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A PERVERSÃO E A PERSONALIDADE PSICOPÁTICA

Os conceitos de personalidade psicopática e da perversão são nesta


apostila expostos, não havendo uniformidade quanto às características de cada uma
delas no campo psicanalítico — pondera-se — conquanto as principais propriedades
que as definem possam ser tranquilamente delineadas de modo consistente e
coerente.
É de se recordar — como é sabido — que para a Psicanálise três são os
grandes campos de psicopatologias: a) neuroses; b) psicoses; c)
perversão/personalidade psicopática (ou, dito de outro modo, perversão ou
psicopatia 1 — ou seja, na terceira categoria, dois perfis psicanalíticos estão ali
presentes).
A perversão e a psicopatia são consideradas como modos de organização
do funcionamento psíquico com uma natureza bastante específica e complexa, que
pelas suas características são distinguidas das neuroses e das psicoses,
enquadrando-se na estrutura dos denominados estados-limite (para a psiquiatria).
A psicopatia (a figura do psicopata) caracteriza o sujeito que possui a
agressividade exteriorizada como característica central, mas nem todos os
psicopatas são delinquentes. Este tipo de organização é caracterizada pela
ostentação de uma grande fragilidade psíquica derivada da relação precoce
estabelecida entre o bebê e a mãe, marcada pela quebra das identificações
primárias e originando-se de uma incapacidade de simbolização, fato que predispõe
estes sujeitos a descompensações variadas e repetidas. Mas muitos dos psicopatas
nascem, defendemos aqui, com relativo comprometimento de sua formação ou
funcionamento cerebral, como algo intrínseco ao ser já no seu nascimento.
De qualquer modo, os psicopatas utilizam mecanismos de defesa primitivos,
existindo intolerância à frustração, com o narcisismo precário e a angústia da perda
do objeto muito presente. Ao longo da infância, são criados fantasmas que passam
a ser reais, as carências afetivas são graves e a perigosidade apresentada é
enraizada no indivíduo e exprime, pode exprimir, o sentimento de abandono
primitivo e violento.

1
O problema em usar a terminologia perversão/psicopatia é que a palavra psicopatia designa o “psicopata em si”,
mas também designa “todo tipo de doença mental”.
Na sua essência, a psicopatia é caracterizada pelas falhas na representação
de afetos nas relações interpessoais, insensibilidade, ausência de empatia e
resposta emocional, egocentrismo, sentimentos de onipotência e comportamentos
antissociais marcados pela impulsividade, irresponsabilidade, falta de capacidade
de sentir culpa ou remorsos, manipulação e persistência da violação das normas e
expectativas sociais.
O psicopata não tem o superego a ditar-lhe as regras da vida, por assim
dizer, ou, se tem, é por demais diminuto, pouco reverenciado, pouco.
Por sua vez, a perversão é uma organização estrutural da psique que
enquadra aspectos particulares de violência e situa o indivíduo na ordem do prazer
arcaico e regressivo. A problemática central, tradicionalmente falando, é a de
negação da diferença de sexos que origina uma angústia de castração. A fixação é
exclusiva quanto à maneira de obtenção do prazer, característica deste modo de
funcionamento arcaico. O perverso, para ultrapassar o seu conflito intrapsíquico
fixado a nível pré-genital, utiliza mecanismos de defesa como a clivagem e a
negação. Neste sentido, o indivíduo pode optar pelo prazer autoerótico, ou no sexo
com o outro dado mediante algum tipo de violência, podendo prevalecer o sadismo
ou o masoquismo. Há também uma intersubjetividade dos afetos e uma grande
vulnerabilidade narcísica.
A perversão é uma forma de organização psíquica e um fenômeno social,
político, sexual e estrutural que se encontra presente em todas as sociedades
humanas, lembrando de tantas personalidades a perverter (converter, deturpar) a
verdade ou bom senso das coisas. É também definida como a procura do sujeito
pelo fascínio sexual através de um meio essencial e compulsivo de um cenário
objetal primitivo. Mas não é somente primitivo, pois constitui-se por intermédio de
elementos estruturais, fases de desenvolvimento e níveis de conflito. Sobre uma
perspectiva psicopatológica, a perversão é específica de determinado ato,
caracterizada por uma forma patológica de se relacionar com o objeto através da
manipulação.
O perverso, diferente do psicopata, possui o superego, mas decide não
o considerar em certos aspectos, não o respeitar — isto em diversos níveis. Cumpre
por exemplo os horários de trabalho em seu local de labor, mas infringe todas as
normas de trânsito sempre que possível. Respeita sua chefe com absoluta
normalidade, mas, sendo homem (ou mesmo mulher), subjuga sua companheira no
sexo, impondo algum sofrimento. O perverso por vezes adquire tal personalidade
ao longo da vida, por vezes, acreditamos, também o carrega do ponto de vista
espiritual e/ou biológico-cerebral.
Normalmente os psicanalistas não atendem esse grupo consistente dos
perversos/psicopatas, conquanto se possa, muito excepcionalmente, fazer algo
denominado “psicanálise de suporte”, dando algum alento, algum oxigênio a mais
para que essas vidas sejam melhor administradas.
Os psicopatas e os perversos geralmente não procuram ajuda da
terapêutica mental, sendo que, quando procuram, podem estar somente querendo
manipular mais um ser...

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