final de semana.

Que Deus me ajude!

Com os olhos cheios de lágrimas,

abraço os livros com força contra o

peito depois que entro na sala de aula,


paro diante do quadro negro e giro a

cabeça na direção da cadeira próxima à

janela, onde o Marcelinho costumava

sentar todos os dias. Nunca tive um

aluno que amasse tanto vir para a escola

igual a ele, sentia extrema felicidade

quando aprendia algo novo. Sempre

chegava com a lição de casa feita, se


não sabia fazer alguma questão pedia a

minha ajuda de um jeitinho muito fofo.

Sempre que chegava me cumprimentava

com um elogio muito fofinho.

— Bom dia, professora Sol. A

senhora está linda hoje — elogiava e

corria até mim sem tirar o sorriso do

rosto e abraçava a minha cintura, cheio


de amor e ternura.

Vai ser difícil me acostumar sem a

sua presença carismática por aqui, mas

como a minha mãe disse, ele está em um

lugar melhor agora.Sorrio quando uma

brisa passa e toca o meu rosto, sinto

algo bom dentro do peito. Como se um

anjo tivesse passado por aqui, levando


toda a minha angústia embora. Mas o

momento de paz logo passa quando as

crianças chegam todas de uma vez só me

chamando ao mesmo tempo;

cumprimento a cada uma delas com um

beijo e um abraço e peço para que

sentem nos seus respectivos lugares.

— Bom dia, meus amores, hoje


vamos iniciar a aula com um trabalhinho

em grupo que montei ontem para vocês

— digo animada, mas só ouço

resmungos.

Não me abalo, é sempre assim, no

começo reclamam, depois que começam

a fazer o trabalho em grupo é a maior

festa. Pego o envelope na minha pasta e


começo a distribuir as folhas nas mesas.

— Olha, tia Sol, acho que tem

alguém procurando a senhora. —

Bernardo, o mais calado da sala, aponta

para a direção da porta.

Deve ser alguém que tenha de fato

chamado a sua atenção, porque são raras

as vezes que usa o dom da fala. Quando


me viro para ver de quem se trata, deixo

todas as folhas que estão nas minhas

mãos caírem, espalhando-se por todo o

chão da sala.

— Yo sabia que cedo ou tarde os

nossos caminhos iriam se cruzar

novamente, Cariño. — Um sorriso

desliza dos lábios do Gonzales e seus


olhos verdes brilham como dois faróis

reluzentes, o cabelo está avulso sobre o

rosto.

Desvio o olhar para baixo e a

coisa fica ainda pior ao me perder

dentro da sua camisa com os três

primeiros botões abertos deixando à

mostra uma pequena parte do seu peito;


ele parece ainda mais atlético desde a

última vez que o vi. As mãos estão

casualmente enfiadas no bolso da calça

azul-escuro. O brilho do Rolex no seu

pulso quase ofusca minha visão.

Como esse homem conseguiu me

encontrar, meu Deus?

No começo fico sem reação, abro


a boca e fecho e não sai absolutamente

nada. Nadinha. Meus alunos dividem o

olhar entre mim e o estranho parado na

porta, nunca me viram perder as

palavras antes. Só depois de sorver uma

longa lufada de ar, consigo me recompor

e dizer algo.

— O que você pensa que está


fazendo aqui, Gonzales? No meu local

de trabalho. — Meu tom sai mais rude

do que deveria e as crianças começam a

cochichar e trocar olhares.

Empurro Gonzales para fora da

sala e deixo a porta entreaberta de

maneira que consigo passar os olhos nas

crianças enquanto expulso esse homem


da minha vida de uma vez por todas,

nem que eu precise pedir reforço à

polícia.

— Yo no vim aqui atrás de você

como está pensando, Cariño. Nosso

encontro foi uma coincidência. — Joga

o cabelo para o lado na tentativa inútil

de tirar os fios teimosos sobre o rosto,


mas eles voltam exatamente para o

mesmo lugar onde estavam.

Eu analiso o seu rosto bonito à

procura de algum vestígio de verdade na

sua palavra, mas não encontro nada além

da cara mais deslavada do mundo.

Quase tive um infarto quando o vi

parado na minha porta, mas Gonzales


não parecia nada surpreso.

— Ah, não, espanhol? Então me

explica o que estava fazendo em uma

escola, especificamente parado na porta

do segundo ano, onde eu

coincidentemente sou professora. —

Cruzo os braços sobre o peito, bato o pé

direito no chão sem parar.


No seu rosto dança aquele

sorrisinho que diz:

“Eu sou o dono do mundo e

ninguém pode comigo.”

— A resposta é bem simples,

Solange. Yo vim trazer minha irmãzinha

no primeiro dia de aula na escola nova.

A diretora disse que a sala dela fica


nesse corredor, mas acho que estamos

perdidos. No é, Lupita? — Baixa o olhar

terno para a menininha de sorriso doce,

muito parecida com o Gonzales, por

sinal.

Uma versão feminina do espanhol

em tamanho menor e linda demais. No

entanto, vestida de um modo que eu


chamaria de um tanto sério demais para

alguém da idade dela. Não é todo dia

que uma criança aparece nessa escola de

blusa social branca debaixo do blazer e

saia na altura do joelho. Os sapatos são

pretos com meias de babado da mesma

cor. O que acredito ser a sua mochila é

uma pasta de couro marrom tipo aquelas


que os CEO de empresas

multimilionárias usam.

Jamais imaginaria que um homem

na idade do Gonzales teria uma irmã

ainda no ensino fundamental, muito

menos que seria amoroso e atencioso

com ela a ponto de trazê-la no seu

primeiro dia de aula na escola nova.


Intrigante…

— Olá, professora Solange, yo

soy Maria Guadalupe Gonzales e estou

muito animada em fazer parte desta

entidade de ensino. — Sorri educada e

aperta a minha mão firmemente.

Reparo o coque muito bem-feito

ao topo de sua cabeça, igual de gente


grande.

— Seja muito bem-vinda, Maria

Guadalupe. — Me abaixo para ficar da

sua altura; apesar das roupas sérias,

parece uma flor do campo de tão fofa e

delicada com esses cílios compridos

sobre os olhos esverdeados e as

bochechas coradas.
— Obrigada, professora Solange,

você é muy bela. — Me surpreende com

um beijo no rosto e fica brincando com

as minhas tranças.

Ergo a sobrancelha, por que tenho

a impressão de que tem alguma coisa

muito errada aqui? Só não sei ainda o

que é.
— Obrigada, querida, você

também é muito linda. Agora me diz, em

qual ano você foi matriculada?

— Yo tenho oito anos, mas estou

no quinto ano — explica.

— Como assim oito anos e já está

no quinto ano, querida? — Olho confusa

para o Gonzales, normalmente crianças


nessa idade ainda estão no terceiro ano.

— Sim, Sol, minha irmã pulou

duas séries na escola antiga porque é

“evoluída demais” para uma criança da

sua idade — Gonzalez diz orgulhoso.

— Na verdade, yo sou mais

inteligente do que muitos adultos por aí

— diz a pequena, sem nenhuma


modéstia.

De fato, essa menina sem sombra

de dúvidas é irmã do Gonzales.

— Se está no quinto ano, meu

amor, essa é a sua nova sala. O nome do

seu professor é Roberto. Tenho certeza

de que vai gostar dele, é um homem

incrível. — Aponto para o final do


corredor e sorrio debaixo de um olhar

muito feio do Gonzales.

Estou feliz que a Lupita vai

estudar na mesma sala do meu irmão,

com muita sorte ela se torna a amiga

dele.

— Yo vou entrar, Gonzales, no

quero chegar atrasada. Tchau, irmão, te


amo — fala de um jeito muito fofo.

Gonzales pega a irmãzinha no

colo, pensei que esse homem não

pudesse amar alguém além dele mesmo.

Mas pelo jeito que ele olha para a

pequena cheio de carinho, eu estava

muito enganada.

— Yo te amo mais, mi amor, seja


uma boa menina e respeite o seu

professor. — A abraça forte, fitando-me

por cima do ombro da menina.

González espera a Lupita entrar na

sala, para colocar as manguinhas para

fora. Me olha como se pudesse enxergar

por debaixo da minha roupa, com aquela

cara de caçador pronto para atacar.


— Enfim a sós, Cariño. No

consigo esquecer a noite que passamos

juntos, e você? — sibila em um tom

baixo, dando um passo na minha

direção.

Dou dois para trás.

Nunca mais vou deixar que

encoste em mim novamente, não sinto


nada pelo Gonzales além de puro

ressentimento. Tenho vontade de chorar

toda vez que lembro da noite que

passamos juntos. Por mais que eu fique

horas debaixo do chuveiro, não consigo

me sentir limpa.

— Eu também não, infelizmente.

— Elevo o olhar, amarga.


— Foi tão ruim assim para você,

Cariño?

— Você não faz ideia do quanto

— minto, porque o que tivemos aquela

noite ficou longe de ser algo ruim.

Apenas errado.

— Diga o que quiser, mujer, yo no

acredito. É bom se acostumar com a


ideia de que um dia será minha

novamente, e no será só por uma noche

como da última vez. —Sorri confiante.

Como se já tivesse ganhado uma

guerra que só existe na cabeça dele,

porque o seu galanteio não cola comigo.

— A única coisa que quero entre

mim e você, Alejandro Gonzalez, é o


máximo de distância possível. Agora, se

me der licença, a minha turma está me

esperando. — Jogo minhas tranças

longas na cara dele e entro na sala de

aula bancando a durona, mas toda

trêmula e desestruturada por dentro.

— É o que veremos, Cariño. É o

que veremos… — Ouço sua risada


divertida antes de eu bater a porta na sua

cara.

Droga!

Vai começar tudo de novo.


Gonzales

— Você me deve trezentas pratas,

hermano. — Lupita me dá um tapa no

braço assim que entramos no carro, fui

buscá-la depois da aula na esperança de

ver Solange novamente, mas nem sinal


dela.

Deve estar me evitando aquela

diaba, yo quero ver até quando vai

conseguir fugir de mim. Sei ser bastante

persuasivo quando quero.

— Como assim, Maria

Guadalupe? No banque a esperta

comigo, menina, o combinado foi


duzentas pratas. — Olho feio para ela,

essa chiquita sabe muito bem como tirar

dinheiro de alguém.

E pensar que o nome dessa

malandrinha foi escolhido pelos nossos

padres em homenagem à Santa Maria de

Guadalupe porque sempre foram muito

devotos a ela, afinal, havia concedido a


eles o milagre da paternidade mais uma

vez.

— Os cem a mais são por me

fazer mentir para nossos padres que yo

no gostava mais de estudar na minha

antiga escola, só para me transferirem

para a escola que a sua namoradinha

trabalha e para me usar como desculpa


para se encontrar com ela. — Pensando

bem, yo quero quinhentas pratas. —

Estende a mãozinha para mim à espera

do seu pagamento com um sorrisinho

malandro.

Vou aceitar a sua chantagem,

porque sei muito bem que se yo no parar

por aqui, essa conversa terminará


comigo devendo a metade do meu

patrimônio para uma criança.

— No, senhorita! Nossa madre vai

me matar se descobrir que yo te dei todo

esse dinheiro; além do mais, você já

ganha uma mesada bem gorda que yo

sei.

De nós três, irmãos, Lupita é a


melhor no quesito negociação. Se yo e

Luiz Fernando somos dois homens muito

bem-sucedidos, ela vai dominar o

mundo quando crescer.

— Tudo bem, Gonzales, quando

yo chegar em casa vou contar tudo para

nossa madre — ameaça debochada,

pega os meus óculos escuros em cima do


porta-luvas e cruza as perninhas.

Essa menina veio de outro planeta,

só pode!

— Tudo bem, sua ladrazinha,

espero que no vá comprar tudo isso em

doces. — Abro a carteira e tiro cinco

notas de cem reais e dou a ela, seus

olhinhos chegam a brilhar.


Essa pestinha no tem jeito mesmo

e yo a amo muito, no queria colocar

minha irmã no meio da minha obsessão

pela Solange, mas foi a única brecha que

encontrei para conseguir me aproximar

dela sem levantar suspeitas. Depois que

a vi na igreja coloquei na cabeça que

essa mujer tem que ser minha, custe o


que custar. E vai ser. É só questão de

tempo.

A primeira coisa que fiz depois

que a Sol saiu da igreja foi deixar mi

madre sozinha por alguns minutos e fui

direto perguntar para Yudiana qual a

ligação entre Daniele e a Solange, para

ter aparecido no velório do filho dela.


Yo quase caí para trás quando me

contou que o Marcelinho era seu aluno.

Como assim, aluno?

Yo pensei na hora, embasbacado,

Solange não parecia o tipo que dá aula

para criancinhas. Yudiana rasgou

elogios a ela, disse que também já foi

professora do seu filho mais velho, Max,


e o garoto amava suas aulas e lamenta

até hoje ter passado de ano e mudado de

sala. Foi neste momento que yo tive a

brilhante ideia de subornar a minha

irmãzinha querida para dizer para os

nossos padres que queria estudar na

mesma escola que o filho dos amigos da

nossa família.
Na verdade, nossos padres já iam

colocá-la nessa escola no ano passado,

já que a que a Lupita estudava desde os

três anos só tinha turma para crianças

até os sete anos. Contudo, Maria

Guadalupe bateu o pé até que eles a

enviaram para outra escola para jovens

com altas habilidades que a pestinha


pesquisou por conta própria. Tive que

suar frio para convencê-la a dizer que

mudou de ideia e agora queria ir para a

escola do Max, bem no meio do

primeiro semestre. Eles relutaram a

princípio, mas no final, como sempre,

fizeram a vontade dela.

— Claro que no, cabron, yo no


sou mais criança para comer doces.

Estou juntando dinheiro para criar a

minha própria empresa. Quero ser uma

CEO de sucesso, linda, independente e

montada na grana — suspira com a

mãozinha no queixo, no sei de onde ela

tira essas coisas que fala.

Nossa madre sempre fala que


Maria Guadalupe nasceu com a alma de

uma pessoa adulta, porque fala e faz

coisas que no condizem com a sua

idade. Sendo sincero, as mulheres com

quem yo costumo sair no tem nem a

metade da maturidade da minha

irmãzinha de oito anos. Ela tem um cofre

gigante onde guarda noventa por cento


da sua mesada todo mês para investir no

momento certo, é uma feminista

assumida, fala três idiomas e está

aprendendo o quarto.

Faz aula de natação, piano, yoga e

capoeira, mais outras que nem sei o

nome.

— Yo no sei o que faço com você,


chiquita! — Tiro uma mão do volante e

faço cosquinhas nela sem tirar os olhos

da estrada, suas gargalhadas são

contagiantes.

Lupita é a melhor parte de mim.

— Mas falando sério agora,

Gonzales, qual é o seu lance com a

professora estilosa? Viu aquelas


tatuagens no braço dela?Santo Dios mio,

yo mal posso esperar para fazer dezoito

anos e tatuar pelo menos setenta e cinco

por cento do meu corpo. — Estreito os

olhos na direção dela, que apenas dá de

ombros e continua tagarelando.

— Yo também amei o cabelo dela,

será que a nossa madre vai me deixar


fazer aquelas tranças incríveis? Passa

tanto empoderamento e autoconfiança —

pergunta esperançosa.

— No sei, docinho, talvez se pedir

a ela com carinho. — Aperto a sua

bochecha.

— Você e a Solange vão se casar?

Porque super aprovo, gostei dela. E no é


só yo, muchacho, meu professor

Roberto, que devo salientar ser um gato,

está a fim dela. Os dois passaram o

intervalo inteiro conversando e rindo —

conta e o meu sangue ferve.

Aperto o volante com tanta força

que quase arranco fora,no conheço esse

professor Roberto, mas já quero a sua


cabeça servida em uma bandeja no meu

jantar. Lembro do jeito meloso que a

Solange falou o nome dele hoje de

manhã:

“O nome do seu professor é

Roberto. Tenho certeza de que vai

gostar dele, é um homem incrível.”


Na hora fiquei encabronado

devido ao jeito íntimo que a Sol falou o

nome desse cara, mas no quis fazer uma

cena logo de cara. Contudo, de jeito

nenhum yo vou deixar esse babaca levar

a melhor.

Não mesmo!
— Qual é o negócio dessa vez,

pestinha? — vou direto ao ponto, Lupita

no tocou nesse assunto por acaso.

— Você me conhece como

ninguém, hermano. — Sorri com os

olhos semicerrados. — Agora vamos

aos negócios, yo quero mais duzentas

pratas para vigiar o seu rival, sempre


que o vir com a sua donzela vou dar um

jeito de cortar o barato dele.

— Trato feito, pestinha. — Bato a

minha mão na dela.

Antes de voltar para o trabalho,

passo na casa dos nossos padres para

deixar Lupita. Meu irmão e a chata da

noiva dele estão lá com a mamá,


ajeitando os últimos preparativos do

casamento que será daqui a uma semana,

aqui mesmo na comunidade de

espanhóis onde os meus pais moram. Yo

amo o Brasil, mas temos orgulho de

onde viemos. Muita coisa mudou por

aqui em todos esses anos, o bairro

simples se tornou uma vila só com casas


luxuosas.

Tudo é decorado com o emblema

e as cores marcantes amarelo e

vermelho da bandeira da Espanha, temos

lojas e mercados que vendem produtos

vindos de lá e todo mundo só se

comunica na nossa língua nativa. Temos

um pedacinho da Espanha bem no meio


do coração do Rio de Janeiro, meu lugar

favorito em todo o mundo, porque foi

onde vivi a época mais feliz da minha

vida brincando descalço pelas ruas com

o meu irmão e amigos. Mi padres

chegaram nesse país como imigrantes e

dois filhos debaixo do braço e sem

nenhum centavo no bolso, mas foram


acolhidos nesta comunidade de

espanhóis com muito carinho.

Logo papá arrumou um emprego

na casa dos Thompson como jardineiro,

lá conseguiu emprego para a esposa

como cozinheira. Foi assim que me

tornei o melhor amigo do único filho

deles, John, que na época era só um


garoto problemático. Aos poucos mi

padres foram crescendo

financeiramente, e Antônio Gonzales

abriu sua própria empresa de

jardinagem, que hoje tem várias filiais

pelo país. Já Carmem Gonzales suou

para criar os filhos e realizar o sonho de

fazer faculdade de psicologia. Mesmo


depois da nossa família ter se tornado

muito rica, ela ainda atende no seu

consultório para pessoas carentes que

não têm condições de pagar.

— Upa, upa, cavalinho. Mais

rápido! — pede Lupita entre as risadas

altas ao entrarmos na ampla sala da

mansão da família Gonzales, desde bem


pequena ela sempre gostou de ser

carregada nos meus ombros.

— Olha quem chegou, a minha

bonequinha. Vem aqui dar um beijo en tu

hermano. — Meu irmão levanta do sofá

e vem nos receber, Lupita desce dos

meus ombros e corre até Luiz Fernando

com os braços abertos.


— Olá, Nando, yo estava com

saudades de você. — Abraça a cintura

de Nando.

— Yo também, mi amor, como foi

seu primeiro dia de aula na escola nova?

— Joga Lupita para cima, se a chegada

dessa pestinha foi a melhor coisa que

aconteceu na minha vida, na do meu


irmão no foi diferente.

Luiz Fernando é cinco anos mais

novo que yo, muito estudioso e bem-

sucedido no meio da indústria de

marketing. É um bom hombre e o amo

demais, tenho muito orgulho dele, porém

somos completamente diferentes em

tudo. Ele é branquelo e tem os cabelos


ondulados e usa óculos de grau, um

verdadeiro nerd, todo certinho e

romântico sem causa. Enquanto yo sou

um putão assumido. Yo fodo gostoso, ele

faz amor e por aí vai.

No entanto, apesar de todas as

diferenças entre nós, sempre nos demos

muito bem, a única vez que discordamos


de algo foi quando ficou noivo da

patricinha da Camila.

— Foi incrível, no é, Gonzales?

— A pestinha me fita com os olhos

estreitos.

— Sim, princesa, yo também

gostei bastante de tudo o que vi na sua

escola. — Sorrio amarelo.


— Quando a madre me disse hoje

que você se ofereceu para levar a Lupita

na escola nova, Alejandro, yo

sinceramente no acreditei. Está sempre

tão ocupado no trabalho que nunca tem

tempo para a família. — Emburrado,

Luiz Fernando empurra os óculos de

grau para trás, ele tem um alto grau de


miopia.

Mas meu irmão está certo! Depois

que yo abri minha própria empresa de

defensoria, tenho aparecido cada vez

menos aqui na casa dos nossos padres.

Diferente dele, que mora com a

namorada desde que a pediu em

noivado, mas os dois passam mais


tempo aqui do que no apartamento deles.

— Não sei como, mas aposto que

tem rabo de saia no meio — alfineta

minha cunhada, sem tirar os olhos do

caderno de notas dela.

Ignoro a presença dessa sonsa e

respondo à pergunta do meu irmão.

— Por isso mesmo, Nando, yo


tenho ficado enfiado naquela empresa e

sinto muita falta de passar mais tempo

com os meus irmãos. — No minto. De

fato, quero voltar a ser mais próximo da

minha família, eles são tudo para mim.

— Yo também sinto saudades de

passar mais tempo com você, cabron,

espero te encontrar mais vezes por aqui.


— Luiz Fernando me abraça com a

Lupita no seu colo, quase amassamos a

coitadinha entre nós.

Nem acredito que o meu

irmãozinho vai se casar de verdade.

Mesmo achando que será o maior erro

de sua vida, vou apoiá-lo e fazer desse

um dia inesquecível para ele.Afinal, yo


serei o seu padrinho.

— Que cena linda, meus três

filhos lindos juntos. — Mamá levanta

emocionada e vem se juntar ao nosso

abraço.

— Dale! Que yo quero fazer parte

desse abraço em família também. —

Antônio Gonzales aparece na porta da


cozinha com a roupa toda suja de terra,

mi padre faz questão dele mesmo cuidar

do nosso jardim até hoje.

— Eu preciso registrar esse

momento, não se mexam que vou fazer

uma foto. — Camila joga o caderno

sobre a mesinha de centro, pega o

celular e tira algumas fotos e depois


manda no grupo do WhatsApp da

família, em que a intrometida se enfiou

através do meu irmão quando mal eram

namorados ainda.

As fotos que a minha cunhada

tirou até ficaram bem legais, tanto que

escolhi uma para colocar na tela do meu

celular, yo tinha me esquecido como é


bom estar em casa. Acabo desmarcando

todos os meus compromissos de

trabalho e passo o resto do dia com a

minha família para ajudar nos

preparativos finais do casamento do meu

irmão. Faço questão de ir contra tudo o

que a Camila fala só para vê-la nervosa

e depois rir da cara dela. Luiz Fernando


chama minha atenção, mas acaba rindo e

o nosso padre também. Ela no é uma

pessoa ruim, porém moralista demais e

defensora dos animais, fora a voz

irritante pra cacete.

— Então, Gonzales, em vez de

ficar criticando tudo o que eu escolho,

me diz se já achou alguma mulher


decente para ocupar o posto de

madrinha do seu lado no meu

casamento? — Camila cruza os braços

me encarando sem paciência.

— O Gonzales arrumar uma

mulher decente? É mais fácil chover

elefante. — Luiz Fernando rola no tapete

de tanto rir da minha cara, chega a doer


a barriga.

— Desculpa, filho, mas yo sou

obrigado a concordar com tu irmão —

papá entra na zoação, só me faltava

essa.

Deixo os dois rirem bastante da

minha cara, então anuncio:

— Pois yo já achei alguém, se


vocês querem saber, seus abusados do

caralho. — Só falta ela aceitar, penso

comigo, mas guardo só para mim.

Meu irmão e o nosso padre trocam

olhares e depois os dois me fitam

literalmente de queixo caído, eles sabem

quando yo estou mentindo ou no.

— E alguma coisa me diz que essa


mujer será a nossa nora, Antônio! — mi

madre grita lá da cozinha enquanto

monta o menu do nosso jantar, sinto uma

sensação estranha.

Saio sem dizer nada e me enfio no

escritório de mi padre, logo ele e Luiz

Fernando vêm me fazer companhia com

três cervejas. No perguntam nada sobre


o meu par no altar, apenas bebemos e

colocamos a conversa em dia. Camila

ajuda a sogra na cozinha, mais tarde

tivemos um jantar muito agradável em

família, no lembro a última vez que

comi tão bem. Cheio feito um porco

velho, decido tomar um banho e passar a

noite por aqui mesmo no meu antigo


quarto.

Tudo está do mesmo jeitinho que

yo deixei quando era apenas um jovem

cheio de sonhos, os quais consegui

realizar todos e muito mais, e ainda

assim no consigo me sentir feliz por

completo.

É como se faltasse uma parte de


mim perdida por aí…

— Yo só no sei qual, ou sei, mas

no tenho coragem de admitir — digo

para o silêncio do meu quarto.

Pego minha guitarra pendurada na

estante e jogo minhas costas na cama de

solteiro. Os pôsteres das minhas bandas

de rock favoritas dos anos oitenta estão


desbotados, mas bem fixados nas

paredes. Eles me lembram o quão bom o

meu gosto musical já foi um dia, vai de

Rolling Stones a Cazuza. Resolvo tocar

algumas melodias para lembrar os

velhos tempos, mas logo adormeço.

Sonho a noite inteira com a minha

Solange, com ela se entregando a mim


de corpo e alma…

Por iniciativa dela…


Solange

Em um clima de paz a semana

passou voando, sigo na rotina maluca de

dar aula e trabalhar muito no bar.

Mesmo assim vou animada para a escola

na segunda de manhã, as crianças


chegam com a animação matinal de

sempre. Menos a pequena Maria, que

está empacada na porta, no colo da mãe,

chorando. Ela era a melhor amiga do

Marcelinho e não está aceitando muito

bem sua partida. Lembro que os dois

sentavam lado a lado todos os dias,

riam, faziam a lição e brincavam o


tempo todo juntos.

Por isso tudo nessa sala faz a

pequena lembrar dele, esse é o motivo

de tanta relutância para voltar à escola.

— Você já ficou uma semana em

casa, Maria, tem que voltar para a

escola, meu amor — Paula tenta

conversar com a filha, mas a pequena


está irredutível.

Resolvo dar uma mãozinha para

ela. Tenho experiência o suficiente como

professora para saber que em certos

momentos as crianças escutam mais um

adulto de fora do que os próprios pais.

— Bom dia, meninas, por que a

minha florzinha está chorando? — Beijo


o rosto da Maria, está molhada por

lágrimas.

Se para nós que já somos grandes

é difícil enfrentar o luto, imagina para

uma criança? Elas não entendem ao

certo o significado da morte.

Paula é uma mulher linda e anda

sempre muito bem-arrumada e maquiada


até demais, mas hoje está uma

verdadeira bagunça. Os cabelos pretos

longos e lisos presos em um rabo de

cavalo mal feito e a pele pálida como se

não tivesse andado dormindo direito nos

últimos dias; seus olhos estão inchados

e rodeados por bolsas escuras. Faz

tempo que eu sei que ela trabalha como


prostituta e não a julgo por isso, na

verdade, sinto muito pela sua triste

realidade. As pessoas dizem que a

prostituição significa “ganhar dinheiro

fácil”, mas agora que já estive do outro

lado da história, mesmo que apenas uma

vez, senti na pele o quanto esse meio

pode ser feio e devastador para o nosso


estado mental e emocional.

Além do mais, acho a Paula uma

pessoa incrível e uma mãe maravilhosa,

sempre preocupada em como a filha está

indo na escola, e, dentro das suas

possibilidades, faz o que pode para dar

uma vida boa para a Maria.

— Eu estou com saudades do


Marcelinho, tia Sol. A mamãe disse que

ele não vai voltar mais, isso é verdade?

— pergunta com os olhinhos marejados.

Paula e eu trocamos olhares,

arrasadas, que situação triste.

— Sinto muito, meu amor, vem

aqui com a tia Solange. Vai ficar tudo

bem. — Ela ergue os braços e eu a pego


no colo, Maria me abraça e deita a

cabeça no meu ombro.

Enquanto a acalento e a balanço

de um lado para o outro, faço sinal para

Paula ir embora, eu assumo daqui com a

filha dela. Se a Maria vir a mãe partir

sem ela, vai fazer um verdadeiro show

de choro e gritos.
— Se sente melhor agora,

querida? — Ela assente. — Se

Marcelinho estivesse aqui não iria

gostar de te ver triste, não é? — Enrolo

um dos seus cachinhos entre os meus

dedos.

— Marcelinho dizia que eu sou

linda, mas sorrindo pareço um anjo. —


Sorri tímida.

Meu coração se aquece dentro do

peito, que coisa mais fofa, meu Deus!

Ainda mais porque saiu da boca de uma

criança de cinco anos, Marcelo era

mesmo muito especial.

— Ele tem total razão, querida.

Então, toda vez que lembrar dele e ficar


triste, simplesmente sorria, tenho certeza

de que Marcelinho verá. — Toco a

ponta do seu narizinho lindo arrebitado.

Depois disso a minha pequena fica

bem. Desce do meu colo e senta na sua

cadeira de sempre, com a mochila nas

costas, olha para o lugar onde o

coleguinha costumava sentar, e, em vez


de ficar triste, ela sorri feito um anjo,

como o Marcelinho disse.

Sobrevivo até o horário do

intervalo, espero as crianças saírem

correndo esfomeadas para o refeitório

para então ir para a sala dos professores

ter o meu amado intervalo de trinta

minutos. Minha mãe caprichou ontem no


jantar e, como de costume, deixou a

minha marmita pronta para o trabalho

hoje, não posso gastar com comida fora.

Ela fez um dos meus diversos pratos

favoritos, bife acebolado acompanhado

de arroz carreteiro, feijão, ovo frito e

muita batata frita com molho apimentado

em cima.
Lá em casa comemos tudo o que

temos vontade sem remorso, meu pai

sempre dizia…

“A vida é curta demais para

ficarmos presos em dietas malucas ou

padrões hipócritas ditados pela

sociedade.”

O resultado disso é uma esposa e


uma filha acima do peso, mas isso nunca

foi problema para mim ou para a minha

mãe. Temos a autoestima lá em cima e

nos amamos do jeito que somos, quem

não gostar que lute.

Ao passar pelo pátio na direção

da sala dos professores, vejo Rafael

sentado sozinho em um banco,


desenhando no seu caderno, como

sempre. Não muito longe dele, Maria

Guadalupe se aproxima de um grupo de

alunos mais velhos do sétimo ano e tenta

fazer amizade com eles. Acredito que se

acha inteligente demais para interagir

com crianças da sua idade.

— Buenos dias, amigos, yo soy


Maria Guadalupe Gonzales. Mas podem

me chamar de Lupita. Nasci no Brasil,

porém mi padres vieram da Espanha

com os meus dois irmãos, Alejandro e

Luiz Fernando — faz a sua apresentação

instruída com as mãos juntas atrás do

corpo, como se estivesse em uma

entrevista de emprego e não tentando


fazer novos amigos.

— O seu nome é estranho, garota,

e você fala engraçado — o engraçadinho

da escola, Leandro, que adora implicar

com os outros alunos, principalmente os

novatos, puxa o coral de risadas da sua

turminha de bagunceiros.

Fico com o coração partido com a


expressão envergonhada da

espanholinha, então vou ao seu socorro.

— Será que eu vou ter que enviar

outro bilhetinho para os seus pais virem

aqui na escola conversar com a diretora,

Leandro Silva? — Cruzo os braços e

ergo a sobrancelha, ele já é ficha

carimbada na diretoria.
Toda vez que tem uma confusão na

escola, Leandro é o pivô dela. Por muito

tempo pegou no pé do meu irmão por ele

ser diferente, meu jeito de puni-lo foi

chamar a mãe dele para conversar.

Alessandra é uma barraqueira assumida

e faz questão de fazer o filho passar

vergonha.
— No precisa, professora

Solange, está tudo bem. Meu irmão,

Gonzales, me ensinou que as pessoas se

assustam com o que é diferente. — Dá

de ombros e sorri astuta, acho que não é

qualquer coisa que a abala.

— Na sua casa você fala

português ou espanhol? — pergunta uma


menina curiosa, estão todos intrigados

com as peculiaridades da Maria

Guadalupe.

Até eu estou, essa família é um

tanto curiosa.

— Sim, como mi padres moram

em um bairro só de espanhóis desde que

vieram para o Brasil, yo tenho mais


contato com o espanhol do que o

português, por isso falo estranho assim.

Mas compreendo bien los dois idiomas,

também falo inglês e estou aprendendo

francês — explica como se fosse a coisa

mais natural do mundo.

Meu queixo cai literalmente,

assim como de todos, principalmente o


do Leandro. Essa menina não tem nem

dez anos e já fala três idiomas e está

aprendendo outro.

Jesus Cristo!

— Você não é diferente, Maria

Guadalupe. Só é especial. Igual a mim.

— Rafael olha no rosto da Lupita por

alguns raros segundos, então completa:


— Não sou bom com as pessoas, mas se

quiser pode ser minha amiga. — Ergue a

mão para que ela aperte.

Fico emocionada, essa é a coisa

mais linda que presenciei nos últimos

tempos.

— É claro que eu quero, Rafael,

de todas as pessoas que conheci nesta


escola, você é a mais interessante. —

Vai até ele e o abraça feliz da vida e os

meus olhos se enchem de lágrimas

vendo os dois juntos, sinto que a

amizade entres eles vai ser daquelas

para a vida toda.

Ainda não acredito que o meu

irmão retribuiu ao abraço da Lupita,


pode ser algo normal para outras

pessoas, mas para mim, que o conheço

bem, sei que é um passo imenso para se

abrir para o mundo e talvez essa

espanholinha espirituosa seja sua ponte

nesse processo.

— Por que você não mostra os

seus desenhos para a Lupita, Rafael? —


sugiro e meu irmão assente várias vezes

animado, ele ama exibir os seus

desenhos.

— Yo amo desenhar, vem, Rafael.

— Lupita sai puxando o meu irmão para

um banquinho no pátio, é incrível como

as suas peculiaridades se encaixam tão

bem.
Sigo o meu caminho e chego na

porta dos professores rindo sozinha, no

entanto, sou obrigada a parar na porta

quando percebo um certo alvoroço entre

os meus colegas de trabalho.

— Aconteceu alguma coisa que eu

não estou sabendo, gente? — Franzo o

cenho, são vinte pares de olhos em cima


de mim.

— Me diz você, Solange, sua

danadinha — insinua Bento, professor

do terceiro ano, tocando o meu ombro

com uma intimidade que nunca lhe dei.

Bento é um ruivo jovem, bonito e

com um corpo legal. Mas se veste como

o meu avô e penteia o cabelo todo para


trás com meio pote de gel bem no estilo

“boi lambeu”, sempre é o primeiro a

saber das tretas aqui da escola e faz o

papel de telejornal, espalhando a notícia

como um rastro de pólvora.

— Como pode imaginar, não faço

ideia do que você está falando, Bento.

— Reviro os olhos.
Com as pontas dos dedos tiro sua

mão suja de mim, se eu não estivesse no

meu local de trabalho seria com um

tapa.

— Quando chegamos aqui,

Solange, a sala estava assim. —A

professora Tess coça as têmporas; ela,

além de colega de trabalho, é a minha


melhor amiga desde a época da

faculdade.

O nome dela, na verdade, é Luana.

Mas todos que a amam a chamam

carinhosamente de Tess, tem uma

história incrível por trás deste apelido.

Ela é uma das pessoas mais bondosas,

inteligentes e amorosas que conheço no


mundo todo. Além de linda e elegante,

tem os traços faciais marcantes e o

cabelo cacheado volumoso cheio de

estilo, que chama a atenção por onde

passa, um verdadeiro mulherão.

— Assim como, Tess? — Elevo

um pouco a voz, sempre fico de mau

humor quando estou com fome.


— Veja com os seus próprios

olhos, amiga. — Tess dá um passo para

o lado com um sorrisinho malicioso e eu

posso ver então o motivo de tanto

alvoroço, meu queixo cai literalmente.

A sala está abarrotada de buquês

de flores, rosas de todas as cores e

tamanhos. Começo a rir, mas de


nervoso.

— Uau, que tudo! Mas hoje não é

Dia dos Professores nem nada, que

estranho. — Dou de ombros.

Meus colegas de trabalho

começam a rir e trocam olhares

estranhos, menos a Tess, que me olha

sem graça.
— O cartão está escrito à mão em

uma letra elegante que é para você,

Solange. — O professor Roberto

aparece do nada e entrega o cartão com

a expressão fechada; pela colônia de

homem de rua, já sei exatamente quem

enviou.

Sou tomada por uma mistura de


raiva e vergonha por estar sendo exposta

dessa forma no meu local de trabalho,

isso não vai ficar assim.

— Eu vou matar esse espanhol

abusado ou não me chamo Solange

Almeida! — grito enfurecida.

No cartão estão as seguintes

palavras…
“O jogo está apenas começando,

Cariño.”

Seu Gonzales.

Seu Gonzalez é a puta que pariu,

porra! Minha raiva é tanta que rasgo o

cartão em mil pedaços, jogo os pedaços


no lixo e começo a levar os buquês de

flores para o fusquinha da minha mãe.

Não posso encher os latões de lixo da

escola com eles ou depois a diretora vai

encher ainda mais o meu saco por causa

dessa merda. Como são muitas flores,

peço ajuda à minha amiga Tess. Quando

termino de enfiar à força o último


arranjo de rosas vermelhas no banco de

trás, tenho um acesso de raiva e chuto as

rodas do pobre Osvaldo, xingando o

espanhol de todos os palavrões que

conheço.

— Espanhol filho de uma puta, eu

já dei o que queria. Então por que não

me deixa em paz? Caralho. — Esmurro


a lataria.

— Oh, amiga, o que esse homem

fez com você para te deixar nesse

estado? — A voz embargada de Tess me

faz cessar a raiva, ela nunca me viu

perder a compostura dessa forma.

— Fui eu mesma que fiz. —

Abraço a minha amiga e aperto os olhos


ao lembrar do dia em que destruí a

minha vida no exato momento em que

enviei aquela mensagem para o

Gonzales.

“Você ganhou, eu tenho preço.

Por dez mil reais, sou sua por uma

noite. Pode fazer o que quiser comigo


durante esse período. É pegar ou

largar.”

Eu estava sentada na calçada em

frente ao bar depois de tomar a quarta

cerveja, meu coração batia rápido

enquanto esperava a resposta do

Gonzales. Com a mão trêmula, limpei as


lágrimas silenciosas que deslizavam

pelo meu rosto. Precisava de mais

álcool no sangue, então abri a quinta

cerveja. Sorvi um longo gole, com os

olhos grudados na tela do celular.

— Por favor, Gonzales, não aceite

a minha proposta! — Soltei o ar

pesadamente, em prece.
Apesar de precisar muito, mas

muito mesmo, dos dez mil reais! No

fundo torcia para que Gonzales não

aceitasse a minha proposta, no entanto,

minhas esperanças foram embora

quando recebi a seguinte resposta do

Gonzales:
“Yo pego! Estás livre esta noite?”

Eu apenas respondi de volta:

“Estou. Em qual horário e

lugar?”

Lembro de deixar o celular cair no


chão e chorar muito, desde então aquela

maldita noite que passei com ele tem me

atormentado.

— Como assim, Solange?Me

explica essa história melhor. — Limpo

as minhas lágrimas.

Depois de tanto tempo guardando

o peso desse segredo sozinha, crio


coragem não sei de onde e arrasto Tess

para um canto discreto e abro o jogo

sobre toda a história por trás do homem

que enviou as flores. Minha amiga fica

furiosa.

Apesar da vergonha, me sinto

mais leve agora por dividir o peso dessa

merda que fiz com alguém.


— Oh, amiga, então foi assim que

você conseguiu dinheiro para pagar a…

— O choro engole as palavras de Tess e

ela não consegue completar a frase, ela

estava ao meu lado e da minha família

quando tudo aconteceu.

— Eu realmente não tive escolha,

Tess, era tudo ou nada. Você melhor que


ninguém sabe disso. — Sorrio amarga.

— Você podia ter me pedido

dinheiro emprestado, Solange, mas que

merda! Eu venderia o meu carro ou

pegaria um empréstimo no meu nome —

fica zangada comigo.

Eu sabia que ela faria qualquer

coisa por mim, mas não seria justo


envolver minha amiga nos meus

problemas.

— Não fica brava comigo, Tess,

já passou. Eu te amo e agradeço por se

preocupar tanto comigo.

— Como conseguiu guardar esse

segredo por tanto tempo? Deve ter te

corroído aos poucos. — Balança a


cabeça, triste.

Tess me conhece melhor que

ninguém, sabe que para alguém tão

orgulhosa quanto eu chegar ao ponto de

fazer o que fiz é porque realmente estava

muito desesperada. Na minha situação

qualquer um estaria.

— Houve momentos que eu pensei


em me matar para fazer essa dor

horrível passar, mas então todo esforço

que fiz não significaria nada e, de toda

forma, a minha mãe e o meu irmão

ficariam sozinhos — constato dando de

ombros.

— Não acredito que não percebi

nada, eu devia ter desconfiado quando


chegou com todo aquele dinheiro. —

Soluça.

Tess estava lá em casa quando

apareci com o dinheiro e menti dizendo

que implorei ao gerente do banco e ele

ficou com pena e autorizou a liberação

do quarto empréstimo, como se esse tipo

de gente tivesse compaixão por alguém


que não fosse o bolso deles. Eu e ela

também lembramos que a minha mãe

ficou tão feliz que caiu de joelhos no

chão da sala, grata pelo milagre

concedido por Deus, até me fez ir à

missa de domingo para agradecer. Eu

fui, mas para implorar o perdão dEle.

— Não teria como você descobrir,


então para com isso. Chega dessa

choradeira, mulher, só quero comer o

meu almoço em paz e encher a minha

barriguinha antes de voltar para a sala e

encontrar os meus monstrinhos lindos e

cheios de energia. — Bato com as duas

mãos sobre a barriga que não para de

roncar.
— Melhor mesmo, Sol, sei como

fica de mau humor, amiga, quando está

com fome — brinca e nós duas rimos,

voltamos para a sala dos professores de

braços dados.

Encosto na parede de cara fechada

enquanto espero minha marmita

esquentar no micro-ondas, debaixo dos


olhares debochados dos outros

professores. Vez ou outra alguém faz

alguma piadinha sem graça ou algum

comentário maldoso. Só o professor

Roberto que permanece o tempo todo de

cabeça baixa, fazendo sua refeição em

silêncio.

— Então quer dizer que a baleia


enfim vai desencalhar, gente? Existe

louco mesmo para tudo nesse mundo —

implica a professora Suelen, eu nem me

abalo.

Nada que venha dessa loira

metida toda siliconada desde os peitos

até a bunda me atinge, ninguém aqui

entende como essa mulher consegue


pagar o monte de cirurgias plásticas que

faz. A boca parece um bico de pato de

tanto preenchimento labial, fora os olhos

puxados com botox. Não tem nem trinta

anos e tudo nela é falso, principalmente

o caráter.

— Com certeza, Suelen, o seu

quarto marido é a prova disso — rebato,


meiga e abusada.

Agora ela é o motivo das risadas

de todos. Comigo é assim mesmo, se

tentarem me atingir, devolvo com o

dobro de força. Não me intimido fácil e

já adianto que usar o meu peso contra

mim é perda de tempo, porque não

mudaria nem um centímetro no meu


corpo. Não tenho excesso de gordura, é

gostosura mesmo.

Depois que coloquei a Suelen no

lugar dela ninguém ousou mexer mais

comigo durante o meu almoço. Após o

final da aula, vou pegar o Rafael na sala

dele, aproveito e fico de vigia para

quando Gonzales aparecer para buscar a


irmã na escola hoje. Vou fazer um

escândalo e mandá-lo enfiar aquelas

flores do caralho no rabo ou não vou

conseguir dormir em paz hoje. Mas não

dou sorte e quem vem buscar a Lupita é

uma senhora muito elegante em um

vestido amarelo e óculos escuros. Ela é

alta e malhada, com cabelo preto


ondulado acima da cintura. Realmente

muito bonita.

Será que é alguma das peguetes

dele? Deve ser muito íntima para vir

buscar a sua irmãzinha linda na escola.

Não que isso me importe, é claro, quero

mais é que os dois se fodam e me

deixem em paz.
— Madre! — Lupita abre um

sorriso gigante ao sair da sala e ver a

mulher.

Ela disse madre? Em português

quer dizer mãe. Essa mulher parece ser

irmã do Gonzales. Estou passada! E eu

enchendo a cabeça de conclusões

descabidas sobre a coitada, que


vergonha.Poderia concluir que poderia

ser sua madrasta, mas depois que ela

tira os óculos escuros percebo o quanto

se parece com ele, em especial no

sorriso.

— Olá, mi amor. — Abre os

braços e a pequena vai correndo até ela.

— Por que você está encarando a


Lupita e a mãe dela desse jeito,

Solange? — Rafael aparece falando

alto, quase me matando do coração de

susto, não vi quando saiu da sala.

— Não estou reparando em

ninguém, Rafael, que saco. Agora vamos

embora. — Saio a passos largos na

frente, antes que essa criatura me faça


passar mais vergonha.

— Estava sim, Solange, eu vi —

insiste, não vai sair do lugar até eu

confirmar que ele está certo.

— Está bem, Rafael, você está

certo. Feliz agora? — ironizo com as

mãos na cintura.

— Bastante — responde sincero.


Reviro os olhos.

— Olha, mamá, aquela é a

professora Solange e o irmão dela,

Rafael. O meu novo melhor amigo. —

Lupita aponta na nossa direção, tentei

continuar andando e fingir que não ouvi.

Mas quando olho para trás, o

Rafael já estava conversando com as


duas.

Mas que merda! Sou obrigada a

me fazer de sonsa e ir até eles.

— Olá, senhora, muito prazer, sou

Solange, professora do segundo ano. —

Mexo nas minhas tranças com um

sorriso.

— Ela no é linda, madre? O


Gonzales também acha, ele disse que

existem muitas mujeres lindas. Mas

você, Solange, é simplesmente

esplêndida — conta a espanholinha com

um sorriso sapeca.

— Tu irmão disse isso mesmo, mi

amor? Yo sempre soube que Gonzales é

um homem de bom gosto. — Pisca o


olho para mim, minha bochecha queima

de vergonha.

— Muito obrigada, senhora, é um

prazer conhecê-la. Mas meu irmão e eu

precisamos mesmo ir embora agora,

estamos atrasados. — Tento trilhar uma

rota de fuga.

— Não estamos não, Solange,


olha. — Rafael enfia o pulso na minha

cara para que eu veja no relógio em seu

pulso, cortando o meu barato embaixo.

Devia ter esperado por isso,

sempre esqueço que mentir na frente

dele é furada na certa.

— Só um minuto, querida, yo nem

me apresentei. Meu nome é Carmem. —


Sorri gentil.

— O prazer é todo meu. — Sorrio

sem graça.

— Quero que saiba que te achei

linda desde a primeira vez que te vi no

velório do filho da Daniele. Mas agora,

te vendo mais de perto, Dios Mio! Como

Gonzales disse, é simplesmente


esplêndida, ele no tirou os olhos de

você enquanto esteve na igreja, parecia

até hipnotizado. — Me puxa para um

abraço e beija o meu rosto, fico sem

reação, dura feito um poste.

Por que o Gonzales não comentou

nada que me viu no velório do

Marcelinho? Tem alguma coisa muito


errada nessa história e eu vou tirar isso

a limpo, mas tem que ser direto da fonte.

— Eu também acho você

esplêndida, Solange, mas só às vezes —

elogia Rafael, mas do jeito dele.

— Ei, Louis, deixa as duas se

conhecerem melhor e vamos brincar,

vem — ele concorda e os dois se


afastam indo para o parquinho a alguns

metros de nós.

— Realmente foi um prazer

conhecê-la, Carmem. Como o meu pai

diria, a senhora tem uma energia do

bem. Fora que é tão linda e jovem, nem

parece que tem um filho da idade do

Gonzales — digo sincera.


— Humm, então você e o meu

filho já se conheciam? Yo sabia! Agora

tudo faz sentido. — Bate palminhas toda

alegre, como se soubesse de uma coisa

que eu não sei.

— Sabia o quê? — Arqueio a

sobrancelha e troco o peso de um pé

para o outro, a situação está ficando


estranha.

— Que meu filho está apaixonado,

por isso tem agido tão estranho, por

favor, me diga que vocês estão

namorando. Imagina yo com uno netinho

ou netinha com esse seu tom de pele

lindo. — Alisa o meu rosto com carinho,

como se eu já fosse parte da sua família.


Doidinha de pedra.

— Isso nunca vai acontecer!

Gonzales e eu nem somos amigos, muito

menos namorados — tropeço nas

palavras.

Não sei lidar com as pessoas

excêntricas dessa família.

— Yo disse a mesma coisa quando


conheci o pai dele e no final terminei

casada e com três filhos lindos. —

Agarra o meu braço, cheia de

intimidades, e dá uma risadinha, para

ela já somos sogra e nora.

— Bem, a conversa está boa, mas

meu irmão e eu precisamos ir mesmo.

Até a próxima, senhora Carmem — digo


agoniada.

Dou um sorriso que mais parece

uma careta apavorada e vou até as

crianças, agarro o braço do Louis e saio

o puxando à força.

— Tchau, bela muchacha, depois

me passa o seu telefone para sairmos

juntas para um café. Yo quero te


conhecer melhor, minha querida! —

grita a mãe do Gonzales acenando de

longe.

Aceno de volta, entramos no

Osvaldo e imediatamente giro a chave e

o motor do fusquinha vibra. Meto o pé

no acelerador, essa mulher me assusta. E

o pior é que não é de maneira negativa,


em outras circunstâncias acho de

verdade que seríamos grandes amigas.

Mas sendo mãe do Gonzales, vou manter

distância.

— Por que você não está indo

para o nosso bar, Solange?A mamãe está

nos esperando para ajudá-la. — Rafael

quebra o silêncio depois de um tempo,


está agitado, odeia sair da rotina.

Mas eu preciso me livrar dessas

flores no meu carro o quanto antes. Não

posso correr o risco da minha mãe ver e

começar a fazer um monte de perguntas,

não vai parar até descobrir a verdade

sobre o macho escroto que as enviou.

— Eu preciso passar em um lugar


antes, Rafael Louis, prometo que não

vamos demorar — peço com carinho,

então o show começa.

— Não, Sol! Nós sempre

chegamos no bar às treze horas, quarenta

e oito minutos e trinta e dois segundos.

Se não chegarmos nesse horário a

mamãe vai ficar preocupada. — Começa


a balançar o corpo batendo as costas no

banco.

— Eu já mandei uma mensagem

para a mamãe dizendo que vamos

atrasar um pouquinho, Rafa. Então

relaxa!

— Eu já disse que não! Eu odeio

atrasos… eu odeio atrasos… eu odeio


atrasos — repete sem parar ao estapear

a cabeça, as pessoas passando na

calçada olham para nós, preocupadas.

Depois de passar por isso várias

vezes, aprendi a manter a calma e lidar

com o meu irmão em momentos como

este. Procuro a primeira vaga disponível

e estaciono, desligo o Osvaldo e respiro


fundo. Me viro paciente para o Rafael e

digo em um tom bem baixinho.

— Eu te amo, Rafael. Vai ficar

tudo bem, querido. Estou aqui com você.

Sempre estarei. — Toco seu ombro bem

de leve, respeito as suas limitações em

relação ao contato físico.

Ele para de gritar e olha para fora


através do vidro da janela entreaberta,

as mãos sobre o colo e os dedos

entrelaçados uns aos outros.

— Para sempre? — pergunta em

um fio de voz.

— Sim, meu amor, porque, como o

papai te dizia todos os dias, lembra?

Você foi a melhor coisa que aconteceu


nas nossas vidas, um presente de Deus.

— Meus olhos enchem de lágrimas.

Quando o meu pai se foi Rafael

era tão novo.

— Eu sinto tanta falta do papai,

Sol. — Respira profundamente.

— Eu também sinto, meu amor,

todos os dias. — Aperto os olhos.


— Acho que não tem problema se

atrasarmos alguns minutos para ver a

mamãe. Mas só hoje, está bem? — diz

no seu tom inocente.

— Está bem, eu prometo! — Dou

um beijo de surpresa no seu rosto, ele

faz uma careta engraçada e limpa o local

várias vezes com a manga da blusa.


— Onde você disse que estamos

indo mesmo, Sol?

— Eu não disse, Louis, mas

estamos indo devolver essas flores para

o dono. Não conta nada para a mamãe,

que eu te dou um caderno de colorir

novo — ele concorda, obviamente.

Olho pelo retrovisor para o banco


de trás amarrotado de arranjos de rosas

vermelhas. Antes de rasgar o cartão que

veio junto com elas, vi o endereço da

pessoa que as enviou. No meu rosto

brota um sorriso vingativo, dentro de

mim habitam duas personalidades

diferentes. Uma boa e a outra perversa,

a forma como você me trata é que vai


definir qual das duas vai conhecer.
Gonzales

Bufo entediado, será que essa

reunión chata no vai acabar nunca,

Dios? Estou com os pensamentos em

outro lugar, mas no poderia desmarcar

esse encontro importante de última hora


com os investidores mais importantes da

minha empresa. Nem pude buscar a

Lupita na escola como havia planejado,

mi madre foi no meu lugar. Yo queria

tanto ver a minha Sol, estou curioso,

será que ela gostou das flores que

enviei? Com certeza, toda mujer ama

receber essas besteiras.


— Desculpa, Gonzales, mas você

ouviu alguma coisa sobre o que eu

acabei de dizer sobre cogitarmos a

possibilidade de abrir uma filial da

empresa em São Paulo? — pergunta o

CEO, Paulo Varela, um dos empresários

mais respeitados deste país.

Quando abro a boca para


responder, ouço gritos vindos do lado de

fora da sala.

— A senhora não pode entrar, meu

chefe está no meio de uma reunião muito

importante. Marque horário e volte outro

dia — explica minha secretária Bianca,

com a respiração ofegante como se

estivesse correndo atrás de alguém e


falando ao mesmo tempo.

— Ah, vai se lascar, minha filha!

— Ouço o berro de uma voz que yo

conheço muito bem, engulo em seco e

afrouxo o nó da gravata.

— Yo estou fodido! — penso em

voz alta.

Todos olham para mim confusos,


mas logo entendem quando as portas da

sala de reuniões se abrem bruscamente.

— Mas quem é essa gorda

maluca? — Paulo Varela aponta com

desdém para a Solange, parada na porta

segurando vários buquês de flores ao

mesmo tempo.

Seus olhos raivosos sobre mim


são os piores possíveis, minha vontade é

socar a cara dele por falar assim da

minha mujer. Mas no tenho tempo de

tomar nenhuma atitude, Solange se

defende sozinha do comentário grosseiro

desse babaca.

— Fica na sua, velho metido, ou

vai sobrar pra você também. O meu


problema é com ele. — Aponta o dedo

para mim, faço cara de desentendido

como se no fosse comigo.

Percebo que Solange não está

sozinha, tem um garoto com ela, yo já o

vi uma vez na festa na casa do John e

Yudiana, é o seu irmão mais novo. Os

dois têm os mesmos traços faciais, mas


ele é alto e magro. Tem algo diferente

nele. O olhar perdido, como se o seu

corpo estivesse aqui, mas a alma em

outra dimensão completamente diferente.

A vista privilegiada da janela

panorâmica da sala de reuniões parece

agradá-lo, porque olha fixamente para

ela.
— Me desculpem a todos os

presentes pelo transtorno. Yo conheço

essa moça e vou conversar com ela na

minha sala, volto em alguns minutos. —

Puxo os cantos da boca e forço um

sorriso.

— Não vou a lugar nenhum com

você, espanhol.Só vim aqui devolver


isso. — Joga todas as flores em cima de

mim, sem nenhum pingo de gentileza,

esfregando as pétalas vermelhas na

minha cara.

Yo perco a paciência, tudo tem

limite. E essa mujer já passou de todos.

— Quem você pensa que é para

invadir a minha sala e me desrespeitar


dessa forma, cabrona? — Fico de pé e

bato a mão fechada em punho sobre a

mesa.

— Quem você pensa que é para

enviar esse monte de flores para o meu

trabalho, seu filho da puta? — Aproxima

nossos rostos com um olhar desafiador.

— Esse é o meu último aviso, Gonzales.


Fica longe de mim ou vou te mostrar

quão perigosa posso ser quando me

sinto coagida — ameaça com os olhos

estreitos, nunca quis tanto beijar uma

mujer.

Meu pau dá sinal de vida na

mesma hora, caramba!Toda essa marra

da Solange me deixa com um tesão da


porra, por mim yo jogava esse seu corpo

farto delicioso em cima dessa mesa e a

fodia bem gostoso na frente de todos os

meus sócios.

— Pois você que tente, Solange

Almeida! Yo sou o advogado mais

poderoso desse país e sempre consigo o

que quero, pensei que já havia deixado


isso bem claro naquela noite que

passamos juntos, Cariño — provoco e

as consequências logo vêm.

Solange me dá uma bofetada com

tanta força que um zumbido ecoa dentro

dos meus ouvidos, mas yo mereci essa.

— Ainda bem que eu nunca

cometo o mesmo erro duas vezes,


Gonzales — rebate amarga.

É o que veremos, Cariño!

Sorrio irônico e massageio o lugar

onde provavelmente a marca dos seus

cincos dedos está “xerocada”, se ela

veio aqui disposta a me afastar só

conseguiu aumentar ainda mais o meu

desejo de que seja minha.


— Já terminou, Cariño? — Agora

sou yo que me inclino e aproximo o meu

rosto dela, nossos lábios quase se

tocam. — Ou tem mais alguma ameaça?

Porque, como pode ver, estou um pouco

ocupado no momento. Mas podemos

continuar essa conversa em um momento

mais propício. — Dou um sorriso de


canto, fitando-a de cima a baixo de um

jeito imoral.

Solange joga as suas tranças para

trás, toda desconcertada. Ponto para

mim, mamacita! Quando tiver o prazer

de provar sua boca, no vou parar por

toda a eternidade.

— Não. Nossa conversa termina


aqui, Gonzales. Adeus! E dessa vez é

definitivamente. — Gira o corpo e sai

rebolando, fico hipnotizado vendo as

pontas das tranças longas batendo na

copa da sua bunda grande.

Sento de volta na minha cadeira

de couro preta, rindo nem um pouco

preocupado com os olhares feios dos


meus sócios, essa diaba me enlouquece.

Esse jogo está começando a ficar

interessante.

— No está esquecendo de nada,

Sol? — alerto.

Ela para de andar antes de passar

pela porta.

— Vem, Rafael Louis, a mamãe


está nos esperando — diz sem olhar

para trás.

— Estou indo, irmã. Só preciso de

mais um segundo — responde

compenetrado seja lá no que for.

O garoto arranca uma folha do

caderno que no percebi que tinhas em

suas mãos e deixa sobre a minha mesa;


antes de ir embora, diz:

— Essa sala tem uma vista

receptiva e agradável, pena que eu não

posso dizer o mesmo das pessoas que

estão dentro dela — pontua sem

sarcasmo ou ironia, só compartilha sua

constatação conosco.

Dado o seu recado sem olhar para


nenhum de nós sentados na mesa em

nenhum momento, permanece parado

próximo à mesa. Yo fico sem graça e

espero que o meu sócio que chamou a

irmã dele de gorda maluca também, um

hombre de verdade não ofende uma

mulher dessa forma.

— Vem logo, Rafael! — grita


Solange com mais ênfase, ele sai

correndo para conseguir alcançar a

irmã.

Depois que as minhas “visitas”

saem o clima fica ainda mais tenso, o

empresário Paulo Varela no tem papa na

língua quando está nervoso, e é o

primeiro a vir falar mais merda.


— Mas que palhaçada acabou de

acontecer aqui, Gonzales? Não sei como

conseguiu construir uma empresa de

sucesso como esta, se nem consegue

controlar as putas que come — se

exalta, mas com certeza no mais do que

yo.

— Eu concordo com o Paulo,


você nos deve um pedido de desculpas,

Gonzales. Essa reunião foi uma baixaria.

— Outro sócio eleva a voz, mas no me

dou ao trabalho nem de olhar para ele,

sempre foi uma planta que só concorda

com tudo o que o Paulo fala.

Um puxa-saco de galocha.

— Você a chamou de que, Paulo


Varela? — pergunto com veias pulsantes

na minha testa, se ele repetir sou capaz

de matá-lo.

— De puta! Tudo bem comer esse

tipo de mulher, eu mesmo durmo com

muitas. Porém só as bonitas e novinhas,

não essas negrinhas gordas barraqueiras.

— Solta uma gargalhada debochada;


quando dou por mim já estou socando a

cara desse hijo de una putana.

Foi preciso a minha secretária

chamar os seguranças da empresa para

me tirar de cima desse crápula, preciso

pesquisar as pessoas com quem ando

fazendo negócios.

— Sério mesmo que me agrediu


por causa daquela mulherzinha? Eu vou

te denunciar por agressão. — Limpa o

sangue escorrendo do seu nariz, minha

vontade é de partir para cima dele de

novo.

Mas dois dos meus melhores

seguranças estão me segurando antes que

o pior aconteça, estou a um passo disso.


— Quem vai te denunciar por

racismo soy yo, seu maldito! Caso não

saiba, esse crime é inafiançável. E

nunca mais fale assim da minha mujer

novamente ou mato você, entendeu bem?

Nossa parceria termina aqui! No faço

negócios com gente da sua laia. — Tento

me soltar para partir para cima dele


novamente, mas os seguranças entram na

minha frente.

Descontrolado, expulso todos da

sala de reuniões.

— Esse soco que me deu no rosto

não vai ficar assim, Gonzales! — insiste

aos gritos enquanto é arrastado para

fora.
— Mas no vai mesmo, Paulo. Vai

ficar roxo e inchar. — Rio debochado.

Yo nunca vali nada e sempre

assumo isso, as mujeres que ficam

comigo sabem exatamente com quem

estão lidando. Mas no admito nenhum

tipo de preconceito e racismo com

ninguém na minha frente, muito menos


com a minha mujer.

— Desculpa, Gonzales, por eu não

ter conseguido segurar a moça que

invadiu a sala, ela parecia um cão

raivoso. — Minha secretária começa a

chorar, ela nunca me viu perder a

compostura como hoje.

— No foi sua culpa, Bianca, só


arrume essa bagunça, por favor. — Olho

para aquele monte de flores lindas

espalhadas pelo chão, que desperdício.

— Mas e esse desenho, senhor? É

para jogar no lixo também?

— Que desenho, Bianca? —

Enrugo a testa.

— Esse, senhor, em cima da sua


mesa. — Pega a folha que o irmão da

Solange deixou e me entrega.

Olho para a folha e depois para a

vista da janela panorâmica da sala de

reuniões, são idênticas até nos mínimos

detalhes. Os traços da copa dos prédios

em riscos que dão uma impressão 3D, é

possível ver o Pão de Açúcar e o mar


azul banhado por espumas brancas. Mas

nada se compara ao Cristo Redentor ao

fundo, simplesmente magnífico. Sou um

admirador de artes e posso afirmar que

nunca vi nada parecido antes, esse

garoto tem um talento nato.

Fazer uma criação dessas em

menos de cinco minutos no tem


explicación. Estou de fato

impressionado.

— Aquele garoto é um verdadeiro

artista! — penso em voz alta.

Guardo o desenho na minha

carteira e resolvo sair para arejar um

pouco a minha cabeça, no estou em

condições psicológicas de permanecer


nessa empresa agora.

— O senhor vai sair? — Bianca

para o que está fazendo para se

intrometer na minha vida.

— Sim, e talvez no volte mais

hoje.

— Mas o senhor não pode, chefe,

tem outra reunião daqui a meia hora com


o grupo principal de advogados sobre

aquele caso importante. — Anda atrás

de mim com o salto fino em atrito com o

chão causando um barulho irritante, que

mujer chata, nem acredito que já comi

ela em cima da minha mesa uma vez.

— Cancele, Bianca, e no me

atormente mais! — Entro no elevador,


desço até a garagem, pego minha BMW

e saio cantando pneu.

Minha vontade é ir atrás daquela

diaba e continuar a nossa briga de onde

paramos. Ninguém nunca fez isso antes,

aliás, yo nunca mandei flores para

nenhuma mujer além da minha madre.

— Maldición! Por que você mexe


tanto comigo, Sol? — Soco o volante,

yo estava tão confiante que depois que

dormisse com ela perderia a graça como

com todas as outras, mas me dei mal.

Yo pagaria o que Solange pedisse

para tê-la na minha cama novamente,

mas dessa vez no parece estar aberta a

negócios e isso me confunde. Pensei que


o seu jogo de se fazer de difícil no

começo era para preparar o terreno para

arrancar o máximo de dinheiro possível

como da primeira vez, mas agora no sei

de mais nada. Preciso da opinião de um

amigo de confiança e só tem um em

quem confio para desabafar.

Dirijo até o gabinete do Juiz


Thompson, ele é o meu melhor amigo e

sempre foi um bom ouvinte e

conselheiro.

— Boa tarde, Gonzales, que

alegria o senhor por aqui. Se veio ver o

Juiz Thompson, ele está no gabinete

dele. — Sou recepcionado pela mais

antiga funcionária do fórum. Marta é


uma senhora muito amorosa de sessenta

e poucos anos que todos aqui amam

muito e respeitam como se fosse a

própria mãe.

Quando yo trabalhava neste fórum

como assessor do Juiz Thompson, ela

sempre trazia para mim um pedaço de

bolo, doces ou algum outro mimo que


fez no dia anterior e levava na minha

sala.

— Yo pensei que nem se lembrava

mais de mim depois que começou a

trabalhar para o novo assessor do

Thompson, Marta. — Beijo o topo da

sua cabeça, ela me abraça com carinho.

— Não é assessor, muchacho. É


assessora. Mas o que tem de bonita, tem

o dobro de antipática. — Faz uma careta

engraçada.

— Bonita, é? — Arqueio a

sobrancelha com segundas intenções.

— Toma jeito, menino, quando vai

arrumar uma namorada e sossegar o

facho? — Dá um tapa no meu braço.


— Nunca, Martinha, yo nasci para

ser de todas. Acho bom a senhora e mi

madre se conformarem com isso. —

Beijo o seu rosto e saio rindo.

Entro no gabinete do John sem

bater, já sou de casa e no preciso seguir

essas formalidades. Encontro mi amigo

sentado na sua cadeira lendo alguns


documentos, ele leva um susto quando

me vê parado na sua frente.

— Yo preciso de um conselho,

John. — Começo a andar de um lado

para o outro com as mãos na cabeça.

— Que surpresa você por aqui,

Gonzales. Mas eu estou com…

— No quero saber se está


ocupado, John, yo preciso de você agora

— o interrompo.

— Mas, Gonzales, me deixa falar

uma coisa antes — insiste.

— Quem vai falar sou yo, cala a

boca e escuta porque preciso desabafar

com alguém ou vou explodir — falo sem

paciência e ele assente.


— Manda bala então, sou todo

ouvidos. — Joga as costas na cadeira

com as mãos juntas frente ao corpo,

parece relaxado.

— Lembra daquela mujer que

conheci numa festa há uns dois anos e no

consegui mais tirar da cabeça? — Pela

expressão de confusão dele, acho que no


faz ideia do que estou falando.

— Seja mais específico,

Gonzales, você deve conhecer pelo

menos noventa por cento das mulheres

em cada festa que vai. — Respira

profundamente.

— Estou falando da única que me

rejeitou em toda a minha vida, porra! —


esbravejo com o meu ego ferido.

A verdade é que, quanto mais a

Sol me rejeita, mais obcecado yo fico

por ela.

— Agora lembrei, está falando

daquela que só sente atração por homens

da mesma etnia que a dela?

— Essa diaba mesmo, a


reencontrei depois de um ano e yo no

estou sabendo lidar com o que estou

sentindo desde então. — Deslizo as

mãos pelo rosto, impaciente.

— Eu estou vendo, Gonzales.

Entrou aqui agindo feito um maluco. Já

cogitou a possibilidade de estar

apaixonado por ela? — pergunta direto


como o corte de uma navalha afiada.

Solto uma gargalhada na cara do

meu amigo, ele só pode estar de

brincadeira comigo.

— Yo no me apaixono nunca, yo

fodo gostoso e depois passo para a

próxima. Sempre foi assim e deu muito

certo.
— Até agora, espanhol — ele

constata.

— Assim você no está me

ajudando, John. Essa desgraçada me

enfeitiçou, era para yo ter me livrado

dela na manhã seguinte que dormimos

juntos. Só que já se passou um ano e

ainda no consigo parar de pensar nessa


mujer. — Puxo os cabelos de olhos

fechados.

— Por que não me contou que

vocês transaram? Que decepção! Eu

pensei que essa moça fosse mesmo

diferente das outras e resistiria ao seu

charme. — Balança a cabeça,

decepcionado.
Yo queria ter contado para o John

antes, mas no tive coragem de dizer para

o meu melhor amigo que paguei para

dormir com uma mujer. Mas, já que

estou na merda mesmo, vou jogar todas

as cartas sobre a mesa.

— Vai ficar ainda mais

decepcionado em saber que ela me


pediu dez mil reais para passar uma

noite comigo, e o idiota aqui pagou e no

me arrependo. Foi o melhor sexo da

minha vida. — O queixo de John cai

bem na minha frente, minha revelação o

deixou estupefato.

— Sério mesmo isso? O maior

garanhão do Rio de Janeiro, Alejandro


Gonzales, pagou todo esse dinheiro para

dormir com uma mulher! — O Gabinete

é tomado por gargalhadas

exageradamente altas, mas no são do

John.

Quando me viro para olhar para

trás, vejo o promotor Pedro no fundo da

sala, sentado em uma poltrona que fica


no canto mais escondido; o boludo de

mierda rola de rir na minha cara, chega

a sair lágrimas no canto dos olhos. John

não aguenta e começa a rir também.

Pronto, agora yo virei uma piada para os

dois.

— Por que tu no me disse que no

estava sozinho, John? — Fico puto,


cheguei tão ansioso que nem percebi que

ele tinha visita.

— Eu tentei te falar, espanhol, mas

você não me deixou abrir a boca e já foi

entornando tudo em cima de mim. —

Ergue as mãos como se estivesse

rendido, mas continua rindo.

— Pode ficar tranquilo, cara, seu


segredo da xoxota de ouro está bem

guardado comigo. — Pedro joga a

cabeça para trás e coloca as mãos sobre

a barriga, rindo mais ainda.

— Olha quem está falando, Pedro.

O cara que foi seduzido por uma

ladrazinha colombiana e amanheceu no

outro dia em um quarto de hotel em


Tijuana só com a cueca no corpo. —

John corta o barato do Pedro e ele fecha

a cara, agora é a minha vez de rir dele.

Yo sabia que o promotor Pedro

tinha ficado de quatro pela minha prima

em segundo grau, Esmeralda, quando

fomos para a Colômbia. Conheço bem a

peça, é uma mulher privilegiada fora do


comum, mas no vale o ar que respira,

assim como o seu irmão mais velho,

Heros. Um gângster que é conhecido em

toda América Latina como o rei do

crime. Ninguém ousa bater de frente com

esse cara, nem mesmo a polícia.

— Yo te avisei, Pedro, que a

Esmeralda era chave de cadeia, no


avisei? — Dou de ombros.

— É, você avisou, espanhol, mas

não disse nada sobre ela roubar até as

minhas calças. Aquela filha de uma puta

do caralho! — resmunga.

— Perdón, Pedro, mas yo no

consigo parar de ver a cena de você

correndo só de cueca pelas ruas de


Tijuana. — Me jogo no sofá ao seu lado,

rindo da sua cara de trouxa.

— Não vem virar o jogo para o

meu lado, Gonzales, agora que começou

pode contar tudo sobre essa mulher, eu

estou muito curioso — propõe Pedro,

então yo resolvo contar toda a história

para os dois detalhadamente desde o


começo, afinal, três cabeças pensam

melhor que uma.

Os dois me escutam atentos.

— Deixa eu ver se entendi, então

a xoxota de ouro é a ex-professora do

meu filho? E agora você subornou a sua

irmãzinha de oito anos para estudar na

mesma escola do Max só para ter um


motivo para se aproximar dela? —

indaga John, zombeteiro.

A essa altura o fórum já fechou e

todos os outros funcionários foram

embora, sobraram apenas John, Pedro e

yo jogados no carpete vermelho do chão

do gabinete, embriagados com uma

garrafa de uísque que no faço ideia de


onde veio.

— Sim, John, exatamente. —

Reviro os olhos e sorvo um gole do

uísque direto da garrafa e passo para o

Pedro.

— Meu Deus, Gonzales, a sua

cara de pau não tem limite mesmo.

Deixa a tia Carmem e o tio Antônio


saberem disso, eu vou fingir que não sei

de nada.

John tira o rabo dele fora.

— Eu não sei não, Gonzales, essa

história está muito estranha. Mulheres

golpistas não dão aulas para

criancinhas, até porque se fosse uma

interesseira teria tirado de você muito


mais do que dez mil reais — pontua

Pedro.

— Se Solange no é uma

interesseira, por que ela pediu dinheiro

para dormir comigo? Independente da

quantia, dinheiro é dinheiro —

esbravejo.

— Porque talvez ela realmente


precisasse da grana, espanhol, e não

tinha mais alternativa. — John coça a

nuca.

— Onde tu queres chegar com

isso, John?

— Que ela dormiu com você por

desespero, Gonzales. Não interesse —

Pedro se adianta e responde à minha


pergunta, acertando o meu corazón em

cheio.

Ou melhor, na minha virilidade. Yo

posso suportar a Solange ter dormido

comigo por interesse, mas no por

desespero.

— Então quer dizer que a Solange virou

a pobre coitada da história agora? No


puedo crer.— Sorrio irônico.

— Pedro e eu não estamos defendendo

ninguém, irmão, só tenta ouvir o lado da

moça antes de tirar falsas conclusões.

Medo de descobrir a verdade nunca

resolveu problema nenhum. — Como

sempre, John está coberto de razão.

Mas soy orgulhoso demais para


admitir.

— Os dois estão errados e yo vou

provar, Solange é uma interesseira.

Conheço bem o jogo dela, primeiro vai

se fazer de difícil para depois dar o bote

e lucrar em cima de mim. — Levanto

cambaleando e vou embora cuspindo

fogo pelas ventas.


Chego em casa e vou tomar um

banho frio, queria poder conseguir tirar

a Solange da minha mente por pelo

menos um segundo. Mas no consigo.

Toda vez que fecho os olhos a primeira

imagem que vem à minha mente é do seu

sorriso desafiador, lindo e sexy. Respiro

pesadamente, com as mãos abertas


apoiadas sobre a parede. A água fria cai

sobre o meu corpo por um longo tempo,

no sei mais o que fazer. Yo tentei

abordar Solange com flores, mas ela

quis declarar guerra. Então, que a guerra

comece.

Vou mostrar para essa diaba

teimosa que também posso ser bem


persuasivo quando me sinto acuado, sei

jogar baixo melhor que ninguém quando

preciso.
Solange

Hoje a minha mãe decretou que o

bar vai abrir à tarde, não faço ideia do

porquê, já que pelo tanto de dívidas que

temos deveríamos deixar as portas

abertas vinte e quatro horas por dia.


Mas como é a dona Cátia que manda lá,

só me resta obedecer. Aproveito o

tempo livre para ir ao salão das

nigerianas na Barra para trocar as

minhas tranças, Sandra é a minha

cabeleireira e tem as mãos de anjo.

— Vai ser qual cor hoje, Solange?

— pergunta Sandra, ela sempre se anima


na hora de escolher as extensões.

— Pensei em algo do tipo misturar

duas cores, escuro em cima e claro nas

pontas, puxado para o dourado.

— Arrasou, mulher, agora que o

seu cabelo cresceu um pouco vou fazer

as tranças bem longas abaixo da cintura

para te deixar ainda mais poderosa. —


Bate a mão na minha.

Como a Sandra disse, algumas

horas depois saio do salão me sentindo

maravilhosa. Já que estava aqui,

aproveitei para alongar os cílios. Faz

tempo que não dou um up no meu visual.

Me sinto uma mulher quase completa

agora. Estou me sentindo tão bem que


ando distraída pela calçada e quase caio

ao trombar com alguém.

— Me desculpa, moça, eu não te

vi — peço sem graça.

— Solange, é você? — pergunta

Elza, eu a conheci há pouco mais de um

ano, em uma situação meio inusitada, e

acabamos virando grandes amigas.


Elza é um pouco mais nova que

eu, mas aparenta ter o dobro. O último

ano não foi muito gentil com ela, por

pouco não a reconheci.

— Sou eu sim, Elza. Me dê um

abraço, minha amiga querida, faz tempo

que estou tentando falar com você e não

consigo. — Nos abraçamos bem forte,


quando nos afastamos ambas estão com

os olhos marejados.

Com prática, ajeita o lenço de

seda floral na cabeça, preso em um

turbante lindo com um formato de flor na

frente. Elza sempre foi uma mulher

muito vaidosa.

— Desculpa, Solange, mas eu


precisava de um tempo para digerir tudo

aquilo, sabe? — Sorri, mas posso ver a

tristeza por trás dos seus olhos. — Então

vendi tudo o que tinha e parti em uma

viagem ao redor do mundo, meu lugar

favorito da vida agora é Galway, na

Irlanda. — Suspira apaixonada e desvia

o olhar, como se lembrasse de algo


especial que viveu por lá.

— Estou muito feliz por você,

minha querida, não faz ideia do quanto.

Não teve um dia que não pensei em

você. Vamos marcar algo juntas, por

favor, e colocar as conversas em dia,

quero saber tudo sobre a sua viagem. —

Seguro as suas mãos.


— Claro que sim, amiga, nesse

momento a única coisa que quero é

aproveitar minha família e amigos. —

Aperta os lábios como se prendesse

algo que gostaria de falar, mas não tem

coragem.

— Quando é melhor para você,

Elza?
— No domingo seria ótimo,

Solzinha! Podemos ir naquele

restaurante japonês que a gente gosta. —

Assinto já ansiosa, amo conversar com a

Elza, sempre me faz sentir mais

esperançosa em relação a tudo.

— Já está marcado na minha

agenda!
— Estou tão feliz em ter

esbarrado contigo, Solange, você está

ótima. Nem parece a mesma pessoa que

encontrei um atrás lá no… Bem, você

sabe. — Pigarreia para disfarçar a

tensão na sua voz.

Abraço ela novamente, essa

mulher é um exemplo de força e fé em


Deus.

— Nós já passamos por uma forte

tempestade juntas, mas veja, ainda

estamos de pé. — Dou uma voltinha e

paro em uma pose engraçada.

— Pelo menos por enquanto, né,

amiga? Não vamos nos gabar muito que

o tempo fecha de novo — brinca e nós


duas rimos. Em vez de chorar, sempre

zombamos dos nossos problemas.

Conversamos mais um pouco e

depois vou embora me arrumar para ir

para o bar, prendo as minhas tranças

para cima e tomo um banho rápido.

Coloco o meu uniforme e, antes de sair

de casa, ponho os meus fones de ouvido


e deixo a minha playlist do Spotify

rolando. Tive uma tarde maravilhosa e

alguma coisa me diz que a noite vai ser

ainda melhor.

Bem, foi o que eu pensei, até

chegar no bar e ver a minha mãe com

uma cara estranha.

— Aconteceu alguma coisa, mãe?


— Tiro a mochila das costas e deixo em

cima do balcão.

— Precisamos conversar, filha, o

gerente me chamou hoje no banco para

falar sobre a nossa situação — fala sem

olhar nos meus olhos.

Alguma coisa está muita errada,

minha mãe é o tipo de pessoa que só


conversa olho no olho.

— E aí, mãe? Me conta quão

fodidas nós estamos. — Não escondo o

meu pessimismo.

— Olha a boca, menina! — se

zanga comigo.

— Foi mal, mãe, mas fala logo,

estou ficando agoniada.


— Na verdade eu vou fazer uma

reunião agora de última hora com toda a

equipe, o pessoal acabou de chegar, só

estávamos esperando você para

começar. — Fico ainda mais

preocupada.

Vamos andando lado a lado até o

escritório, ela calada e eu muda. Um


bilhão de coisas passa pela minha

cabeça agora, tenho certeza de que

montou essa reunião de última hora para

avisar a todos que o bar fecha hoje.

— Oi, galera! — Aceno

cabisbaixa para Valdeci, Eloisa e Lily.

Os três estão sentados espremidos

em um sofazinho entre a mesa e a estante


que o meu pai fez, pegando quase toda a

parede, e tenho o orgulho de dizer que a

enchi só de livros que achei no lixo e já

li cada um deles. Meus amigos e

companheiros de trabalho parecem tão

preocupados quanto eu, Eloísa não para

de roer as unhas. Lily bate o pé no chão

insistentemente, e Valdeci com os olhos


esbugalhados para fora, o coitado age

como se estivesse segurando um

daqueles peidos altos em uma sala cheia

de pessoas.

— Eu convoquei essa reunião com

toda a equipe para dar um comunicado

muito importante. Deixei que tirassem a

tarde de folga porque queria que


estivessem relaxados para quando

recebessem essa notícia — inicia a

minha mãe com a voz embargada, deve

estar com o coração partido.

Mas ela sabe que todos os

presentes aqui demos o nosso melhor

neste bar e vamos sair dessa de cabeça

erguida; apesar do grande baque,


seguiremos em frente.

— Ai, meus Deus! Então agora é

oficial, o bar vai fechar! — Valdeci se

desespera antes da hora, está no terceiro

ano de educação física e não pode

perder o emprego.

Ele fica de pé e começa a andar

em círculos pelo escritório feito uma


barata tonta, fazer drama é com ele

mesmo.

— Calma, homem de Deus, deixa

a chefe falar. — Eloísa puxa Valdeci de

volta para o sofá.

— Isso, gente, a Elô está certa.

Vamos manter a calma — digo com a

voz branda tentando passar uma falsa


estabilidade.

— Então, gente, ontem o banco me

ligou e deu um ultimato. Ou pago a

enorme dívida que tenho com eles ou me

tomarão o bar. Solange e eu tivemos que

usar todas as nossas economias, vocês

sabem muito bem o porquê, então

estamos no vermelho há mais de um ano.


— Luta contra as lágrimas.

Todos olham para mim e eu me

encolho toda constrangida, sei que eles

jamais iriam jogar na minha cara, mas a

verdade é que, se o bar fechar e eles

perderem os seus empregos, é tudo por

minha culpa. Por isso quero acabar com

essa agonia logo.


— Fala logo, mãe, quando

fecharemos as portas do bar? —

pergunto logo, não aguento mais essa

pressão.

— Se depender de mim, nunca,

filha! Ninguém vai mais perder o

emprego aqui, ao contrário, o pessoal

que tive que demitir voltará para a


equipe em breve. Também contrataremos

mais gente, o bar será todo reformado,

mas sem perder o charme original! —

Minha expressão muda de melancólica

para confusa em questão de segundos,

fico sem reação em meio a abraços e

assovios dos demais presentes.

Mas que merda está acontecendo


aqui?

— Como assim, mãe? Eu não

estou entendendo, como do nada

passamos de fechar o bar para fazer

todas essas melhorias que vão custar

uma fortuna? — falo em um tom alto e

chamo a atenção de todos, um silêncio

constrangedor se faz presente.


Não entendem o meu nervosismo

perante a situação, era para mim estar

feliz com a notícia. Mas se minha mãe

pegou mais um empréstimo para investir

aqui e não conseguirmos pagar, além do

bar, perderemos a nossa casa.

— Calma, filha, o gerente me

chamou no banco hoje para fazer uma


proposta muito boa.

— Que proposta, dona Cátia? —

berro.

— Vender cinquenta por cento do

nosso estabelecimento para um amigo

dele que sempre quis investir em algo no

Madureira. Eu relutei a princípio, mas o

valor que ele ofereceu é duas vezes mais


do que o bar inteiro vale. Deu para

pagar todas as nossas dívidas e ainda

guardar bastante como nosso pé de meia.

— Sorri orgulhosa do grande negócio

que fez, mas isso está me cheirando a

golpe. E dos grandes.

— Duas vezes mais do que o bar

inteiro vale? Santo Deus, mãe! Acorda


para a vida.Espero que não tenha

assinado nenhum documento sem

consultar o nosso advogado. — Esfrego

as mãos no rosto, minha mãe é tão

esperta para umas coisas e tão ingênua

para outras.

Sempre com essa mania de confiar

cegamente nas pessoas, já discutimos


muito por isso.

— Nosso advogado foi comigo ao

banco, eu não nasci ontem, filha. Nem

toquei na caneta até ter o ok dele, na

verdade, foi ele que disse que essa

proposta é a mesma coisa que termos

ganhado na loteria. — Me sacode pelos

ombros, brincalhona, na tentativa de me


fazer sorrir, mas continuo com a cara

azeda.

— Pelo menos a senhora já viu

esse tal sócio antes de vender a metade

do sonho do seu marido, mãe? — sibilo

venenosa.

Ela não precisou responder.

— Mas é claro que sim, Solange,


yo estava presente no momento que tu

madre assinou os papéis da venda.

Sempre levo os meus negócios muito a

sério. — Gonzales faz sua entrada

triunfal, dentro de um terno preto

impecável e o cabelo todo jogado para

trás igual a um lorde, invadindo a minha

reunião do mesmo jeito que eu invadi a


dele.

Meu Deus! Isso não pode estar

acontecendo.

Eu não consigo mais nem respirar.

A impressão que tenho é que vou

desmaiar a qualquer momento, isso tem

que ser um pesadelo. Vou fechar os

olhos com força e, quando os abrir, esse


demônio espanhol não vai estar mais na

minha frente, vou acordar e tudo vai

ficar bem.
Gonzales

— Você está se sentindo bem,

filha? Está de olhos fechados —

pergunta la madre de Solange com um

semblante preocupado.

Desde que cheguei, alguns minutos


atrás, que a mujer no se mexe e mantém

os olhos fechados, acho que endoidou de

vez ou no aguentou provar do próprio

veneno. Ela invadiu a minha reunião,

então yo invadi a dela e vim para ficar.

— Eu estou bem, mãe, acho que

tive uma alucinação demoníaca e minha

pressão baixou. — Respira devagar sem


abrir os olhos.

— Una alucinacíon? Santo Dios

mio! Talvez seja caso de chamarmos um

médico. — Meu tom é de falsa

preocupação, alguém mais atento

poderia ter notado o leve deboche em

cada palavra proferida.

— Meu Deus! — Solange apela


para a santidade ao abrir os olhos e se

deparar comigo, seu pior pesadelo, com

o meu melhor sorriso cínico.

Mais um ponto para mim, Cariño!

Como é delicioso o gosto da

vingança, e de fato é um prato que se

come frio e de garfo e faca, o jeito como

a Solange me encara visivelmente


desestruturada, como se fosse pular no

meu pescoço a qualquer segundo, é

excitante demais. Quem mandou me

desafiar, Cariño? Bastou uma ligação

para um dos meus contatos que descobri

um ponto fraco dela, sua família atolada

em dívidas. Fiz um acordo generoso

com o gerente do banco e ele foi a ponte


na negociação de venda apenas da

metade do negócio. Ele só no entendeu o

valor alto que yo ofereci pela metade de

um estabelecimento falido.

No entanto, não tinha obrigação de

explicar nada. Negócios são negócios.

Mas a verdade é que no conseguiria

dormir sabendo que Solange e a sua


família estão em uma condição

financeira catastrófica, sem uma reserva

extra para alguma emergência no futuro.

Por isso resolvi ajudar, no sou nenhum

monstro. Minha intenção nunca foi tirar

o bar deles, é óbvio que tem um grande

valor emocional.

Meu único intuito em me tornar um


dos donos desse estabelecimento é

responder à altura a afronta que Solange

fez na minha empresa, agora vai ter que

me engolir aqui na sua área, querendo ou

não. Simples assim.

— Seja bem-vindo ao nosso bar,

Gonzales. Aqui não somos apenas uma

equipe, mas sim uma grande família. —


Dona Cátia parece um pouco nervosa,

mas mantém o mesmo sorriso simpático

desde a primeira vez que nos vimos no

banco.

Me simpatizei fácil com ela logo de

cara, é uma pessoa muito agradável.

— Muito obrigado, dona Cátia,

tenho certeza de que fiz um ótimo


negócio e estou animado com essa

parceria — digo com cinismo, de onde

estou posso ouvir a Solange bufando de

raiva.

Essa muchacha no é o tipo que se

rende tão fácil, por isso yo sou tão louco

por ela.

— Muito prazer, senhor Gonzales,


sou Valdeci, o barman. Estou triste de

perder o posto de único bendito fruto

entre as mulheres, mas estou muito grato

pelo que está fazendo pelo bar e à

família da nossa chefe.

— Que isso, rapaz, no precisa

agradecer. — Fico sem jeito, ele está a

ponto de chorar de gratidão bem na


minha frente.

— Precisa sim, senhor. Dona

Cátia e a Solange são muito boas para

nós, depois de tantos momentos difíceis

que elas têm passado, e não estou

falando só das dívidas, isso foi só a

consequência do real problema. Esse

bar continuar aberto é praticamente um


milagre. — Ele ergue a mão para me

cumprimentar.

Levo alguns segundos para

assimilar o que acabei de ouvir e

cumprimentá-lo. O que será que Valdeci

quis dizer com “real problema”?Seja o

que for, é grave o suficiente para deixar

Solange ainda mais tensa, fitando os


próprios pés, constrangida.

— Sou a Eloísa, chefe. Eu penso o

mesmo que o Valdeci, nosso emprego é

importante. Mas saber que esse bar que

tanto amamos vai continuar de portas

abertas por sua causa não tem preço.

Então, muito obrigada. — A moça de

cabelo colorido dá um passo na minha


direção e trocamos um forte aperto de

mão.

— O prazer é todo meu, Eloísa,

gostei do seu cabelo, é muito maneiro —

elogio com sinceridade em um tom

divertido para tirar esse clima pesado

do ar.

Solange range os dentes com os


braços cruzados.

Ciúmes, Cariño?

— Sou a Lily, bem-vindo à

família, chefe número dois. Acabou de

chegar e já se tornou o nosso herói. — A

baixinha loirinha com a voz doce me

rouba um abraço carinhoso, me sinto

culpado.
Virei sócio desse bar por motivos

nada elogiáveis e no fazia ideia de como

isso refletiria de maneira positiva na

vida de outras pessoas que vão

continuar nos seus empregos, no sei se

devo sentir orgulho ou vergonha por

isso.

— Já chega dessa palhaçada! A


senhora não pode vender a metade do

bar do papai para esse homem de

maneira nenhuma, mãe — Solange

explode do nada pegando a todos de

surpresa, menos yo.

— Não posso, Solange Almeida?

— Coloca as mãos na cintura se

segurando para não gritar com a filha.


— Você não conhece esse cara,

mãe, ele não presta! — Aponta o dedo

pra mim com sangue nos olhos, faço

cara de santo.

— E como você sabe disso,

Solange, conhece o Gonzales de algum

lugar? — Semicerra os olhos.

Encaramos Solange à espera de


uma resposta aceitável, quero ver se vai

ter mesmo coragem de contar que fez

sexo comigo por dinheiro.

— Não, mãe. Mas como o papai

dizia, eu herdei o dom dele de sentir o

cheiro de quem não presta de longe —

cospe as palavras com total desdém,

como uma cobra destila o seu veneno.


— Você ficou louca, Solange?

Não foi essa educação que eu te dei,

peça desculpa ao nosso sócio agora.

— No precisa, dona Cátia. Está

tudo bem, sua filha só está nervosa —

sou sincero, no quero cutucar mais a

onça com a vara curta.

— Eu prefiro morrer a pedir


desculpas para esse bastardo. Já que a

senhora vendeu o bar do papai sem me

consultar, ele é seu sócio, e não meu.

Não lhe devo nenhum respeito — rosna,

nunca a vi tão brava antes.

— Desculpa, filha, sei que é triste,

mas o seu pai se foi e o bar agora é meu.

Tomei a decisão de vendê-lo sem pedir


a sua opinião, não que eu precisasse

dela, mas porque não podia deixar que a

nossa casa fosse tomada também —

revela por fim.

Pela expressão de horror de

Solange, a dívida com o banco era muito

maior do que ela pensava. De fato, a

quantia que o gerente me falou era


consideravelmente alta. Se dona Cátia

não tivesse vendido para mim, teriam

que entregar qualquer coisa de algum

valor que tivessem e ainda ficariam

devendo.

— Bem, acho melhor irmos

preparar as coisas para abrir o bar —

Eloísa diz educada e sai puxando o


Valdeci e a Lily atrás dela.

Decido fazer o mesmo e sair de

mansinho, esse assunto tem que ser

resolvido entre dona Cátia e a filha.

Estou perdido no meio de todo esse

drama familiar.

— Você fica, Gonzales! Minha

filha e eu já terminamos aqui.


— Não terminamos não, senhora!

A senhora hipotecou a nossa casa

também sem falar comigo, mãe?Meu

Deus!

— Sim. Eu a hipotequei no ano

passado e faria tudo de novo. Nós

precisávamos do dinheiro e você melhor

do que ninguém sabe disso, filha. —


Abaixa a cabeça para não ter que ver a

filha chorando. Se no soubesse que a

minha vida estaria em risco, me

aproximaria de Solange e a abraçaria.

— Obrigada, mãe, mais uma coisa

para eu me sentir mais culpada. —

Solange sai correndo aos prantos, jogo

tudo para o alto e, por impulso, vou


atrás dela.

No aguento vê-la nesse estado tão

vulnerável, prefiro quando está feito

uma onça brava me colocando no meu

lugar.

— É melhor deixar ela sozinha,

conheço bem a filha que tenho. Quando

está nervosa parece um cavalo chucro


dando coice até no vento, fala o que

quer, mas não escuta ninguém, só o avô

dela. — Dona Cátia segura o meu braço

e yo concordo a contragosto, no posso

insistir e dar mais banheira e piorar

ainda mais a situacón que já está

delicada.

— Yo sei muito bem disso —


deixo escorregar da minha boca sem

querer e ela me olha confusa, quase

desconfiada.

— Como? — Enruga o nariz.

— Nada, dona Cátia. Yo gostaria

de conhecer melhor o bar, posso? —

mudo de assunto bruscamente, mas meus

pensamentos ainda estão em Solange.


Ela parece se culpar por toda a

desgraça da família, alguma coisa no

está se encaixando.

— Claro que sim, Gonzales, será

um prazer fazermos um tour para mostrar

tudo. — Agarra o meu braço e

começamos um tour pelo

estabelecimento.
Dale! Esse lugar está a um passo

de ser uma grande espelunca, agora yo

sei por que estão perdendo a clientela.

Mas o espaço é ótimo, grande e bem

dividido. Com uma bela reforma vai

ficar incrível, podemos colocar janelas

grandes de vidro na frente que vão do

chão ao teto. Assim, quem passar na rua


verá o movimento aqui dentro e se

instigará a entrar e fazer parte dele.

Também vai ajudar na iluminação, que é

péssima, vamos ter que trocar todas as

lâmpadas, seria legal colocar algumas

coloridas e montar um jogo de cores. A

única coisa que salva são as paredes

decoradas com uns desenhos bem


exóticos, aqueles que fazem a gente ficar

olhando fixamente toda vez que passa

por eles, mesmo no entendendo porra

nenhuma.

A área de montar os drinks no tem

nada de atrativo, precisamos abastecer o

estoque do bar com bebidas mais

sofisticadas e colocar mais variedade no


menu de refeições. Sendo sincero,

teremos um longo trabalho pela frente,

mas depois de pronto podemos fazer

uma grande festa de inauguração e

convidar toda a elite carioca. Será um

sucesso!

Cacete, Gonzales, você está se

ouvindo? Porra!
Esse negócio é só uma fachada

para ter acesso à Solange, no para ficar

se empolgando de verdade e investir

mais dinheiro e o seu precioso tempo

nesse lugar.

— Então, querido, o que achou do

lugar? — Me olha esperançosa.

Então digo a verdade a ela.


— O espaço é realmente muito

bom, mas precisa de uma reforma

urgente. O cardápio de comida e bebida

também precisa de melhorias, tudo aqui

precisa, na verdade. — Vejo sua

animação se desvaindo aos poucos.

— Nossa, a coisa está tão ruim

assim, meu filho?


— Está! Mas nem tudo está

perdido, dona Cátia. Podemos contratar

uma ótima equipe de reforma, mi padre

tem vários contatos. Seria ótimo se

ampliássemos o palanque para shows ao

vivo e fazer uma área só para o DJ e

uma pista de dança na frente, com luzes

que brotam do chão — me empolgo


novamente, no consigo evitar.

Sou um bom empresário e posso

sim, sem sombra de dúvidas, fazer desse

bar algo muito lucrativo para mim e para

a dona Cátia. Falando nela, me escuta

atenta anotando tudo em um caderninho

que tirou do bolso do avental.

— Mais alguma coisa, filho? Eu


amei todas as suas ideias.

— Por enquanto já é o suficiente,

dona Cátia. O resto vamos conversando

e ajeitando aos poucos.

— Está bem, meu filho, mas agora

eu vou ter que ir para a cozinha. Vamos

ter que correr para dar conta de tudo

sem a Solange, tivemos que fazer corte


de despesas e nisso foi a metade da

equipe. Vai demorar uns dias até

reencontrar o pessoal — explica

tristonha.

— Yo posso ficar e ajudar a servir

os clientes no lugar da Solange, no tenho

muita prática como garçom, mas

aprendo rápido — ofereço apenas por


educación.

— De jeito nenhum, meu filho, um

homem tão importante como o senhor

deve ter coisa mais importante para

fazer. Nós damos um jeito aqui, não se

preocupe — é modesta.

Óbvio que tenho e no pretendo

cancelar.
— Se a senhora insiste, já vou

indo. Tchau! — Viro as costas antes que

ela mude de ideia, mas no chego nem na

calçada.

Acabo voltando, no sei de onde

esses vestígios de humanidade estão

brotando em mim. Porra! A festa vip que

yo ia em Copacabana já era.
— Que tipo de socio yo seria se

deixasse a minha sócia na mão logo no

primeiro dia? Vou ficar e trabalhar no

lugar da Solange sem nenhum problema,

é bom que yo vou me familiarizando

com o estabelecimento. — Ela tenta me

convencer do contrário, mas acaba

cedendo.
Como eles no têm nenhum

uniforme masculino extra, yo tiro o

paletó do meu terno — caríssimo, por

sinal — e dobro a minha camisa até o

cotovelo e coloco a mão na massa. No é

surpresa que faço o maior sucesso entre

a clientela feminina.

— A mesa sete só de meninas


disse que quer ser atendida só pelo

espanhol gostoso, então boa sorte. —

Eloísa revira os olhos e me entrega a

bandeja de espetinhos de frango.

— Deixa comigo, muchacha. —

Yo pisco para ela.

— A mesa dois também só quer

você, Gonzales. — Lily chega com outra


bandeja e me ajuda a equilibrar na

minha mão livre.

— Obrigado, princesa, ser

gostoso dá trabalho. Ainda bem que

vocês são casadas e muito apaixonadas

ou também no resistiriam ao meu

charme. — Mordo o lábio de leve e

jogo o cabelo para o lado fazendo


charme, giro o corpo e vou servir as

mesas rindo.

Estou me divertindo essa noite

mais do que yo esperava, o trabalho é

pesado, mas o pessoal da equipe é tão

legal e acolhedor que parece que sempre

fiz parte dela. É estranho dizer, mas já

me sinto em casa aqui.


Acho que o negócio é como dizem

por aí mesmo, a diversão de verdade

está na companhia e no tem nada a ver

com dinheiro ou lugar…


Solange

— Toma, querida, esse chá de

erva cidreira vai te fazer bem. Está

chorando há horas. — Obrigo as

pestanas inchadas a se abrirem e vejo o

sorriso mais gentil do mundo, meu


travesseiro está encharcado de tanto que

chorei.

Quando saí desesperada do bar,

atravessei a rua correndo mesmo com o

sinal fechado e me aventurei entre os

carros; vim para a casa da única pessoa

que consegue me acalmar quando estou

nervosa. Foi só meu avô querido, senhor


Manoel, abrir a porta que me joguei nos

seus braços em meio a um ataque de

choro.

— Obrigada, vovô, os seus chás

verdes sempre fazem me sentir melhor.

— Tento sorrir, mas a vontade de chorar

me impede.

— Tudo bem, filha, vai ficar tudo


bem agora. Tem que se acalmar, seu

irmão está agitado na sala desde que te

viu chegar naquele estado. — Afaga os

meus cabelos.

Sento na cama, pego a caneca de

chá e deito a cabeça no seu ombro. Sou

apaixonada pelo ator Samuel L. Jackson

só porque parece muito com meu avô,


ambos têm uma fenda charmosa entre os

dois dentes da frente, os olhos escuros

penetrantes e um ótimo porte físico,

meus amigos sempre pedem para tirar

foto com ele para postar no Facebook e

tirar onda.

Meu pai era o seu único filho

homem, ele tem mais duas filhas. Por


isso, quando soube que o seu

primogênito morreu, o coitado quase

infartou, os dois eram muitos próximos e

parecidos, tanto no coração bondoso

como na sabedoria.

— Desculpa, eu não queria

preocupar vocês dois. — Sorvo um gole

do meu chá.
— Só estamos preocupados

porque te amamos muito, Solange, sua

mãe já ligou umas mil vezes perguntando

por você. — Beija o topo da minha

cabeça como fazia desde quando eu era

criança, não importa quanto tempo

passe, sempre serei a sua menininha.

— A minha mãe vendeu cinquenta


por cento do bar para um estranho sem

falar comigo, vovô. Fora que ela havia

hipotecado a nossa casa também e eu só

fiquei sabendo agora que o banco iria

tomá-la de nós. — Limpo as lágrimas

com a manga da blusa, elas parecem ter

vontade própria, não param de cair uma

atrás da outra.
— Não fica zangada comigo, meu

amor, mas eu já sabia inclusive da

hipoteca da casa. Sua mãe me ligou

antes de assinar a papelada da venda

para pedir a minha opinião, estava com

medo de que você tivesse essa reação

que está tendo agora. — Massageia as

têmporas.
Não estou surpresa da minha mãe

ter pedido a opinião do vovô, eles

sempre se deram muito bem e ele a ama

como se fosse uma de suas filhas.

— Mas, vovô, eu… — tento

contestar.

— Espera que eu não terminei

ainda, mocinha. O que eu te ensinei


sobre interromper os mais velhos? —

Puxa a minha orelha, mas em um tom

divertido.

— Que é muito feio. Desculpa,

vovô — digo de cabeça baixa.

— Como eu estava dizendo,

aconselhei sua mãe a vender a metade

do bar sem pensar duas vezes. Esse


homem foi enviado por Deus, se não

fosse ele vocês perderiam tudo o que os

seus pais levaram uma vida para

construir. Já deixou a teimosia de lado e

parou para pensar nisso, filha? — Sua

pergunta me faz soltar uma risada

maquiavélica.

Gonzales está mais para enviado


do diabo, bem lá das profundezas do

inferno. Se a minha mãe e o meu avô

soubessem das suas reais intenções eles

seriam os primeiros a querer dar um tiro

na cara dele. O bar que nossa família

tanto ama não significa nada para esse

espanhol. Não passa de uma peça no seu

jogo obsessivo doentio, nunca vou


entender todo esse esforço dele para me

levar para a sua cama.

— Eu sei, vovô, mas não queria

ver o nosso bar nas mãos desse homem.

Não confio nele, ouvi dizer que tem

fama de garanhão — solto por alto.

Paciente, meu avô tira o chapéu da

cabeça e deixa sobre a coxa. Está no


auge dos sessenta e poucos anos e quase

não tem cabelo branco ou rugas, bendita

seja a santa melanina.

— Como pode dizer que não gosta

de uma pessoa que não conhece direito,

menina? Você é igualzinha à sua avó

nesse quesito. — Balança a cabeça

rindo.
— Isso seria um elogio ou uma

ofensa, senhor Manoel? — brinco.

— Me apaixonei pela Margarida

na primeira vez que a vi, mas ela… Rá!

Me deu um fora daqueles de cair o cu da

calça na frente de todo mundo, mas eu

não desisti de provar a ela que valia a

pena. — Ajeita a gola da blusa e faz


cara de galã de Hollywood.

Solto uma risada e com gosto, eu

amo esse velhinho!

— E demorou muito para a vovó

Margarida se apaixonar pelo senhor?

— Pra caramba, filha. Eu era um

malandro boa pinta, ficava com várias

mulheres diferentes todo dia até


conhecer sua avó, por isso tive que lutar

muito para provar que mudei impondo a

minha presença. Mas não foi fácil, perdi

a conta de quantas vezes fui rejeitado.

— Mulherengo o senhor, vovô?

Não creio! — Fico passada de chapinha

com essa descoberta.

Jamais imaginaria que o meu avô,


o homem mais certo e romântico que

conheço, já foi um demolidor de

corações um dia.

É, Solange, vivendo e aprendendo.

— Sim, Sol, mas prefiro dizer que

eu era um apreciador das mulheres. —

Disfarça o riso com um pigarreio, nem

ele acredita no que acabou de dizer.


— Como conseguiu conquistá-la e

a fazer querer ser sua para sempre? —

continuo com o interrogatório, estou

muito curiosa.

— Eu fazia de tudo para ficar

perto dela. Tudo mesmo, até comecei a

participar das aulas de balé que ela

fazia. — Tenho um ataque de riso.


Imagino como foi a cena do meu

avô com esse jeito todo machão com

aquela roupa coladinha dando piruetas

no ar, só para ficar perto da vovó. Isso é

tão romântico, daria até um livro.

— Só o senhor para me fazer

pular da depressão para um ataque de

risos em minutos, senhor Manoel. —


Mal consigo falar em meio às risadas.

— Tem mais, filha, Margarida

sempre dizia que no começo não me

suportava e pensava que eu era um

doido varrido. Que se o meu amor foi à

primeira vista, o dela foi na décima pra

mais — conta.

Eu jogo as costas na cama e


coloco a mão na barriga, estou chorando

agora, mas é de rir.

— Desculpa, vô, mas o senhor

conta de um jeito muito engraçado.

Estou até vendo a vó Margarida falando

isso com aquele jeito xucro dela. —

Limpo as lágrimas que escorrem do

canto dos olhos, paro de rir, mas aí não


aguento e começo de novo.

Minha avó era doce feito um coice

de mula, falava o que vinha na cabeça e

que se foda o resto. Dizia que o lado

romântico dela era meu avô Manoel. Eu

era muito agarrada com ela, meus pais

me deixavam aos seus cuidados quando

pequena enquanto viravam a noite


trabalhando no bar. Como vovô Manoel

trabalhava à noite como caminhoneiro,

éramos só ela e eu.

Por isso, quando perdemos a vó

Margarida há dez anos para o câncer de

mama, foi um golpe muito grande para

todos, principalmente o vovô, que ficou

ao seu lado até o último suspiro.


— Sei que pode parecer

engraçada a nossa história, mas eu

acredito que talvez por ela ter começado

de maneira diferente, nosso casamento

durou por décadas, afinal, diferente da

maioria das histórias de amor, a

Margarida conheceu o meu lado feio

primeiro.
— Como assim, vovô?

— Quando sua avó enfim resolveu

deixar o orgulho de lado e me deu a

chance para mostrar o que tinha de bom

para oferecê-la, não nos separamos mais

e fomos felizes a cada segundo que

passamos juntos — fica emocionado ao

dizer isso, sente muita saudades do seu


grande amor e não tem vergonha de

demonstrar isso.

— Tudo bem, vovô, eu também

sinto a fala dela. — Abraço meu

velhinho lindo e beijo a sua testa, tenho

muita sorte de ter nascido nessa família

incrível. Dinheiro sempre falta, mas

amor se tem de sobra.


Ainda estou furiosa pelo fato de o

Gonzales ter virado sócio do bar.

Diferente do vovô, sei que não tem

nenhum lado bom nele. Mas a minha

mãe, assim como eu já fiz um dia, se viu

em um beco sem mais alternativas e

tomou uma decisão drástica. Devia tê-la

apoiado e não ter feito aquele show


todo. Se desfazer de uma parte do sonho

do papai foi horrível para mim, para ela

deve ter sido mil vezes pior. Ele é o

grande amor da sua vida e pai dos seus

filhos.

Você é uma idiota, Solange!

Preciso voltar ao bar e pedir

desculpas à minha mãe, não acredito que


a deixei na mão mesmo sabendo que até

o atual momento estamos escassos de

mão de obra. Sou uma péssima filha!

Quando mais precisei dela na pior fase

da minha vida, esteve ao meu lado o

tempo todo segurando a minha mão,

agora quando chegou a minha vez de

retribuir lhe virei as costas. Mas vou


fazer o possível para me redimir e

apoiá-la no que decidir, sei que tudo o

que faz é para o meu bem e o do Rafael.

Quanto ao Gonzales, vou ficar de

olho nesse filho da puta, e um passo em

falso que der eu acabo com sua raça.

— O que acha de fazermos pipoca

e assistirmos a um filme de terror como


nos velhos tempos, Sol? Aposto que

Rafael vai adorar a ideia, apesar de ele

reclamar o tempo todo da péssima

qualidade dos efeitos especiais. — A

animação da sua voz é contagiante, mas

não posso ficar, tenho que consertar as

coisas.

— Eu queria muito, vovô, mas


preciso voltar no bar e pedir desculpas

à minha mãe pela forma como agi e por

não ter ficado para ajudar o pessoal. —

Fico arrasada com a sua carinha de

desapontado, faz tempo que não fazemos

a nossa sessão do terror.

— Só uma noite de folga não faz

mal, filha. Você tem trabalhado feito uma


maluca naquela escola, no bar e ainda

dando aulas particulares. Dorme aqui e

esfria a cabeça, amanhã bem cedo levo

você e o seu irmão em casa, então pode

conversar com a sua mãe com mais

calma e privacidade. — Fico tentada a

aceitar, faz muito tempo que não tiro

uma noite de folga só para relaxar.


— O senhor tem razão, vovô, eles

que lutem sem mim no bar hoje. — Ele

gargalha.

— Você e o Rafael escolhem o

filme e eu faço a pipoca, fechado? —

sugere, mas ele e eu sabemos que no

final quem vai decidir qual filme vamos

assistir é o Rafa e ai de quem disser o


contrário.

Sempre foi assim.

— Fechado, vovô, eu te amo

muito! — Agarro o seu braço e beijo o

rosto de uma das pessoas que mais amo

no mundo.

— Eu também te amo, filha, toda

vez que olho para você lembro da sua


avó quando tinha a sua idade. — Sorrio

toda boba.

Porque sempre admirei muito

vovó Margarida e tenho orgulho quando

falam que me pareço com ela, era uma

mulher incrível e de pulso forte.

— Ei, Rafael Louis, sua irmã e

você vão dormir aqui no vovô. Já


mandei uma mensagem para a sua mãe.

— Pisca para mim, ele havia falado com

a minha mãe que eu iria dormir aqui

antes de ir no quarto conversar comigo,

porque não o vi mexendo no celular em

momento nenhum.

— Eu escolho o filme, vovô. —

Rafael joga o caderno de pintura dele


em qualquer canto, pega a caixa de

DVDs na estante e pula no sofá.

— Como é que é, Louis? — Vovô

cruza os braços e o encara.

— Quer dizer, Solange e eu

escolheremos o filme. Mas só porque

ela está triste hoje. — Dá três tapinhas

no sofá do lado dele para eu sentar.


Passamos uma noite incrível

juntos, mais rimos do filme de terror do

que ficamos com medo. Rafael dormiu

todo torto no sofá na metade do filme,

tem o costume de dormir cedo. Já eu

quase não prego os olhos pensando em

como as coisas vão ficar daqui para

frente, vou ter que engolir o Gonzales à


força. Isso só deixa claro que ele

realmente é capaz de fazer qualquer

coisa para conseguir o que quer, mas

dessa vez não vou admitir que leve a

melhor.

Vovô Manoel se levanta cedo pra

cacete e acorda Rafael e eu para nos


levar para casa no seu Chevette Sl 4

Portas prateado que tem desde a época

da brilhantina e está muito conservado, a

parte de dentro com as poltronas todas

de couro bege e o rádio toca-fitas ainda

funcionando. As rodas com os aros

prateados personalizadas. Está pensando

o quê, mano? Meu avô tem estilo


mesmo.

— Posso dirigir o seu Chevette,

vovô? — tento a sorte ao chegarmos na

garagem.

— Não enquanto eu estiver vivo,

filha. Mas depois que a morte vir me

buscar, ele é todinho seu. — Faço

carinha de triste, mas não cola.


— Graças a Deus, vovô, Solange

no volante é um perigo constante —

Rafael dá o ar da graça.

— Cuida da sua vida, Louis! Se

quiser ir andando para a escola, fique à

vontade. — Dou um peteleco na nuca

dele.

— Vamos parar vocês dois, eu


hein! — vovô se zanga com a gente,

espero ele virar as costas e mostro a

língua para o Rafael.

— Vovô, a Sol mostrou a língua

para mim.

— Que coisa feia, Solange, por

causa disso, mesmo sendo a mais velha,

vai no banco de trás hoje. — Rodo o


nariz no ar e entro no Chevette sem

pestanejar. Com a preguiça que estou

vou me esticar no banco de trás e ficar

de boa.

Ainda mais que o meu avô liga o

rádio e vamos cantando modão de viola

o trajeto todo, Rafael está tão

acostumado com as músicas bregas que


o vô gosta de ouvir que nem reclama

mais. Quando chegamos em casa minha

mãe nos espera com uma mesa de café

da manhã linda, sorri o tempo todo, mas

mal olha na minha cara, deve estar

mesmo muito chateada comigo.

— Só assim para o senhor vir na

minha casa, senhor Manoel, que coisa


feia! — Puxa o meu avô para um abraço

terno, ela sempre mimou demais o

sogro.

Sem graça com o seu desprezo, me

encosto na parede e finjo estar vendo

algo importante no celular, mas nem está

carregado. Já o Rafael se sentou e foi

tomar o seu café da manhã todo pleno,


afinal não é o rabo dele que está preso,

nunca é. Às vezes queria viver no

mesmo mundo que o dele, onde tudo se

resume a um caderno de desenhos e

canetas coloridas. Não faz ideia do

significado da palavra problema,

boletos atrasados e corações partidos.

Esse é o sonho de qualquer pessoa.


— Que mentira, Cacau, eu venho

aqui pelo menos duas vezes na semana.

— Forja uma expressão zangada.

— Mas eu gosto tanto da sua

companhia que queria que morasse

conosco, sabe muito bem disso. O

senhor é o pai que eu não tive. — O

conduz até a mesa.


O pai da minha mãe morreu em um

acidente antes de ela nascer, vovó Neuza

lutou para criá-la sozinha e o fez com

louvor.

— Eu sei, filha, mas não consigo

deixar a minha casinha onde vivi uma

vida toda de muito amor ao lado da

minha Margarida.
— E eu não sei disso, Manoel?

Mas agora tome o seu café da manhã

com o Rafael, fiz tudo o que o senhor

gosta. Só vou ter uma conversinha séria

com a sua neta e já volto. — Me corta

no meio com os olhos afiados e eu

engulo em seco.

Minha mãe é uma ótima pessoa,


mas quando está nervosa, sai de baixo.

— Não pega pesado com ela,

Cacau. É uma boa menina. — Vovô

pisca para mim escondido e me arranca

um sorriso.

— Tudo bem, vovô, geralmente

primeiro a mamãe grita com a Solange.

Depois a Solange grita com a mamãe. Aí


as duas começam a chorar, dizem que se

amam e tudo volta ao normal. — Rafael

dá de ombros, falando com a boca cheia

de bolo de laranja.

— Toma o seu café de boca

fechada, menino, e não me amole, ou

vou ter uma conversinha com você

depois também. — Minha mãe eleva a


voz para ele, deve estar realmente

nervosa mesmo, porque nunca — nunca

mesmo! — perde a paciência com o

Louis.

— Mas, mãe, como vou comer de

boca fechada?

— Rafael Louis! — minha mãe lhe

dá o último aviso, ele abaixa a cabeça e


não insiste.

Vovô e eu rimos escondido, esse

Rafael é uma figura mesmo. Sigo minha

mãe até a sala, calada.

— Sente-se filha, porque essa

conversa vai ser longa. – Diz

emburrada.

— Não, obrigada, eu estou bem de


pé. — Não foi uma má resposta, mas a

rispidez no meu tom fez parecer que sim.

— Que seja, Solange! O que você

tem a me dizer sobre ontem? — Leva as

mãos nos quadris.

— Desculpa, mãe! Eu agi feito

uma adolescente mimada, sei que a

senhora tomou a decisão certa — admito


o meu erro, sincera, encarando-a nos

olhos.

Todo mundo comete erros, mas

não os admitir quando é preciso é que é

feio.

— E o que mais? — quase grita.

— Desculpa por não ter ficado

ontem para ajudar o pessoal, isso não


vai acontecer mais. — Aperto os lábios

e junto as mãos atrás do corpo.

— Presta bem atenção, Solange,

esse pedido de desculpa não é para mim

que tem que dar, mas sim para o

Gonzales que se matou de trabalhar até

de madrugada servindo mesas no seu

lugar. Foi embora com o terno caro


fedendo a fritura e cerveja. — Fica de

costas para mim, zangada demais para

me olhar.

Nesse momento perdi as forças em

cada músculo do meu corpo. Fui pega de

surpresa. Se não fosse a minha mãe que

tivesse contado, com certeza não teria

acreditado que o milionário Alejandro


Gonzales deixou de passar a noite na

farra rodeado de mulheres

deslumbrantes para me cobrir no bar.

Parece até pegadinha do Gugu, olho para

os lados à espera de que o repórter

apareça a qualquer momento com várias

câmeras.

— Você escutou alguma coisa do


que eu acabei de falar, Solange?

— Sim, senhora, mas não vejo

razão para agradecer por esse homem

ter trabalhado para ajudar no bar que

agora também é dele. Não fez mais do

que a sua obrigação — digo rancorosa,

mas não deixa de ser verdade.

O Gonzales quis virar nosso


sócio? Agora que aguente o tranco. Faz

tempo que minha mãe e eu damos a vida

naquele bar e mal dá para pagar as

contas, só nós sabemos a luta que é para

manter aquele lugar funcionando, tendo

o amor como nossa maior força. A morte

já havia levado o meu pai, não

podíamos permitir que o sonho dele


morresse também.

— Você tem vinte e quatro horas

para se desculpar com o nosso sócio,

Solange Almeida, entendeu bem? Não

entendo tanta implicância com o pobre

homem, todos o adoraram, inclusive os

clientes. — A encaro incrédula, agora

virou puxa-saco do Gonzales.


— Principalmente as mulheres,

aposto! — Cubro a boca depois de falar,

assustada com a maneira agressiva que

despejei as palavras.

Ciúmes, talvez?

Jamais!

— Isso faz diferença, Solange? Eu

hein! Só peça desculpa ao Gonzales e


esquecemos esse assunto.

— Eu amo a senhora, mãe. Muito

mesmo. Mas eu prefiro morrer a pedir

desculpas para esse homem.

— Por que tem que ser sempre tão

cabeça-dura, filha? Tem vinte e oito

anos, mas age como se tivesse quinze.

— O desapontamento na sua voz acaba


comigo, mas não vou ceder.

— Se me der licença, tenho que

me arrumar para ir para a escola,

prometo que não faltarei no meu turno no

bar. Hoje é noite de show ao vivo e eu

montarei um repertório todo novo —

aviso e me retiro da sala.

Queria poder contar tudo o que


tanto me aflige, dizer que está sendo

usada covardemente para me atingir.

Não sei onde Gonzales quer chegar com

isso, já que conseguiu o que queria

comigo. Então, por que não me deixou

em paz de uma vez por todas? Isso não

faz sentido, mas tanto faz. Só sei que a

partir de hoje vou fazer da vida desse


espanhol um verdadeiro inferno, não dou

um mês para ele pedir pra sair.

Você que me aguarde, Alejandro

Gonzales…
Gonzales

Dou um longo bocejo ao sair do

tribunal, pensei que esse julgamento no

fosse terminar nunca. Apesar de estar

exausto, tive um bom desempenho na

defesa do meu cliente e ele foi


inocentado da acusação de estelionato.

Agora só quero voltar para a casa e

dormir o resto do dia e virar a noite,

trabalhar no bar até tarde ontem acabou

comigo, meu corpo está todo dolorido,

no lembro da última vez que fiquei tão

cansado assim. É inacreditável como

Solange consegue trabalhar todas as


noites na correria daquele lugar e ainda

levantar cedo para dar aula para aquele

monte de mini arruaceiros, essa mujer

conquistou o meu respeito só por conta

disso.

No acredito, porra!

Falando em mini arruaceiros, yo

esqueci que prometi para a Lupita que


iria buscá-la na escola hoje sem falta.

Olho no relógio e vejo que já passa das

treze horas e a aula já acabou faz tempo,

o estranho é que não tem nenhuma

ligação da diretora. Ando depressa até o

meu carro no estacionamento, entro e

ligo para ela. Como é horário de pico

devo ficar preso no trânsito e demorar


mais de uma hora para chegar lá, que

droga de irmão mais velho yo sou? Mi

madre vai me matar.

— Alô, diretora, diga para a

Lupita que yo no esqueci dela. Prometo

que chego na escola o mais rápido

possível.

— Calma, Gonzales, do que o


senhor está falando? A professora

Solange disse que você teve um

contratempo no trabalho e pediu a ela

para dar uma carona para a sua irmã —

explica confusa.

A ligação fica muda por alguns

instantes, no tenho certeza se entendi

direito.
— O senhor ainda está aí? —

pergunta preocupada.

— Estou sim, diretora Helena. Yo

no sei onde estava com a cabeça hoje,

esqueci que tinha ligado para a

professora Solange pedindo que pegasse

a minha irmã para mim — minto

atordoado.
Me despeço e encerro a ligação,

confiro as minhas mensagens e encontro

uma da Solange.

“Eu disse para a Lupita a mesma

história que contei para a diretora, não

queria que se sentisse mal porque o

irmão não veio buscá-la. Ela está


segura brincando de desenhar com o

Rafael no escritório do bar, à sua

espera.”

Sorrio feito um babaca, saber que

a Sol se preocupa com os sentimentos da

minha irmã me faz sentir algo estranho.

Algo bom. Mudo a minha rota e vou


para o bar. Como o previsto, fico de

molho no trânsito por horas debaixo

desse calor infernal. Quando yo enfim

consigo chegar sou recebido pela

Eloísa. Em vez do uniforme de trabalho,

está de biquini e canga como se

estivesse indo para a praia.

— E aí, espanhol, beleza? Eu


pensei que depois de tanto que trabalhou

nesse bar ontem, não o veria aqui tão

cedo. — Tira sarro da minha cara.

— E no ia mesmo, só passei aqui

para pegar a minha irmãzinha.

— A Solange disse que a pequena

estuda na mesma sala que o irmão dela,

não é mesmo? Que coincidência —


comenta.

— Pois é, Eloísa, quando soube

fiquei surpreso — minto na cara dura.

Tento fugir dela, mas a bonita no

para de falar.

— Vai aparecer no bar hoje à

noite? Vai ter show ao vivo.

— Acredito que no, estou


cansado.

— Que pena, espanhol, é a

Solange que vai cantar. A filha da mãe,

além de linda e estilosa, tem uma voz de

anjo. — Suspira profundamente.

Ajeito a gola da camisa para

esconder a minha agitação, minha mente

traidora me leva para o dia em que vi


Solange cantando na boate, naquele

momento sabia que estava fodido. Sua

voz é como o canto de uma sereia que te

hipnotiza, no se consegue tirar os olhos

dela nem por um segundo. Quando se dá

conta, já está envolvido na sua rede e no

consegue mais fugir. É exatamente assim

que me sinto.
— Se yo no tiver nada mais

importante para fazer, talvez apareça por

aqui — me faço de difícil.

— Fechado então, espanhol, o

pessoal está fazendo um churrasquinho

improvisado na laje para aproveitar

esse calorão. Com direito a piscina

improvisada pelo vovô Manoel. A Lily e


o Valdeci vão chegar mais tarde. —

Aponta na direção do quintal dos

fundos.

— Que bacana, Eloísa! Muchas

gracias. — Sigo o som das risadas e o

cheiro gostoso de churrasco, subo as

escadas e vou até a laje.

Encontro uma verdadeira festa, a


tal piscina improvisada é uma caixa

d’água azul redonda de dois mil litros

onde dona Cátia e o filho mais novo

estão se refrescando. Vovô Manoel está

tomando conta da churrasqueira, já

Solange está sentada em uma cadeira de

praia azul e branca, com a Lupita no seu

colo tagarelando enquanto ela termina


de fazer a última trança no cabelo da

minha pequena. Uma cena linda de se

ver. As duas ficam lindas demais juntas.

Minha nossa, esse jogo está

ficando muito perigoso para mim. Sinto

que estou entrando em um caminho sem

volta…

— Oi, Gonzales, olha que lindo a


Solange fez no meu cabelo? — Lupita

corre até mim e abraça a minha cintura,

mas yo no consigo tirar os olhos de

Solange.

— Que lindo, mi amor, onde

conseguiu essa roupa de banho? —

Pego-a no colo e a jogo para cima.

— No é lindo? A Solange que me


deu, foi a avó dela que fez para ela

quando era una chiquita. — Passa as

mãozinhas pelo tecido de estampa

africana rico em cores fortes, em

predominância dos tons amarelo,

vermelho e azul.

— Que legal, Lupita, você

agradeceu a ela?
— Sim, senhor, no sou nenhuma

má agradecida! — diz malcriada.

— Ótimo! Está se divertindo

muito, no é?

— Muitooooo! Obrigada por ter

pedido à professora Sol para me trazer

para a casa dela, yo amei a família dela

— sua euforia chega a ser quase


palpável.

Solange sorri espontânea ao ouvir

o comentário cheio de carinho da Lupita,

aquele sorriso que me tira do eixo.

— É mesmo, docinho?

— Sim, hermano! Vovô Manoel é

o melhor contador de histórias, tia Cátia

é engraçada e cozinha muito bem. E o


Rafael, bem, é o meu melhor amigo. —

Suas bochechas ficam coradas, Lupita é

muito exigente com as suas amizades e

devo observar que nunca a vi usando as

palavras melhor e amigo na mesma

frase.

— Melhor amigo, é, chiquita?

Interessante.
— Sim, Gonzales! Hoje é o

melhor dia da minha vida. — Me abraça

novamente, então sai correndo e pula

dentro da caixa d´água junto com a mãe

e o irmão da Solange.

Fico tocado com a empolgação, há

muito tempo que no vejo Lupita agindo

como uma criança da idade dela ao


invés de enfiada dentro de um livro de

ciência ou física quântica.

— Não acha que está muito quente

para esse monte de roupa, rapaz? —

Senhor Manoel acena para mim,

carismático.

— Está sim, senhor, mas yo já

estou acostumado a usar terno nesse


calor infernal do Rio de Janeiro. —

Aceno de volta.

Solange e yo trocamos olhares

nada discretos o tempo todo.

— Mas aqui não precisa usar

paletó e gravata, então senta aí e bebe

uma cerveja gelada— dona Cátia

manda, no pede.
Mas no estou muito à vontade com

essa situação… na verdade, acho que

estou até demais e esse é o grande

problema.

— No se incomode, dona Cátia,

yo no vou demorar, ainda tenho que

voltar para a minha empresa. Mas

obrigado pela gentileza. — Dou um


longo bocejo, estou exausto só de

imaginar o monte de compromissos que

tenho que cumprir hoje.

— Vamos demorar sim, Gonzales.

Mas se você quiser ir mais cedo, yo no

vou — Lupita faz pirraça.

— Quem manda aqui sou yo,

mocinha, então pode parar de gracinhas


— chamo sua atenção.

— É só uma cerveja, espanhol,

relaxa! — Solange gira os olhos

emburrada, quando dei por mim já havia

concordado sem perceber.

Minha Sol está linda como uma

Deusa da Sedução, seu corpo sensual

que tanto almejo envolto por uma canga


curtinha, mas fechada até o pescoço, que

pena. Saudades de ver aqueles peitões

lindos que já estiveram na minha boca,

meu pau chega a latejar.

— Então você quer que yo fique,

Cariño? — provoco, puxo uma cadeira

de praia e coloco do lado da dela.

— Não! Quero que a Lupita fique


mais um pouco e continue se divertindo.

— Coloca os óculos e me ignora

totalmente.

No me dou por vencido e puxo

assunto.

— Muito obrigado pelo que fez

hoje por mim, Solange. Yo ficaria

arrasado se a minha irmã soubesse que


esqueci de buscá-la na escola. Isso

nunca aconteceu antes, mas acordei

atrasado e muito cansado, mal conseguia

raciocinar direito. — Solto outro

bocejo, tiro o paletó e a gravata e me

dou ao luxo de apoiar as costas na

cadeira e relaxar.

— Não precisa agradecer,


estamos quites agora. Você trabalhou no

meu lugar ontem e eu quebrei o seu

galho hoje — esclarece ríspida.

— Justo! Mas saiba que yo no

fiquei ontem por você, mas sim pela

dona Cátia. É uma pessoa maravilhosa,

tem sorte em tê-la como sua mãe. —

Tiro a minha gravata e desabotoo os


primeiros botões da minha camisa,

parece que quanto mais tiro roupa, mais

calor sinto.

Quando ergo o olhar me deparo

com uma Solange me encarando de um

jeito enigmático, tenho até medo de

pensar o que possa estar passando na

sua cabecinha nesse momento. Essa


mujer é uma metamorfose ambulante.

— Por que está me encarando,

Cariño?

— Nada, espanhol, só estou

pensando. — Sua expressão é ilegível.

— Aqui está a sua cerveja

geladinha, meu filho, trouxe uma

carninha assada para você também. —


Senhor Manoel me entrega a garrafa e o

prato, no me faço de rogado.

No almocei hoje e estou faminto, o

cheiro desse churrasco me conquistou

desde que cheguei aqui, então vou

aproveitar.

— Muito obrigado, senhor

Manoel, precisa de ajuda com a


churrasqueira? Pode sentar aqui e

descansar um pouco, percebi que está de

pé desde que cheguei — ofereço

sincero, ele pensa no que yo disse por

alguns segundos e depois sorri.

— Como diria o meu velho pai,

são nos pequenos detalhes que medimos

o valor de um homem. — Toca o meu


ombro e sorri. — Não se preocupe

comigo, Gonzales, aproveite a sua

bebida, está com uma cara de cansado.

— Levanta e sai assoviando uma música

do Roberto Carlos que esqueci o nome,

só que quando me viro para a Sol, ela

está me encarando estranho novamente.

— Será que pode parar com isso,


Solange? Tu estás começando a me

assustar.

— Eu não sei aonde você quer

chegar com isso, Alejandro Gonzales,

mas fique sabendo que esse seu lado

gentil não me engana — solta entre os

dentes, sua vontade é gritar comigo, mas

no pode.
— Você sabe sim, Solange, no se

faça de rogada. — Pisco para ela e

sorvo um gole da minha cerveja,

abusadamente.

Solange vira o rosto para o lado

bufando, mas fica cheia de sorrisos

quando o seu celular apita anunciando a

chegada de uma mensagem. Depois


outra… outra e outra. Se levanta toda

melosa soltando uns ruídos estranhos

para a tela do celular e sai me deixando

sozinho. Viro a minha cerveja e o

líquido desce rasgando a minha garganta

fechada por um nó, até perdi a fome,

mas as minhas mãos estão fechadas em

punho.
Com quem ela estava falando

para fazê-la rir daquela forma?

Senhor Manoel percebe minha

mudança de humor, deixa a

churrasqueira aos cuidados da Lily e se

aproxima de mim de mansinho. Senta

onde a neta estava e nós dois pegamos

numa prosa pra lá de divertida, é um


homem muito sábio. Por trás de suas

metáforas e jogos de palavras, tem um

ensinamento de uma vida toda, é só

ouvir com o corazón.

Na hora de ir embora Lupita fez a

maior cena, foi preciso dona Cátia

convencer a pestinha que fará uma festa

só para ela na sua casa. No vi mais


Solange. Vou embora pensando nela.

Passo nos meus pais para deixar a minha

irmã, encontro mi padre de joelhos

mexendo em um canteiro de tulipas.

— Oi, papá, olha como o meu

cabelo está hermoso. — Lupita dá

pulinhos em volta dele.

— Está mui belo, docinho, parece


una princesa. — Sorri para ela todo

babão e mexe nas suas tranças, curioso.

— Obrigada, papá, eu te amo!

— Yo te amo mais, princesa. —

Beija o seu rosto. — Agora vai lá dentro

e traz um suco para tu papá, querida,

preciso falar com o seu irmão. — Me

olha de cima para baixo e enrola a ponta


do bigode, o sol reflete nos seus olhos

cor de mel parecendo mais claros do

que são de fato.

— Podemos conversar outra hora,

padre, yo tenho muitas coisas para fazer

na empresa.

— Yo sabia que esse dia iria

chegar, filho. — Fica de pé e limpa as


mãos na camiseta branca e depois me

abraça do nada.

Sou muito parecido com mi padre

fisicamente, temos o mesmo porte físico,

bruto e alto. As pessoas costumam dizer

que até as nossas vozes são parecidas.

Já a personalidade é igual à do Luiz

Fernando, dois românticos à moda


antiga.

— Que dia, Antônio Gonzales? —

Retribuo o seu abraço, mas no faço

ideia do que está falando.

— Que se apaixonaria, cabrón! —

Me segura pelos ombros e balança.

— O quê? Yo no estou apaixonado

coisa nenhuma, vire essa boca para lá,


papá!

— No precisa se sentir

envergonhado, filho, sua madre já até

conheceu a muchacha. — Dá três

tapinhas no meu rosto.

Fico chocado.

— Ela conheceu? — pergunto

mais perdido do que um cego no


tiroteio.

— Claro que sim, ora essa,

Solange é professora na escola da

Lupita. Bem que a Camila disse que o

seu interesse em levar sua irmã na

escola tinha algum rabo de saia no meio.

— Dá um meio-sorriso malicioso.

Porra! Mi madre deve ter visto a


Solange na escola quando foi buscar a

Lupita e a reconhecido; mujer astuta

como é, deve ter juntado as peças e

agora espalhou para a família toda que

estamos namorando ou no mínimo

apaixonados, sei lá. Devia ter pensado

que isso aconteceria, porra. Pela cara de

felicidade de mi padre agora, no vai ser


fácil convencê-los do contrário, o sonho

deles é que yo abandone a minha vida

mundana.

— Yo no estou apaixonado por

ninguém, hombre de Dios. Tenho muito

interesse nessa moça, mas está longe de

ser amor. Não quero que vocês criem

expectativas de algo que no existe —


esclareço e ele me fita com cara de riso.

— Precisa ver a sua cara de bobo

agora, nem você acredita no que acabou

de dizer. Se no está de fato apaixonado

por esta mujer, me responde essas três

perguntinhas: Seu corazón acelera

quando a vê? Faria qualquer coisa para

protegê-la? No consegue ver o seu futuro


sem que ela esteja nele? — Enfia as

mãos no bolso com um sorrisinho à

espera da minha resposta.

— Acho melhor conversarmos

sobre isso depois, papá. Preciso ir

agora. — Lhe dou um breve abraço e um

beijo em seu rosto e fujo para no ter que

assumir que a resposta para as três


perguntas é…

Sim!

Preciso ser cuidadoso na

condução desse jogo agora. Se minha

família descobrir que virei sócio da mãe

da Solange, vão confirmar que nosso

suposto “relacionamento” é sério

mesmo. Sendo que, apesar de termos


transado e muito naquela noite, no teve

nem um beijo, desde então todos os dias

sonho em saber como é o sabor dos seus

lábios carnudos.

Volto para a empresa com a

cabeça a mil por hora, me atolei no

trabalho para conseguir esquecer tudo.

À noite volto para a casa praticamente


me arrastando, quase dormi no volante.

Deveria tomar um banho e me jogar na

cama, mas a tentação falou mais alto e

acabo fazendo outros planos.


Solange

Não estava mais suportando ficar

perto do Gonzales e ter que aturar a sua

simpatia forçada com a minha família,

ainda bem que o professor Roberto me

enviou uma mensagem dizendo que vem


no bar hoje à noite para me ver cantar e

eu esqueci a presença daquele espanhol

metido por completo. Me animei na hora

e resolvi ir para a casa e me arrumar

com calma para o meu show ao vivo.

Durante o caminho, não resisti ao passar

na frente de uma loja com queima de

estoque, tudo com setenta e cinco por


cento de desconto. Um vestido em

especial na vitrine me chamou atenção,

ele é vermelho com a gola alta bem justo

na altura abaixo do joelho, e uma

abertura na lateral, simplesmente lindo.

Depois que fui ao provador e o

experimentei fiquei ainda mais

apaixonada. Ele acentuou as curvas


fartas do meu corpo e a cor vermelho

provocante realçou o tom escuro da

minha pele.

— Eu vou levar o vestido, moça!

— digo sorridente para a atendente da

loja, mesmo a expressão dela sendo

azeda.

— Tem certeza, querida? — A


vaca olha para a peça e depois para o

meu corpo, com cara de cu.

— E por que não teria, minha

filha? — Cruzo os braços e a encaro,

estou a ponto de voar no pescoço dela,

sei muito bem o que quis dizer com o

seu comentário inconveniente.

— Não quero ser grossa, mas essa


peça não combina com o seu biotipo —

destila o veneno que estava guardando

desde que entrei nessa loja de quinta, já

passei por isso centenas de vezes desde

criança.

Já estou acostumada a ouvir

coisas gordofóbicas do tipo:


“Nossa, mas você vai comer

mais?”

“Você poderia se cuidar um

pouco mais, né? Fazer uma dieta…”

“Ela até é bonitinha e legal, mas

é gorda. O que os meus amigos vão

dizer?”
Ainda bem que sempre tenho uma

resposta na ponta da língua para esse

tipo de ataque.

— Só que quem decide o que

combina com o meu biotipo corporal

sou eu, meu anjo, não você, que pelo

visto trabalha em uma loja de roupas e

não entende nada de moda. Esse vestido


maria mijona que está usando é da época

que a minha avó era virgem. — Abro um

sorriso tão falso quanto uma nota de três

reais.

Pego o meu cartão de crédito e

quase esfrego na cara dela, tomada por

uma cor avermelhada. Eu ia pedir para

parcelar em pelo menos cinco vezes,


mas não, vou manter a pose e passar

tudo numa parcela só. Ser pobre é foda!

Não é porque não estamos mais atoladas

em dívidas que vou gastar

desenfreadamente, só comprei o vestido

porque gostei muito e está em promoção.

A última vez que comprei uma roupa

nova foi no ano passado.


Chego em casa saltitando, faz

tempo que não fico tão animada. Faço as

sobrancelhas e as unhas, passo máscara

de hidratação no rosto e tomo um banho

longo e relaxante. Antes de me vestir,

passo hidratante com essência floral por

todo o corpo, quero estar cheirosa para

o professor Roberto. Opto em colocar


uma bota preta de cano curto e cadarços.

Faço uma maquiagem marcante

com direito a batom vermelho da cor do

vestido, puxo olhos de gatinho com o

delineador, só conseguindo acertar

depois de uma hora. Prendo as tranças, a

metade da frente em um coque alto e

deixo o restante solto caindo pelas


costas. Depois de pronta, viro de um

lado para o outro na frente do espelho e

gosto do que vejo. Pego minha bolsa

sobre a cama e vou para o bar.

— Nossa, filha, como você está

linda! — Minha mãe leva um susto

quando me vê, seus olhos estão

marejados.
Ela costumava me ver arrumada

assim todos os dias até para ir à padaria

da esquina, sempre fui muito vaidosa.

Mas de uns tempos para cá não tenho

tido ânimo nem para levantar da cama.

Isso deixa a mãe triste, ela tem

conversado muito comigo. Mas é meio

complicado. O que aconteceu com a


nossa família criou um vazio dento de

mim que consumiu a Solange alegre e

estilosa que já fui um dia, mas tenho fé

que aos pouquinhos ela voltará firme e

forte.

Já está voltando…

Acho que é por causa da minha

aproximação com o professor Roberto,


não consigo pensar em outro motivo.

— Obrigada, mãe, mas não quero

que pense que comecei a esbanjar

dinheiro. Mas eu não resisti, fora que

estava em queima de estoque. — Coloco

as mãos na cintura e dou uma rodadinha.

— Mesmo que não estivesse com

desconto, filha, esse vestido foi feito


para ser seu. Outra coisa meu amor,

agora que temos um dinheirinho

sobrando podemos enfim pagar pela a

ci... – Cubro os seus lábios com os

dedos antes que termine a frase.

— De maneira nenhuma, mãe, esse

dinheiro é da senhora. Chega de se

sacrificar por minha causa. Eu vou


trabalhar dia e noite e vou realizar esse

sonho. É uma questão de honra para

mim. – Acaricio o seu rosto.

— Entendo filha, estou tão

orgulhosa de você. Não sabe a alegria

que tenho em ver que a minha Solange

está saindo do buraco que se escondeu

no último ano. — Segura as minhas


mãos e encosta a testa na minha,

permanecemos em silêncio por alguns

segundos.

— Obrigada, mãe, estou animada

e me sentindo bonita. Mas agora preciso

ir ajeitando o som antes do show

começar. — Beijo a testa dela, estou

feliz que a paz voltou a reinar entre nós.


— Aposto que tem algum boy no

meio disso, sua safada! — Bate a bunda

na minha aos risos.

— Tem sim, mãe, e ele vem hoje

aqui me ver cantar, a senhora o conhece.

É o Roberto, professor do Louis. — Dou

uma reboladinha.

— Aquele homem lindo? Ai, que


delícia! Só vai e dá bem gostoso, minha

filha — aconselha abanando o rosto, ela

volta de todas as reuniões na escola

falando em como o professor Roberto

deveria ter o selo de gostosão da porra.

Sim. Eu tenho a mãe mais

descolada do mundo. Ela nunca fez o

tipo paranoica que me obrigava a ser


uma santa puritana, confia em mim e na

educação que me deu.

— Pode deixar comigo, mãe,

estou há muito tempo sem dar, mas

depois que eu começar não paro mais,

igual nos velhos tempos. — Umedeço os

lábios com a língua dando uma

reboladinha.
— Essa é a minha garota. — Bate

a mão na minha.

Não conseguimos ficar brigadas

por muito tempo, uma completa a outra.

— Eita que a Solange dona da

porra toda voltou! — Valdeci chega

assobiando, segura a minha mão e me

obriga a dar uma voltinha.


Lily e Eloisa chegam logo atrás

dele, então a chuva de elogios começa.

Meus amigos sabem mesmo como fazer

alguém se sentir bem.

— Você realmente está linda, Sol.

Seu brilho no olhar voltou. — Lily me

abraça quase chorando, ela se emociona

fácil.
— Se eu já não fosse casada com

uma gata, você não me escapava,

Solange. — Eloísa aperta a minha

bunda, brincalhona, depois beija a

minha bochecha.

— O que eu faço com vocês, hein?

Bando de bobos que eu amo. — Fico

toda tímida, eles veem e me abraçam ao


mesmo tempo.

— Agora já chega de babarem em

cima da beleza da minha filha e vamos

abrir as portas porque hoje é dia de

show ao vivo, meu povo, quero rebolar

até o chão. — Minha mãe puxa o

Valdeci pelo braço e os dois saem

pulando pelo salão, enfim a alegria e a


paz voltaram a reinar por aqui.

De certa forma, tenho que aceitar

o fato de que é por causa do Gonzales

que todas as pessoas que amo estão

felizes, até o ar está mais leve por aqui,

como era antes.

— Por que você está com esse

sorriso bobo no rosto, hein, Solzinha?


— Lily agarra meu braço e apoia a

cabeça no meu ombro.

— É muito gratificante ver as

coisas voltando a ser como eram,

mesmo que em circunstâncias

inesperadas — as palavras saem

entrecortadas.

— Não chora, mulher, vai estragar


a sua felicidade. — Limpa uma lágrima

fujona que escapa no canto dos meus

olhos.

— Tem razão, Lily, hoje é dia de

festa! — Ergo os braços e bato palmas.

O bar enche rápido, veio mais

gente do que eu esperava, o movimento

anda fraco ultimamente. Quero dar aos


clientes um show inesquecível, convidei

uns amigos de uma banda que manda

superbem para tocarem hoje comigo o

repertório que escolhi, só com clássicos

do samba.

— Arrasa, gata, porque tem um

monte de boy lindo aqui hoje, vai que

você leva algum deles para casa. —


Eloísa deixa o seu recado ao passar

pelo palco com cinco garrafas de

cerveja nas mãos ao mesmo tempo, tiro

a atenção do microfone que acabei de

testar e a fito.

— É. Eu estou vendo, Eloísa. —

Balanço a cabeça na direção da mesa à

direita com cinco rapazes, eles


cochicham e olham na nossa direção.

— O significado de “tanto faz”

está naquela mesa, Solange, um mais

gato que o outro. — Balança as

sobrancelhas, ela pode não gostar de

homens, mas sempre gostou de admirar

os dotes físicos da nossa clientela

masculina.
— Se você gostasse da fruta, eu

iria dizer que pode ficar com todos eles

porque já tenho um pretendente. — Dou

um beijinho no ombro.

— Pode ir contando tudo agora,

cadela, quem é o boy magia?

— Veja com os seus próprios

olhos porque ele acabou de chegar. —


Olho para a direção da porta com o

coração acelerado, Roberto acena para

mim sorridente.

O homem veio vestido para

matar, blusa social branca debaixo do

paletó cinza e calça escura. Cortou o

cabelo baixinho e aparou o cavanhaque,

lindo demais. Estou toda molhada e nem


preciso falar onde.

— Vai ficar a noite toda parada

aí feito uma idiota, minha filha, ou vai lá

cumprimentar o gostosão? — Eloísa

toma o microfone da minha mão e me

puxa para fora do palco.

Caminho envergonhada até

Roberto, ele me cumprimenta com um


beijo bem próximo ao canto da minha

boca.

— Você está linda demais! Meu

Deus, Solange, onde escondia tudo isso?

— Coça o queixo e me olha de um jeito

excitante demais.

— Muito obrigada, Roberto,

estou feliz que tenha vindo. Reservei


uma mesa para você.

O conduzi até a mesa de dois

lugares em um canto mais discreto já

com uma garrafa de vinho e uma boa

visão do palco, quero fazer dessa uma

noite especial para ele.

— Quanto tempo tenho antes do

show começar? — Cavaleiro, puxa a


cadeira para eu sentar.

— Apenas alguns minutos, então

não se empolga, bonitão — brinco para

descontrair.

— Impossível não se empolgar

ao lado de uma mulher deslumbrante

como você, preta. — Pega a minha mão

sobre a mesa e a beija, fico toda


arrepiada, por mim teria sido na minha

boca.

Roberto parece ter lido o meu

pensamento, porque aproxima o rosto do

meu, prestes a me beijar. Fecho os olhos

à espera de que o momento mágico

aconteça.

— Yo estou atrapalhando alguma


coisa aqui? — Quase caio da cadeira ao

ver Gonzales parado do lado da nossa

mesa, com os braços cruzados sobre a

camisa preta de mangas compridas e a

gola em V.

O que esse homem está fazendo

aqui, meu Deus? E tinha que chegar logo

quando o Roberto ia me beijar, caramba!


Planejei uma noite incrível para nós

dois, mas com o Gonzales à espreita não

vai rolar.

— Sim, você está, pode nos dar

licença, por favor? — sou rude.

Pelo jeito que o espanhol olha

para o Roberto parece que vai matá-lo

na base do soco a qualquer momento.


Nem faz questão de cumprimentá-lo, sua

presença é totalmente irrelevante para

ele.

— Olá, cara, tudo bom? Você é o

irmão da minha aluna Lupita, sempre vai

buscá-la na escola. Eu o reconheci na

hora dos jornais e revistas, é um dos

advogados mais respeitados deste país.


Sou Roberto, é uma honra conhecê-lo.

— Roberto ergue a mão para

cumprimentá-lo cheio de admiração.

Pelo visto, até os homens babam

ovo em cima do Gonzales. Isso é tão

ridículo.

— Pena que yo no posso dizer o

mesmo, professor Roberto — diz


ríspido.

Roberto disfarça e passa a mão

na cabeça, cansou de deixá-la parada no

ar feito trouxa.

— Gonzales! — o advirto morta

de vergonha, ele nem se abala.

— Solange? — Ergue a

sobrancelha como se me perguntasse.


“Que porra está fazendo com

esse cara?”

— Desculpa, Gonzales, mas eu

realmente apreciaria se nos deixasse

sozinhos. Será que pode nos dar licença,

por favor?

— No, yo no posso, Solange. O

pessoal da banda está com um problema


com a passagem de som e pediram para

te chamar — explica, então olho na

direção no palco e os meninos da banda

estão conversando de boa, rindo, não

parecem estar com algum problema.

Esse espanhol filho da puta do

caralho! Puxo o máximo de ar que

posso, depois solto bem devagar, não


quero fazer uma cena na frente do meu

acompanhante.

— Desculpa, Roberto, mas o

dever me chama. Mas depois do show

sou toda sua. — Inclino e beijo o seu

rosto antes de me levantar.

Gonzales aperta os punhos com o

maxilar trincado e a face tomada por


uma coloração vermelha, está a ponto de

explodir a qualquer momento e sair me

arrastando pelos cabelos, quer dizer,

tranças.

— Tem certeza de que não pode

ficar só mais um minutinho, minha linda?

— Segura a minha mão e a beija.

— Que se dane tudo! —


Gonzales perde a cabeça.

Me agarra pelo braço e sai

puxando bar afora até o escritório, ainda

bem que o estabelecimento está lotado e

ninguém percebe, só o Roberto que ficou

para trás sem entender nada.

— O que você está fazendo,

Gonzales? Ficou louco de vez? — Tento


me soltar do seu aperto, mas ele tem o

dobro do meu tamanho e o triplo de

força.

— Você me deixa louco,

Solange! — Abre a porta e me joga

dentro do escritório sem nenhuma

gentileza e gira a chave.

— Se você não me deixar sair


vou começar a gritar, Gonzales, e eu não

estou blefando! — ameaço durona.

Mas logo abaixo a crina quando

Gonzales se vira e fica de frente para

mim com os olhos tomados por veias

vermelhas, parece que está possuído.

— Pois grita então que yo quero

ver, Cariño! — Sorri maléfico vindo


para cima de mim, me afasto e consigo

fugir dele até minhas costas colidirem

com a estante de livros.

— Eu não tenho medo de você,

espanhol! — As palavras são duras, mas

o meu tom saiu trêmulo.

Esse filho da mãe consegue me

fazer perder a razão de tudo, não


consigo mais nem lembrar o meu nome

direito.

—Pois devia ter, Cariño, yo sou

um hombre perigoso quando estou com

ciúmes. — Apoia a mão na estante ao

lado da minha cabeça, nossos rostos

estão a apenas milímetros de distância

de se tocarem.
Posso sentir o calor da sua

respiração a fazer cócegas na minha

pele, cheira a gim e vodca. Gonzales

andou bebendo recentemente e não foi

pouco. Me arrependo por não ter feito o

mesmo, porque pelo menos o choque de

ter acabado de ouvi-lo assumir em alto e

bom tom que está com ciúmes de mim


não teria sido tão grande.

— Você não tem nenhum direito

de ficar com ciúmes de mim, porque sou

uma mulher livre e faço o que quero —

sou franca.

— Ah, yo no tenho? — solta

ríspido entre os dentes, numa mistura de

raiva e ironia. — Toda vez que olho


para você toda linda assim e sei que no

se arrumou para mim, yo fico furioso. –

Rosna como um cão raivoso.

Então serra os lábios nos meus e

sussurra:

— Está tão sexy nesse vestido

vermelho que, Santa Madre de Dios!

Minha vontade é voltar lá e matar aquele


hijo de una puta. — Soca a fileira de

livros próxima ao meu rosto e alguns

exemplares vão ao chão, dois do Paulo

coelho e a edição especial do diário da

Anne Frank.

Permaneço imóvel.

— Não fala assim dele, Roberto

é um bom homem.
— Yo o odeio! — Esbraveja.

— Mas você nem o conhece,

Gonzales. Para de ser louco! — Tento

ser racional, se é que é possível perante

a situação em que me encontro no

presente momento.

— Ele quer a minha mujer, isso

é mais do que o suficiente para querê-lo


morto.

— Sua “mujer” o caralho! Você

comprou a metade do bar e não a mim

junto, não misture as coisas. Se acha que

vou me vender para você de novo está

muito enganado, Gonzales. Dessa vez

não vai conseguir o que quer — Sou a

mais clara que posso.


— E quem disse que yo quero te

comprar, sua diaba?

Aperta a minha bunda e eu me

arrepio toda.

— Não quer? — pergunto

desarmada, ele me pegou de surpresa

com essa revelação.

— Nunca quis, Solange, já


esqueceu que foi você que me fez aquela

proposta indecente de sexo por

dinheiro? — Umedece os lábios com a

língua, comprimo as pernas para

disfarçar a pressão que sinto entre elas.

Sinto uma vontade quase

incontrolável de beijá-lo, tento resistir,

no entanto, é mais forte do que eu. Mais


forte do que tudo, então me entrego a

ela. Fico na ponta dos pés e vou à

procura da sua boca, mas Gonzales vira

o rosto para o lado do mesmo jeito que

fiz com ele quando tentou me beijar na

noite que dormimos juntos. Está se

vingando de mim.

— Se não q… quer me comprar,


o que quer de mim então? — gaguejo

frustrada, não tenho mais controle da

minha fala ou coordenação motora.

— Para quê te comprar por uma

noite se yo posso te conquistar para uma

vida toda, Cariño? — Sorri todo

galanteador.

Eu definitivamente não entendo


esse homem.

— Uma vida toda? Não me faça

rir, Gonzales, você não foi feito para ser

de uma só. Mesmo se fosse, essa mulher

não sou eu. — Tento empurrá-lo para

longe de mim forçando as minhas mãos

abertas contra a parede de músculos do

seu peitoral, mas não consigo fazer o


desgraçado nem se mover.

Sua pele está pegando fogo

debaixo da camisa e o coração bate

forte ao ponto de empurrar a caixa

torácica para fora, dando indícios de

que vai pular para fora a qualquer

momento. O meu não está em uma

condição muito diferente.


— Você mente muito mal,

Solange. Você e yo sabemos que é

minha. Só é orgulhosa demais para

admitir isso. — Puxa o canto da boca

em um sorriso hostil. — Mas quando yo

fizer toda essa marra desaparecer, vou te

sequestrar e prender em um quarto de

hotel de luxo na Espanha e vamos fazer


amor por uma semana inteira — garante

com uma certeza que me irrita.

Antes que eu consiga raciocinar

direito, aperta a minha bunda e desliza a

mão para a coxa e ergue a minha perna

de maneira que passa em volta da sua

cintura, dominando-me em um estalar de

dedos. Sinto sua ereção contra a minha


virilha e chego a perder o fôlego. O

clima fica quente. Tenho vontade de

gritar, mas me faltam forças até para

mexer os lábios.

Minha mente diz para eu

espernear e chutar esse espanhol para

bem longe de mim, contudo, o corpo não

obedece ao comando do meu cérebro.


— Rá! Você não vai ter energia

para dar conta de mim uma semana

inteira presa em um quarto, Gonzales.

Eu garanto — provoco.

— Você está me desafiando,

muchacha? — Lambe a lateral do meu

rosto de cima para baixo até o canto da

minha boca, nunca ninguém fez algo tão


provocante comigo.

Ainda bem que as minhas costas

estão apoiadas na estante, porque estou

toda mole nas mãos desse homem.

— Não, Gonzales! Apenas

constatando o óbvio mesmo. — Dou de

ombros, sou a rainha do deboche com

gente como ele.


Já que estou na chuva vou me

molhar, quero ver onde isso vai dar.

— Bem, talvez yo deva te dar

uma pequena amostra do que te espera,

Cariño. — Me joga uma piscadela.

Antes que eu possa raciocinar

direito, Gonzales agarra a minha cintura

e me gira, obrigando-me a ficar de


costas para ele e de frente para a

estante, com o rosto quase enfiado numa

fileira de livros de romance. Nossos

corpos se fundem em uma junção

perfeita como se um fosse feito para

completar o outro.

— Olha como você me deixa,

cabrona. — Ergue o meu vestido acima


da cintura e dá um tapa na minha bunda,

cubro a boca para não soltar um grito.

Gonzales segura a sua ereção e

bate contra os dois montes maciços, ele

está muito excitado. Saber que sou a

razão disso me dá um tesão da porra.

Fora que o fato de podermos ser pegos a

qualquer momento é algo instigante.


Proibido.

— Hum, você está usando fio

dental bem cavadinha, que delícia. —

Lambe um lado da minha bunda e depois

o outro. Fecho os olhos e prendo a

respiração.

Gonzales não para por aí, ouço

os seus joelhos tocarem o chão e então


ele arrasta a minha calcinha fio dental

para o lado e passa a língua por toda a

minha parte íntima, e quando digo toda,

é toda mesmo.

— Ah, Cariño, mal posso

esperar para comer esse cuzinho

apertadinho em breve. — Introduz um

dedo.
— Gonzales… — gemo em

súplica.

Ele volta a ficar de pé e começa

a alisar a minha perna e vai subindo e

subindo pela minha coxa, sem pressa,

apalpando cada centímetro de um jeito

quase imoral. Eu devia pará-lo porque

já fomos longe demais, mas


simplesmente não quero que pare. Que

se dane o resto.

— Vamos ver o que temos aqui.

— Agarra as minhas tranças e curva o

seu corpo sobre o meu para morder o

lóbulo da minha orelha, puxando e

mordiscando de leve.

— Cacete! — solto sem querer.


Quando sua mão enfim chega aonde eu

queria, já estou gotejando.

Sem muita cerimônia Gonzales

começa a brincar com o meu clitóris em

movimentos circulares com o polegar,

arfo de prazer, me esfregando mais nele

sem nenhum pudor. Gonzales resmunga

alguns palavrões em espanhol antes de


introduzir dois dedos em mim, giro os

olhos em uma onda de prazer.

—Você está tão molhadinha,

Cariño, pronta para mim — geme com a

voz rouca.

Enquanto me fode com os dedos,

devora o meu pescoço intercalando

entre mordidas, beijos molhados e


chupões. Queria não gostar tanto da

sensação da sua boca na minha pele.

— Puta que pariu, Gonzales. —

Apoio as mãos na estante quando ele

aumenta o ritmo das investidas ou vou

direto para o chão.

— Calada, mujer! — Dá outro

tapa na minha bunda, mais forte que o


primeiro, depois agarra o meu pescoço e

me obriga a empinar mais para ele.

Aperto os lábios para comprimir

a vontade de gritar e gemer feito uma

maluca, não quero que o bar inteiro

escute.

— Isso… boa menina. —

Gonzales desce a mão à procura do meu


seio, mas desvio o seu braço e não

autorizo que me toque nessa parte.

Gonzales fica zangado por não

conseguir me tocar onde deseja e me

pune saindo e entrando com mais um

dedo, agora são três. Jogo a cabeça para

trás e apoio no seu ombro tomada por

uma rajada de prazer, como esse filho da


puta consegue me levar ao delírio só

com isso? Não vou aguentar por muito

tempo.

— Isso, espanhol, eu estou quase lá —

anuncio em êxtase.

— Obrigado por me avisar,

Cariño. — Dá uma risadinha que não

me agrada nadinha.
Quando penso que vai dar o seu

melhor e me levar às estrelas, o

bastardo se afasta de mim de repente e

me deixa no vácuo. Me sinto uma

verdadeira órfã sem o seu toque. Estou

frustrada e furiosa em um nível

incalculável.

— Por que começou o trabalho


se não tinha intenção de terminar,

porra!? — Abaixo o meu vestido e aliso

a lateral da saia na tentativa falha de não

parecer tanto que acabei de ser fodida, o

que nem chegou a acontecer de fato.

— Porque no estou aqui para te

satisfazer só quando você quer, seja com

o meu dinheiro ou sexo. Se está com


tanto fogo assim, mi amor, pede para o

seu professorzinho metido apagar. —

Chupa os três dedos que introduziu em

mim, com aquela cara de safado que é

só dele.

— Sabe que essa é uma boa

ideia, Gonzales? Vou para a casa do

Roberto depois que o bar fechar e


vamos trepar várias vezes em sua

homenagem. — Saio do escritório

batendo a porta, eu odeio esse espanhol.

— Onde você estava, filha? A

banda está te esperando para o show. —

Dou de cara com a minha mãe no

corredor, mais um minuto e ela tinha

pegado Gonzales e eu em uma situação


um tanto constrangedora.

— Eu fui ao banheiro, mãe, mas

já estou indo. Me desculpa.— Abro um

sorriso amarelo e ajeito as minhas

tranças que aquele babaca embaralhou

uma na outra.

— Você viu o Gonzales? Ele

também sumiu de repente. — A minha


face fecha-se dura, não quero nem

escutar o nome desse babaca.

— Não sei e tenho raiva de

quem sabe. — Saio pisando duro.

— A cantora apareceu, meu

povo, enfim o show vai rolar! —

anuncia Valdeci assim que piso no salão

e todos os clientes ficam de pé e batem


palmas. Queria ter cinco minutos para

explicar ao Roberto o que houve,

omitindo as partes mais obscenas, é

claro.

Só que o show não pode atrasar

mais, e sigo direto para o palco onde os

meninos da banda já estão à minha

espera faz tempo. E a putiane aqui quase


transou com um cara que, até

recentemente, odiava com todas as

minhas forças. Mesmo que o homem de

verdade de quem sou a fim há muito

tempo tenha vindo todo lindo aqui só

para me ver, e estava a menos de

cinquentas metros de mim e o Gonzales.

Que maravilha, Solange. Meus


parabéns!

— Boa noite a todos, é uma

honra imensa ter vocês aqui no nosso

bar. Como os clientes mais antigos

sabem, sou Solange Almeida e espero

que curtam o nosso som. — Sorrio

debaixo de uma chuva de assovios e

palmas.
Meus olhos percorrem a

multidão atrás do Roberto, encontro na

fileira da frente sorrindo. Jogo um beijo

para ele, que apanha no ar e finge

guardar no bolso da camisa.

— Canta uma música para mim?

— Mexe os lábios com as mãos juntas

como se estivesse orando.


Sorrio toda boba, amo esse seu

jeito brincalhão e poderia facilmente

montar uma família feliz ao seu lado,

com uma penca de filhos levados

correndo para todo lado. Uma vida feliz

e tranquila como a dos meus pais.

Mas por que ainda assim não


consigo tirar o Gonzales da minha

cabeça?

Fecho os olhos e seguro o

microfone firmemente, respiro fundo e

esvazio a mente. Sempre faço isso antes

de começar a cantar, hoje preciso me

concentrar mais do que nunca.Quando


estou nesse palco tento me esquecer de

tudo e todos. É uma das coisas que mais

amo fazer na vida, depois de ser

professora, é claro. Me faz sentir livre

de tudo o que me aflige. Nunca quis ser

uma cantora famosa ou nada do tipo,

está mais para um hobbie, sabe?

Comecei cantando no coral da igreja na


adolescência e depois que fiz dezoito

anos meu pai enfim autorizou que fizesse

show aqui no bar, e dez anos depois

aqui estou eu.

— Eu não gosto de mudar o meu

repertório, mas tem uma pessoa muito

especial presente aqui hoje que vale a

pena abrir uma exceção. — Pisco para o


Roberto.

— Hummm, sinto cheiro de

romance no ar, hein! — grita Eloísa do

salão, fico morta de vergonha.

Cochicho com o pessoal da

banda e eles ficam de boa sobre

improvisarmos de última hora, conheço

uma música que tem tudo a ver com o


Roberto.

— Vamos nessa, pessoal, em 1…

2… 3. — O baterista puxa o resto da

banda.

Sem tirar os olhos do Roberto e

ele de mim, começo a cantar a música

“Meu ébano”, da grande diva Alcione.


“É, você é um ébano, lábios de

mel

Um príncipe negro, feito a

pincel

É só melanina cheirando a

paixão

É, será que eu caí na sua rede, e

ainda não sei


Sei não, mas tô achando que já

dancei

Na tentação da sua cor

Pois é, me pego toda hora

querendo te ver

Olhando pras estrelas pensando

em você
Negão, eu tô com medo de que

isso seja amor…”

Recebo uma fervorosa salva de

palmas quando termino de cantar,

Roberto não para de sorrir todo alegre.

Eu também. Até olhar na direção do bar

e ver Gonzales encostado no balcão com


o olhar assassino na minha direção,

segurando um copo de bebida e

rosnando como um cão raivoso

mostrando os caninos. Daqui do palco

consigo ver os seus olhos soltando

faísca. Engulo em seco e aperto o

microfone quase o esmagando entre

minhas mãos, enquanto a plateia grita:


“Mais um… mais um…”

Estão pressionando para que eu

cante a próxima música e dê

continuidade ao show, a banda começa a

tocar a melodia do repertório normal de

hoje, mas eu não consigo falar mais de

uma palavra, a letra da música foge da

minha cabeça. O baterista troca olhares


com o cara do violão sem entender nada,

isso nunca aconteceu antes. É como se a

minha existência nesse momento

pertencesse apenas ao Gonzales, meus

olhos estão presos nele à espera do seu

comando.

Mas ele não se manifesta, só fica

lá parado me olhando indiferente. Sem


pressa, sorve todo o líquido dourado do

seu copo de vidro quase em câmera

lenta, como se não existisse mais

ninguém além de mim e ele presentes.

Somos nós dois contra o mundo.

— Você está bem, filha? —

Minha mãe se aproxima do palco. Olho

para baixo e avisto seu rosto com rugas


de preocupação entre os olhos.

— Não, mãe, está tudo bem, só

tive um branco. — Forço um sorriso na

intenção de tranquilizá-la.

Me recomponho e faço sinal

para os meninos recomeçarem a música,

começo a cantar e finjo estar tudo bem.

Mas não está nada bem. Não resisto e


olho na direção do bar, mas Gonzales

não está mais lá. Ele foi embora e com

ódio mortal de mim. Isso não deveria me

incomodar, porém, está incomodando e

muito.

Sigo com o show até o final, foi

incrível, todos dançaram e se divertiram

muito, e o mais importante, não pararam


de consumir, foram pedidos e mais

pedidos de comida e bebida. Me

despeço do público e agradeço a

presença de todos, inclusive dos

meninos da banda. Ao descer do

palanque, cumprimento alguns clientes e

tiro fotos para enfim conseguir ir até o

Roberto.
— Meu Deus, Solange, você foi

divina. Não imaginava que cantava tão

bem — elogia sorridente.

— Muito obrigada, Roberto,

estou feliz que tenha gostado do show.

— Seguro no seu braço e voltamos para

a mesa juntos.

— Já pensou em tentar carreira


na música? Porque, puta que pariu! Você

leva muito jeito para isso, tem um timbre

forte e sexy e ao mesmo tempo suave.

Estou apaixonado pela sua voz e acho

que pela dona dela também. — Joga

assim à queima-roupa, desliza a mão

sobre a mesa e coloca sobre a minha.

Fico sem saber o que responder,


na minha mente só vem a imagem do

Gonzales furioso.

Meu Deus! O que está

acontecendo comigo?

— Eu nunca pensei na música

como profissão, canto por amor. Até

porque não me vejo trabalhando em

outra coisa que não seja dando aulas. Se


posso conciliar as duas coisas, por que

não? Dinheiro não é tudo. — Dou de

ombros.

— Você não existe mesmo,

Solange! — Acaricia a minha mão

olhando no fundo dos meus olhos.

— Existo sim, e infelizmente vou

ter que ajudar a servir as mesas daqui a


pouco, mas virei aqui falar com você

sempre que tiver uma folguinha. — Ele

faz uma carinha triste.

Na verdade, minha mãe não se

importaria de eu ficar um pouco mais

com o meu convidado, mas de alguma

forma não estou confortável de flertar

com o Roberto depois do meu


comportamento profano no escritório.

Tudo mudou agora.

— Não vai nem tomar um

drinque comigo antes? — Faz um

beicinho lindo, acabo cedendo.

— Tudo bem, e posso fazer

ainda melhor, vou pedir uma bandeja

dos petiscos mais saborosos da casa


feito pela minha mãe, a melhor

cozinheira de toda a Madureira — digo

e ele se anima.

— Humm, estou curioso para

provar os petiscos da minha futura

sogra. — Coça o cavanhaque de um

jeito sexy pra porra.

Busco a bandeja de petiscos e


duas cervejas para nós, conversamos

sobre várias coisas enquanto comemos.

Ele é uma pessoa muito agradável e

divertida, estou até mais relaxada agora.

— Infelizmente agora preciso

mesmo ir ajudar as meninas, Roberto.

Hoje o bar graças a Deus lotou, volto

para falar com você assim que der. —


Inclino para beijar o seu rosto, ele vira

de propósito e rouba um beijo na boca.

Sua mão vai para a minha nuca

empurrando-me contra a sua boca,

nossas línguas se misturam em uma

dança erótica. Ele beija melhor do que

eu esperava, mas falta alguma coisa.

Só não sei o que…


— Agora você pode ir, Preta

linda. — Limpa a borda da minha boca

com certeza lambuzada de batom

vermelho, assim como a dele.

Estico o braço e limpo com o

meu polegar, trocamos olhares e risos

enquanto um limpa a boca do outro.

— Volto em breve — prometo e


saio pisando nas nuvens, mas não chego

a sentir aquele friozinho na barriga.

Me sinto um pouco estranha,

depois desse beijo percebi que me sinto

muito atraída pelo Roberto. Mas nem se

compara ao frio na barriga que tenho

toda vez que estou com o cachorrão do

Gonzales.
— Que beijão foi aquele com o

Deus de Ébano, vai contando tudo, sua

vaca! — Eloísa cutuca a minha costela

enquanto coloco o avental de garçonete.

— Eu também quero saber todos

os detalhes! — Lily entra na cozinha

com uma bandeja vazia, sabia que as

duas iriam querer saber de tudo.


— Eu ouvi a palavra beijo? —

minha mãe grita de dentro da despensa.

— Vamos parar de ser curiosas,

suas fofoqueiras, temos muito trabalho

essa noite. — Mostro a língua para elas

e vou entregar o pedido da mesa quatro,

já passou da hora de levar.

O movimento está uma loucura


fora do normal hoje, quase não tenho

tempo de ir falar com o Roberto. Em vez

de desistir de ficar sozinho, me espera

até o bar fechar. Todos se preparam para

ir embora e ele ficou e ainda se ofereceu

para me ajudar a limpar o chão.

— Não esquece de usar

camisinha, filha, estou muito nova para


ser avó — minha mãe alerta antes de ir

embora.

— Pelo amor de Deus, mãe! —

Abraço ela e beijo o seu rosto.

Então ficamos só Roberto e eu.

Depois que terminamos de limpar o

chão tomamos mais duas cervejas e

enfim ele me convidou para ir para a


casa dele. Entro no carro dele com o

coração batendo a mil por hora, sinto

que essa noite me guarda fortes

emoções.
Gonzales

— Yo vou matar aquele maldito!

– Viro meia garrafa de vodca de uma

vez só, estou com tanto ciúmes que o

álcool parece no estar fazendo nenhum

efeito no meu sangue.


No acredito até agora que a

minha Sol cantou para aquele babaca.

Estavam flertando o tempo todo. No

entendo o que esse cara tem que yo no

tenho. Ah, esqueci, Solange é uma

racista assumida que só fica com

homens negros. É impossível concorrer

contra isso. Sai do bar antes que


cometesse um assassinato doloso em

público. Entrei na primeira casa noturna

que encontrei em Ipanema, tudo o que

quero agora é me embriagar e foder

todas as putas que passar pelo o meu

caminho.

Estou com a porra do pau duro

até agora por causa daquela diaba, dar


uma lição na Solange no escritório no

foi fácil. Meu corpo está queimando de

desejo, vivo e respiro por ela agora e

para ser bem sincera duvido que

qualquer outra mujer consiga suprir esse

tesão todo que estou sentindo.

— Matar quem, espanhol? Sabe

que posso te prender por isso não sabe?


– Olho para o lado e vejo o promotor

Pedro sentado em um banquinho

próximo a mim no balcão bebendo a sua

bebida, bem que dizem por aí que no

existe nada ruim que no possa piorar.

Tantas boates no Rio de Janeiro

e esse cuzão veio logo para essa, mas

que inferno!
— No enche o meu saco Pedro,

porque no estou com paciência para as

suas gracinhas hoje. – Lhe ofereço as

costas e volto a minha atenção para a

garrafa de vodca, essa música alta está

fazendo o meu cérebro latejar.

No sei como yo conseguia cair

na farra todos os dias, mal cheguei aqui


e já estou louco para ir para a casa e me

jogar na minha cama e torcer que essa

maldita noche termine logo. Só de

pensar que a Solange está com outro

hombre nesse momento, tenho vontade

de morrer.

— Mas que mau humor é esse

hein Gonzales? Deixa-me adivinhar,


aposto que a xoxota de ouro atacou

novamente. – Zomba, mas finjo que no

escutei.

Contudo, o chato de galocha

pega a sua bebida e muda de banco

sentando de frente para mim.

— Será que um pobre hombre no

pode nem afogar as mágoas em uma


garrafa de bebida mais? Por Dios! Vá

embora e me deixe em paz.

— É claro que pode espanhol,

mas não sozinho. Por isso a próxima

rodada é por minha conta. – Acena para

o Garçom.

— Você no vai desgrudar do meu

pé mesmo, no é?
— Não cara, Thompson me daria

um tiro se soubesse que eu deixei o

melhor amigo dele sozinho numa boate

nesse estado. – Aponta para a minha

cara de derrotado.

— Yo quero a garrafa da bebida

mais forte que tiver, por favor. – Peço

ao barman, já que o Pedro vai pagar vou


aproveitar.

— Então, vai me contar o que a

xoxota de ouro aprontou dessa vez ou

não? – Alisa o queixo segurando o riso.

— Me trocou por outro, aliás, os

dois devem estarem trepando

loucamente nesse exato momento. – Ergo

a minha garrafa em saudações aos dois


pombinhos.

— Puta merda espanhol! Agora

entendo por que você quer matar esse

cara, se quiser eu te ajudo, mano. – Me

empurra com o ombro rindo, acabo

achando graça também.

Apesar de ser um mané às vezes,

Pedro é um cara legal e ótimo


profissional no lembro de termos um

promotor tão dedicado nesta comarca

antes.Ele é o tipo moreno alto boa pinta

todo certinho que se preocupa sempre

com o bem estar dos menos favorecidos,

tem um ótimo senso de humor que faz as

mujeres gostarem dele no somente pela

a aparência e dinheiro, mas também por


sua personalidade carismática.

— No tenho chances contra

aquele cara, Pedro. Ele é todo

engomadinho sabe? Faz o tipão que toda

mãe quer como genro. – Balanço a

cabeça derrotado.

— Que se foda esse babaca

irmão, se você quer mesmo essa tal


Solange vai à luta. Eu ainda não tive a

oportunidade de encontrar a mulher

certa, mas quando acontecer vou fazer

de tudo para que seja minha e se não

conseguir morrerei tentando. – Filosofa,

mas de olho em duas loiras que

chegaram no bar para comprar bebidas.

— Mulher certa, sei! – Dou de


ombros, nem ele acredita nessa

baboseira.

— Claro espanhol, mas enquanto

não encontro a certa me vou me

divertindo com as erradas. – Pisca para

loira mais alta.

Logo as duas se juntam a nós no

balcão para nos fazer companhia, de


perto são ainda mais lindas e sexys

dentro desses vestidinhos curtos

coladinho mostrando a metade da bunda.

— Aí eu amo essa música, vem

meninos, vamos dançar. – A loira que

está dando em cima de mim solta o

cabelo que estava preso em um rabo de

cavalo e me arrasta para a pista de


dança, a amiga dela faz o mesmo com o

Pedro.

Mal começamos a dançar e

quando olho para o lado o promotor à

espera da “mujer certa” já está aos

beijos com a sua acompanhante quase a

engolindo-a viva, passando a mão por

todo o corpo dela sem nenhum pudor.


— Então bonitão, nossos amigos

já se resolveram. O que acha de fazer o

mesmo? Podemos ir para a sua casa se

quiser, quero te chupar a noite todinha. –

Fala baixinho no pé do meu ouvido, levo

um susto quando a tarada mete a mão no

meu pau debaixo da calça no meio de

pelo menos duzentas pessoas.


Essa muchacha tem cara de ser

puro fogo na cama, ela dança

sensualmente me olhando com os olhos

azuis claro enquanto morde o lábio

inferior rosadinho que se encaixaria

perfeitamente em volta do meu pau. De

fato, no seria nada mal terminar essa

noche de merda com um boquete bem


feito por essa loira safada.

— Yo vou parar a minha casa

sim, mas sozinho. – Quando dei por mim

já havia a dispensado, beijo o seu rosto

e vou embora sem me despedir do

Pedro, no quero cortar o lance dele com

a sua garota errada do momento.

Só existe uma mujer nesse


mundo que yo quero na minha cama

agora, mas ela infelizmente no me

quer.Mas no pretendo desistir fácil,

amanhã é um novo dia e o jogo tem que

continuar.
Solange

Roberto e eu já começamos a

nos agarrar assim que estacionou o carro

na frente na cada dele, ele não parou de

me beijar nem para abrir a porta. Me

ergueu do chão e subiu as escadas


comigo no colo. Alguns minutos depois

que entramos no seu quarto a coisa

esquenta de verdade, mas um instante

apenas vira um iceberg inteiro. Minha

noite perfeita, virou um pesadelo,

parece até praga do Gonzales.

E agora aqui estou eu, sentada no

banco de trás de um táxi, indo para a


casa humilhada e desapontada com o

mundo e comigo mesma. O motorista

não para de tagarelar alguma coisa

sobre política e corrupção, mas não

presto atenção, apenas concordo com

tudo o que ele fala. Estou em estado

vegetativo, queria poder me jogar de um

precipício sem fim e desaparecer da


face da Terra para sempre. Onde estava

com a cabeça que pensei que isso

poderia dar certo? Por isso não me

atrevi a me relacionar com ninguém

durante todo esse tempo. Estou morta de

vergonha e não sei se vou ter mais

coragem de voltar a olhar na cara do

Roberto algum dia.


Espero que ele não conte a

ninguém o que houve, porque da minha

boca não vai sair uma palavra. Agora

entendo a fundo o motivo de existir uma

regra que proíbe relacionamentos entre

funcionários, com certeza para evitar

situações como esta. Se eu fosse o tipo

de pessoa que segue as regras não


estaria agora perdida em um bairro

estranho no meio da madrugada, ainda

bem que tive a sorte de achar um táxi,

deve ter sido enviado por Deus para me

tirar dessa furada.

Solto um palavrão quando o meu

celular começa a tocar na minha bolsa,

espero que não seja o professor


Roberto, ou vou surtar de vez. No

entanto, não é ele, mas sim a minha

amiga Tess. Atendo imediatamente

porque, se me ligou nesse horário, é

porque alguma coisa não está certa.

— O que aconteceu, amiga?

— Ele voltou, Solange — é a

única coisa que a Tess consegue dizer


em meio ao choro.

Ele voltou, não pode ser!

— Tente se acalmar, Tess, ele

ainda está aí?

— Não!

— Ótimo. Eu chegarei o mais

rápido que puder. Se esconda no

banheiro e qualquer barulho estranho,


liga para a polícia.

— Está bem, Sol, por favor, não

demora — pede ainda chorando muito.

— Eu não vou demorar, amiga,

prometo.

Desligo a ligação e peço para o

motorista mudar o endereço da corrida

para a casa de Tess, ele viu que a coisa


é séria e mete o pé no acelerador.

Quando chego bato duas vezes rápidas

na porta e uma mais longa, esse é o

nosso código para que ela saiba que sou

eu. Logo escuto os seus passos

desesperados descendo as escadas.

Quando coloco os meus olhos nela

encontro uma cena que infelizmente já


me acostumei a ver.

— Que bom que você veio, Sol,

estou muito assustada. — Abraço minha

amiga com cuidado, o rosto dela está

cheio de hematomas, assim como os

braços e pernas, seu vestido de sedaque

ela tanto amava agora não passa de

farrapos presos ao seu corpo.


— Isso tem que parar, Tess, antes

que eu chegue aqui e encontre você

morta. — Entro e a ajudo a sentar-se no

sofá.

— Eu pensei que ele iria ficar

mais tempo preso dessa vez, mas ele

sempre foge. Disse que na próxima

visita que fizer vai levar a minha cabeça


como prêmio. — Desaba em lágrimas,

guardo a dor dos meus próprios

problemas e dou o ombro para que ela

chore.

Faz muito tempo que a Tess tenta

se livrar do ex-namorado violento,

Lucas, mas ele sempre arranja um jeito

de encontrá-la.Tudo começou com um


abuso verbal, um aqui outro ali, depois

veio o ciúme obsessivo. Tinha prazer de

fazer comentários rudes na frente dos

amigos deles. Eu peguei ranço do

babaca e aconselhei minha amiga a sair

fora enquanto ainda dava tempo, mas

estava apaixonada demais e sempre

deixava passar. Até o dia que tiveram


uma briga e apanhou tanto que ficou em

coma por seis dias.

Lucas foi preso, mas, assim que

foi solto, entrou para a vida de crimes e

começou a persegui-la feito um louco.

Gosta de brincar com o psicológico da

coitada e sente prazer em agredir Tess

de todas as formas possíveis, deixando-


a no fundo do poço. Ela procura a

polícia e o desgraçado vai preso

novamente, mas como as leis brasileiras

são falhas, a coitada mal se recuperou

da última surra e o covarde é solto

novamente, e então começa tudo de

novo.

— O Lucas te forçou a ter


relações com ele como da última vez?

— Ela assente envergonhada, abraça o

próprio corpo sentindo-se exposta.

— Aquele filho da puta! — fico

furiosa. — Vem, vou te ajudar a tomar

banho, depois vamos à polícia. —

Ajudo a se levantar.

— Não, Solange, por favor! Ele


disse que, se for preso de novo por

minha causa, quando sair, dessa vez,

além de mim, vai acabar com todo

mundo que amo. Isso inclui a minha

família e você, que é a minha melhor

amiga. — Se agarra em mim toda

trêmula.

Nunca fiz segredo para o Lucas de


que não o suporto, ele sabe que na

maioria das vezes que foi preso fui eu

que obriguei a Tess a ir até a polícia

denunciá-lo, e agora não será diferente.

Não pode deixar que esse cara use o

medo para manipulá-la.

— Pois ele que venha atrás de

mim, vou cortar o pinto desse cretino


fora. Mas a senhorita vai à polícia

denunciar a agressão física e sexual que

sofreu.

— Você não vai desistir fácil

disso, não é?

— De jeito nenhum, pode até

descansar essa noite. Mas amanhã cedo

vamos na delegacia.
— Mas você vai dormir aqui

comigo, não é, Sol? Por favor —

implora.

— Claro que vou, amiga, não se

preocupe. — Abraço-a fortemente.

Ajudo Tess no banho, mal

consegue ficar de pé debaixo do

chuveiro, está com o corpo todo


dolorido. Escolho um pijama bem

confortável para ela vestir e seguro a

sua mão até que adormeça no seu quarto

no segundo andar. Resolvo descer para

fazer uma sopa leve para quando

acordar. Antes de ir para a cozinha,

verifico se todas as portas e janelas

estão trancadas.
— Deixa de paranoia, Solange,

aquele covarde não vai ser idiota o

suficiente para voltar aqui essa noite. —

Aliso os pelos arrepiados do meu braço,

tenho a impressão de que estou sendo

observada.

Tento ignorar o medo e sigo

caminhando para a cozinha, deve ser só


coisa da minha cabeça. Penso, mas logo

em seguida todas as luzes se apagam e

acendem por duas vezes, tipo naqueles

filmes de terror quando a assombração

está prestes a aparecer.

— Mas que porra é essa? —

Mexo no interruptor e a luz se acende e

tudo volta ao normal.


Até um segundo depois, quando

ouço um estrondo e cacos de vidro voam

por toda parte vindo na direção do meu

rosto.

— A próxima a levar uma surra é

você, sua vadia! Sabia que viria aqui

socorrer a sua amiguinha! — urra Lucas

do lado de fora, ele havia jogado uma


pedra grande na janela.

Me arrasto para trás do sofá, com

a testa sangrando muito e apavorada. No

momento do desespero, pego o celular

no bolso e vejo que está com apenas um

por cento de bateria. Entro em

desespero. Não vai dar para ligar para a

polícia nem para falar o endereço da


Tess, resolvo ligar para a minha mãe e

dizer as palavras certas, ela vai saber o

que fazer.

— Ele voltou, mãe! — só dá

tempo de dizer isso e o meu celular

desliga, merda!

Mas tenho certeza de que a minha

mãe entendeu o que eu disse e vai ligar


para a polícia. Enquanto isso, preciso

chegar até a Tess antes do Lucas, vou

correr o máximo que posso na direção

das escadas. Contudo, quando penso em

levantar, a porta começa a ser

arrombada. Esse louco está disposto a

tudo.

Meu coração parece que vai sair


pela boca, preciso pensar rápido e agir

antes que o pior aconteça.

— Está tudo bem, Sol? Que

barulho é esse aí embaixo? — grita Tess

no topo da escada, deve ter acordado

com essa bagunça aqui embaixo.

— O Lucas está aqui, Tess, corre

para o quarto e tranque a porta! — peço,


mas é tarde demais, a porta vai ao chão

com tudo.

Guiada pelo meu instinto protetor,

levanto no impulso e parto para cima do

desgraçado disposta a tudo. Para pegar a

minha amiga, Lucas vai ter que passar

por cima de mim primeiro.

— Deixa a minha amiga em paz,


seu verme! — Jogo todo o meu peso em

cima do Lucas, que não é pouca coisa, e

o derrubo no chão.

Encho o covarde de chutes e

pontapés sem me importar onde pega,

coloco toda a raiva que tenho dele por

tudo de ruim que fez com a Tess em

todos esses anos. Ele está um lixo,


magro demais, os dentes apodrecidos e

a barba muito grande. Tudo por conta do

uso excessivo de drogas pesadas. Fora

as roupas esfarrapadas que está usando,

parece um morador de rua, nem parece

aquele empresário bem-sucedido do

ramo industrial que foi um dia.

— Sai de cima de mim, sua baleia


nojenta, vou acabar com a sua raça. —

Tira uma faca escondida no bolso do

casaco, não consigo ver nada além de

pura maldade dentro dos seus olhos

avermelhados e fundos.

Saio correndo disparado e subo as

escadas sem olhar para trás, apesar do

medo que sinto de levar uma facada nas


costas.

— Abre a porta, Tess, sou eu! —

Olho para o lado apavorada, se o Lucas

aparecer aqui estou perdida.

Graças a Deus, Tess destranca a

porta e eu entro e fecho-a em seguida.

— Ele voltou para terminar o

serviço e vai matar nós duas, Solange.


Temos que ligar para a polícia, mas

deixei o meu celular em cima do sofá na

sala — Tess se desespera.

— Se acalma, amiga, antes do meu

celular ficar sem bateria consegui ligar

para a minha mãe e avisar que o Lucas

está aqui. A polícia já deve estar a

caminho — tento tranquilizá-la.


— Meu Deus, Solange, o seu rosto

está machucado.

— Tudo bem, Tess, não liga para

isso, precisamos de alguma coisa para

usar como arma quando ele vier atrás de

nós.

— Mas o quê?

— Acho que aquilo vai servir. —


Aponto para a taça de vidro ao lado de

uma garrafa de vinho tinto pela metade

sobre o móvel perto da cama.

Quebro a garrafa na parede e

deixo a ponta bem afiada, Tess faz o

mesmo com a parte redonda da taça.

Não demorou muito para ouvirmos

as tábuas do corredor rangendo, os


passos se aproximam e param na frente

da porta. Tess cobre a boca para não

gritar quando a maçaneta começa a girar

de um lado para o outro, então lembro

que quando entrei, esqueci de trancar a

porta.

— Fica preparada para tudo, Tess!

É ele ou nós. — Ela assente, ficamos em


posição de ataque.

Engulo em seco quando a porta

vai se abrindo lentamente. Então é assim

que as vítimas de violência se sentem

quando veem o seu agressor chegando.

Completamente acuadas. Sem ter para

onde correr, ou você luta ou morre.

Bem, eu vou lutar até a morte.


— Onde está esse cabrón? Yo vou

acabar com a raça sua agora mesmo. —

Gonzales aparece com um taco de golfe

na mão, todo desalinhado como se

tivesse corrido uma volta inteira ao

redor do mundo, o cabelo está uma

bagunça sobre os seus olhos.

Enquanto ele revista todo o


quarto, Tess e eu caímos sentadas na

cama, chocadas. Olhamos uma para a

outra, depois para o Gonzales e temos

um ataque de risos. Acho que de

nervoso.

Como esse homem veio parar

aqui com um taco de golfe, meu Deus?

Sinceramente, tanto faz! Estou tão


aliviada que não é o psicopata do Lucas.

Acredito que ele deve ter visto o

espanhol chegando, se assustou e foi

embora.

— Eu nunca pensei que ficaria

feliz em te ver um dia, Gonzales. Muito

obrigada! Você salvou as nossas vidas.

— Vou até ele e o abraço, tomada pelo


sentimento mais puro de gratidão.

Minha respiração oscila, pensei

que o meu fim havia chegado, e pelas

mãos de um delinquente.

— Yo nunca fiquei tão preocupado

com ninguém na vida, tive tanto medo de

te perder. — Deixa o taco de golfe cair

no chão e me acolhe dentro dos seus


braços com tanta força que separa os

meus pés do chão, não tinha percebido

antes o quanto gosto do seu perfume.

Me assusta demais pensar nisso,

mas não me lembro da última vez que

me senti tão segura como me sinto nos

braços do Gonzales agora.

— Você está sangrando, Cariño.


Deixa yo ver isso. — Cuidadoso, tira

um lenço do bolso da camisa e coloca

sobre o corte na minha testa.

Trocamos olhares por alguns

segundos.

Longos segundos.

— Como sabia que estávamos em

perigo? — pergunta Tess desconfiada,


me afasto do Gonzales imediatamente.

Acabo de me lembrar que minha

melhor amiga está diante do homem com

quem transei por dinheiro e isso é muito

constrangedor para mim, ainda mais que

acabei de abraçá-lo com mais

intimidade do que deveria.

— Você ligou para mim pensando


que era tu madre, no entendi o que quis

dizer com “ele voltou”.Liguei para a

dona Cátia e ela entrou em desespero,

disse que pensou que você estava na

casa do professor Roberto. — Faz uma

pausa e me encara daquele mesmo jeito

que fez no bar antes de desaparecer,

como se fosse o meu dono.


— É. Eu estava. – Aperto os olhos

e esfrego a mão sobre o peito

angustiada, tudo o que mais quero é

esquecer o desastre que foi na casa do

Roberto.

— Dona Cátia me explicou em

resumo a história da Tess e o ex dela,

pedi que ligasse para a polícia e me


desse o seu endereço. Dirigi a mil por

hora. Sorte de vocês que yo estava

saindo de uma boate perto daqui.

Quando cheguei, vi a porta da frente

arrombada e entrei em pânico, pensei

que o pior tinha acontecido — conclui

por fim, noto que de fato há muita

preocupação no seu semblante. Quando


chegou aqui era puro desespero.

Eu não entendo o que aconteceu de

verdade. Sei o número da minha mãe de

cor, de frente para trás e de trás para

frente, como posso ter ligado para o

Gonzales ao invés dela? Talvez porque

sempre ligo para ela quando estou em

apuros, porque até então era a pessoa


que mais me fazia sentir segura no

mundo. Bem, agora não sei de mais

porra nenhuma.

— Mas por que você se arriscou

dessa forma, Gonzales? O Lucas podia

estar aqui armado quando chegou e te

matado — indago.

— Por você, Cariño! Yo no pensei


na hora, só vim. — Ergue a mão e

acaricia o meu rosto de forma afetuosa,

fecho os olhos sem perceber,

hipnotizada pelo seu toque.

— Muito obrigada de coração,

Gonzales. Agora acho melhor ligarmos

para a tia Cátia, ela deve estar

preocupada. Não é, Solange? — diz o


meu nome de maneira arrastada,

cortando o nosso contato visual, quase

em uma advertência.

— Yo acho uma ótima ideia…

Hum, como é o seu nome mesmo?

— As pessoas que gosto me

chamam pelo apelido de Tess, mas para

você Luana está ótimo — fala curta e


grossa.

Ela pegou ranço dele depois que

contei sobre a nossa história. Se

conheço bem a minha amiga, não vai dar

brecha para o Gonzales.

— Entendo, Luana. Mas percebo

que você está muito machucada. Se me

permitir, depois que a polícia chegar e


fizermos o boletim de ocorrência, vou

levá-las a um pronto-socorro para uma

avaliação completa dos ferimentos de

vocês duas — diz gentil, Tess aceita.

Com aquela carinha de quem já

caiu bonitinho no charme do espanhol

em menos de sessenta segundos, nunca

vou entender o domínio que Gonzales


tem sobre as mulheres. Se eu não for

forte, vou ser laçada também. Ou já

estou. Porque só fui para a casa do

Roberto por orgulho na tentativa

desesperada de tirar esse espanhol da

minha cabeça, mas o plano foi um belo

desastre.

No final, terminei me jogando


nos braços do Gonzales.
Gonzales

— Como sua amiga está, Solange?

— pergunto sem esboçar muita

expressão, ainda estou zangado demais

com ela por causa do que aconteceu no

bar.
Depois de uma vida de espera

para os policiais chegarem, fizemos um

B.O. contra o tal Lucas e yo passei um

sermão neles pela demora absurda para

atender a ocorrência. Levei Solange e a

amiga ao hospital para que os seus

ferimentos fossem analisados por um

médico, para só então irmos para a casa


da dona Cátia. A coitada estava

dormindo sentada à nossa espera. Após

ver que todos estão bem, me agradeceu

mil vezes e se retirou para voltar para a

cama.

— Está sim, Gonzales, ela acabou

de dormir. Aproveitei e tomei um banho.

— Solange se senta do meu lado no sofá


com o seu pijama do cachorrinho Snoop,

a uma distância segura, deve ter medo

que yo a pegue de jeito como fiz no

escritório.

— Que bom! Yo vou para a minha

casa, no quero incomodar mais, se

precisar de alguma coisa me liga. Pedi

ao meu amigo delegado Avilar que


deixasse uma viatura de vigia em frente

à casa da sua mãe por prevenção. —

Levanto e tiro as chaves do carro do

bolso de trás do meu jeans para ir

embora, só esperei para ter certeza de

que está mesmo tudo bem.

Toda vez que olho para a Solange,

lembro que ela foi para a casa do


professor e o meu sangue ferve, devem

ter trepado loucamente enquanto riam da

minha cara.

— Não vai, Gonzales. Fica. —

Solange segura a minha mão.

— No posso, o dia vai clarear a

qualquer momento e yo preciso

descansar, tenho um monte de coisas


para fazer à tarde. — Meu tom é frio.

— Por favor — implora.

Isso mesmo que yo ouvi? Solange

Almeida pedindo por favor para

alguém? Parece até mentira. Acho que

ainda está com a adrenalina do susto que

levou e no vai pregar os olhos tão fácil.

— Por que no liga para o seu


professorzinho e pede para ele vir te

fazer companhia, Cariño? Vocês dois se

merecem. — Foi o que yo pensei, mas

na verdade disse:

— Tudo bem, yo fico, mas só um

pouco. — Me sento de volta no sofá,

para minha surpresa Solange se arrasta

para mais perto de mim.


— Mais uma vez, muito obrigada,

Gonzales. Não tenho palavras para

descrever o quanto estou grata pelo que

fez por mim e a Tess — agradece

humildemente.

— Por você — a corrijo.

Quando recebi a ligación por

engano da Solange, pelo desespero em


sua voz logo soube que estava em

apuros. No pensei na hora, só agi sem

me importar com o que poderia

acontecer comigo.

— Não diz isso, Gonzales, você

pode ter a mulher que quiser. Por que

essa insistência com alguém como eu?

Não sou uma pessoa fácil de lidar. — O


reconhecimento apontou no seu rosto.

— E você acha mesmo que yo no

sei, Solange? Só me recebe com foras e

patadas a todo momento. No tenho mais

paz, minha vida virou um inferno depois

que te conheci. Você é irritante,

orgulhosa pra cacete e teimosa pra

caralho. Agora no tenho mais o foco no


trabalho e no importa quantas mujeres

yo foda, nunca me satisfaz por completo,

sabe por quê? — pergunto.

Ela nega com a cabeça.

— Porque nenhuma delas é você

— revelo frustrado.

— Não faz isso comigo, Gonzales.

Me fazer acreditar que sou importante


de alguma forma para você, porque sei

que o seu interesse em mim é só sexo.

— Abraça o próprio corpo como se

sentisse exposta.

— Depois que yo te vi com aquele

cara no bar, percebi que o meu interesse

em você está longe de ser apenas sexo

— minha sinceridade assusta mais a


mim do que a ela.

Só que desde a conversa que tive

com mi padre, yo tenho pensado muito

nas três perguntas que me fez e cada vez

mais tudo faz sentido. Quando olho para

Solange, a única coisa que penso é que

faria qualquer coisa para mantê-la

segura e, ultimamente, quando me pego


fazendo planos para o futuro, todos

giram em torno dela.

— Então agora o seu interesse em

mim não é só sexo, Gonzales? Me

poupe! Então o que é? — Suas narinas

se inflam.

— É amoroso.

Admito por fim e Solange me


encara de queixo caído, no esperava que

a minha resposta fosse essa.

Nem yo.

— No me olha assim, Cariño.

Estou tão surpreso quanto você com o

que yo disse, mas no adianta mais negar

o óbvio. — Jogo as costas no sofá,

envolvido por uma sensação de alívio.


Já havia passado da hora de

colocar para fora o que venho lutando

contra faz tempo, estava assustado

demais com esse sentimento que brotou

em mim, yo nem sei quando, ou teria

cortado embaixo, no levo jeito para o

amor. Aos trinta anos posso afirmar sem

sombra de dúvidas que nunca tive


interesse amoroso por ninguém e estou

apavorado com isso, tentei negar para

mim mesmo, porém no dá mais.

Até a minha família já percebeu

isso. O problema é que yo fui idiota o

suficiente para criar sentimentos pela

única mujer que no me quer. Parece até

castigo de Dios devido à vida


pecaminosa que tenho vivido.

— Você está me assustando,

Cariño. No vai dizer nada? — fico

preocupado.

Passaram-se alguns minutos e

Solange permanece paralisada, nem

pisca, está em estado de choque.

— E… eu não sei o qu… que


dizer — gagueja.

Olha para baixo e contorce as

mãos sobre o colo, agitada.

— No precisa dizer nada,

muchacha, no quero que se sinta

pressionada. Por que no vemos um

filme? Yo perdi o sono e acho que você

também. — Ela assente em silêncio.


Rapidamente pega o controle e

liga a TV em algum canal aleatório, está

passando um filme de comédia com o

Jim Carrey. Graças a Deus porque se

fosse algum romance yo me mataria, de

dramática já basta a minha história com

Solange.

— Você está com frio? — Ela


quebra o silêncio, mas evita olhar nos

meus olhos.

— Só um pouco, mas você está

tremendo. — Só que acho que no é de

frio, Solzinha.

Completo, mas só na mente, tossi

para disfarçar um sorriso que escapou

da minha boca.
— Vou pegar um cobertor, já

volto. — Assinto.

Solange aparece com um cobertor

marrom peludo, pensei que iria jogar em

cima de mim e desejar boa noite e sair.

Contudo, ao invés disso se enfia debaixo

dele comigo e volta a sentar um pouco

mais próxima de mim, de maneira que os


nossos corpos se tocam em uma mútua

troca de calor. Crio coragem e uso o

velho truque de fingir me espreguiçar e

jogo o braço em volta dela. Vendo que

não teve nenhuma relutância da parte da

sua parte, fico rindo sozinho.

— Gosto do Jim Carrey, é um

ótimo ator — Sua voz é sonolenta,


vagarosamente Solange apoia a cabeça

no meu ombro.

Se eu pudesse me mexer, daria um

soco no ar. A bandeira da paz foi

erguida entre nós, mas a existência de

um tal professor Roberto ainda me aflige

bastante.

— Faz muito tempo que yo no


paro para assistir um filme, mas quando

jovem adorava filmes de comédia, e

esse cara com certeza era um dos meus

atores favoritos.

— Quando era jovem, espanhol?

Você ainda é, tem muitas coisas para

viver ainda — fala em meio a um bocejo

e aconchega mais a cabeça no meu


ombro.

— E yo quero viver todas elas

com você, Cariño. — Beijo o topo da

sua cabeça, mas no tenho certeza se ela

escutou.

Mas tudo bem, essa é a primeira

vez que temos uma conversa normal sem

indiretas ou desejo de matar um ao


outro. Para mim, é a primeira vez

também que toco uma mujer sem

segundas intenções, estou só curtindo o

momento vendo um filme com a garota

que yo gosto.

Não demora muito e Solange pega

no sono, faço carinho no seu rosto por

um longo tempo observando-a dormir,


até que durmo também. Os dois

encolhidos no sofá, tão grudados como

se fossem um só.

— Eu dormi no sofá com o

Gonzales, droga! Como minha mão foi

parar aí? — Acordo com Solange

falando sozinha.

Finjo que estou dormindo e


mantenho os olhos fechados, no sei

como ou quando mudamos de posição,

mas agora estamos deitados com

Solange por cima de mim e a sua mão

curiosamente migrou para dentro da gola

da minha camisa, bem sobre o meu

peitoral.

— E agora, como vou tirar minha


mão e sair daqui sem acordá-lo? Merda!

— resmunga baixinho.

Antes que Solange pense em se

mover, passo os braços em volta do seu

corpo bem forte, de maneira que a

prendo em um abraço de urso. Ainda

está muito cedo e no quero que vá

dormir em outro lugar que não seja


grudadinha comigo. Ela no insiste mais

em sair, estou feliz que a paz esteja

começando a reinar entre nós.

Só não sei até quando, o humor

dessa mujer é um verdadeiro mistério.


Solange

Acordo com risadas altas vindo

da cozinha, mas ignoro a princípio.

Levanto do sofá meio sonolenta e vou

para o banheiro fazer a minha higiene

pessoal. Prendo as minhas tranças em


um rabo de cavalo, lavo o rosto com

água fria para espantar o sono e escovo

os dentes. Graças a Deus é domingo e

não preciso ir trabalhar.

— Você não vem tomar café,

Solange? O irmão da Lupita fez

desayuno español para nós. — Rafael

bate na porta do banheiro, animado de


um jeito raro de se ver, ainda mais na

parte da manhã, pois sempre acorda de

mau humor.

— Ele fez o quê? — Ergo a

sobrancelha.

— Desayuno español, ora essa,

já disse! — responde como se fosse

óbvio e vai embora.


Caramba, eu não esperava que o

espanhol ainda estivesse aqui em casa.

Pensei que tinha acordado e ido embora,

afinal, disse que tinha coisas

importantes para fazer hoje. Não sei

como vai ser o nosso encontro depois da

nossa conversa de ontem, sei que é

provável que estava só jogando comigo.


Mesmo assim, estou muito mexida

depois de ouvir a palavra:

“Amoroso.”

Porque sei como lidar com o

Gonzales cafajeste e egocêntrico sem

coração, que só pensa nele e mais


ninguém, mas esse outro todo atencioso

e protetor, não sei como agir ou falar.

Fico sem reação feito uma tonta.

— Bom dia a todos. — Depois

de colocar uma calça jeans escura e

camiseta branca e passar pelo menos

dez minutos dando um jeito na minha

cara amassada de sono, enfim apareço


na cozinha.

Gonzales deveria estar dizendo

alguma coisa engraçada, porque quando

cheguei, minha mãe, Tess e até o Rafael

Louis estavam rindo alto enquanto o

espanhol falava.

— Bom dia, filha, Gonzales

acordou antes de todo mundo, foi no


mercado e fez o nosso desayuno

español. Que em português quer dizer

“café da manhã espanhol” — minha mãe

fala toda orgulhosa por ter aprendido

uma expressão nova em outro idioma.

Estão os quatro sentados na mesa

de madeira, minha mãe e a Tess de um

lado e o Gonzales e Rafael do outro.


Tento ignorar o sorrisinho no rosto da

minha amiga dividindo o olhar entre

mim e o espanhol. Ela me conhece muito

bem e sabe que está rolando alguma

coisa aqui.

Está, Solange?

Sinceramente não sei de mais

nada, vou deixar acontecer.


— Muito legal da sua parte,

Gonzales, não sabia que você cozinhava.

— Nossos olhares se cruzam e eu sinto

os meus pés saírem do chão, parece que

borboletas voam no meu estômago.

Gonzales estuda atento cada

gesto meu.

— No fiz nada de mais, Solange!


Como mi padres sempre trabalharam e

no tinham dinheiro para pagar uma babá,

yo cuidava do meu irmão do meio, Luiz

Fernando, e amava cozinhar com ele.

Nós nos divertíamos muito juntos. —

Sorri quase vomitando amor pelos

olhos, esse espanhol é um homem que

ama a família mais que qualquer coisa


no mundo.

Então Gonzales tem mais um

irmão, interessante. Pensei que fossem

só ele e a Lupita.

— Senta e vem comer com a

gente, Sol, está tudo delicioso —

convida Tess.

— Está mesmo, irmã, acho que


comida espanhola é a minha favorita

agora — Louis fala e mastiga ao mesmo

tempo.

Gonzales se levanta e puxa a

cadeira para eu sentar, todo cavalheiro.

Minha mãe e a Tess trocam olhares e

sorrisos.

— Bom, yo fiz o tradicional café


da manhã espanhol, que começa no pão

com tomate, azeite e alho. Os bocadillos

con jamón serrano são clássicos por lá.

Para finalizar, churros com chocolate

que, principalmente no inverno, são

muito apreciados na Espanha — explica

compenetrado enquanto monta o meu

prato, ele devia parar com todos esses


mimos porque só piora a situação para o

meu lado.

Não sei se fico babando mais na

comida que está com uma aparência

linda ou nele com essa cara amassada de

quem acabou de acordar, com o cabelo

todo bagunçado sobre o rosto, um

verdadeiro charme.
Quem consegue ser

absurdamente lindo assim depois de

acordar? Chega a ser uma afronta para

os outros homens.

— Muito obrigada, Gonzales,

realmente está uma delícia — elogio ao

morder um pedaço do tal pão com

tomate, azeite e não sei mais o quê.


— Fico feliz que tenha gostado,

Cariño — me chama de maneira

“íntima” na frente de todo mundo,

percebo que foi sem querer porque seu

rosto fica levemente vermelho.

Minha mãe e Tess trocam olhares

novamente e quase tenho um colapso de

tanta vergonha, que situação


embaraçosa. Parece que agora tudo o

que Gonzales e eu fazemos dá impressão

que estamos flertando.

— Gostaria de ver os meus

desenhos, irmão da Lupita? — sem

intenção, Rafael muda o foco da atenção

sobre nós.

— Claro, Rafael, será um prazer,


aliás, você esqueceu isso quando foi na

minha empresa. — Pega a carteira no

bolso e tira uma folha dobrada, é um

lindo desenho de uma paisagem que

reconheço ser da vista da sala de

reuniões na empresa do Gonzales, onde

rodei a minha baiana recentemente.

E não me arrependo, estava na


minha razão naquele momento.

— Quando você esteve na

empresa do Gonzales que eu não fiquei

sabendo, Rafael Louis Almeida? —

pergunta minha mãe e eu engasgo.

Ela cruza os braços e balança a

cabeça feito uma cobra na direção do

Rafael, agora ferrou, ele vai jogar toda a


merda no ventilador, e com riqueza de

detalhes. Olho para o meu irmão quase

chorando, minha vida está em suas mãos

agora.

Coagido, Rafael solta o churros

sobre o prato e fica olhando para o nada

por tempo demais para o estado de

desespero que me encontro nesse


momento.

— Eu não quero perder o meu

caderno de desenho novo. Então, mãe, é

melhor a senhora perguntar para a

Solange. Ela também estava lá. —

Aponta para a minha direção. Não

contou a verdade, mas também não

mentiu.
Suspiro mais calma, até dona

Cátia virar a sua atenção para mim.

— Estou esperando uma

explicação, Solange. — Fico nervosa e

não me vem nenhuma mentira

convincente à mente.

— No foi nada de mais, dona

Cátia, a Solange só passou na minha


empresa um dia depois da aula com o

irmão para saber mais detalhes sobre o

meu real interesse em investir no bar de

vocês. Yo expliquei tudo a ela que, se

trabalharmos pesado nisso juntos,

podemos fazer dessa parceria um

sucesso — Gonzales mente

descaradamente.
Fico impressionada com a sua

facilidade em levar as pessoas na

conversa, até eu que sei a verdade quase

acreditei no que ele disse.

— E essa cabeça-dura enfim

entendeu? — Minha mãe abre um

sorriso.

— No estou certo ainda, dona


Cátia. Acho melhor sua filha responder

essa. — Franzo a testa e ele me joga

uma piscadela discreta acompanhada de

um sorriso molha-calcinha.

Na verdade, Gonzales está

claramente pedindo um voto de

confiança para me mostrar que não é o

homem desprezível que pintei dele.


Contudo, tenho medo de me desarmar e

abrir uma brecha e me foder depois. Só

que a conversa que tive com o vovô

Manoel sobre a história dele e da vó

Margarida não para de martelar na

minha cabeça, por isso vou deixar o

orgulho de lado e ver no que dá.

— Bem, eu ainda tenho as


minhas dúvidas sobre essa sociedade

inesperada de vocês dois. Mas estou

disposta a ajudar no que for preciso

para que o bar se torne um sucesso,

então podem contar comigo no que

precisarem. — Dou o braço a torcer.

Gonzales segura a minha mão

debaixo da mesa, em gratidão. Fico toda


desconcertada com o que sinto e solto

no mesmo instante.

— Vamos dar glória a Deus por

isso. — Tess junta as mãos como se

estivesse orando, mas está é rindo da

minha cara por dentro que eu sei.

— Amém, irmãos! — minha mãe

entra na brincadeira, mas está


emocionada, seus olhos estão molhados.

Já Gonzales não está rindo,

porém, também não está sério. Apenas

me olha fixamente, mais uma vez agindo

como se só ele e eu estivéssemos

presentes.

— O papo está muito bom, meu

povo, mas hoje é domingo e quem já é


de casa sabe o que isso significa, não é

mesmo? — Minha mãe levanta e coloca

o prato na pia.

— Dia de ir à feira! — Rafael,

Tess e eu gritamos animados, Gonzales

franze o cenho sem entender nada.

É um tipo de ritual os pais

levarem os filhos desde pequenos todos


os domingos de manhã na feira que

existe há mais de cinquenta anos na rua

principal do bairro, esse é o meu

programa em família favorito no

Madureira. Fazemos as compras de

produtos orgânicos e tudo mais que se

possa imaginar por preços bastante

justos. Por isso aproveitamos para fazer


as compras para toda a semana aqui

para a casa e o bar. Ficamos horas e

mais horas escolhendo os melhores

legumes, frutas e carnes. Mas está longe

de ser entediante, rimos o tempo todo,

comemos tudo o que temos direito na

praça de alimentação.

— Eu amaria ir com vocês, mas


não vou arriscar sair em público, pode

ser perigoso. — Tess se encolhe toda,

quase some no fundo da cadeira.

— Você tem razão, filha, eu vou

na feira com o Rafael e a Solange fica

aqui em casa com você para te fazer

companhia querida. — Alisa o braço da

Tess passando conforto.


— Eu posso ficar sozinha, dona

Cátia, não quero atrapalhar o passeio de

vocês.

— Por que não fazemos assim?

A senhora fica em casa hoje com a Tess

e aproveita e descansa mais um pouco, e

eu vou na feira com o Gonzales e

apresento a ele o evento mais famoso do


Madureira. — Abro um sorriso

maquiavélico.

Vamos ver se esse espanhol está

mesmo disposto a trabalhar pesado no

bar, porque se ele não entregar as cartas

depois de ver a loucura que é fazer

compra na feira lotada debaixo desse

sol escaldante do Rio de Janeiro, eu vou


enfim dar o braço a torcer e admitir que

Gonzales está disposto a investir de

verdade nesse negócio.

— Yo vou? — Contrai a

mandíbula, já sacou o meu plano.

— Vai sim, vou fazer a lista de

compras e saímos em dez minutos. —

Pego o caderno de notas na gaveta.


Gonzales rosna um pouco, mas

vai para a feira comigo. Como fica a

apenas dez minutos da minha casa fomos

caminhando, fiz ele arrastar o carrinho

de compras de estampa florida da minha

mãe e levei o meu, nas cores da

bandeira da Jamaica e o rosto do Bob

Marley bem no centro, com os seus


longos dreads que tanto amo.

— Que nossa Senhora de

Guadalupe tenha piedade desse pobre

espanhol!

Gonzales beija a medalhinha da

santa na corrente dourada no seu

pescoço antes de entrarmos na multidão

já formada na feira. Para quem não está


acostumado com isso, é de se assustar

mesmo.

— Primeiro vamos comprar os

temperos verdes, depois tem os legumes,

verduras e carnes — explico.

— Como a senhora quiser,

patroa — diz com deboche.

No percurso até a bancada de


temperos, Gonzales vira a sensação da

feira. A grande massa dos clientes que

vem aqui é de mulheres e estão de olho

nele descaradamente, não é todo dia que

se vê um homem igual a ele por essas

bandas. Só pelas roupas caras e a

postura ereta esbanjando superioridade,

se nota de longe que é podre de rico.


A beleza do Gonzalez também

não é algo que se encontra fácil por aí.

Com o rosto que tem poderia ser e ter o

que quisesse.

— Como você lida com isso

todos os dias? Não sei se conseguiria.

— Balanço a cabeça ao procurar na

banca o arranjo de salsinhas com as


folhas mais verdinhas.

— Lidar com o que, Cariño? —

Passa a mão no cabelo e joga a franja

para trás cheio de charme tipo aqueles

galãs de filmes, e três senhoras

próximas a nós suspiram.

Outra moça morena que passava

cheia de sacolas torce o pescoço para


olhar para ele e colide com a

barraquinha de batatas, quase indo ao

chão, uma cena ridícula de se ver.

— Com isso, espanhol. —

Seguro o seu queixo quadrado entre os

meus dedos e giro o seu rosto para que

veja que a feira praticamente parou ao

nosso redor, todas as mulheres pararam


o que estavam fazendo para olhar para

ele.

Ficam apontando e cochichando

entre si, uma baixaria! Se soubesse que

a presença dele aqui causaria todo esse

alvoroço teria deixado Gonzales em

casa.

— Ainda no faço ideia do que


está falando, seja mais clara, mujer —

se faz de bobo.

Ou talvez Gonzales está tão

acostumado a ser o centro das atenções

de todas as mulheres por onde vai que

nem percebe mais, para ele é algo

absolutamente normal.

— Nada, Gonzales, esquece.


Vamos continuar com as compras —

desconverso.

Espero sairmos dessa feira sem

que eu precise arrancar o pescoço de

nenhuma mulher oferecida, porque olhar

tudo bem, mas não vem com mão boba

não, minha filha, porque a conversa

muda de figura.
Não que eu esteja com ciúmes, é claro,

só estou sendo prevenida.


Gonzales

Afrouxo a gola da minha camisa

preta e dobro as mangas, yo estou

suando feito um porco nesse lugar. Deve

estar fazendo uns trinta e nove graus

hoje, no mínimo, mas a sensação térmica


é de cem ou mais. Minha garganta está

seca, preciso beber alguma coisa ou vou

morrer desidratado, tem tanta gente na

feira que estou sufocado. Já Solange

continua toda linda e plena como se

estivesse andando nas nuvens, fora que a

mujer conhece todos os donos das

barraquinhas. Faz questão de parar e


falar com cada um deles e, sempre

atenciosa, pergunta como estão suas

famílias e no é só por educação, dá para

sentir o carinho na interação com eles.

— Esses tomates estão lindos!

— Solange apalpa os da fileira do meio.

— São bonitos sim, mas no estão

bons. Se você olhar com mais atenção,


tem algumas pintinhas escuras no fundo

e isso quer dizer que vão durar dois ou

três dias no máximo — explico.

Solange me examina como se yo

fosse louco.

— Como sabe disso, Gonzales?

— indaga um tanto surpresa.

Essa diaba me trouxe aqui só


para me testar, mas vai dar com os

burros na água. Quando yo era só um

menino humilde na Espanha, sempre

acompanhava o meu avô nas compras.

Ele me ensinou pacientemente como

escolher as melhores frutas e legumes, a

carne mais fresca e os temperos certos.

Vovó Marisol não sabia nem fritar um


ovo, então era o marido que mandava na

cozinha.

Meu avô me ensinou a cozinhar,

amava passar horas e horas na frente do

fogão fazendo diversos pratos

deliciosos para a família. No via como

obligación, mas sim como um hobby que

passou para os filhos e netos. Por


exemplo, na minha casa quem vai ao

mercado fazer as compras sou yo

mesmo, e preparo todas as minhas

refeições. Se existe algo que herdei

desse homem incrível foi o amor pela

culinária e a alegria de viver; ele, assim

como yo, era um apreciador de mujeres,

mas a única que amou de verdade foi a


minha vovó Marisol. Depois que a

conheceu, todas as outras perderam a

graça.

Sinto que estou indo para esse

mesmo caminho sem volta com a

Solange, e que Dios me ajude, porque yo

sozinho no sei mais o que fazer com

essa mujer virada do cão.


— Yo no sou apenas bonito e

gostoso, Solange. Também tenho

conteúdo. — Dou um sorrisinho

enquanto examino quais tomates levar.

— E obviamente nada modesto,

não é mesmo, espanhol? — Me empurra

com o braço, toda brincalhona.

— No é questão de modéstia,
querida, só estou sendo realista perante

os fatos — digo e ela gira o nariz no ar,

rindo.

Estou amando esse clima

descontraído entre nós, sem

provocações ou indiretas. Solange está

mais aberta em relação a mim.

— Deu dois quilos certinho,


Solange, o seu amigo entende do

assunto, escolheu só os melhores

tomates, essa remessa chegou agora há

pouco da colheita — elogia o dono da

barraca, brincalhão.

— No só entendo como prometo

vir aqui comprar mais vezes, por isso

acho que seria muito justo se o senhor


gentilmente desse um desconto para a

Solange por ela ter lhe trazido um novo

cliente — negocio, sou ótimo nisso.

Grande parte do meu sucesso

devo ao fato de que aprendi a

pechinchar com o meu avô na hora de

comprar até uma garrafa de água,

sempre conseguia levar os vendedores


do bico e pagar pelos produtos bem

menos do que o valor normal.

— Justo, rapaz! Vou cobrar só

por um quilo de tomate, o outro é por

conta da casa, Solange.

— Ótimo! Gostei de fazer

negócio com o senhor, muito obrigado.

— Aperto sua mão como se


estivéssemos fechando a venda de ações

de uma empresa multimilionária.

— Eu estou mesmo

impressionada, Gonzales! Vou te trazer

mais vezes para fazer compras comigo.

— Estou sempre ao seu dispor,

Cariño. No que precisar. — Uso um tom

agudo, nublado de segundas intenções.


— Bem, acho que fechamos a

lista de temperos e legumes. Gostaria de

parar para comer alguma coisa antes de

irmos para as carnes? Estou com os pés

doendo e com fome. — Faz um beicinho

lindo.

— Claro, Sol, o que tem em

mente para matar a sua fome?


— Um lugar que se eu vier à

feira sem passar lá, não me sinto

completa — dramatiza.

— Hum! E onde seria esse

lugar? — pergunto.

— Na barraquinha de pastel e

caldo de cana do Rogerio, é um lugar

especial para mim porque meu pai


costumava me levar lá com frequência.

Conversávamos sobre várias coisas

enquanto esperávamos nossos pedidos,

era um momento só nosso — devaneia

ao falar do pai com um sorriso cheio de

saudade, é evidente que eram muitos

próximos.

No sei muita coisa sobre o pai


da Solange, mas no vou forçar o assunto.

Sinto que falar dele mexe muito com o

seu emocional, por isso vou esperar ela

se sentir à vontade para me contar mais

sobre o patriarca da família.

— Então vamos na barraquinha

do Rogerio, estou ansioso para provar

esse tal pastel com caldo de cana —


tento parecer animado, mas no estou

com fome, tenho o costume de almoçar

tarde, isso quando tenho tempo.

O fato é que estou muito feliz de

a Solange querer me levar em um lugar

de tanta importância para ela, me faz

sentir especial; no quero me iludir, mas

isso me parece um ótimo sinal.


— Essa cena vai ser muito

engraçada, o conceituado advogado

Alejandro Gonzales comendo em uma

barraquinha na feira do Madureira —

zomba da minha cara a abusada, aperto a

mandíbula e finjo estar zangado.

Mas no consigo segurar por

muito tempo e acabo rindo, Solange tem


esse efeito mágico em mim, de querer

sorrir o tempo todo.

— Já comi em lugares que você

nem imagina, muchacha — deixo solto

no ar em um tom de ironia; ela fica

curiosa, mas no pergunta nada.

Seguimos o caminho para a

barraca do senhor Rogerio. Apesar de


yo ser apaixonado pela culinária

brasileira, nunca experimentei pastel

com caldo de cana e estou curioso para

conhecer todos os gostos dessa mujer

complicada e ao mesmo tempo

encantadora.

E quanto mais a conheço, mais

percebo que é perfeita para mim.


— Chegamos! — Solange vai

direto no menu do dia.

A barraquinha do senhor Rogerio

é pequena e bem simples, mas muito

organizada e limpa. Somos atendidos

por ele e a esposa com um sorriso

acolhedor. Reparo que ambos usam

uniforme, além do avental, touca e luvas,


tudo dentro das regras de higiene.

— Então, Solange, como estão a

sua mãe e o Louis? — pergunta Rogerio.

Ele manuseia ao mesmo tempo

duas panelas grandes de óleo fervente,

com uma prática invejável.

— Muito bem, senhor Rogerio,

graças a Deus. Eles ficaram em casa


porque estamos com visita hoje —

explica atenciosa.

— Então você trouxe o seu

namorado para te ajudar a fazer as

compras da semana? — a esposa do

senhor Rogerio comenta com uma

risadinha maliciosa, fico sem graça e

Solange também.
— Ele não é o meu namorado,

Vanuza — rosna entre os dentes.

— No sou ainda — acrescento

seguro e Solange me olha de cenho

franzido por cima do ombro, como se yo

tivesse dito algo ofensivo à sua honra.

— Mandou bem, rapaz de

atitude! — Senhor Rogerio inclina sobre


o balcão e bate a mão na minha.

— Não dá corda para esse

espanhol, Rogerio. Ele não passa de um

Cachorrão que namora todas as

mulheres do Rio de Janeiro ao mesmo

tempo — Sol expõe a minha vida

pessoal e acha a maior graça, gosta de

me provocar.
— Desculpa, filha, mas o rapaz é

boa pinta e gente boa. Investe nele que

vai ser sucesso — Rogerio me dá uma

forcinha.

— Valeu, Rogerio, yo penso o

mesmo ao meu respeito. Sou um ótimo

partido! — digo sério e ele solta uma

risada muito alta, ele gosta do meu senso


de humor.

— A verdade tem que ser dita

mesmo, cara, eu sempre falo para a

minha esposa que ela tirou a sorte

grande quando casou comigo — tira uma

com a cara da Vanuza, o olhar dela de

canto para cima do marido é impagável.

— Homens. — Ela revira os


olhos e todos nós rimos.

— Nunca vi raça mais metida,

Vanuza. — Solange me dá uma

cotovelada na costela, ela pensa que

tudo que yo disse era brincadeira sobre

me achar um bom partido.

Mas estava falando muito sério,

nunca banquei o falso humilde salvador


dos fracos e oprimidos. Sou lindo sim,

charmoso, rico e inteligente. Trabalhei

muito para chegar onde cheguei, no

ganhei nada de mão beijada, ralei feito

um bastardo e mesmo levando muito na

cara, nunca desisti dos meus sonhos e

me orgulho bastante disso.

— Então, filha, o que você e o


seu futuro namorado bonitão vão querer

hoje? — Rogerio no perde a

oportunidade de continuar com a piada,

ele e a esposa são muito divertidos.

Você vem para comer na

barriquinha deles e acaba com um

sorriso no rosto, agora entendo por que

o pai da Solange costumava trazê-la


aqui.

— Eu quero um pastel de queijo

e dois de carne com palmito; para beber,

um copo grande de caldo de cana com

gengibre e casca de limão. E você,

Gonzales? — Solange se vira para mim

e yo mal consigo processar tudo o que

ela pediu, parei nos dois pastéis de


carne.

Tem o apetite de leão, assim

como na cama.

— Ainda no sei, alguma

sugestão? — Passo o olho no menu por

alto, a verdade é que qualquer coisa

para mim está ótimo.

Solange acaba pedindo um pastel


de queijo e presunto para mim, e para

beber, o mesmo que ela. Sentamos um de

frente para o outro em uma das mesinhas

de madeira enquanto aguardamos

trazerem os nossos pedidos. Iniciamos

uma conversa onde cabem apenas

olhares. Ela no sabe se mexe nas tranças

ou ajeita a blusa.
— Está calor hoje, não é? —

puxa um assunto aleatório só para fugir

do que realmente gostaria de dizer.

— Sabe que no pode fingir para

sempre que aquela conversa que tivemos

no sofá da sua casa ontem à noche nunca

aconteceu, no é? — vou direto ao ponto,

nunca fui hombre de fazer rodeios.


— Eu não estou fugindo de nada,

espanhol. Só acho que não precisamos

falar disso agora. Não é o momento

certo. — Empina o peito tomando uma

postura defensiva.

— E quando vai ser, Cariño?

Ah, yo esqueci! Você está de namorico

com o professor bonitão, então acho que


essa conversa nunca vai acontecer —

ironizo.

Se yo pudesse, fazia esse

professor Roberto desaparecer da face

da Terra, ele e a Solange combinam tão

bem quando estão juntos, e ter que

admitir isso me deixa com sangue nos

olhos.
— E você com a metade das

mulheres do Rio de Janeiro, Gonzales

— rebate petulante.

Como duas crianças implicantes,

cruzamos os braços e iniciamos uma

briga de olhares. Mas logo iniciamos um

ataque de risos, ela no consegue mais

ficar zangada comigo.


— Você é um cachorrão mesmo,

Alejandro Gonzales! — Pega um

guardanapo sobre a mesa e joga em

mim, rindo de um jeito descontraído que

nunca vi antes.

— Aqui estão os pedidos de

vocês, divirtam-se. — Rogerio põe a

bandeja sobre a mesa, enfeitada com


flores e dois brigadeiros como brinde da

casa.

— Mierda! — xingo ao tentar

pegar o pastel sem o guardanapo e

queimo as pontas dos dedos, está muito

quente, acabaram de ser fritos.

— Calma! Isso vai aliviar. —

Solange pega o meu dedo e leva à boca,


fico excitado na hora quando sinto a

língua molhada roçando na pontinha do

meu indicador.

— Acho que no é uma boa ideia

fazer isso quando estivermos em

público, Cariño — alerto com a voz

rouca e ela tira o meu dedo da sua boca

imediatamente, morta de vergonha,


percebeu que estou excitado.

— Desculpa, não estou tentando

te seduzir, se é o que está pensando. É

que quando eu era pequena e queimava o

dedo ajudando minha mãe na cozinha,

ela sempre fazia isso e funcionava.

— Você já me seduziu há muito

tempo, Sol. Só você no percebeu isso


ainda. — Aperto o seu queixo e ela sorri

toda tímida.

Essa mujer me deixa fora de

órbita só com a porra de um sorriso!

— Para de galanteio e vamos

comer, hombre de Dios — se aventura e

pronuncia algumas palavras em

espanhol.
— Hablas español, muchacha?

— Solo un poquito, pero lo

entiendo bien — responde em uma

pronúncia perfeita.

Porra! Ela fica ainda mais

gostosa falando espanhol. Nunca achei

esse dialeto tão sexy até agora.

— Dale, chica! — comemoro a


sua futura fluência na minha língua

nativa, yo mesmo terei o maior prazer

em ensiná-la.

— Pronto para comer o melhor

pastel de Madureira? Melhor dizendo,

do mundo inteiro.

— Nasci pronto, Cariño. — Me

observa atenta ao dar a primeira


mordida generosa, quando afasto o

pastel da boca uma camada de queijo

derretido vem junto.

A sensação que sinto degustando

essa obra de arte é tão boa que parece

um orgasmo, acho que acabei de provar

a oitava maravilha do mundo.

— Então? — Seus olhinhos


brilham.

— Isso está incrível, Cariño!

Será que posso pedir mais um? — falo

de boca cheia dando uma mordida atrás

da outra no pastel.

Está mesmo uma delícia! Tudo

na medida certa, o tempero suave, tem

bastante recheio e a parte de fora é bem


crocante.

— Eu sabia que você ia amar,

Cachorrão! Agora prova o caldo de cana

com gengibre e casca de limão. — Em

vez de me entregar o copo, me serve na

boca direto do seu.

Sorrio abobalhado, assim yo vou

ficar mal-acostumado, gosto muito dessa


Solange amorosa e divertida.

— Louvado seja Dios, caldo de

cana é ainda melhor. — Sorvo outro

gole mais longo, acho que já estou

viciado.

Sempre achei o gosto exótico do

gengibre esplêndido, e junto com o

amargo do limão e o caldo de cana já


naturalmente doce, deu uma mistura um

tanto peculiar. O fato de ser servido com

cubos de gelo é a melhor parte, nesse

calor horroroso desce pela garganta

refrescando até a alma, se yo soubesse

que era tão bom tinha provado antes,

com certeza entrou para a minha lista de

bebidas favoritas.
— Pode pedir quantos quiser,

Cachorrão. — Balança a cabeça rindo.

— Você vai ficar me chamando

assim agora, Sol? Yo prefiro espanhol ou

só Gonzales.

— Mas eu prefiro Cachorrão.

Combina mais com você. — Dá de

ombros e volta a comer, no tento fazê-la


mudar de ideia, é perda de tempo bater

de frente com essa mujer.

Saímos da barraquinha só depois

que yo pedi mais dois pastéis e outro

caldo de cana do copo maior que eles

tinham, acho que no consigo comer mais

nada pelo resto do dia.Seguimos com as

compras, a impressão que tenho é que


compramos carne para alimentar um

batalhão inteiro, e ainda falta escolher

os peixes.

— Eu sou o polvo assassino,

esses são os meus tentáculos da morte.

— Sorrio vendo Solange distraída

brincando com um polvo horroroso na

frente de todo mundo como se fosse a


coisa mais normal do mundo.

Agora que estou a conhecendo

um pouco melhor, percebi que é só uma

menina doce que se finge de durona para

se proteger do mundo.

— No vai levar esse bicho

horroroso para a casa, vai?

— Que bicho horroroso,


espanhol, esse daqui? — Aproxima essa

coisa gosmenta do meu rosto rindo feito

uma maluca.

— Tira esse troço nojento de

perto de mim, Solange. — Tento fugir,

mas ela vem atrás de mim.

— Não seja grosseiro com o

meu amiguinho, Gonzales, dá só um


beijinho nele, vai?

— Só se você me der outro beijo

depois, Cariño — jogo com ela, vai que

cola.

Sei que adora ser desafiada.

— Você não teria coragem,

Cachorrão! — Ergue o olhar.

A abusada balança o bicho feio


para o meu lado, provocando-me.

— Para ganhar um beijo seu, mi

amor, faria coisa muito pior do que isso.

— Tomo o polvo da sua mão e tasco um

beijo caprichado, minha boca fica toda

cheia de baba, mas o prêmio vale a

pena.

— Ai, credo, Gonzáles, você é


muito nojento, cara. — Faz cara de nojo.

— No importa, você me deve um

beijo. — Faço biquinho.

— De jeito nenhum que vou

beijar essa sua boca de polvo, meu bem,

sai pra lá. — Agora é ela que corre de

mim.

Porém, o celular da Solange toca


e acaba com a nossa brincadeira, guardo

o polvo no lugar enquanto ela atende à

ligação no viva-voz. O dono da barraca

no parece ter gostado muito da voltinha

que demos com o bicho porque me olha

feio.

— Oi, Elza, tudo certo para o

nosso encontro hoje à tarde? Estou muito


animada, amiga. — Sorri o tempo todo

enquanto fala, irradiante.

— Aqui não é a Elza, é a mãe

dela. Eu sinto muito, querida, mas ela se

foi. O velório está sendo realizado na

capela da Santa das Dores. — A voz da

senhora do outro lado da linha é

chorosa.
Solange não fala mais nada, o

celular escorrega pelas suas mãos e se

choca contra o chão de piso de cimento

grosso. Lágrimas transbordam dos seus

olhos, sua expressão é de pura dor.

— Respira, Cariño, yo estou

aqui com você. Sinto muito pela sua

amiga. — A puxo para um abraço bem


apertado, ela desaba partindo mi

corazón em mil pedaços.

— Por que, meu Deus? Ela

parecia tão bem na última vez que a vi.

— Esconde o rosto na curva do meu

pescoço, no sei o que fazer ou dizer

para fazê-la se sentir melhor.

— Por favor, no fique assim, mi


vida. Ver você chorando acaba comigo.

— Seco suas lágrimas com o polegar.

— Me leve até a minha amiga,

Gonzales, eu te imploro! Preciso vê-la.

— Se agarra mais a mim como se yo

fosse o seu porto seguro.

— Farei tudo o que você quiser,

amor. — Me inclino rapidamente e pego


o seu celular no chão.

O dono da barraca de peixes

conhece a família da Solange e

gentilmente se ofereceu para entregar os

carrinhos de compras para a mãe dela e

explicar o que aconteceu. Como deixei o

meu carro estacionado na frente da casa

da dona Cátia, peço um táxi que chega


em minutos e nos pega na feira.Ajudo

Sol a entrar no veículo e coloco o seu

cinto. Está atordoada, o que é muito

compreensivo.

No meio do caminho a mãe da

Solange liga, as duas trocam algumas

palavras e depois ela passa o celular

para mim, no consegue manter a


conversa devido ao choro. Explico que

estamos indo para o velório, dona Cátia

diz que sente muito porque amava Elza

como a um dos seus filhos, porém no

pode comparecer porque Rafael está em

surto desde quando soube da morte da

moça, e por algum motivo pensou que a

irmã iria morrer também. No fundo da


ligação posso ouvir os gritos

desesperados do garoto e a coitada da

Tess tentando acalmá-lo.

Disse para dona Cátia no se

preocupar com Solange porque yo vou

cuidar dela e no pretendo sair de perto

dela um minuto sequer, e assim que

possível a levarei para casa.


— Tem mesmo certeza que quer

entrar lá, Solange? Se quiser podemos

voltar, no precisa fazer isso e se

machucar mais ainda — aconselho ao

chegarmos em frente à capela, Solange

está agarrada a mim desde que saímos

do carro.

— Não quero, Gonzales, mas


tenho que fazer. Porque Elza e eu

fizemos uma promessa de que se uma de

nós partisse primeiro a outra ficaria ao

seu lado até o último segundo. —

Começa a chorar novamente, a amizade

das duas deve ter sido muito forte

mesmo para terem feito essa promessa

tão intensa.
Seguimos em frente e adentramos

o lugar lotado, mal dá para andar

direito, percebo que todos estão

chorando, até mesmo as crianças. Pelo

visto, Elza era muito amada por todos.

Como yo esperava, Solange fica agitada

quando vê o caixão rodeado por várias

pessoas no fundo da capela e fica


estacada onde está, bem no meio do

corredor entre as fileiras de cadeiras

brancas.

— Solange, minha querida, você

veio! — Uma senhora sendo amparada

por um rapaz assim que nos vê

cambaleia em nossa direção, parece que

a dor é tanta que a impossibilita de


andar corretamente.

— Eu não acredito que ela nos

deixou, Conceição! Sua filha vai fazer

muita falta para mim. Ela me ensinou

tanta coisa sobre resiliência. — A

senhora de cabelos brancos presos em

um coque bagunçado e semblante

sofrido abraça Solange com carinho.


— Ela vai fazer falta para todos

nós, Sol.

— Como foi que isso aconteceu,

Conceição? Elza estava radiante da

última vez que a vi, tanto que

combinamos de sairmos juntas hoje à

tarde.

— Foi tudo muito rápido,


Solange, minha filha se sentiu mal hoje

bem cedo. Fui fazer um chá, e quando fui

levar para ela na cama, havia partido

enquanto dormia.

— Minha nossa, Conceição, que

situação triste. — Solange desaba em

lágrimas novamente e yo aliso o seu

braço na tentativa de passar força de


alguma forma.

— Foi um choque para toda a

família, minha querida, pensei que teria

mais tempo com ela — conta destruída,

acredito que pior do que perder um filho

é ser a pessoa que encontra o corpo.

No quero nem pensar nisso, deve

ser uma cena que vai ficar na mente


dessa senhora pelo resto de sua vida.

— Eu sinto tanto, Conceição,

não faz ideia do quanto. — Solange mal

consegue falar, parece mais abalada do

que a própria mãe da moça.

— Claro que faço, querida,

vocês duas passaram por muitas coisas

difíceis juntas. — Segura as mãos da


Sol. — Minha filha se foi, mas você

ainda está viva e não pode deixar essa

perda inesperada abalar as suas

estruturas. Elza te amava assim como eu

amo e estarei aqui para o que precisar.

— Dá um sorriso tristonho, mas cheio

de força e esperança.

— Obrigada, Conceição, por


tudo que a senhora e a Elza sempre

fizeram por mim — agradece olhando

nos seus olhos.

— Não precisa agradecer,

Solange. Onde quer que minha filha

esteja agora, ela está feliz em saber que

você veio se despedir dela, cumprindo a

promessa que vocês duas fizeram —


suas palavras parecem enfim trazer um

pouco de conforto para Solange, em

situações como essa no temos

alternativa a no ser aceitar e seguir em

frente com o corazón em paz.

De mãos dadas, mãe e amiga se

aproximam do caixão de Elza. Fico onde

estou observando de longe, no quero


atrapalhar esse momento íntimo das duas

de aceitação da vontade de Dios, só Ele

sabe de todas as coisas. No entanto,

depois de andar alguns passos Solange

para de repente e olha para trás à minha

procura. Quando os seus olhos me

encontram, estica o braço para que yo

segure a sua outra mão. Ela me quer ao


seu lado. Mais que depressa vou ao seu

encontro.

— Fica perto de mim, Gonzales,

não me deixa. — Enlaça os dedos entre

os meus.

— Nunca, Cariño! Prometo que

sempre estarei ao seu lado. — Ergo

nossas mãos unidas e beijo a dela.


Quando nos aproximamos do

caixão e vejo a moça sinto algo

estranho, no sei explicar. É irônico

conhecer uma pessoa só depois de sua

morte. O corpo de Elza está todo

envolto por rosas brancas e apenas uma

vermelha. Ela deveria ter a idade de

Solange ou menos, uma mujer alta, mas


obviamente muito abaixo do peso ideal.

Olhos fundos e a coloração da pele

pálida demais, parece que tinha a saúde

debilitada. No entanto, sua expresión no

tem nada de triste, parece ter partido

tranquila.

— Você lembra desse lenço,

filha? — Dona Conceição ajeita o


tecido de seda; apesar do tom de choro

nos seus lábios, lança um sorriso.

— Claro que sim, Conceição, eu

dei à sua filha de presente de

aniversário e ela só usava como

turbante, dizia que a deixava com cara

de rica. — Solange sorri enquanto uma

lágrima desliza pelo seu rosto; ela pega


a rosa vermelha, prende atrás da orelha

da amiga e acaricia o seu rosto com

carinho como se ela ainda estivesse

viva.

Gostaria de saber mais sobre

Elza e a história por trás da amizade das

duas, por que partiu tão cedo? Mas creio

que no é um bom momento para


perguntar. Apenas permaneço ao lado da

Solange oferecendo todo o suporte que

ela precisa. Como prometeu para a

amiga, ficou ao seu lado o tempo todo

até o momento em que o caixão foi

coberto por sete palmos de terra.

— Vem, Cariño, vou te levar

para casa. — A conduzo em direção à


saída do cemitério, o tempo fechou de

uma hora para outra com o céu escuro e

ventos fortes, parece que vai cair uma

tempestade a qualquer momento.

— Será que eu não posso ir para

a sua casa, Gonzales? Não quero voltar

para o Madureira e as pessoas ficarem

me perguntando o tempo todo sobre a


morte da Elza, todos conhecem a

história dela lá — pede sem coragem de

olhar nos meus olhos, sendo que por

mim ela poderia até se mudar para a

minha cobertura se quisesse.

— Claro que pode, yo prometo

que vou cuidar bem de você —

praticamente juro.
Yo já havia ligado para o

motorista da minha empresa e ele veio

nos buscar, vou no banco de trás ao lado

da Solange com a sua cabeça encostada

no meu ombro. Depois do enterro

sempre fica aquela sensação ruim de

vazio, foi assim quando os meus avós

morreram.
— Pode ficar à vontade, Cariño,

sinta-se como se estivesse na sua casa

— digo ao abrir a porta.

Percebi que Solange ficou tímida

assim que chegamos em frente ao meu

prédio, aqui tudo é novo para ela.

— Muito obrigada, Gonzales. —

Senta na ponta do sofá branco da sala


principal toda encolhida e abraça o

próprio corpo, como se estivesse com

medo de sujar ou de quebrar algo caro.

— Gostaria de tomar um banho,

Solange? Vai se sentir melhor —

pergunto sem saber como agir, no sou

muito de receber visitas de verdade por

aqui.
Ela apenas assente de leve.

— A suíte de hóspedes fica no

final do corredor, no banheiro tem

sabonete e toalha limpa. Como yo disse,

sinta-se em casa. — Ela mexe a boca

quase em um sorriso.

Enquanto Solange toma banho,

pego uma camisa azul no meu guarda-


roupa para ela vestir; como é baixinha,

vai virar quase um vestido, mas é o

melhor que tenho no momento.Aproveito

que estou sozinho para ligar para a dona

Cátia e dar notícias, sua surpresa pela

filha ter pedido para vir para a minha

casa é evidente. Mas no parece estar

zangada, só reforça o pedido para que


yo cuide bem dela. Depois de agradecer

várias vezes, encerramos a ligação.

Espero mais uns dez minutos

andando pelo corredor, depois bato na

porta do quarto de hóspedes para

entregar a camisa a Solange, acredito

que já tenha finalizado o banho.

— Hey, Cariño, sou yo — digo,


depois bato a mão na testa e falo um

palavrão baixinho.

Óbvio que só pode ser você, seu

idiota! No tem mais ninguém nessa casa

além de ela e yo. E isso está me

deixando muito nervoso, no sei como

agir ou falar. Todas as mujeres que trago

na minha casa são para fodê-las e no


para cuidar e proteger como sinto a

necessidade de fazer com Solange, é

como se a minha felicidade dependesse

da dela agora.

Porra, yo estou muito fodido!

— Oi, Gonzales, pode falar. —

Abre uma fresta minúscula na porta e

coloca a cabeça para fora.


— Trouxe uma camisa minha

para você vestir, se no gostar posso

procurar outra — respondo sem jeito

com as mãos juntas atrás do corpo.

— Muito obrigada! Qualquer

coisa para mim está ótimo, não quero

incomodar. — Estica o braço, pega a

peça da minha mão e volta a fechar a


porta.

Espero alguns segundos e

pergunto ansioso:

— Então, como ficou?

— Veja você mesmo, espanhol.

— Sai do quarto e fica evidente que a

camisa ficou maior do que yo esperava,

principalmente nas mangas.


Tento no olhar para as suas

pernas grossas expostas, mas os meus

olhos me traem como se tivessem

vontade própria.

— Deixa yo dar um jeito nisso,

Cariño. — Dobro as mangas compridas

e ajeito a gola que está toda torta;

enquanto faço isso os nossos olhares se


fundem num momento de pura

cumplicidade.

Daria a minha vida para beijá-la

nesse momento; quanto mais fico perto

de Solange, mais yo a desejo. Mais me

apaixono por ela.

Mais yo a quero só para mim.

— Você é simplesmente
esplêndida, Solange Almeida. —

Acaricio o seu rosto, ela sorri de um

jeito charmoso como se já tivesse

ouvido isso antes.

— E você tem se mostrado um

verdadeiro cavalheiro, Gonzales. A

cada dia que passa tem me surpreendido

mais — revela e a vontade de beijá-la


aumenta, mas me contenho dando um

passo para trás, no quero agir por

impulso.

Solange está muito vulnerável

nesse momento, os olhos vermelhos e

inchados de tanto chorar, poderia

seduzi-la agora num piscar de olhos. Em

outros tempos me aproveitaria disso sem


nenhuma culpa, mas as coisas são

diferentes agora. Yo sou um hombre

diferente.

Vou esperar até que Solange dê o

primeiro passo, no importa quanto

tempo demore; estou disposto a esperar

por uma eternidade se for preciso.

— Yo acredito que você deve


estar muito cansada depois do dia longo

que tivemos hoje, talvez fosse bom

tentar dormir um pouco meu anjo —

digo, preciso fugir para bem longe dela

o mais breve possível.

Antes que jogue toda essa porra

de fazer a coisa certa para o ar e vá para

cima dessa mujer com tudo e que se


dane o resto, preciso me manter forte.

— Vou estar logo ali no

escritório, segunda porta à direita,

preciso fazer algumas ligações

importantes de trabalho. Mas se precisar

de alguma coisa é só gritar que yo venho

correndo. — Me conformo em depositar

um beijo na sua testa.


— Você prometeu que não iria

me deixar, Gonzales, por favor, fica

comigo até eu dormir. — Antes que yo

pensasse em girar o corpo para ir

embora Sol agarra a minha cintura, sua

voz está trêmula e as mãos suam frio,

vai voltar a chorar a qualquer momento

e yo no quero que isso aconteça.


— Calma, mi amor, yo no vou a

lugar nenhum sem você — afirmo minha

promessa.

Pensei que ela precisaria de um

tempo sozinha para absorver tudo o que

aconteceu, no queria sufocá-la impondo

a minha presença. Mas se a Solange me

quer ao seu lado, yo ficarei pelo tempo


que ela precisar de mim.

— Muito obrigada! — Segura a

minha mão e me puxa para dentro do

quarto.

Deitamos na cama plus size um

de frente para o outro sem proferir uma

palavra, apenas trocando olhares e até

mesmo algumas carícias sem nenhum


teor sexual. Só uma troca de carinhos

mesmo. Yo acaricio o seu rosto por um

longo tempo, é quase palpável o elo que

está se formando entre nós. Uma

explosión de sentimentos nunca sentidos

antes, por mim.

Talvez seja amor...


Solange

Acordo com uma rajada de vento

forte que vem da janela do quarto que

está aberta, uma chuva forte cai lá fora.

Gonzáles dorme feito um anjo, esse

homem tem me impressionado demais


nos últimos dois dias com toda essa

atenção e proteção que tem me dado,

estando ao meu lado nos momentos que

mais preciso, e isso me assusta muito.

Na verdade, estou apavorada.

Gosto da companhia do

Gonzales, ele é divertido e muito

engraçado. Só a sua presença me traz


segurança, fora que o abraço dele é o

melhor do mundo. Acho que não

conseguiria mais sentir raiva desse

espanhol nem se eu me esforçasse muito.

Esse filho da mãe me pegou de jeito.

Sorrio, e com as pontas dos

dedos contorno o rosto bonito do

Gonzales, sentindo a maciez da sua pele.


— Sua presença tem se tornado

tão natural na minha vida, espanhol, e

em um curto intervalo de tempo, que

tenho medo de me apaixonar e ter o meu

coração partido — digo baixinho,

Gonzales resmunga como se fosse

acordar, mas volta a dormir.

Tento voltar a dormir também,


mas o sono não vem. Não consigo parar

de pensar na morte da Elza, eu amava

tanto a minha amiga e vou sentir a sua

falta todos os dias. Vou levá-la para

sempre comigo em um lugarzinho

especial no coração, nos conhecemos

através da dor e viramos grandes

amigas. Uma pena ter partido tão cedo, a


única coisa que me consola é que tenho

certeza de que ela está em um lugar

melhor agora, ao lado de Deus.

— Cedo ou tarde a gente ainda

vai se encontrar, amiga! — sussurro

enquanto uma lágrima percorre a minha

face.

Sem condições de continuar


deitada com essa dor imensa rasgando o

meu peito, decido levantar e tentar me

virar para fazer um chá na cozinha do

Gonzales. Tomar algo quente à noite

sempre me acalma. Antes de sair da

cama beijo o rosto do meu protetor,

depois caminho até a janela e fecho para

que o coitado não morra congelado. A


sua cobertura é tão grande que me perco

dentro do lugar, deve ter se mudado há

pouco tempo porque ainda dá para sentir

o cheiro de novo nos móveis. Atravesso

o corredor extenso e passo pela luxuosa

sala decorada com sofás brancos

quadriculados cheios de almofadas

macias, uma mesa de centro toda de


vidro e uma TV quase maior que a

própria parede onde está fixada. Poderia

facilmente fazer uma sessão de cinema

nesse cômodo.

No entanto, nada se compara à

cozinha. É magnífica! Toda moderna,

trabalhada em inox, um balcão de aço

brilhante no meio, vários armários altos


e uma geladeira gigante de dois andares.

— Eu nunca vou conseguir achar

um sachê de chá nesse lugar enorme! —

bufo depois de procurar em pelo menos

umas dez gavetas só na fileira do lado

esquerdo.

Sem muita esperança, fico nas

pontas dos pés e começo a procurar na


parte das portas de cima.

— Está em uma caixa pequena

sobre a geladeira, Cariño. — Levo um

susto com o Gonzales encostado na

porta com os braços cruzados sobre o

peito desnudo, ele parece ter acabado de

sair do banho porque o cabelo está todo

molhado.
Gonzales usa apenas calça de

moletom cinza, ele parece tão másculo

com os pés descalços tocando o azulejo

escuro.Seu olhar felino é daquele tipo

pronto para dar o bote.

— Desculpa, Gonzales! Eu

acordei você? — Envergonhada, apoio

as costas na bancada da pia.


Há quanto tempo ele estava me

vendo invadir a sua cozinha e revirar

todas as suas coisas? Se fosse a minha

mãe chamaria a polícia para me prender

por invadir o seu espaço. Ela sempre diz

que é um crime tremendo mexer na

cozinha dela sem pedir permissão antes.

— No me acordou, Sol. A cama


só ficou grande demais quando abri os

olhos e no vi você ao meu lado, então

levantei, tomei um banho e vim à sua

procura. — Passa por mim encostando

no meu braço de propósito.

Pega uma chaleira vermelha,

enche de água e coloca sobre o fogão,

então pega a caixa de chá em cima da


geladeira e me entrega para que eu

escolha o sabor.

— Gostaria de tomar um chá

comigo? — convido e ele assente não

muito animado.

— Na verdade yo estou com

fome, e você? — Me olha por cima do

ombro em um meio-sorriso sexy, fico


incapaz de raciocinar por alguns

segundos, apenas consigo admirar o seu

charme avassalador.

— Eu estou sim, o que tem em

mente? — minto, a verdade é que estou

sem fome e isso é algo raríssimo de

acontecer. A perda de um amigo destrói

o apetite de qualquer pessoa.


Por isso duvido muito que

alguma coisa consistente vá passar pela

minha garganta tão cedo. Só que não

quero bancar a chata, Gonzales está

sendo muito legal comigo e, parando

para pensar, a última vez que o vi

comendo hoje foi na barraquinha do

Rogerio.
— O que acha de cozinharmos

alguma coisa juntos? Um frango à

parmegiana, talvez, com muito molho de

tomate e queijo derretido por cima.

Humm! Que delícia. — Prende o lábio

inferior entre os dentes e aperta com os

olhos fechando-se em uma expressão de

prazer, minha libido logo dá sinal de


vida.

— Ótima escolha, Gonzales. Se

quiser posso empanar o frango, sei de

um jeito que fica de lamber os beiços,

como diz meu avô. — Abro um sorriso

menos animado do que eu queria.

— Perfeito! Yo vou preparar uma

salada como acompanhamento. — Abre


a geladeira, tira todos os ingredientes

necessários de lá e os deixa sobre o

balcão.

Faz malabarismo com as latas de

molho de tomate, milho verde e ervilhas

e deixa cair no seu pé de propósito só

para me fazer sorrir. E dá certo.

— Chega de brincadeira e mãos


à obra, espanhol! — começo a me

animar, Gonzales tem esse efeito de

contagiar as pessoas com o seu jeito

extrovertido.

— Yo gosto de cozinhar ouvindo

música, Sol, tudo bem para você? —

Parece compenetrado ao separar as

folhas de alface.
— Por mim tudo bem, música é

bom em todos os momentos.

— Certo! — Os cantos da sua

boca se elevam em um sorriso

estonteante.

O cara bate três palmas rápidas

e num passe de mágica começa a tocar

uma música instrumental relaxante na


cozinha, gente rica é outro nível mesmo.

Estou abobalhada! Só tinha visto esse

tipo de coisa em filmes futuristas.

— Deixa yo te ensinar um truque

que aprendi com o meu avô sobre cortar

carnes, Cariño. Ele era um verdadeiro

mestre com as facas. — Oferece ajuda

ao me ver em uma briga feia com o peito


de frango, nunca fui boa em cortar as

coisas.

Lá em casa corto de qualquer

jeito e jogo na panela e fica ótimo

depois de cozido, mas aqui na frente do

Gonzales quero fazer bonito.

— Muito obrigada pela força,

agradeça ao seu avô depois por mim —


brinco, mas ele não sorri.

— No posso, Solange, porque

infelizmente ele já morreu há muito

tempo. — Puxa o ar pesadamente.

— Eu sinto muito, Gonzales.

Não sabia, me desculpa! — Fico sem

saber onde enfiar a cara, sempre faço

comentários errados na hora errada.


— Tudo bem, Sol. Meu avô se

foi, mas deixou várias lembranças

incríveis de momentos especiais que

passamos juntos. Esse cara era uma

enciclopédia ambulante, me ensinou

coisas para uma vida toda. — Sorri

nostálgico.

Suas palavras me tocam


profundamente, é assim que eu quero

lidar com a morte da Elza. Sem tristezas

ou dor, apenas gratidão. Afinal, como

Gonzales disse, o que importa mesmo é

o tempo que passamos juntas e os

ensinamentos que compartilhamos.

— Você não é mesmo só mais um

rostinho bonito, hein, Cachorrão?


Alejandro Gonzales também é cultura —

repito as palavras com que ele se gabou

hoje mais cedo na feira.

— Viu, muchacha? Tem que dar

mais crédito para as coisas que yo digo.

— Desliza os dedos pelos fios do

cabelo agora quase secos, seu tom é de

pura descontração.
— Vou pensar no seu caso,

espanhol! — Estalo a língua.

— Agora chega de conversa

fiada, mujer, vou te ensinar a cortar um

filé de frango com maestria — garante.

Gonzales tira a atenção das suas

verduras por alguns minutos e vem ao

meu socorro. Quando se posiciona atrás


de mim unindo os nossos corpos, fico

tensa e ele percebe, mas finge que não e

continua o que está fazendo. Apoia a

mão aberta sobre o monte de carne

maciça, e com a outra mão livre segura a

faca com facilidade e divide o peito de

frango em quatro fatias exatamente

iguais.
Nem presto atenção em porra

nenhuma do que Gonzales explica

durante o processo, o calor da sua

respiração tocando a minha nuca está me

deixando desnorteada.

— Viu, muchacha? No tem

nenhum segredo. — Toca a minha

cintura em um ato involuntário, porém,


mais que o suficiente para me deixar

pegando fogo.

Ajo por impulso e me viro de

frente para o Gonzales para encarar os

seus profundos olhos verdes reluzentes,

ele me examina cautelosamente.

— Eu quero muito beijar você,

Gonzales. Posso? — peço com a


respiração ofegante.

Queria ter logo o beijado sem

aviso breve, mas da última vez que

tentei no escritório do bar, ele me

rejeitou virando o rosto para o lado. Se

isso acontecer hoje novamente, acaba

comigo.

— Tem mesmo certeza que é isso


que você quer, Solange? No quero que

se arrependa depois porque se deixou

levar pelo momento e...— Cubro sua

boca com a minha mão, para que através

do silêncio possa ver nos meus olhos a

resposta à sua pergunta.

Gonzales fita o meu rosto por

alguns instantes gravando na memória


todas as sensações, sua respiração

oscila entre rápida e lenta. Inclina a

cabeça de leve e roça os lábios nos

meus, prendo o ar sentindo como se

borboletas voassem em volta de um

arco-íris dentro do meu estômago.

— Você foi a melhor coisa que

poderia acontecer na minha vida,


Cariño. — Acaricia a maçã do meu

rosto com as costas da mão, fecho os

olhos tomada por um sentimento bom.

Então ele completa:

— No precisa ter medo, yo

nunca vou partir su corazón —

praticamente jura.

Arregalo os olhos, então ele não


estava dormindo quando eu disse que

tenho tanto medo de deixá-lo se

aproximar e depois terminar com a

porra do coração partido. Sinto minhas

bochechas queimarem, agora entendo

sua relutância em me beijar, não quer

atropelar as coisas e colocar tudo a

perder.
— Só me beija, Gonzales, o

resto a gente vê depois — digo por fim,

chega de reprimir esse sentimento forte

que nos consome.

Colocar a carroça na frente dos

bois é comigo mesmo, por isso sempre

quebro a cara. Mas sinceramente, não

me arrependo de nenhuma das vezes que


agi com o coração e não com a razão.

Afinal, só vivemos uma vez.

— Seu desejo é uma ordem,

mademoiselle. — Me cata pela cintura e

toma os meus lábios.

E assim, enfim o nosso primeiro

beijo acontece...
Cheio de romance e palavras não

ditas, mas repleto de desejos secretos

que estão vindo à tona em uma explosão

de sentimentos desconhecidos. Entre

gemidos abafados e muito fogo, nossas

línguas se entrelaçam em uma dança

erótica. O calor da sua pele se funde

com a minha, sinto cada célula do meu


corpo vibrar. Eu esperei a minha vida

toda por esse homem e nem sabia, nunca

acreditei nessa merda de “cara certo”,

mas não dá para negar que o Gonzales

me faz sentir única toda vez que me toca.

Puta que pariu!

O beijo do Gonzales faz os de

todos os outros homens que já tive


parecerem uma piada. O espanhol tem

pegada mesmo, sem perder tempo

arrasta tudo o que tem em cima do

balcão atrás de mim e me coloca sentada

sobre o aço gélido, enlaço as minhas

pernas em volta do seu corpo e voltamos

a nos beijar loucamente.

Tudo nesse homem é instigante


demais, parece coisa de outro planeta, a

gente até tenta resistir, mas é impossível,

não tenho a menor chance contra o seu

charme. A forma como me beija é como

se estivéssemos a um minuto do fim do

mundo onde tudo pode acontecer,

contudo, nada mais importa porque

estamos juntos.
— Você é tão linda, Cariño! —

murmura com a testa grudada na minha e

sorri lindamente puxando uma longa

lufada de ar.

— Não, Gonzales, você que é

lindo! E eu não estou me referindo só ao

exterior. — Mordisco o canto da sua

boca.
A partir daí a coisa começa a

sair do controle, suas mãos descem da

minha cintura para a bunda. Fico em

alerta. Quero me jogar de cabeça nisso,

mas não quero fazer merda dessa vez

como fiz na casa do professor Roberto.

— Acho melhor irmos com

calma, cachorrão! Preciso te dizer uma


coisa antes. — O empurro para longe,

interrompendo o beijo que eu mesmo

pedi para que acontecesse.

— Você ainda vai acabar me

matando, mujer. Bota fogo, depois pula

fora. — Gonzales sorri brincalhão e

acaricia os seus lábios inchados.

— Aprendi essa técnica com o


melhor, meu bem, ou esqueceu daquele

dia que me deixou só na vontade lá no

escritório do bar? Aquilo ainda vai ter

troco — prometo de cenho franzido, sei

ser bem vingativa quando quero.

— Saiba que yo tenho outras

coisas bem interessantes para te ensinar,

Cariño. — Apoia as costas na bancada


da pia, enfia as mãos no bolso do

moletom e fica lá me olhando daquele

jeito que eu nunca sei o que está

pensando, só sei que é coisa boa.

— É mesmo, espanhol? —

Arqueio a sobrancelha.

Não consigo parar de olhar para

a sua boca inchada toda vermelhinha e o


cabelo todo bagunçado sobre os olhos,

minha vontade é beijá-lo novamente e

não pensar em mais porra nenhuma.

Mas sei que não devo, porque as

consequências podem ser desastrosas.

Mas quando dou por mim já

pulei do balcão e agarrei o Gonzales

novamente, droga! Não consigo mais


tirar as mãos desse homem.

— Eu não sei mais o que fazer

para resistir a você, Alejandro Gonzales

— sibilo ofegante, minhas mãos estão

suando frio.

— Então no resista mais,

querida, porque yo já era todo seu antes

mesmo de nós nos conhecermos — diz


com a voz rouca ao pé do meu ouvido e

eu perco as forças das pernas, Gonzales

me pega no colo.

Me imprensa na parede mais

próxima e me beija loucamente, a

energia sexual entre nós é forte demais,

quase algo sobrenatural. Ele enche a

curva do meu pescoço de mordidas e


chupões, meus gemidos ecoam pelas

quatros paredes da cozinha. Não sei

explicar como me sinto quando esse

espanhol me toca, é como se a minha

carne estivesse sendo consumida pelo

puro fogo da perdição. Nem se compara

ao que eu sentia com o Roberto;

pensando melhor, estou aliviada que o


nosso encontro terminou daquela forma,

seria horrível me apaixonar e depois

descobrir o boy lixo que ele é.

— Por Dios, Solange! Pensando

bem, é melhor pararmos por aqui. No

quero acabar comendo você aqui

mesmo. — Em um raio de lucidez, me

coloca no chão e se afasta ofegante


ajeitando o pau duro dentro da calça.

Esse jogo de agarra e solta está

ficando perigoso.

— Foi mal, espanhol, eu me

empolguei um pouco e fui para cima de

você. — Prendo as minhas tranças em

um rabo de cavalo sentindo um calor do

caralho, abano o rosto na tentativa de


refrescar os ânimos, mas está difícil.

Para ser sincera, estou feliz por

Gonzales ter tomado uma atitude, já que

se dependesse do fogo no meu rabo não

sei onde isso iria parar.

— Pode se empolgar o quanto

quiser, mi amor, no me importo. Mas,

por favor, peço que se comporte só por


enquanto. Quero que a nossa primeira

noite juntos seja algo único, você

merece algo especial — diz de um jeito

muito fofo, se eu não estava apaixonada

antes, agora estou, com certeza.

Como se nada tivesse

acontecido, Gonzales volta a fazer sua

salada normalmente como se não


tivéssemos acabado de quase comer um

ao outro vivos agora há pouco.

— Primeira noite juntos? —

pergunto em um pigarreio, as

lembranças da nossa noite regada a

muito sexo sujo ainda estão bem frescas

na minha mente.

— Aquela no valeu, Cariño.


Porque naquela época yo era outro

Gonzales e minhas intenções ao seu

respeito eram bem diferentes... — Seu

tom é agudo, me encara rapidamente em

um meio-sorriso, depois volta a cortar a

rúcula.

Estou toda derretida e em total

apuros! Porque agora não tem mais


como negar, esse cachorrão me pegou de

jeito acertando direto no coração. Ainda

tem muitas coisas que precisamos

colocar a limpo antes de dar qualquer

passo adiante, mas não essa noite.

— Tudo bem, Gonzales, dou

minha palavra que não vou mais te

assediar por enquanto. — Ergo as mãos


rendida.

— Muy bien, muchacha! —

galanteia com uma piscadela.

Mostro a língua para ele e

começo a empanar o meu peito de

frango, se continuarmos nesse ritmo esse

jantar não vai sair nunca.

— Quem não te conhece


pensaria até que eu sou a tarada aqui, e

não você o maior pegador de todos os

tempos — implico.

— Falou a Santa do Madureira

que quase me estuprou nessa cozinha

agora há pouco, depois yo que sou o

Cachorrão — exagera todo dramático.

— Ah, vai se ferrar, Gonzales!


— Mostro o dedo do meio para ele aos

risos.

— Olha a boca, hein, Solzinha!

— Joga uma folha de alface em mim.

— É guerra de comida que você

quer, espanhol? Então toma! — Encho a

mão de farinha de rosca e jogo na cara

do Gonzales, metade fica grudada no seu


cabelo sedoso.

— Hija de la puta! Agora você

me paga. — Pega a lata de molho de

tomate e joga a metade em mim.

Nossa guerra de comida vai

longe, eu nem me lembrava mais que

estava tão triste. A dor ainda está aqui,

porém mais suportável. Depois de


algumas horas de muita diversão

terminamos o jantar, arrumamos a mesa

e tomamos um banho rápido em

banheiros separados, é claro. Pego outra

camisa do Gonzales emprestada.

Devidamente arrumados, nos

encontramos na sala de jantar. Sentamos

à mesa à luz de velas, comemos e


conversamos animadamente com um

beijo casto aqui e outro ali. Gonzales

está sendo muito respeitador comigo.

Mas não economiza nas carícias e

olhares, esse espanhol tem me feito

sentir completa novamente de um jeito

que eu nem sabia que era possível.

É como voar por céus e sobre


mares sem tirar os pés do chão.
Gonzales

— Tenha um bom dia de

trabalho, cariño. — Beijo os lábios

macios da minha baixinha afrontosa na

frente da escola, é um sonho poder

beijá-la sempre que yo quero.


Disse para a Solange ligar para a

escola e pedir folga, ela passou por um

dia muito difícil ontem e deveria ficar

quietinha em casa com a família. Mas a

teimosa no quis, disse que a melhor

coisa para esquecer as dores é se

jogando de cabeça no trabalho e que

todo amor que recebe dos seus alunos


todos os dias a faz se sentir bem.

— Tenha um bom dia de trabalho

você também, Gonzales. Obrigada pela

noite maravilhosa. — Ajeita a cabeleira

sobre o meu rosto, no tive tempo nem de

olhar no espelho antes de sair.

O dia amanheceu e nós

acordamos atrasados; enquanto yo


tomava uma ducha rápida em cinco

minutos, Solange customizou um paletó

preto meu de grife prendendo na cintura

com um cinto que furtou da minha gaveta

e fez um sobretudo muito estiloso, com

as mangas dobradas até o cotovelo e a

gola alta. Veio falando com a mãe pelo

celular por todo o trajeto até a escola,


hoje Rafael no virá à escola porque

acordou de mau humor.

— Yo que agradeço, Sol. Há

muito tempo que no me divertia tanto. —

Entrelaço os meus dedos aos seus.

Ontem ficamos acordados até

tarde e, mesmo dizendo que ligaria para

a moça da limpeza vir limpar a bagunça


que fizemos na cozinha com a guerra de

comida, Solange me obrigou a ajudá-la a

arrumar tudo depois do nosso jantar

romântico.Segundo ela, no é justo que

outra pessoa pague pela nossa

traquinagem. Depois de tudo limpo

trouxemos um colchão para a sala e

ficamos por ali mesmo vendo TV


abraçadinhos, no rolou nada de mais,

nem mesmo uma mão boba. Nunca

imaginei que poderia ter uma noche tão

incrível sem sair de casa ou estar

bêbado enfiado no meio das pernas de

alguma mujer qualquer.

Se alguém me dissesse um mês

atrás que isso é possível, gargalharia na


cara da pessoa e a chamaria de louca.

— Agora preciso mesmo entrar,

espanhol, como o meu material de aula

ficou em casa vou ter que improvisar.

— Também preciso ir, Cariño,

tenho muita coisa importante para

resolver na empresa, mas vou dar um

jeitinho de fugir e passar no bar para te


ver à tarde. — Selo a minha promessa

com um beijo, por mim no saía de perto

dessa mujer hoje nem por um segundo.

— Combinado então, cachorrão,

te vejo mais tarde. — Me abraça forte

antes de entrar na escola, fico parado

sorrindo feito um tonto olhando para a

Solange até que ela passe pelo portão da


escola.

— Vocês dois estão juntos? —

Levo um tremendo susto com o abusado

do professor Roberto se materializando

do meu lado vindo direto do inferno, yo

no suporto mesmo esse cara.

— No que isso seja da sua conta,

professor Roberto. Mas sim. Solange e


yo estamos juntos — afirmo.

Mesmo ciente de que no tem

nada de muito concreto entre Solange e

eu, ainda teremos um longo caminho

pela frente a percorrer até começarmos

a usar a palavra “juntos”.

— Pode ficar com ela e faça

bom aproveito, cara. Solange é uma


mulher incrível e encantadora e tal, mas

tem coisa que não dá para encarar. —

Faz uma careta de pura repulsa, só Dios

sabe o esforço que estou fazendo nesse

momento para no arrancar todos os seus

dentes um por um.

— Sim, ela é uma mujer

incrível. E minha. Então agradeço muito


se manter o máximo possível de

distância dela, entendeu bem ou quer

que yo desenhe? — sou curto e grosso.

O energúmeno me fita com a

testa franzida, como se estivesse

incrédulo com a minha convicção em

deixar claro que Solange me pertence.

No estou entendendo qual é a desse cara,


até anteontem estava babando em cima

dela.

O que mudou de lá pra cá?

Muito estranho.

— Como você consegue ficar

excitado vendo aquilo, parceiro?

Coitada da Solange. Não tem pau que

suba com ela nua. — Solta uma


gargalhada debochada, meu sangue ferve

e yo o nocauteio com apenas um soco.

Quem ele pensa que é para falar

assim da minha Sol? Ela é perfeita para

mim e no vou deixar que ninguém a

ofenda na minha frente.

— Se tocar no nome da Solange

novamente yo te mato, cabrón! —


ameaço, mas ele continua debochando

da minha cara rindo com sangue

escorrendo no canto da boca.

Quando estou pronto para cair

em cima dele de porrada, alguém grita o

meu nome.

— O que está acontecendo aqui,

Alejandro Gonzales? — mi madre grita


em desespero, giro o pescoço para olhar

para ela de mãos dadas com a Lupita.

Veio trazê-la para a escola.

O covarde do professor Roberto

aproveitou o meu momento de distração

para vir para cima de mim e me

derrubar, começamos a rolar no chão

entre socos e chutes.


— No machuca o meu irmão! —

Lupita começa a chorar, corre até nós e

tenta me defender puxando a camisa do

Roberto.

Sem querer ele acaba

empurrando minha irmã, que cai no chão

e chora mais alto ainda, nossa madre faz

um escândalo e a coisa sai fora do


controle.

— No chore, chiquita, está tudo

bem, só respire. — Pego Lupita no colo

e a pobrezinha no consegue parar de

chorar, está assustada e com os dois

joelhos todo ralados.

— O que deu na sua cabeça para

cair no soco em frente à escola da sua


irmã feito um moleque de rua,

Alejandro? No foi essa a educación que

yo e su padre te demos. — Analisa cada

centímetro do corpo da Lupita para ver

se teve alguma fratura exposta ou algo

do tipo.

— Seu filho é um boçal,

senhora! Vou fazer um B.O. contra ele


por agressão. — Roberto limpa o sangue

que jorra do seu nariz.

— Pois aproveite e faça um

contra mim também, seu boludo de

mierda! Vou te ensinar a nunca mais

mexer com o meu filho. — Tira a bolsa

debaixo do braço e bate no Roberto com

ela, o covarde até tenta se defender dos


golpes, mas no consegue se livrar da

fúria do furacão Carmem Gonzales.

— Para com isso, sua espanhola

maluca! Alguém me ajude, por favor —

pede desesperado, Lupita para de chorar

e começa a rir com o rosto repleto de

lágrimas.

Até yo começo a rir, ninguém


mexe com os filhos da dona Carmem

Gonzales.

— Mas que bagunça é essa na

frente da minha escola? — a diretora

aparece aos gritos.

Agora que yo me dou conta que a

escola inteira saiu para ver a confusão,

uma multidão formada por pais, alunos,


professores e até mesmo gente que

apenas passava pela rua.

E a Solange.

Com uma expressão de dar

medo. Estávamos em um clima tão bom

agora há pouco e yo acabei estragando

tudo, porque me deixei levar pelas

provocações desse babaca.


— O professor Roberto tentou

matar o meu irmão, como não conseguiu

veio para cima de mim! — Lupita sai em

minha defesa exagerando só um

pouquinho, mostra o joelho ralado para

a diretora como prova do seu relato.

— Na minha sala agora,

professor Roberto! — grita a diretora


Helena e a multidão se desfaz

rapidamente, no vejo mais Solange.

— Espero que dê a advertência

que o professor Roberto merece,

diretora. Ou yo coloco essa escola

abaixo com a senhora dentro dela —

ameaça mi madre e yo no ousaria

duvidar dela, pela cara de medo da


diretora ela também no.

— Pode ficar tranquila, senhora

Carmem, eu resolverei essa história da

melhor forma possível. — Engole em

seco.

— Assim espero! Quanto a você,

Alejandro, vai para o trabalho agora. —

Puxa a minha orelha a ponto de quase


arrancá-la fora. — Quando chegar em

casa, yo e tu padre estaremos lá te

esperando para uma conversa muito

séria contigo. — Apenas assinto de

cabeça baixa.

No importa quanto tempo passe,

mis padres chamam a minha atenção

como se yo fosse uma criança.


— Está bem, mamá — digo em

um tom baixo.

Mas a fúria dela ainda é grande,

toma Lupita do meu colo e sai andando a

passos fortes em direção ao carro,

cuspindo fogo pelas ventas.

— No, mamá, yo quero ficar

com o meu irmão. — Lupita começa a


chorar novamente me chamando com os

bracinhos abertos, me sinto horrível em

ver a minha irmãzinha chorando dessa

forma.

Quero muito ir atrás da Solange

e tentar explicar o que aconteceu, mas

no posso deixar as duas sozinhas nesse

momento.
— Espere, madre, yo sinto muito

pelo que aconteceu. Por favor, me deixa

levar as duas para casa. — Ela para de

andar e me olha fervorosa, o rosto está

todo vermelho.

— Yo estou muito decepcionada

com você, Alejandro. Sua irmã está

tremendo até agora de tanto susto —


sibila amarga, abaixo o olhar

envergonhado e escuto sem falar nada.

— Me desculpe, no queria

decepcionar a senhora.

— Espera até su padre ficar

sabendo de tudo, dessa vez no vou te

defender como sempre faço quando

apronta — finaliza em um tom duro.


— Desculpa a sinceridade,

mamá, mas yo faria tudo de novo. No

podia deixar que aquele babaca

ofendesse a Solange na minha frente. —

Pego Lupita de volta do seu colo e

acalento a baixinha dentro dos meus

braços, ninando-a como fazia quando

era um bebê; ela deita a cabeça no meu


ombro e aos poucos vai se acalmando.

— Então você estava

defendendo a honra da sua namorada?

Por que no me disse antes, Gonzales? Yo

teria batido com mais força naquele

bundão. — Fica mais furiosa ainda, mas

no comigo, graças a Dios.

— A senhora disse uma palavra


feia, mamá — Lupita diz em um soluço.

— Disse mesmo, docinho, yo

também ouvi — confirmo rindo, nossa

madre sempre pega no nosso pé por

falar palavrão.

— No sei do que vocês dois

estão falando! Agora vamos para a casa,

Maria Guadalupe, vou limpar esses seus


arranhões e fazer um curativo — mente

descaradamente.

— Tem certeza que no quer que

yo leve vocês para a casa?

— No, querido, vai trabalhar em

paz que yo cuido dessa mocinha aqui. —

Toca a ponta do nariz da Lupita.

Coloco minha irmã no banco do


carona e ajeito o cinto, limpo qualquer

vestígio de lágrimas de seu rosto e

deposito um beijo.

— Sabe que yo te amo, no é,

chiquita? — pergunto com cara de

cachorro largado na esquina.

— Claro que sim, cabrón, você

e o Luiz Fernando são os melhores


irmãos do mundo todo. — Abraça o meu

pescoço.

— E você é a melhor coisa que

aconteceu nas nossas vidas, me desculpa

pelo que aconteceu hoje? Yo te amo

muito. — Ela assente com um sorriso.

Me despeço das duas com um

beijo no rosto. Depois que vão embora


penso em entrar na escola atrás da

Solange, mas alguma coisa me diz que

isso só vai piorar as coisas, então

resolvo recuar por ora e deixar essa

mujer se acalmar um pouco. Entro no

meu carro e acelero até os pneus

cantarem e saio batido. Chego na

empresa e me jogo no trabalho, tem tanta


coisa para resolver que no sei por onde

começar. As horas passam depressa e yo

envio várias mensagens para a Solange,

mas ela no responde nenhuma. Fico

puto, tento ligar, mas ela também no

atende. Está claramente me evitando.

No fim da tarde, depois de

várias tentativas falhas entro em


desespero, largo tudo o que estou

fazendo e vou até o bar. Aproveito e

chamo um mestre de obras amigo da

família para ir comigo e fazer o

orçamento, quero iniciar a reforma o

quanto antes.

— Olá, Gonzales, que surpresa

boa você por aqui. — Dona Cátia me


recebe com um abraço.

Vejo Solange limpando as mesas,

ela vira de costas para nós fingindo que

no me viu. Deve estar furiosa comigo e

com razón, depois do show que yo dei

na frente do seu local de trabalho, no

mereço menos do que todo o seu

desprezo.
— É bom vê-la também, dona

Cátia. Esse é o Maurício, um grande

amigo e um dos melhores mestres de

obras desta cidade. Trouxe ele aqui para

que faça uma avaliação no bar para

darmos início às obras.

— Prazer, dona Cátia, ouvi

muitas coisas boas ao seu respeito. Só


não imaginava que era tão jovem e

bonita. — Apoia a prancheta debaixo do

braço e se inclina para beijar as costas

da mão da minha sogra, todo cavalheiro,

acho que está interessado nela.

Maurício é um galego alto dos

olhos azuis na faixa dos cinquenta e

poucos anos, no entanto, depois de


trabalhar tantos anos com obras, está

mais em forma do que yo. É um coroa

enxutão que nunca se casou ou teve

filhos, passou a vida se dedicando à

carreira no ramo de construção e hoje é

dono de um império milionário.

— O prazer é todo meu,

Maurício. Se quiser me acompanhar,


será um prazer lhe apresentar o nosso

bar. — Mexe no pingente do colar no

seu pescoço, desconcertada.

— Será uma honra passar um

tempo na sua companhia, dona Cátia. —

Oferece o braço para ela e os dois saem

em uma conversa animada, até eles estão

me ignorando agora.
Que maravilha!

— Só Cátia está ótimo, devemos

ter a mesma idade. — Sorri tímida para

o Maurício.

— Está bem, Cátia. — Passa a

mão pelo cabelo loiro cortado bem

curtinho.

Só espero os dois sumirem no


final do corredor para ir conversar com

a Solange, ou melhor dizendo, tirar

satisfações. Porque conversar yo tentei

quando liguei um milhão de vezes hoje e

ela fez a graça de no atender.

— Posso saber por que parou de

falar comigo, Solange? — Me aproximo

a passos cautelosos.
A diaba continua a limpar as

mesas como se yo fosse invisível. Sei

que errei, mas a forma como ela está me

tratando é como se tivesse cometido um

crime premeditado.

— Yo vou contar até três,

Solange, se no me responder vou

começar a falar sobre nós para todo


mundo ouvir. É isso o que você quer? —

Sem reação da parte dela. Começo a

contar: 1... 2... — No preciso chegar no

3.

Enfim, a mujer resolve dar sinal

de vida.

— O professor Roberto foi

transferido para uma filial da escola no


outro lado do país, nem sei pronunciar o

nome da cidadezinha que fica no meio

do nada. — Solta entre os dentes.

Me contenho para no soltar um

gargalhada alta, adeus professorzinho de

merda.

— Ótima notícia, deveríamos até

sair para comemorar — digo cínico e


sua expressão se fecha ainda mais.

— Ótima, Gonzales? — Tira o

avental de garçonete, joga sobre a mesa

e enfia o dedo no meu rosto.

Suspiro e espero o sermão.

— Aquele filho da puta se

vingou jogando a culpa toda em cima de

mim, disse para a diretora e a escola


inteira que eu estava tendo um caso com

ele e o irmão de uma de suas alunas —

Entorna tudo em cima de mim

enfurecida.

— Yo devia ter matado aquele

hijo da puta! — Trinco o maxilar.

— Eu que devia matar vocês

dois, caramba! Por que vocês brigaram


feito dois moleques de rua na frente da

escola?

— Ele fez algumas insinuações

estranhas ao seu respeito, Solange.

Acabei perdendo a cabeça e parti pra

cima do cara — explico e ela fica

pálida, no mexe nenhum músculo do

rosto.
— Que insinuações, Gonzales?

Ele te contou alguma coisa sobre a noite

que fui à casa dele? — Começa a

tremer.

— No, por quê? Tem alguma

coisa sobre essa noche que yo devia

saber? — Dou um passo na sua direção

e a examino minuciosamente.
Seus ombros caem relaxados e

uma expressão tremenda de alívio toma

conta das suas feições.

— Não, Gonzales, esquece isso.

— Desvia o olhar para o palco de

shows ao vivo no fundo do salão. —

Como eu estava contando, levei uma

advertência grave da diretora por causa


da briga de vocês — Leva as mãos na

cintura tomando uma postura defensiva.

— O quê? Yo vou tirar essa

bruxa do posto de diretora, ela no faz

ideia de como comandar uma escola.

— Não, Gonzales, já chega de

escândalo! Nem consigo mais olhar na

cara dos meus colegas de trabalho, de


tanta vergonha. — Fica em silêncio

batendo o pé no chão, à espera de algum

tipo de arrependimento da minha parte.

Pois ela que sente e espere,

porque o meu único arrependimento é de

no ter dado um fim naquele verme

quando tive a oportunidade.

— Vergonha por que, mujer?


Nenhum deles paga as suas contas, se

você estiver dando gostoso para um ou

dez caras ao mesmo tempo isso no é da

conta de ninguém. — Dou de ombros e

ela me enche de tapas.

— Meu Deus, Gonzales! Eu

sinceramente não sei o que fazer com

você. — Lamenta.
Depois se entrega aos risos.

— Yo sei muito bem o que,

Cariño. — Aperto sua bunda e ao

mesmo tempo mordo o lóbulo da sua

orelha, Solange extremasse em meus

braços.

— Aqui não, Gonzales, alguém

pode ver, seu maluco, vem comigo. —


Segura a minha mão e sai puxando,

nosso esconderijo dessa vez é a

despensa minúscula que fica na cozinha,

mal cabemos nós dois dentro.

— No faz ideia de como yo senti

a sua falta hoje, Cariño, estava louco

para te ver de novo. —A imprenso

contra a fileira de engradados e cerveja


e a beijo, colocando para fora toda a

saudade que acumulei durante o dia

longe dela.

— Odeio admitir isso, mas sabe

que eu também senti a sua falta,

Cachorrão? Durante cada maldito

segundo. — Entrelaça os dedos entre os

cabelos da minha nuca e me traz para


ela, atacando a minha boca; ela sabe

como me deixar louco de tesão.

Então Solange admite que

também sentiu a minha falta, saber disso

faz de mim o hombre mais feliz desse

mundo. Nosso jogo de gato e rato virou

“namoro” escondido, yo estou me

sentindo um adolescente pegando a sua


garota pelos cantos da casa com medo

de ser pego pela sogra.

— Agora já chega, Cachorrão!

Está na hora do pessoal que trabalha no

bar chegar, se o Valdeci vir a gente vai

contar para Deus e o mundo. — Tenta se

soltar de mim, mas no deixo de jeito

nenhum.
No entendo por que toda vez que

as coisas começam a esquentar, ela

recua e me deixa de pau duro na mão.

— No, senhorita! Yo no posso

sair lá fora assim. — Aponto para a

minha ereção enorme dentro da calça, o

meu paletó ficou no carro e no tenho

como esconder esse volume todo.


— Acho que posso te dar uma

ajudinha com isso, muchacho. — Cai de

joelhos diante de mim, como se yo fosse

o seu mestre e ela a minha submissa

pronta para me dar todo o prazer que yo

tenho direito.

— Você fica linda nessa posição

de submissa, Solange — digo e ela me


desafia com o olhar, acho que no gostou

do meu elogio.

— Submissa, é, espanhol? — Dá

uma risadinha provocante.

Estou com a respiração

descontrolada e a Solange apenas abriu

o cinto da minha calça ainda, estou a

ponto de gozar só com o jeito que ela


mantém os olhos fixos aos meus

enquanto abaixa a minha calça para

baixo junto com a cueca boxe. Meu pau

salta para fora gloriosamente, duro,

grosso e latejante de tesão.

Essa mujer me excita demais!

— Puta merda! — solto um

rosnado quando ela cai de boca em mim,


com uma confiança e prática de quem

sabe exatamente o que está fazendo.

Solange quase engole o meu pau

até o talo com a sua boquinha gulosa,

sugando ferozmente. Faz uma pausa

torturante e começa a brincar com as

minhas bolas mordiscando-as; passo as

mãos pelo rosto suando frio. Com os


nossos olhos grudados, ela passa a

língua por todo o meu comprimento

lentamente, tomando posse do que é seu,

então volta a me chupar dando o seu

melhor.

Prendo suas tranças em um rabo

de cavalo firme e dito o ritmo das

estocadas violentas indo fundo na sua


garganta, ela no recua e recebe tudo o

que tenho para dar a ela.

— Isso, safada, mama gostoso no

meu pau. — Jogo a cabeça para trás

indo ao ápice do prazer.

Fodo sua boquinha gulosa sem

dó tendo que engolir os gemidos presos

na minha garganta ou o quarteirão inteiro


vai nos ouvir, essa é a melhor chupada

da minha vida.

— Isso, Cariño, yo estou quase

gozando. — gemo totalmente entregue, o

submisso aqui sou yo.

Solange me tem nas suas mãos.

A safada sabe disso, e aumenta o

ritmo e a potência das sugadas me


levando à loucura. No entanto, a diaba

para do nada me deixando puto de raiva.

— Minha performance termina

aqui, Cachorrão. Eu disse que o que fez

comigo no escritório iria ter troco. — Ri

debochada.

— Você no seria capaz, Solange!

— Se quiser apagar o seu fogo,


meu amor, vai ter que apelar para

alguma das cadelas de rua que você

costuma comer. — Fica de pé e limpa a

borda da boca com os dedos e chupa de

um jeito provocante, fico mais excitado

ainda.

Filha da puta! No acredito que

me fez cair no meu próprio golpe.


— Você só pode estar de

brincadeira comigo, Solange! O que vou

fazer com isso? — Balanço o meu pau

duro com veias pulsante na sua direção,

no tem punheta que baixe uma porra

dessa.

— Chumbo trocado não dói,

Gonzales. É bom que saiba que sou uma


mulher bem vingativa, se aprontar

comigo farei duas vezes pior depois. —

Joga um beijo na minha direção aos

risos, está se divertindo as minhas

custas.

— Se você passar por essa

porta, Solange Almeida, yo vou sair

daqui e seguir o seu conselho de


procurar outra mujer para terminar o

que você começou — ameaço na

esperança de fazê-la mudar de ideia,

mas nós dois sabemos que yo estou

blefando.

Yo quero só ela, no existe outra

mujer no mundo que possa me satisfazer,

seja na cama ou amorosamente.


— Pois ela que faça muito bom

proveito dos meus restos, não me

importo. — Dá de ombros, ajeita as

tranças e alinha a blusa.

Sem mais delongas, vai embora

rebolando. Solange no é o tipo de mujer

que se abala com chantagens baratas.

— Maldición! — xingo puto da


vida.

Sou obrigado a respirar fundo,

preciso terminar o trabalho sozinho.

Depois de uma eternidade consigo fazer

o meu amigão lá de baixo ceder, saio da

despensa frustrado com o diabo no

corpo e vou embora. Envio uma

mensagem para a dona Cátia com a


desculpa de que tive que ir embora

devido a um problema na minha

empresa, então deixei nas mãos dela e

do Maurício todas as decisões em

relação à obra. No estou com cabeça

para mais porra nenhuma hoje, Solange

conseguiu me tirar do sério de verdade.

Minha vontade é cair na farra e


relembrar os velhos tempos só de raiva

daquela desgraçada, odeio o poder que

Solange tem sobre mim. No entanto,

assim que chego em casa, tomo um

banho e acabo esfriando a cabeça. Sem

fome, deito no sofá só de cueca e ligo a

TV, mas nenhum canal prende a minha

atención. Então fito o teto até pegar no


sono, estou em meio a um sonho lindo

quando acordo com o meu celular

apitando. Sonolento, estico o braço com

preguiça e pego o aparelho sobre a

mesinha de centro para ler a mensagem.

Esfrego os olhos sem acreditar

na mensagem que acabei de ler da

Solange, ela parece um pouco zangada.


“Onde você está, Gonzales?

Melhor dizendo, com quem?”

Acho que ainda estou sonhando,

no acredito que Solange está com

ciúmes de mim. Esse dia vai ficar

marcado na história. Digito rapidamente


e envio a seguinte resposta:

“Engraçado. Pensei que você

no se importasse, Cariño.”

Em menos de um segundo ela

responde mais zangada ainda:


“E não me importo mesmo, só

quero saber onde você está, não

posso?”

Dou uma gargalhada alta, no se

importa, mas quer saber o que estou

fazendo. Essa mujer no existe.


“Você no pode mi amor, mas

como sou bonzinho vou te dizer assim

mesmo. Yo convidei duas amigas para

uma festinha a três aqui em casa,

pode vir participar se quiser, sempre

tem lugar para mais uma na minha

cama.”
Provoco me divertindo muito

com toda essa situação, saber que a

orgulhosa Solange está se roendo de

ciúmes de mim me deixa lisonjeado.

Espero ansioso pela sua resposta

malcriada, mas ao invés disso a sua foto

do perfil do WhatsApp some. Tento

enviar outra mensagem, mas no carrega.


A cabrona me bloqueou. Pero Dios!

Será que ela acreditou mesmo no que yo

disse? Com o meu currículo de pegador,

mas é óbvio que sim, se a conheço bem

nunca mais vai olhar na minha cara.

— Você é mesmo um completo

idiota, Alejandro Gonzales. — Bato a

mão na testa, fui brincar com fogo e


acabei me queimando.

Acabei de jogar no lixo todo

esforço que fiz para a Solange voltar a

confiar em mim, no devia ter cutucado a

onça com vara curta. Agora que fiz a

merda preciso consertar antes que seja

tarde demais, no quero perder a Sol por

conta de uma brincadeira sem graça.


Solange

— Que cara emburrada é essa,

filha? — pergunta a minha mãe quando

chego na sala, pelo visto eu não fui a

única que perdeu o sono.

Eu sempre fui do amor rasgado e


nunca liguei para porra nenhuma, mas só

de imaginar o sem-vergonha do

Gonzales com outra mulher, fico com

sangue nos olhos. Com duas ao mesmo

tempo então, nem existem palavras para

medir tamanha raiva que me consome

por dentro nesse momento. Sou o tipo de

pessoa difícil de se apaixonar, em quase


três décadas muito bem vividas dá para

contar nos dedos de uma mão as vezes

que me interessei de verdade

sentimentalmente por alguém.

Mas quando a paixão acontecia,

puta merda! Me jogava de cabeça e

perdia a linha totalmente, ciumenta

demais e orgulhosa a nível master. Por


isso é impossível que algo dê certo entre

mim e um mulherengo assumido como o

Gonzales, então é melhor cortar o mal

pela raiz. Já dei o primeiro passo e o

bloqueei no WhatsApp, agora só falta da

minha vida. Vou tratá-lo como sócio da

minha mãe e nada a mais além disso.

— Eu só tenho essa cara, mãe,


acha mesmo que se tivesse outra estaria

usando essa? — Aponto para o meu

rosto dominado por uma tromba enorme.

— Mas que mau humor, Solange.

Senta aqui e vem ver televisão com a

mamãe — convida sem tirar os olhos da

tela, me jogo no sofá e deito a cabeça no

seu colo.
— Desculpa, mãe, não quis ser

grossa. — Inclino e beijo o seu rosto.

— Tudo bem, filha, todas nós

temos dias difíceis. — Mexe nas minhas

tranças com carinho e eu sorrio, amo o

seu cafuné.

— E o meu foi um desastre, dona

Cátia, só quero que ele termine logo —


suspiro pesadamente.

— Calma, filhota, tudo vai se

ajeitar. Aliás, já falou com a Tess hoje?

Essa pobre moça vive tendo momentos

difíceis com esse ex lixo.

— Liguei para a Tess não tem

nem dez minutos, mãe. Ela parece muito

mais tranquila estando fora do Rio —


explico.

Fui a primeira a apoiar a Tess

quando decidiu tirar duas semanas de

licença da escola alegando que os

ferimentos dela foram de um acidente de

carro; morre de vergonha que as pessoas

saibam que sofre violência doméstica. A

verdade é que vai ser mais seguro para a


minha amiga passar um tempo na casa de

uma tia em Minas Gerais até que a

polícia prenda o Lucas.

— Que bom, filha, amanhã cedo

vou mandar uma mensagem para ela de

bom dia — diz com o seu tom de

mãezona.

— Manda sim, mãe, ela vai


amar. Mas agora me conta, o que a

senhora está assistindo?

— Um filme, filha, mas a

programação normal foi cortada para

dar uma notícia urgente. Encontraram

mais dois corpos de prostitutas mortas

de maneira brutal igual às outras, não sei

onde isso vai parar se esse assassino


não for preso. — Seu tom sai com uma

mistura de tristeza e raiva.

Toda vez que a minha mãe vê

uma notícia de morte na televisão, fica

abalada como se fosse alguém da nossa

família, por isso não gosto que ela fique

vendo esse tipo de coisa.

— O que mais me assusta é que


esse cara é inteligente, mãe. Ele ataca as

prostitutas porque são alvos mais fáceis

pelo fato de trabalharem à noite e

interagirem com várias pessoas

estranhas. — Pego o controle e aumento

o volume, o repórter está dando

informações sobre as vítimas.


“As duas moças mortas não

tinham nem vinte e cinco anos, eram

amigas e trabalhavam como

prostitutas desde a adolescência.

Ambas foram estupradas, torturadas e

jogadas nuas na beira de uma estrada

qualquer descartadas como se fossem

sacos de lixo. E, segundo a polícia, o


assassino pode agir novamente a

qualquer momento.”

Conta o repórter, dá para ver o

horror nas suas feições enquanto fala.

— Quanta tristeza, que Deus

proteja essas pobres moças. — Minha

mãe limpa as lágrimas do rosto, não tem


como não se emocionar vendo a tela da

TV estampada com as fotos das duas

moças abraçadas sorrindo cheias de

vida.

Logo penso na Paula, mãe de

uma das minhas alunas, há alguns dias eu

a vi no calçadão inclinada sobre a

janela de um carrão importado com os


vidros escuros, negociando programa

com um homem estranho de terno. Se ela

não se cuidar, pode se tornar a próxima

vítima desse assassino em série. Temo

não somente pela sua vida, mas também

pelo fato de a pequena Maria ficar

sozinha no mundo. Já basta a recente

perda do Marcelinho, o seu melhor


amigo, não quero nem imaginar como

vai ficar a cabeça dessa criança se tiver

que lidar com a morte de mais alguém

que ama.

— Estou muito preocupada com

essa situação, tenho uma aluna que a

mãe trabalha como prostituta e acredito

que não está disposta a parar, mesmo


com esse assassino à solta. A senhora

acha que eu deveria tentar falar com

ela? Fico com receio que se sinta

ofendida de alguma forma. — Me sento

de maneira correta no sofá.

— Em uma situação como esta,

vale a pena tentar, meu amor, talvez

como professora da filha dela ela te


ouça — aconselha, espero que esteja

certa.

— A senhora tem razão, vou

convidar a Paula para um café. Ela é

uma ótima mãe e faz o melhor que pode

pela filha dentro das suas

possibilidades, são só as duas contra o

mundo. — Aperto os olhos, eu queria


tanto poder fazer mais pelos meus

alunos e as suas famílias, a maioria

delas desestruturadas.

— É. Faz isso aí mesmo, querida

— fala comigo, mas sem parar de mexer

no celular, totalmente distraída.

Desde que cheguei na sala eu

percebi que o celular dela não para de


apitar, toda vez que ela vai ler a

mensagem nova, sorri involuntariamente.

Aí tem, dona Cátia!

— Já que estou sendo totalmente

ignorada pela senhora, dona Cátia, vou

dormir. — Levanto fazendo drama.

— Vai lá, filha, dorme com

Deus. Não esquece de conferir se a


janela do quarto do seu irmão está

fechada, parece que vai chover — pede

sem tirar a atenção do bendito celular,

logo ela, que praticamente só costuma

usar o dela para ligações importantes,

odeia rede social e enviar mensagens.

Estou achando minha mãe meio

fora do ar desde que o mestre de obras


foi hoje à tarde no bar fazer o orçamento

da reforma que já vai começar amanhã;

vai ficar um pouco cara, mas pelo que o

tal de Maurício disse vai ficar incrível

quando finalizada. Deixamos uma placa

de aviso que ficaremos de portas

fechadas nas próximas quatro semanas,

isso quer dizer que terei minhas tardes e


noites livres durante esse período, estou

até emocionada.

Quero ir à praia, no cinema, em

museus e em outros vários lugares que

não vou há anos por falta de tempo e

dinheiro.

— Tá bom, chefe, eu te amo. —

Beijo o rosto dela.


— Também te amo, meu amor.

— Me abraça fortemente.

Dou um longo bocejo enquanto

caminho até o quarto do Rafael, toda vez

que entro nele tenho a impressão de que

estou dentro de uma revista em

quadrinhos. Não sei como, mas o meu

irmãozinho conseguiu a proeza de


desenhar até no teto do cômodo. Ele

adora criar personagens inusitados e dá

nomes e poderes peculiares para cada

um deles, só nas paredes deve ter mais

de mil deles, o meu favorito é o “Super

Cola”, que tem o poder de consertar até

corações partidos. Louis tem uma

estante com uma vasta coleção de caixas


de lápis e canetinhas de colorir, algumas

ele encomendou de fora do país e pagou

com o meu cartão de crédito sem falar

comigo. Fiquei furiosa quando ele veio

me comunicar só depois da compra já

efetuada com sucesso, mas não cancelei,

fiquei com pena da animação dele

olhando na janela a cada cinco minutos


para ver se o carteiro estava vindo.

Como a minha mãe imaginou, a

janela do Rafa está aberta, nunca vi

ninguém sentir tanto calor à noite igual a

esse menino. Antes de fechar dou uma

bela olhada no céu coberto por nuvens

escuras. Sinto aquela brisa gélida

gostosa que sempre vem antes da chuva,


sorrio agradecendo a Deus, amo dias

chuvosos.

— Tenha ótimos sonhos, meu

amor, você sempre será um milagre em

nossas vidas. — Ajeito o seu cobertor e

beijo o topo da sua cabeça.

Para ter esse tipo de contato

físico com o Louis é só com ele


dormindo mesmo, porque acordado é

melhor nem tentar a sorte. Com tudo

certo por aqui, vou para o quarto e me

jogo na cama para fazer uma oração pela

alma da Elza, peço a Ele que cuide dela

para mim, onde quer que esteja. Como

estou sem sono, inicio a leitura de um

romance que comprei em uma banca na


semana passada, amo ler antes de

dormir.

Não demora muito e ouço o som

da chuva caindo lá fora, suspiro

relaxada. Me aconchego em meio a uma

pilha de travesseiros e continuo a ler o

meu livro, minhas pestanas vão ficando

pesadas aos poucos e acabo cochilando.


— Solange... — ouço alguém

chamando o meu nome bem de longe,

quase um sussurro, acho que estou

sonhando.

— Sou yo, Cariño, abre a porta.

— Ouço a voz do espanhol alta e em

bom tom, salto da cama quase indo de

cara no chão.
Vou até a varandinha que tem no

meu quarto e olho para baixo, lá está

Gonzales de madrugada no meio da

chuva, só de camiseta preta, bermuda

jeans e havaianas brancas nos pés como

se estivesse saindo de casa do jeito que

estava e vindo até aqui no impulso.

— O que você está fazendo aqui


a essa hora e debaixo da chuva, seu

maluco, ficou louco? — tento dizer o

mais baixo possível, se a minha mãe

acordar vai dar merda.

— Yo precisava te ver! No vou

embora até conversarmos como dois

adultos e esclarecermos alguns pontos

na nossa relação — fala e treme ao


mesmo tempo, o cabelo todo molhado

grudado sobre o rosto.

Mas de que relação esse homem

está falando?

— Não temos porcaria nenhuma,

criatura, vai embora daqui antes que

pegue uma pneumonia e acabe

morrendo. — Franzo o cenho.


— No vou a lugar algum sem

falar com você, já disse. — Cruza os

braços sobre a camisa ensopada seu

maxilar está rígido, porra de homem

teimoso.

— Mas que droga, Gonzales!

Você tem cinco minutos, depois quero

que suma da minha vida de uma vez por


todas — Falo muito sério.

Abro a porta da frente para o

teimoso, parece um gato molhado com

os lábios roxos trêmulos. Minha vontade

é dar na cara dele, mas como cuidou de

mim quando estive na sua casa, agora é

a minha de retribuir.

— Por que me bloqueou do


WhatsApp, Solange?

— Porque eu quis! Agora cala a

boca homem de Deus, e me segue,

precisa se livrar dessas roupas

molhadas, tem algo no meu quarto que

acho que vai servir. — Pego sua mão e o

conduzo escada acima.

— Hum, gostei do seu quarto, é


exótico — brinca com a ponta da pena

azul do filtro dos sonhos enorme que

tenho pendurado sobre a minha cama.

Foi a minha mãe que fez e me

deu no meu aniversário de dez anos,

disse que era para expulsar os espíritos

maus. Mas com o Gonzales aqui agora,

não tenho mais tanta certeza da sua


eficácia.

— Veste isso aqui, só não sei se

combina muito com o seu estilo, mas

pelo menos vai te manter aquecido. —

Entrego a camisa masculina longa

branca de mangas compridas e estampa

de arabescos indianos na cor dourada, a

calça é verde-água com as pernas bem


largas.

Viro de costas para que se

troque, na verdade estou fazendo o que

posso para não olhar nos seus lindos

olhos verdes e me perder na imensidão

que existe dentro deles e acabar

entregando os pontos.

— Por que você tem roupas


masculinas no seu guarda-roupa,

Solange? — Me viro de frente para o

energúmeno, ele me encara com os

braços cruzados e a cara amarrada,

como se tivesse o direito de tirar

qualquer tipo de satisfação comigo.

Mas tenho que admitir que esse

filho da puta está ainda mais lindo


vestido de hippie, é incrível como

qualquer roupa fica estonteantemente

sexy nesse espanhol.

— Eram as roupas preferidas do

meu pai, Gonzales, eu que dei a ele no

seu último aniversário. — Pego uma

toalha e começo a enxugar a sua

cabeleira molhada como se fosse uma


criança, na maioria do tempo ele age

como se fosse uma.

Para ser sincera, eu também.

— Me desculpa, Cariño. Nem

passou pela minha cabeça, pensei que

fosse de algum ex-namorado seu. — Ele

ainda treme de frio.

— Tudo bem! Agora se enfia


aqui debaixo do meu edredom comigo,

vai te ajudar a se aquecer mais rápido.

— Ele faz o que eu peço sem pestanejar

e se agarra em mim, sua pele está muito

fria.

— Acho que deveria tomar algo

quente, um leite, talvez? — sugiro.

— No precisa, Sol! Só quero


ficar assim com você, bem juntinho. —

Se aconchega mais próximo a mim.

— Por que não ficou

abraçadinho com as duas putas que

comeu, espanhol sem-vergonha?

— No tem puta nenhuma, mujer,

yo estava blefando. E se quer saber,

desde que nos reencontramos que no


vejo uma boceta na minha frente. Nunca

fiquei tanto tempo sem sexo —

resmunga, por incrível que pareça ele

parece estar falando a variedade.

Eu nem sei o que pensar, se

Gonzáles não saiu com mais ninguém

desde que nos reencontramos isso muda

tudo.
— No vai dizer nada, Cariño?

— Não! Cala a boca e dorme,

Gonzales, está tarde e eu preciso

acordar cedo para trabalhar amanhã. —

Afago os seus cabelos.

Na verdade, amanhã posso

dormir até mais tarde. Não haverá aula,

só reunião com os professores e eu não


estou com um pingo de vontade de ir.

— Yo no quero dormir agora,

Solange. Preciso te dizer uma coisa

importante. — Ergue a cabeça e nivela

os nossos olhares, ele parece muito

seguro.

— Diz logo então criatura, o que

é tão importante? — pergunto ansiosa.


— Nunca pensei que diria isso

algum dia, Solange, mas yo estou

cansado dessa minha vida de putaria.

Depois que te conheci, descobri que no

preciso de mais nada para ser feliz.

Porque quando estou com você todo o

meu dia se ilumina — declara e sinto

lágrimas inundando os meus olhos, isso


foi a coisa mais linda que alguém já me

disse.

Quero rir e chorar ao mesmo

tempo, minhas mãos estão suando e o

coração palpitando forte.

— Por que eu entre tantas outras

que passaram pela sua vida, Gonzales?

Realmente não consigo entender. —


Tento desviar o olhar, mas ele segura o

meu rosto entre suas mãos me obrigando

a encará-lo nos olhos e diz:

— Porque você é a única entre

todas elas que me faz querer ser uma

pessoa melhor. Como dizem por aí, o

amor tem o poder de mudar as pessoas.

— Sorri daquele jeito que me ganha por


completo.

Ele disse mesmo a palavra

amor?

Acho que vou desmaiar.

— Você precisa saber uma coisa,

Gonzales. Eu não sou muito boa em

relacionamentos, tenho um gênio do cão

quando estou apaixonada e adquiro


sérios problemas com ciúmes.

— Então somos dois, Solange.

Tanto que acho que se o professor

Roberto no tivesse sido transferido para

uma escola no outro lado do país, yo

daria um sumiço nele de um jeito ou de

outro. — Fecha o semblante e eu solto

uma gargalhada na cara dele.


— Você não tem jeito mesmo,

Gonzales!

—Tenho sim, Cariño, só preciso

que me dê uma chance de provar que

valho a pena — pede olhando-me

intensamente, então as palavras do vovô

Manoel ecoam na minha mente mais uma

vez...
“Quando sua avó enfim

resolveu deixar o orgulho de lado e me

deu a chance para mostrar o que tinha

de bom para oferecê-la, não nos

separamos mais e fomos felizes a cada

segundo que passamos juntos.”


Sorrio com os olhos apertados,

meu avô sempre me ajuda a tomar a

decisão certa.

— Se for para me arrepender de

algo nessa vida, que seja de algo que eu

tentei não acha? — Agarro o seu

pescoço e o puxo para um beijo, daqui

para frente seja o que Deus quiser.


Eu amo o gosto da boca desse

espanhol. É viciante.

— Calma aí, mocinha, só um

segundo — interrompe o beijo.

Fico frustrada, mas deixo que

termine de falar.

— Quero que saiba que, assim

que yo ver a dona Cátia, vou pedir a sua


mão para ela, chega de mentiras.No

somos mais adolescentes para ficar se

pegando escondido pelos cantos — dá o

seu recado e eu concordo com um nó na

garganta, minha boca está até seca.

Não sei o que a minha mãe vai

pensar quando souber que estou de rolo

com o sócio dela, espero que não fique


muito zangada comigo.

— Era só isso ou tem mais

alguma coisa, Cachorrão? — implico

com ele.

— Era só isso, Cariño, podemos

continuar o beijo de onde paramos. —

Ergue o edredom acima das nossas

cabeças e volta a me beijar calmamente,


estou com o corpo pegando fogo e

gritando por sexo, afinal é mais de um

ano sem saber o que é isso.

Mas não sei ainda se estou

pronta para dar esse passo, minha última

tentativa com o babaca do Roberto me

deixou mais traumatizada. Acho que

Gonzales percebe isso, porque me beija


de maneira mais casta, sem avançar

muito o sinal, comportando-se como um

verdadeiro cavalheiro.

— Yo vou fazer você a mujer

mais feliz desse mundo, Solange. —

Esfrega o nariz no meu.

— Acho bom mesmo, porque o

meu pai não me criou para sofrer na mão


de macho. — Faço cosquinha nele até

rir ao ponto de saírem lágrimas do canto

dos seus olhos.

— Você fala sempre com tanto

carinho dele, como ele era?

— O homem mais incrível do

mundo, Gonzales. Tinha uma energia tão

boa que te fazia sentir bem só com a sua


presença. — Aconchego a minha cabeça

no seu peito, o som da batida do seu

coração me traz uma sensação boa.

— Como ele morreu, Solange?

— pergunta em um tom baixo.

— Meu pai voltava do trabalho

quando foi atropelado por um

playboyzinho bêbado correndo a mil por


hora, estava voltando de uma noite de

farra. — Minha voz fica trêmula.

No dia do julgamento desse

desgraçado eu só não o matei com as

minhas próprias mãos porque os

policiais me seguraram.

— Nossa, yo sinto muito, espero

que esse cara tenha pegado pelo menos


cem anos de prisão.

— Ele não ficou preso nem um

dia, Gonzáles, por ser filho de um

senador o juiz adiou o julgamento sem

justificativas e ainda deu direito ao réu

de esperar pela nova audiência em

liberdade. Já se passaram quatro anos e

a situação continua a mesma — conto


desapontada, é incrível a injustiça que

existe nesse país.

Só Deus sabe o quanto minha

mãe e eu continuamos em cima da

promotoria para marcarem o novo

julgamento, mas toda vez enfiavam uma

desculpa diferente na nossa goela

abaixo. Como não temos condições de


contratar um bom advogado, nossa única

alternativa é esperar.

— Mas as coisas vão mudar,

Solange, porque yo vou revisar todo o

caso da morte do seu pai e vou garantir

que a justiça seja feita — promete e o

meu peito se enche de esperança, nem

percebi que estava chorando de alegria.


Gonzales pode ter todos os

defeitos do mundo, mas como advogado

é um dos melhores desse país.

— Você está falando mesmo

sério, Gonzales? Não brinca com coisa

séria. — Me sento na cama quase

roendo as unhas de ansiedade, ele

segura as minhas mãos impedindo que


eu continue.

— Claro que sim, muchacha, yo

no só vou trabalhar no caso do seu pai

como vou colocar o grupo principal de

advogados da minha empresa para entrar

nessa briga comigo — promete.

— Nossa, Gonzales, mas quanto

vai custar isso tudo? Nem se vendermos


a outra parte do bar para você, minha

mãe e eu nunca teremos condições de

pagar — sou realista, toda a minha

confiança parece ter desvaído no ar.

— Assim você está me

ofendendo, Solange. Você e yo somos só

um agora, de maneira nenhuma vou

deixar ninguém mexer com a família da


minha garota e sair impune. — Limpa as

lágrimas que deslizam pelo meu rosto e

me beija com carinho.

Ele não faz ideia da alegria que

está me proporcionando, fazer justiça

pela morte do meu pai é o meu maior

sonho.

— Muito obrigada, Gonzales,


não sabe o quanto isso é importante para

mim — digo com a voz embargada.

— No precisa chorar, Cariño, de

agora em diante yo vou cuidar de você e

da sua família. — Beija o topo da minha

cabeça e me puxa para um abraço. —

Agora durma, mi amor, vai ficar tudo

bem.
Faz carinho nas minhas costas

em movimentos leves e tranquilizantes,

cheio de muito afeto e companheirismo,

nem percebo quando o sono vem.

Acordo só no outro dia, Gonzales não

estava mais ao meu lado, mas deixou um

bilhete dizendo:
“Esteja pronta hoje às 19h,

virei te buscar para o nosso primeiro

encontro.”

Sorrio sozinha olhando para o

pedaço de papel feito uma maluca, esse

espanhol me faz sonhar acordada.

— Meus Deus, Solange, você


precisa arrumar algo decente para vestir

no seu primeiro encontro com o

Gonzales. — Penso comigo mesma e

salto da cama e tomo uma ducha rápida.

Me visto rápido e pego a minha

bolsa pendurada atrás da porta e saio

correndo, nem café da manhã vai rolar

hoje, estou muito ansiosa.


— Posso saber aonde vai tão

cedo assim, senhorita? — grita a minha

mãe ao me ver passar correndo pela

porta da cozinha.

— Estou indo às compras, mãe,

tenho um encontro hoje. — Acho que o

brilho do meu sorriso deve ter

iluminado tudo à minha volta, queria


poder gritar para todo mundo o quanto

estou feliz.

— Arrasou, filha! Vai ser com o

professor Roberto, não é? Quando vai

trazer ele aqui em casa? — Meu sorriso

morre no mesmo momento, minha mãe

não faz ideia de como esse cara é um

babaca.
— Não, mãe, eu esqueci de

comentar com a senhora, mas o Roberto

foi transferido para uma escola numa

cidadezinha lá na puta que pariu. —

Tento parecer triste, mas estou saltitando

de felicidade por dentro.

A princípio fiquei puta com a

briga dele e o Gonzales na frente da


escola, mas pensando melhor, estou

aliviada de não ter que olhar para

aquele embuste todos os dias.

— O cara foi transferido ontem e

hoje você já vai sair com outro

pretendente, filha? Essa é a minha

garota! — Bate a mão na minha, queria

que todas as mães tivessem a mesma


vibe que a da dona Cátia.

Minha mãe nunca encheu a minha

cabeça desse moralismo pobre que vem

de muitos anos atrás, onde a boa mulher

é aquela que dá para um homem só

mesmo que ele seja um escroto machista

que te enche de pancada para deixar

claro que é ele que manda. Eu trabalho e


pago as minhas contas, sou uma boa

pessoa e não faço mal nem a uma mosca.

Então fico sim com quem eu

quero e ninguém tem nada a ver com

isso, porque o que importa é a minha

felicidade e não o que pensam a meu

respeito.

— Claro, dona Cátia, a fila tem


que andar, meu amor. — Jogo a bolsa no

ombro e saio rebolando.

— Não vai tomar nem um

cafezinho, filha? Acabei de passar.

— Não, mãe, obrigada. Mais

tarde como alguma coisa na rua, não se

preocupe. — Jogo um beijo para ela por

cima do meu ombro.


Passo o dia na rua e vou em um

monte de lojas, mas nada parece bom o

suficiente. Estou quase desistindo

quando um milagre acontece.

— Eu acho que tenho algo

perfeito para você, querida. Acabou de

chegar no estoque — O sorriso confiante

da atendente me anima, contei sobre o


meu encontro e ela está tão animada

quanto eu na procura do look perfeito.

Depois de alguns minutos ela

volta do depósito da loja com um

vestido no cabide ainda dentro do

plástico transparente, nem preciso

colocar minhas mãos nele para ter

certeza de que é perfeito para hoje à


noite. Vou correndo para o provador;

como em todas as peças que

experimentei hoje, faço uma chamada de

vídeo com a minha amiga Tess e peço a

opinião sincera dela.

— Oh, meu Deus, amiga, esse

vestido é incrível — Aproxima bem o

rosto na câmera para ver melhor, as


marcas da última surra do Lucas estão

desaparecendo aos poucos.

— Eu também amei, Tess, estou

me sentindo tão linda. — Giro de um

lado para outro na frente do espelho do

provador, por mim não tirava esse

vestido nunca mais.

— Ai, Sol, como é bom ver que


a sua autoestima está lá em cima de

novo, de onde nunca devia ter saído.

Quando eu vir esse espanhol quero dar

um beijo na testa dele de agradecimento

por ser o causador disso tudo. — Faz

um biquinho engraçado.

— Gonzales tem me feito tão

bem, estou conhecendo um lado dele que


não fazia ideia que existia.

— Ai, que bonitinho, amiga!

Quero saber tudo depois sobre o

encontro com o espanhol gostosão, se

estivesse aí faria uma maquiagem

incrível em você — bufa cabisbaixa

com a mão apoiando o queixo, sempre

que saímos juntas ou eu vou em algum


evento importante, ela que me maquia.

Tess ama os tios dela que moram

em Minas Gerais, mas digamos que

morar na roça em meio à natureza não é

muito a cara dela.

— Eu queria muito que você

estivesse aqui, amiga, mas não podemos

dar mole com o maluco do Lucas solto


por aí, doido para dar um fim em você.

— Você está certa, Solange.

Estou na torcida para que a polícia

pegue esse filho da puta e jogue atrás

das grades e que ele apodreça por lá

pelo resto dos seus dias — profere

rancorosa.

— Amém, Senhor! — Junto as


mãos como se estivesse rezando. —

Mas agora chega de falar de coisa ruim,

o vestido já foi, agora começa a saga da

procura da sandália perfeita para usar

com ele e a senhorita vai me ajudar. —

Coloco as mãos no joelhos e dou uma

reboladinha, arranco risadas da minha

amiga.
— Pode contar comigo, não

tenho mais nada de interessante para

fazer mesmo nessa fazenda no meio do

nada. — Entediada, sopra um cacho que

estava sobre o seu olho.

Mesmo distantes, minha amiga e

eu passamos o dia de compras “juntas”

através do celular. Tess que escolheu a


sandália caramelo com tiras que vão até

o joelho, os brincos e o colar que vou

usar hoje. Volto para casa à tarde,

confiante e cheia de sacolas; como é

bom ter o meu salário livre e poder

esbanjar de vez em quando sem

remorsos.

Quando piso na porta, recebo


uma mensagem do espanhol. Ele me

mandou várias outras durante todo o dia,

coisas românticas do tipo:

“Mal posso esperar para te

ver.”

“Essa noite você é toda minha.”

“Quero te fazer a mujer mais


feliz do mundo.”

Eu não me lembro de me sentir

tão entusiasmada com um encontro antes,

tanto que começo a me arrumar cedo,

parece até que nunca saí com um cara

antes. Então respiro fundo e continuo a

maquiagem, ainda estou com o roupão


de banho, vou deixar para colocar o

vestido dos meus sonhos só na última

hora, não quero que amasse.

— Esse homem deve ser muito

importante mesmo, hein, filha? Faz horas

que você está se emperiquitando na

frente desse espelho. — Minha mãe

chega no meu quarto cheia de


curiosidade, se inclina e alisa o tecido

do meu vestido novo aberto sobre a

cama.

— Ele é, mãe. Até quer pedir a

minha mão para a senhora, vê se pode

uma coisa dessas? — Tento não sorrir

ao passar o brilho labial.

— Humm, esse rapaz já tem todo


o meu respeito, posso saber o nome

dele? — pergunta discreta em um

pigarreio.

— Será que dá para parar de ser

fofoqueira e vem me ajuda a colocar o

vestido, dona Cátia?

— Tudo bem, filha, se você não

quer me contar sobre o seu admirador


secreto eu também não conto sobre o

meu — joga a bomba enquanto me

auxilia, fico de cara no chão.

Oi? Que história é essa de

admirador secreto?

Desde a morte do marido que

dona Cátia se fechou dentro de uma

bolha, não por falta de opção, mas


porque, para ela, sair com outro homem

é como se estivesse traindo o grande

amor da sua vida. Eu já penso diferente,

meu pai era tudo para mim, mas ele

infelizmente se foi há quatro anos e não

vai voltar nunca mais. Minha mãe é uma

mulher incrível, jovem e cheia de vida.

Como qualquer outra pessoa nesse


mundo, merece sim encontrar alguém

bacana e ser feliz.

— Que história é essa de

admirador secreto, hein, sua danadinha?

— Me viro para ela com os olhos

estreitos, minha mãe coça a nuca toda

envergonhada.

— Estava só brincando, menina,


larga de bobeira — garante com uma

feição bastante duvidosa.

Ela não me engana, se tem uma

coisa que a minha mãe não sabe fazer é

mentir.

— Sei! Acha mesmo que

consegue mentir para sua filha? — Faço

cosquinhas nela na tentativa de fazê-la


relaxar um pouco, ela não precisa sentir

vergonhar por estar interessada em

alguém.

— Para com isso, Solange, você

está me fazendo chorar de tanto rir —

diz entre gargalhadas.

— Qual o motivo de tanta graça?

— Rafael aparece na porta segurando a


sua caneca preta em formato de cabeça

de gato, ele parece confuso com o nosso

momento de diversão.

É complicado para ele entender

as emoções, e principalmente vivenciá-

las.

— Você não vai acreditar, Rafael

Louis, mas a mamãe tem um...


— Um prato especial para o

jantar, eba! — minha mãe me corta em

baixo, acho que não quer que o Rafael

saiba sobre o tal boy misterioso.

— Legal. E você, irmã, aonde

vai tão bonita assim? — Meu irmão

passa os olhos por mim rapidamente,

agora sei que acertei mesmo no look e


na maquiagem.

Afinal, é mais fácil achar um

diamante do que receber um elogio do

Rafael Louis. Não quero ser presunçosa,

mas estou mesmo um espetáculo. Meu

vestido é branco e longo de alças finas,

com o tecido leve soltinho que dá um

efeito mágico quando caminho; para


realçar o meu rosto, prendi as tranças

em um coque alto com algumas soltas, e

fiz uma maquiagem bem marcante com

sombras escuras e batom vinho-mate.

— Obrigada, irmão! Eu vou sair

para beber um pouco e aproveitar a

noite de folga muito bem acompanhada,

por sinal, não sei que horas volto. —


Jogo um beijo na direção do meu irmão,

que finge que não viu, é óbvio.

— Espero que se divirta muito,

filha. Você é uma mulher especial, por

isso merece o melhor que o mundo tem

para oferecer. — Sorri para mim com

ternura.

— Obrigado mãe, digo o mesmo


para a senhora. – Pisco para ela.

— Eu nunca te vi sorrindo dessa

forma por causa de um cara, Solange.

Então fique atenta aos sinais, querida, se

toda vez que o vir, sentir aquele

friozinho na barriga como se fosse a

primeira vez, é porque esse é o cara

certo. — Seus olhos ficam inundados.


— Era assim com a senhora e o

papai, não é?

— Sim, querida, em cada dia

dos mais de vinte e cinco anos juntos a

emoção era a mesma de quando conheci

o seu pai.Isso se chama amor

verdadeiro, o tipo que só acontece uma

vez na vida.
— Na minha vida, não, Deus me

livre! — Rafael sai do quarto

praticamente correndo.

— Vai sim Rafael, não foge da

conversa não. –Minha mãe vai atrás dele

rindo.

— Esses dois! — Balanço a

cabeça sorrindo, estou feliz além da


conta.

Recebo uma mensagem do

Gonzales dizendo que já chegou, suspiro

profundamente e vou ao seu encontro.

Como pedi a ele, estacionou o carro uma

quadra antes da minha casa para evitar

olhares curiosos, hoje é um dia muito

especial para nós dois e não quero que


nada nem ninguém estrague. Como a

minha mãe previu, sinto aquele friozinho

na barriga quando o vejo lindo e

poderoso em um terno preto de três

peças com gravata-borboleta, nunca o vi

tão elegante antes.

Merda!

Eu não acredito que esse


espanhol teve mesmo coragem de

aparecer aqui no Madureira nessa

limusine preta com a pintura até

brilhando, novinha em folha, parece que

acabou de sair da loja, um veículo desse

porte deve custar os olhos da cara.

Através do vidro escuro baixado no

lado do motorista, o chofer tira o quepe


e acena para mim, sorridente. Sorri de

volta para ele, mas os meus olhos estão

no Gonzales o tempo todo.

Por Deus! Como esse homem

está lindo com as costas jogadas contra

a limusine e os braços cruzados sobre o

paletó impecavelmente alinhado ao seu

corpo sarado.
— Você está muy hermosa,

Cariño. — Segura a minha mão e beija

todo galante.

— Você também está muy bien,

muchacho. — Pisco para ele maliciosa.

— Obrigado, bela muchucha,

mas agora precisamos ir porque a

viagem vai ser um pouquinho longa. —


Me dá um beijo rápido e abre a porta

para eu entrar.

Por dentro a limusine é mais

espetacular e maior do que parece nos

filmes, as luzes são coloridas e os

bancos são de couro preto legítimo. Ao

fundo, à direita, tem um minibar com

garrafas de champanhe dentro de baldes


de gelo.

— E para onde estamos indo,

espanhol? — pergunto curiosa.

— Para um lugar muito especial

para mim, Cariño. Acho que vai gostar

— solta no ar cheio de mistério, inclina-

se e dá uma leve mordida no meu

pescoço.
Fico excitada e ele também,

então Gonzales aperta um dispositivo

debaixo do banco e um vidro preto

começa a subir, nos dando total

privacidade do motorista.

— Mas o que você está fazendo,

Gonzales? — Fico sem acreditar quando

vejo o homem de joelhos à minha frente


com aquela cara de que “vou te foder

aqui e agora”.

Não acredito que ele vai mesmo

fazer isso dentro de um veículo em

movimento, que homem louco!

— Pode ficar tranquila, Sol, o

vidro é à prova de som. — Dá um

sorrisinho.
Gonzales ergue o meu vestido

olhando no fundo dos meus olhos,

seduzindo-me. Agarra a lateral da minha

calcinha e desliza pelas minhas pernas

em um ato sexy pra caramba, não

contenho um gemido ao sentir o tecido

de renda roçando pela minha pele

sensível.
— Essa você no vê mais,

muchacha. — Guarda a calcinha no

bolso de trás da calça.

— Caramba! Eu nunca fiz isso

nem nas minhas fantasias sexuais mais

profanas. — Minha voz sai entrecortada.

Gonzales passa a língua na parte

de dentro da minha coxa e dá uma


mordida de leve, cravo as unhas no

couro do banco deliciando-me com um

misto das sensações de dor e prazer.

— Então a sua primeira vez será

comigo, Cariño. — Assopra o meu

clitóris e massageia em movimentos

circulares com o polegar, rebolo feito

uma maluca ansiando por mais.


Meu corpo está totalmente

entregue aos comandos desse espanhol

sem vergonha, ele sabe exatamente o que

fazer para me dar prazer.

— Puta que pariu, Gonzales! —

gemo quando começa a me chupar, apoio

a cabeça no encosto do banco e me

entrego ao momento.
Saber que o motorista está a

poucos metros de nós imersos em nosso

ato pervertido deixa tudo mais

instigante, acho que essa convivência

com o Gonzales está me transformando

em uma depravada.

— Yo amo o seu gosto. É

embriagante... — Passa a língua por


toda a minha intimidade, solto um

gemido alto.

A limusine para no sinal, várias

pessoas passam por nós na calçada sem

imaginar o atentado ao pudor que está

acontecendo aqui dentro. Eu as vejo

através do vidro escuro, mas elas não

nos veem. Isso me deixa com mais fogo


ainda, amo essa sensação de perigo e

quero mais. Agarro o cabelo do

Gonzales e rebolo na sua cara com

vontade, ele não para de me chupar nem

um segundo.

Dessa vez o espanhol não me

deixa na mão, faz o trabalho até o final

me levando ao clímax, me arrancando


gritos de prazer. Ainda bem que o

motorista não pode nos ouvir.

— Estamos quase chegando

querida, preparada para a melhor noite

da sua vida? — Senta ao meu lado no

banco com cara de santo como se não

tivesse acabado de me foder com a

língua, está todo alinhado, não tem um


fio de cabelo fora do lugar.

Enquanto eu pareço que acabei

de passar por um vendaval, para não

dizer de uma suruba dessas de filmes

pornôs. Meu vestido está suspenso

quase acima da cintura e um emaranhado

de tranças cobre meu rosto. Minha

maquiagem deve ter ido para o espaço,


estou toda suada e encharcada nas partes

íntimas, uma sandália está no meu pé e a

outra desapareceu.

— Eu nasci pronta para qualquer

parada, espanhol. Só preciso de um

minuto — blefo na cara dura me

ajeitando do jeito que dá.

— Chegamos, chefe, divirtam-


se! — diz o motorista simpático ao

estacionar o carro, minha cara vai no

chão de vergonha enquanto o Gonzales

tem um ataque de riso.

Eu vou matar esse filho da mãe!

— Caramba, Gonzales! Você

disse que o motorista não podia nos

ouvir. — Dou uma cotovelada nele.


— E no pode mesmo, sua

bobinha, nós podemos ouvi-lo. Mas ele

não — Explica, suspiro aliviada.

— Eu devia chutar a sua bunda,

espanhol — brinco rindo também.

Gonzales abaixa o vidro para

falar com o motorista, ele parece ser um

senhor muito simpático.


— Muito obrigado, Thomas, se

yo precisar dos seus serviços te ligo

mais tarde.

— Sim, senhor, tenham uma boa

noite.

— Obrigada!Você também,

Thomas, adorei o seu quepe — elogio e

ele sorri com as bochechas gorduchas


ruborizadas.

Assim que saímos da limusine

sinto aquela brisa gostosa salgada vinda

do mar a pouco metros de nós tocando o

meu rosto; depois da madrugada

chuvosa ninguém esperaria se deparar

com essa noite linda iluminada por uma

lua cheia fascinante ao meio de um céu


repleto de estrelas brilhantes refletindo

nas águas no mar. Estamos com certeza

bem longe do centro do Rio de Janeiro,

em alguma propriedade privada no

litoral.

Ao fundo, em meio a coqueiros

enfolhados, consigo ver o topo de uma

casa rústica de madeira em um estilo


bem praiano.

— Você sabe mesmo como

impressionar uma garota, Gonzales —

admito enquanto tiramos os sapatos para

caminhar sobre a areia de mãos dadas.

Gonzales pediu para montarem

uma tenda branca envolta por um véu

enfeitado com flores selvagens de


diferentes espécies e cores. A

iluminação é toda à luz de velas. Tudo

foi pensado nos mínimos detalhes para

que ficasse perfeito.

— Você não viu nada ainda,

Cariño. — Puxa a cadeira da mesa de

dois lugares para eu sentar de frente

para ele, gosta desse contato olho no


olho.

Gonzales estala os dedos e um

garçom aparece do nada com uma

bandeja redonda prateada; ele tira a

tampa e o cheiro gostoso da lagosta

enorme rosadinha me seduz no mesmo

instante. Nunca comi uma na vida,

sempre via na televisão e chegava a me


dar água na boca, mas hoje a minha vez.

— De onde tirou essa ideia

romântica de um jantar em frente ao mar

sobre a luz da lua? — Indago.

— De um filme, Cariño, mas no

lembro o nome agora. — Dá de ombros

servindo-me um pouco de champanhe.

Sua sinceridade me faz soltar


uma gargalhada vigorosa; parando agora

para pensar, Gonzáles não faz nenhum

esforço para fingir ser quem não é, como

a maioria dos homens por aí quando

querem impressionar uma mulher.

— Você não sabe muito sobre

romantismo, não é, Alejandro Gonzales?

— Estreio os olhos.
Sirvo alguns frutos marinhos no

meu prato, o garçom trouxe tantas

opções de comida para a mesa que nem

sei por onde começar.

— No sou mesmo, mas posso

aprender por você. — Mexe a

sobrancelha de um jeito engraçado me

fazendo rir mais ainda.


— Para o seu azar, Cachorrão,

ser romântica também não é o meu forte!

— admito.

Ergo a minha taça de champanhe

com o dedo mindinho esticado e sorvo

um gole dando uma de chique, até

parece!

— No tem problema, nós dois


podemos aprender juntos então.

Problema resolvido! — Inclina sobre a

mesa e beija os meus lábios, trocamos

olhares cúmplices.

Nosso jantar transcorre de

maneira muito agradável, conversamos

sobre várias coisas, a maioria delas

sobre as nossas famílias. Não falo muito


sobre a minha bisavó Antônia, ela é a

matriarca do lado da minha mãe, ainda

firme e forte aos oitenta e poucos anos.

Ela vem de uma época que a grande

maioria acreditava fielmente que preto

deve casar com preto e branco com

branco. Sem papas na língua, expõe a

sua opinião à queima-roupa. Sinto que


isso ainda vai me causar grandes

problemas futuramente, mas não quero

pensar nisso agora.

Me sinto tão confortável na

companhia do Gonzales, ele é um ótimo

ouvinte, sabe como fazer a gente se

sentir à vontade para dizer qualquer

coisa. Conhecê-lo de verdade tem sido


uma bela surpresa. Depois do jantar,

resolvemos aproveitar esse lindo luar

para caminhar à beira-mar. O espanhol

tira o paletó e a gravata-borboleta e joga

nas costas da cadeira; para ficar ainda

mais à vontade, desabotoa os primeiros

botões da camisa branca e dobra as

mangas até os cotovelos.


A brisa está um pouco mais forte

agora, jogando os fios negros do cabelo

extremamente liso do Gonzales sobre o

seu rosto, uma cena linda de se ver.

— Você no faz ideia de como

amo esse lugar, desde pequeno a minha

relación com o mar é algo inexplicável.

— Joga a cabeça para trás e fecha os


olhos sorrindo, é como se ele fizesse

parte desse lugar.

Sua expressão nesse momento

não poderia ser mais relaxada, como se

estivesse hipnotizado pelo som que vem

do mar.

— Então você é o dono desse

pequeno paraíso tropical? — pergunto.


— Sim, comprar essa casa na

praia foi o meu melhor negócio. Nem a

minha família sabe da existência desse

lugar, é o meu refúgio quando me sinto

meio perdido. — Enlaça os dedos entre

os meus unindo as nossas mãos, estou

amando toda essa aproximação entre

nós.
Estou surpresa de o Gonzales

mostrar esse seu lado mais vulnerável,

ele não parece ser o tipo de pessoa que

se perde com facilidade. Exala

confiança e atitude a metros de distância

por onde passa, o tipo de homem

“intocável” que pobres mortais como eu

dificilmente vê por ai porque fazemos


parte de mundos completamente

diferentes.

— Deixa eu adivinhar,

Cachorrão, aqui é o seu matadouro?

Traz as mulheres para impressioná-las e

depois as proporciona a melhor foda de

todos os tempos. — Aponto com a

cabeça para a casa da propriedade


agora a poucos metros de nós, com uma

expressão divertida, mas por dentro

estou me corroendo de ciúmes.

Gonzales trinca o maxilar, não

gostou do meu comentário invasivo.

— No, Solange, você é a

primeira pessoa que trago aqui. Na

verdade, você tem sido a “primeira” em


muitas coisas na vida. — Um músculo

na sua mandíbula contraiu-se, fico sem

saber o que dizer.

Porra, Solange! Precisa contar

para ele agora. Você já deixou isso ir

longe demais, não pode continuar

mantendo esse segredo.

Minha consciência me dá um
sacode, mas finjo que não é comigo.

Seja o que for que aconteça depois,

quero aproveitar ao máximo esse

passeio na praia com o Gonzales,

andando sobre a borda das ondas com

os pés afundando na areia molhada.

Caso tudo dê errado, terei a lembrança

linda desse momento mágico.


— Eu também amo o mar, mas

não sei nadar direito. Uma pena, porque

sempre quis praticar surf. — Olho para

o mar com um certo pesar.

Até tentei contratar um professor

de surf uma vez quando era adolescente

e fui muito bem logo na primeira

tentativa, mas desisti de aprender logo


no primeiro dia de aula. Éramos seis

alunos, mas só eu era acima do peso e

todos faziam questão de me lembrar

disso a todo momento, de um jeito nada

gentil. Fora que não podia colocar

biquini que virava alvo de chacota por

onde passava, me chamavam de baleia e

outros apelidos maldosos que não gosto


nem de lembrar.

— Yo darei um jeito nisso

amanhã mesmo, Sol, serei o seu

professor particular. O mar é a minha

segunda casa, sou quase um Aquaman,

só falta o tridente. — Coloca as mãos na

cintura e eleva o queixo quadrado

fazendo pose de super-herói, só falta a


capa esvoaçante.

— Combinado então, espanhol,

mas é bom que saiba que eu sou ótima

como professora, porém como aluna

posso me tornar o seu pior pesadelo. —

Faço uma cara de malvada franzindo o

cenho, Gonzales acha é graça.

— Yo sei ser bem paciente


quando quero, Solange, com o tempo vai

perceber isso e muitas outras coisas

“interessantes” ao meu respeito. —

Protagoniza o seu melhor olhar sedutor.

— Ah sim! Seu Cachorrão, disso

eu tenho certeza! — digo em tom de

deboche.

— Você está duvidando de mim,


sua abusada? — Abaixa e enche as mãos

de água e joga em mim, molhando o meu

vestido; e como é branco, fica

transparente na parte dos seios, me

deixando constrangida.

Sou rápida e cubro abraçando o

próprio corpo antes que mostre mais do

que devia e me coloque em uma situação


embaraçosa na frente do Gonzales, ainda

bem que ele não percebeu nada.

— Está ficando frio, não é

mesmo? — Sorrio amarelo.

Aproveito para sair do mar de

mansinho, não posso arriscar molhar o

vestido ainda mais.

— Um pouco, mi amor, vem,


vamos entrar. — Me abraça e

caminhamos juntos até a bela casa, meu

coração acelera, está chegando o

momento de eu jogar todas as cartas

sobre a mesa.

Subimos a escada até a varanda

da frente que me conquista logo de cara,

tem uma rede grande de palha pendurada


com vista para o mar, daquelas que dá

vontade de deitar e esquecer de todo o

resto do mundo.

— Vou pegar alguma coisa

relaxante para a gente beber, Sol. —

Gonzales beija o meu rosto e me deixa

sozinha na sala.

Desabo no sofá com as mãos


sobre o rosto, agora não tem mais como

inventar desculpa e deixar para depois.

Preciso abrir o jogo com ele. Estou tão

envergonhada, não sei nem por onde

começar a contar isso para o Gonzales.

— Está tudo bem, Cariño? Você

parece tensa. — Chega de repente com

duas taças de vinho tinto, analisando-me


minuciosamente, sabe que alguma coisa

não está certa comigo.

— Não, Gonzales, mas nós

precisamos ter uma conversa muito

séria. — Pego a taça da sua mão e sorvo

em um gole só.

Seus olhos pousam sobre as

minhas mãos trêmulas que suam frio,


estou muito nervosa.

— No precisa dizer mais nada,

Solange. Já entendi tudo, você acha que

te trouxe aqui para te levar para a cama.

Mas no é nada disso, sei que aquela

primeira noche que passamos juntos te

deixou traumatizada pela a forma como

aconteceu, por isso estou disposto a


esperar quanto tempo for preciso para

que esteja pronta. —Encosta a testa na

minha.

Baixo o olhar para os meus pés

me sentindo péssima, quem me dera o

meu problema fosse só esse.

— Não é nada disso, Gonzales.

Eu...
Tento falar, mas ele cobre os

meus lábios com os dedos.

— Por favor, só me escute,

Cariño.Se tem uma coisa que aprendi

estando ao seu lado é que sexo no é tudo

e posso sim me divertir com uma mujer

fora de uma cama — declara cheio de

afeto, não aguento e deixo as lágrimas


caírem.

— E você me fez voltar a me

sentir uma mulher completa, Gonzales.

— Solto um soluço.

— No chora, mi vida, você me

faz feliz só pelo fato de existir. No quero

fazer nada errado dessa vez, tenho muito

medo que queira se afastar de mim. —


Me abraça e eu choro mais ainda, quanto

mais gentil ele é comigo pior me sinto.

Se Gonzales me desprezar

também quando descobrir a verdade,

vou ficar arrasada, nunca mais vou

conseguir me apaixonar por outra pessoa

novamente.

— Quem vai querer se afastar


aqui vai ser você depois que eu contar

por que fiz aquela proposta absurda para

dormirmos juntos por dinheiro, isso tem

me atormentado todo esse tempo. — O

pavor atravessa as suas feições, foi pego

de surpresa, não esperava que eu fosse

tocar nesse assunto.

Mas ele precisa saber. Tudo está


ligado àquele maldito dia, onde fui

obrigada a fazer a escolha mais difícil

da minha vida.

— Yo no quero saber, Solange.

No me importo. Aquilo é passado,

vamos pensar só no presente aqui e

agora e num futuro que estou torcendo

muito para que estejamos juntos. —


Tenta me tocar, mas me esquivo do seu

toque ou vou acabar cedendo e adiando

ainda mais o inevitável.

— Você não entende, Gonzales.

Não dá para abandonar o passado

quando se carrega consigo as cicatrizes

dolorosas que ele deixou — elevo a voz

gesticulando ferozmente, estou nervosa


demais para manter a compostura.

— Mas de que porra você está

falando, Solange? Yo no entendo. —

Quebra o contato visual me oferecendo

as costas.

— Eu estou falando disso,

Gonzales. — Deslizo uma alça do meu

vestido e depois a outra, a peça vai ao


chão junto com o sutiã de enchimento,

deixando-me nua na sua frente.

Os próximos segundos são os

mais longos da história, e mudarão

totalmente os rumos de nossas vidas.

Quase em câmera lenta, o homem por

quem me apaixonei com todas as minhas

forças se vira de frente para mim e me


vê como sou de verdade agora. Desvio o

olhar, destruída, nunca me senti tão

envergonhada antes.

A Solange que ele conheceu

naquela época não existe mais, sou

apenas o que restou dela.

— Dios Santo, Solange! Por...

que você no me contou antes? —


pergunta em um fio de voz, uma mistura

de dor e pena.

Me sinto pior ainda, como uma

aberração em exibição. Só quero sair

correndo daqui e nunca mais colocar os

olhos no Gonzales novamente, já vi esse

filme antes e o final é sempre o mesmo.

Comigo sozinha, humilhada e


com o coração partido.
Gonzales

— Onde você pensa que vai,

Solange? Essa conversa está apenas

começando. Você me deve uma

explicación! — grito com ela tomado

pelo desespero, mas a teimosa da


Solange no me escuta.

Continua catando as suas roupas

pelo chão pronta para fugir para bem

longe de mim mais uma vez, mas no vou

permitir que jogue essa bomba em cima

de mim e vá embora me deixando à

deriva no meio desse furacão. Vamos

resolver a nossa situação aqui e agora


de uma vez por todas; tranco a porta e

guardo a chave no bolso da minha calça,

se ela quiser ir embora, vai ter que

tomar de mim à força.

— Não faz isso comigo,

Gonzales. Sei o que vai dizer e eu não

quero ouvir, já me sinto humilhada o

suficiente. Então só peço que me deixe


ir embora com o resto de dignidade que

me resta. — Esmurra o meu peito,

descontrolada.

Essa maluca acha mesmo

possível que exista alguma coisa no

mundo capaz de me fazer desistir dela?

Sendo que para mim só a morte é capaz

de me tirar da sua vida.


— Yo nunca vou te deixar ir,

Solange. No entendeu isso ainda, porra?

— A balanço pelos ombros e ela

paralisa de repente.

— Como não vai se nem

consegue mais olhar direito para mim

agora? Eu sou um monstro. —Vejo a

mujer mais segura que passou pela


minha vida se despedaçar bem diante

dos meus olhos, nem em um milhão de

anos imaginei que veria a minha Solange

nesse estado crítico de autodepreciação.

— Yo estou olhando para você

agora, Cariño. E nunca te achei tão

linda. — Prendo o seu rosto repleto de

lágrimas entre minhas mãos.


Se estava apaixonado pela Sol

antes, agora que sei da verdade yo a

amo infinitamente. É a mujer mais

incrível do mundo, pena que só ela no

consiga ver isso.

— Não deboche de mim,

Gonzales, não tem nada de lindo nisso.

— Aponta para o seu peito liso onde


deveriam estar os seios, mas no lugar há

apenas duas cicatrizes no formato de um

risco comprido, um de cada lado.

Nesse tempo que estivemos

separados com certeza Solange passou

por um severo câncer de mama e teve

que retirá-las, agora tudo faz sentido!

Toda vez que as coisas esquentaram


entre nós, ficava toda retraída como se

estivesse com vergonha de mim, logo

ela que sempre é cheia de atitude.

Mesmo intrigado com a situação, fui

respeitoso e no insisti porque pensei que

ainda me repudiava por ter feito sexo

comigo por dinheiro. Acreditava que

com o tempo começaria a confiar no


hombre que me tornei hoje e se soltaria

aos poucos, no entanto, isso parecia

estar cada vez mais distante de

acontecer.

Como fui tão idiota e no percebi

toda a sua dor? A tristeza por trás dos

seus olhos? Porra, cabrón! Você devia

ter sido mais atento com a mujer que


ama.

Estava tudo ali, muito óbvio na

minha frente e yo no vi, a maneira como

Solange estava abalada no velório do

Marcelinho e surtou com a perda da

amiga Elza, tenho certeza de que o

motivo da sua morte também foi câncer

de mama. Por isso tem uma ligação tão


forte entre elas, porque ambas passaram

pela mesma dor. As duas foram

guerreiras valentes lutando lado a lado

para se manterem vivas, mas

infelizmente uma delas acabou perdendo

a vida pelo percurso.

Merda! Nunca senti o que estou

sentindo agora, parece que o chão está


se desmaterializando debaixo dos meus

pés só de pensar que aquele velório

poderia ter sido o da Solange. Meu

pavor é imensurável, tanto que o meu

estômago chega a embrulhar.

— Por favor, me diga que está

curada. Essa é a única coisa que importa

para mim, Solange. — Abraço o amor


da minha vida o mais forte que consigo e

choro feito um menino, no tenho

vergonha de demonstrar a angústia que

estou sentindo.

Se yo perdê-la, esse mundo no

tem mais nenhuma graça para mim, tudo

perderá a cor. Ela é a única parte boa

que existe em mim.


— Não chora por minha causa,

Gonzales, eu imploro. Está tudo bem

agora. Você salvou a minha vida. —

Sorri triste e acaricia o meu rosto cheia

de ternura, sinto um alívio tremendo em

saber que está bem.

Só no entendo como yo posso ter

salvado a sua vida de alguma forma.


Porque desde que nos conhecemos na

maioria das vezes agi feito um cafajeste,

capaz de fazer qualquer coisa para tê-la

na minha cama, custasse o que fosse, no

importava o que destruísse pelo

caminho.

—No entendo, Solange, como yo

posso ter salvado a sua vida? —


Massageio as têmporas meio perdido.

— Na época em que nos

conhecemos descobri um nódulo

maligno no meu seio esquerdo, que era

de um tipo muito severo. Minha mãe

ficou tão assustada que achou melhor

procurarmos um médico particular

especialista no caso. Comecei o


tratamento na mesma semana, porém

ficamos atoladas em dívidas para

conseguir pagar — explica e aos poucos

as peças desse quebra-cabeça vão se

encaixando uma a uma na minha cabeça.

— Então sua mãe hipotecou o

bar e a casa para continuar pagando o

tratamento. No consigo nem imaginar o


sufoco que enfrentaram com a

possibilidade de perder tudo o que

tinham — Deslizo a mão pelo cabelo,

inquieto, essa história fica cada vez

mais triste.

— Sim! Mas o tratamento não

estava fazendo efeito algum, ao

contrário, o câncer se espalhou rápido e


o médico aconselhou retirar as duas

mamas com urgência ou eu teria no

máximo mais um ano de vida. — Aperta

os olhos, está segurando o choro, dá

para sentir a dor por trás do seu tom

agudo.

Mi corazón para de bater por um

instante, se Solange no tivesse feito a


retirada das mamas hoje ela estaria

morta e yo nunca teria a chance de

reencontrá-la, e nem faria ideia do que

tinha acontecido.

— Yo sinto muito por tudo o que

você e a sua família passaram, mas

estou aqui agora. — Aperto Solange

bem forte dentro dos meus braços, como


queria ter estado ao seu lado quando

tudo aconteceu.

— Foi muito difícil, Gonzales,

não tínhamos mais de onde tirar dinheiro

e não daria para esperar uma vaga no

centro cirúrgico do SUS, que estava

lotado de casos graves como o meu ou

ainda piores. Para fazer a cirurgia em


uma clínica particular faltavam exatos

dez mil reais, então tive que escolher

entre vender o meu corpo para você, ou

a morte e deixar a minha mãe e o meu

irmão sozinhos cheios de dívidas. —

Seus ombros despencam como se

carregassem o peso do mundo, tem sido

forte por muito tempo.


Como se no bastasse ter que

lidar com uma doença mortal, Solange

teve que se sujeitar a vender o corpo

para o cara que ela tanto desprezava e

só a via como um objeto para suprir os

seus desejos sexuais mais obscuros.

Dios santo! Como essa mujer sofreu e

foi humilhada de todas as formas


possíveis pelas minhas mãos. Yo nunca

poderia imaginar por que a Sol fez

aquela proposta e, sendo bastante

sincero, o Gonzales daquela época no se

importaria nem um pouco com as

circunstâncias desde que no final

conseguisse o que queria.

— Yo nem sei o que dizer,


Solange, acha que vai conseguir me

perdoar um dia? — Sou obrigado a me

afastar dela, estou muito envergonhado,

apoio as mãos no aparador da janela

aberta tentando sobreviver ao baque de

tudo o que acabei de descobrir.

Minha garganta está seca e a

impressão que tenho é que todo o ar


desta sala está tenso e venenoso apenas

para mim, como se yo no fosse digno de

respirá-lo.

— Perdoar por que, Gonzales?

Você salvou a minha vida. — Os cantos

dos seus olhos se franzem.

— Yo no salvei porra nenhuma,

Solange, pero Dios! No repita isso


nunca mais, por favor, sou um ser

humano horrível. Me aproveitei do seu

momento de fraqueza e no fundo sempre

soube disso, e no dava a mínima, se

quer saber — solto à queima-roupa.

Uma linha dura aparece entre as

sobrancelhas da Solange, ela vem para

cima de mim como se fosse me matar


com as suas próprias mãos.

— Eu não tenho nada que te

perdoar, Gonzales. Dormir com você

por dinheiro foi escolha minha e ponto

final. Sou bem grandinha para responder

pelos meus atos. — Enfia o dedo na

minha cara adentro e continua com o

sermão:
— Querendo ou não, aqueles dez

mil reais me deram a oportunidade de

acordar todos os dias de manhã ao lado

da minha família. Então a verdade é que

independente dos motivos, esse dinheiro

veio das suas mãos. — Ela abraça a

minha cintura e deita a cabeça no meu

peito, beijo o topo da sua cabeça ainda


meio atordoado, isso tudo parece até um

sonho ruim que vai terminar a qualquer

momento.

— Nunca mais esconda nada de

mim, Cariño — peço baixinho.

— Eu prometo! Me desculpa por

jogar isso tudo em cima de você só

agora, Gonzales. Mas fui ficando cada


vez mais envolvida contigo, então tive

medo de contar e ser rejeitada. Sei que

está acostumada com mulheres incríveis.

— Recua um passo para trás e cobre o

corpo o máximo que pode com as mãos,

insegura.

— Como no consegue ver toda a

beleza das suas cicatrizes, mi amor?


Elas representam a sua força e me fazem

te amar ainda mais, quero ficar do seu

lado para sempre — declaro com um

sorriso rasgando o meu rosto.

Tento uma aproximação física,

mas a mujer arisca feita uma raposa se

esquiva do meu toque.

— Eu não posso fazer isso com


você, Gonzales, não é justo. Pensei que

podia, mas agora que a verdade veio à

tona percebo que não. Esse seu olhar de

pena está acabando comigo. — Evita

contato visual, suas pupilas estão

dilatadas.

— No é pena, Solange. É amor

— sou sincero, no há nada do mundo


que yo queira mais do que estar com ela.

— Você merece uma mulher

completa, não quero que fique comigo

por pena ou obrigação, por isso te libero

para ir. Quero que seja feliz mesmo que

não seja comigo — me dispensa, mas no

desisto.

Yo nunca vou desistir da Solange.


— Você é a minha felicidade,

Cariño. A mujer mais completa que

conheci.Então, por favor, no me deixa!

No me importo de implorar, se

precisar me ajoelho aos seus pés e

rastejo atrás dela pelo resto da minha

vida.

— Nós nunca daremos certo


juntos! Se eu não consigo me amar nessa

condição, como posso fazer com que

alguém me ame? — Balança a cabeça

com um sorriso amargo.

— Quando vai colocar na sua

cabeça de uma vez por todas que yo

quero você de qualquer maneira? Porra!

Para mim no importam as


circunstâncias. — Soco a parede

enfurecido, Solange dá um salto

assustada com a minha perda de

controle, nunca me viu nesse estado.

Respiro fundo e me controlo,

assustá-la só vai piorar as coisas. Baixo

o tom da minha voz e tento encontrar um

caminho para deixar claro para a


Solange que o que sinto por ela nesse

momento está longe de ser pena.

— Você é tudo o que yo sempre

sonhei para mim e nem sabia. Prometo

que vou te amar até você se amar como

é, e talvez um dia possa me amar

também. Se no acontecer, tudo bem,

tenho amor o suficiente por nós dois e


todos os filhos que teremos. — Acaricio

o seu rosto, queria tanto que a Solange

se visse através dos meus olhos.

Solange é a parte mais linda que

Dios escreveu na minha vida, quero

vivê-la cada segundo com toda a

intensidade desse amor que carrego no

peito.
— Mas eu acho que já te amo,

Gonzales. Não sei como ou quando

aconteceu, foi tudo muito rápido. Mas

está aqui dentro e não consigo mais

esconder. — solta no impulso, em

seguida cobre a boca com a mão sem

acreditar no que acabou de falar.

Nem yo acredito, mas sim!


Ela disse que me ama e no pode

voltar atrás.

— Se me ama, então fica

comigo! Vamos fazer isso dar certo, yo

prometo — peço quase em desespero.

Beijo a sua boca, mas ela no

corresponde.

— Você está dizendo isso agora


porque está com pena de mim, mas vai

me deixar quando o primeiro rabo de

saia passar e chamar a sua atenção. Não

me entenda mal, espanhol, mas essa é a

sua natureza — no diz em tom ofensivo,

só constata o que todo mundo pensa ao

meu respeito e yo dei todos os motivos

para isso.
— Minha natureza? — Coço a

nuca sorrindo sem vontade.

— Sim, Gonzales! Mesmo se não

fosse, as estatísticas dizem que cerca de

70% dos homens abandonam as

companheiras após o diagnóstico de

câncer de mama. Os outros 30%, a

maioria permanece por pena ou culpa,


mal conseguem tocar as suas esposas. —

Contorce o rosto como se fosse a dona

da razão, toda cheia de argumentos, pelo

visto estudou direitinho sobre o assunto

e montou um discurso convincente antes

de vir falar comigo.

Que se danem as estatísticas,

elas no definem os meus sentimentos.


Sou um hombre, no um menino. Só um

covarde abandonaria a companheira em

uma situación como essa. Custei a me

apaixonar por alguém, mas agora que

aconteceu é para valer.

— Isso parece pena para você?

Porra! — Pego a sua mão e coloco

sobre a minha ereção, estou excitado


desde que ela começou a tirar a roupa.

Meu desejo pela Solange no

diminuiu em nada, quero fazer amor com

ela todas as noites da minha vida. Quero

casar e ter uma penca de filhos

chocolatinhos bagunceiros correndo por

todos os cantos da nossa casa, quero

isso e tudo mais que uma linda história


clichê de amor tem direito.

— Como pode sentir atração por

mim nesse estado, Gonzales? Quando o

Roberto me viu nua disse que sentia

muito em dizer, mas os médicos me

transformaram em uma aberração —

completa quase em um sussurro, cheia

de vergonha, e vira-se de costas toda


encolhida.

Meu sangue corre efervescente

pelas minhas veias, yo vou caçar aquele

desgraçado do Roberto feito um animal

selvagem e encontrá-lo nem que seja nos

quintos dos infernos e destruir a sua

vida ou no me chamo Alejandro

Gonzales. No compreendo como alguém


pode ser tão cruel com alguém na

situación da Solange, que sobreviveu à

passagem de um terremoto na sua vida

virando tudo de cabeça para baixo? Por

isso merece todo o mundo aos seus pés e

yo darei a ela. Viverei apenas para isso.

— Eu sempre vou desejar você,

Solange. Pode ser sem peitos, bunda,


pernas ou braços. Tanto faz! O que

importa mesmo para mim é tu corazón

— me abro para ela como nunca me abri

para ninguém antes, só quero acertar as

coisas entre nós, chega de segredos e

inseguranças.

Está na hora de virar a página e

recomeçar do zero, temos um lindo


futuro pela frente nos esperando.

— Isso tudo é muito lindo de se

ouvir, mas nós dois não temos como dar

certo juntos, Gonzales. Somos muito

diferentes, até mesmo nos mínimos

detalhes — insiste, sua expressão é

embotada.

— Yo farei dar certo, Sol. Dios


nos fez diferentes para que um

completasse o outro — constato

tentando no gritar com ela e sacudi-la

pelos ombros para que acorde para a

vida, ganhou uma segunda chance e no

pode mais perder tempo para ser feliz.

— Você não desiste mesmo fácil

do que quer, não é mesmo, espanhol? —


Enfim a teimosa abre um sorriso tímido.

— No mesmo, muchacha. Pode

apostar! — Sorrio de canto, provocante,

e caminho até ela, que dessa vez não

recua ao meu toque.

Ótimo!

Aproveito a oportunidade de

aproximação e roubo um beijo, Solange


resiste no começo, mas logo se entrega

ao fogo da nossa paixão. Com uma

delicadeza que yo nem sabia que tinha,

pego o meu amor no colo e carrego nos

braços como se fosse um bebê, a levo

até a suíte principal da casa e a deito na

cama.

— Você é tão linda, Cariño. —


Acaricio suas cicatrizes com as pontas

dos dedos deixando a cada centímetro

percorrido um rastro do meu mais

singelo amor, suas dores também são as

minhas agora.

Solange aperta os olhos

segurando o choro como se o meu toque

a ferisse profundamente, superar esse


trauma vai levar muito tempo e yo

ficarei do seu lado dando total apoio e a

ajudarei a superá-lo. Mas só isso no

será o suficiente, ela vai precisar de

ajuda profissional e sei perfeitamente a

quem pedir reforço.

— Eu não consigo mais,

Gonzales, minha pele queima toda vez


que você toca as minhas cicatrizes.

Acho que nunca mais vou conseguir

ficar nua na frente de um homem

novamente. — Me empurra para longe

dela e sai da cama levando o lençol

junto para se esconder debaixo dele,

como se esse pedaço de pano tivesse o

poder de fazer as suas cicatrizes


desaparecerem para sempre.

— Yo no sou qualquer hombre,

Solange. Sou o seu hombre. — Vou até

ela e coloco a mão sobre o seu peito

bem em cima do corazón, ela aperta os

olhos e treme o lábio inferior.

— Me sinto como uma aberração

como o Roberto disse, desde aquele dia


nem consigo mais encarar o meu reflexo

nua no espelho. Nunca vou esquecer o

jeito que ele me olhou como se estivesse

com nojo de mim. — Cobre o rosto e

começa a chorar.

Dói muito ver alguém que teve a

sua autoestima arrancada de suas mãos

da maneira mais cruel, seja pela vida ou


por algumas pessoas sem um pingo de

empatia com o próximo. Sempre soube

que esse Roberto no prestava, mas ele é

ainda pior do que pensei. Esses com

carinha de santo são os piores, agem

calados e traiçoeiros e no final as

pessoas envolvidas na sua armadilha

terminam feridas de maneiras letais,


como no caso da Solange.

Mas a vida é assim mesmo, nada

é o que parece. Yo nunca prestei, mas

nunca escondi isso de ninguém, as

mujeres ficavam comigo sabendo muito

bem onde estavam se metendo.

— Você se viu pelos olhos dele,

Cariño, agora quero que se veja pelos


meus. — Entrelaço os meus dedos aos

seus e a conduzo até o amplo espelho

fixado na parede de frente para a cama,

mas Solange desvia o olhar para

qualquer direção, evitando o seu

reflexo.

— Acho que ainda não estou

pronta, Gonzales. — A cor lhe foge do


rosto e a respiração acelera a ponto de

ter um ataque de pânico, o câncer pode

não a ter matado, mas deixou um grande

estrago.

— Tudo bem, mi amor, yo estou

aqui com você. Apenas no seja tão dura

com você mesma e veja o quanto é

linda. — Abraço a sua cintura por trás e


apoio o queixo no seu ombro, aos

poucos Solange vai se sentindo mais

confiante e enfrenta o que ela vem

evitando há muito tempo.

Lentamente solta o lençol e ele

vai ao chão em volta dos seus pés,

acaricio as suas cicatrizes com carinho e

sorrio para a Sol através do espelho.


Então mi amor enfim se vê através dos

meus olhos apaixonados. Aos poucos um

sorriso discreto brota nos seus lábios.

A minha Solange está de volta!

— Como se sente agora,

Cariño? — Pergunto ansioso.

— Completa! De um jeito que

nunca me senti antes. — Ela toca as suas


cicatrizes com delicadeza, no as vê mais

como uma deformidade, mas sim como

parte dela.

O nome disso é aceitação!

Acontece quando nós nos amamos como

somos e a opinião dos outros passa a no

ter mais importância, porque temos total

ciência do nosso real valor.


— É bom ter a verdadeira

Solange de volta, yo nunca mais vou

deixar que ela vá embora. Sabe disso,

no é? — Mordisco o lóbulo da sua

orelha e a faço estremecer.

— Eu não vou a lugar nenhum

sem você, espanhol. — Vira de frente

para mim. — Faz amor comigo? —


Sorri tímida.

— Pensei que no fosse pedir

nunca, mujer! — Jogo Solange nos

ombros e ela solta um gritinho, pego a

chave no bolso da minha calça e

destranco a porta.

Caminho com ela para fora da

casa, precisamos sentir o ar puro. O sol


está para nascer a qualquer momento e

no quero perder esse lindo milagre da

natureza que acontece todos os dias e as

pessoas estão ocupadas demais para

apreciá-lo; até pouco tempo atrás yo era

uma delas.

Mas as coisas estão diferentes

agora.
— Para onde está me levando,

seu maluco, esqueceu que eu estou nua?

— fala e ri ao mesmo tempo.

— Fica tranquila, bela

muchacha, essa propriedade é privada,

estamos só você e yo aqui. — Dou um

tapa no seu traseiro grande.

Caminho pela areia branca e me


jogo no mar de roupa e tudo junto com a

Solange, ela gargalha toda vez que as

ondas vêm ao nosso encontro. Nos

divertimos brincamos de guerra d´água,

porém ela fica séria de repente, passa os

braços em volta do meu pescoço e olha

no fundo dos meus olhos e diz:

— Pois bem! Eu acho mesmo


que realmente te amo, Alejandro

Gonzales — se declara enquanto o sol

nasce ao fundo trazendo uma luz

alaranjada à sua volta, lembrando-me o

quanto essa mujer é necessária para este

mundo.

— Yo também acho que

realmente te amo, Solange Almeida. —


No consigo parar de sorrir.

Ela pula no meu colo e enlaça as

pernas em volta do meu corpo,

começamos a nos beijar

escandalosamente com a água batendo

contra os nossos corpos. Minha ereção

esfrega contra a barriga dela, seus

gemidos estão me deixando louco de


tesão.Ando com a Sol para fora do mar

sem parar de beijá-la. A deito de costas

na areia macia, cubro o seu corpo com o

meu para admirar a sua beleza

inspiradora.

No sei muitas coisas sobre Dios,

mas tenho certeza de que ele criou

Solange nos mínimos detalhes para ser


minha.

— Eu amo quando você me olha

assim, Gonzales. — Sorri ao fazer

carinho no meu rosto.

— Assim como, mi amor? —

Esfrego os meus lábios nos seus,

instigando-a.

— Como se eu fosse a sua alma


gêmea e nada e nem ninguém nesse

mundo pudesse nos separar, nem mesmo

depois da morte. — Sua boca se curva

em um sorriso acanhado, o mais lindo

que já vi.

— Na Espanha acreditamos que

olhos são o espelho da alma. Então sim!

Você é a minha alma gêmea, yo te amei


desde a primeira vez que te vi, mas o

meu ego era grande demais e no me

deixava enxergar — admito por fim,

como é bom poder colocar isso para

fora.

— Comigo não foi muito

diferente, Gonzales. Te achei um puto de

um gostoso, mas nunca que ia admitir


isso para um branquelo abusado. —

Solta uma risada alta daquelas que dá

vontade de rir também.

— Rá! Yo sabia que você tinha

me achado irresistível — brinco, mas no

deixa de ser verdade.

— Cala a boca e me beija,

Cachorrão! — Me puxa pela gola da


camisa molhada e toma os meus lábios

calmamente, desabotoa os botões um por

um e me ajuda a tirar a peça, que joga

para bem longe de nós.

Em seguida a sua atenção se

volta para a minha calça que, junto com

a cueca boxe, logo tem o mesmo destino

que a camisa. Agora que nós dois


estamos nus percebo como nossos

corpos combinam tão bem juntos. Sua

linda pele escura faz um belo contraste

com a minha, somos como o símbolo

yin-yang, onde um completa o outro com

todas as suas qualidades e, acima de

tudo, os defeitos.

— Naquela noite fizemos sexo


sujo, mas hoje yo quero apenas fazer

amor com você — inclino e digo no seu

ouvido — Lentamente...

Solange geme baixinho.

— Pensei que você não fosse o

homem que fazia amor, espanhol.

Apenas fodesse gostoso — provoca com

um sorriso sedutor, quase penso em


desistir de fazer amor e foder essa diaba

com força.

Mas no, como yo disse, nossa

segunda primeira vez vai ser especial.

— Yo também pensava, Cariño.

Mas você apareceu e esfregou na minha

cara o quanto estava errado sobre tudo.

—Desço até as suas cicatrizes, deposito


um beijo sobre uma e depois na outra.

Enquanto o sol ainda nasce com

todo o seu esplendor por trás das

montanhas, sem pressa, faço questão de

venerar todo o seu corpo com carícias e

beijos molhados. Quero que Solange

sinta à flor da pele todo o desejo

avassalador que sinto por ela. Uso o


joelho para abrir as suas pernas e me

encaixo perfeitamente ao meio delas,

hoje no há tempo para preliminares,

preciso estar dentro dela ou vou morrer.

— Espera, Gonzales, preciso te

dizer mais uma coisa antes. — Apoia as

mãos abertas sobre o meu peito, fico até

com medo de saber o que possa ser


dessa vez.

— Yo estou te ouvindo, mi vida.

— Esfrego o meu nariz no seu, então ela

inclina e sussurra no meu ouvido.

— Eu não tive mais nenhum

outro homem depois de você e estou

muito feliz por isso, valeu a pena

esperar. — Se afasta para olhar nos


meus olhos, espero que ela consiga ver

através deles o que estou sentindo.

É como se você fosse explodir

de tanta felicidade e no soubesse medir

o quanto ama alguém, a única certeza

que tem é que quer essa pessoa ao seu

lado para sempre. Você até no acredita

ser possível, mas se surpreende todos os


dias quando é pego de surpresa a

desejando mais e mais a cada minuto

que passam juntos.

— Então nós precisamos

eternizar esse momento, no acha? — Ela

assente várias vezes sorrindo.

Beijo a sua boca enquanto a

penetro lentamente, ela está há muito


tempo sem sexo e no quero ser muito

bruto.

— Minha nossa, Gonzales! —

geme quando a preencho por completo,

ela está muito mais apertada do que da

última vez, mal consigo me mexer.

Puta que pariu! Yo acabei de

entrar e já estou a ponto de gozar


loucamente. Começo a me mover em

uma velocidade eloquentemente lenta,

nossos corpos têm um encaixe perfeito.

Sexo é incrível, mas fazer amor com a

Solange é algo surreal. É como se as

nossas almas se fundissem nos tornando

um só, posso sentir cada célula do corpo

dela se fundindo às minhas.


— Você me enlouquece, sabia?

— Aumento o ritmo das investidas, ela

rebola debaixo de mim com as unhas

cravadas nas minhas costas.

Nossos gemidos se misturam ao

som do mar ao fundo, nos amando iguais

a dois amantes apaixonados cobertos de

areia.
— Solange... — urro o seu

nome.

— Gonzales... — ela geme

ofegante.

E assim chegamos ao clímax

juntos, em uma explosão de sentimentos

avassaladores, selando a nossa união.

Como ela disse, no vou deixar que nada


nem ninguém nos separe.

Ficaremos juntos para sempre,

na tristeza e na alegria.
Solange

A manhã chega com um sol

irradiante, mas não tanto quanto os meus

olhos ao acordar e vê-lo tão próximo a

mim em um sono sereno. Ele... o homem

mais incrível que cruzou o meu caminho


nos últimos tempos. Um lobo que de

selvagem só tem a fama. Na verdade,

Alejandro Gonzales é um verdadeiro

príncipe e sabe muito bem como fazer

uma mulher se sentir aceita e segura.

Sorrio. Não consigo parar de admirá-lo,

é mais forte do que eu. Se acordado é

lindo, dormindo é algo fascinante. Um


leve sorriso dança nos seus lábios

rosados como se estivesse bem no meio

de um sonho mágico, onde tudo é

possível. Até mesmo o amor entre duas

pessoas tão opostas como nós.

Só de lembrar a maneira

carinhosa que agiu comigo ontem à noite

me deixa com uma puta vontade de


chorar, toda vez que me tocava era como

se curasse alguma ferida que eu trazia

comigo a muito tempo. Nunca me senti

tão protegida antes.

Foi intenso...

Foi perfeito...

Foi real...

Gonzales me fez voltar a me


amar independentemente de qualquer

coisa. Ele não me completa. Me

transborda. Graças a ele voltei a me

sentir uma mulher forte e nada nem

ninguém vai me quebrar novamente

como o Roberto fez de maneira tão cruel

quando estive na casa dele, nunca vou

esquecer das palavras dolorosas que


desferiu contra mim impetuosamente.Já

tive dias difíceis, mas aquele... PORRA!

Com certeza foi um dos piores da minha

vida. Depois de tanto tempo me

escondendo do mundo, resolvi dar um

voto de confiança para aquele boçal na

noite em que foi ao bar e a verdade é

que tinha muitos motivos quando tomei


tal decisão. Afinal, desde que começou

a trabalhar na escola se mostrou tão

cavaleiro e compreensivo com todos ao

seu redor, sempre o primeiro a se

oferecer para ajudar o próximo.

O cara certo para as

expectativas de qualquer mulher.

O cara certo para mim, mas eu


estava enganada.

E muito!

Mas a sua “admirável” atuação

de bom moço digna de uma indicação ao

Oscar me fez sentir confiante em deixá-

lo se aproximar e me joguei do

precipício de olhos fechados, fui para a

casa do cara logo no primeiro encontro


e deu merda. Já passamos pela porta aos

beijos, foi incrível me sentir desejada

naqueles breves minutos. Aquela seria a

primeira vez que eu estaria com um

homem depois que fiz a retirada das

mamas e isso elevou as minhas

expectativas a mil. No entanto, bastou o

Roberto me ver nua por um maldito


segundo para a sua ereção murchar

como um balão de ar.

— Mas que porra é essa,

Solange? – Roberto apontou para o

chão na direção do meu surtia de

enchimento que eu mesmo fiz com todo

o amor do mundo, já que no mercado

não encontrei muita coisa disponível


para mim ou outras milhares de

mulheres na mesma condição que eu

espalhadas por todo o mundo.

Triste realidade!

Por isso tomei cuidado para

fazer o sutiã de enchimento perfeito em

homenagem a todas elas, escolhi o tom

exato da minha pele e o formato


perfeito dos meus antigos seios até

mesmo a textura e a auréola meio torta

no lado esquerdo. Passei noites

trabalhando nisso, virou quase uma

obsessão. Mas valeu a pena, ficou tão

perfeito que quem tocasse ou olhasse

por cima da minha roupa pensaria que

faziam de fato parte do meu corpo, por


isso não os tirava para nada nesse

mundo, só para tomar banho.

— Roberto eu... – Tentei me

explicar como se eu fosse a errada na

história, mas o seu olhar de puro

horror sobre mim me roubou as

palavras.

— Não precisa dizer mais nada,


Sol. Tanto faz agora. Você devia ter me

contado antes que te transformaram em

uma aberração, Jesus Cristo! Não

consigo nem olhar para você. – Virou

de costas para mim, fiquei grata por

isso porque pelo menos assim eu não

precisaria mais ter que olhar para a

sua expressão de nojo.


Queria me jogar no chão e

chorar em posição fetal por um ano

inteirinho, não existe coisa pior do que

ser crucificada por algo que não foi

sua culpa. Ao contrário, foi a vítima de

uma doença traiçoeira que se não te

leva para a morte num estalar de

dedos, as sequelas que ela deixa em


alguns casos como o meu te matam em

vida. Nada nunca mais volta a ser

como antes.

— Me desculpe Roberto, eu me

sinto tão envergonhada. – Segurei o

choro contorcendo as mãos em frente

ao corpo, queria sair correndo, mas

havia perdido a força das pernas.


Minha dor era tanta que

naquele momento desejei que o câncer

tivesse me levado quando teve a

oportunidade, porque assim não

sentiria mais repúdio de mim mesma.

Enfim, eu havia chegado ao

fundo do moço.

— Envergonhada e com razão,


Solange. Duvido muito que algum

homem vá se interessar por você nessa

condição, desculpe a sinceridade, mas

essa é a verdade. – Desferiu o último

golpe fatal.

Totalmente devastada, catei a

minha roupa pelo chão e sai correndo o

mais rápido que pude pelo o corredor,


mas vestindo-o de qualquer jeito, só

precisava ficar longe daquele homem

cruel. Nunca me senti tão humilhada

antes, ferida e quebrada. Não devia ter

agido pelo fogo da pegação e paguei

caro por isso. Se a minha autoestima

estava baixa antes, depois daquilo foi

parar no núcleo da Terra.


Como se eu já não tivesse

sofrido o suficiente depois que descobri

o câncer, porra! Tendo que ser mutilada

para o tratamento, perder o cabelo e

tomar vários remédios pesados contra

essa doença cruel. Ser obrigada a

aprender a lidar com a depressão depois

da retirada das mamas e, quando pensa


que superou tudo e encontrou alguém

legal, essa mesma pessoa te faz sentir o

ser mais desprezível do mundo. Mas a

pior parte dessa merda toda é ver

amigos que estavam lutando na mesma

batalha que eu morrendo no meio do

caminho, conheci pessoas incríveis

quando comecei a quimioterapia na


clínica do doutor Alexandre Bastos. O

que foi ótimo para mim, por serem

veteranos no assunto, me ajudaram muito

a passar por aquele momento difícil. Os

enjoos a cada sessão fica cada vez mais

forte que quase não consegui ficar de pé

quando terminava.

Eu tive que começar a participar


de um grupo de apoio para mulheres

com câncer de mama para ganhar força e

dar conta do recado, foi lá que conheci a

Elza e nos tornamos mais que amigas.

Éramos como irmãs. Nunca vi ninguém

lutar tanto pela a vida e ter tanta fé em

Deus. Elza já fazia tratamento a três

anos, descobriu o tumor no seio


esquerdo aos vinte e um anos em um

caso precoce. Era apenas uma menina,

mal tinha aproveitado a vida. Ainda

assim, era feliz e grata por cada dia e

vivia intensamente como se fosse o

único. Nos demos bem logo de cara,

estivemos uma do lado da outra nos

momentos mais difíceis.Ela fez questão


de estar presente no dia da minha

cirurgia. Lembro de cada segundo desse

dia.

Quando acordei da sedação

deslizei a mão sobre a faixa branca no

meu peito liso, havia dois drenos na

área sob os braços e várias máquinas

ligadas ao meu corpo. Tive vontade de


chorar todas as minhas lágrimas, mas

quando olhei para o lado e vi a minha

mãe sorrindo de orelha a orelha tive que

engolir a minha dor e fingir que estava

tudo bem.

— A cirurgia foi um sucesso,

filha! – Minha mãe gritou para quem

quisesse ouvir, ela sorria e chorava ao


mesmo tempo.

Ao fundo do quarto estava Elza

folheando uma revista de moda, sempre

foi muito vaidosa, tinha uma coleção de

turbantes e chapéus para compensar a

perda dos longos cabelos acastanhados.

Assim que minha amiga percebeu que eu

havia acordado da cirurgia deu um salto


da cadeira e veio festejar comigo a

minha vitória contra o câncer, mesmo

sabendo que a dela estava longe de

acontecer. Aquilo partiu o meu coração,

então de maneira nenhuma podia me dar

o luxo de ficar triste.

O que a Elza fez se chama

amizade verdadeira, acontece quando o


outro está na pior e ainda assim

comemora a sua conquista contigo.

Tive alta dois dias depois da

cirurgia e aos poucos as cicatrizes foram

se fechando e eu junto com elas. Nem

conseguia me olhar mais no espelho

então passei a evitá-lo a todo custo. Mas

essa insegurança toda ficou para trás


junto com os meus medos e traumas,

Gonzales me fez perceber que as marcas

que carregamos do passado não são

motivos para se envergonhar, porque

elas representam a nossa força e que

apesar de tudo o que passamos ainda

estamos de pé lutando com tudo o que

temos.Por isso, nada nesse mundo vai


me impedir de viver a vida com toda a

plenitude que mereço.

Que todos nós merecemos.

A vida é realmente interessante,

nada é o que parece ser. Gonzales que

no começo sempre agiu como um filho

da puta de marca maior e não precisou

se esforçar para me fazer odiá-lo


profundamente, hoje é o homem que me

resgatou do fundo do poço em que me

encontrava. Porra! Eu nem percebi

quando me apaixonei por esse espanhol.

Aconteceu rápido e certeiro, quando dei

por mim não queria estar em nenhum

outro lugar que não fosse com ele.

— Você me pegou de jeito


mesmo hein, cachorrão!? – Beijo a sua

boca, ele se mexe, mas não acorda.

Resolvo levantar etentar fazer

um belo café da manhã para o Gonzales,

ele merece isso e muito mais depois da

noite maravilhosa que me proporcionou.

Ando pelo quarto nas pontas dos pés e

pego emprestado a camisa branca


jogada aos pés da cama que ele estava

usando ontem e vou explorar a sua casa

de praia dos sonhos. Como na sua

cobertura, fico meio perdida na cozinha,

mas consigo encontrar tudo o que

preciso para montar uma bandeja bem

bonita de café da manhã.

Gonzales deve vir nesse lugar


com frequência, porque tanto a dispensa

quanto a geladeira estão bem

abastecidas.

— Bom trabalho, Solange! –

Elogio a mim mesma com os olhos sobre

a bandeja em cima do balcão. Fiz ovos

com bacon, panquecas, torrada com

geleia de morango e um capuccino


incrível que aprendi com o vovô

Manuel.

– Mas falta alguma coisa. – Bato

o dedo no queixo e penso o que poderia

ser.

Já sei!

Olho para a janela e vejo através

do vidro um pé de tulipa vermelha


solitário bem no seu ponto mais alto de

florar, saio correndo e com muito zelo

pego a flor mais bonita no topo que se

destacou no tamanho e na coloração

mais forte, era como se tivesse crescida

destinada a fazer parte do início de uma

linda história de amor que eu darei o

meu melhor para que dê certo.


— Agora está perfeito! – Sorri

orgulhosa, usei a tulipa para enfeitar a

bandeja e ficou um arraso.

Agora é hora de acordar o

espanhol, espero que goste da surpresa.

Porque não sou o tipo que leva café da

manhã na cama para qualquer macho. De

todos que passaram na minha vida,


Gonzalez foi o único que mereceu de

fato.

— Bom dia dorminhoco, hora de

acordar. –Deixo a bandeja sobre o

móvel próximo a cama e abro as

costinhas.

— Bom dia, mi amor, esse

cheirinho está ótimo. – Sua voz é puxada


e cheia de sono.

Depois de um bocejo demorado,

Gonzales sorri com os olhos ainda

fechados.

— Fiz o seu café da manhã,

espero que goste! – Pego a bandeja de

volta e coloco sobre o seu colo e ajeito

alguns travesseiros nas suas costas, ele


merece ser muito mimado hoje.

E sempre.

— Se continuar me tratando

assim yo vou me apaixonar, Solange. –

Pega uma panqueca e morde com gosto.

– Ah esqueci! Já estou há muito tempo. –

Sorri de boca cheia da própria piada.

— Para de galanteio, seu bobo, e


tome o seu café da manhã, não quero que

esfrie. – Limpo com o polegar o farelo

no canto da sua boca.

— No vai comer comigo,

carinõ?

— Não! Eu já comi, espanhol.

Agora vou arrumar aquela bagunça que

fiz na cozinha, te vejo lá assim que você


terminar. Combinado? – Fico de pé e no

automático fecho os botões da camisa

até o pescoço, ainda me sinto um pouco

estranha sem o meu sutiã de enchimento,

nós passamos muito tempo juntos.

Na verdade, essa situação toda é

muita nova para mim e acho que vai

levar um tempinho para me sentir cem


por cento à vontade na frente de um

homem mesmo estando caída de amores

por ele. Existem traumas que não é

possível superar da noite para o dia,

acontece um passo de cada vez. É

preciso ser forte e ter muita paciência.

— No senhora, você no vai em

lugar nenhum. – Agarra o meu braço e


puxa de volta para a cama, inclina e

beija a minha boca com tanta ternura que

os meus olhos enchem de lágrimas. –

Sabe que no precisa sentir mais

envergonhada na minha frente no é? –

Assinto ao mesmo tempo que uma

lágrima desliza pelo o meu rosto.

— Gonzales, eu... – Ele cobre os


meus lábios com os dedos impedindo

que eu termine a frase.

– Só me escuta, Carinõ. Yo te

amo exatamente como você é nesse

momento, mas se sente falta das suas

mamas e quer reconstrói-las exatamente

como eram posso procurar por um bom

médico nem que seja na China e pago o


dinheiro que for preciso para que a sua

vontade se realize. –Não consigo

segurar o choro, Gonzales se aproxima e

enxuga o meu rosto com as costas da

mão.

Saber que ele me quer de

qualquer maneira e seria capaz de tudo

para me fazer feliz é algo que me traz


uma sensação que nunca senti antes,

acho que é aquilo que as pessoas

chamam de amor verdadeiro. Conhecer

o Gonzales de verdade me trouxe de

volta a vida, quanto mais o conheço

mais o admiro como ser humano e

homem.

— Isso foi a coisa mais gentil


que alguém me disse Gonzales, obrigada

por todo apoio. — Sorrio para o meu

amado, ele ainda acaricia o meu rosto. –

Mas estou muito confusa em relação a

tudo isso, acho que preciso voltar a

fazer terapia e organizar a minha mente.

– Admito em voz alta o que venho

escondendo de mim mesma e que estava


entalado na minha garganta há muito

tempo.

— Yo te apoio completamente

nisso Solange, mi madre é uma das

melhores psicólogas que conheço e pode

te ajudar a olhar tudo que passou por

causa do câncer com outros olhos. Se

quiser posso falar com ela hoje mesmo,


tenho certeza de que vai te atender de

bom corazón e com discrição. O que

conversarem no consultório dela no vai

sair de lá. – Promete convicto e eu

acredito, mas não sei se vou ficar à

vontade para falar com a minha “sogra”

sobre os meus traumas e medos.

— Prometo que vou pensar


sobre isso, bonitão. – Aperto o seu nariz

entre os meus dedos e ele sente cócegas

e sorri.

— Promete mesmo que vai

pensar com carinho, bonitona? – Pega

uma torrada com geleia de morango e

leva a minha boca, dou uma mordida

para agradá-lo.
—Com todo o meu coração! Mas

agora vou deixar você tomar o seu café

da manhã, precisa comer e recuperar as

suas energias, cachorrão. Vai precisar

dela mais tarde. Melhor dizendo, eu vou

– Levanto da cama e brinco dando um

tapa na minha bunda.

Chega dessa conversa tensa,


quero voltar ao clima gostoso de quinze

minutos atrás.

— Tá bom, carinõ, já me

convenceu. – Começa a comer

apressado.

— Bueno, chico! – Faço bico e

tento imitar o sotaque espanhol, mas

acho que não tive sucesso porque


Gonzales acha graça. — Vejo você

daqui a pouco, cachorrão. – Jogo um

beijo para ele.

— Combinado, gostosa! – Faz

uma cara sexy, saio do quarto rebolando,

sei que ele está me secando com os

olhos.

Antes de começar a arrumar a


cozinha ligo o rádio que tem sobre as

prateleiras de livros antigos de receitas

e está tocando uma música animada da

Ivete Sangalo que foi lançada essa

semana. Começo a dançar feito uma

maluca usando o pano de prato como

microfone enquanto começo a limpar a

mesa de madeira escura, não conheço a


letra da música, mas finjo que sim e fico

gungunando sem muito sentido. Sei lá, eu

estou feliz.

De repente a música para de

tocar do nada cortando o meu barato,

começa a tocar o ritmo envolvente do

reggaeton lento, franzo os lábios quando

mãos fortes envolvem a minha cintura de


maneira mais que íntima.

— Dança comigo, bela

muchacha? Yo já recuperei as minhas

forças. – Sinto o calor da sua respiração

deslizar pela a minha nuca, eu mal

cheguei nessa cozinha e o homem já veio

atrás feito um caçador vigiando a sua

caça.
— Mas tão rápido? Ah! Esqueci

que estamos falando de Alejandro

Gonzales. – Finjo que ainda estou

limpando, mas o meu coração bate a mil

por horas.

Gonzales cola o corpo no meu e

começa a se mover lentamente de um

lado para o outro de um jeito muito


sensual, puta que pariu! O filho da mãe

está pelado e com o pau semiereto

esfregando na minha bunda.A

temperatura do lugar sobe bruscamente

quando ele canta junto com a música

bem baixinho ao pé do meu ouvido me

hipnotizando...
“Cuatro abrazos y un café,

apenas me desperté.

Y al mirarte recordé que ya todo

lo encontré

Tu mano en mi mano de todo

escapamos

Juntos ver el sol caer


Vamos pa' la playa

Pa' curarte el alma

Cierra la pantalla abre la

Medalla

Todo el mar Caribe.

Viendo tu cintura.

Tú le coqueteas

Tú eres buscabulla
Y me gusta

Lento y contento, cara al viento

Lento y contento, cara al

viento...”

— Minha nossa, você tem uma

voz linda. Amo quando fala espanhol! –

Empino a bunda e me esfrego nele,


atiçando a fera.

Gonzales gira o meu corpo de

frente para ele, uso o braço para arrastar

tudo sobre a mesa para o lado e me

ergue do chão e coloca em cima da

tábua de madeira fria. Ergo os braços

para cima para que tire a camisa,

qualquer insegurança que eu ainda tenha


foi para as Congonhas, só quero que

esse espanhol me pegue de jeito. E

assim ele faz. Sem muito romantismo

como ontem à noite, abre as minhas

pernas e mete em mim com força indo

mais profundo a cada estocada e me tira

todo o fôlego.

— Mais rápido! – Peço


desavergonhada e ele obedece.

Gonzales me come em uma

velocidade anormal, agarro seu pescoço

para ganhar equilíbrio e jogo a cabeça

para trás com os olhos virados de tanto

prazer. A mesa sacode fazendo um

rangido alto, ouço o som de algumas

coisas que estavam em cima dela indo


ao chão, mas não damos bola.

Não estamos nem aí para porra

nenhuma! Só em dar prazer um ao outro.

— Gosta quando yo te coma

assim com força, no é sua putinha

safada? – Faz um chupão na curva do

meu pescoço para ficar marcado de

propósito.
— Simmm. – Solto em um

gemido longo.

— Que bom! Porque a nossa

orgia está apenas começando Solange,

hoje no terá romantismo. Vai ser no

estilo bruto. – Seu tom grave faz a minha

libido ouriçar, duvido muito que consiga

levantar hoje depois que esse espanhol


terminar comigo.

Ainda dentro de mim, Gonzales

me leva no colo para a cama e me

possui nas horas seguintes sem nenhuma

reserva. Nosso sexo foi sujo. Dois

amantes apaixonados na mesma sintonia,

como se um fosse a parte que faltava no

outro. Quando enfim terminamos a


última rodada estávamos exaustos,

acabamos dormimos suados e colados

um ao outro como se fossemos um só.

Acordo à tarde em meio a um

calor escaldante, jogo os lençóis para

longe e me remexo na cama. De olhos

fechados tateio o travesseiro do lado do

Gonzales, mas não o encontro.


— Procurando por mim,

Carinõ? – Esfrego os olhos e entre aos

meus dedos vejo o espanhol de pé

próximo a cama com um sorriso

travesso de quem está aprontando algo

grande.

Gonzales está se achando dentro

de um traje de mergulho coladinho


ressaltando os seus músculos gloriosos,

debaixo do braço segura firme uma

prancha de surf gigante branca e azul.

— Você só pode estar de

brincadeira comigo, Gonzales! – Viro de

costas para ele disposta a voltar com

meu sono de onde parei.

Enquanto eu estou um poço de


preguiça, essa criatura está com

animação para dar e vender. O cabelo

todo bagunçado quase encostando na

altura do ombro e em cada lado do seu

rosto bonito tem um risco feito com

protetor solar igual aos que as mães

fazem quando levam seus filhos à praia,

está bastante óbvio que acordou pronto


para um dia inteiro de pura diversão.

— Você me disse ontem que

sempre quis aprender a surfar, então yo

vou te ensinar, Solange. Quero realizar

todos os seus sonhos e vamos começar

por esse, então pode ir levantando dessa

cama, mocinha. – Me puxa para a borda

da cama pelas pernas.


Eu queria passar o dia todo com

o Gonzales na cama, mas quem resiste a

um pedido desses? Me levanto e logo

me animo para aproveitar esse dia de

sol glorioso lá fora, visto o traje de

mergulho que ele arrumou para mim não

faço ideia de onde e prendo as minhas

tranças para cima.


— Estou pronta para a aula de

surf, bonitão, quero dizer, professor. –

Enfio a minha língua na sua boca, talvez

ele pondere sobre a ideia de passar o

resto do dia na cama.

— Se for uma boa aluna, yo vou

te dar uma recompensa à noite naquela

rede na varanda. Percebi que gostou


dela. –Mete a mão no meu traseiro e

balança o monte de carne macia.

— Humm! Isso quer dizer que

vamos passar outra noite quente nesse

paraíso tropical? – Meto a mão no

traseiro de volta.

Nesse relacionamento temos

direitos iguais.
— Mas é claro que sim, Carinõ.

Esse é o nosso ninho de amor agora.

Podemos fugir para cá sempre que você

quiser.

— Gostei disso, Cachorrão!

— Sabia que ia gostar, sua

safada, mas agora vamos entrar no mar

antes que yo mude de ideia e te amarre


nessa cama e no deixe sair nunca mais. –

Me puxa para fora do quarto.

— Quem chegar por último então

é mulher do padre! – Saio correndo.

— Ah volta aqui, cabrona. Me

espera! – Pega a prancha e vem atrás de

mim.

Alguma coisa me diz que o meu


dia vai ser incrível, na verdade, já está

sendo desde que abri os olhos essa

manhã.
Solange

— Tem certeza de que quer

mesmo fazer isso agora, Gonzales? –

Enxugo a testa ao sairmos do carro do

Gonzales, estou suando frio.

— Mas é claro que tenho,


Carinõ, o que foi? Está com vergonha

de mim agora? – Para de andar a alguns

passos de chegarmos à porta, cruza os

braços e fica me julgando com os olhos.

— Vergonha? – Respondo

retórica. – Já se olhou nos espelho,

Gonzales? Me poupe! Além de lindo pra

caralho, tem um coração de ouro


escondido bem aqui que eu estou

amando conhecer. – Bato o dedo sobre o

lado esquerdo do seu peito, onde o

músculo mais potente do corpo humano

bate ferozmente.

Por mim...

— No sei, Solange, ainda no

estou cem por cento certo sobre as suas


reais intenções para comigo. – Faz

charme, como se fosse uma donzela com

a honra em jogo.

Respiro fundo tentando não

gritar com ele, estico o braço e aperto a

campainha logo de uma vez.

— Está feliz agora, espanhol? –

Ele nem precisa responder, o sorriso


rasgando o seu rosto acompanhado de

um olhar de gratificação já diz tudo.

— Muito, Carinõ, agora no tem

mais volta. – Ajeita a postura tipo

macho alfa.

Em segundos Gonzales arruma o

cabelo com os dedos e fecha os

primeiros botões da camisa que estavam


abertos e desliza as mãos pelo tecido

extremamente branco da camisa na

tentativa de alinhá-lo mais do que já

está, em seguida segura a minha mão

confiante.

Conto 1... 2... 3, então a porta se

abre ao mesmo tempo que os meus olhos

se fecham sem coragem de enfrentar a


fera diante de nós.

— Por que você não atendeu as

minhas ligações, Solange? – Minha mãe

está de roupão verde água e meia calça

na cabeça, não posso esquecer das

pantufas cafonas de ursinhos nos pés.

As mãos estão apoiadas na

cintura, em sinal de alerta que as coisas


não estão nada boas para o meu lado.

— Por favor, mãe. Agora não!

Precisamos conversar com a senhora.

— Não me interrompa, mocinha!

Sabe que não me importo que durma

fora, mas tem que avisar antes, sabe que

é a regra mais importante. Quase liguei

para a polícia e ... – Para com o sermão


e paralisa quando nota a presença do

Gonzales a ponto de sair correndo a

qualquer momento de tanta vergonha.

Aposto que se tem uma coisa que

esse espanhol não tem nenhuma

experiência é lidar com sogras, muito

menos uma carne de pescoço igual a

minha mãe.
— Bom dia, dona Cátia, sua

filha estava comigo. Sei que pode

parecer muito repentino e estranho, mas

yo estou perdidamente apaixonado por

ela e quero pedir a permissão da

senhora para cortejá-la. Prometo amar,

cuidar e dar a Solange todo o respeito e

amor que merece. – Despeja tudo só de


uma vez em cima da minha mãe sem

perder o fôlego, o queixo dela

literalmente cai.

E o meu também, que mãe diria

não a um pedido desses? Puta a merda!

Estou até tremendo.

— Mas é claro, meu filho, dou

até a minha mão se você quiser. –


Apesar de ainda surpresa, minha mãe faz

piada.

Ela parece muito feliz em saber

que estamos juntos, tanto que puxa

Gonzales para um abraço apertado que

quase deixa o coitado sem ar quando

impressa a cabeça dele contra os seus

peitos fartos, igual faz comigo e o


Rafael desde pequenos.

— Vamos entrar meus amores,

vou fazer um cafezinho fresco para nós.

Tenho muitas perguntas para os dois

pombinhos, principalmente para você,

dona Solange. – Engulo em seco.

Dona Cátia vai querer saber

dessa história direitinho com cada


parágrafo, ponto e vírgula. Mas

Gonzales e eu já esperávamos por isso,

então omitimos algumas partes do nosso

passado turbulento. O que importa é

daqui para a frente.Dona Cátia achou

tudo muito romântico, a filha que era

totalmente contra a venda do bar acabou

em um romance repentino com o novo


sócio.

— Sempre senti uma energia

muito forte quando vocês dois estavam

debaixo do mesmo teto e, sinceramente,

jamais imaginaria que fosse amor e sim

que iam se matar a qualquer momento. –

Segura a mão do Gonzales e a minha. –

mas estou feliz que que seja algo


amoroso, vocês ficam tão lindos juntos.

– É como dizem por aí, mãe, os

opostos se atraem. –Sorvo um gole do

meu café fresquinho soltando aquela

fumacinha com um aroma delicioso.

— O importante disso tudo é que

eu já considerava o Gonzales como um

membro da nossa família. Então está


tudo certo, meu genro querido! – Serve o

terceiro pedaço de pudim de leite para o

“genro querido”, quando mamãe gosta

de verdade de alguém enche a pessoa de

comida.

— Obrigado, dona Cátia, para

ser sincero yo também já me

considerava da família faz tempo.


— Disso eu tenho certeza, meu

amor. – Digo irônica e aperto sua perna

debaixo da mesa, nunca vi ser humano

mais folgado.

Trocamos olhares provocadores

e sorrisos apaixonados, quando dou por

mim já estamos nos beijando na frente

da minha mãe.
Que vergonha!

- Ai que romântico, meu Deus!

Vou até tirar uma foto. – Minha mãe

quase cega nós dois com o flash da

câmera do seu celular, não acredito que

ela tirou uma foto nossa aos beijos.

— Isso é bem a cara da senhora

mesmo, mãe, ainda é capaz de fazer


cartões com a foto e mandar para a suas

amigas para anunciar que a sua filha está

namorando. – Pela a cara dela de pega

no flagra, este era de fato o seu plano.

— Você me conhece mesmo

como ninguém, filha, vou ligar para a

gráfica mais tarde. – Dá um tapinha no

meu ombro rindo. – mas vou fazer isso


mais tarde porque agora preciso ver o

que o seu irmão andou aprontando a

tarde toda enfiado naquele quarto. –

Antes de sair da cozinha ela dá uma

última olhada em nós dois e sorri

balançando a cabeça, queria ter o poder

da telepatia para descobrir.

Odeio esconder qualquer coisa


da minha mãe, apesar de não termos

contado toda a verdade para ela, é muito

bom ter a benção dela para a nossa

relação.

— Impressão minha ou você

disse a palavra “namorados”, Carinõ? –

Desenha meu lábio inferior com os

dedos.
— Saiu sem querer, então relaxa!

— Desvio o olhar com as bochechas

queimando, não quero de maneira

nenhuma que o Gonzales pense que estou

o pressionando a fazer o pedido.

— Ainda bem! Porque fiquei

com medo de você achar que estamos

namorando antes de yo fazer o pedido


oficial. – O homem fica de joelhos à

minha frente, minha mente simplesmente

para de funcionar.

— Quer fazer isso aqui e agora?

Você está brincando, não é? – Consigo

formular as perguntas, mas minha voz

saiu trêmula assim como as minhas

mãos.
— Chega de esperar! Quer

namorar comigo, Solange Almeida? –

Olha no fundo dos meus olhos, não

consigo me mexer por alguns segundos,

ele examina todas as reações do meu

rosto à espera de uma resposta.

Mas as palavras parecem ter

evaporado do meu cérebro, não consigo


acreditar que Alejandro Gonzales o

partido mais desejado da cidade do Rio

de Janeiro por todas as mulheres, está

mesmo ajoelhado na minha frente me

pedindo em namoro com os olhos

inundados do mais puro amor que já vi.

Parece até que estou sonhando e se for

não quero acordar nunca. Porque é essa


realidade que eu quero para mim pelo

resto da vida! Ao lado desse homem

incrível com todos os seus defeitos e

qualidades, que Deus mandou para a

minha vida escrevendo certo por linhas

tortas.

— É claro que aceito, Alejandro

Gonzales. – Meu sorriso é do tamanho


do mundo inteiro.

Puxo Gonzales pela a gola da

blusa tomada pela euforia e nos

beijamos de um jeito diferente, mais

romântico. Íntimo. Como que de um

minuto para o outro o que sentimos tenha

ficado mais sólido, a batida do meu

coração bate em sintonia com o dele


formando uma melodia que faz a gente

sonhar de olhos abertos. Até a sessão do

toque entre nós está diferente, agora é

possível sentir a flor da pele irradiando

por todo o corpo, sei que o meu

namorado sente o mesmo porque sorri

lindamente toda vez que me toca, toda

vez que acaricia o meu rosto.


Tudo está diferente agora,

parece até magia.

A magia do amor...

— Sabia que você é a minha

primeira namorada? – Nego com a

cabeça sem conseguir conter um sorriso

tímido. – Yo no saía com a mesma

mulher duas vezes, mas então uma


abusada apareceu e acabou com o meu

esquema. – Senta de volta e me puxa

para o seu colo e faz cosquinha em mim.

— Pois eu também não ficava

com homens brancos, mas você

apareceu e acabou com o meu esquema.

– Faço bico tentando não rir, mas não

aguento segurar e Gonzales também não.


Rimos abraçados até sair

lágrimas nos olhos, estar com o

Gonzales é sempre muito divertido, tudo

o que fala parece piada. Acho que foi

por isso que me apaixonei tão rápido

por ele.

— Sabe de uma coisa? – Nego

com a cabeça. – Yo no sei por que os


hombres pegam tanto no pé das sogras, a

minha me ama acho até mais do que a

própria filha dela. – Gaba-se.

— Ah vai se ferrar, seu

cachorrão! Você jogou baixo com aquele

pedido. Pelo amor de Deus! Quem hoje

em dia ainda usa a palavra “cortejar”? –

Passo o dedo na calda do pudim no seu


prato e Gonzales estreita os olhos

quando lambo os dedos tentando seduzi-

lo.

— No tenho culpa se sou um

hombre culto, mi amor. – Tira o meu

dedo da minha boca e lambe sem tirar os

olhos dos meus, virando o jogo, fico

molhada no mesmo instante.


Ponto para você, espanhol!

— Não começa, homem, porque

estamos na casa da minha mãe,

acabamos de ganhar a confiança dela e

não quero perdê-la. – Volto para minha

cadeira antes que as coisas saiam de

controle, ficar esfregando a minha bunda

em cima do pau duro dele estava me


deixando louca, eu não fui a única aqui a

ficar com fogo.

— Yo sei, muchacha, e falando

em família, está na hora de você

conhecer a minha. Afinal, você será

madrinha junto comigo no casamento do

meu irmão Luiz Fernando. – Ele joga as

minhas tranças para trás do ombro.


— Eu vou? – Enrugo a testa.

— Sim, a no ser que você no se

importe de yo convidar outra mujer para

ficar do meu lado no altar. – Faz o uso

de chantagem.

— Se você não tiver amor à sua

vida, vá em frente, meu bem. – Puxo a

sua orelha, não consigo imaginar


nenhuma mulher ao seu lado que não

seja eu.

— Então isso quer dizer que

você aceita, namorada?

— Claro que sim, namorado, não

perderia esse casamento por nada.

— Ótimo, namorada! Porque na

sexta-feira à noche, na casa de mi


padres, será o jantar de ensaio de

casamento dos noivos com os padrinhos

e os mais chegados, ou seja, vai

conhecer toda a família Gonzales de

uma vez só. – Sinto a empolgação vibrar

através da sua voz, tudo o que consigo

fazer é responder com um sorriso

amarelo e um frio tremendo na barriga.


Estou fodida!

Eu não sou muito boa com

sogros, e ainda vou ter que lidar com a

família gringa do meu namorado no

mesmo dia. Mas...

Se o Gonzales quer me

apresentar para toda a sua família é

porque a coisa é séria mesmo, por isso


vou me esforçar para que tudo dê certo

e ele sinta orgulho de mim.


Solange

Estou no meio da leitura de um

livro folclórico para os meus alunos

quando alguém bate na porta, peço que

as crianças fiquem em silêncio e vou

atender. Hoje os pequenos estão


agitados tanto que nem quiseram copiar

o dever do quadro, então tive que

improvisar outra coisa.

— Bom dia! Eu sou o Celso,

novo professor do quinto ano. – Estica a

mão sorridente para me cumprimentar.

Caramba! O cara que

contrataram no lugar do Roberto é um


gato. A pele escura como a noite traz

vida própria aos olhos castanhos claro

quase verdes, e esses lábios grossos

acima do queixo redondinho coberto por

uma barba rala de uma semana ou mais?

Um verdadeiro charme. Faltou pouco

para eu babar nos seus dreads longos

preso em um rabo de cavalo que vai até


o meio das costas. Ainda por cima é

estiloso, ele veste camisa com estampa

de mandalas com a gola baixa e calça

saruel preta, nos pés sandálias de couro

caramelo.

— Você está bem, Sol? – Toca o

meu braço percebendo a minha cara de

tapada diante a sua beleza riponga.


Como assim ele já sabe o meu

nome? E disse em um tom tão íntimo.

— Estou sim, professor Celso,

bem vindo à escola. – Mexo os lábios

um pouco encucada.

Ele pode ser um Deus de Ébano

pintado a pincel, mas agora só tenho

olhos para o meu espanhol safado.


Todos os outros homens não significam

nada para mim.

— Muito obrigada, linda, a

diretora me falou muito bem de você e

como somos vizinhos de corredor

resolvi passar aqui para me apresentar.

– O brilho dos dentes extremamente

brancos reflete no piercing prateado


preso na ponta da sobrancelha esquerda.

A diretora falou bem de mim?

Vai chover hoje.

— Linda e namorada do meu

irmão, então tira o olho dela, cabrón. –

Lupita se materializa entre nós dois,

seus braços estão cruzados e as

sobrancelhas grossas juntas.


— Valeu pelo aviso,

espanholinha. — Ele pisca para ela

charmosamente, mas a pequena gira os

olhos com desdém.

Essa espanholinha não dá o

braço a torcer fácil.

— No foi recado, cara. É uma

ameaça. Fique longe da Solange, ou vai


ter o mesmo destino que o professor

Roberto. – Levanta o nariz petulante,

que criança é essa meu Deus? Sou

obrigada a cobrir a boca com a mão

para disfarçar o riso.

Pelo visto Gonzales tem o seu

cão de guarda aqui na escola para me

vigiar e não é de agora, a família deles


sabem mesmo como cuidar do que é

deles. Não sei se isso é bom ou uma

possível dor de cabeça no futuro.

— Era só isso, mocinha? –

Lupita assente a contra gosto. – Ótimo!

Agora volta para a sala porque eu não

me lembro de ter dado permissão a você

para sair da sua mesa. – Enruga a testa.


— Yo vou, mas o senhor vai

também ou vou contar para a diretora

que está deixando os seus alunos

sozinhos para ficar de papo no corredor

bem no seu primeiro dia de trabalho. –

Sai puxando o professor pela a mão sem

ao menos lhe dar a oportunidade de se

despedir, eu apenas aceno de longe para


ele me divertindo com a situação

inusitada.

Celso parece ser um cara legal e

com forte personalidade, antigamente eu

diria que ele é o meu número certinho e

não iria sossegar até dar uns pegas nele,

mas depois que conheci o Gonzales

descobri que não existe isso de caras


que se encaixam nas suas expectativas e

sim alguém que vai aparecer e mudar

para sempre a maneira que vemos o

mundo. Por isso Lupita pode ficar

tranquila que não vai acontecer nada

entre mim e o novo professor dela, até

porque da última vez que tentei me

envolver com um colega de trabalho deu


merda.

Volto para a sala e continuo

lendo o livro, não é só o hiperativismo

das crianças que estou tentando

controlar com esse momento de leitura,

mas também a minha ansiedade. Hoje é

a grande noite do tal jantar na casa dos

pais do Gonzales, metade dos


convidados veio direto da Espanha só

para esse evento. Vou ficar mais perdida

do que pinto no lixo, mas como serei

madrinha dos noivos não posso me dar

ao luxo de não aparecer. Além do mais,

o meu namorado está tão animado para

me apresentar como sua namorada para

todos que não quero desapontá-lo.Ao


contrário, quero que sinta orgulho de

mim por isso quero estar linda e me

comportar como uma verdadeira dama.

— Posso ir ao banheiro, tia

Solange? – pede Eduardo esfregando

uma perninha na outra, deve estar

apertado o coitadinho.

— Pode ir, meu amor, mas vai


correndo porque estamos quase no final

da aula. – Sorrio para ele.

— Obrigada, Sol. – Sai andando

rápido com as pernas juntas como se os

pés estivessem amarrados.

— Hora de guardar os materiais,

galerinha, faltam apenas cinco minutos

para o sinal tocar. Amanhã termino de


ler a história para vocês.

— Sim senhora, professora! –

Gritam unânime.

— Desejo a todos um ótimo final

de semana e não esqueçam de fazer a

lição de casa, eu amo vocês. – Beijo a

mão e jogo na direção deles como

sempre faço no final da aula toda sexta


feira, eles fingem pegar no ar e guardar

dentro da mochila para quando

retornarem na segunda-feira um a um me

devolver o beijo na bochecha com muito

carinho.

Eu sei, meus alunos são fofos

demais!

A aula termina e estranhamente a


mãe da aluna Maria se atrasa para ir

buscar a filha pela primeira vez, todos

os outros alunos já haviam ido embora

quando a Paula apareceu.

— Olha tia Sol, minha mãe

chegou. – Maria corre em direção à

porta e abraça as pernas da mãe.

Paula parece cada vez mais


abatida a cada dia que passa, apesar dos

óculos escuros consigo ver a pontinha

de uma mancha roxa, provavelmente foi

agredida por um dos seus clientes.

Aproveito que a Maria vai pegar a

mochila na sua mesa e abordo a mãe

dela discretamente. Preciso conversar

com ela sobre o assassino em série de


prostitutas. Ela está colocando a sua

vida em risco trabalhando no calçadão e

espero de coração que me escute.

— Olá Paula, será que eu

poderia conversar com você um minuto?

– peço toda sem jeito.

— Claro que sim, professora,

aconteceu alguma coisa com a Maria? –


Se aproxima puxando para baixo a saia

curta xadrez de vermelho e preto.

Paula me fita preocupada.

— Não, Paula, mas pode

acontecer com você. Tem visto nos

jornais as últimas notícias sobre o

assassino em série de prostitutas? Ele

tem aumentado o número de vítimas a


cada semana. – Sua expressão facial se

fecha no mesmo instante. Mesmo assim

insisto na abordagem. – Será que

poderíamos tomar um café juntas para

conversarmos melhor?

— Olha, professora, tenho muito

apreço pela senhora e agradeço a

preocupação comigo. Mas com todo o


respeito, da minha vida cuido eu.– Seu

tom não chega a ser rude, mas bem

direto.

— Eu entendo, Paula, só se

cuida, por favor. A Maria precisa

crescer com a mãe do seu lado.

— E ela vai, não se preocupe.

Sei bem como cuido de mim e da minha


filha, fiz isso desde que sou que estava

grávida. – Olha para filha com ternura

enquanto uma lágrima desliza pelo o seu

rosto, existe muito amor entre essas

duas.

— Assim eu espero. – Toco o

seu ombro.

Paula é uma mulher valente, mas


me pareceu sim assustada quando falei

do assassino em série. Ela pode tentar

me enganar passando falsa confiança

para me tirar do seu pé, mas não dá para

mentir pra mentiroso. Eu também sei

como fingir ser forte, quando na verdade

estou apavorada.

— Vem, filha, vamos para a


casa. Comprei uma boneca nova para

você. – Pega Maria no colo, a pequena

olha para a mãe com tanto amor que me

faz sorrir.

—Ebaa! Tchau, tia Sol, até

segunda feira.

— Até, meu amorzinho. – Ela

acena para mim por cima do ombro da


mãe até o último segundo.

Que Deus proteja essas duas de

todo o mal e as mantenha sempre

juntas, amém!

Ainda pensativa, vou para a sala

dos professores pegar o Rafael que quis

ficar desenhando lá enquanto eu

esperava a mãe da Maria vir buscá-la.


Conforme me aproximo da porta escuto

o meu irmão conversando com alguém, o

que é muito difícil de acontecer quando

não tem costume com a pessoa.

— Eu não acredito, o que você

está fazendo aqui? – Grito ao entrar na

sala dos professores, não acreditando no

que estou vendo sentado ao lado do


Louis.

— Surpresa, sua mocreia! – Tess

levanta e vem me abraçar, falamos por

telefone hoje de manhã e essa vaca não

disse nada que tinha voltado.

— Que surpresa que nada,

mulher, a polícia sabe que você está no

Rio? Eles disseram para ficar escondida


na casa dos seus tios até pegarem o

Lucas.

— Exatamente! – Faz a dancinha

da vitória.

— Ai, meu Deus! Não acredito

que pegaram aquele filho da puta. —

Danço junto com a minha amiga, uma

conquista dessa deve ser comedora com


estilo.

— O Gonzalez me ligou ontem

para avisar da prisão daquele escroto,

então combinamos de eu fazer uma

surpresa para você e contar a notícia

pessoalmente.

— Eu dormi com aquele

espanhol sem vergonha ontem e ele não


deu nenhuma pista, vocês dois me

enganaram direitinho! – Abraço minha

amiga, agora tudo vai voltar ao normal

na vida dela.

— Nunca pensei que diria isso,

mas estou ansiosa para ver a minha

turma de pestinhas. Volto a dar aulas na

segunda-feira. – Juntas as mãos como


estivessem orando, faz tempo que não a

vejo tranquila assim.

— Isso tem que ser comemorado

com estilo, Tess, o que acha de tomar um

açaí no capricho?

— Eu topo! – Rafael joga o lápis

sobre a mesa e levanta a mão, eu gosto

de açaí, mas ele é viciado.


— Quanto o assunto é açaí, não

se convida, amiga, é só falar o local e

hora. – Mexe as sobrancelhas de um

jeito gozado.

— Eu concordo com a Tess,

então, vamos logo? – Rafael joga a

mochila nas costas e sai andando na

frente, vamos logo atrás dele rindo e


colocando as fofocas em dia.

— Amiga, me conta como estão

as coisas por aqui? Quero saber tudo

sobre você e o espanhol gostosão. – Dou

uma risadinha, estava louca para

conversar com a minha amiga

pessoalmente sobre o sonho que tenho

vivido nas últimas semanas.


— Não poderia estar melhor,

Tess, Gonzales tem se mostrado um

verdadeiro príncipe e um depravando na

cama. – Cubro o rosto envergonhada.

— Que combinação perfeita

amiga, só aproveita! – bate a mão na

minha.

Como senti saudades dessa vaca,


ter a Tess por aqui faz tudo parecer mais

bonito. Não sou uma mulher de muitos

amigos, mas os poucos que tenho são

para vida toda.


Gonzales

Quando Solange e yo chegamos

na casa de mis padres um silêncio

constrangedor se faz presente, todos os

olhos presentes pairam sobre ela e

ninguém nem respira, paralisados como


se estivessem diante de alguma

celebridade ou uma aparição

extraterrestre. Constrangida, minha

namorada olha para baixo e confere se

tem alguma coisa errada com as suas

vestes, mas está tudo certo com o

macacão preto de gola alta que está

trajando. Então, pensa que talvez o


problema esteja nas tranças, porém,

desliza a mão pelo penteado que fez em

formato de uma flor e logo percebe que

está tudo ok também. Pigarreio como se

estivesse uma bola de futebol presa na

minha garganta, minha família precisa se

tocar que estão sendo inconvenientes.

Está óbvio que estavam mais


ansiosos com a chegada da minha

namorada do que da noiva, todos aqui

conhecem a minha fama de pegador e

estão incrédulos que tomei jeito na vida.

Mas yo tomei! Por causa da mujer mais

incrível do mundo que tenho orgulho de

encher a boca e dizer que é minha.

— Já que temos a atenção de


todos, yo quero apresentar a minha

namorada Solange Almeida. – Seguro a

mão da Solange com cara de bobo

apaixonado, ela está suada e trêmula.

Todos ficam de queixo caídos,

estou começando a ficar sem graça de

verdade.

— Boa noite a todos! Prazer em


conhecê-los. – Minha garota inicia o

contato verbal, mas sua voz saiu quase

inaudível.

— Juro por Deus que não

acreditava que você fosse real,

Solange.– Camila é a primeira a criar

coragem de se aproximar de nós, minha

cunhada sempre foi curiosa demais.


Ela está diferente, cortou o

cabelo acima dos ombros e está usando

uma maquiagem mais ousada que o de

costume, somente em tons fortes e as

bochechas bem coradas igual essas

bonecas de porcelana. Yo admito que

essa metida até está bonita hoje, mas

esse vestido longo cor de pele que está


usando a deixou ainda mais baixinha do

que já é. Mais tarde comentarei isso

com ela só para deixá-la furiosa, isso

me diverte.

— Dios Santo, Camila! Nós

acabamos de chegar e já está implicando

com a minha namorada. – Entro no meu

modo protetor e agarro a cintura da


Solange e a puxo para mais perto de

mim.

Essa situação é tão

desconcertante para ela quanto para

mim. Isso é o que dá ser um galinha a

vida toda, agora ninguém me leva a

sério.

— Ah, não me enche o saco


você, cunhadinho, eu não estou

implicando com a sua namorada, ok?

Estou é admirando a beleza dela. –

Segura a mão da Solange. – Bem que a

minha sogra disse que você tem um

sorriso encantador, dá para sentir de

longe que a sua energia é positiva. –

Sorri com os olhos brilhando, Camila


acredita muito nessas baboseiras de

energia da natureza e pessoa.

Bom, pelo menos ela já gostou

da minha namorada e acho que o meu

irmão também. Porque os dois trocam

sorrisos de longe como se a Solange

tivesse sido aprovada. Luiz Fernando

também está todo elegante de blusa


social azul e calça preta, ele não é de

beber muito, mas segura taça de vinho

na mão, acho que é para acalmar a

ansiedade de saber que faltam poucos

dias para o casamento.

— Você que é linda e simpática,

Camila, muito obrigada por me convidar

para o jantar de ensaio do seu


casamento.

Solange sorri nervosa, é difícil

interagir com alguém que acabou de

conhecer com todas as pessoas

presentes no evento com os olhos sobre

ela desde que chegamos.Os convidados

não param de cochichar entre si, mas no

posso julgá-los. No tem como entrar em


um lugar com uma mujer maravilhosa

como a Sol, toda cheia de estilo e querer

que ninguém note a sua presença. Só

esse monte de tatuagem dela já é muito

instigante, antes yo achava estranho,

agora acho a coisa mais sexy do mundo.

— Eu que agradeço por ter

vindo, estou tão feliz que vai ser a minha


madrinha. – As duas se abraçam como

se fossemos íntimas há anos.

— Com licença, mi amor, agora

é a minha vez de cumprimentar a minha

cunhada. Prazer, yo soy Luiz Fernando. –

Meu irmão mostra um sorriso no rosto,

mas tímido.

— O prazer é todo meu, Luiz


Fernando. Você e a Camila fazem um

lindo casal. – Sol ergue a mão para ele,

que aperta firme.

Luiz Fernando faz sinal com a

cabeça para mim como um “gostei

dela”, mostro os dentes todo orgulhoso.

— Assim como você e o

Alejandro, bela chica. – Mi padre


aparece com um charuto cubano no canto

da boca.

— Então, Solange, esse é mi

padre Antônio Gonzales.

— Prazer, senhor Antônio, seu

filho sempre fala maravilhas ao seu

respeito e da sua esposa. – Ergue a mão

para cumprimentá-lo igual fez com o


meu irmão, mas mi papá passa direto e

envolve o seu corpo com os braços e a

ergue do chão e fica balançando a

coitada no ar.

Quase morro de vergonha!

— Coloca a nossa nora no chão,

Antônio, no queremos assustar a moça

logo na primeira visita na nossa casa. –


Mi madre vem ao nosso socorro. Graças

a Dios!

— Oi, Carmem, é muito bom ver

a senhora novamente. A sua casa é

realmente linda.

— Bom ver você também, mi

amor. E a sua madre como está? Estou

louca para conhecê-la também, Gonzáles


gosta muito dela. – Enche o rosto da

Solange de beijos.

Nós espanhóis de raiz somos

assim mesmo, gostamos de saudações

acaloradas.

— Acho que vocês duas vão se

dar muito bem, minha mãe é um amor de

pessoa assim como a senhora. – Solange


elogia sinceramente.

— Você que é um amor, querida.

– Mamá aperta a bochecha da Sol.

— E a Lupita, onde está? –

Pergunta Solange, talvez para quebrar o

gelo.

Mas de fato, ainda no vi aquela

pestinha desde que chegamos.


— Yo estou aqui, Sol! – Acena

do topo da escada e ao invés de descer

os degraus como uma pessoa normal,

deslizar pelo corrimão até o primeiro

andar com o seu vestido rosa pomposo,

tenho certeza de que nossa madre a

subornou para que usasse.

Lupita jamais usaria cor de rosa


e anáguas por vontade própria e de

graça, não mesmo! Deve ter rolado uma

grana alta atrás disso, afinal, saber

negociar é o maior dom dessa

malandrinha.

— Oi, baixinha, acredita que já

estava com saudades suas? –Solange se

inclina para falar com a Lupita, que se


pendura no pescoço da Solange.

As duas se deram bem desde o

primeiro dia que se viram, ambas tem

uma personalidade do cão, deve ser

isso.

— Yo também senti saudades,

Solange, já contou ao meu irmão sobre o

novo professor bonitão da escola? –


Lupita semicerra os olhos na direção da

minha namorada.

Mas que porra é essa de novo

professor bonitão?

— Novo professor bonitão é,

Carinõ? – Uma ruga se forma no meio

da minha testa, aperto sua mão um pouco

mais forte para que ela perceba o quanto


estou puto.

— Sim, querido, mas não é o

momento certo para falar sobre isso. –

Me fuzila com o olhar, respiro fundo e

esqueço esse assunto por enquanto.

— Você está certa, querida!Acho

que esse é o momento certo de você

conhecer os outros membros da minha


família, afinal, agora faz parte dela. –

Lhe ofereço o meu braço. – Vem comigo,

yo vou te exibir para todos os

convidados. – Ela assente com prazer.

Saímos de braços dados em um tour

pelo evento, faço questão de apresentá-

la para cada um dos convidados tanto do

lado do noivo quanto da noiva. Alguns


primos meus vindo da Espanha ousaram

ficar de olho na minha namorada e o

meu sangue ferveu sei que assim como

yo são loucos pelas as brasileiras, mas

espero que mantenham distância da

minha.

— Gonzales saliendo? Pensé

que ese día nunca llegaría. – A chata da


tia Soledade faz um comentário maldoso

e fita minha namorada dos pés à cabeça,

ela sempre quis que os filhos e

sobrinhos se casassem com mujeres da

mesma cultura que a nossa.

Solange sorri educada para

minha tia sem fazer a mínima ideia do

que ela acabou de falar, está nervosa


demais para falar português, imagina

entender outro idioma? Parece

totalmente perdida no meio desse monte

de gente falando em espanhol ao mesmo

tempo, rápido e sem fazer nenhum uso

de vírgula.

Mas a Sol percebe que algo está

errado, porque dá um passo para trás e


volta a segurar a minha mão, acho que

isso a faz segura para enfrentar esse

bando de gente louca.

— Yo também pensei que nunca

tomaria jeito na vida,tia, mas se demorei

todo esse tempo para encontrar alguém é

porque estava esperando a mujer certa

aparecer. – Beijo a mão da Solange.


— Verdade, mi hijo, pelo menos

bom gosto você tem, escolheu uma chica

mui hermosa. Pena que isso no vai

durar muito tempo, no dou nem um mês,

conheço bem o sobrinho que tenho. –

Debochada, sorve um gole do seu

espumante.

— Desculpa a sinceridade,
senhora. Mas se pensa isso a respeito do

seu sobrinho, é porque não o conhece de

verdade. Ele é um homem bastante

determinado quando quer uma coisa. –

Minha garota pisca para mim.

Coitada da minha tia! Vai

precisar de muito mais alfinetadas

maldosas como essa para abalar com a


Solange.

— É o que veremos, chica! –

Resmunga desafiadora.

— Soledade! No assuste a minha

nora, por favor. Solange entrou na nossa

família para ficar, então é melhor ir se

acostumando com a presença dela por

aqui. – Mi madre coloca a irmã no lugar


dela.

— Isso então significa que o

próximo casamento dessa família será o

do Gonzales, tia Carmem? –John já

chega implicando comigo, se no for

assim não é amizade verdadeira.

Ele e a esposa Yudiana

acabaram de chegar, mas os filhos não


vieram com eles, devem ter ficado em

casa. Os dois também serão padrinhos

de casamento do Luiz Fernando, John

sempre o tratou como se fosse o seu

irmão caçula. E a Lupita então nem se

fala, sempre faltou dar o mundo para

aquela peste e ela sabe muito bem se

aproveitar da bondade infinita do tio


John que no mudou nem depois que teve

os seus próprios filhos.

— Assim yo espero, querido,

ver o seu amigo muito bem casado assim

como você. – Abraça John de maneira

maternal, para mi madre ele é um dos

seus filhos.

— A senhora sempre tão gentil,


Carmem. – Yudiana beija o seu rosto, as

duas se dão mais que bem.

— A conversa está muito boa,

mas o jantar está pronto, gente. –

Anuncia Camila e vamos para o salão de

festas da casa, a maluca organizou um

banquete para os convidados.

Isso porque é só um ensaio,


imagina no dia do casamento o que essa

mujer vai aprontar.

— Alejandro Gonzales

namorando? Quem diria! – John me

prende pelo pescoço e bagunça o meu

cabelo. – Nossas mujeres foram na

frente em um papo ferrado com a noiva e

mi madre.
— No começa, John, porque

quando você se apaixonou pela Yudiana

yo no fiquei te zoando. – Meu amigo me

olha torto. – Tá bom cara, só um

pouquinho. – Confesso rindo.

— Você me apelidou de “trouxa

apaixonado” e “pau de uma boceta só”

entre outras coisas que prefiro não


comentar. – Mexe a cabeça e ri como se

lembrasse dessa época, onde teve que

enfrentar todos os seus medos por amor.

— Yo no faço ideia do que você

está falando, John. – Minto

descaradamente fingindo indignação.

— O que as duas moças estão

fofocando, hein? – Luiz Fernando passa


um braço no meu ombro e o outro no do

John, o tempo passou e nem vi quando

esse moleque se tornou esse homem

incrível.

— Sobre a sua despedida de

solteiro, irmãozinho, achou mesmo que

eu e o Gonzales deixaríamos passar em

branco? – John bagunça o cabelo dele


também fazendo um emaranhado de

cachos sobre o rosto do Nando.

— Ah no, John! Camila e yo

combinamos de no fazer despedidas de

solteiro, pensamos em jantar juntos no

nosso último dias antes do casamento.

No é romântico? – Suspira apaixonado.

John e yo nos entreolhamos.


— Vai se foder, Nando! Isso é

problema seu. Resolve com a Camila,

terão o resto da vida para jantarem

juntos. Vai ter despedida de solteiro sim

e se no aparecer, a gente te sequestra. –

Ameaço de verdade.

— E eu assino em baixo! Se der

para trás, vai ter que arcar com as


consequências. – Completa John.

Luiz Fernando engole em seco,

sabe quando no estamos brincando.

— Haha! No podem me obrigar,

vou contar tudo para mi padre. – Tenta

argumentar como fazia quando éramos

pequenos e John e yo tentávamos enfiá-

lonas nossas enrascadas.


— Boa sorte, cabrón! A ideia da

despedida de solteiro foi do nosso

padre. – Revelo debochado.

Em vez de ficar bravo, Luiz

Fernando acha graça. Esse rapaz vale

ouro e merece que o seu último dia de

solteiro seja inesquecível. E vai ser, yo

garanto.
Solange

Depois do jantar os homens

foram jogar pôquer no escritório e

encherem a cara de uísque, enquanto as

mulheres na sala de visitas – onde

deveria ser servido o chá –, na verdade,


até agora o que passou por aqui foram

duas rodadas de shots de tequila e uma

de caipirinha. Agora está rolando um

rodízio de drinques que só eu já bebi

uns cinco diferentes. Estou com a cabeça

até rodando, mas o meu espanhol está

saindo que é uma maravilha, bem que

falam que o álcool te faz falar qualquer


idioma. Também estou mais calma agora

porque a Yudiana sentou perto de mim

no amplo sofá vermelho, me dando

suporte com esse bando de mulheres

tagarelas, elas não param de me fazer

perguntas sobre a minha relação com o

Gonzales. Teve uma prima dele de

segundo grau que insistiu na hipótese de


que sou uma namorada de aluguel

contratada para ser apresentada para

toda a família no casamento do irmão,

tipo esses filmes clichês e tinha certeza

de que depois da cerimônia nunca mais

me veriam, fui obrigada a rir na cara da

moça.

É incrível como não levam o


Gonzales a sério, isso é bem feito para

esse cachorrão que comia uma mulher

diferente todo dia. Não podia ver um

rabo de saia que corria atrás.

— Então, Solange, porque não

conte para nós como você e o Gonzales

se conheceram? – Camila pega o meu

copo vazio e me entrega outro drink


amarelo enfeitado com uma rodela de

laranja e uma mini sombrinha vermelha,

sorvo um gole generoso enquanto a

noiva coloca as mãos no queixo e fica

me encarando como se eu fosse a estrela

desse jantar e não ela.

Camila é uma moça muito linda e

gentil, tem a delicadeza de uma flor e


com certeza vai ficar uma noiva perfeita.

— Eu acho que chega de fazer

perguntas para a Solange, coitada!

Vamos colocar uma música para animar

um pouco, quem topa? – Yudiana entra

na conversa me salva mais uma vez,

sorrio para ela aliviada.

Essa mulher é incrível! Sua


história é de pura superação e força,

mas depois que conheceu o bonitão do

Juiz Thompson vive um final de feliz

eterno. Caramba! Se o Gonzales tem

uma beleza quente, a do John é mais

culta, sabe? O tipo que vai de terno até

na padaria. Fora que ele é a cara

daquele ator divino que faz o Superman,


o Henry Cavill. Ao lado da Yudiana, que

é um mulherão da porra com esse

corpão violão, o tom da pele caramelo

provocante e o cabelo cumprido preto

lisinho natural que vai abaixo da bunda,

realmente parece uma índia como todos

dizem, forma um casal perfeito, aquele

que todo mundo fica olhando o tempo


todo para saber se são de verdade

mesmo ou só uma miragem porque não

dá para acreditar em tanta perfeição

juntas.

— Yo adorei a ideia, vou pegar a

caixa de CDs. – Minha sogra coloca um

som bem animado da terra dela e a

mulherada começa a dançar feito


malucas com a bebida na mão, acho que

é o álcool fazendo efeito.

Ainda bem que tiraram o foco de

mim, oh glória!

— Te devo mais essa, Yudi. –

Apoio a cabeça no seu ombro e

agradeço aliviada.

— Que isso, mulher! Não


precisa agradecer, já estive no seu lugar

antes quando conheci a família do John.

Eles faltaram pouco para perguntar a cor

da minha calcinha. – Os lábios grossos

avermelhados se contorcem em uma

risada divertida.

— Minha nossa! Eu nem estou

usando calcinha, esse macacão marca


muito. – Digo e ela ri muito alto com a

mão na boca e eu também, acho que nós

duas exageramos no álcool.

— Você já foi dançarina, não é,

Yudi? Vem ensinar alguns passinhos

para nós. – Pede Camila fazendo

biquinho.

— Mas é claro, Camilinha! Bora


lá, Solange, é hora de botar para

quebrar. – Ergue a saia longa de

lantejoulas prateada e dá uma rebolada

até o chão.

A partir daí foi só bebida e

diversão, fazia muito tempo que eu não

ria tanto. Quando fomos embora já era

tarde, Gonzales não bebeu muito porque


ia dirigir. Nos despedimos de todos e

colocamos o pé na estrada, entrei na

casa dos meus sogros uma completa

estranha e saí íntima de todos, até a tia

implicante do Gonzales se rendeu ao

meu charme e disse que se o sobrinho

me perder ele é um completo idiota.

Concordo plenamente com ela!


—Você não quer entrar um

pouco, Cachorrão? A essa hora a minha

mãe e o Rafa já estão no quinto sono e a

casa é toda nossa. – Faço a proposta

indecente.

Acho que é o álcool trabalhando

no meu sangue, não estou com um pingo

de sono, mas sim um fogo no rabo


absurdo. Tenho que dar gostoso para

esse espanhol e tem que ser agora.

— No precisa nem perguntar

duas vezes, Carinõ! – Se anima

rapidinho.

Entramos na minha casa nos

agarrando loucamente, Gonzales usa o

pé para fechar a porta atrás de nós. Com


facilidade ele me ergue do chão com as

mãos cravadas na minha bunda.

Protagonizamos um beijo bem quente

com língua rolando para todo lado, uma

putaria que só.

— Mais que pouca vergonha é

essa, Solange Almeida? – Alguém

acende a luz.
Ficamos paralisados ao perceber

que não estamos sozinhos, na verdade

estamos muito bem acompanhados. Pulo

do colo do Gonzales no mesmo instante

ajeitando a roupa morta de vergonha.

— A benção, bisa, que surpresa

ver a senhora aqui. – Baixo a cabeça em

sinal de respeito, agora a cobra vai


fumar nessa sala.

A bisa não responde nada,

apenas nos examina por cima dos óculos

de grau de armação arredondada. Minha

bisavó é mãe da minha avó por parte

materna, ela parece esses personagens

de desenho animado: usa roupas

distintas sempre no mesmo estilo como


sua coleção de vestidos floridos, um

chale branco nas costas e as sapatilhas

pretas nos pés. O cabelo é curto todo

cacheadinho branco igual neve e não

larga a sua bengala de madeira que até

brilha de tão envernizada nem para ir ao

banheiro, essa velhinha é uma

verdadeira fofura. Mas não se engane


pela aparência! De baixo dessa casca

inofensiva habita uma onça braba que só

Jesus na causa.

— Yo no sabia que você tinha

bisavó, Sol. Prazer em conhecê-la

senhora, sou Alejandro Gonzales.

— Eu não estou nem aí para

quem você é, branquelo, tira a mão da


minha neta seu tarado ou enfio a minha

bengala no seu rabo. – Ataca Gonzales

ferindo golpes nas costas dele, o

primeiro encontro dos dois está sendo

pior do que eu pensei.

Tento apartar a briga antes que a

minha bisavó de quase noventa anos

mate o meu namorado bem na minha


frente, sempre diz que na idade dela não

tem nada a perder porque não duraria

um ano na prisão. O que eu duvido

muito, porque é bem capaz de ela

dominar todo mundo por lá e viver anos

a fio mandando até nos policiais.

— Pare com isso, bisa! Mãe, me

ajuda, por favor! – Peço reforço já que


não consegui acalmar a fera sozinha.

— Mas o que está acontecendo

aqui, posso saber? Pensei que a senhora

estivesse dormindo, vovó – Minha mãe

aparece assustada com a cara toda

amassada de sono, coitada, ela fecha o

roupão de seda com as mãos, veio

correndo.
— O que está acontecendo aqui,

Cátia, é que a sua filha estava se

atracando com esse desbotado, não

sabia que a Solange se envolvia com

esse tipo de gente. – Cruza os braços e

encara a minha mãe à espera de uma

satisfação, fico sem saber onde enfiar a

cara de tanta vergonha.


Sabia que quando a bisa conhecesse o

Gonzales daria o show dela, nunca vai

aceitar a entrada de uma pessoa branca

na nossa família, muito menos através da

sua única bisneta favorita. A história dos

nossos ancestrais é regada de muito

sangue e dor, eles eram de família nobre

na África e foram caçados feito animais,


jogados em um navio negreiro e trazidos

para o Brasil para serem usados e

humilhados de todas as formas

possíveis. Minha bisavó conta que o avô

dela chegou a pegar boa parte da

escravidão, as costas dele era toda

marcada de chicotadas e os pulsos

fundos de tanto ficar pendurado com os


braços para cima, suportando o peso do

próprio corpo por semanas no sol quente

sem comer ou beber nada. Tenho

vontade de chorar toda vez que lembro

dessa triste história.

Mas o avô da bisa sobreviveu, e

ainda assim perdoou todas as pessoas

que fizeram isso com ele. Era um homem


nobre e não tinha espaço para rancor no

seu coração.Mas a minha bisavó não,

ela é rancorosa. Por isso faz tanta

questão que toda a linhagem da família

dela seja de afrodescendentes.

— Olha aqui, vovó Tereza, a

senhora apareceu aqui em casa de

surpresa e é muito bem vinda como


sempre. Mas peço, por favor, que

respeite a minha filha e o namorado

dela. Gonzales é um homem incrível e

gentil, então tanto faz se ele é branco,

preto, amarelo, vermelho ou um arco-

íris abundante. Se ele fizer a minha filha

feliz já está ótimo para mim. – Fala

curta e grossa, encho o peito de ar


orgulhosa da resposta da minha mãe.

Toma essa, bisa!

— Namorado? Você só pode

estar brincando, Cátia, sabe

perfeitamente que as mulheres da nossa

família não se relacionam amorosamente

com homens brancos.Ainda mais igual a

esse daí com cara de cu enrugado. – Diz


muito séria, em vez de ficar zangado,

Gonzales solta uma gargalhada que ecoa

pela a sala.

— Yo adorei a sua bisavó,

Solange! Ela é engraçada. – Limpa as

lágrimas saindo do canto dos olhos de

tanto rir, e eu com medo de ele ficar

ofendido com os comentários racistas da


bisa.

— Uma graça é o seu rabo, cara.

Não ri de mim não ou te quebro na

porrada de novo. – Ameaça malcriada, é

preciso minha mãe para segurá-la ou o

pau vai comer solto novamente.

— Olha a boca, vovó. Já chega!

Que boca suja é essa? – Minha mãe


chama a atenção dela.

— Ah vai tomar no cu você

também, Cátia. Não me enche o saco! E

tira esse branquelo da minha frente antes

que eu chute a bunda dele. – Resmunga e

o Gonzales tem um ataque de risos

daquele de levar as mãos na barriga e

jogar a cabeça para trás.


Se a minha boca é suja, a da

minha bisa é um aterro sanitário.

Digamos que ela é uma versão bem

parecida da Dercy Gonçalves, só que

pretinha linda e mais mal-humorada.

Essa mulher é porreta, fala o que vem na

cabeça e foda-se o resto. Apesar de ser

um pouco rude na maioria das vezes, eu


a amo demais. Pelo menos não finge

simpatia para agradar ninguém. Por pior

que seja, devemos sempre mostrar a

nossa verdadeira face.

— Agora eu sei como você vai

ficar depois dos noventa anos, Solange,

e que Deus me ajude se yo estiver vivo

até lá! – Gonzales não consegue parar de


rir, está com o rosto todo vermelho.

— Cala boca, Gonzales, acho

melhor você ir embora. – Cato o seu

braço e saio puxando para fora de casa.

– Beijo, meninas! Foi um prazer

conhecer a senhora, bisa, buenas

noches. – Ele se despede antes de

sairmos.
— Ah, vai se foder, branquelo,

vê se me erra e vai aprender português

direito. Se me chamar de bisa de novo

arranco esse seu pinto murcho com os

dentes. – Não preciso olhar para trás

para saber que ela está fazendo o dedo

do meio nas costas do Gonzales nas

duas mãos.
— Mil desculpas por isso,

Gonzales, eu não fazia ideia de que a

minha bisavó estava aqui em casa, ela

sempre aparece de surpresa. Queria ter

te preparado melhor para conhecê-la,

mas não deu tempo. – Bufo enquanto

caminhamos até o carro dele.

— No precisa se desculpar, yo
adorei ela. É divertida. – Entrelaça os

dedos entre os meus e beija o meu rosto.

— Ela é racista, Gonzales, isso

sim!

— Olha quem está falando,

esqueceu que quando nos conhecemos

naquela boate você disse petulante que

só ficava com hombres da mesma etnia


que a sua e de preferência da mesma

nacionalidade? – Joga na minha cara,

sabia que só estava aguardando o

momento certo para fazer isso.

— Lembro. Mas é diferente,

Gonzales. É questão de gosto, não

racismo. – Dou de ombros.

— Sei... – Mexe a boca em uma


mistura de deboche com ironia.

— Enfim, Alejandro! Sabe que a

minha bisa nunca vai aceitar o nosso

relacionamento, não é?

— Fala de novo, por favor? –

Pede em um tom manhoso, me puxa pela

a cintura e envolve os braços em volta

do meu corpo.
— Que minha bisavó nunca vai

aceitar o nosso relacionamento? – apoio

os braços no ombro dele.

— No, Carinõ, a parte quando

diz o meu nome. Fica tão sexy na sua

voz – Dá um sorriso torto sacana.

— Sério mesmo, Alejandro? –

Aproximo a boca bem próxima do seu


ouvido.

— Nossa! Assim você me deixa

doido, mujer. – Ele me encosta contra o

seu jipe preto e me beija com o mesmo

fogo de antes de sermos pego no flagra

pela a bisa – Por que no vem para a

minha casa comigo? – pede dengoso

enquanto espalha mordidinhas no meu


ombro.

Eu amaria ir para a casa dele,

mas com a bisa em casa não posso

deixar a minha mãe ter que lidar com ela

sozinha, puta da vida porque dormi fora

“com o meu namora branco” que

acabou de conhecer e já entrou para o

número um na sua lista do rancor.


— Eu queria muito, mas é

melhor não. Preciso ficar e acalmar a

minha bisa ou ela não vai deixar

ninguém dormir nessa casa hoje. – Deito

minha cabeça no seu peito e acrescento.

– Ela deve estar muito zangada comigo

por ser a primeira mulher da família a se

envolver com um branquelo azedo e


ainda por cima metido a besta. – Rio,

mas é de nervoso.

— Então quer dizer que você

nunca ficou mesmo com um homem

branco antes, Solange?

— Não, mas com negros bem

tenho uma lista de dois quarteirões para

te mostrar. – Provoco e ele trinca os


dentes enfurecido.

— Duvido que seja páreo para a

lista de mujeres que já peguei, Solzinha,

deve ser o suficiente para dar a volta em

um continente inteiro. – Ergue o canto da

boca vaidoso. – Duas voltas, quero

dizer. – Dá uma risadinha.

— Eu nem vou te falar nada,


Gonzales. – Me afasto puta da vida. –

Tenha um boa noite! – O empurro até a

porta do carro no lado do motorista.

— No vai rolar nem um beijinho

de despedida, Carinõ? – Me puxa pela

mão, faço charme, mas acabo indo.

— Não sei, espanhol, vou pensar

no seu caso. – Cubro os seus lábios com


os meus dedos.

— Bom, já que você no quer me

dar um beijo, yo roubo. – Enfia a língua

na minha boca de repente e eu

correspondo mais que depressa, uma

chuva fininha começa a cair de mansinho

sobre nós.

— Sabia que eu sempre tive a


fantasia sexual de fazer sexo no capô de

um carro e debaixo da chuva,

Alejandro?

— Humm... Então esse é o

momento certo para realizá-la. – Volta a

me beijar com mais saliência.

— Se não pararem com essa

pouca vergonha aí em baixo, Solange, eu


vou chamar a polícia por atentado ao

pudor. – Grita a bisavó pela janela do

meu quarto, Gonzales interrompe o beijo

com um riso.

— Acho melhor yo ir embora

antes que a polícia chegue, buenas

noches, mi amor. – Ameaça me beijar,

mas para na metade do caminho. – Ela


ainda está nos observando? – Assinto

rindo também.

— A gente se vê amanhã,

Gonzales, tenha bons sonhos!

Acaricio o seu rosto com

carinho.

— Yo terei, Carinõ, com você. –

Joga um beijo para mim e se vai


sorrindo.

Cruzo os braços debaixo da

chuva fina e observo o carro do

Gonzales até sumir do meu ponto de

visão, todo dia esse homem aparece com

um veículo importado diferente. A

verdade é que ele mal se foi e já estou

morrendo de saudades como se não o


visse por uma década inteira.

— Sai da chuva, Solange, quer

mesmo ficar doente por causa daquele

paspalho? – Ouço a bisa chamar a

atenção da janela, gritando a essa hora

da noite sem medo de acordar os

vizinhos.

Ninguém merece!
— Já estou indo, bisa! – Giro os

olhos.

Pelo jeito a bisa se instalou no

meu quarto para me vigiar mais de

perto, ela não vai sossegar até conseguir

me ver longe do Gonzales.


Gonzales

Depois de um final de semana

incrível com a minha namorada com ela

sendo obrigada a fugir da bisa

maluquinha dela para se encontrar

comigo na minha casa, a segunda-feira


chega com tudo. Olho para a pilha

enorme de relatórios sobre a minha

mesa e suspiro profundamente, tudo o

que yo queria é passar o dia inteiro com

a minha Solange, mas preciso ler e

assinar todos esses documentos ainda

hoje. Após a volta dessa mujer para a

minha vida que no faço mais nada além


de ficar correndo atrás dela feito um

louco. Devido a isso acumulou muito

trabalho, então serei obrigado a

trabalhar em dobro para dar conta.

— Chegaram mais esses

relatórios para o senhor analisar, chefe.

– Minha secretária traz mais uma pilha

de pastas.
— Obrigado, Carina, pode me

trazer um café bem forte, por favor?

Hoje o dia vai ser longo e cansativo.

— Como quiser, senhor, deseja

mais alguma coisa? – Pega a caderneta e

caneta no bolso do paletó do terninho

azul pronta para anotar.

— Que no deixe ninguém me


incomodar hoje, no saio dessa empresa

enquanto no analisar todos esses

relatórios.

— Não vou deixar que ninguém

passe por essa porta, chefe. Prometo! –

Garante confiante e vai embora

ajeitando alguns fios loiros do seu

cabelo preso em um rabo de cavalo.


Menos de um minuto depois...

— Então quer dizer que você e a

xoxota de ouro se acertaram de vez? –

Promotor Pedro entra no meu escritório

desfilando sem ao menos bater na porta

antes, que abusado.

O que esse mala está fazendo

aqui, Dios mio? No estou com tempo


nem paciência para as piadinhas sem

graça dele hoje.

— Sim, nós estamos juntos.

Aposto que foi o Thompson que passou

a notícia para você.

— O próprio! – Se joga na

cadeira na frente da minha mesa

totalmente à vontade.
— Posso saber o porquê deu o

ar da graça no meu local de trabalho,

promotor Pedro? – Pergunto sem parar

de ler o meu relatório, espero que a

ficha dele caia e vá embora logo.

— Pode ficar tranquilo que não é

para falar da sua namoradinha, hoje sou

eu que preciso desabafar com alguém. –


Coça a nuca em um suspiro profundo.

— E yo com isso, Pedro? –

Arqueio a sobrancelha.

— Nossa, Gonzales, é assim que

trata os seus amigos? – Dramatiza.

— Yo no sou seu amigo, hombre

de Dios, no delira.

— Que espanhol sem coração,


fiquei até magoado agora. – Coloca a

mão no peito fingindo estar chorando.

— Yo até tenho, mas ele já tem

dona. Então, cai fora. – Aponto na

direção da porta.

— Ah vai se ferrar cara, eu

devia ter procurado o Thompson para

desabafar. – Resmunga.
— Também acho, quer que yo

ligue para ele para você? – Tiro o

telefone do gancho.

Pedro pega um bloco de notas

sobre a minha mesa e joga na minha

cara, no sei por que tanta violência.

— Maldición! Fala logo, porra!

Depois vai embora. No tenho o dia todo


– Marco a página do relatório que

estava lendo na gaveta, enquanto yo no

ouvir esse cara ele no vai me deixar em

paz.

— Valeu, irmão, não sei mais o

que fazer com um caso que estou

trabalhando. Ele está acabando comigo.

– Desvia o olhar, sua postura muda


drasticamente de divertida para tensa.

— Já pensou em procurar uma

psicóloga? Mi madre é uma das boas se

quiser te passo o número dela... – Paro

de falar quando ele me fuzila com o

olhar. – Desculpe, Pedro, prossiga. –

Peço em um pigarreio.

Ajeito as costas na cadeira sem


paciência, alguma coisa me diz que essa

conversa vai ser longa.

— Estou trabalhando junto com

o juiz Thompson e a inteligência

especial na investigação sobre os

assassinatos das prostitutas e

sinceramente, não sei se vamos

conseguir pegar esse cara. Ele é bom no


que faz. Muito bom. Inteligente demais e

hábil como uma raposa. Quando

pensamos que estamos chegando perto, o

filho da puta ataca novamente. – Afrouxa

o nó da gravata com o rosto tomado

pelas marcas do tormento, ele realmente

precisa desabafar com alguém.

— Yo no imaginava que a coisa


fosse tão séria, Pedro, no tenho

acompanhado muito as notícias sobre

esse caso.

— A polícia tem escondido

muita coisa da mídia, principalmente o

número de vítimas. Ontem mesmo

achamos outro corpo e não saiu nada nos

jornais. – Bate a mão fechada em punho


sobre a mesa extravasando a sua fúria,

sua pele está avermelhada parecendo

uma bomba prestes a explodir.

— Vocês pelo menos

conseguiram identificar a vítima?

— Sim, Gonzales. Ela morava

nas ruas, só tinha dezesseis anos e já

trabalhava na prostituição para suprir o


vício em drogas. – Baixa o olhar e faz

uma pausa.

— Dezesseis anos? Por Dios!

Que triste.

– O nome dela era Bruna,

cresceu em uma família desestruturada e

sofreu abuso do pai e do tio por pelo

menos a metade da sua vida, foi por isso


que fugiu de casa e foi morar nas ruas.

— Faz uma pausa e esfrega os olhos

como se quisesse conter as lágrimas.

—E onde estava a madre dessa

chica no meio dessa história toda?

—Em qualquer lugar menos

cuidando da filha, quando fomos avisá-

la da morte dela a encontramos


totalmente embriagada e apenas sorriu e

disse:

“Bem que aquela putinha

sempre dizia que não chegaria aos

dezessete anos, mas eu não vou arcar

com as despesas do velório. Se

quiserem podem enterrar como

indigente, eu não estou nem aí.”


— Mas que putana! – Xingo,

agora entendo toda a raiva do Pedro.

Essa pobre garota veio ao mundo

apenas para sofrer, espero que esteja em

um lugar melhor agora. Mas creio que

isso não seja possível até que o

assassino dela seja pego e pague no

somente pelo seu assassinato, mas


também de todas as outras mujeres que

ele tirou a vida.

— Sei que não é certo um

promotor se envolver emocionalmente

com uma caso, mas o jeito que essa

menina viveu e morreu foi desumano.

Não posso deixar que ela seja enterrada

como indigente, por isso vou pagar


todos os custos para que ela tenha um

velório decente mesmo que só eu esteja

presente para me despedir.

Agora tudo faz sentido, Pedro

veio falar comigo e não com o

Thompson porque eles estão trabalhando

nisso juntos com a polícia e no queria

expor o quanto está envolvido com o


caso dessa garota.

— No vai ser o único presente

no velório meu amigo, porque yo estarei

lá com você e faço questão de ajudar

nas despesas. – Levanto e pego o meu

paletó nas costas da cadeira, visto e saio

andando, mas o Pedro continua sentado

com a cara de sonso dele.


— Você vem ou no, cabrón? Já

disse, no tenho o dia todo – Grito já do

corredor.

— E depois ainda diz que não é

meu amigo, hein, espanhol? Sabia que

me amava. – Vem correndo atrás de mim

e agarra o meu pescoço, agora que esse

mala no vai me deixar em paz mesmo.


Mas sou obrigado a admitir que

a sua atitude em relação a morte da

jovem é muito nobre, poucos fariam o

mesmo no lugar dele. Por isso no

poderia deixá-lo sozinho nessa, mesmo

o Pedro sendo um pé no saco. Fizemos

questão de passar em uma floricultura e

comprar flores para levar para a Bruna,


pensamos que provavelmente ela nunca

ganhou uma única rosa em vida, então

compramos um arranjo com dezenas

delas.

Deu um pouco de trabalho, mas

conseguimos um padre para fazer a

missa só conosco dois presentes no

velório. Yo só vi o caixão de longe no


tive coragem de ver a garota e saber de

tudo o que essa coitada passou na vida,

mas o Pedro ficou ao lado dela a todo

momento e fez um discurso no improviso

que me deixou emocionado.

“Infelizmente não tive a

oportunidade de conhecer a Bruna com

vida, mas o pouco que pesquisei sobre


ela descobri que era uma menina linda

de olhos verdes tristes que não

conheceu nada desse mundo além de

dor e sofrimento. A família que deveria

tê-la protegido de todo mal do mundo

foi a primeira a feri-la e mesmo depois

da morte viraram as costas para ela,

assim como essa sociedade cruel que


não fez nada para ajudar essa pobre

garota a sair da lama em que a

jogaram. Ao contrário, usaram o seu

corpo até ela achar nas drogas uma

saída para toda a sua dor. Sinto muito

por eu ter chegado tarde demais e não

ter te mostrado que existem muitos

outros bons caminhos, com pessoas


boas de verdade.

Mas essa história não acaba

aqui porque eu, o Promotor Pedro

Alcântara, juro que não vou desistir até

pegar esse assassino e fazer justiça

pela memória da Bruna e de todas as

outras garotas mortas. Algumas

pessoas são honradas em vida, outras


infelizmente só depois da morte.”

E assim ele concluiu com os

olhos lacrimejantes, até o padre ficou

tocado com as suas palavras. No final

da missa, ajudamos o pessoal da

funerária a carregar o caixão e só fomos

embora depois do enterro, ficamos com

a Bruna até o último segundo. Yo que no


gosto de velórios já participei de três e

o ano mal começou.

— Valeu pela força, irmão, eu

estava errado quando disse que não

tinha um coração. Você tem sim e dos

grandes, só é um pouco rabugento.

Melhor dizendo, muito rabugento. – Me

empurra enquanto andamos para fora do


cemitério.

— Agora espero que você me

deixe trabalhar em paz, promotor Pedro.

E no apareça mais no meu escritório

sem avisar.– Entro no meu carro e bato a

porta.

— Eu também te amo, Gonzales,

vamos marcar para sair e beber todas na


semana que vem, meu amor. – Coloca as

mãos na cintura imitando uma mujer.

Mostro o dedo do meio para o

Pedro pela a janela do carro, coloco o

meu óculos escuro e saio cantando

pneu.Chego na empresa à tarde e caio de

cabeça no trabalho que nem vejo o

tempo passar. A noite chega, todos vão


embora e ficamos apenas o faxineiro

noturno e yo.

—Terminei a limpeza, senhor, e

já estou indo embora, tenha uma boa

noite. –Sorri com a expressão cansada.

— Vá descansar, senhor Mário,

tenha uma boa noite também. – Aceno

para ele.
— Bom, agora é apenas yo nesta

empresa enorme.– Penso alto com uma

caneta presa entre os dentes, meus dedos

estão dormentes de tanto assinar

relatórios.

— Não necessariamente,

espanhol. – No acredito quando ouço a

voz de uma deusa de nariz empinado


parada na porta do meu escritório, com

as mãos na cintura e a cara azeda.

— Como conseguiu entrar aqui,

Carinõ? Já está meio tarde. – Ela no me

responde.

Solange vem caminhando

rebolando sensualmente na minha

direción, o som do seu salto fino contra


o chão ecoa pelo silêncio noturno do

meu escritório aguçando todos os meus

sentidos. Ela está gostosa pra caralho

dentro de uma sainha jeans curtinha e

uma regata amarela de alças finas,

sorrio ao perceber que ela no está

usando os sutiãs de enchimento. No

precisa mais deles.


O olhar da Sol exala confiança e

o sex appeal está nas alturas, nunca

imaginei que uma mujer teria o poder de

me fazer apaixonar mais a cada segundo

sem precisar levantar um dedo, basta yo

só olhar para ela.

— Você fica irresistível nessa

sainha jeans, sabia? – Olho para as suas


pernas grossas.

— Ah, você acha, é? – Dá a

volta na minha mesa e gira a minha

cadeira de frente para ela, inclina sobre

mim e me puxa pela a gravata

aproximando os nossos rostos de

maneira que os meus lábios se tocam,

mas no chega a me beijar.


—Sim, muchacha! Que bom que

você chegou. Já me masturbei três vezes

hoje pensando em você. – Tento beijá-

la, mas ela no me corresponde.

— É bom você saber,

Cachorrão, que quando o meu homem

não atende as minhas ligações e não

responde as minhas mensagens o dia


todo, eu o encontro nem que seja no

inferno. – Se impõe em um tom sexy que

a sua voz ecoa dentro da minha cabeça.

Puta mierda!

Quando cheguei para trabalhar

hoje cedo guardei o meu celular na

gaveta no silencioso para não me

distrair na leitura dos relatórios, então


yo esqueci de levar comigo quando saí

com o Pedro e estou trabalhando desde

que voltei para a empresa,no tive tempo

de olhar as minhas mensagens e ligación

perdida.

— Isso é uma ameaça, Carinõ? –

Ergo o olhar.

— Sim, Alejandro! Você foi um


menino muito mal hoje e agora vai ter

que pagar as consequências. – Senta na

minha mesa de vidro com as pernas

abertas de maneira que a saia sobe para

cima da cintura de propósito, a filha da

mãe está sem calcinha.

— Alguma coisa me diz que yo

vou gostar muito dessas consequências.


– Fico de pé e começo a abrir o meu

cinto pronto para me enterrar nela por

completo.

— Eu não teria tanta certeza,

meu bem! – Usa o pé para me empurrar

para trás. – Seu castigo vai ser me ver

me divertindo sozinha sem poder me

tocar.
— Você no seria capaz, Solange!

– A desafio com os olhos estreitos.

— Fica parado aí e observa,

meu amor. – os cantos da sua boca se

curvam em um sorriso vingativo.

Com cara de safada, Solange

prende o lábio inferior entre os dentes e

desliza a mão ao meio das pernas e


começa a se tocar nas partes íntimas.

Sim! A desgraçada está se masturbando

bem na minha frente. Nenhuma outra

mujer nunca me desafiou dessa forma.

— Ahhh, que delícia... – Solta

um gemido agudo ao introduzir um dedo

na sua bucetinha molhada e yo suo frio

de tanto tesão, essa é a cena mais sexy


que já vi na vida.

Como se yo no estivesse aqui,

ela continua se tocando e rebolando em

cima da minha mesa totalmente à

vontade como se estivesse sozinha na

privacidade do seu quarto.

— Agora já chega! De jeito

nenhum vou deixar que chegue ao clímax


sem mim, mocinha. – Abro o fecho da

minha calça e coloco o meu pau duro

para fora, me enfio no meio das pernas

da Solange e meto nela em um estoca

profunda, a cachorra agarra o meu

pescoço e geme feito uma cadela no cio.

Yo nunca me canso de estar

dentro dessa mujer.


— Isso, me pega forte, adoro

quando você faz isso... – Pede em um

grito agudo e yo perco a cabeça, viro

Solange de costas para mim debruço

sobre a minha mesa esfregando a sua

cara no vidro e fodo a sua bunda

gostosa.

Agarro as suas tranças


obrigando-a a empinar mais para mim e

aumento cada vez mais os ritmos das

investidas, penetrando-a intensamente.

— Você é tão apertadinha,

Carinõ. – Sinto Solange esmagar o meu

pau, estou a ponto de gozar a qualquer

momento.

— Cala a boca e me come bem


gostoso, Alejandro! – Me olha por cima

do ombro e puxa a lateral da boca em

um sorriso de canto de um jeito imoral,

essa mujer veio me dar uma lição

disposta a deixar bem claro quem manda

aqui.

E com certeza no sou yo.

O som dos nossos corpos se


chocando um contra o outro e as nossas

respirações ofegantes é o único som

auditivo no silêncio da madrugada,

perco a noção de quanto tempo ficamos

transando. Yo poderia fazer isso até o

dia amanhecer, mas no consigo segurar

mais essa bundinha apertada da Solange

está acabando comigo e vou gozar


muito.

— Vem junto comigo, mi amor. –

A penetro bem fundo indo ao seu ponto

G, Solange solta um gemido alto.

Basta mais algumas investidas e

chegamos ao clímax mais intenso de

todos os tempos, gozo por longos

segundos.
— Isso foi incrível! – Desabo

sobre a Solange.

— Foi mesmo, Cachorrão, mas quero a

segunda rodada. – Fala com a voz

ofegante, mas o seu tom é divertido.

No demora muito e estamos transando

em todos os cantos do meu escritório, no

chão, em todas as paredes e em cima


dos móveis. A melhor parte foi quando

começa a chover e fizemos amor contra

a janela panorâmica com a vista do Rio

de Janeiro à noche, todo iluminado

pelas luzes amarelas, enquanto as

gotículas de água escorregavam pelo

vidro atrás de nós.


Solange

Acordo preguiçosamente, estou

nua deitada no sofá do escritório do

Gonzales com o paletó dele cobrindo o

meu corpo, ontem a farra aqui foi das

boas. Não faço ideia de onde foi parar a


minha roupa, muito mesmo o meu

namorado. Ergo um pouco a cabeça para

olhar ao meu redor e tenho o deslumbre

do espanhol mais quente que conheço

sentado na sua cadeira de couro com um

documento em uma mão e um copo de

café na outra, sério mesmo que o dia já

amanheceu e esse homem ainda está


trabalhando mesmo depois da nossa

maratona de sexo? Agora entendo

porque se tornou um advogado de tanto

sucesso.

O seu escritório é bem a cara

dele mesmo, elegante e decorado apenas

em tons frios. As paredes todas pintadas

de branco opaco, temos a mesa de vidro


ao centro de frente para a janela

panorâmica com a vista mais

privilegiada do prédio. Uma estante de

livros jurídicos ao fundo e alguns vasos

de flores naturais espalhadas de maneira

estratégica pelo cômodo, trazendo vida

para o local.

— Buenos días, mi vida! – Ele


sorri quando vê que acabei de acordar.

Não entendo como alguém sem

dormir por tantas horas, com a roupa

toda desalinhada e o cabelo uma bela

bagunça sobre os olhos ainda consegue

ser fodidamente sexy. Deveria ser um

crime alguém ser tão lindo assim.

— Bom dia, amor. – Chamo ele


com o dedo.

Gonzales deixa o relatório e o

copo de café sobre a mesa e vem me dar

um beijo de bom dia, aproveito a

oportunidade para puxá-lo para o sofá

comigo. Ainda está muito cedo e ele

precisa descansar um pouco.

— Yo vou descansar só por dez


minutinhos, depois volto ao trabalho,

falta só um relatório. – Fala em meio a

um bocejo longo.

Antes de deitar a cabeça sobre o

meu peito, Gonzales deposita um beijo

sobre as minhas cicatrizes, eu amo toda

vez que faz isso. Me sinto a mulher mais

amada do mundo.Afago o seu cabelo até


que pegue no sono. Deixo que durma até

às sete da manhã, ele acorda assustado

pensando estar atrasado. A essa altura já

encontrei a minha roupa e estou pronta

para ir para a casa tomar um banho e ir

para o trabalho.

— Desculpa, Gonzales, mas eu

fiquei com pena de te acordar mais


cedo, parecia tão cansado. – Beijo o seu

rosto.

— Tudo bem, Carinõ. Quer uma

carona para a casa? Preciso passar na

minha cobertura, tomar um banho e

dormir mais algumas horas. – esfrega os

olhos sonolento.

— Sim, meu amor, obrigada. –


Calço as minhas sandálias.

Durante o caminho combinamos

de nos encontramos no bar a tardinha

para dar uma conferida de como andam

as coisas por lá com as obras e depois

irmos para a casa dele ver um filme e

nos empanturramos de pipoca e

refrigerante, a noite fazer amor bem


gostoso e dormir abraçadinhos de

conchinha.

Depois de banho e café da

manhã em dia, vou para o trabalho e

arrasto com a aula até o recreio. Estou

com o corpo dolorido devido as

posições novas que Gonzales e eu


experimentamos no escritório dele

ontem à noite. Acho que preciso

começar a fazer yoga ou não vou dar

conta do apetite sexual daquele

espanhol.

— Quer um pouco de suco de couve

com manjericão e gengibre para animar

um pouco, amiga? Você está com uma


cara horrível. – Pergunta Tess com um

copo cheio de um líquido verde grosso,

o cheiro não está dos melhores.

— Quero não, amiga, obrigada!

Acabei de almoçar e estou cheia. –

Minto, se fosse refrigerante eu até

aceitava.

Agora suco de couve com não


sei mais o que? Tô fora!

— Que pena, porque está uma

delícia. – Dá de ombros e sorve um gole

generoso da gororoba dela.

— Agora que estou reparando no

seu look de hoje, dona Tess. Posso saber

por que veio trabalhar tão gata assim? –

Aponto para a sua blusa de seda branca


e a calça jeans escuro de cintura alta,

partiu o cabelo cacheado ao meio e

prendeu atrás da nuca, até botas de salto

a mulher colocou.

Aí tem!

— Já viu o novo professor do

quinto ano, minha filha? Misericórdia.

Minha periquita está molhada até agora.


– Fala de um jeito muito engraçado,

começo a rir na frente da minha amiga

com todo esse fogo dela.

— Vi sim, amiga, o nome dele é

Celso. Eu tento nem olhar muito para ele

não colocar quebrante como diz a minha

bisa. – Rimos feito duas malucas.

— E como a bisa está? Saudades


dela, Solange.

— Está lá em casa tocando o

terror como em todas as suas visitas

surpresas, se quiser pode levar a bisa

para passar uns dias na sua casa que vai

ser ótimo para vocês duas matarem a

saudade. – Brinco, mas vai que cola.

Rá!
— Tadinha da bisa, Solange, mas

pode deixá-la quietinha na sua casa. –

Bate a mão nas minhas costas.

Fofocamos mais um pouco, então

o sinal toca e temos que voltar para a

sala de aula. Vamos abraçadas durante

todo corredor. No final da aula enquanto

vou pegar o Osvaldo no estacionamento


da escola, Tess se oferece para

encontrar o Rafael na porta da sala dele

na esperança de ver o professor novo,

ela está muito a fim do cara. Enquanto

ando entre o carro sinto a estranha

impressão de estar sendo observada, a

cada passo que dou a sensação só

aumenta. Olho para trás, mas não vejo


nada. Então sigo em frente.

Mas quando olho para o lado

vejo o vulto de uma pessoa toda vestida

de preto e uma touca que cobre todo o

rosto olhando na minha direção, só

consigo ver de relance os olhos do

indivíduo, começo a correr o mais

rápido que posso para dentro de escola,


posso ouvir os passos pesados da

pessoa vindo atrás de mim. Quase caio

no chão quando trombo em uma parede

de músculos.

— Calma, Solange, o que está

acontecendo? – Professor Celso me

ampara dentro dos seus braços fortes

estou tremendo muito.


— O que está acontecendo aqui

pergunto yo, amigo. O que está fazendo

atracado com a minha namorada? –

Gonzales aparece de repente de terno

azul escuro e a maleta de couro marrom

em mãos, não faço ideia o que veio fazer

aqui pensei que só nos encontraríamos

mais tarde no bar.


— Que bom que está aqui, amor.

Eu fui pegar o Osvaldo no

estacionamento da escola e alguém

vestido todo de preto começou a correr

atrás de mim, não consegui ver o rosto

porque estava coberto com uma touca

preta. – Me afasto do Celso e começo a

chorar, sinto uma sensação estranha


como se algo muito ruim estivesse para

acontecer e eu não posso fazer nada para

impedir.

— Calma, Carinõ, vai ficar tudo

bem. Yo estou com você agora, mas as

notícias no são boas. –Franze a testa.

— O que aconteceu, Gonzales? –

Fico tensa.
— Houve uma rebelião no

presídio e o Lucas conseguiu fugir, vim

aqui avisar você e a Tess pessoalmente

para tomar cuidado. Mas pelo visto esse

maluco chegou aqui antes de mim.

— Como assim, Gonzales? O

cara acabou de ser preso.

— Os policiais acham que o


Lucas começou a rebelião de propósito,

tinha tudo planejado.

— Ai, meu Deus, preciso ir atrás

da Tess! – Saio desesperada atrás da

minha amiga e o meu irmão, os dois

podem estar em perigo, mas eles não

estão na sala do Rafael.

— Espera, Carinõ, Tess e o seu


irmão estão seguros no meu carro

escoltados por dois seguranças que

trouxe comigo. Vim te buscar, vou levar

vocês para a casa. – Apenas assinto

assustada.

Já perdi a Elza e não quero

perder outra amiga, por isso vou

protegê-la com a minha vida se for


preciso. Quando entro no carro do

Gonzales meu coração fica apertado,

Tess está aos prantos. O Rafael nem se

move, parece uma estátua de gesso, meu

irmão sabe que alguma coisa está muito

errada.

— Ele está livre novamente e

vai me matar Sol, eu tenho certeza!


Dessa vez mal tive tempo de sentir o

gosto da liberdade. – Lamenta em meio

às lágrimas.

— Eu acho que o Lucas nunca

esteve preso de verdade, amiga, ele só

deixou ser pego para te atrair de volta

para o Rio de Janeiro onde é a área

dele. – Deito a sua cabeça no meu


ombro e deixo que chore.

— Talvez seja melhor você

voltar para a casa dos seus tios até que

esse cara seja pego, Tess. Prometo que

para onde yo vou mandá-lo dessa vez no

vai conseguir sair tão cedo.

— De jeito nenhum, Gonzalez,

chega de me esconder do Lucas. Estou


cansada de sentir medo. Vou ficar aqui e

enfrentar esse desgraçado quando ele

aparecer. Se eu morrer, que seja! Pelo

menos vou descansar em paz. – Limpa

as lágrimas dominada por uma força que

nunca vi nele antes, acho que cansou de

fugir do problema.

Estou muito orgulhosa dela por


isso. Contudo, ainda assim não consigo

deixar de ficar preocupada. Lucas é um

maluco e totalmente obcecado pela a

Tess, se não puder tê-la só para ele,

ninguém mais terá.

— Mas sozinha na sua casa você

não fica amiga, vai ficar com a gente e

ponto final. Minha mãe vai ficar muito


feliz em te receber, ela te ama como se

fosse uma filha. – Ela concorda, fico

mais tranquila.

Tess cresceu sem os pais que

morreram em um acidente de carro

quando era pequena, então ficava um

tempo na casa de um parente e de outro

ali até completar dezoito anos e vir do


interior morar sozinha no Rio de

Janeiro. Batalhou pra cacete para pagar

os seus estudos, sempre foi muito

esforçada e independente. Foi na

faculdade de pedagogia que a conheci,

era uma das melhores alunas da sala.

Desde então, não nos separamos mais,

minha mãe meio que adotou ela como


filha e o Rafa como irmã, vovô Manoel

como neta e até a bisa rabugenta como

sua bisneta. Todos nós a amamos muito.

— Eu não quero que você morra,

Tess. Não quero... Não quero... – Rafael

começa a repetir sem parar, todo

encolhido no banco do carro balançando

o corpo, está começando a ficar agitado.


— Ei, querido, eu vou ficar bem

nem estou mais chorando. – Tess limpa

as lágrimas rapidamente e força um

sorriso, para mostrar que está com ela

nessa, Louis vagarosamente desliza a

mão sobre o banco e segura a mão da

minha amiga.

Inspirada pelo seu ato, faço o


mesmo e seguro a outra mão da Tess.

Ela ainda não consegue acreditar que o

Rafael está mais aberto ao contato

físico. Tem sido assim desde que uma

espanholinha espirituosa se tornou sua

melhor amiga, sabia que a Lupita seria a

sua ponte para o mundo real.

— Vai ficar tudo bem, Rafael, eu


prometo. – Sorrio para o meu irmão,

estou muito orgulhosa dele.

Gonzales nos leva para a minha

casa e deixa vários seguranças do lado

de fora, de vigia e ainda fez questão de

ficar para passar a noite conosco, quer

ter total certeza de que estamos de fato

bem. Quem não gostou muito disso foi a


minha bisa, ela veio para ficar e só Deus

sabe até quando. Amo a presença dela

aqui, mas não gosto que fique ofendendo

o meu namorado a todo momento, isso é

intolerável para mim.

— Sério mesmo que vamos ter

que dormir separados, Solange? – Faz

bico com os braços cruzados, parece um


menino mimado fazendo pirraça porque

não conseguiu o que quer.

— Pela a minha mãe não teria

problema nenhum, querido, mas com a

minha bisa aqui melhor não provocar a

onça com a vara curta. – Termino de

trocar a roupa de cama do meu irmão,

Gonzales vai dormir no quarto do Rafa


hoje.

Minha mãe achou melhor pedir

para o vovô Manoel vir buscá-lo mais

cedo para ficar na casa dele alguns dias

até que tudo se resolva, Rafael não sabe

lidar bem em momentos tensos e acaba

surtando feio.

— Mas vai rolar uma fugidinha à


noche, Carinõ? – Me abraça por trás.

— Bem que eu queria,

Cachorrão, mas a bisa disse que vai

ficar comigo no meu quarto e a Tess com

a minha mãe. Essa velha raposa não dá

ponto sem nó. – Reviro os olhos.

— Será que tem alguma chance

da sua bisa me sufocar com um


travesseiro durante a noite? – Faz piada,

mas com um pequeno fundo de verdade.

— Não duvidaria nadinha!

Melhor dormir com um olho aberto e

outro fechado. E não esquece de passar

a tranca na porta. –Alerto com o riso

guardado na garganta.

Os olhos do Gonzalez soltam


para fora, acho que acreditou mesmo

nisso.

— O jantar está pronto, meus

amores, desçam logo ou vai esfriar. –

Minha mãe bate na porta do quarto.

Acho que ela ficou com medo de

ir logo entrando e pegar nós dois

transando, ela é muito liberal, mas nem


tanto para certo tipo de cena explícita.

— Tá bom, mãe, já estamos

indo! – Grito enquanto meu namorado

devora o meu pescoço com chupões e

mordidas.

Ele só espera os passos da

minha mãe ficarem distante para agir,

está sempre pronto para o combate.


— Yo preciso só de cinco

minutos, Carinõ. No seja má! – Enfia a

mão dentro da minha calça me

empurrando contra a cama que acabei de

arrumar, quando está excitado não

desiste até conseguir o que quer.

— Não, senhor, sei bem quanto

tempo leva esses seus “cinco minutos”.


– Tiro suas mãos do meu corpo.

Ele reclama um pouco, mas

aceita descer para o jantar.

— Buenas noches, moças. –

Cumprimenta Gonzales ao chegarmos na

cozinha, minha mãe e a Tess sorri

carinhosas para ele.

Já a bisa gira o nariz no ar


esnobe, essa não se rende fácil. Sem

graça, puxamos as cadeiras de frente

para ela e nos sentamos, infelizmente

eram os únicos lugares vazios.

— Não sei se está acostumado

com esse tipo de comida simples, filho,

mas foi feita com muito amor. – A

expressão da minha mãe não poderia ser


mais gentil.

— Yo amo feijoada, dona Cátia,

e essa está com um cheiro maravilhoso.

– Serve três conchas bem carregadas no

prato dele, pega uma montanha de arroz

e um punhado de couve crua picada

fininha temperada apenas com azeite e

sal.
Não sei se o Gonzales realmente

gosta de feijoada ou ele apenas quer

agradar a minha mãe, mas do jeito que

começa a comer com tanto gosto,

gemendo a cada garfada que leva a

boca, acho que a primeira opção está

correta.

— Um branco estrangeiro
comendo feijoada na casa dos pretos,

esse mundo está perdido mesmo. – A

bisa solta a primeira pérola da noite,

mas se depender de mim vai ser a

última.

— Isso mesmo, bisa, meu

namorado é branco e estrangeiro. E eu o

amo e não mudaria nada dele, porque


ele também me aceita do jeito que sou e

me faz a mulher mais feliz do mundo a

cada dia. – Declaro e ela escuta atenta,

acho que enfim estou começando a tocar

o seu coração duro. Então continuo. –

Por isso, se a senhora se importa com a

felicidade da sua bisneta favorita, vai

dar uma chance a ele de mostrar o


homem incrível que é. – Gonzales cobre

a minha mão com a dele sobre mesa,

está orgulhoso de mim por ter o

defendido.

— Que palavras lindas, Solange.

Mas não tô nem aí. Vão se lascar vocês

dois. – Retruca a bisa, nem um pouco

tocada pelo meu lindo discurso.


Gonzales ri de boca cheia e

quase engasga com a comida, então a

sinfonia de risos da minha mãe e a Tess

começa, também não dá para ficar sério

quando a bisa está presente e solta as

suas pérolas. Apesar de achar graça

também, estou calma porque eu já vi

esse jogo antes e não adianta essa


velhinha teimosa lutar com todas as suas

forças contra o charme desse espanhol,

no final ela vai terminar derretida de

amor por ele igual aconteceu comigo.

— A senhora é demais, bisa. –

Gonzales mais ri do que fala, pega um

pouco de suco de laranja natural na jarra

e serve um pouco no seu copo para


conter a tosse devido ao engasgamento.

— Vou te mostrar quem é demais

quando eu enfiar a minha bengala no seu

rabo, vai cuidar da sua vida. – Come

enquanto faz as suas malcriações. Tess

parece que vai ter um ataque do coração

de tanto rir, com minha mãe não é

diferente.
Não adianta a bisa atacar o meu

namorado, porque mais ele acha graça.

Estou feliz, apesar dos pesares o dia que

começou tão ruim está terminando nesse

clima tão divertido. As coisas vão

melhorar daqui para frente, tenho

certeza.
Gonzales

No lembro de rir tanto na vida

antes igual hoje, a bisa é uma graça dá

vontade de colocar no potinho e guardar.

Sei que a Solange fica envergonhada por

causa das coisas que ela fala, mas


realmente no me importo e levo sempre

na esportiva. Ela vem de um tempo

muito diferente da nosso e teve outra

experiência de vida, se os negros ainda

sofrem tanto racismo nos dias de hoje,

imagina naquela época? Então atacar a

minha entrada na família de certa forma

é a sua maneira de proteger a bisneta de


mim, porque acredita fielmente que yo

no serei bom o suficiente para fazê-la

feliz como merece.

Mas tenho certeza de que com o

tempo a bisa vai me conhecer melhor e

começar a abrir o seu corazón para

mim, só preciso ser paciente e mostrar

que yo valho a pena.


— A única coisa que tenho

contra a senhora, bisa, é que me colocou

para dormir longe da minha namorada. –

Converso com o meu reflexo no espelho

do banheiro minúsculo do quarto do

Louis.

Solange disse que o irmão tem

uma suíte só para ele porque se recusa a


usar o mesmo banheiro que outras

pessoas, e se desconfiar que estou

usando o seu quarto nunca mais pisa

nele novamente. O moleque tem muito

ciúmes das suas coisas. No seu lugar yo

também teria, é de longe o lugar mais

limpo e maneiro que já estive. As

paredes são todas desenhadas com


figuras extraordinárias e originais, nunca

vi nada parecido antes, Rafael

aproveitou cada centímetro do cômodo

para expor os seus dotes artísticos.

Dá para sentir que tudo o que

cria não foi inspirado em nada que já

existiu um dia nessa vida, vem direto de

um mundo que só ele conhece.


— Yo preciso fazer alguma coisa

em relação ao talento desse garoto, ele

manda muito bem. — Ligo o chuveiro,

no sei se sou grande demais ou esse

boxe que é incrivelmente pequeno,

minha cabeça quase bate no teto.

Relaxo um pouco quando a água

morna cai sobre o meu corpo


massageando os músculos tensionados.

Tentei no deixar transparecer para a

Solange e a Tess o quando estou

preocupado com a fuga do Lucas. Só que

estou uma pilha de nervos. Elas no

sabem, mas o colega de cela dele contou

para os policiais que o desgraçado no

parava de se gabar que a primeira coisa


que ia fazer assim que fugisse na cadeia

e dar um fim na ex-namorada e todos

que são importantes para ela.

Mas yo juro que mato aquele

bastardo antes que possa fazer alguma

merda!

Esmurro a parede dominado pelo

ódio, chega de contar com a polícia,


nesse momento estão todos ocupados

demais atrás do assassino de prostitutas

e vão deixar um vagabundo de meia

tigela igual ao Lucas em último plano.

Então vou ter que resolver essa situação

do meu jeito antes que o pior aconteça,

estou com um mau pressentimento e no

vou pagar para ver.


— Será que tem lugar para mais

um aqui, Alejandro? – Sorrio ao ouvir a

porta do boxe abrir e me trazer de volta

dos meus devaneios, me viro de frente e

vejo Solange totalmente nua.

Pensei que seria sem fugidinhas

no meio da noite, mas estou

imensamente feliz que minha garota


mudou de ideia.

— No importa onde yo estiver,

Carinõ, sempre haverá lugar para você

ao meu lado. – Puxo Solange pela

cintura para debaixo do chuveiro

comigo, o fato do boxe ser minúsculo no

parecer me incomodar nem um pouco

agora.
— Isso foi muito lindo! Mas

precisamos ser rápidos, Gonzales,

minha bisa pode acordar a qualquer

momento e vir aqui atrás de mim e o

show estará armado. – Diz entre o

intervalo dos beijos.

— Vai com calma aí, mocinha,

yo posso saber por que mudou de ideia e


veio aqui me seduzir?

— Porque eu lembrei que te

devo uma coisinha e vim aqui pagar,

amorzinho. – Desliza a ponta do dedo

indicador pelo meu peito desnudo de um

jeito provocante.

— E o que seria isso em,

Carinõ? – Pergunto e todo o seu rosto se


ilumina pelo o brilho da mais pura

excitação.

— Uma coisa que te neguei

quando estávamos nos pegando na

dispensa do bar, lembra? – assinto todo

animadinho.

— É claro que lembro da afronta

que me fez naquele dia me deixando de


pau duro na mão. – Enrugo o nariz e

finjo estar zangado.

– Então... eu odeio deixar as

coisas pela a metade, por isso me sinto

na obrigação de terminar o que comecei.

– Agacha vagarosamente na minha frente

enquanto a água cai sobre o seu corpo

delicioso, encosto as costas no azulejo


com as mãos atrás da nuca e apenas

curto o momento.

Solange segura a minha ereção

firme entre as mãos e brinca passando a

língua na pontinha rosada do meu pau

sem tirar os olhos dos meus, ela nunca

pareceu tão poderosa como agora. Estar

no controle da situação combina com


ela.

— Cai de boca, putana. –

Mando e a cachorra obedece.

Prendo o fôlego quando Solange

dá a primeira sugada violenta indo fundo

na sua garganta, involuntariamente os

meus quadris começam a se movimentar

para frente e para trás em movimentos


rápidos e precisos na sua boquinha

gulosa. Fico doido quando ela começa a

se tocar enquanto me chupa ao mesmo

tempo, seu olhar é puro fogo e desejo.

— Você é tão quente, Carinõ. –

Prendo as suas tranças em um nó em

volta da minha mão dando mais impulso

às investidas, Solange geme sons sexy


como se estivesse provando a coisa

mais deliciosa do mundo.

— Você que é tão gostoso que

me dá calafrio, espanhol. – Fala com

meu pau dentro da boca e volta a me

chupar com mais empenho dando o

melhor de si, mantendo um ritmo

frenético e contínuo.
Sinto como se estivesse sendo

teletransportado para outra órbita, todo

o meu corpo parece estar dormente e ao

mesmo tempo em chamas.

— Isso! Continua assim, Carinõ.

– Solto um grunhido.

Solange aperta o meu pau e suga

solenemente como se a sua vida


dependesse disso, gozo em um urro de

puro prazer despejando toda a minha

porra sobre o rosto da minha putinha

safada que limpa com os dedos e lambe

cada gota, me desafiando de cima para

baixo com os olhos quentes como o

inferno.

Porra! Acabei de gozar e já


estou excitado novamente.

— Agora é a minha vez,

muchacha. – Troco de posição com a

Solange e me ajoelho à sua frente,

coloco a sua perna no meu ombro e

passo a língua por toda a sua boceta me

deliciando com o seu gosto divino,

enquanto a fodo com dois dedos ao


mesmo tempo.

No paro até fazer Solange

contorcer feito uma cobra acurralada,

rapidamente a mujer chega ao clímax.

Está muito excitada assim como yo.

Temos combinados muito em várias

coisas normais entre um casal, mas no

sexo sempre foi um encaixe perfeito.


— O que acha de me comer bem

gostoso agora, Cachorrão? – Prende o

meu cabelo e puxa para cima, agarra o

meu pau como se quisesse deixar claro

que ele pertence só a ela e mais

ninguém.

— Você manda, muchacha. –

Aperto Solange contra o vidro do box,


então a putaria acontece, transamos feito

dois animais sem parar por um longo

tempo debaixo do chuveiro.

Quando terminamos a farra, me

sinto solitário quando Solange volta

para o quarto dela pisando nas pontas

dos pés para não fazer barulho e acordar

a casa inteira e todos descobrirem do


nosso encontro clandestino. Contudo,

assim que me jogo na cama o sono não

demora a chegar.

Acordo no susto com o meu

celular tocando sem parar, no sei o que

possa ter acontecido para a moça que

faz a limpeza da minha cobertura me

ligar tão cedo.


— Alô, Vanuza, buenos dias.

Aconteceu alguma coisa? – Me sento na

cama esfregando os olhos ainda com

muito sono.

— Acho melhor voltar para a

casa agora, senhor Gonzales. E ligue

para a polícia porque a coisa é séria! –

Fico preocupado, pelo o tom da Vanuza


ela está apavorada.

— Estou indo! – Desligo o

celular e pulo da cama, pego papel e

caneta na mochila do Rafael e deixo um

bilhete para a Solange dizendo que tive

que sair às pressas.

Dirijo o mais rápido que posso,

quando chego na minha cobertura a


polícia já estava lá pegando o

depoimento da Vanuza.

— ¡Santa madre de Dios! ¿Qué

está sucediendo aquí?— Fico tão em

choque pelo o que estou vendo que falo

em espanhol, parece que um furacão

passou dentro da minha cobertura.

Minhas coisas estão todas


reviradas e os móveis virados ponta a

cabeça, as paredes estão todas

rabiscadas com a seguinte mensagem:

“A minha vingança está

próxima.”

— Yo vou te matar, Lucas! –


Elevo a voz furioso.

No faço ideia de como esse

desgraçado conseguiu invadir a minha

cobertura, tenho o alarme de segurança

mais moderno do mercado e moro no

condomínio mais nobre do Rio de

janeiro. Yo pensava que esse cara no

passava de um bandidinho de quinta,


mas estava enganado. Ele é perigoso e

astuto.

— Eu sinto muito pelos estragos,

Gonzales. Mas preciso pegar o seu

depoimento. Quando soube que se

tratava de você vim pessoalmente

averiguar com a minha equipe. –

Delegado Avilar toca o meu ombro.


— Tubo bem, Ricardo, muito

obrigado! Acho que yo já tenho uma

ideia de quem possa ter feito isso.

— O tal ex-namorado da amiga

da xoxota de ouro? – Pergunta segurando

o riso.

— Yo no acredito, delegado, que

o John já andou fazendo fofoca para


você também sobre a minha vida

amorosa, mas que inferno! – Fico mais

puto ainda.

Hoje em dia no dá para confiar

em ninguém, nem nos amigos.

— Não fiz fofoca para ninguém,

espanhol. O Pedro que abriu a boca e eu

só confirmei a história. – John resolve


dar o ar da graça.

—Yo nem vou te responder nada,

John, tenho problemas maiores agora.

— Eu sei, amigo! Desculpa a

demora, quando o delegado Avilar me

ligou e deixou a par da situação vim o

mais rápido de pude. – Enquanto fala

comigo, os seus olhos ligeiros passam


discretamente pela a bagunça na minha

cobertura.

— Nós vamos dar um jeito

nisso, cara, vou colocar todos os meus

homens trabalhando pesado para

prender esse tal Lucas. Mas

sinceramente, sendo você o dono desta

cobertura acho que o que aconteceu aqui


pode facilmente ter sido “qualquer

pessoa”. – O delegado coça a nuca em

um pigarreio grave.

— Como assim qualquer

pessoa?– Cruzo os braços e o encaro

com o maxilar trincado.

— Na verdade, Gonzales, o

delegado quis dizer que quem possa ter


feito isso pode ser alguma maluca das

milhares mulheres que você comeu e

depois jogou fora como se fosse lixo. –

John ergue os braços como se fosse

óbvio, mas o seu tom no está fora de

julgamento.

Meu amigo sempre deixou

bastante claro que no apoiava a forma


que yo sempre tratei as mujeres

antigamente, vivia me alertando que

quando me apaixonasse de verdade o

meu passado poderia voltar para me

atormentar.

— Isso até pode fazer sentido,

rapazes, mas por que alguma dessas

mujeres resolveria se vingar de mim


logo agora?

— Talvez isso responda a sua

pergunta, Gonzales! – Delegado Avilar

me mostra no seu celular vários sites de

fofocas cheio de fotos minha com a

Solange em diferentes momentos

íntimos, seja de um beijo ou carícia

especial que só acontece entre casais


muito apaixonados.

O conteúdo das matérias dizem

basicamente quase a mesma coisa, que o

maior garanhão do Rio de Janeiro enfim

resolveu se aposentar e está em um

relacionamento sério com uma

professora do ensino fundamental que

vive uma vida normal de classe média,


descrevem Solange como uma negra

com um estilo bem exótico.

Visivelmente muito acima do peso e um

estilo de roupa bastante duvidoso, entre

outros comentários maldosos que nem

faço questão de ler.

Estou com sangue nos olhos!

A forma como esses abutres


estão falando da minha namorada é

muito desrespeitosa, querem

menosprezá-la dizendo que está muito

abaixo do padrão das outras mujeres

que yo costumava sair que eles

denominam como “deslumbrantes”.Até

parece! No trocaria todas essas putas

juntas por nem um dedinho mindinho da


Solange, e quero que o mundo todo

saiba disso.

— Tenho que conversar com a

Solange antes que ela veja este monte de

merda, no posso deixar que seja pega de

surpresa. – Cerro os dentes.

— Acho que é uma ótima ideia,

cara, quando sair daqui abre o jogo com


a sua namorada antes que seja tarde. –

Ricardo toca o meu ombro passando

apoio.

— Também acho!Yudiana me

disse que só falavam disso hoje de

manhã no salão de beleza onde ela

frequenta.

— Julia me disse a mesma coisa


sobre uma loja que ela foi, John! A coisa

se espalhou em horas igual a pólvora. Se

foi de fato alguma mulher vingativa que

destruiu a sua cobertura dessa forma,

não é só você que pode estar em

perigo.–Contrai mandíbula.

— O que você quer dizer,

delegado?
— É só uma possibilidade ainda,

espanhol, mas a sua namorada também

pode virar alvo nesses acertos de

contas, afinal ela conseguiu o que

nenhuma outra chegou nem perto. Por

isso temos que ficar de vigia em todos

os lados, às vezes, o mal vem de onde a

gente menos espera. – Alerta Ricardo.


— Porra! A situación só piora.E

yo pensando que o Lucas era o meu

único problema, agora também tenho

que me preocupar com isso. – Esfrego o

rosto.

— Não quero te decepcionar,

mas a coisa pode ficar ainda pior. –

Ricardo faz aquela cara novamente de


que vem mais bomba para cima de mim.

— E o que seria, Dios mio?

— Acredito que no ramo da

advocacia você deve ter acumulado

muitos inimigos ao longo do tempo. Por

isso, peço que você junte a sua equipe e

façam uma análise de possíveis clientes

insatisfeitos que tiverem nos últimos


meses e me mande depois. – Avisa à

queima roupa que alguém ligado ao meu

trabalho possa estar tentando me matar.

Que maravilha!

— Ah! Aproveite e mande

também o contato de todas as mulheres

que se envolveu antes de começar a

namorar a Solange, vamos passar o


pente fino em tudo. Se foi alguma dessas

pessoas ou o tal Lucas que está te

ameaçando, eu prometo que vou

descobrir. – Garante e eu acredito na sua

palavra, Ricardo realmente é um ótimo

delegado.

— Clientes problemáticos yo

consigo uma lista enorme em um estalar


de dedos, mas as mujeres que sai antes

da Solange no costumava nem perguntar

o nome muito menos o contato delas.

Fodia uma diferente todo dia. – Explico

sincero, os dois me olham como se yo

estivesse falando a maior blasfêmia de

todos os tempos.

— Meu Deus, Gonzales!Você


não valia nada mesmo, cara. – Perde o

ar sério de delegado e solta uma risada.

— Nadinha, Ricardo, e você não

sabe nem da metade do que esse

espanhol já aprontou por causa de um

rabo de saia. – John começa a entregar

os meus pobres.

— Isso foi antes, agora yo sou


um hombre de família que teve a grande

sorte que vocês dois já tiveram de

encontrar a mulher da minha vida. –

Saio em minha defesa, mas eles

continuam rindo da minha cara.

Enquanto yo permaneço

preocupado com essa situación, no sei

qual será a reação da Solange quando


descobrir que a nossa vida amorosa está

sendo exposta dessa forma tão cruel

pela a mídia, tenho muito medo de que

essa chuva de comentários maldosos

interrompa o processo da reconstrução

da autoestima e amor-próprio que a

minha namorada está passando.


Solange

Depois de muito insistir, consigo

convencer Gonzales a dar uma

passadinha no bar para vermos como

estão indo as obras e minha nossa! Está

ficando um espetáculo. Foram tiradas as


pilastras que tinha no meio do salão

onde ficava as mesas ampliando o

espaço e dando uma limpa visão para o

palco de música ao vivo, e a nova pista

para o DJ que foi ideia do meu lindo

namorado, assim como tantas outras

criativas como colocar tudo de mais

moderno na cozinha para temos uma boa


infraestrutura e poder oferecer aos

clientes um menu mais sofisticado. No

bar será servido as cervejas direto das

choperias eletrônicas, drinks dos demais

variados preços e estilo, queremos

atender todo tipo de público. Vamos

transformar o Mandala em um ponto de

encontro para amigos, seja da quebrada


até aos riquinhos da Zona Sul. Aqui todo

mundo será bem-vindo.

Viva a diversidade!

Esse era o lema do meu pai,

queria que estivesse vivo para ver o

sonho dele se tornando realidade.

Sempre lutou muito pela a igualdade

entre os seres humanos. Por isso na


inauguração do bar, quero fazer uma

grande homenagem a ele.

— O que acha de pintarmos

algumas paredes do bar com uma cor

bem chamativa tipo vermelho sangue,

espanhol? Acho que vai ficar lindo. –

Anoto no meu caderninho de notas,

quero discutir algumas ideias com a


minha mãe mais tarde.

Dona Cátia tem vindo ver as

obras com frequência toda arrumada

como se estivesse indo para uma festa,

fora que sempre traz uma cesta cheia de

doçuras e gostosuras para o chefe da

reforma e os seus homens. Quando volta

para a casa fica suspirando sozinha por


horas.

Aí tem!

— É. Pode ser, Carinõ. –

Reponde no modo “estou no mundo da

lua”.

Desde que chegamos no bar que

o Gonzales está distraído, os pedreiros

conversaram com ele sobre alguns


problemas de infiltrações que

encontraram na cozinha e ele só dava

respostas monossílabas como “aham”,

“entendo”, “façam como acharem

melhor”.

— Está tudo bem, Gonzales?

Você está tão estranho hoje. – Fico de pé

à sua frente e o examino cautelosamente,


percebo que a sua mandíbula está

contraída.

— No, mi amor, yo só estou um

pouco cansado, tive uma manhã muito

complicada. –Beija a minha testa e me

puxa para um abraço, quer evitar contato

físico.

Sinto que tem alguma coisa que


precisa me falar, mas não está com

coragem ou não sabe como tocar no

assunto.

— Você saiu correndo lá de casa

hoje cedo, o que aconteceu, foi algum

problema na sua empresa? Fiquei

preocupada quando vi o bilhete no

quarto do Rafa. – Aconchego minha


cabeça no seu peito, gosto tanto do seu

perfume amadeirado.

— Sim! Mas nada de grave, no

se preocupe. – Acaricia as minhas

costas.

Apesar de sua fala convicta, não

sinto verdade nas suas palavras.

Gonzales não é pra baixo assim, preciso


arrumar alguma maneira de descobrir o

que está acontecendo.

— Você ainda tem que voltar

para a empresa hoje? Pensei em irmos

para a sua casa, podemos cozinhar algo

juntos e depois fazer amor loucamente. –

Faço a proposta indecente.

— Minha casa no! – Quase grita.


— Por que não, Gonzales? Tem

alguma coisa lá que eu não posso ver? –

Agarro a gola da sua camisa, não sou de

bancar a louca cimenta, mas, às vezes é

preciso.

— No é isso linda, yo tenho

muitas coisas importantes para fazer

ainda hoje e estou com a cabeça a mil


por hora. Mas prometo que passo na sua

casa à noche para te ver, precisamos

conversar sobre algo importante. – Toma

uma expressão inelegível, por uma

momento penso até que ele pretende

terminar comigo.

— Por que não podemos

conversar agora? Já que começou a falar


então termina, homem. – Coloco as mãos

na cintura e o enfrento de queixo em pé,

seja o que Deus quiser.

— Yo adoro quando você fica

bravinha assim, Carinõ. – Me puxa para

si e tasca um beijão como distração e eu

caio direitinho, nem lembro mais do que

estávamos falando.
Depois da nossa estranha visita

às obras do bar, Gonzales me deixa na

porta de casa e me faz prometer que só

vou sair sem ele se estiver acompanhada

de algum dos seguranças que estão de

plantão na porta.

— Prometo que venho te ver

antes do jantar, está bem, namorada? –


Assinto com um sorriso.

— Contarei os segundos para te

ver novamente, namorado. – Entrelaço

os dedos entre o cabelo da nuca do

Gonzales e o trago para mim, apoio

minha testa na dele em um contato íntimo

que dura por alguns segundos.

Quando Gonzales ia me dar um


beijo de despedida, recebe uma

mensagem e sai praticamente voando,

nem me dá tchau direito. Entra no carro

e sai acelerado, me deixando para trás

cheia de preocupação e dúvidas.

Estávamos tão bem até ontem e de

repente o meu namorado mal consegue

me encarar nos olhos direito.


— Um milhão de reais pelos os

seus pensamentos, Solzinha. – Minha

bisa aparece na cozinha e me pega

sentada sobre o balcão da pia perdida

nos meus pensamentos, ela beija o meu

rosto e eu sorrio para ela.

– Desculpa, bisa! Mas se eu

disser a senhora não vai gostar. – Pulo


do balcão e coloco um pouco de água

para esquentar, nada como um chá

calmante de erva doce para clarear as

ideias.

— Aposto que é naquele

paspalho, não é mesmo? – Ajeita o chale

branco de linha nas costas, não importa

quanto calor esteja, ela nunca o tira.


— Sim, bisa, ele é o meu

namorado. A senhora esqueceu? – Puxo

a cadeira da mesa e ajudo a minha

rabugenta favorita a sentar, se eu me

considero baixinha a bisa é quase um

anão de jardim.

Mas não se engane, ela é igual

aqueles pinscher de madame que não


tem tamanho e parecem fofos e

inofensivos, mas são o pesadelo de

qualquer pessoa quando estão nervosos

porque nem o diabo pode com eles.

— Bem que eu queria, minha

filha, mas aquele babaca não tira aquela

bunda branca daqui.

— E hoje aquele “aquele


babaca” vai vir aqui de novo com a

bunda branca dele, espero que a senhora

seja mais gentil com o Gonzales do que

da última vez. – Entrego a xícara de chá

para ela e beijo o topo da sua cabeça,

depois faço outra para mim e me junto a

ela na mesa.

— Com certeza vou ser,


amorzinho da bisa. — Aperta a minha

bochecha. — Quando eu sufocar o

espanhol metido com um travesseiro à

noite, prometo ser bem rápida. — Dá

uma risada maquiavélica.

—Bisa! – Me zango com ela.

— Cadê o seu senso de humor,

menina? Eu não vou matar o seu


namoradinho, só infernizar a vida

dele.Fica tranquila! – Dá de ombros.

Toma o seu chá com deboche

fazendo um barulho irritante só para me

tirar do sério, às vezes ela age tipo

esses adolescentes rebeldes que adoram

implicar com os adultos.

— Quer umas bolachinhas para


acompanhar o chá, bisa? Fiz hoje de

manhã. – Mudo o rumo da conversa para

o bem do meu psicológico.

— Quero sim, meu amor,

obrigada! Mas não adianta tentar mudar

de assunto. Me conta por que está com

esse desbotado? – Tira os óculos de

grau e limpa as lentes com um lencinho


que puxa de dentro do decote do vestido

branco com flores vermelhas, ela ama

usar o sutiã como mini bolsa, dá para

encontrar coisas inimagináveis ali

dentro.

Enquanto penso em uma resposta

convincente para a pergunta da bisa,

pego o pote de bolacha no armário e


deixo sobre a mesa. Tem tantas razões

para eu estar com o Gonzales que

poderia passar o dia todo pontuando

cada uma delas, pensar nisso me faz

sorrir.

— Porque eu o amo, bisa. –

Resumo tudo em apenas uma frase.

— Mas ele é branco, Solange. –


Insiste como se isso justificasse alguma

coisa.

— Sério mesmo? Ah, meu Deus!

Como eu não percebi que o meu

namorado é branco? – Finjo estar

surpresa.

— Vai à merda, menina, não

zomba da minha cara. – Fica brava


comigo. – Nada do que dizer vai me

fazer entender por que com tanto homem

preto gostoso por aí, vai ficar logo com

esse branquelo esquisito. – Contorce a

boca.

— Solange está namorando esse

rapaz porque ela é maior de idade,

vacinada e hábil para tomar as próprias


escolhas e cuidar da vida dela como

achar melhor. Então deixa a coitada em

paz, sua velha chata. – Vovô Manoel

aparece na cozinha já em minha defesa,

com ele a bisa não tem vez.

— Quem te chamou na

conversam, Manoel? Vai tomar um

Viagra e transar um pouco, talvez assim


seu mau humor melhore. – Aconselha

debochada.

— Olha quem está falando, a

rainha da rabugice. – Mostra a língua

para ela igual a uma criança.

Os dois trocam farpas e olhares

feios por alguns minutos, depois se

abraçam rindo. Sempre implicam um


com outro, mas se adoram. Para a bisa

ver a sua neta casar-se com o filho -

negro, gato e trabalhador – do senhor

Manoel, um dos homens mais respeitado

de Madureira, foi um golpe de sorte e

tanto.

— E o Rafael vovô, veio com o

senhor?
— Não filha, hoje é dia de levá-

lo à psicóloga, lembra? Deixei o seu

irmão lá e resolvi passar aqui rapidinho

para pegar o caderno de desenho dele.

Ele fez um escândalo ontem à noite

quando percebeu que esqueceu a

mochila no quarto e não parou de gritar

até que eu prometesse que viria hoje


buscar. – Sorve uma profunda lufada de

ar.

Vovô Manoel tira o chapéu

marrom da cabeça e coloca sobre a

mesa e coça a careca, às vezes é preciso

ter a paciência de Jó para lidar com o

Rafael Louis.

— Espero que esteja cuidando


bem do meu bisneto querido, Manoel.

Aquele garoto é um presente de Deus em

nossas vidas. – Funga o nariz com o

olhos molhados, a bisa conta que a

minha mãe ficou tão mal no nascimento

do Rafael que ela jurava que pelo menos

um dos dois não sairia com vida da sala

de parto.
Graças a Deus deu tudo certo,

por isso desde a primeira vez que ela

colocou os olhos no meu irmão ainda no

berçário, virou Deus no céu e Rafael

Louis na terra. Nunca vi mais dengo do

que esses dois juntos.

— Vou fingir que nem ouvi você,

mulher, é claro que cuido bem do meu


neto. Rafael adora ficar na minha casa. –

Faz bico e torce a ponta do bigode.

— Acho que o senhor também

está precisando de um chá de erva doce,

vovô. – Acendo o fogão e coloco mais

agua para esquentar.

— Você leu a minha mente, filha!

– Carinhoso como sempre, vovô me


abraça quando passo perto da sua

cadeira.

— Vamos parar com todo esse

puxa-saquismo aí ou vou ficar com

ciúmes hein? A mais velha aqui sou eu e

preciso de mais atenção. – A bisa faz o

seu drama básico, pega a sua bengala e

tenta separar nós dois com ela.


A fito de canto de olho, conheço

bem a peça. Minha bisa sabe muito bem

que por ser a mais velha é mimada por

toda a família, tanto do lado da minha

mãe como do lado do meu pai que tem

muita consideração por ela.

— Verdade, Solange, tem que

mimar a sua bisavó mesmo, afinal, ela


vem do tempo do faraó Ramsés II. Na

verdade, ouvi dizer que os dois tiveram

um caso. – Vô Manoel faz piada e eu

solto uma gargalhada tão alta que minha

mãe e a Tess vem para a cozinha ver o

que está acontecendo, toda vez que ele e

a bisa se encontram é um duelo de

implicância sem fim.


— Olha quem está aqui, que

saudades, vô Manoel. – Tess vem

correndo abraçá-lo.

— Outra puxa saco! – A bisa

gira os olhos dentro da cavidade ocular

e volta tomar o seu chá, está para nascer

pessoa mais ciumenta, quer a nossa

atenção toda para ela.


— Oi, Tess, como você está,

querida? – levanta e arrasta uma cadeira

para que sente ao seu lado, meu avô

deveria dar aulas para todos os homens

de como ser um verdadeiro cavalheiro.

— Levando, vovô, acho que só

vou conseguir ficar bem de verdade

quando pegarem o Lucas.Me sinto tão


mal por trazer todo esse transtorno para

a vida de vocês. – Encosta o cotovelo na

mesa e usa a mão como apoio para o

rosto inchado de tanto chorar, essa

criatura não tem feito mais nada além

disso.

— Você faz parte dessa família

há muito tempo, Tess, então para de


palhaçada antes que eu te dê umas

palmadas na bunda igual faço com a

Solange até hoje. – Minha mãe puxa a

orelha da minha amiga e com razão, já

falei que aqui também é a casa dela.

— Senta aí também, mãe, vamos

tomar um chá todos juntos. – Convido e

ela aceita.
— Em família. – Completa a

bisa, ela cobre a mão da Tess com a

dela e sorrir afetuosa, quando ela quer,

sabe ser um verdadeiro amor de pessoa.

Permanecemos sentados na mesa

da cozinha em um clima muito divertido

tomando chá com bolacha, numa

verdadeira conversa acirrada apenas


sobre coisas animadas e positivas. Por

um momento, conseguimos esquecer de

toda tensão que nos rodeia. Tess parece

até mais leve, está sorrindo o tempo

todo, não aguentava mais vê-la chorando

por causa daquele verme do Lucas.

— Muito obrigado pela bela

companhia, meninas, mas agora preciso


pegar o Rafael na psicóloga. – Vovô se

prepara para ir embora, vou no quarto

do meu irmão e pego a mochila dele

para entregá-lo.

— Eu levo o senhor até a porta,

vovô. Vou aproveitar para entregar um

lanche que preparei para os seguranças

que o Gonzales deixou para vigiar a


casa, ele tem medo de que o Lucas

apareça aqui atrás da Tess. – Pego

alguns sanduíches na geladeira e a

garrafa de café fresquinho que fiz agora

pouco.

— E essa velha implicante ainda

é contra o seu namoro com essa rapaz,

filha?Não dê ouvidos a sua bisa. Hum!


Depois sou eu quem está precisando

transar. – Faz a última implicância do

dia.

A bisa só infla as narinas e

semicerra os olhos, mas não retruca.

— Eu não vou dar, vô Manoel,

prometo. – Sussurro com os dedos

cruzados.
Depois que levo o vovô Manoel

até a porta e me despeço dele vou até o

carro dos seguranças e entrego o lanche,

eles ficam muito felizes e agradecem

várias vezes. Giro o corpo para voltar

para dentro de casa com a bandeja vazia

e, de repente, um vendo frio passa e me

causa um calafrio na espinha com aquela


estranha sensação de que o mal está à

espreita só esperando a oportunidade

para entrar em cena.

— Calma, Solange, foi só uma

brisa mais fresca. – Minto para mim

mesma, mas aumento o passo em direção

a porta e tranco assim que passo por ela.

Volto para a cozinha e fico


conversando com as meninas por mais

um tempo, depois subo para o meu

quarto para me preparar para a chegada

do meu Cachorrão mais tarde. No

entanto, espero... espero e espero, mas

ele não vem e nem se dá ao trabalho de

ligar ou mandar alguma mensagem. Fico

tão preocupada que nem desço para o


jantar e ainda assim, a bisa aparece para

me zombar do toco que levei do meu

namorado. Graças a Deus ela resolve

dormir no quarto do Rafael e me deixa

sozinha com as minhas preocupações.

Só depois de mil tentativas de

falar com o Gonzales, durmo com o

celular na mão. Acordo de madrugada


dentro de braços fortes prendendo-me

firmemente como se eu fosse algo

precioso e deveria ser protegida a

qualquer custo de todo mal do mundo,

apenas sorrio e volto a dormir sentindo

o perfume do homem mais cheiroso do

mundo impregnando no meu quarto.

Eu sabia que o meu espanhol


viria!
Gonzales

Acordo com uma dor de cabeça

tremenda, dói até para respirar. Sinto as

minhas têmporas latejar, mantenho os

olhos fechados e nem ouso mover um

dedo. Yo tive uma manhã horrível ontem


quando me deparei com a minha

cobertura naquela situación deplorável,

mas isso no foi nada comparado a outra

decepção ainda pior que tive à noche...

Tanto que nem consegui chegar no

horário marcado com a Solange para

termos a conversa sobre o monte de

merdas que a mídia vem divulgando


sobre o nosso relacionamento, porra! No

posso mais esconder isso dela, está

virando uma bola de neve. Contudo,

quando cheguei no quarto dela e a vi

dormindo tranquilamente no tive

coragem de acordá-la e jogar essa

bomba, já estava muito tarde então

apenas me deitei ao lado da minha


namorada e a abracei o mais forte que

pude e deixei que o sono acalmasse os

meus anseios.

— Acho que já descobri o que

você queria conversar comigo de tão

sério, Gonzales. – Ouço a voz chorosa

da Solange bem distante.

Por um segundo pensei até que


fosse coisa da minha cabeça, mas

quando abro os olhos com uma certa

dificuldade devido a claridade no

cômodo yo a vejo sentada aos pés da

cama com os ombros caídos e a cabeça

baixa olhando para o celular em suas

mãos.

Dios Santo, ela já sabe!


— Yo sinto tanto, Carinõ, devia

ter contato a você assim que soube, mas

não tive coragem. – Me sento na cama e

a puxo de volta para dentro dos meus

braços, de onde ela nunca deveria ter

saído essa manhã, agora descobriu esse

monte de merda sozinha e está sofrendo.

Era minha obrigação ter


preparado a Sol para isso antes, isso no

foi atitude de hombre, muito menos de

um namorado que se diz tão apaixonado.

Estou com raiva e vergonha de mim

mesmo por ter sido tão covarde.

— Eu não acredito que você já

sabia dessas coisas horrorosas que

esses sites de fofocas estão falando


sobre mim e não me disse nada antes,

Gonzales. – Me empurra para longe

desapontada e cria uma distância segura

entre nós, no quer nenhum tipo de

contato físico comigo nesse momento.

Prefere abraçar um travesseiro

próximo a ela do que a mim.

— Só no queria te magoar mi
amor, essas pessoas no sabem nada

sobre a mujer incrível que você é. No

fazem ideia de quanto yo te amo. São

apenas um bando de invejosos que

ganham dinheiro destruindo a felicidade

alheia, tudo o que devemos fazer é no

dar ouvido a eles. – Tento argumentar,

rezando para que a Solange entenda um


pouco o meu lado.

— Eu estou pouco me fodendo

para o que essa gente fala, Gonzales.

Desde quando me importei com a

opinião dessa sociedade podre? –

Apesar de alterada, pelo menos agora

consegue olhar para mim, mesmo que

movida pela a raiva.


— Então porque está chorando,

Carinõ? – Estico o braço para enxugar

as suas lágrimas, mas ela vira o rosto

para o lado.

– Estou magoada por não ter

aberto o jogo comigo quando teve a

oportunidade, caralho! Quando te

perguntei ontem se tinha alguma coisa


errada, você mentiu na cara dura e disse

que não.– Esbraveja gesticulando as

mãos no ar freneticamente.

Mais uma vez Solange me

surpreendendo, está puta da vida comigo

por ter mentido, mas no dá a mínima

para o monte de absurdos que a mídia

está falando dela. Isso deixa bem claro


que e a minha namorada só se importa

com quem ela gosta, o resto...

Bem, é só o resto.

— Sei que errei e peço que me

perdoe, Sol. Prometo nunca mais mentir

para você. – Quase choro também, no

aguento vê-la ferida assim por minha

causa.
— Promete mesmo? Porque se

tiver mais alguma coisa que precisa me

contar é melhor que diga agora, porque

se eu descobrir sozinha depois não vou

te perdoar tão fácil. – Engole o choro

para deixar claro que está falando muito

sério, seu tom saiu quase um juramento.

— No dia que dormi no quarto


do seu irmão alguém entrou na minha

cobertura, fez um bela bagunça e deixou

escrito várias vezes nas paredes que “a

vingança está próxima”, yo acho que

foi o Lucas. Mas o delegado Avilar

acredita que...—Faço uma pausa e coço

a nuca, me sinto como se estivesse em

uma saia justa.


— O delegado acredita que? –

Ela ergue a sobrancelha em um carão

perfeito.

Suspiro pesadamente e abro o

jogo logo de uma vez.

— Ele acredita que pode ser

alguma louca que já dormiu comigo e

está com ciúmes do nosso


relacionamento, ou talvez um cliente da

minha empresa que no tenha ficado feliz

com os meus serviços. – Dou de

ombros, se ela queria saber de tudo

agora já sabe.

Me sinto até mais leve agora.

Fecho os olhos e encosto as costas

contra a cabeceira da cama em uma


respiração pesada, minha cabeça ainda

doe muito.

— E você me fala isso com essa

calma toda, Gonzales? – Joga o

travesseiro que até então estava

abraçando na minha cara. – Meu Deus

do céu! Se estive em casa podiam ter te

machucado ou até mesmo pior, não


quero nem pensar nisso. – Entra em

desespero.

— Calma, mi amor, no

aconteceu nada grave. E se quem fez

isso voltar, yo sei me defender, no se

preocupe.

— E vai se defender como, com

o seu taco de golfe? – Grita comigo e


minha cabeça dói mais ainda. – Puta

merda! Será que não entende que se

alguma coisa acontecer contigo, seu

babaca, eu não quero mais viver? – Me

enche de tapas e yo no consigo fazer

outra coisa a no ser sorrir com a sua

declaração, esse é o jeito bruto dela de

dizer que me ama e no quer que nada de


ruim me aconteça.

— Yo também te amo, Solange. –

Abro os braços e ela se joga sobre mim

e apoia a cabeça sobre o meu peito,

espero que todas as nossas brigas

futuras terminem assim com nós dois

juntinhos.

— Não vamos esconder mais


nada um do outro, seja o que for vamos

sentar e conversar e resolver juntos.

Chega de segredos.– Inclina a cabeça

para trás para olhar para o meu rosto e

encontrar nos meus olhos a resposta

sincera que precisa.

— Sem segredos daqui para

frente, amor, yo prometo! – Predo o seu


queixo entre os meus dedos e beijo a sua

boca selando a nossa promessa, enfim a

minha namorada abre um sorriso.

As coisas vão melhorar daqui

para frente, porque yo no vou permitir

que nada nem ninguém interfira na nossa

felicidade.
Os dias vão se passando e o

Lucas no deu mais nenhum sinal de vida,

parece até que desapareceu da face da

terra, isso trouxe uma certa

tranquilidade para todos. Contudo, yo

estou muito preocupado. O silêncio me

assusta mais que o grito. Por isso,

mantive os meus seguranças fazendo


escolta para a Tess, ela decidiu voltar

para a casa e tentar seguir sua rotina

normal. Mas a teimosa da Solange disse

que ia arrancar a minha cabeça fora caso

colocasse alguém atrás dela seguindo o

tempo todo. A mídia ainda no para de

falar sobre o nosso namoro, mas no

estamos nem aí. Eles que lutem para


aceitar o nosso amor. Foda-se todo

mundo, hoje é a grande despedida de

solteiro do meu irmão e só quero curtir.

Nando vai sair com os padrinhos para

festejar e a noiva com as madrinhas,

minha cunhada resolveu cair na noche

também.

Afinal, no é todo dia que se


casa, então tem que comemorar. Solange

está toda animadinha com seja lá o quê

as madrinhas planejaram para a

despedida de solteiro da Camila, a

diaba no quis me contar de jeito nenhum.

Perguntei para o John se ele sabia de

alguma coisa, mas a Yudiana também no

quis falar uma palavra sobre o assunto.


Mujeres!Espero que aquelas malucas no

exagere na dose, porque se yo souber

que contrataram algum Gogoboy a coisa

vai ficar feia para o lado da minha

namorada.

— Pronto para la mejor noche

de tu vida, Luiz Fernando? – Dou uma

chave de pescoço no meu irmão e saio o


arrastando para dentro da casa noturna

afastada da cidade, no queremos que

nossa farra vire notícia amanhã nos sites

de fofocas.

A ideia é bebermos até cairmos

e que Dios nos proteja e leve em

segurança de volta para a casa, porque

essa noche estamos saindo prontos para


o crime.

— Yo tenho até medo quando

você fala assim, Gonzales. – Ajeita a

gola da camisa polo.

— E devia ter mesmo, Nando! –

John assusta ainda mais o pobre rapaz.

— Ainda bem que vocês

chegaram porque a festa está bombando,


bora beber? — Pedro brota do meio da

multidão com a camisa preta (idêntica a

minha) aberta na frente, se remexendo ao

som da música igual a uma lombriga no

asfalto quente.

Olho feio para o John, se esse

mala está aqui com certeza foi a convite

dele.
— Não me olha com essa cara,

Gonzales, foi o seu irmão que convidou

o Pedro. Não faço ideia de onde esses

dois se conhecem. – John se explica

como se tivesse lido os meus

pensamentos.

— Que seja! Mas e o delegado

Avilar, onde está? Ele prometeu que


daria um jeito de tirar a noite de folga e

vir. – Pergunto olhando para os lado

procurando, a boate está lotada.

— Aquele lá serve para você? –

Pedro aponta para direção do bar,

Ricardo está debruçado sobre o balcão

vestido no estilo motoqueiro com a sua

jaqueta preta e o cabelo cortado curtinho


quase máquina zero.

Assim que nota a nossa

presença, ergue o seu copo de bebida e

acena para irmos nos juntar a ele no bar.

Yo e os rapazes trocamos olhares e

vamos quase correndo.

Que comience la fiesta!

O Luiz Fernando que era o mais


quieto do grupo e nem queria fazer a

despedida de solteiro foi o que mais

bebeu, dançou até o chão, pintou e

bordou em todos os sentidos da palavra.

Teve que ser levado para a casa

carregado. Foi uma noche muito louca e

divertida que vai ficar marcada na

história, o que aconteceu nessa boate


ficou por lá mesmo....

O dia amanhece lindo para mim

apesar de beber feito um desgraçado

ontem me sinto ótimo, abro a janela do

meu antigo quarto na casa de mis padres

e vejo que a decoração da vila está

quase pronta para a festa após a

cerimônia. Desço para tomar café e


encontro o meu irmão praticamente

desmaiado no sofá caríssimo da nossa

madre com ressaca, sendo que a essa

hora a sua noiva já deve estar enfiada

num salão de beleza se arrumando para

ficar linda para ele.

— Acorda, Cabrón, se chegar

atrasado no seu casamento a Camila vai


te matar. – O sacudo pelos ombros,

Nando apenas resmunga e continua

dormindo com a camisa toda torta e a

calça no meio da bunda.

— Yo sabia que isso de

despedida de solteiro no era boa ideia,

olha o estado que o seu irmão está desde

que chegaram em casa de madrugada. –


Mi madre aparece na sala com cara de

limão azedo, ela nunca gostou que o

Nando bebesse.

Meu irmão sempre foi muito

fraco para mulheres e bebidas. Ambas

as coisas o deixava na lama com muita

facilidade, só parou de sofrer por amor

depois que conheceu a Camila.


— No exagera, madre. Seu filho

está ótimo. – Coloco Nando sentado no

sofá, mas ele desliza vagarosamente até

cair de cara de chão.

— É. Yo estou vendo, Gonzales!

– Me dá um tapa na cabeça.

– Deixa que dou um jeito nisso,

dona Carmem, yo prometo. – Dou um


beijo no seu rosto lindo emburrado.

— Está bien, vou ajudar na

decoração da festa e quando yo voltar

quero o seu irmão de banho tomado e

nenhum vestígio de álcool no sangue. –

Aponta o dedo na minha cara, quando o

furacão latino entra em cena sai de

baixo.
— Sim senhora, madre. – Olho

para baixo com as mãos juntas atrás do

corpo em sinal de respeito.

Assim que a madre vira as

costas, pego o bundão do Luiz Fernando

e jogo nas costas e levo até o banheiro

do andar de baixo e ligo o chuveiro no

frio e o coloco debaixo com roupa e


tudo. Rapidinho ele acorda para a vida e

toma frente das suas responsabilidades

de noivo, fazendo com que as coisas

fluam perfeitamente bem nas próximas

horas. Os nossos familiares são os

primeiros a chegar e a mansão de mis

padres começa a ficar com cara de festa,

tem flores enfeitando cada pedacinho da


vila. Muita comida boa e bebida à

vontade. Me arrumo sem pressa para a

cerimônia, no tenho palavras para

descrever o quanto estou feliz por ser

padrinho do Luiz Fernando ao lado da

minha Solange.

Como o combinado, depois de

pronto passo na casa na minha namorada


para busca-la, Dona Cátia, Rafael e o

vovô Manuel também são convidados

especiais do meu irmão. Mis padres

estão ansiosos para conhecê-los. Pena

que a bisa voltou para a casa dela em

Petrópolis onde mora com o filho e a

esposa dele, mas de toda forma ela disse

que no iria em um casamento de “gente


branca” nem se fosse amarrada.

— Boa tarde, dona Cátia. –

Cumprimento assim que a minha sogra

atende a porta.

— Boa tarde, meu filho, como

você está elegante. Dale! Parece até um

toureiro – Ajeita o lenço vermelho no

meu pescoço.
Estou usando um terno de gala

charro, traje tradicional usado em datas

especiais na Espanha. Escolhi um

conjunto todo preto, a calça enfeitada à

mão com pregas prateadas na lateral de

ambas as pernas e o paletó curto com

belas abotoadoras sobre a camisa

branca. Para completar, uma fita


vermelha cumprida amarrada na cintura.

—Muito obrigado, sogra, a

senhora também está linda. – Ela dá uma

voltinha toda feliz com o elogio.

— Sério, Gonzales? Minha

falecida sogra fez esse vestido para eu ir

à formatura da Solange na faculdade e

nunca mais usei, tenho um carinho muito


especial por ele. – Alisa o tecido fino

do vestido longo num tom de amarelo

forte muito bonito.

A mãe da Solange é muito

parecida com ela, a única diferença é

que usa o cabelo bem curtinho. No

entanto, ambas tem tatuagens e amam

usar adereços e roupas inspiradas na


cultura africana bem rica em cores. Elas

têm um estilo que é só delas, uma força

no olhar que me fascina.

— Minha cunhada que se cuide

para a senhora no tirar o brilho dela na

igreja, realmente está muito elegante,

sogrinha.

— Para de graça, menino, vou


chamar a sua gatona. – Fala enquanto

digita no celular, ultimamente toda vez

que venho aqui ela está grudada nele.

Sento no sofá da sala e aguardo

impaciente, para distrair resolvo foliar o

caderno de desenhos do Rafael que está

sobre a mesinha de centro. A cada folha

que passo fico mais impressionado, seus


traços são tão intensos e marcantes.

— Yo já sei o que fazer! – Penso

alto.

Tiro fotos de várias páginas e

envio para uma conhecida que trabalha

em uma galeria de arte em Paris de um

francês podre de rico, Pierre é um dos

melhores avaliadores de obras de arte


do mundo e famoso pelo seu humor

ácido e sinceridade nua e crua. Ao longo

de sua carreira lançou vários talentos

novos que estouraram no mercado

artístico, e tenho quase certeza de que o

Rafael será o próximo.

Mas no vou falar nada para a

Solange ainda, quero fazer supressa


quando tiver a resposta do Pierre.

— Espero que eu não tenha feito

você esperar muito, espanhol – Fico de

pé em um salto quando escuto a voz

aveludada da Solange vinda do topo da

escada, chego a perder o fôlego quando

a vejo.

— Santa madre de Dios! Você


está simplesmente perfeita, Carinõ. –

Meus olhos acompanham os passos

lentos da minha deusa de Ébano ao

descer as escadas com elegância.

A calda do seu magnifico vestido

longo dourado arrasta pelo degraus

como uma onda revolta, a peça desce

bem justo pelas as suas curvas fartas e


abre nas pernas no formato sereia, as

mangas são curtas e a gola mais alta.

Conforme Solange se move, parece

aquelas cenas de filme dos anos oitenta

quando a luz bate no tecido brilhoso e

dá a impressão de se estar em meio a

uma chuva de pedras valiosas.As

tranças estão presas em um rabo de


cavalo alto bem sexy, passou sombras

escuras sobre os olhos, alongou os

cílios e finalizou com um batom vinho

seco. Se arrumou para matar todas as

outras de inveja, simplesmente perfeita.

E hoje que yo morro de ciúmes

nesse casamento.

— Que bom que gostou,


Cachorrão. Mas tenho certeza de que vai

gostar muito mais do que estou usando

por baixo do vestido, comprei

especialmente para você. – Ergue a saia

só para que yo veja a ponta da lingerie

vermelha que começa ao meio de suas

coxas.

— Presentinho especial é,
gostosa?Adoro! Por que no subimos

para o seu quarto e você mostra o resto,

hein?– Deslizo as mãos pelo o seu corpo

cheio de malícia, por mim estreávamos

o meu presentinho aqui mesmo no sofá

da sala.

— Nem pensar, homem. Guarda

esse fogo todo para a noite, não vamos


deixar ninguém do seu prédio dormir. –

Ri divertida e abraça o meu pescoço,

está tão cheirosa que dá vontade de

mordê-la todinha.

—Só a noche? No vai rolar

nenhuma rapidinha durante o casamento?

Sempre tive essa fantasia sexual. –

Passo a língua atrás da sua orelha na


parte mais sensível.

— Humn... Adorei a ideia. –

Avança na minha boca.

— Por que as pessoas beijam na

boca, mãe? Acho tão nojento. – Rafael

está posto aos pés da escada com cara

de nojo.

Está todo elegante em um terno


cinza e o cabelo todo arrumado com gel,

esse estilo social combina muito com

ele.

— Pode parecer nojento, filho,

mas para quem está apaixonado é a

melhor coisa do mundo. – Dona Cátia

explica paciente para o caçula.

Se o beijo é bom para um casal


apaixonado, o sexo é coisa de outro

planeta. Minha vida sexual nunca esteve

tão prazerosa. Solange me satisfez na

cama de um jeito que me suga todas as

forças, acho que essa é a famosa

diferença entre fazer amor e fazer sexo.

Porque quando yo digo “satisfaz” no

estou refiro somente de modo físico,


mas também espiritual e principalmente

sentimental.

— Acho melhor irmos andando,

pessoal, não quero que cheguemos mais

atrasado que a noiva. – Solange sai me

puxando em direção à porta, está um

pouco agitada porque é a primeira vez

que vai ser madrinha em um casamento.


— E o vovô Manoel, no vai?

— Não vai, querido, hoje é dia

de bingo no clube da terceira idade que

ele organiza a mais de vinte anos e o

meu sogro não falta um dia se quer.

Pediu para te pedir desculpas, disse que

deseja felicidades aos noivos.

— Entendo perfeitamente, dona


Cátia! Mas é uma pena, ele vai perder

um dia inteiro imerso na animada cultura

espanhola.

— Eu quero comer e dançar

horrores, adoro aquele ritmo de vocês,

como é mesmo o nome, gente? Acho que

regação. – Comenta dona Cátia, no faço

ideia do que ela está falando.


— É ritmo Reggaeton, mãe. –

Solange a corrige e nós todos rimos.

Chegamos na vila e vamos direto

para a igreja que fica bem no centro a

menos de cinco casas da mansão de mis

padres, a mãe da Solange no tira a

cabeça da janela no banco de trás do

carro. Está de boca aberta com o belo


trabalho de decoração que os moradores

fizeram junto com a equipe de

decoração, aqui todos os vizinhos

ajudam quando tem algum evento

importante.

— Seus pais estão nos

esperando na porta da igreja, que fofo

da parte deles. – Solange acena para


eles pelo vidro.

— Acho melhor vocês se

preparem para serem muitos

paparicados pela a dona Carmem e o

Antônio Gonzales, e quando yo digo

muito é muito mesmo. – Alerto após

estacionar o carro.

— Por Dios, Antônio, olha que


lindo casal os dois fazem juntos, em

breve casaremos outro filho. – Mi

madre aperta a minha bochecha e me

envergonha na frente dos outros, no vai

sossegar até me ver com uma aliança

enfiada no dedo.

— Então mamá, essa é a Cátia,

mãe da Solange, e o irmão dela, Rafael


Louis. – Faço as apresentações.

— Muito prazer, yo sou Carmem

e esse é o meu marido, Antônio. Agora

entendo de onde a namorada do meu

filho herdou essa beleza marcante. –

Nossas madres trocam abraços e beijos.

— O prazer é todo meu,

Carmem, você que é linda e tão


elegante. Obrigada por nos convidar

para o casamento do filho de vocês.

— No precisa agradecer, mujer,

agora nós somos uma só família. E em

breve avós do mesmo netinho. –Dona

Carmem dá uma risadinha, Solange fica

roxa de vergonhas.

Reviro os olhos. Na cabeça de


mi madre, Solange e yo já estamos

praticamente casados só falta oficializar

no papel e parir os netos.

— Então esse é o famoso

Rafael? A Lupita no para de falar em

como o melhor amigo dela é legal, nunca

vi a nossa chiquita tão feliz. – Papá

puxa o garoto para um abraço e tasca um


beijo na sua bochecha, mesmo yo tendo

explicado a eles várias vezes sobre a

sua restrições em relação ao contato

físico.

— Eu não estou apaixonado pelo

senhor, então esse beijo foi muito

nojento. – Rafael limpa a bochecha

várias vezes. – Todos acham graça. — E


a minha melhor amiga Lupita, onde está?

–Pergunta tímido.

— A Maria Guadalupe vai

chegar daqui a pouco com a noiva, ela

está muito feliz com o fato de ser

daminha de honra do casamento do

irmão.

Mi padre sorri amplamente, está


irradiante com o fato de estar casando o

primeiro filho.

— Falando em noiva, tu irmão

está em uma sala no fundo da igreja

muito ansioso. Acho melhor você e o

Antônio tentar acalmá-lo, deixa que yo

cuido da sua namorada e a família dela.

– Mi madre ajeita a rosa vermelha presa


na lateral do cabelo como se quisesse

disfarçar o nervosismo, seu olhar está

estranho.

Tem alguma coisa errada aqui.

— Isso filho, vem com tu padre.

– Agarra o meu braço e sai quase

arrastando para dentro da igreja, nem

tenho tempo de falar direito com a


Solange.

— O Luiz Fernando está bem,

papá? – Aumento o passo até o local

onde o meu irmão está.

— O problema no é tu irmão,

mas sim você, Gonzales.

— Como assim yo? No fiz nada

de errado dessa vez.


— Cala a boca e entra aqui

muchacho, porque o assunto é sério.

Luiz Fernando precisa falar contigo. –

Papá abre a porta e me empurra para

dentro, ele parece zangando e isso é

algo raríssimo de acontecer.

Meu irmão também no parece de

bom humor, está andando de um lado


para o outro com as mãos na cabeça

meio desesperado. Ele traja um charro

parecido com o meu, porém bem mais

formal todo branco e as abotoaduras

douradas.

— Será que você pode me

explicar por que todo mundo está agindo

tão estranho, Luiz Fernando? – Começo


a ficar nervoso.

Ele gira o pescoço na minha

direção com os olhos fervorosos. Sim!

Eu fiz alguma coisa muito errada, só no

sei o quê.

— Por que você mesmo no olha

com os seus próprios olhos, Alejandro?

Porque yo no tenho nem coragem de


dizer em voz alta. – Agarra o meu

pescoço com força e leva até próximo a

cortina grossa que separa o altar da

salinha que estamos, basta ele puxar a

ponta do tecido para yo ver o motivo de

toda essa tensão.

Ele está dentro em um vestido

curto vermelho piranha combinando com


a mesma cor do cabelo na altura dos

ombros, seu decote é chamativo e

extremamente vulgar, porém, no mais do

que a sua maquiagem barata. Uma

maldita intrusa sentada bem no banco da

frente com as pernas cruzadas e o nariz

empinado como se tivesse algum direito

de estar aqui, presente em um momento


tão especial para a minha família.

— No pode ser! O que essa

desgraçada está fazendo aqui? – Fico

irado.

— Yo no sei, Gonzales. Mas

você vai tirar essa vadia daqui antes que

a Camila chegue e a veja, já basta a

decepção que a presença dessa mujer


causou em mim e ao nossos padres. –

Vira de costas para mim decepcionado.

No acredito que o meu irmão

está zangado comigo no dia do seu

casamento, parece até um pesadelo.

— No se preocupe, Nando.

Paola é problema meu, então yo resolvo.

—Saio pisando duro, se essa cobra não


sair daqui agora sou capaz de matá-la

com as minhas próprios mãos dentro

dessa igreja.

Paola Martinez, foi o maior erro

da minha vida. No sei o que essa

espanhola desgraçada está tramando ao

aparecer aqui com essa cara de pau

depois de jurar nunca mais voltar ao


Brasil após o que fez, mas vou me livrar

dela antes que o pior aconteça.

Paula já destruiu a minha vida

uma vez, no vou deixar que faça o

mesmo dessa vez.


Solange

Minha mãe e a Carmem estão se

dando bem logo de cara, parecem até

que foram amigas de colegial. Só não

entendo a relutância da minha sogra para

que não entremos na igreja agora, parece


até que tem alguma coisa lá dentro que

não quer que eu veja. Não para de olhar

no celular a todo momento como se

esperasse alguma mensagem importante,

provavelmente deve ser alguma coisa

relacionado ao casamento.

— Eu estou cansado, Solange.

Podemos entrar na igreja? Está muito


calor aqui fora. – Rafael tenta cobrir o

sol com a mão erguida sobre o rosto.

— Aguenta só mais um

pouquinho, querido, a noiva está quase

chegando. Aí podemos entrar todos

juntos. – Carmem tenta tranquilizá-lo.

Minha sogra está linda demais

hoje, assim como o Gonzales e o marido


ela veste roupas tradicionais da cultura

espanhola. Parece uma cigana com essa

blusa branca cheia de babados caindo

nos ombros e a saia longa preta bem

rodada, o cabelo está solto enfeitado

com rosas vermelhas naturais.

— Tudo bem, mãe da Lupita, eu

espero.– Rafael concorda de má


vontade.

Mas basta o carro da noiva

apontar na entrada da rua que o meu

irmão logo se anima, sua melhor amiga

está chegando. Deus queira que ele não

faça nenhum comentário inapropriado

sobre a noiva, mas uma vergonha igual

no casamento da minha prima eu não


aguento. No entanto, quando a Camila

sai do banco de trás da limosine branca

percebo que é impossível alguém sequer

insinuar que essa mulher não está

simplesmente espetacular.

— Dios mio, Camila, você está

mui hermosa! Tu madre ficaria tão

orgulhosa se te visse agora. – Carmem


se emociona ao ver a nora dentro do

vestido de noiva mais delicado que já

vi, igual ao de uma princesa de verdade,

só faltou a coroa, nunca vi nada

parecido antes nem nos filmes de contos

de fadas.

Eu andei pesquisando sobre os

casamentos espanhóis para não passar


vergonha, descobri que a noiva veste

branco em sinal de pureza. No lugar do

véu, é comum que as noivas façam uso

da mantilha, que carrega mais detalhes

bordados a mão. A tradição é que elas

passem de geração para geração. A que

a Camila usa é toda bordada com linha

dourada, ela havia me dito que a sogra


usou no casamento dela assim como

todas as outras mulheres da família

Gonzales.

— Obrigada, Carmem, mas não

chora se não vou chorar também e vou

estragar a minha maquiagem. – As duas

se abraçam por longos minutos, dá para

sentir a ternura entre elas de longe.


Pelo o que o Gonzales me contou

a mãe da Camila morreu e o pai logo em

seguida se casou com uma mulher vinte

anos mais nova que só queria o dinheiro

dele, desde então, pai e filha não

mantem mais contato tanto que ela nem

fez questão de convidá-lo para o seu

casamento. Quem vai levá-la ao altar


será o senhor Antônio.

— Oi, Rafael, que bom que você

veio! Gostou do meu vestido de

daminha? – Lupita dá uma voltinha, o

vestido dela é uma réplica idêntica ao

da noiva.

— Você está mesmo linda,

Lupita. Parece uma super heroína dos


contos de fadas. – Elogia Rafael.

— Você também está muito

elegante de terno, meu amigo, estou tão

feliz que está aqui. – Abraça Louis e ele

retribui, com um discreto sorriso.

Minha mãe fica chocada, olha

para mim com lágrimas nos olhos.

Agora ela percebeu o quanto a amizade


desse dois é especial para o Rafael

Louis, essa espanholinha é a única

pessoa que ele deixa entrar no seu

mundo.

— Eu estou mesmo vendo isso,

Solange, ou a sua mãe está tendo algum

tipo de alucinação? – Cochicha no meu

ouvido.
— Não é alucinação, mãe, seu

filho está começando a se abrir para as

pessoas e essa espanholinha espirituosa

está sendo a ponte. –Lhe dou um abraço,

só nós duas sabemos o quanto essa cena

é importante para nós.

Depois que vou cumprimentar a

noiva preciso ser rápida, porque em um


segundo virou uma correria para

organizar a entrada da Camila na igreja.

O senhor Antônio vem para o seu posto

ao lado da nora, percebo que o seu

semblante não é dos melhores parece

contrariado com alguma coisa.

— Vem, Cátia, você e o Rafael

vão sentar do meu lado. – Carmem


segura a mão da minha mãe e do Rafael.

Os outros padrinhos do noivo

começam a se organizar na fila e nada

do Gonzales aparecer, fico sem graça

sozinha no meio desse posso falando em

espanhol rápido demais, não consigo

entender nada. Ainda bem que chegam o

John e a Yudiana, pelo menos tenho com


quem conversar.

— Oi, Solange, cadê o

Gonzales? Falta só ele, daqui a pouco os

padrinhos vão entrar. – Pergunta John

confuso.

— Não faço ideia, John. Estou

preocupada. – Fico sem graça e aliso o

braço com os pelinhos todos arrepiados,


isso não é bom sinal.

— Calma, Solange, ele vai

aparecer. – Yudiana segura a minha mão

na tentativa de me tranquilizar um

pouco.

— Desculpa o atraso, Carinõ,

tive que resolver um problema. –

Gonzales chega correndo quase sem ar e


beija o meu rosto, minha vontade é

meter a mão na cara dele, isso não é

hora de sumir.

— Que problema? – Franzo o

cenho, ele está estranho passando a mão

no cabelo toda hora.

— Contratempo de última hora,

mas deu tudo certo. A cerimônia vai


começar. – Responde com aquela

maldita mania de desviar o olhar porque

está aprontando algo, eu apenas

concordo com um pigarreio, não é o

momento para fazer escândalos, mas

estou por um fio.

As portas da igreja se abrem e

os padrinhos são os primeiros a entrar,


cada casal vai para o seu devido lugar

no altar marcado com os nomes. A

música da entrada da noiva se inicia

tocada ao vivo por uma orquestra

sinfônica, Camila vem caminhando

lentamente de braços dados com o sogro

e um sorriso gigante no rosto, tanto ela

quanto o noivo estão chorando


emocionados. Até eu estou, tinha me

esquecido de como os casamentos são

bonitos.

A cerimônia transcorre tranquila

e em uma perfeição sem fim, isso até o

padre fazer aquela famosa pergunta e

todos ficarem de ouvidos em pé...

— Se tem alguém com alguma


coisa contra esse casamento, diga agora

ou se cale para sempre. – Os olhos do

padre correm atento por todos os

convidados, quando pensa que ninguém

vai se manifestar... O inesperado

acontece.

— Eu tenho uma coisa muito

importante contra esse casamento,


padre! – Uma voz grossa toma conta de

toda a igreja e logo em seguida o

silencio se faz presente, ninguém se

atreve nem a respirar.

Um homem muito alto e

musculoso todo tatuado até o pescoço

roteado por uma corrente de ouro

aparece na porta da igreja, ele vem


andando pelo corredor em sua entrada

triunfal com o seu cabelo cumprido

preto liso esvoaçante ao meio das

costas. Vestido com esse jeans escuro

rasgado, jaqueta de couro preta e as

botas de camurça de canto alto tem cara

de ser problemas e dos grandes. Sei lá,

algo sombrio paira a sua volta que o


deixa ainda mais lindo e atraente. Tem

um charme único, mas letal.

— E o que você poderia ter

contra esse casamento, meu jovem? – O

padre pergunta meio assustado diante a

toda marra desse homem divino, o tipo

malandro que toda mulher lá no fundo

deseja ter pelo menos uma vez na cama.


Mas a impressão que tenho

olhando para ele é que vai tirar uma

arma da cintura e sair atirando em todo

mundo só por diversão, parece loucura,

mas esse tipo de coisa parece ser bem o

estilo dele.

— Eu não posso deixar que o

meu priminho se case sem antes lhe dar


um abraço, porra! – Solta uma risada

alta que toma os quatros cantos do local,

as mulheres presentes chegam a abanar o

rosto com fogo por causa do homem.

— Você quase me matou de

susto, Heros, no acredito que deixou os

seus “negócios” na Colômbia só para

vir ao meu casamento. – Luiz Fernando


abraça o homem com cara de mal, então

todos percebem que foi apenas uma

brincadeira.

— Se continuar olhando assim

para o meu primo Heros, yo no

respondo pelos os meus atos, Solange. –

Gonzales cochicha no meu ouvido, ele

está de maxilar trincado.


— Não faço ideia do que você

está falando, espanhol. – Prendo o riso.

O casamento segue sem mais

imprevistos, os noivos se beijam

debaixo de uma salva de palmas e

assobios. A saída deles da Igreja não

poderia ser mais barulhenta, pelo visto

se tem uma coisa que os espanhóis


gostam e de uma boa festa. Os amigos

do casal soltam fogos de artifício para

celebrar o casamento, enquanto

encaminham para fora, Camila e Luiz

Fernando são cobertos de arroz e

pétalas de rosas.

— Por que arroz e pétalas de

rosas, Gonzales? – Pergunto, já que aqui


no Brasil usamos apenas arroz.

— Porque simbolizam sorte e

fertilidade, Carinõ. – Aperta a minha

mão com carinho e sorri, fico de pernas

bambas toda vez que me olha assim de

um jeito especial.

— Que legal, adorei a tradição!

– Observo a alegria dos noivos.


— Agora que a festa de verdade

vai começar, Sol. – Gonzales me ergue

do chão e me roda no ar, enfim o homem

parece estar mais relaxado. Ficou o

tempo todo na cerimônia emburrado

olhando para todos os lados ao mesmo

tempo como se estivesse à procura de

alguém.
Chegamos na festa e todo mundo

está comendo, bebendo e dançando

alegremente. Minha mãe e o Rafael

vieram na frente com os pais do

Gonzales e a Lupita, eles já estão de fato

se sentindo parte da família. Durante a

comemoração, os noivos vão de mesa

em mesa entregando lembrancinhas para


os convidados, como cigarros ou

garrafinhas de vinho. Os amigos

retribuem com dinheiro, sempre

entregues em envelopes. Coisa da

cultura deles.

— Eu já imaginava que as

nossas mães iriam se dar bem, mas não

imaginava que seria tanto. – Aponto


para as duas conversando e rindo

alegremente, Carmem está fazendo

questão de apresentar minha mãe para

todo mundo.

— Yo estou muito feliz com isso,

Carinõ. – Serve uma taça de sangria e

me entrega, é um coquetel feito com

base numa mistura de vinho tinto,


pedaços de frutas e blocos de gelo.

— Que delícia! – Sorvo um

longo gole do líquido avermelhado que

desce pela a minha garganta refrescando

tudo.

— Você que é uma delícia,

Solange. – Se aproxima como se fosse

me beijar, mas fica sério de repente


como se estivesse vendo um fantasma

atrás de mim.

Giro o pescoço para olhar na

mesma direção, mas Gonzales avança a

minha boca ferocidade e tira todo o meu

foco de tudo e todos.

— Yo preciso ir ao banheiro,

Solange, volto daqui a pouco. – Toca a


ponta do meu nariz, apesar de sorrir,

sinto uma certa tensão no seu olhar.

Gonzales está suando muito e

nem está tão quente assim hoje, ele

afrouxa o nó da gravata como se

estivesse com dificuldade de respirar.

Talvez tenha comido alguma coisa que o

fez mal.
— Tudo bem, meu amor, te

esperarei bem aqui.

— Yo no vou demorar, prometo!

– Ergue a mão e toca o meu rosto, seu

sorriso é sem emoção alguma.

Abro a boca para perguntar se

ele está bem, mas Gonzales sai depressa

em direção a mansão dos pais dele.


Sinto uma sensação estranha, tomara que

seja só coisa da minha cabeça.

— Vem, Solange, agora é hora

da tradição mais importante. – Lupita

puxa a barra do meu vestido.

— Que tradição, espanholinha?

– Me abaixo para ficar da altura da

pequena e ajeito a sua tiara que está toda


torta entre o seu cabelo volumoso.

— É quando la noiva presenteia

duas pessoas com seus itens mais

valiosos do dia, a liga utilizada no

casamento e o buquê de flores que, ao

contrário da tradição de outros lugares,

no deve ser arremessado e disputado

por um monte de mujeres desesperadas


para casar. – Gira os olhos. – Mas

entregue a alguém especial para

transmitir a mesma sorte que ela teve de

se casar com a sua alma gêmea. –

Explica enquanto me puxa para o círculo

formado por todos os convidados em

volta da noiva, essa tradição deve ser

muito importante mesmo.


Olho para os lados atrás do

Gonzales, mas nem sinal dele ainda.

Quem eu encontro é a minha mãe de

conversinha com Maurício, chefe da

obra no bar. Eles estão bem próximo um

do outro, trocam sorrisos e olhares

íntimos. Sim! Dona Cátia está flertando

bem na minha frente e o homem é um


gato.

Enfim descobri quem é o

contatinho dela!

— Então esse é o momento mais

esperado por todas as mulheres

presentes neste casamento, mas

infelizmente só uma de vocês vai levar

esse buquê lindo para a casa. – Inicia


Camila, com o buquê erguido acima da

cabeça para que todos vejam.

Lupita olha para mim

esperançosa, acho que está torcendo

para que seja eu.

— Fala logo para quem vai dar o

boque, Camila! – Alguém grita em meio

à multidão.
— Tem alguém aqui louco para

casar, amor, então chega com esse

suspense. – Brinca o noivo arrancando

risadas dos convidados.

— Então, vamos lá! A pessoa

que eu escolho para dar o buquê é

alguém que conheço faz pouco tempo,

mas já amo muito. Ela é um ser de luz


que apareceu na vida de um cafajeste de

marca maior e está fazendo dele um

homem decente. Um bom partido. –

Camila sorri na minha direção com a

expressão de mais puro afeto, ela é uma

mulher tão doce e ao mesmo tempo tão

forte. – Por isso esse buquê tem que ser

seu Solange, bem vinda a nossa família.


– Revela por fim.

— Não acredito! – Cubro o rosto

toda boba.

— Vem aqui pegar o seu

presente, Sol. – Nem espero a Camila

chamar duas vezes, vou até ela correndo

entre os convidados.

— Muito obrigado por me


escolher, Camila, não sabe o quanto me

sinto honrada por isso. – Lhe dou um

abraço.

— Espero que esse presente

traga muita sorte para você e o

Gonzales, para que em breve seja a sua

vez de passar o buquê. – Me entrega

arranjo de flores rosas e brancas.


—Eu desejo para você e o Luiz

Fernando, de coração, toda felicidade

do mundo.

— E eu te desejo tudo em dobro,

minha linda! Aliás, falando nesse

espanhol, vai logo mostrar o seu buquê,

vai que ele se empolga e te pede em

casamento. – Brinca.
— Quer saber? Você tem razão.

Vou atrás dele, vai que dá certo. – Entro

na brincadeira.

Me despeço da Camila e vou

para a casa dos meus sogros atrás do

meu namorado fujão, o lugar está

deserto, estão todos na vila se

divertindo na festa. Procuro Gonzales no


banheiro, mas não o encontro. Penso que

talvez ele já tenha voltado e esteja me

procurando. No entanto, ouço ruídos

estranhos vindo do andar de cima e

resolvo averiguar, pode ser alguém

precisando de ajuda. Ergo o meu vestido

e subo as escadas com cuidado para não

amassar o meu buque, quando chego no


último degrau percebo que o barulho

vem do antigo quarto do Gonzales, me

aproximo a passos leves pelo corredor e

noto que a porta está entreaberta.

Empurro a porta bem devagar

sem saber o que me espera do outro

lado, meu coração parece até que parou

de bater ao me deparar com a cena


bizarra a poucos metros diante de mim.

É como se a minha alma tivesse saído

do meu corpo, uma experiencia pós

morte.

— Oi, queridinha, perdeu

alguma coisa aqui? – Profere uma

mulher vulgar em um vestido vermelho

curto demais para comparecer em uma


cerimônia de casamento, sua boca está

toda lambuzada de batom.

Ela me olha com deboche por

cima do ombro como se já esperasse a

minha chegada, debaixo das pernas da

mulher, na cama, está o meu namorado

com a boca mais suja de batom que a

dela.
— Mas que merda está

acontecendo aqui? – Me preparo para

cair de pancada em cima dois, não

acredito que isso está mesmo

acontecendo.

— No é nada disso que você está

pensando, Carinõ. – Gonzales tira a

mulher de cima dele de qualquer jeito e


joga chão, tenta se aproximar de mim

abotoando os botões da camisa, mas dou

dois passo para atrás e estico o braço

entre nós impedindo que me toque.

— Ah, não? – Dou mais uma

bela olhada na vadia no chão na frente

dele, o seu vestido está praticamente

suspenso no pescoço deixando os


peitões de fora com os bicos rosados

balançando na minha cara. — Pelo visto

você decidiu realizar a sua fantasia

sexual sem mim, não é, Cachorrão? –

Sorrio amarga.

— Só me dê uma chance de

explicar, mi amor, por favor, yo te

imploro. – Lágrimas começam a descer


pelo o seu rosto, mas não me comovo,

quero que ele vá para o inferno.

Gonzales não passa de um

traidor mentiroso, pau que nasce torto

morre torto.

— Explicar o quê? Que estava

prestes a trepar com uma estranha no

meio do casamento dos seu irmão e bem


debaixo do teto dos seus pais? Isso é

baixo demais até para alguém como

você, Gonzales. – Ataco ferida.

A verdade é que apesar de não

ter nenhum pingo de classe, essa mulher

é linda! Alta e magra, o tipo atraente que

qualquer homem olharia quando

passasse na rua. Fecho os olhos e


lembro das coisas horríveis que aqueles

sites de fofoca falaram sobre mim,

naquele momento em que vi não doeu,

mas agora que o Gonzales me provou

que eles estão certos me sinto um lixo, é

como se uma espada tivesse atravessado

o meu peito.

Homens como ele não nasceram


para se relacionar com mulheres como

eu, não sei onde estava com a cabeça

que pensei que isso poderia dar certos.

— Yo no sou nenhuma estranha

fofinha, sou Paola Martinez. Ex-mulher

do Gonzales. –Afirma confiante e apoia

as mãos no ombro do Gonzales, que

apenas se cala de cabeça baixa. – Aliás,


no dia que ele chegou tarde na sua casa

ele estava comigo. – Passa a língua no

rosto dele, sinto o meu estômago

embrulhar.

— Cala a porra da boca, Paola!

– Gonzales grita fora de si.

Meu mundo cai. Então, Gonzales

já foi casado? E eu feito uma idiota


pensando que eu era a única mulher

especial na sua vida, mas havia

outra.Outra importante o suficiente para

que ele a levasse ao altar e fizesse dela

sua esposa.

— Nunca vou te perdoar por

isso, Alejandro Gonzales. Eu te odeio! –

Jogo o buquê na cara do desgraçado,


nunca mais quero vê-lo novamente.

A partir de hoje, Gonzales está

morto para mim assim como qualquer

sentimento que senti por ele algum dia.


Solange

Saio correndo aos prantos sem

rumo, passo em meio aos convidados da

festa que estão cantando e dançando em

espanhol alegremente. A música está

alta e ainda assim consigo ouvir o meu


coração batendo forte enquanto sangra

dentro do peito, tudo o que eu quero é

desaparecer de perto de toda essa gente.

— Hey, Solange, está tudo bem,

filha? – Minha mãe me grita de algum

canto, mas ignoro e continuo em frente.

Tiro os sapatos e jogo para bem

longe e continuo correndo. Correndo e


correndo até as minhas pernas perderem

as forças. Mesmo assim não paro. Me

arrasto a passos lentos. Preciso liberar

toda essa adrenalina no meu sangue.

Tinha planejado um noite linda para mim

e o Gonzales, mas tudo virou um

pesadelo. Olho para os lados e nem sei

mais onde estou. Perdi a noção de


direção e tempo. Só sei que é uma rua

escura, fria e vazia. Abraço o meu

próprio corpo e me entrego às lágrimas.

Ouço um carro se aproximando,

espero que passe por mim e me deixe

sozinha com a minha dor. Mas isso não

acontece. Olho para trás e percebo que

diminui a velocidade e está me seguindo


com o farol alto, não consigo ver nada

por que já é noite e o veículo e todo

preto com os vidros escuros.

— Você? – Digo surpresa

quando os faróis baixam por um segundo

de propósito para que eu consigo

reconhecer quem está no volante, mas

antes que possa dizer mais alguma coisa


o motorista acelera e vem com tudo para

cima de mim.

Até me viro e tento correr, mas é

em vão. O carro acerta o meu corpo que

gira no ar e é arremessado contra ao

chão com toda a força. Apesar de não

conseguir me mexer de tanta dor, ainda

estou levemente consciente e ouço


quando o veículo dá a ré, volta e

estaciona próximo a mim. A pessoa abre

a porta e sai a passos calmos, se abaixa

sem pressa e sussurra no meu ouvido.

“Eu disse que teria a minha

vingança”

Foi a última coisa que ouvi antes

de cair em uma escuridão sem fim, onde


por mais que eu gritasse ninguém

poderia me ouvir.

Continua...
OUTROS
LIVROS DA
SÉRIE

Para você que é novo por aqui e

gostaria de conhecer as histórias de

outros personagens desta série, vou


deixar abaixo em ordem os nomes dos

livros já disponíveis na Amazon. Para

que possam ir lendo enquanto esperam

a segunda e última parte da linda

história do Gonzales e da Solange que

sairá em breve.

*DELEGADO AVILAR — Livro 1


*POLICIAL BARRETO — Spin-

off do livro Delegado Avilar.

*JUIZ THOMPSON — Livro 2

*O GUARDA-COSTAS — Spin-off

do livro Juiz Thompson.

*CORAÇÃO FERIDO — Livro

paralelo da personagem Dani Flores,

presente nos livros citados acima como


personagem secundária, quando ela

nem sabia ainda da existência do

Marcelinho.

*CORAÇÃO VALENTE —

Segunda e última parte do livro da

Dani

*ADVOGADO GONZALES. —

Livro 3 – Parte 1
ADVOGADO GONZALES – Livro

3 – Parte 2 - final (será lançado em

breve)

PROMOTOR PEDRO — Livro 4,

último da Série Homens da Lei, que

contará a história da nossa querida

Paula e a pequena Maria.


SOBRE A
AUTORA

Mais informações sobre os

próximos lançamentos, e todos os outros

livros da autora em:

Grupo no facebook: Romances -

Mari Sillva
Instagram:

https://imgaddict.com/user/autoramarilia/5

Wattpad:

https://www.wattpad.com/user/MarliaSill
AGRADECIMENT

Muito obrigada a todas as minhas

lindonas que tanto amo do grupo no

WhatsApp “Amoras da Mari” e do

grupo do Facebook: Romances — Mari

Sillva, que fazem os meus dias mais


felizes.

Aos meus amados leitores do

Wattpad, onde tudo começou, e estão

firmes e fortes comigo até hoje.

Obrigada, amo vocês!

À equipe responsável pela

produção deste livro para que ele

chegasse lindão até vocês: A revisora


Victoria Villanova e a diagramadora

Denilia Carneiro.

E, ACIMA DE TUDO E DE

TODOS, A DEUS, QUE FOI A MINHA

BASE PARA CHEGAR ATÉ AQUI!

Você também pode gostar