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FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA

MESTRADO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

CADEIRA: POSSE DE TERRA E TERRITORIALIDADE

Docentes: Prof. Doutor Elísio Jossias

Prof. Doutor José Adalima

Discente: Aurélio Fernando Oliveira

Ensaio

Introdução

O seguinte trabalho consiste num ensaio em torno da temática “Historicidade das relações
de propriedade”, usando como vector de análise as abordagens trazidas pela Sarah Berry
resultante dos seus estudos extensos sobre as transformações politicas, económicas e
ideológicas em torno da terra. A autora baseia-se em perspectiva histórica de reformas
agrárias e perpetuação do impacto e modelos trazidos pela colonização e capitalismo.
Factores esses que intensificaram os conflitos de reivindicação pela terra, estabeleceram
condições em volta das relações humanas e reconfiguraram um novo padrão na forma de
pensar sobre territorialidade e territorialização. Portanto, o objectivo deste ensaio é
demostrar analiticamente os factores que desencadearam os conceitos de propriedade, os
discursos de reivindicação e modelos de relações sobre a terra que a autora aborda nos seus
textos.

O argumento central deste texto é de que o quadro colonial caracterizado por um conjunto
de forças e processos limitaram acesso a terra e desencadearam transformações nas
relações das populações africanas com a terra e com os recursos naturais, ou seja, a

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dominação colonial trouxe lógicas e modelos de natureza político, social, ideológico e
económico nas relações com a terra e os recursos existentes em África.

Segundo Berry 2002, em seu texto “Debating the Land Question in Africa” afirma que os
regimes coloniais em África transformaram as relações dos africanos com a terra pelo
menos de três formas: através da deslocação física, da demarcação de fronteiras territoriais
e sociais e da invenção ou reinterpretação das regras que ditavam o acesso, a transferência
e o uso das terras.

A abordagem acima, remete-nos a analisar o quadro de um conjunto de objectivos, por


vezes em conflito entre si, que devem ser compreendidas políticas levadas a cabo por
Estados coloniais como aquelas que levaram à deslocação física, em maior ou menor
quantidade, de populações das terras onde habitavam e desenvolviam as suas actividades
económicas. Principalmente, a necessidade de entender os factores de justificação que
desencadearam esses processos em diferentes momentos e territórios para levar a acabo
deslocações destes tipos por vezes permanentes e compreender quais foram as suas
consequências para as populações envolvidas.

Na perspectiva da autora, quer as zonas onde as populações africanas puderam permanecer,


quer aquelas para onde foram deslocadas, foram frequentemente sujeitas a alguma forma
de demarcação territorial e social. Este esforço de demarcação corresponde ao processo de
substituição das divisões políticas, sociais e territoriais no interior e entre os grupos que
compunham as sociedades africanas habitando num dado território por uma nova
organização, determinada pelo Estado, capaz de permitir o controlo do uso e acesso à terra
e o domínio sobre a organização social, distribuição espacial e a capacidade produtiva das
populações.

O terceiro elemento identificado por Berry (2002) diz respeito ao modo como as
administrações coloniais lidaram com as regras que, nas sociedades locais, regulavam o
acesso, a transferência e o uso da terra. À distinção essencial entre europeu e africano do
ponto de vista intelectual e civilizacional, entre as formas de organização política e social,
mas também as respectivas práticas agrícolas e pecuárias, critérios que serviram de
justificação a diversos aspectos da dominação colonial em África, juntou-se o binómio
propriedade individual/comunal. De facto, era dominante nas administrações coloniais de
início de Novecentos a visão segundo a qual nas sociedades africanas não só não existia o

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conceito de propriedade individual da terra como as populações eram incapazes de
compreender o alcance de tal instituto jurídico.

Para a autora, a terra um bem comunal e inalienável, era administrada por chefes que a
dividiam e distribuíam a vários indivíduos segundo diferentes critérios. Esta visão
dominante correspondia a uma simplificação, a uma interpretação eurocêntrica e enviesada
e, em muitos casos, a uma verdadeira invenção das regras vigentes nas diferentes
sociedades africanas, que, longe de serem estáticas, haviam evoluído ao longo do tempo
em função de um conjunto de contingências ecológicas, sociais, políticas e económicas. As
políticas e as práticas coloniais, nomeadamente a codificação dos regimes de terras
africanos sob a forma de «usos e costumes» fundiários, precipitaram e modificaram o curso
dessa evolução.

Essas invenções coloniais de tradição africanas e as imposições de leis e regras emergiram


uma serie de debates sobre o significado e aplicação da tradição nas sociedades africanas
através do domínio Britânico, debate este que a Sarah Berry levanta em seu texto
“Hegemony on a shoestring: indirect rule and access to agricultural land” olhando para as
interpretações equivocadas que as administrações coloniais criavam a luz da tradição
africana.

Berry (1992) neste artigo analisa as primeiras décadas do domínio colonial britânico na
África. A escassez de dinheiro e mão-de-obra não apenas obrigava os administradores a
praticar um governo indireto, mas também limitava sua capacidade de dirigir o curso da
mudança política e social. Com efeito, argumenta a autora, os regimes coloniais foram
incapazes de impor as leis e instituições inglesas ou suas próprias versões das leis
tradicionais africanas às sociedades indígenas. As invenções coloniais da tradição africana
serviram não tanto para definir a forma da ordem social colonial, mas para provocar uma
série de debates sobre o significado e a aplicação da tradição que, por sua vez, moldaram
as lutas pela autoridade e o acesso aos recursos.

Para a autora, no âmbito de se estabelecer uma estrutura e identidade africana para a


definição de leis consuetudinárias, os europeus classificavam as pessoas de acordo com o
grupo de descendência ou afiliação tribal e este princípio determinava as atribuições de
funções e tarefas, e também determinava quem deveria cultivar a terra e quem tinham que
pagar impostos, ou seja, estipulava-se leis individualmente aplicadas resultantes do grupo
social a que o individuo pertencesse. Neste âmbito, mobilizou-se uma série de leis que a

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autora considera em seu texto como impositoras e resultantes de uma interpretação e
invenção sobre a tradição africana, equivocadamente determinada pela administração
colonial.

A autora no seu artigo, traz exemplos retirados de áreas rurais em quatro colônias
britânicas, Nigéria, Costa do Ouro (Gana), Quênia e Rodésia do Norte (Zâmbia)
selecionados para refletir diferentes histórias de dominação colonial e comercialização
agrícola.

Na perspectiva da Berry (1992) essa definição estava imbuída de subjugação e de


violações de princípios tradicionais, e que o único interesse da administração era a
definição da estrutura para fins de benefícios económicos das propriedades em África,
facto que essas classificações foram contestadas pelos africanos oferecendo uma versão
diferente da sua tradição.

As leis aqui descritas não apenas influenciavam a questão identitária, mas também criava
uma condição de propriedade, ou seja, a identidade em que as pessoas eram atribuídas
determinava o seu grau de direito em torno da terra, e isso estabeleceu uma reforma de
direito de posse de terra que até os tempos remotos vigora nas relações de territorialização.

Tal como referi acima, esses factores desencadearam não só um padrão e ordem de
territorialidade e territorialização para as sociedades africanas, mas também trouxe novos e
ampliou conflitos actuais de terra, abordagem essa que a autora traz no seu texto “Property,
Authority and Citizenship: Land Claims, Politics and the Dynamics of Social Division in
West Africa”

Berry (2009) afirma que as intervenções políticas neoliberais destinadas a esclarecer os


direitos de propriedade, ampliar a participação política e aumentar a responsabilidade
oficial frequentemente provocaram, em vez de aliviar, conflitos sociais e políticos.
Comparando histórias de casos de lutas locais por terra e autoridade em áreas rurais
selecionadas em Gana, Costa do Marfim e Benin, a autora nesse artigo argumenta que em
situações onde o acesso à terra tem sido historicamente ligado a reivindicações de
autoridade e pertencimento social, pressões para privatizar ou esclarecer a propriedade
intensificaram os debates sobre cidadania e governança, bem como sobre as reivindicações
de terra.

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A autora declara que essas interversões trouxeram nas relações de propriedade, desde
conflitos resultantes de usurpação de terra, subornos e corrupção em volta da terra, e não
só, aumento da demanda e consequente comercialização da terra nas sociedades africanas.
Berry (2009) olha os impactos do colonialismo como reesposáveis por esses conflitos, ou
seja, as realocações, mobilidades demográficas e êxodo rural são alguns dos factores que a
autora ilustra para sustentar o seu argumento.

E não só, a autora olha as influências de controlo politico sobre a terra como factores
complementares, na medida em que a terra é vista como um núcleo de poder em que certos
individuo querem ter o controlo sobre os corpos afirmam seu poder, desde dirigentes até
lideres locais, facto que caracteriza as relações de propriedade como sendo conflitiva e os
centros urbanos e rurais como lugares de tensão

Conclusão

Contudo, apos fazer uma análise profunda nos textos da Sarah Berry podemos afirma que
além de ser uma fonte rica para compreender, não só os eventos e a forma como o
colonialismo transformou e condicionou as relações das sociedades africanas com terra,
constituem também numa ferramenta riquíssima para interpretar os princípios e modelos
que caracterizam as políticas territoriais e o valor que se agrega à terra actualmente.

Em função da análise desenvolvida neste presente ensaio, concluímos que além de ater-se
aos factores transformistas do processo colonial, é importante compreender como que as
populações africanas moldaram as suas relações e vivencias em torno da terra diante destes
modelos e princípios, e como é que os mesmos foram acomodados e que impactos essas
reconfigurações feitas constituem para as suas relações.

Referências Bibliográficas

Berry, S. 2002. Debating the Land Question in Africa. Comparative Studies in


Society And History 44 (4): 638-668.
_________________. 1992. Hegemony on a Shoestring: Indirect Rule and Access to
Agricultural Land. Africa: Journal of the International African Institute 63 (3): 327-355.

_________________. 2009. Property, Authority and Citizenship: Land Claims, Politics


and the Dynamics of Social Division in West Africa. Development and Change 40 (1): 23–
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