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Apanhado Geral:

Nossa pesquisa caminha por uma linha lógica que nasce no Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, e percorre por vários pontos até chegar à resposta do problema aqui discutido. A
partir de um consenso sobre o valor da DPH para o ordenamento jurídico, iremos apresentar
de forma breve as bases históricas e sociais que envolvem o tema, iniciando nos Direitos
sociais, percorrendo o Direito Fundamental Social Previdenciário, entendendo seu surgimento
e desenvolvimento no Brasil e compreendendo sua positivação na CF/88, e fazendo um recorte
no Direito Previdenciário do Professor, que é o ator central da presente pesquisa. Por fim,
iremos adentrar ao cerne da questão, que é emenda constitucional 103/19, discutindo acerca
da sua efetividade na garantia do Direito Fundamental Social Previdenciário do Professor
ligado ao RGPS.

Interfaces entre a dignidade da pessoa humana e CF/88

- Nosso estudo é construído tendo como base central a Dignidade da pessoa humana, que foi
incorporada ao texto da CF/88 pelo legislador constituinte, com caráter fundamento da
República. Embora nosso referencial teórico tenha nos levado a constatar que não existe um
conceito fixo de DPH, sendo ele multifacetado, o mesmo referencial, composto por nomes
como Ingo Sarlet, José Afonso da Silva e Luiz Roberto Barroso, nos orienta a uma concepção
básica de dignidade: “a pessoa humana como fim central da atuação estatal”, sendo essa a
base da nossa discussão. Diante disso, a CF/88 preocupou-se em busca materializar a DPH
através dos Direitos Fundamentais sociais.

Direito Social Fundamental Previdenciário

As lutas sociais dos trabalhadores, basearam as primeiras conquistas relacionadas aos direitos
sociais no Brasil, que nasceram com o desenvolvimento industrial no país. De forma bastante
suscinta, o surgimento desses direitos tive finalidade colocar freio no capital, pressionando as
indústrias a oferecer melhores condições de trabalho.

O Direito Previdenciário, como uma espécie de direito social, também surge no Brasil, a partir
do desenvolvimento da indústria, justamente contrapondo as violações de direitos a partir das
lutas sociais.

No Brasil, Lei Eloy Chaves de 1923, foi a primeira legislação dentro do Direito Previdenciário a
materializar forma de proteção ao trabalhador, a partir das chamadas CAPS, as Caixas de
Aposentadoria e Pensões, que garantiam aposentadoria aos ferroviários. Importante destacar
que esse sistema previdenciário instituído pela Lei Eloy Chaves, era livre de qualquer atuação
do Estado, tudo acontecia dentro da esfera privada.

A partir da década de 1930, os direitos sociais começaram a dar sinais no Brasil, a partir de
então o assunto previdência social começou a despertar interesse do e Estado e dos
trabalhadores, que começaram a ser movimentar, a partir de então o país assistiu a um
intenso desenvolvimento fragmentado de legislações e institutos voltados a regularização
previdenciária, perdurando até 1966, quando foi criado o INPS – Instituto Nacional de
Previdência Social.

TABELA – SLIDE

Com a criação do INPS em 1966, o Estado centralizou em si, todos os órgãos de previdência. A
partir de então, o Estado passa a ter pleno controle sobre o sistema previdenciário do país.

O Direito Social Previdenciário na CF/88

A década de 1980 ficou marcada pela promulgação da nova constituição, que evidenciou uma
grande preocupação com as pautas sociais, com ênfase na proteção aos trabalhadores.
Segundo Gilmar Mendes, a CF/88 inaugura um sistema de seguridade social com caráter
prestacional a ser garantido pelo Estado brasileiro.

Dentro do campo do direito social previdenciário, a constituição inaugurou o Regime Geral de


Previdência Social, o RGPS, tendo como núcleo o art. 201.

Importante destacar que, em um momento pós CF/88, em 1990, foi criado o Instituto Nacional
de Seguridade Social – INSS, que substituiu o INPS, criado lá em 1966.

O Direito Social Previdenciário do Professor

Destarte tudo que foi exposto até agora, adentramos na discussão sobre o direito
previdenciário do professor, que teve sua primeira regulamentação específica, na CLT –
Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943, durante o Governo Vargas. No que concerne
especificamente à aposentadoria, sua primeira regulamentação foi o Decreto 53.831/1964,
que a classificava como aposentadoria especial. Mas somente atingiu status constitucional, na
CF/67, através da EC 18/81.

Com a promulgação da CF/88, a aposentadoria do professor passou a respaldar-se no art. 201,


que estabeleceu critérios de tempo de contribuição necessários para o alcance dos benefícios
pelos filiados ao RGPS.

Importante destacar que o professor obteve diminuição de 5 anos de contribuição das demais
aposentadorias, para aqueles que provarem efetivo exercício do magistério, sendo de 30 anos
para o professor e 25 anos para a professora.

A Emenda Constitucional 103/2019

O ano de 2019, dentre outras coisas, ficou marcado pela discussão e aprovação no Congresso
Nacional da Emenda Constitucional nº 103/2019, comumente conhecida como “Reforma da
Previdência”. A emenda 103/19 alterou o texto da CF/88 modificando as regras de
aposentadorias, que consideravam o tempo de contribuição bem como a idade do segurado,
sendo substituídas pela aposentadoria com requisitos cumulativos de idade e tempo de
contribuição. E uma das classes afetadas por essas mudanças foi a dos professores vinculados
ao RGPS, de forma a gerar dúvidas sobre a sua validade em relação aos preceitos
fundamentais constitucionais da República.

Como dito anteriormente, as regras de aposentadoria dos professores sempre tiveram uma
vantagem na diminuição de 5 anos do tempo de contribuição, justificada pelos riscos
comprovados que a profissão causa, relacionados a doenças físicas e mentais, após a emenda
103/19, essa vantagem prevaleceu, continuou, entretanto, pela primeira vez, passou-se a
exigir também, o requisito de idade mínima para essa classe.

Agora são 57 anos de idade para a professora, e 60 anos de idade para o professor, que
ingressarem ao RGPS após a EC 103/19.

TABELA – SLIDE

Visando a adequação dos professores em exercício na data de entrada em vigor da emenda


103/19, foram criadas 3 regras de transição. A partir da análise dessas regras de transição, foi
possível verificar alguns graves cenários: - em um lapso temporal de 9 anos, estaremos diante
de um cenário em que, pessoas de 70 anos de idade, ainda estarão laborando em salas de
aula.

Regras de transição

Visando a adequação dos professores em exercício na data de entrada em vigor da emenda


103/19, foram criadas 3 regras de transição. A primeira delas é a chamada “Sistema de
Pontos”, seguindo essa regra, para os professores se aposentarem, deverão ter 25 anos de
contribuição para a mulher, e 30 para o homem, além disso deverão acumular 91 pontos para
o homem e 81 para a mulher sendo acrescido 1 pontos a cada ano até alcançar 100 para o
homem e 91 para a mulher.

A segunda regra é a de tempo de contribuição e idade mínima, e segue a mesma lógica da


primeira, entretanto são exigidos 30 anos de tempo de contribuição para a professora e 35
para o professor, e idade mínima de 51 anos para a professora e 56 para o professor, tendo
um acréscimo de 6 meses a cada ano até atingir 57 para a professora e 60 para o professor.

Já a terceira regra, a professora que tiver 52 anos de idade e professor que tiver 55 anos já
cumpriram o requisito de idade mínima. Em relação ao tempo de contribuição, a professora
necessitará de 25 anos e o professor de 30 anos. A regra inda dispõe sobre a cumprimento de
pedágio, que corresponde a 100% do tempo que, nada data de entrada em vigor da EC 103/19,
faltaria para alcançar o tempo mínimo de contribuição.

Diante das significativas mudanças advindas da EC 103/19, é necessário analisar se essas


modificações são válidas para entrega da dignidade humana dos professores, e se não eficazes
na garantia de seus direitos fundamentais.
A inconstitucionalidade da EC 103/19

Como já discutido, a CF/88 de constrói sobre a pedra basilar da DPH, cabendo a todos o dever
de preservá-la e ao Estado de viabilizar mecanismos que garantam sua efetivação. Como
também já exposto nossa revisão de literatura mostra não ser possível fixar de forma abstrata
o conteúdo da dignidade da pessoa humana, contudo, alguns parâmetros têm orientado o que
é necessário para uma vida digna. O próprio Ingo Sarlet apresenta a chamada dupla dimensão
da acepção da dignidade da pessoa humana, sendo a prestacional e a defensiva.

Fica clara a ideia que, não basta sobreviver, mas sim viver de forma digna, com condições que
garantam o bem estar da pessoa humana.

A partir dessas análises, foi possível verificarmos que o conteúdo material da EC 103 apresenta
pontos, que ao decorrer da discussão evidenciam uma incompatibilidade com o Princípio da
DPH, com implicações nos direitos fundamentais sociais.

Assim é extremamente necessário analisar as novas regras trazidas pela EC, e seus reflexos na
aposentadoria do professor, que passarão pela primeira vez, ter que cumprir o requisito de
idade mínima de 57 anos para a professora e 60 anos para o professor. O cenário se agrava
quando levamos em consideração as regras de transição.

Essa abrupta mudança abre margem a discussões no campo da efetividade da DPH dos
professores, levando em consideração as condições físicas e psicológicas inerentes a profissão.

Webber elenca várias doenças ocupacionais desenvolvidas pelos professores ao longo de suas
carreiras. Problemas na voz, ansiedade, estresse, depressão.

Associando essas doenças, às mais comuns entre pessoas de 50 a 70 anos, como é o caso dos
professores que se submeterão as novas regras, o quadro se agrava.

Estudo longitudinal, fiocruz. O estudo evidenciou que quase 70% das pessoas com 50 anos ou
mais, sofrem de pelo menos uma doença crônica.

Com esses dados fica cada vez mais evidente que, com as novas regras da EC 103 , causarão
impactos na saúde dos professores, que poderão ser acometidos por várias doenças que
podem retirar sua capacidade laboral.

Esse cenário torna visível um grave quadro de retrocesso social, situação vedada pelo
ordenamento, na figura do Princípio da vedação do retrocesso social, que segundo Gilmar
Mendes, não seria possível extinguir direitos sociais já implementados.

Considerando todo o conteúdo produzido no desenvolvimento da presente pesquisa, afere-se


que as mudanças ocasionadas pela EC 103/19, impactaram de forma negativa nos direitos
sociais dos professores, e na efetividade do fundamento da DPH.

Ante o exposto, constata-se que a EC 103/19 não entrega a égide do professor trabalhador
através de seus direitos sociais previdenciários, pois as novas regras atacam diretamente do
fundamento da DPH do professor, causando sua precarização, incorrendo em uma clara
inconstitucionalidade material, pois afronta princípio explícito na ordem constitucional
brasileira.

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