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Capítulo 8

Psicologia aplicada
_________________________________________________________________________________________ I _________________________________________________________________________________________ I

Apreensão de drogas: Psicologia para o resgate LightnerWitmer (1867-1956)


Rumo à psicologia prática A biografia de Witmer
A evolução da psicologia norte-americana A s clínicas de avaliação
i infantil
A p s ic o lo g ia chega ao público Comentários
A s influências econôm icas na psicologia aplicada O crescimento da psicologia clínica
Testes mentais O movimento da psicologia industrial-organizacional
James McKeen Cattell (1860-1944) Walter Dill Scott (1869-1955)
Estudando com Wundt A biografia de Scott
Estudando com Galton Publicidade e sugestionabilídade humana
Testes mentais Seleção de p e sso a l
Com entários Comentários
O movimento dos testes psicológicos O impacto das grandes guerras mundiais
Binet, Terman e o teste de Ql Os estudos de Hawthorne e as questões organizacionais
Idade mental Lillian Gilbreth
A Primeira Guerra Mundial e os testes de inteligência em grupo Hugo Münsterberg (1863-1916)
Testes de personalidade em grupo A biografia de Münsterberg
Aceitação pública d o s testes Chegando a o s Estados Unidos
A s ideias extraídas da medicina e da engenharia A psicologia forense e a testemunha ocular
Diferenças raciais na inteligência Apsicoterapia
Viés cultural n o s testes A p s ic o lo g ia industrial
A s contribuicões da m u lh e rã o movimento d o s testes
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O movimento da psicologia clínica A psicologia aplicada nos Estados Unidos: mania nacional
Comentários
Questões para discussão

Apreensão de drogas: Psicologia para o resgate


Nanoitedequinta-feira, 20 deoutubro de1909, agentesfederaispararamumcaminhão narodoviaperto de
Chattanooga, Tennessee. Seu objetivo eraocarregamento de40barrise20galõescontendo umasubstância
que o governo alegavaser venenosa eviciante. O xarope nos galõesebarris eraabasedaCoca-Cola; o in­
gredienteviciante—sim—eraacafeína.
Alémdeser vicianteemortal, o governo afirmavaqueacafeínadaCoca-Colalevavaa“imoralidades”
entre osjovens que aconsumiam(Pendergrast, 1993). Umjornal da época escreveu que “oito Coca-Colas
continhamcafeínaobastanteparamatar” (Laskow, 2013, p. 4).
Seconsideradoculpado, odiretor daempresaCoca-Colaestariaemsériasdificuldades. Nãofizerameconomia
preparando-separaocasoque, finalmente, foi ajulgamento em1911. Amedidaqueadataseaproximava, osad­
V

vogadosdaempresaperceberamquenãotinhamnenhumaprovaparademonstrar queaquantidadedacafeínano
refrigerantenãotinhaefeitosprejudiciaissobreocomportamentohumano. Precisaramrecrutar umpsicólogopara
conduzir umimpressionanteprogramadepesquisa—etorcer paraqueosresultadosprovassemessaideia.
Primeiro, pediramaJames McKeen Cattell, umdospsicólogos maisfamosos dosEstados Unidos, mas
ele não estavainteressado, assimcomo tambémmuitos outros não estavam. Mas umhomemficou ansioso
paraaceitar o quepercebeu ser umagrandeoportunidade. Seu nomeeraHarry Hollingworth.
170 História da psicologia moderna

“Trabalhar ali tinhadoismotivos”, eleescreveu. “Preciso dedinheiro, eali estavaumaoportunidadede


aceitar umtrabalho parao qual haviasido treinado, incluindo não só o custo dapesquisa, mas tambémum
salário satisfatório paracobrir meu tempo eserviços” (apudBenjamin, Rogers eRosenbaum, 1991, p. 43).
Naépoca, Hollingworth lecionavanaBarnardCollege, emNovaYork, recebendo umsaláriodesubsis­
tência. Suaesposa, LetaStetter, não haviaconseguidogarantir umtrabalholecionando (por ser casada) enão
obteve sucesso emvender seus contos. Ela tinha aesperança de conseguir fazer uma pós-graduação, mas o
casal não tinha condições financeiras para isso. Graças ao caso da Coca-Cola, no entanto, elafoi indicada
como diretoraassistentedo programadepesquisae, juntos, osHollingworth passaramaganhar osuficiente
parapagar seu curso no programadepós-graduação.
Entretanto, apesar do salário, Harry Hollingworth insistiu emelevados padrões éticos. Ele não seria
acusado deachar somenteasrespostas queaempresa desejava, eaCoca-Cola aceitou suasexigências. Teria
permissãoparapublicar osresultados, atémesmosefossemprejudiciaisparaaempresa; por suavez, aempre­
saconcordou emnão usar osresultados empropaganda, mesmo quefossemfavoráveis.
Ointensoprogramadepesquisade40dias, realizadoemumapartamentocomseisquartosemManhattan,
foi tão rigoroso esofisticadoquanto qualquer outro conduzido no laboratóriomaisequipado damelhor uni­
versidade, envolveu aproximadamente64mil medidasindividuais. Osdadosforamregistrados combaseem
umagrandevariedadedefunçõesmotoras ementaiseavaliadoscomdosesdiferentesdecafeína. Não foram
encontrados efeitosprejudiciaisou declínios significativos no desempenho.
A Coca-Cola ganhou o caso, embora asentença tenha sido derrubada posteriormente pela Suprema
Corte, eos efeitos disso sobre os Hollingworth eapsicologia como umtodo foramprofundos. Eles de­
monstraramquepesquisaexperimental sólidapodeser financiadapor umaentidadecorporativadegrande
porte, semditar ou prejudicar osresultados. Umefeitomaisduradouro foi saber quepsicólogospodiamter
carreirasbem-sucedidas efinanceiramenterecompensadoras empsicologiaaplicada, semdesafiar suainte­
gridade profissional.

Rumo è psicologia prática


Apsicologiafuncional, derivadadadoutrinaevolucionária, rapidamentedominou osEstadosUnidosno fim
do século XIX. Sabe-se que apsicologia norte-americana seorientou muito mais pelas ideias de Darwin,
Galton eSpencer do quepelostrabalhosdeWundt. Essefenômeno histórico foi singular, eatémesmo para­
doxal. Wundt orientou muitos dos psicólogos norte-americanos da primeira geração de acordo comsua
formadepsicologia; noentanto, eleslevaramconsigopoucodesuasideias. Emboraseusalunosnorte-americanos
prestassemhomenagenspúblicasaWundt, chamando-o de“nossomestre”, muitos deles“confessaramsecre­
tamentequeo consideravamgrosseiro esuasideias, limitadas” (Rose, 2011, p. 360)
Quando essesdiscípulos deWundt, essesnovos psicólogos retornaramaosEstados Unidos, começaram
aestabelecer umapsicologiaquetinhapoucasemelhançacomaqueladeWundt. Dessemodo, anovaciência,
assimcomo todos osseresvivos, estavamudando paraseadaptar ao novo ambiente.
A psicologia de Wundt eo estruturalismo de Titchener não sobreviveriampor muito tempo emsua
formaoriginal noambienteintelectual dosEstadosUnidos—oZeitgeist norte-americano—e, assim, evoluíram
paraofuncionalismo. Não eramformaspráticasdepsicologia: nãolidavamcomousodamenteenãopodiam
ser aplicadasàsexigênciaseproblemasdo diaadia. A culturanorte-americanaeravoltadaaoprático: aspes­
soasvalorizavamoquefuncionava. “Precisamosdeumapsicologiaquesejaprática”, escreveuG. Stanley Hall.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 171

“Os pensamentos de Wundt jamais seaclimatarão aqui, pois são antagônicos ao espírito etemperamento
americanos” (Hall, 1912, p. 414).
Osnovospsicólogosnorte-americanostransformaramaformadepsicologiaalemãemumpadrão norte-
-americano dinâmico. Emvez de estudar afunção da mente, começaramaanalisar o seu funcionamento.
Enquanto algunspsicólogosnorte-americanos, emespecial James, Angelí eDewey, desenvolviamaaborda­
gemfuncionalista nos laboratórios acadêmicos, outros aaplicavamemambientes foradas universidades. O
movimento rumo àpsicologiapráticaocorriasimultaneamenteàfundação dofuncionalismo como escolade
pensamento independente.
Os adeptosdapsicologiaaplicadainseriramsuapsicologiano mundo real, emescolas, fábricas, agências
de publicidade, tribunais, clínicas de orientação infantil ecentros desaúdemental. Desse modo, mudaram
radicalmente anatureza dapsicologia norte-americana, assimcomo fizeramos fundadores acadêmicos do
funcionalismo. Aliteraturaespecializadadaépocarefleteosseusimpactos. Por voltade1900, 25%dosartigos
de pesquisa publicados nas revistas norte-americanas especializadas empsicologia abordavamapsicologia
aplicadaemenosde3%tratavamsobreométododeintrospecção (O’Donnell, 1985). AsabordagensdeWundt
eTitchener, queacabavamdecriar a“nova” psicologia, estavamrapidamentesendo superadaspor umapsi­
cologiaaindamaisatual. MesmoTitchener, ograndepsicólogoestruturalista, reconheceu essatransformação
avassaladoranapsicologianorte-americana. Em1910, escreveu: “Senaquelaépocapedíssemosaalguémque
resumisseemumafraseatendênciadapsicologianosúltimosdez anos, eleresponderia: apsicologia, defini­
tivamente, voltou-separaaaplicação” (apudEvans, 1992, p. 74).

A evolução da psicologia norte-americana


A psicologiaevoluiu eprosperou nosEstadosUnidos. Seu entusiasmado desenvolvimento entre 1880e1900
foi ummarco nahistóriadaciência.

• Em1880, não havialaboratóriosnosEstados Unidos; em1900, existiam41 eerammaisbemequipados


queosalemães.
• Em1880, não haviapublicaçõesnorte-americanas especializadasempsicologia; em1895, existiamtrês.
• Em 1880, para estudar psicologia, osnorte-americanos tinhamdeir paraaAlemanha; em 1900, havia
cercade40 programas dedoutorado nasuniversidadesdosEstados Unidos.
• Em1910, maisde50%detodososartigosdepsicologiapublicadosforamescritosemalemão esomente
30%eminglês. Em1933, 52%dosartigospublicadoserameminglêseapenas 14%emalemão (Werthei-
mer eKing, 1994). No fimdo século XX, oinglêshaviasetornado oidiomadominantenossimpósios
internacionais enaliteratura especializada; o periódico daAPA, Psychological Abstracts, já não publicava
maisnadaemoutro idiomaquenão fosseo inglês (Draguns, 2001).
• A publicação britânica Who’s Who in Science, de 1913, afirmava que osEstados Unidos dominavamo
campo dapsicologia econtavamcomosprincipais psicólogos do mundo (84), número maior que o de
alemães, inglesesefrancesessomados (Benjamín, 2001; Jonçich, 1968; Wertheimer eKing, 1984).

Passadospouco maisde20anosdo início dapsicologianaEuropa, ospsicólogosnorte-americanosassu­


miramindiscutível liderança na área. Emseu discurso como presidente daAPA, em 1895, James McKeen
Cattell declarou:
172 História da psicologia moderna

NãoháprecedentesnahistóriacomparáveisaodesenvolvimentoacadêmicodapsicologianosEstadosUnidos,
aolongodosúltimoscincoanos. Apsicologiaématériaobrigatórianoscurrículosdegraduação [...] e, hoje,
entreosdiversoscursos universitários, concorrecomasoutrasgrandesciênciasemnúmero deestudantes
interessadosenaquantidadedetrabalhosoriginaisrealizados. (Cattell, 1896, p. 134)

A psicologia chega ao público


A psicologia não estava avançando apenas nas salas de aula elaboratórios experimentais, mas tambémno
mundo real.

Opúblico, deummodogeral, ficouavidamenteinteressadonanovadisciplina. Estudantescomeçaramaafluir


paraoscursosdegraduaçãoepós-graduação. Revistaspopularesdedicavamartigosàsnovasdescobertasda
promissoradisciplina[...] eaguardavamempolgantesaplicaçõespráticasnaeducação, indústriaemedicina.
(Fuller, 2006, p. 221)

A psicologiafez suaestreiaem 1893, diantede umávido público norte-americano na Chicago World’s


Fair (FeiraMundial deChicago). Emumprogramasemelhanteaodolaboratório antropométrico deGalton,
na Inglaterra, ospsicólogos organizaramexibições de equipamentos depesquisa eumlaboratório de testes
no qual ovisitantepodiater medidaasuacapacidadesensorial medianteopagamento deumapequenataxa.
Aspessoasestavammaravilhadas.

Artigosemrevistasejornaissobreafeiraaplaudiamolaboratóriodepsicologia, quecontinhaamaior coleçãode


instrumentoseequipamentosjamaisvistosjuntosnosEstadosUnidos, comoumaexibiçãodamaior contribuição
educacional. Ofatodeospsicólogosteremtidoumaexibiçãooficial pelaprimeiravezemumafeirainternacional
demonstrouqueadisciplina, finalmente, popular. (Shore, 2001, p. 72, 83)

Umaexibiçãoaindamaisamplafoi montadaem1904, naLouisianaPurchaseExposition (FeiraComer­


cial de Louisiana), emSt. Louis, Missouri, que contou comaparticipação devárias “estrelas” ealguns dos
principaispsicólogosdaépoca, comoE. B. Titchener, C. LloydMorgan, PierreJanet, G. Stanley Hall eJohn
B. Watson (ver Benjamín, 2004). Umaexposição depsicologiapopular como essanão contariacomo apoio
deWundt, e, obviamente, evento semelhantejamais ocorrerianaAlemanha. A popularização dapsicologia
refletiao temperamento norte-americano. Essatendênciatransformou apsicologiadeWundt empsicologia
funcional etransportou-a muito alémdasfronteirasdo laboratório experimental.
Assim, osEstados Unidos acolheramapsicologia comgrande entusiasmo. Hoje, seu campo deatuação
émuito mais abrangente do que seus fundadores podiamimaginar ou desejar. Em uma avaliação atual,
menciona-se que “apesquisapsicológica édominada pelos norte-americanos”, os quais realizammais pes­
quisasqueospsicólogos emtodos osoutros países, aindaqueosEstados Unidos contabilizemnão maisque
5%dapopulação mundial (Arnett, 2008, p. 602).

As influências econômicas na psicologia aplicada


Embora o Zeitgeist americano —o espírito intelectual eo temperamento daépoca—ajudasseaimpulsionar o
surgimento dapsicologia aplicada, outras forças contextuais mais práticas tambémforamresponsáveis pelo
Capítulo 8 Psicologia aplicada 173

seu desenvolvimento. No Capítulo 1, discutimossobreopapel dosfatoreseconômicosnamudançado enfo­


que dapsicologianorte-americana, dapura pesquisapara aaplicação. Próximo do fimdo século XIX, en­
quanto onúmero delaboratoriosdepsicologiaaumentava, aquantidadededoutoradosempsicologiacrescia
ainda mais rapidamente. Muitos desses novos doutores, principalmente os desprovidos de fonte de receita
independente, eramforçados abuscar o sustento financeiro foradas universidades, como no caso de Harry
Hollingworth eseu trabalho paraaCoca-Cola.
Hollingworth realizou pesquisaaplicadaparaváriasempresas; por exemplo, paradeterminar quaiseram
aspropagandas mais eficazesno caso de umfabricante dearmas defogo, etambémparaagoma demascar
daWrigley. Elerelatou queoato demascar chicletealiviavaatensão muscular eajudavaaspessoasasesentir
àvontade (Hollingworth, 1939; Kellman, 2013).
Elenão estavasóaoconduzir pesquisasquepudessemser aplicadasaosproblemasdo mundo real; outros
pioneiros dapsicologiaaplicadafizeramomesmo por questõesfinanceiras. Masisso não quer dizer queeles
não encontrassemmotivação nessetrabalho prático ou não o considerassemdesafiador. A maioriaencontra­
vaestímulo etambémreconheciaqueocomportamento humano easatividadescognitivaspodiamser estu­
dados comamesma efetividade, tanto no ambiente do mundo real como nos laboratórios acadêmicos. E,
ainda, alguns psicólogos optarampor trabalhar nasáreasaplicadasapenasporqueassimo desejavam. O fato
équemuitospsicólogosdaprimeirageração dapsicologiaaplicadanosEstadosUnidosforamlevadosaaban­
donar ossonhos dapesquisa experimental puramente acadêmica por não haver outra forma de escapar das
dificuldadesfinanceiras.
Asituaçãoeraaindamaiscríticaparaospsicólogosquelecionavamnasuniversidadesmenosprivilegiadas
daregião do meio-oeste edo oeste. Por volta de 1910, umterço dos psicólogos norte-americanos ocupava
essasposições e, àmedida que esses números cresciam, aumentavamaspressões para que lidassemcomos
problemaspráticose, assim, provassemàdireção dasuniversidadeseaopoder legislativo estadual queonovo
campo dapsicologiaeradotado devalor financeiro.
Em1912, C. A. Ruckmick realizou umapesquisaentreospsicólogosdosEstadosUnidoseconcluiu que
apsicologiaestavadesvalorizadapelosadministradores defaculdades euniversidades, apesar dasuapopula­
ridadeentreosestudantes. Oscursoscontavamcompoucosrecursoseoslaboratóriosestavammal equipados,
compoucas perspectivas demelhoria. Havia asensação de queaúnicaforma deaumentar aprevisão orça­
mentáriadosdepartamentoseossaláriosdo corpo docenteerademonstrando aosadministradoresepolíticos
queaciênciadapsicologiaeracapaz deajudar acurar osmalesdasociedade.
G. Stanley Hall aconselhou umcolegado meio-oesteafazer queainfluênciadapsicologiafossesentida
“foradauniversidade, evitando, assim, quealguémou algumpartido irresponsável ou sensacionalistaacri­
ticasseno legislativo”. Cattell pressionou oscolegasparaque “fizessemaplicaçõespráticas edesenvolvessem
aprofissão dapsicologiaaplicada” (apudO’Donnell, 1985, p. 215, 221).
Asoluçãoeraclara: valorizar apsicologia, aplicando-a. Masaplicá-laemquê?Felizmente, arespostalogo
ficou evidente. Asmatrículas nasescolaspúblicasaumentavamsignificativamentee, entre 1870e1915, pas­
saramde 7 milhões para 20 milhões, eos gastos do governo comas escolas públicas durante esseperíodo
aumentaramde63milhõespara605 milhões dedólares (Siegel eWhite, 1982). A educação tinhasetornado
umgrandenegócio, eessedesenvolvimento chamou aatenção dospsicólogos.
Hall declarou que “um dos campos principais ede imediata aplicação da psicologia era aeducação”
(Hall, 1894, apudLeary, 1987, p. 323). Atémesmo WilliamJames, quenão podiaser considerado umadep­
to dapsicologia aplicada, escreveu umlivro intitulado Talks to teachers, tratando sobre o uso dapsicologia
nas salas deaula (James, 1899). Emtorno de 1910, mais de umterço dos psicólogos norte-americanos ex-
174 História da psicologia moderna

pressavamo interessenaaplicação dapsicologiaaosproblemas daeducação. Três quartos dos quesedeno­


minavampsicólogos aplicadosjá estavamtrabalhando na área. A psicologia começava aencontrar o seu
espaço no mundo real.
Discutiremosnestecapítulo ascarreirasecontribuiçõesdeprofissionaisdavertentedapsicologiaaplica­
daqueintroduziramanova ciência emoutras áreas, como indústria, centros de testespsicológicos, sistema
judiciário eclínicasdesaúdemental. Essespsicólogosforamorientados por Wundt, emLeipzig, parasetor­
nar acadêmicos, mastodossedistanciaramdeseusensinamentosquando iniciaramcarreiranasuniversidades
norte-americanas. São exemplos notáveis de como apsicologia norte-americana foi mais influenciada por
Darwin eGalton do quepor Wundt, edecomo aabordagemdestefoi remodeladaao ser transplantadapara
osoloamericano.

Testes mentais
O espírito funcionalistadapsicologianorte-americanatambémestábemrepresentado navidaeno trabalho
deJames McKeen Cattell, que promoveu uma abordagemprática comaaplicação de testes no estudo dos
processosmentais. Suapsicologia concentrava-se no estudo dascapacidades humanas enão do conteúdo da
consciência, enesseaspecto eleestábempróximo dosfuncionalistas.

James McKeen Cattell (1860-1944)


Cattell (Figura 8.1) obteve o grau debacharel em 1880, naLafayetteCollege, onde seu pai eradiretor. Se­
guindo ocostumedaépocadecursar após-graduação naEuropa, partiu primeiro paraaUniversity of Gõt-
tingen e, emseguida, paraLeipzig, afimdeestudar comWilhelmWundt.
Umtrabalho sobrefilosofia rendeu-lhe uma bolsa de estudos para cursar aJohns Hopkins University,
em1882. Aparentemente, Cattell interessou-sepelapsicologiaemrazãodasprópriasexperiênciascomdrogas.
Ele experimentou várias substâncias, como haxixe, morfina, ópio, cafeína, cigarro echocolate edescobriu
interesses tanto pessoais como profissionais. Algumas drogas, mais especificamente o haxixe, deixavam-no
muito eufórico ediminuíam-lheadepressão. Ele documentou emuma revistaos efeitos das drogas emseu
funcionamento cognitivo.
“Percebia-mefazendobrilhantesdescobertascientíficasefilosóficas,
emeu único receio eradenão melembrar dosfatospelamanhã.” Mais
tarde, escreveu: “Perdi o interessepelaleitura eleio semprestar muita
atenção. Levo muito tempo para escrever uma palavra. Estou muito
confuso!” (apud Sokal, 1981, p. 51, 52). Cattell não estava assimtão
confuso aponto denão reconhecer aimportânciapsicológicadediver­
CD

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sasdrogas, uma vez que observava o próprio comportamento eestado
CO
Q-

mental comcrescentefascínio. “Sentia-me como sefosseduaspessoas:


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uma, o observador eoutra, aqueestavasendo observada” (apud Sokal,


1987, p. 25).
No segundosemestredeCattell najohnsHopkins, G. Stanley Hall
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começou alecionar psicologia, eentão ele decidiu matricular-se nas


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J a m e s M c K e e n Cattell.
f i g u r a 8.1 aulasdelaboratório deHall. Escolheu como temadepesquisao tempo
Capítulo 8 Psicologia aplicada 175

dereação—o tempo necessário paraarealização dediferentesatividadesmentaiseosresultadosdessetraba­


lho reforçaramseu desejo desetornar psicólogo.

Estudando com Wundt


Oretorno deCattell ãAlemanha, em1883, paravoltar aestudar comWundt, éobjeto demuitaespeculação
nahistóriadapsicologia, eessaslendassãooutro exemplo decomo osdadoshistóricospodemser distorcidos.
Cattell afirmater aparecido naUniversity of Leipzigeanunciado corajosamenteparaWundt: “Herr profes­
sor, o senhor precisadeumassistenteeessaposição deveser minha” (Cattell, 1928, p. 545). Cattell deixara
bemclaro aWundt queelemesmo escolheriaseuprojeto depesquisaequeseriasobreapsicologiadasdife­
renças individuais, tópico de menor importância na psicologia wundtiana. Diz alenda que Wundt teria
descrito Cattell eo seuprojeto como ganz Americanisch (tipicamentenorte-americanos), observação profé­
tica, sefor verdadeira. O interessepelasdiferençasindividuais, consequência natural do ponto devistaevo­
lucionista, passaradesdeentão aser umacaracterísticadapsicologianorte-americana, masnão daalemã.
Alémdisso, dizemqueCattell teriadado aWundt suaprimeiramáquinadeescrever, naqual teriaescri­
to amaioria deseuslivros. Por causadessepresente, oscolegasdeCattell ironizavam, dizendo queeletinha
“prestado umsério desserviço [...] e ter permitido aWundt produzir o dobro do que teria escrito sema
máquina” (Cattell, 1928, p. 545).
UmapesquisacuidadosarealizadacomascartaseasrevistasdeCattell colocou emdúvidaessashistórias
(ver Sokal, 1981). OsrelatosdeCattell, escritosmuitos anosdepois, comosregistrosdasuacorrespondência
edasrevistasdaépoca dosacontecimentos. Eleteriaensinado Wundt autilizar uma máquina deescrever e
não dado umaaele.
Não faltavaautoconfiançaaCattell, como discípulo deWundt, como demonstrado emsuascartaspara
seuspais. “Suponho quenão vão meconsiderar vaidoso quando digo quesei muito maisarespeito [detem­
po dereação] doque[Wundt] [...] tenho certezadequemeu trabalhoémuitomaisvaliosodoqueorealizado
por Wundt eseusdiscípulos [...] Professor Wundt parecegostar demimevalorizaminha inteligênciafeno­
menal” (apudBenjamín, 2006a, p. 64-65).

Estudando com Galton


Apósobter odoutorado, em1886, Cattell retornou aosEstadosUnidosparalecionar psicologianaBrynMawr
CollegeenaUniversity of Pennsylvania. DepoisseguiuparaaInglaterra, afimdeser professor daCambridge
University, ondeconheceu Francis Galton. Os doiscompartilhavamo interessepelasdiferenças individuais,
eGalton, então no auge dafama, “apresentou [Cattell] uma proposta científica—amedição das diferenças
psicológicasentreaspessoas” (Sokal, 1987, p. 27).
Cattell admiravaadiversidade deinteresses de Galton esuaênfasenamedição ena estatística. Por in­
fluênciadeGalton, Cattell tornou-seumdosprimeirospsicólogosnorte-americanosadestacar aquantifica­
ção, aclassificaçãoeagradação, embora, pessoalmente, fosseum“analfabeto emmatemática” e, muitasvezes,
cometesseerros primários deadição esubtração (Sokal, 1987, p. 37). Cattell desenvolveu o método ampla­
mente utilizado de classificação por ordemde mérito (apresentado mais adiante neste capítulo) efoi o pri­
meiro psicólogo aensinar aanáliseestatísticadosresultadosexperimentais.
Wundt não adotavaastécnicas estatísticas; portanto, foi por influência deGalton que Cattell enfatizou
aestatística queviria acaracterizar anovapsicologianorte-americana. Essaênfasetambémexplicapor que
176 História da psicologia moderna

ospsicólogosnorte-americanoscomeçaramaestudar grupos maioresdepessoas, emvez deapenas umindi­


víduo, como faziaWundt.
A exibição de dados emforma de gráficos era usada comfrequência por Galton, Ebbinghaus, Hall
epelo psicólogo norte-americano Thorndike nas últimas décadas do século XIX. O estatístico britâni­
co Karl Pearson, queapresentou afórmulaparacalcular o coeficiente decorrelação, elaborou, em1900,
otestedo qui-quadrado. Ambasastécnicasacabaramsendo maisaplicadasnapsicologianorte-americana
que na Inglaterra. Em 1907, John Edgar Cover, psicólogo da Stanford University, foi, aparentemente, o
primeiro adefender o uso de grupos experimentais e de controle (Dehue, 2000; Smith, Best, Cylke e
Stubbs, 2000).
Alémda estatística, Cattell interessou-se tambémpelo trabalho de Galton sobre aeugenia (ver Ca­
pítulo 6). Defendia aesterilização de delinquentes edepessoas ditas defeituosos, alémdeser favorável à
oferta de incentivos para pessoas inteligentes esaudáveis que se casarementre si. Prometeu dar acada
umdeseussetefilhosmil dólares caso secasassemcomfilhos efilhas deprofessores universitários (Sokal,
1971).
Em 1888, Cattell tornou-se professor de psicologia da University of Pennsylvania, indicação arranjada
por seupai. Sabendo queumacadeirabem-remuneradaemfilosofiaestavaparaser criadanauniversidade, o
velho Cattell convenceu o reitor dafaculdade, umvelho amigo, adar o posto aseu filho. O velho Cattell
pressionavaofilho parapublicar maisartigos, afimdemelhorar suareputação profissional eatémesmo para
viajar aLeipzigparaobter uma cartaderecomendação deWundt. Disseao reitor queafamília eraabastada
e, por isso, aremuneração não eraimportante. E, assim, Cattell acabou sendo contratado por umsalário ex­
tremamentebaixo (O’Donnell, 1985).
Maistarde, Cattell chegou aafirmar ter sido essaaprimeiracadeiraempsicologiano mundo, masasua
indicação, narealidade, foraparafilosofia. Ficou na University of Pennsylvania apenas trêsanos, atéquese
tornou professor depsicologia echefe de departamento da Columbia University, onde permaneceu por 26
anos. Ao longo desuacarreira na Columbia, foramconcedidos mais títulos de doutorado nainstituição do
queemqualquer outra escoladosEstados Unidos.
Cattell tambémesteve envolvido na criação de muitos periódicos. Por causada suainsatisfação coma
publicação deHall, AmericanJournal of Psychology, Cattell criou aPsychological Review, em1894, comj. Mark
Baldwin. Adquiriu de Alexander GrahamBell arevista semanal Science, que estava quase indo àfalência.
Cinco anos depois, tornou-se arevistaoficial daAssociação Americanaparao Progresso daCiência (Ame­
rican Association for theAdvancement of Science—AAAS). Em 1906, Cattell instituiu uma sériedelivros
dereferência, incluindo oHomens americanos deciência [American men of science] eLíderes emeducação [Leaders in
education]. Em1900, adquiriu aPopular ScienceMonthly e, em1915, vendeu onome, mascontinuou apublicá-
-lacomotítulo deScientificMonthly. Lançou outro semanário, School and Society, em1915. Emboratenhasido
Cattell queminiciou ou comprou essaspublicações, aesposadele, Josephine, atuavacomo umadesconhecida
“editora-chefe” paraessesperiódicos (Sokal, 2009, p. 99).
Acreditavaqueoprofessor deviamanter certo afastamento dosproblemasdauniversidadeefoi morar a
umadistânciade65quilômetrosdocampus, emGarrison, NovaYork, cruzando orioHudsonpor West Point.
Como reflexo dasuacrescenteatitudehostil emrelaçãoàuniversidade, eledenominou suacasade“Fortedo
Desafio” (Sokal, 2009, p. 99). Foi uma escolha de nome apropriada. Cattell instalou umlaboratório e um
escritório editorial nasuacasaevisitavao campus apenasalguns diaspor semana.
Esseafastamento foi umdosfatoresqueocasionaramtensãonarelaçãoentreCattell eaadministraçãoda
universidade. Ele exigia maior participação do corpo docente, argumentando que os professores enão os
Capítulo 8 Psicologia aplicada 177

administradores, éque deviamtomar muitas das decisões emrelação àadministração dauniversidade. Para
essefim, ajudou afundar aAmerican Association of University Professors—AAUP (Associação Americana
de Professores Universitários), que existe até hoje. Era considerado pela administração da Columbia uma
pessoadepouco tatoedescritocomo difícil, “grosseiro, irremediavelmentedesagradável esemgenerosidade”
(Gruber, 1972, p. 300). Obiógrafo deCattell escreveu queele, “frequentemente, exibiaumegotismo auto-
complacente, queolevavaaesperar queoutrossesubmetessemaseuponto devista, eumaimpaciênciacom
todososgrupos do qual elenão erao centro”. Eletambémédescrito como difícil, desagradável esarcástico
(Sokal, 2009, p. 90).
Emtrêsocasiões entre 1910e1917, oscuradores dauniversidadechegaramapensar emforçar Cattell a
seaposentar. O golpedecisivo foi desferido naépocadaPrimeira GuerraMundial, quando Cattell escreveu
duascartasparaosparlamentares dosEstadosUnidos, protestando contrao envio desoldadosparaaguerra.
Essa posição era muito impopular, mas Cattell permaneceu inflexível. Foi demitido em 1917, acusado de
deslealdadeaosEstadosUnidos.
Novos dados históricos revelaramqueagentes do FBI invadiramsuacasa, “o queparece (deformanão
surpreendente) tê-lo irritado profundamente ereforçado ainda mais afúria que ele sentia emrelação aos
administradores dauniversidade” (Sokal, 2011, p. 103). Eleprocessou auniversidadepor calúnia e, embora
houvesserecebido 40 mil dólares (somabastantesubstancial paraaépoca), não foi reintegrado. Isolou-sedos
amigos eescreveu folhetos, satirizando aadministração da universidade. Homemamargo no final davida,
Cattell fezmuitosinimigos ejamaisvoltou paraavidaacadêmica. Dedicou-seàssuaspublicaçõeseàAAAS
eoutrassociedadesintelectuais.

Testes mentais
Emumartigo publicado em1890, Cattell empregou aexpressão testes mentais. Declarou: “A psicologia
não serácapaz deatingir acerteza eaexatidão das ciênciasfísicas amenos quesebaseienos fundamentos
da experiência e da medição. Um passo nessa direção pode ser dado, aplicando-se uma série de testes e
mensurações mentais a um grande número de pessoas”. (Cattell, 1890, p.
Testes mentais: testes de 373) EraexatamenteissoqueCattell estavatentando fazer, coletando dados
hab ilidades m otora s e c a p a c id a d e s
se n so ria is; o s testes de
dediversos calouros.
inteligência u sa m m e d iç õ e s m ais Os tipos detestesusadospor Cattell paramedir aamplitudeeavariabi­
c o m p le x a s d a s habilidades lidade da capacidade humana eramdiferentes dos testes de inteligência ede
mentais.
capacidade cognitiva, desenvolvidos mais tarde pelos psicólogos, os quais
medemtarefas mentais mais complexas. Os testes de Cattell, assimcomo os
de Galton, lidavamprincipalmente comasmedidassensório-motoras elementares, incluindo pressão do di­
namómetro, taxademovimento (por exemplo, comquerapidez amão semove 50 cm), limiar desensibili­
dadecutâneadedoispontos, quantidadedepressão natestanecessáriaparaprovocar dor, diferençasnotáveis
napercepção depesos, tempo dereação ao sometempo paranomear ascores.
Emtorno de1901, Cattell haviacoletadodadossuficientesparacorrelacionar osresultadosdostestescom
asmedições do desempenho acadêmico dos estudantes. As correlações mostraram-se muito baixas, assim
como asintercorrelaçõesentreostestesindividuais. Como Titchener obtiveraresultadossemelhantesemseu
laboratório, Cattell concluiu que testes desse tipo não apresentavamprognósticos válidos do desempenho
universitário ou, por suposição, dahabilidadeintelectual.
178 História da psicologia moderna

Comentários
AinfluênciamaisfortedeCattell napsicologianorte-americanafoi medianteseutrabalho como organizador,
executivo eadministrador daciênciaedapráticapsicológicasecomoarticulador daligaçãoentreapsicologia
easprincipaiscomunidadescientíficas. Tornou-seoembaixador dapsicologia, lecionando, editando revistas
epromovendo aaplicação práticanaárea.
Combasenotrabalho deGalton, Cattell investigouanaturezaeaorigemdahabilidadecientífica, usan­
do seu método de graduação por ordemde mérito. Os estímulos classificados por váriosjulgadores foram
organizados emuma sequência classificatória final, calculando-se agraduação média atribuída acada estí­
mulo. O método foi aplicado ememinentes cientistas norte-americanos eavaliado por colegas igualmente
destacados de cada área. O livro de referênciaAmerican men of science foi escrito combase nesse trabalho.
Apesar do título do livro, eletambémincluíaascientistas norte-americanas. A edição de 1910 relaciona 19
psicólogas, representando cercade 10%dospsicólogosmencionados (O’Donnell, 1985).
Comseutrabalhoarespeito dostestesmentais, damensuração dasdiferençasindividuaisecomapromo­
çãodapsicologiaaplicada, Cattell reforçouativamenteomovimentofuncionalistanapsicologianorte-americana.
Quando faleceu, ohistoriador E. G. Boring escreveu aosfilhosdeCattell, dizendo: “Emminha opinião, seu
pai realizou mais atémesmo que WilliamJames, por dar àpsicologianorte-americana esseponto de vista
peculiar etorná-ladiferenciadadapsicologiaalemã, daqual seoriginou” (apudBjork, 1983, p. 105).

0 movimento dos testes psicológicos


Binet, Term aneo teste de Ql
Embora Cattell tenha cunhado aexpressão testesmentais, o primeiro testeverdadeiramente psicológico de
habilidademental (Figura8.2) foi desenvolvido por AlfredBinet (1857-1911), queadentrou o campo dapsi­
cologia “quase por acaso, tendo fracassado totalmente, repetidas vezes, publicamente, até que ele criou os
exames quesãoabaseparaostestesdeinteligência dehoje” (Murdoch, 2007, p. 29). Independente, por ser
muito abastado, Binet tentou carreirano direito enamedicina, masnão gostou denenhuma delas.
Ao serecuperar deumcolapso nervoso aos22 anos deidade, eledescobriu apsicologia, aqual estudou
como autodidata. Ele continuou estudando parapublicar mais de duzentos artigos elivros esetornar o di­
retor do prestigioso Sorbonne Laboratory, emParis, entre 1895 e 1911 (Nicolas eSanitioso, 2012). Emseu
tempo livre, escreveu quatro peças, queforamencenadas emteatrosdeParis.
Commediçõesmaiscomplexasqueasselecionadaspor Cattell, Binet produziu umamedição efetivadas
habilidadescognitivashumanas, marcando, assim, oinício do testedeinteligênciamoderno. Binet discorda­
va daabordagemde Galton eCattell, que consistia na aplicação de testes deprocesso sensório-motor para
medir ainteligência. Paraele, aavaliaçãodefunçõescognitivas, comomemória, atenção, imaginação ecom­
preensão, proporcionavamedidasdeinteligênciamaisadequadas.
Chegou aessaconclusão combasena pesquisa que realizou emcasa, comsuas duas filhas mais novas.
Primeiro, administrou osmesmostiposdetestessensório-motoresutilizadospor GaltoneCattell edescobriu
queo desempenho dassuasfilhaserasemelhanteao dosadultos. Foi, então, quepassou autilizar ostestesde
habilidadecognitivaparaessestiposdetarefa, pois descobriu diferençassignificativas entreosresultadosdas
meninas comparados comosdosadultos.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 179


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f i g u r a 8.2 A lfred Binet d e s e n v o l v e u o prim eiro teste v e rd a d e ira m e n te p s ic o ló g i c o da c a p a c id a d e m e n ­

tal, que evoluiu para o a m p la m e n t e utilizado S t a n f o r d - B in e t In te llig e n ce Scale.

Em 1904, emrazão de uma necessidade prática, surgeaoportunidade de Binet provar o seu ponto de
vista. O ministro daEducação francês criou uma comissão para estudar acapacidade de aprendizagemdas
criançasqueapresentavamdificuldadesnaescola. Binet eThéodore Simon (umpsiquiatra) foramnomeados
parafazer partedacomissãoe, juntos, pesquisaramquaiseramastarefasintelectuaisqueamaioriadascrian­
çasestaria aptaadominar nas diversasfaixas etárias. A partir daidentificação dessas tarefas, desenvolveram
umtestedeinteligênciacomposto de30problemasapresentadosnaordemcrescentepor nível dedificuldade.
O testeconcentrava-seemtrêsfunções cognitivas: julgamento, compreensão eraciocínio.

Idade mental
Três anos mais tarde, revisarameampliaramo testeeintroduziramo conceito deidade mental, definida
como aidadeemqueacriançacomhabilidademedianaécapaz derealizar tarefasespecíficas. Seumacrian­
çacomaidadecronológicade4anosdesempenhassebemtodosostestes, realizadoscommaestriapelamédia
das crianças de 5 anos daamostragem, por exemplo, então, seriaatribuída a
Idade mental: idade na qual as ela, aidademental de5anos.
c ria n ç a s podem realizar certas
tarefas típicas da idade.
Em 1911, o testefoi revisado pelaterceiravez, mas, depois damorte de
Binet, osEstados Unidos passaramadominar o avanço nos testes de inteli­
gência. Seustestesforammaisbem-aceitosnessepaísdo quenaFrança, ondeosesforçosno desenvolvimen­
to dostestesdeinteligênciaemlargaescalaforamreconhecidossomentedepois dadécadade 1940.
OtestedeBinet foi traduzidodofrancêsparaoinglêseapresentadoparaospsicólogosnorte-americanos
em 1908, por Henry Goddard (1866-1957), que foi o único treinador de futebol invicto na University of
Southern Califórnia (USC), uma rara distinção para umpsicólogo (Benjamin, 2009b). Goddard, depois,
180 História da psicologia moderna

obteveseu Ph.D. deG. Stanley Hall naClark University. Maistarde, eletra­


Quociente de inteligência (Ql):
número que representa a balhouemumaescolaparacriançascomdeficiênciamental. Goddardchamou
inteligência de uma pessoa, obtido
pela seguinte fórmula: idade
suatradução do testedeEscala demedida deinteligência Binet-Simon. Nostraba­
mental dividida pela idade lhosrelacionadoscomotestedeinteligência, eletambémintroduziu apalavra
gregamoron, quesignifica“lento”.
cronológica, multiplicada por 100.
Em1916, LewisM. Terman (Figura8.3), quetambémestudaracomHall,
desenvolveu aversão que, desdeentão, passou aser o padrão detestes. Terman deu-lhe o nome de Stanford-
-Binet, emhomenagemàuniversidadeàqual eraafiliado, eadotou o conceito do quociente de inteligên­
cia (QI). A medida do QI, definida como arazão entre aidade mental eacronológica, foi originalmente
desenvolvida pelo psicólogo alemão William Stern. A escala Stanford-Binet passou por diversas revisões e
continuaaser amplamenteutilizada.

A Primeira Guerra Mundial e os testes de inteligência em grupo


Em1917, no diaemqueosEstadosUnidos entraramnaPrimeiraGuerraMundial, aSociety of Experimen­
tal Psychologists (Sociedadedos PsicólogosExperimentais) deTitchener realizavaumencontro na Harvard
University. O presidente daAPA, Robert Yerkes, pediu ao grupo que buscasse uma forma de apsicologia
contribuir como esforço de guerra. Titchener recusou-se aparticipar, alegando ser cidadão britânico. Ele,
literalmente, levantou-se esaiu dasala, levando consigo acadeira, paranão seenvolver emnenhumdebate
sobreaguerra. A razão maisprovável paraasuafaltadeentusiasmo emdiscutir oassunto équeelenão gos­
tavadaideiadeaplicar apsicologiaaproblemas práticos, temendo queaáreatrocasse“aciênciapelatecno­
logia” (O’Donnell, 1979, p. 289).
Comamobilizaçãodoexércitonorte-americano, oslíderesmilitaresenfrentavamadificuldadedeavaliar
onível deinteligênciadeumgrandenúmeroderecrutas, paraclassificá-loseatribuir astarefasmaisadequadas
acadaumdeles. O Stanford-Binet eraumtestedeinteligênciaindividual eexigiaumapessoaaltamente trei­
nadaparaaplicá-locorretamente. Obviamente, eraimpossível aplicar otesteparaavaliar tantaspessoasemtão
pouco tempo. O exército necessitavadeumtestemaissimples, quefosseaplicado coletivamente.
Com apatente de major do exército, Yerkes reuniu umgrupo de 40 psicólogos para desenvolver um
teste de inteligência de aplicação emgrupo. Examinaramvárias propostas: nenhuma delas comportava uso
geral, eselecionaramparautilizar como baseo testepreparado por Ar­
thur S. Otis, umex-aluno deTerman. A contribuição maisimportante
deOtisparaostestesdeinteligênciafoi acriaçãodaquestãodemúltipla
escolha. Então, o grupo deYerkespreparou o Exército Alfa eo Exército
Beta (Beta era aversão para os analfabetos epara os que não falavam
inglês, cujas instruções não erampassadas oralmente nempor escrito,
maspor demonstração ou mímica).
<í O desenvolvimento do programa seguia lentamente, eas ordens
Od
Cd
CO

formais para iniciar efetivamente aaplicação dos testes nos soldados


Z foramdadas somente três meses antes do término da guerra. Por fim,
CO

maisde 1milhão desoldadosforamtestados, masoexército não preci­


savamaisdasinformações, oquesemostrou favorável, porqueosresul­
tadossurpreenderamospsicólogosquetinhamlevadooprogramaacabo.
L e w is Terman.
f i g u r a 8.3 Osdadosrevelaramquemuitomaisnorte-americanoseramiletradosdo
Capítulo 8 Psicologia aplicada 181

que setinha pensado anteriormente. Um emcada quatro homens que fez os testes não era capaz de1er ou
compreender os artigos dojornal diario ou, até mesmo, de escrever cartas para seus familiares (Murdoch,
2007, p. 86). Emboraoprogramanão tenhasurtido efeito direto sobreoesforçodeguerra, foi muito impor­
tante no campo dapsicologia. A publicidade valorizou aimportancia dapsicologia, eos testes do exército
serviramcomo prototiposparao desenvolvimento deoutros.

Testes de personalidade em grupo


Otrabalho dospsicólogosduranteaguerratambémincentivou odesenvolvimento eaaplicação detestesem
grupo paraaavaliação dascaracterísticas dapersonalidade. Antes disso, houveapenas algumas tentativas tí­
midas deavaliar apersonalidadehumana. No fimdo século XIX, opsiquiatraalemão Emil Kraepelin, que
foraaluno de Wundt, usou o que chamou de “teste de livre associação”, emque apessoa respondia auma
palavradeestímulo comoprimeiro termo quelheviesseàmente (técnicacriadaoriginalmentepor Galton).
Em1910, Cari Jung desenvolveu ummétodo semelhante: seu testedeassociação depalavrasparaidentificar
complexos depersonalidadeemseuspacientes (Capítulo 14). Essasduasvisõesreferiam-seatestesdeperso­
nalidade individuais. Quando o exército manifestou interesse em isolar os soldados neuróticos, Robert
Woodworth elaborou aFicha dedadospessoais, umaautoavaliaçãoemqueosentrevistadosrecebiaminstruções
paraindicar ossintomas nervosos queapresentavam. Assimcomo o Exército Alfa eo Exército Beta, aFicha de
dadospessoais serviu como protótipo defuturostestesemgrupo.

Aceitação pública dos testes


Os testespsicológicos conquistaramsuaprópriavitórianaguerra comaesmagadoraaceitação pública. Logo,
milharesdetrabalhadores, criançasemidadeescolar evestibulandoseramsubmetidosàsbateriasdetestes, cujos
resultados determinariamo curso de suasvidas. Na década de 1920, até 4 milhões de testes de inteligência
eramvendidosanualmente, amaioriaparaescolaspúblicas. Em1923, foramvendidosmaisdemeiomilhão de
exemplares do Stanford-Binet, de Terman. O sistema educacional público nos Estados Unidos foi totalmente
reorganizado combaseno conceito do quocientedeinteligência, eosresultadosdeQI passaramaser ocrité­
rio maisimportanteparadefinir acolocação do aluno, bemcomo paradeterminar oseu desenvolvimento.
Por fim, muitospsicólogosencontraramempregosbem-remuneradosparadesenvolver eaplicar testes
psicológicos (Bottom, 2009). Alguns mais arrojadospensaramaté emusar ostestespara descobrir poten­
ciaisjogadores de beisebol. O famosojogador Babe Ruth concordou em ser testado no laboratório de
psicologiadaColumbia University e, emumesforço paraestabelecer ascaracterísticasquefaziamdeleum
fenômeno, foi avaliado seu desempenho nastarefasqueenvolviamhabilidademotora esensorial. Ostestes
eramsimilares aos utilizados por Galton e Cattell (Fuchs, 2009). A tentativa não obteve êxito, mas um
historiador comenta:

A féqueapsicologiaeraumaciênciacapaz dedescobrir abasedo grandenúmero deacertosdehittings1


comprovaosucessodospsicólogosemestabelecer aidentidadepúblicadadisciplinaeafédopúblicoescla­
recidonacapacidadedeaciênciaoferecer respostasparatodasassuasdúvidas. (Fuchs, 1998, p. 153)

1O beisebol é um dos esportes mais populares dos Estados Unidos, e essajogada consiste em rebater abola com o bastão, resultando em bom
lance deataque. (NT)
182 Historia da psicologia moderna

Umaepidemiadetestesvarreu osEstadosUnidosapartir dadécadade 1920. Escolas, faculdades, fábri­


caseescritórios começaramasubmeter rotineiramente oscandidatosabaterias detestescomo umabarreira
aenfrentar antes deseremadmitidos ou contratados.
Em1926, umtestecomo qual vocêdeveestar familiarizado, o SAT (Scholastic AptitudeTest [Testede
Aptidão Escolar]), foi introduzido por Cari Brigham, umprofessor depsicologiadePrinceton. Eletrabalha­
ranostestesdeQ1emgrupo do exército, naPrimeiraGuerraMundial, eacreditavaqueumtestequefocas­
seemvocabulário ematemáticapoderiaser útil paraselecionar candidatosàuniversidades.
Hoje, maisdeummilhão emeio deestudantesdo ensino médio realizamo SAT todososanos, egran­
departedeseu futuro podeser influenciadapelanotaobtida (por ano, menos de500 estudantesconseguem
apontuaçãoperfeita). Háumacontrovérsiapersistenteemrelaçãoaoqueotestemede. Brighamescreveuque
asnotasdo SAT eramumamedidada“escolaridade, ambientefamiliar, familiaridadecomalínguainglesae
tudo mais” de uma pessoa (citado emKolbert, 2014, p. 40). Pesquisas contemporâneas indicamque apon­
tuação do SATsecorrelacionabastantecomapontuação médiadasfaculdadese, emgeral, comosresultados
detestesdeinteligência(Hambrick, 2011). Escolaspreparatóriasparao testeeempresasdeaulasparticulares
parao SAT sãoumaindústriabilionária.

As ideias extraídas da medicina e da engenharia


Paradar autoridadeecredibilidadecientíficaàrecém-iniciadaempreitada, ospsicólogos criadoresdostestes
deinteligênciaadotavamaterminologiadeoutrasdisciplinasmaisantigas, como amedicinaeaengenharia.
O objetivo eraconvencer aspessoasdequeapsicologiaeratão legítima, científica efundamental quanto às
demaisciênciashátempos estabelecidas.
Os psicólogos descreviamaspessoastestadas não como sujeitos, mas como pacientes. Afirmavamserem
ostestes análogos aos termômetros, que, naquela época, estavamdisponíveis apenas paramédicos. Só quem
fossetreinado adequadamentepodiausá-lo, assimcomo somenteaspessoastreinadaspodiamaplicar ostestes
psicológicos. Os testes erampromovidos como sefossemmáquinas de raio X, que permitiamao psicólogo
enxergar dentrodamente, paradissecar osmecanismosmentaisdeseuspacientes. “Quantomais[ospsicólogos]
falassemcomo osmédicos, maisopúblico sedispunhaaatribuir-lhesstatus semelhante” (Keiger, 1993, p. 49).
Comparaçõescomaengenhariatambémeramcitadas. Referiam-seaescolascomofábricasdeeducaçãoeaos
testes, comoformademedir oproduto fabricado (onível deinteligênciadosalunos). A sociedadeeracomparada
aumaponte, eostestesdeinteligênciaeramasferramentascientíficasparapreservar suafirmeza, detectando os
elementosmaisfracos, ouseja, oscidadãosmedíocresqueseriamremovidosdasociedadeeinstitucionalizados.

Diferenças raciais na inteligência


Ofortalecimento do movimento dostestespsicológicosfezpartedeumagrandepolêmicasocial queperma­
neceatéhoje. Em 1912, Goddard (Figura8.4), quetraduziu otestedeBinet, visitou aEllisIsland, emNova
York, ponto deentradademilhões deimigrantes europeus. Haviaconsiderável preocupação pública deque
osmédicos estavamexaminando osrecém-chegados emEllis Island estivessemfalhando em“impedir aen­
trada de pessoas mentalmente deficientes no país” (Richardson, 2003, p. 143). Goddard acreditava que os
médicosestavamidentificando não maisdo que 10%daspessoascomatrasomental, epropôsquepsicólogos
realizassemosexames, utilizando suatradução do testedeinteligênciadeBinet. A Figura8.5, aseguir, mos­
traacapacidademental deumimigrante sendo testada.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 183

Naprimeiravisitaàcentral detriagemnaEllisIsland, Goddard sele­


cionou umjovemquelhepareceu mentalmentedeficienteeconfirmou o
diagnóstico, aplicandootestedeBinet comaajudadeumintérprete. Em­
boraointérpretesalientassequeelemesmonãoteriaconseguidoresponder
àsperguntas, visto ser recém-chegado aosEstadosUnidos—eo testenão
eraadequadoparapessoasnãofamiliarizadascomalínguainglesaecoma

FINE ART IMAGES/HERITAGE/THE IMAGE W O R K S


culturanorte-americana—Goddard discordou (ver Zenderland, 1998).
Os testes subsequentes aplicados naspopulações de imigrantes (cujo
nível deinglêserainferior emrelaçãoaoutilizadonostestes) revelaram, de
acordo comosresultados detestes deGoddard, queamaioria—87%dos
russos, 83%dosjudeus, 80%doshúngaros e79%dositalianos—eradébil
mental, comidademental inferior a12anos(Cannato, 2009; Gould, 1981).
Emtodos os casos, o teste era administrado eminglês, empessoas 8.4 H e n ry Goddard.
f ig u r a

cujodomínio doidiomaerabaixo. Todavia, apesar dagrandedesvantagem


para aqueles que estavamsendo testados, as evidências de Goddard extraídas dos testes foram,mais tarde,
usadas como argumento paraacriação deuma lei federal querestringia a entradano paísdeimigrantes de
grupos raciaiseétnicosconsideradosdepoucainteligência.
A ideiadasdiferenças nainteligência entreasraçasrecebeu apoio adicional em1921, quandoforamdi­
vulgados osresultados daqueles testes aplicados nos soldados durante aPrimeira GuerraMundial. Os dados
mostraramqueosnegroseosimigrantesvindosdoMediterrâneo edospaísesdaAméricaLatinatinhamQIs
maisbaixos queosbrancos. Somenteimigrantes do norte daEuropapossuíamQI semelhanteaosencontra­
dosnosbrancos.
Essas descobertas levantaramquestionamentos entre cientistas, políticos ejornalistas. Como qualquer
governo eleito democraticamentepoderiasobreviver seseuscidadãoseramtão estúpidos?Osgruposdotados
debaixo Q1 deveriamter permissão paravotar? Os grupos dotados de QI baixo devemter direito ao voto?
O governo deverecusar aentrada deimigrantes depaísescujapopulação sejadotadadeQI baixo?A noção
daigualdadeentreaspessoastemsentido?

Viés cultural nos testes


Oconceito dasdiferençasraciaisnainteligênciajáexistianosEstadosUnidosdesdeadécadade1880, emui­
tas exigênciasforamfeitaspara o estabelecimento de quotas de imigração parapaísesdo Mediterrâneo eda
AméricaLatina. A noção deinferioridadedainteligênciado negro norte-americano tambémeraamplamen­
teaceita, mesmo antesdo surgimento dostestesdeinteligência.
Um sonoro earticulado crítico dessa ideia era Horace Mann Bond (1904-1972), umintelectual afro-
-americano ereitor daLincoln University, daPensilvânia. Bond, queobteveo título dedoutorado emedu­
cação da University of Chicago, publicou vários livros e artigos nos quais argumentava que qualquer
diferençaobservada nos níveis de QI entrebrancos enegros deviaser atribuída ao fator ambiental enão ao
hereditário. Suapesquisa comprovou que os resultados obtidos nos testes de inteligência pelos negros dos
estadosdo norte erammelhores queosdosbrancosdosestadosdosul, constatação queenfraqueceu bastante
ateoriadequeosnegroseramgeneticamenteinferiores (Jackson, 2004).
Muitos psicólogos responderamaessapolêmicaalegando adistorção dos testes, mas felizmente, como
tempo, acontrovérsia desapareceu. Contudo, elafoi reavivadaem1994, comapublicação de The bell curve
184 Historia da psicologia moderna

figura s.s A capacidade mental de um imigrante sendo testada na Ellis Island.

[A curva do sino] (Hernstein eMurray, 1994), umlivro que afirma, combase emresultados de testes de
inteligência, que osbrancos são mais inteligentes que os negros. A predominância da evidência mostrava,
dessavez, que testes de inteligência pesquisados commais seriedade não são distorcidos significativamente
por causadacultura (Rowe, Vazsonyi eFlannery, 1994; Suzuki eValencia, 1997). Maistarde, 52peritosem
testesgeraisendossaramessaconclusão, afirmando: “Ostestesdeinteligêncianãosãodistorcidosemrazãode
aspectos culturais contra afro-americanos ou pessoas de outra nacionalidade falantes de inglês nos Estados
Unidos. Aocontrário, osresultadosdotestedeQI prognosticamigual eprecisamentetodososnorte-americanos,
independentemente daraçaedaclassesocial” (Gottfredson, 1997, p. 14).
Umrelatóriopreparadopelo ComitêdeAssuntosCientíficos (BoardofScientificAffairs) daAPA concor­
daqueostestesdehabilidadecognitivautilizadosatualmentenãodiscriminamgruposdeminoria, masrefletem
emtermosquantitativosadiscriminação criadapelasociedadeaolongo do tempo (Neisser et al., 1996).

As contribuicões
i da mulher ao movimento dos testes
Constatamosatéagoraque, namaior partedahistóriadapsicologia, amulher foi proibidadeseguir acarrei­
raacadêmica. Por isso, muitaspsicólogasbuscaramemprego no campo daaplicação, especialmente empro­
fissões assistenciais, como apsicologia clínica e de aconselhamento, aorientação infantil eapsicologia
escolar. Asmulheres ofereceramsignificativascontribuições nessasáreas, principalmenteno desenvolvimen­
to enaaplicação dostestespsicológicos.
FlorenceL. Goodenough recebeu o Ph.D. daStanford University em1924. Eladesenvolveu o Testedo
desenho da figura humana (hoje denominado Teste de Goodenough-Harris), um teste não verbal muito
utilizadoparacrianças. Foi pioneiranaelaboraçãodetestesetrabalhou durante20anosno Institutefor Child
Development (Instituto de Desenvolvimento Infantil), da University of Minnesota. Publicou uma análise
detalhada do movimento dos testespsicológicos (Goodenough, 1949) eescreveu diversos trabalhos relacio­
nadoscomapsicologiainfantil.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 185

MaudeA. Merrill James, diretoradeurnaclínicapsicológicainfantil naCalifornia, escreveu,juntamentecom


LewisTerman, arevisão de 1938 do Teste de inteligência Stanford-Binet, conhecido como o testeTerman-Merrill.
ThelmaGwinnThurstone(Ph.D. em1927daUniversity of Chicago) casou-secomopsicólogoL. L. Thurstone
e, assimcomo diversasmulheresquetrabalharamcomosmaridos, tevesuascontribuiçõesmenosprezadasedesa­
creditadas. Elaajudouadesenvolver abateríade Testes dashabilidades mentaisprimarias, umtestedeinteligenciaem
grupo, efoi professoradeeducação da University of North Carolina, alémdeter sido diretorado laboratorio
psicométrico. Seumaridoadescreveucomo um“gênionaelaboraçãodetestes” (Thurstone, 1952, p. 317).
Psyche Cattel erafilha deJames McKeen Cattell, que serecusou apagar o curso superior dafilha por
não considerá-la inteligente o bastante. Contudo, elaobteve seu diploma de doutorado emEducação, pela
Harvard University, em1927. Elanuncasecasou esetornou uma dasprimeirasmulheressolteirasdosEsta­
dos Unidos aadotar uma criança. Suas contribuições para o movimento dos testesincluemaampliação da
faixa etária inferior do Stanford-Binet, criando aEscala de inteligência infantil de Cattell, que permitia testar
criançasapartir deatétrêsmesesdeidade (Bazar, 2010).
A longacarreiradeAnneAnastasi (1908-2001) naFordhamUniversity acaboutransformando-aemautori­
dadenostestespsicológicos. Foi precoce, ingressandonafaculdadecom15anosdeidade, erecebendoodoutora­
do com21. Decidiu tornar-sepsicólogapor influênciade umprofessor, Harry Hollingworth. Anastasi (1993)
escreveumaisde 150livroseartigos, incluindo umlivro didáticofamoso sobretestespsicológicos. Em1971, foi
presidentedaAPAerecebeudiversashomenagensprofissionais, inclusiveaMedalhaNacional daCiência(Goode,
2001). UmapesquisaapontouAnastasi comoamaisdestacadapsicólogadospaísesdelínguainglesa(Gavin, 1987).
Umano depois queAnastasi secasou, com25 anos deidade, foi diagnosticada comcâncer cervical. O
tratamento fez comquenão conseguisseter filhos. Contudo, viao câncer como “uma dasprincipaisrazões
paraseu sucesso. Mulheres desuageração, frequentemente, tinhamdeescolher entreamaternidade eacar­
reira. A escolhahaviasido feitapor ela, eagora estavalivreparaseconcentrar nasuacarreira semconflitos
ou culpa” (Hogan, 2003, p. 267). Elaviveu atéos92 anos.
Apesar do êxito damulher emáreascomo aaplicação detestes, o trabalho comapsicologiaaplicadaas
colocaemdesvantagemprofissional. Os empregoseminstituiçõesnão acadêmicas raramenteproporcionam
tempo, suportefinanceiro ouassistênciadeestudantesgraduadosparaarealizaçãodepesquisaseaelaboração
deartigos acadêmicos, que são osprincipais meios paraseatingir avisibilidadeprofissional. Nos ambientes
dapsicologiaaplicada, como emuma empresacomercial ou emuma clínica, ascontribuições deumprofis­
sional não sãoreconhecidasforadoslimitesdaorganização.
Dessemodo, o enorme desenvolvimento dapsicologiaaplicadanosEstados Unidos—aherança daes­
colafuncionalista—criou oportunidades deemprego paraasmulheres, mastambémasexcluiu amplamen­
tedo ambienteacadêmico dapsicologia, no qual asteorias, aspesquisaseasescolasdepensamento vinham
sendo desenvolvidas.
Diversos psicólogos acadêmicos tinham uma imagemnegativa do trabalho aplicado, considerando-o
inferior edesprezível. As áreas da aplicação como o aconselhamento, por exemplo, erammenosprezadas,
consideradas “trabalho demulher”. Históriaspublicadasarespeito dapsicologiatendemadesvalorizar apsi­
cologia aplicada eas contribuições de diversas mulheres pioneiras que trabalharamemhospitais, clínicas,
/
empresas, institutosdepesquisaeagênciasmilitaresegovernamentais. Einteressanteobservar quenenhuma
mulher foi eleitapresidentedaAssociaçãoAmericanadePsicologiaAplicada(Norte-americanAssociationof
AppliedPsychology), apesar de, por voltade1941, umterçodeseusmembrosseremmulheres (Rossiter, 1982).
Também, naquela época, cerca de metade dos cargos depsicólogo emorganizações clínicas eeducacionais
eraocupadapor mulheres (Gilgen, Gilgen, KoltsovaeOleinik, 1997).
186 Historia da psicologia moderna

O movimento da psicologia clínica


Enquanto Cattell mudava para sempre anatureza dapsicologia norte-americana ao aplicá-lapara medir as
capacidadesmentais, umdiscípulo deCattell eWundt estavaaplicando apsicologiaparamedir etratar com­
portamento anormal. Só 17anosdepoisdeWundt definir efundar anovaciênciadapsicologiaencontramos
umdeseusantigosdiscípulosutilizando-adeumamaneiraprática, incompatível comasintençõesdeWundt.

Lightner Witmer (1867-1956)


Lightner Witmer (Figura8.6) ensinavapsicologianaUniversity of Pennsylvania, cargo queocupou apósCattell
ter idoparaColumbiaUniversity. Descritocomobriguento, antissocial econvencido(Landy, 1992), Witmer inau­
gurou umcampo quechamou depsicologiaclínica. Em1896, abriuaprimeiraclínicadepsicologiadomundo.
O tipodepsicologiapraticadopor Witmer emsuaclínicanão eraapsicologiaclínicacomoaconhecemos
atualmente. Elenão adotavaapsicoterapia, técnica que “detestava” equenão conheciamuito bem (Taylor,
2000, p. 1029). Emvez disso, estavainteressado emavaliar etratar osproblemasdeaprendizagemecompor­
tamento das crianças emidade escolar, uma área especializada da aplicação ehoje denominada psicologia
escolar. Apesar deWitmer ter sidofundamental no desenvolvimento dapsicologiaclínicaedeusar esseter­
mo livremente, o campo tornou-semuito maisabrangentedo queeleimaginava.
Witmer ofereceu oprimeiro curso universitário depsicologiaclínicaecriou aprimeirarevistaespecia­
lizadanaárea, Psychological Clinic, aqual editou durante29anos. Elefoi maisumdaquelespioneirosdaabor­
dagemfuncionalistadapsicologiaqueacreditavamno usodanovaciênciaparaajudar aspessoasaresolver os
problemas enão paraestudar o conteúdo desuasmentes.

A biografia de Witmer
Nascidoem1867, naFiladélfia, formou-senaUniversity of Pennsylvaniaem1884elecionou históriaeinglês
emumaescolaparticular naFiladélfia, antesderetornar paraauniversidadeafimdecursar direito. Naque­
laépoca, aparentemente não demonstrava interesse emseguir acarreira na psicologia, mas mudou de ideia
por razõespráticas. Procuravaumcargo remunerado como assistente, e
umadasvagasdisponíveiserano departamento depsicologiadeCattell.
Esseémaisumexemplo dainfluênciado Zeitgeist económico. Umbió-
i grafo deWitmer declarou:
C/D

OverdadeiroingressodeWitmer napsicologiafoi decorrente, emparte,


CD

danecessidadeextremamenterealistadareceitaadicional queseriaobtida
CO
Z
Q-

por meiodeumcargodeassistente. (McReynolds, 1997, p. 34)
C_D

Witmer começou atrabalhar naspesquisassobreasdiferençasindi­


CO
viduais no tempo de reação eesperava obter o Ph.D. na Pennsilvânia,
CO mas Cattell tinha outrosplanos. Eleadmiravatanto Witmer, queo es­
C_D
cn
<X
colheucomoseusucessor. Eraumaoportunidademarcanteparaojovem,
f ig u r a 8.6 L ig h tn e r Witmer. mas havia uma condição: Witmer devia seguir para Leipzig, afimde
Capítulo 8 Psicologia aplicada 187

fazer o doutorado sob aorientação deWundt. Emrazão do grandeprestígio quelherenderia umPh.D. na


Alemanha, Witmer concordou.
Witmer estudou comWundt eKiilpeefoi colegadeclassedeTitchener. Não ficou impressionado com
os métodos depesquisa de Wundt, aos quais chamava de desleixados. Contou que Wundt fazia Titchener
repetir uma observação “porque os resultados obtidos por Titchener não eramcomo os que ele, Wundt,
previra” (apudO’Donnell, 1985, p. 35). Witmer participou como sujeito nosestudosdeWundt sobretempo
dereação; seutrabalho, porém, não durou por muito tempo, porqueseu tempo dereação “eraomaisrápido
já registrado no laboratório de Wundt, o que o levou aalegar que Witmer não estavarealizando atarefa
apropriadamente, como umintrospectivo deveriafazer”. Wundt recusou-seausar osdadosdeWitmer eeste
logo veio aduvidar dautilidadedo método introspectivo (Benjafield, 2010, p. 56).
Mais tarde, Witmer afirmou não ter extraído nada, anão ser o título, dasua experiência emLeipzig.
Wundt não permitiu queWitmer continuasseotrabalho sobreotempo dereaçãoiniciado por Cattell eres­
tringiu seusestudosàpesquisaintrospectivadoselementos daconsciência.
Mesmo assim, Witmer obteve sua titulação eretornou para ocupar sua nova posição na University of
Pennsylvania, no verão de 1892; no mesmo ano, Titchener, que também recebera agraduação, foi para
Cornell University. Essetambémfoi o ano emque outro aluno de Wundt, Hugo Münsterberg, foi levado
por WilliamJames para Harvard University, eemque Hall fundou aAPA, tendo Witmer como um dos
sócios-fundadores. Assim, observa-seoespíritofuncionalistaaplicadocomeçandoatomar contadapsicologia
norte-americana.
Durantedoisanos, Witmer trabalhou comopsicólogoexperimental, conduzindopesquisaseapresentan­
do trabalhossobreasdiferençasindividuaiseapsicologiadador, aomesmo tempo quebuscavaumaoportu­
nidade para aplicar apsicologia no comportamento anormal. A chance surgiu em março de 1896, em
consequênciadeumasituação criadapelascircunstânciaseconômicas daépoca: oaumento dasverbasparaa
educação pública.
Diversos conselhos estaduais deeducação estavamestabelecendo departamentos universitários depeda­
gogiaparaoferecer orientaçõesarespeito demétodos eprincípiosdeensino. Ospsicólogoseramprocurados
paraoferecer cursosdeespecialização emeducação ecursosparaprofessoresdeescolaspúblicasquealmejas­
semgraduação mais avançada. Os departamentos de psicologia beneficiaram-se consideravelmente desse
aumentorepentino dealunos, porqueàépoca, assimcomo hoje, oorçamento dodepartamento eratotalmen­
tedependente do número dematrículas.

Iniciando apsicologia clínica. Witmer ministrou algunsdoscursosestabelecidosparaprofessoresde


escolaspúblicas na University of Pennsylvania. Em 1896, uma dessasprofessoras, Margaret Maguire, pediu
uma orientação aWitmer arespeito deumaluno de 14anos comdificuldadeparaaprender asoletrar, em­
boraseconduzissebememalgumasoutrasmatérias. Seráqueapsicologiaeracapaz deajudar?Witmer disse:
“Parece-me que, seapsicologiativer algumvalor paramimou paraqualquer outrapessoa, temdeser capaz
deajudar umprofessor emumcasodedeficiênciadessetipo” (apudMcReynolds, 1997, p. 76). Witmer mon­
tou umaclínicaprovisóriae, assim, iniciou otrabalho querealizariapelo restodavida. Algunsmesesdepois,
preparava cursos sobre métodos de tratamento de crianças comdeficiência mental, cegas ecomdistúrbios.
Publicou umartigo na revista Pediatrics, intitulado “O trabalho prático na psicologia” [“Practical work in
psychology”], emquerecomendavaaaplicação dapsicologianasquestõespráticas:
Witmer apresentou umtrabalho sobre essetema nareunião anual daAPA, usando pelaprimeiravez a
expressão “psicologia clínica”. Em 1907, criou arevista Psychological Clinic, aprimeira publicação na área e,
188 História da psicologia moderna

durantemuitosanos, aúnica. Naprimeiraedição, Witmer propôsacriaçãodaprofissãodepsicologiaclínica.


No anoseguinte, criou uminternato paracriançascomdistúrbioseretardamento mental e, em1909, expan­
diu suaclínicauniversitária, transformando-a emunidadeadministrativaseparada.
Witmer permaneceu naUniversity of Pennsylvania, lecionando, promovendo epraticandosuapsicologia
clínica. Aposentou-se dauniversidade em 1937 efaleceu em1956, com89 anos, o último dosmembros do
pequeno grupo depsicólogosquesereuniu comG. Stanley Hall, em1892, parafundar aAPA.

As clínicas de avaliação
/ infantil
Sendo o primeiro psicólogo clínico do mundo, Witmer não tinha exemplos nemprecedentes para os seus
casos; então, foi elaborando odiagnóstico eotratamento, conformeasnecessidades. “Devido àfaltadequal­
quer princípio parame orientar, foi necessário envolver-me diretamente no estudo dessascrianças, criando
métodospróprios, àmedida queprosseguiacomo tratamento” (Witmer, 1907/1996, p. 249).
As crianças encaminhadas àclínica de Witmer apresentavam diversos problemas, alguns dos quais
identificados por ele como hiperatividade, dificuldade de aprendizagem ebaixo desempenho motor e
oral. Quando adquiriu mais experiência ese sentiu mais confiante, desenvolveu programas-padrão de
avaliação etratamento eaumentou o quadro depessoal daclínica, contratando mais médicos, assistentes
sociais epsicólogos.
Witmer reconhecia que osproblemas físicos afetavamo funcionamento cognitivo eemocional; assim,
pediaaosmédicos que examinassemascriançaspara determinar seadesnutrição ou asdeficiênciasvisual e
auditivaconsistiamemfatores contribuintes paraasdificuldades dospacientes. Depois desseexame, ospsi­
cólogostestavam-noseosentrevistavam, eosassistentessociaispreparavamohistóricoarespeitodaformação
familiar decadaum.
No início, Witmer acreditavaqueosfatoresgenéticosfossemosprincipaisresponsáveispelosdistúrbios
cognitivos ecomportamentais; mais tarde, porém, percebeu que os fatores ambientais erammais impor­
tantes. Eleprognosticou anecessidadedeproporcionar diversasexperiênciassensoriaislogo nosanosiniciais
davidadacriança, antecipando acriação deprogramas detratamento eaperfeiçoamento, como oprogra­
maHead Start.2Acreditavano envolvimento dafamíliaedaescolano tratamento dospacientes, alegando
que, seascondições dacasaedaescolafossemmelhoradas, o comportamento dacriançatambémmudaria
paramelhor.

Comentários
Váriospsicólogoslogo seguiramo exemplo deWitmer. Por voltade 1914, quase20 clínicas depsicologiajá
operavamnos Estados Unidos, amaioria seguindo ospadrões da clínica dele. Alémdisso, seus ex-alunos
disseminaramasuaabordagemepassaramparaasnovasgeraçõestudo oquetinhamaprendido arespeito do
trabalho clínico. A influênciadeWitmer atingiu aáreadaeducação especial. Seualuno, MorrisViteles, am­
pliou otrabalho, estabelecendo umaclínicadeorientaçãovocacional, aprimeiradessetipo nosEstados Uni­
dos. Outros seguidoresdeWitmer aplicaramasuaabordagemclínicaempacientesadultos.

2Uma espéciedeprogramadeassistênciaàcriança, queatualmenteabrangenãoapenasasdificuldadesdeaprendizagem, como tambémasdecunho


social. (NT)
Capítulo 8 Psicologia aplicada 189

O crescimento da psicologia clínica


AlémdosesforçosdeWitmer naaplicaçãodapsicologiaparaavaliar etratar ocomportamentoanormal, doislivros
deramimpulsoaocampo. CliffordBeers, umex-pacientecomproblemasmentais, escreveuA mentequeencontrou
asi mesma \A mind thatfound itself] (1908), livro quefezmuito sucessoechamou aatençãoparaanecessidadede
tratar commaishumanidadeaspessoasmentalmentedoentes. AobraPsicoterapia[Psychotherapy] (1909), deHugo
Münsterberg, tambémtevegranderepercussãoedescreviaastécnicasdetratamentodevariosdisturbiosmentais.
Miinsterbergpromoveuapsicologiaclínica, descrevendométodosespecíficosparaoauxílioapessoasperturbadas.
Os conceitos deSigmund Freud (ver Capítulo 13) foramfundamentais para o avanço dapsicologia clí­
nicaeacabaramconduzindo o campo muito alémdoslimites daclínicadeWitmer. A psicanálisefreudiana
fascinavatanto quanto enfureciasegmentosdominantesdapsicologiaeopúblico norte-americano. Asideias
deFreud forneceramaospsicólogos clínicosassuasprimeiras técnicaspsicológicasdeterapia.
Apesar detudo, apsicologiaclínicaavançoulentamentecomo profissão. Até 1918, noveanosapósavisita
deFreud aosEstadosUnidos, aindanão haviaprogramas depós-graduação empsicologiaclínica. Mesmo por
volta de 1940, apsicologia clínicaainda era uma partemenor dapsicologia. Haviapoucas instituiçõespara o
tratamento deadultoscomdistúrbiose, consequentemente, poucosempregosparapsicólogosclínicos. Ospro­
gramasdetreinamento paranovospsicólogosclínicoseramlimitados. Otrabalho doprofissional raramenteia
alémdaadministração detestes. No entanto, asituaçãomudou quando osEstadosUnidosentraramnaSegun­
daGuerraMundial, em1941. Grandenúmero derecrutas“apareceramnoscentrosdeindução comansiedade
grave, depressão, comportamentosantissociais, raivaincontrolável esinaisdeinstabilidadepsíquicageneralizada.
Eles urinavamna cama, eramariscos esofriamdeinadaptação crônica” (Engel, 2008, p. 43-44). Quando a
guerraacabou, em1945, quase2milhõesdehomenstinhamsidorejeitadosparaoserviçomilitar por problemas
psiquiátricos. Entreosqueforamaceitos, 1milhãotevedeser hospitalizadoparatratamentodedesordensmen­
taisduranteotempo emqueestevenaativa, eoutros500mil foramdispensadospelosmesmosmotivos.
Asliderançasmilitaresrapidamenteconcluíramquemuitoshomensprecisavamdeajuda, equenãohavia
psicólogosou orientadores emsaúdemental parafazer essetrabalho. Esseimpulso ajudou afazer dapsicolo­
gia clínica aárea especializada, dinâmica eaplicada na qual ela setransformaria. O exército estabeleceu
programasdetreinamento paracentenasdepsicólogos, afimdequeelespudessemtratar osdistúrbiosemo­
cionais dossoldados.
Depois daguerra, anecessidadedepsicólogos clínicos aumentou aindamais. A Administração dosVe­
teranos (VeteransAdministration —VA) (hoje, Department of VeteransAffairs—Departamento deAssuntos
dos Veteranos) viu-se responsável por mais de 40 mil veteranos de guerra diagnosticados comproblemas
psiquiátricos. Maisde3milhõesnecessitavamdeorientação vocacional epessoal paraajudá-losnaretomada
davida civil. Aproximadamente 315 mil veteranos aguardavamo auxílio para seajustaremàs deficiências
físicasresultantes dosferimentos deguerra. Havia umademanda excessivadeprofissionaisdasaúdemental,
queultrapassavadelongeaoferta.
Para ajudar aatender aessasnecessidades, aVA criou programas degraduação de nível universitário e
pagou asmensalidadesaosestudantes depós-graduação quedesejassemtrabalhar noshospitais enasclínicas
daVA. Emrazão daespecificidadedessesprogramas, ospsicólogos clínicospassaramatratar deumtipo di­
ferentedepaciente. Antesdaguerra, amaioriado trabalho eradedicadaàscriançascomproblemasdedelin­
quênciaedeajuste, masasnecessidadesdosveteranos deguerratrouxerampacientesadultoscomproblemas
emocionais ainda mais profundos. O Department of Veteran Affairscontinuaaser o maior empregador de
psicólogos dosEstados Unidos.
190 História da psicologia moderna

Atualmente, os psicólogos clínicos estão empregados emcentros de saúdemental, escolas, empresas e


clínicasparticulares. A psicologiaclínicaéamaior áreadeespecialização aplicada, commaisdeumterço de
todos osestudantes depós-graduação matriculadosnosprogramas clínicos.

0 movimento da psicologia industrial-organizacional


Outro aluno de Wundt emLeipzig, Walter Dill Scott, deixou o universo dapura psicologia introspectiva
para aplicar anova ciência àpublicidade eaos negócios. Scott dedicou amaior parte da suavida adulta à
melhoriadomercadoedoambientedetrabalho, procurandoidentificar métodosparaosgrandesempresários
motivaremosfuncionários eosconsumidores.

Walter Dill Scott (1869-1955)


O trabalho deScott (Figura 8.7) refleteapreocupação daescoladapsicologiafuncionalistacomasquestões
práticas. Umhistoriador dapsicologiadeclarou:

Ao deixar Wundt eLeipzigeretornar àChicago daviradado século, aspublicaçõesdeScott passaramda


teorizaçãogermânicaparaapraticidadenorte-americana. Emvezdeexplicar amotivaçãoeosimpulsosem
geral, Scott davaorientaçõesdecomoinfluenciar aspessoas, inclusiveconsumidores, opúblicoempalestras
eostrabalhadores. (VonMayrhauser, 1989, p. 61)

Scott colecionou umaimpressionantelistadeprimeiros lugares. Foi aprimeirapessoaaaplicar apsico­


logiaemseleçãodepessoal, administração epublicidade. Foi oautor doprimeiro livro nessaáreaeoprimei­
ro aobter o título de professor empsicologia aplicada. Ademais, foi o fundador da primeira empresa em
consultoria empsicologia, eo primeiro psicólogo areceber, do exército norte-americano, aMedalha de
Honrapor Serviços Prestados.

A biografia de Scott
Nasceu emumafazendapróximaàcidadedeNormal, emIllinois. Emcertaocasião, enquanto ojovemScott
aravaaterra, ocorreu-lheaideiadamelhoriadoambientedetrabalho. Seupai estavasempredoente, eassim
o garoto de 12 anos eraresponsável por grandeparte daadministração dapequena fazenda dafamília. Um
dia, depois dearar umtrecho do solo para o plantio, parou no final dos sulcos para oscavalosdescansarem
umpouco eavistou adistânciaosprédios do campus daIllinoisStateNormal University. Derepente, perce­
beu que, sealmejavaobter uma vida melhor, não podia mais perder tempo. Eleperdia dez minutos acada
horadearagemparaoscavalosdescansarem! Essesminutos, somados, totalizavamcercadeumahoraemeia
por dia, tempo que poderia usar para estudar. Então, Scott decidiu carregar consigo livros paraler durante
qualquer intervalo.
Parapagar amensalidadedafaculdade, colhiaeenlatavaamoras, recuperavasucataparavender, alémde
fazer trabalhosocasionais. Guardavapartedodinheiroeorestantegastavaemlivros. Com19anos, matriculou-
-senaIllinoisStateNormal University ecomeçou sualongajornadaparalongedafazenda. Doisanosdepois,
Capítulo 8 Psicologia aplicada 191

conseguiu umabolsadeestudosparafrequentar aNorthwestern Univer-


sity, emEvanston, Illinois, edavaaulasparticulares para ganhar umdi­

D IG -G G B A IN -319 62)
nheiro extra. Fez partedo time defutebol americano dauniversidade e,
nessaépoca, conheceu AnnaMarcy Miller, comquemviriaasecasar.

LIBRARY OF CONGRESS PRINTSAND PHOTOGRAPHS DIVISIONlLC


Eletambémescolheu suacarreira; decidiu setornar missionáriopara
servir naChina, emboraissosignificassemaistrêsanosdeestudo. Quan­
do seformou no seminário teológico de Chicago eestava pronto para
partir paraaChina, soubequenão haviamaisvagasparamissionários: a
China estavalotada. Foi então queseusinteressessevoltaramparaapsi­
cologia. Fizera um curso de psicologia de que gostara muito elera um
artigo emumarevistaarespeitodolaboratórioWundt, emLeipzig. Com
asbolsasdeestudo, asaulasparticulareseavidasimplesquelevava, eco­
nomizaraalgunsmilharesdedólares, osuficienteparaadquirir apassagem FIGURA8.7 W a lte r Dili Scott.

paraaAlemanha eparasecasar.
Em21 dejulho de 1898, Scott esuanoivapartiram. Enquanto eleestudavacomWundt, Anna Miller
Scott trabalhavano seu Ph.D. emliteraturanaUniversity of Halle, cercade30 quilômetros distante. Muitas
vezeselesseencontravamapenasnosfinsdesemana. Ambos receberamo doutorado doisanos depois. Scott
passou afazer partedo corpo docentedaNorthwestern University como orientador depsicologiaepedago­
gia, jámostrando suatendênciadeaplicar apsicologiaaosproblemas educacionais.
Algunsanosdepois, seusinteressesmudaramaoser procuradopor umexecutivopublicitário, quepedia
quetentasseaplicar apsicologianosanúncios, comointuito deaumentar aeficáciadeles, ideiaquedesper­
tou seu interesse. Acompanhando o espírito do funcionalismo norte-americano, o caminho de Scott
distanciava-se da psicologia wundtiana àmedida que encontrava formas para empregar apsicologia nas
questões davida real.
Scott escreveu Teoria eprática dapublicidade [The theory andpracticeof advertising] (1903), oprimeiro livro a
respeito do assunto, e, emseguida, outros livros eartigos pararevistas. Suaperícia, reputação econtatos na
comunidade empresarial ampliaram-se rapidamente. Eletambémvoltou suaatenção para osproblemas ad­
ministrativosedeseleçãodepessoal. Em1909, foi promovido aprofessor depublicidadenaescoladecomér­
cio da Northwestern University. Em 1916, foi indicado professor de psicologia aplicada e diretor do
departamento depesquisasdashabilidadesemvendasdaPittsburgh’sCarnegieTechnical University.
Quando osEstados Unidos entraramnaPrimeira GuerraMundial, em1917, Scott ofereceu ao exército
suashabilidadesparaajudar naseleçãodossoldados. No início, Scott esuaspropostasnãoforambem-aceitos,
porque nemtodos estavamconvencidos do valor prático dapsicologia. Ogeneral do exército comquemele
tinhadelidar ficoufuriosoeexpressousuadesconfiançaaprofessores. “Eledissequeerasuafunção enxergar
que osprofessores universitários não conseguiamprogredir eque nós estávamos emguerra comosalemães
enão tínhamostempo aperder comexperiências” (Scott, apudVonMayrhauser, 1989, p. 65). Scott acalmou
o homemirado, levou-o paraalmoçar econvenceu-o do valor dassuastécnicas deseleção. Aparentemente,
Scott conseguiu provar seu ponto devistae, posteriormente, o exército acabou concedendo-lhe umameda­
lhapelosserviçosprestados.
Depoisdaguerra, Scott fundou suaprópriaempresa(comonomebem“criativo” deTheScott Company)
paraprestar serviçosdeconsultoriaàsempresasquedesejassemauxílio naseleçãodepessoal enamelhoriada
eficácia do trabalhador. Tambémfoi reitor da Northwestern University, entre 1920 e 1939. O saguão da
universidadefoi batizado deSalão Scott, emhomenagemaWalter Dill Scott eAnnaMiller Scott.
192 Historia da psicologia moderna

Publicidade e sugestionabilidade humana


A marcadaformação deScott napsicologiaexperimental deWundt, combasenafisiologia, esuatentativa
deestendê-laparaodomínio dapráticasãopatentesemseustrabalhosarespeitodepublicidade. Por exemplo,
eleobservou queosórgãoshumanos dossentidossãoa

[...] janeladaalma. Quantomaissensaçõesrecebemosdeumobjeto, maisoconhecemos. Afunçãodosiste­


manervoso éfazer-nosperceber avisão, asonoridade, osentimento, osabor eoutras característicasdos
objetospresentesemnossoambiente.
Apublicidade, àsvezes, écomparadaaosistemanervosodomundo dosnegócios. Umanúnciodeins­
trumentos musicaisincapaz dedespertar asensação sonoraédeficiente. Assimcomo osistemanervoso é
organizadodeformaanosproporcionar todasassensaçõespossíveisdecadaobjeto, oanúnciodevedespertar
namentedoconsumidor diferentestiposdeimagens, (apudJacobson, 1951, p. 75)

Scott alegava que o consumidor pode ser facilmente influenciável, porque, muitas vezes, não age de
maneiraracional. Consideravaqueemoção, simpatiaesentimentalismosãofatoresqueaumentamasugestio­
nabilidade do consumidor. Tambémacreditava, como era comumnaquela época, que amulher era mais
sugestionável queo homem. Aplicando sualei dasugestionabilidade, recomendavaàsempresas queusassem
comandosdiretosparavender oproduto, como, “UseosabãoX”. Eletambémpromoveu o uso doscupons,
porquefaziamosconsumidorestomaremumaatitudedireta, como recortar ocupomdojornal, preenchê-lo
comnomeeendereço eremetê-lo paraaempresa, afimdereceber umaamostragrátis. Essastécnicasforam
adotadascomentusiasmo pelospublicitários e, emtorno de 1910, o usojáerageneralizado.

Seleção de pessoal
Paraaseleçãodosmelhoresfuncionários, principalmenteentreopessoal devendas, executivosemilitares, Scott criou
escalasdeclassificaçãoetestesemgrupoparamedir ascaracterísticasdaspessoasjábem-sucedidasnessasocupações.
Assimcomo Witmer napsicologiaclínica, Scott não tinha como sebasear emalgumtrabalho anterior.
Procurou oficiaisdo exército egerentes deempresas, pedindo-lhes queclassificassemseussubordinadospor
aparência, porte, sinceridade, produtividade, caráter evalor profissional para aorganização. Em seguida,
classificouoscandidatosàsvagasdeacordo comasqualidadesconsideradasnecessáriasparaobomdesempe­
nho dafunção, procedimento semelhanteaoadotado atualmente.
Scott desenvolveu testespsicológicosparamedir ainteligênciaeoutrashabilidades, mas, emvez deava­
liar os candidatos individualmente, criou testes para aplicação emgrupo. Quando há grande número de
candidatosparaser avaliado empouco tempo, ostestesemgrupo sãomaiseficientesemaiseconômicos.
Essestesteseramdiferentesdosqueestavamsendo desenvolvidospor Cattell eoutrospsicólogosdaapli­
cação. Scott não apenas media ainteligência geral, como tambémseinteressava emsaber como apessoa
empregava ainteligência. Emoutras palavras, desejavasaber como o indivíduo processavaasinformações e
dequemaneiraainteligênciafuncionava no mundo cotidiano. Eledefiniu ainteligência não emtermos de
habilidades cognitivas específicas, mas emtermos práticos, comojulgamento, rapidez eprecisão, que são
características necessáriasparaarealização de umbomtrabalho. Ele comparava osresultados dos testes dos
candidatos comosdefuncionáriosbem-sucedidos enão sepreocupavacomaindicação queessesresultados
pudessemdar arespeito doselementos mentais.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 193

Comentários
Scott, assimcomo Witmer, não foi alvo de muita atenção na história dapsicologia durante muitos anos, e
diversasrazõescontribuíramparaesserelativodescaso. Assimcomomuitospsicólogosdapsicologiaaplicada,
Scott não formulou teorias, não fundou uma escoladepensamento nemtevediscípulosleaisparadar conti­
nuidadeaseu trabalho. Conduziu poucapesquisaexperimental enão publicou muito nasprincipaisrevistas.
Seustrabalhosparaasempresas do setor privado eparao exército eramdirecionados aproblemasmuito es­
pecíficos. Muitos psicólogos acadêmicos, principalmente osqueocupavamposições detitular nasprincipais
universidades econtavamcomlaboratórios bemfinanciados, menosprezavamo trabalho dos psicólogos da
aplicação, poisacreditavamqueelespouco contribuíamparaoprogresso dapsicologiacomo ciência.
Scott eoutros psicólogos que trabalhavamcompsicologia aplicada contestavamessanoção. Não viam
conflito entre aaplicação dapsicologia eo seu avanço como ciência. Os psicólogos da aplicação alegavam
que, ao trazer apsicologia aos olhos do público, conseguiamdemonstrar o seu valor, eassimaspesquisas
psicológicas nos laboratórios acadêmicos passavamaser mais reconhecidas. Dessamaneira, ospioneiros da
psicologiaaplicadarefletiamo espíritofuncionalistanorte-americano, comatarefadetransformá-laemum
instrumento utilitário.

0 impacto das grandes guerras mundiais


A Primeira Guerra Mundial provocou umaumento monumental no escopo, na popularidade eno cresci­
mento dapsicologiaindustrial-organizacional. VimosqueScott voluntariou-separaprestar serviçosaoexér­
cito norte-americano edesenvolveu uma escala de classificação para aseleção de capitães do exército, com
basenos testes que criaraparaacategorização delíderes eempresas. No final daguerra, já haviaavaliado a
qualificaçãoprofissional de3milhõesdesoldados, eessetrabalhofoi amplamentedivulgadocomoumexem­
plo do valor prático dapsicologia. Depois daguerra, houvegrande demandapor parte do comércio, dain­
dústriaedogovernopelosserviçosdospsicólogosindustriaisparaareorganização dosseusprocedimentosde
pessoal eapreparação detestespsicológicosparaaseleção defuncionários.
A Segunda GuerraMundial empregou psicólogosno trabalho deguerrapararealizar testes, selecionar e
classificar ossoldados. Alémdisso, nesseperíodo, asarmas deguerra (como asaeronavesdealtavelocidade)
haviamsetornado tão complexas, que suaoperação exigiapessoal altamente qualificado. A necessidade de
identificar soldadoscomcapacidadeparaaprender asqualificaçõesexigidaslevou ospsicólogosaaperfeiçoar
osprocedimentosdeseleçãoetreinamento. Essasnecessidadesdaguerrageraramumanovaespecialidadena
psicologia industrial, muitas vezes chamada psicologia da engenharia, engenharia humana, engenharia dos
fatoreshumanos ou simplesmenteergonomia.
Os psicólogos da engenharia trabalhamemconjunto comos engenheiros de sistemas de armamento,
fornecendo informações sobreacapacidade ealimitação humanas. Seu trabalho influência diretamente o
projeto deequipamentos militaresparaadequá-los àshabilidades dequemosfor manusear. Hoje, ospsicó­
logos da engenharia não trabalhamapenas com equipamentos militares, mas também comprodutos de
consumo, como teclados etelas deexibição deinformações emmonitores doscomputadores, smartphones
e outros dispositivos pessoais, alémde eletrodomésticos, como refrigeradores, epainéis informativos de
automóveis. Omodo como ainformação éexibidaemcadaaparelho quevocêutilizahojefoi projetado por
psicólogos daengenharia.
194 História da psicologia moderna

Os estudos de Hawthorne e as questões organizacionais


Oenfoqueinicial dospsicólogosindustriaisduranteadécadade1920consistianaseleçãoecolocaçãodoscandi­
datos—aescolhadapessoacertaparaaposiçãomaisadequada. Em1927, oprogramadaáreaampliou-seconside­
ravelmente como programa depesquisainovador conduzido pelaWestern Electric Company, nafábricade
Hawthorne, emIllinois (Roethlisberger eDickson, 1939). Essesestudos ultrapassaramo limite daseleção eda
colocaçãodepessoal, abordandoproblemasmaiscomplexosdasrelaçõeshumanas, comoamotivaçãoeomoral.
A pesquisa começou como umainvestigação direta dos efeitos do ambientefísico detrabalho, como as
condiçõesdeiluminação etemperatura, sobreaeficiênciadosfuncionários. Osresultadossurpreenderamos
psicólogos edirigentesdasfábricas, poisconstataramqueosaspectossociaisepsicológicos do local detraba­
lho erammuito maisimportantes queascondiçõesfísicas.
Por exemplo, pesquisadoresconduziram

[...] 20mil entrevistascomtrabalhadoreseverificaramquenãoeraasubstânciadasentrevistas, masopróprio


fatodeserementrevistados(i.e., receberematenção, seremanalisados, pesquisados, observadoseouvidos) que
diminuíasuaresistênciaeostornavamaisdóceise“maisbemajustados”. (Lemov, 2005, p. 65)

Emoutraspalavras, sóofatodeseremquestionadosouobservadosno trabalho, comopartedoprograma


depesquisa, levoumuitostrabalhadoresaacreditar queaadministraçãoseimportavacomeles, queseuspatrões
estavamrealmente interessados neles como indivíduos, e não simplesmente como dentes de engrenagem
substituíveisnagrandemáquina industrial.
Os estudosdeHawthornelevaramospsicólogosaexplorar osaspectossocial epsicológico do ambiente
detrabalho, incluindo comportamento daliderança, formação degrupos informaisdetrabalho, atitudesdos
funcionários, padrõesdecomunicação entreossubordinadoseseussuperiores, alémdeoutrosfatorescapazes
deinfluenciar amotivação, aprodutividadeeasatisfação (Figura8.8). Oslíderesempresariaislogo acabaram
reconhecendo eaceitandoainfluênciadessasforçasno desempenhoprofissional. Reconhecendo aimportân­
ciadavariável organizacional, aDivisão dePsicologiaIndustrial (Division of Industrial Psychology) daAPA
passou aser chamadade Society for Industrial and Organizational Psychology (Sociedade dePsicologia In­
dustrial eOrganizacional).

FIGURA8.8 E s t u d o s r e a l iz a d o s na d é c a d a de 1 9 2 0 e 1930, no H aw th orn e , Illinois, fáb rica da W e s t e r n Electric


C om pany, levou p s i c ó l o g o s da e n g e n h a r ia para a s c o m p l e x a s á r e a s d a s r e l a ç õ e s h u m a n a s , e s t ilo s de
lid e ra n ça e m o tiv a ç ã o d o s f u n c io n á r io s e moral.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 195

Lilian Gilbreth
Emtermosprofissionais, apsicologiaindustrial-organizacional tem, historicamente, oferecidooportunidades
decarreiraparaasmulheres. Aprimeirapessoaaobter oPh.D. naáreafoi LillianMoller Gilbreth (1878-1972),
querecebeu o título em1915, naBrown University. Emconjunto comseumarido, Frank Gilbreth, elapro­
moveuaanálisedotempo-movimento como umatécnicaparamelhorar odesempenhonotrabalho. Também
foi uma das primeiras areconhecer o valor da filmagemdas pessoas emseu trabalho como uma forma de
analisar seusmovimentos (Belliveau, 2012).
No entanto, muitos empresários daquelaépocanão aceitavamapresençadepsicólogasnos escritórios e
nasfábricas. Equando Lillian eFrank escreveramumlivro sobreaeficiênciaindustrial, o editor recusou-se
amencionar o nome delanacapa, justificando queafetariaacredibilidade do livro. Seu próprio livro sobre
apsicologia gerencial foi publicado somente quando elaconcordou que seu nome aparecesse como L. M.
Gilbreth, emvez deLillian Gilbreth; alegou-se que o empresário não comprariao livro sevisseo nome de
umaautoranacapa. Elasuperou essaeoutrasbarreiraseconseguiuobter umalongacarreiradesucesso(Kelly
eKelly, 1990). Suaimagemchegou atéaser estampadaemumselopostal norte-americano.
Lilian Gilbreth realizou tudo isso enquanto criava doze filhos. “Entre 1905 e 1922, Lilian deu aluz
treze vezes, emintervalos de 15meses; uma criança morreu comidade de 5 anos” (Lepore, 2009, p. 88).
Doisdeseusfilhosescreveram, depois, sobrecomo foi crescer emumafamíliacomo essa, obraquesetornou
umlivro muito popular eumfilmechamado Doze édemais. Elaaindatrabalhou atédepoisdechegar aos90
anosefoi responsável pelasprincipaismudançasno modo como otrabalho égerenciado enaeficiênciacom
queérealizado tanto nasempresas como emcasa. Por exemplo, abraageladeiraevejaasprateleiras quehá
naporta—essaideiafoi deLilian Gilbreth. Como resultado disso, asgeladeirastêmmaior capacidadeeum
desenho mais eficaz. Para saber mais sobre Lilian Gilbreth, visite o site <www.webster.edu~woolflm/gil-
breth2.html>. Atualmente, maisdametadedoscandidatosaPh.D. empsicologiaindustrial-organizacional
são mulheres.

Hugo Münsterberg (1863-1916)


Hugo Münsterberg (Figura8.9), umestereótipo deprofessor alemão, durantecerto tempo foi umfenômeno
de sucesso na psicologia norte-americana, emais ainda aos olhos do público. Escreveu centenas de artigos
pararevistaspopularesemaisde20 livrosemáreasaplicadas, como apsicologiaclínica, industrial eforense.
VisitavafrequentementeaCasaBranca, como convidado dospresidentesTheodoreRoosevelt eWilliam
HowardTaft. Münsterbergfoi uminfluenteconselheiro delíderesgovernamentaiseempresariais, mantendo
relações comricos efamosos, como Kaiser Wilhelm, daAlemanha, omagnatado aço Andrew Carnegie, o
filósofoBertrandRussell, alémdeváriosintelectuaiseestrelasdocinema. Costumavaser citadono New York
Times, quededicou cercade 18editoriaisàssuasrealizações (Dennis, 2011).
Durante algum tempo, Münsterberg foi professor honorário da Harvard University, alémde ter sido
eleito tanto paraapresidênciadaAPA como daAssociaçãoAmericanadeFilosofia(American Philosophical
Association). Foi fundador dapsicologia aplicada nos Estados Unidos ena Europa etambémum dos dois
únicospsicólogosatéhojeacusadosdeespionagem.
Münsterberg era descrito como um “propagandista criativo da psicologia aplicada” (O’Donnell, 1985,
p. 225). De acordo como seu biógrafo, Münsterberg tambémfoi umagente depublicidadebem-sucedido,
196 História da psicologia moderna

“dotado de uminstinto extraordinário para o sensacionalismo. [Suaj vidapode ser interpretada como uma
sériedepromoções desi mesmo, dasuaciênciaedasuapátria-mãe [aAlemanha)” (Hale, 1980, p. 3).
Eleeraextremamenteegocêntrico epretensioso. OfilósofoGeorgeSantayanaodescreveucomo “pom­
poso” e“extremamenteegoísta.” Münsterberg, certavez, disseaSantayana, duranteumaviagemtransatlân­
tica, que era “surpreendente ver quantas pessoas estão viajando neste navio só porque estou aqui” (apud
Benjamin, 2006b, p. 419).
No fimdavida, Münsterberghaviasetornado alvo dedesprezo eridículo, retratado emchargesecari­
caturasdejornais; umavergonhaparaauniversidadeemquehaviatrabalhadováriosanose“umadaspessoas
maisodiadasdosEstadosUnidos” (Benjamin, 2000b, p. 113). Ao morrer, em1916, poucaspalavraselogiosas
foramproferidasparao homemqueumdiaforaumgigantedapsicologianorte-americana.

A biografia de Münsterberg
Em1882, com19anos, MünsterbergdeixouDanzig, suaterranatal, naAlemanha(hojeGdansk, naPolônia),
eseguiu paraLeipzig, comaintenção decursar auniversidadedemedicina. No entanto, mudou seusplanos
decarreiraquandofezumcurso depsicologiacomWilhelmWundt. Ficou entusiasmado comanovaciência,
maisespecificamentecomasoportunidadespromissoras queapesquisaeapráticadamedicinanão oferece­
riam. Fez o doutorado comWundt, recebendo o título em 1885, eformou-se médico doisanos depois, na
University of Heidelberg, na expectativa de que ambas asgraduações aumentariamsua capacitação para a
carreira napesquisaacadêmica. Aceitou lecionar naUniversity of Freiburg einstalou umlaboratório nasua
casa, comfinanciamento próprio, porqueauniversidadecareciadeinstalaçõesadequadas.
Münsterberg escreveu artigos arespeito do seu trabalho experimental napsicofísica e, logo, alunos de
todasaspartesdaEuropa, aosbandos, procuravamseulaboratório. Elepareciatrilhar ocaminho corretopara
assegurar acadeiradeprofessor universitário eareputação derespeitável pesquisador.
Em1892, WilliamJamesseduziuMünsterberg, desviando-o dessecaminho medianteaofertadetornar-
-se umdiretor muito bempago do laboratório depsicologia daHarvard. James lançou mão de elogios, di­
zendo aMünsterbergqueHarvard eraamaior universidadenorte-americanaequenecessitavadeumgênio
paradirigir o laboratório. Münsterberg preferiapermanecer naAlemanha, mas suaambição o fez sucumbir
àtentação, levando-o aaceitar aofertadeJames.

Chegando aos Estados Unidos


A transição daAlemanhaparaosEstadosUnidos, bemcomo dapsicolo­
giaexperimental puraparaaaplicada, foi difícil. Primeiro, Münsterberg
não aprovavaadisseminação das especializações napsicologia aplicada.
Emumartigopublicadonarevistanorte-americanaAtlanticMonthly (1898),
atacou colegas que estavamaplicando o conhecimento dapsicologiaà
educação, ou que utilizavamquestionários eoutras técnicas de medida
mental (Benjamin, 2006b). Ao fazer isso, elealienou muitos psicólogos
influentes, incluindoCattell. Criticouospsicólogosnorte-americanosque
escreviamparaopúblicoemgeral, ministravamcursospagosparalíderes
empresariaiseofereciamseusserviçosmedianteremuneração. No entan-
f ig u r a 8 .9 H u go M ü n s t e r b e r g . to, nãopassoumuito tempo atéqueelemesmo agissedemodo idêntico.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 197

Depois depassar dez anos emHarvard, talvez percebendo quenenhuma universidadealemãjamais lhe
ofereceria uma cadeira detitular, escreveu seu primeiro livro eminglês. American traits [Traços americanos]
(1902) consistiaemuma análisepsicológica, social ecultural dasociedade norte-americana. Escritor rápido
etalentoso, Miinsterbergeracapazdeditar paraasuasecretáriaumlivrode400páginasemummês. William
James diziaqueo cérebro deleparecianão secansar nunca.
A calorosaaceitação deseulivro encorajou-o adirecionar ostrabalhosseguintesparaopúblico emgeral
enãoparaoscolegasdaárea. Essesartigoslogosetornarammatériaprincipal depublicaçõespopularesenão
de revistas especializadas empsicologia. Abandonou apesquisapsicofísica sobre o conteúdo da mente para
dedicar-seàbuscadesoluçõesparaosproblemas cotidianos.
Seusartigosabordavamjulgamentos nostribunais eosistemajudiciário criminal, publicidadeparapro­
dutosdeconsumo geral, orientaçãovocacional, saúdemental epsicoterapia, educação, questõesrelacionadas
aindústria ecomércio, eatémesmo apsicologia defilmes cinematográficos. Preparou cursos deadminis­
tração eaprendizagempor correspondênciaegravou filmessobretestesmentais, exibidosemtodososcine­
mas dosEstados Unidos.
Münsterbergjamais fugiu de uma polêmica. Durante ojulgamento sensacionalista de umcriminoso,
administrou cemtestes mentais ao assassino confesso de 18 pessoas, que acusava umlíder sindical de tê-lo
contratado para assassiná-las. Combase nos resultados do teste, Münsterberg anunciou, mesmo antes de o
júri chegar aoveredicto, queaconfissão do assassinoacusando olíder sindical eraverdadeira. Quando ojúri
absolveu o líder sindical, o prejuízo na reputação de Münsterberg foi enorme, eumjornal apelidou-o de
“Professor Monster-work”.
Em 1908, Münsterberg envolveu-se no episódio do movimento de proibição da venda de bebidas
alcoólicas. Posicionava-secontrário àproibição, citando seusconhecimentoscomo psicólogo eexpressan­
do avisão de que o consumo moderado de bebida alcoólica seria atébenéfico. Os fabricantes alemães e
norte-americanos de cerveja, incluindo Adolphus Busch e Gustave Pabst, ficaramsatisfeitos por contar
como apoio deMünsterberg ederamcontribuições generosas parafinanciar seus esforços demelhorar a
imagemdaAlemanhaperanteosEstadosUnidos. Emuminfeliz esuspeito espaço curto detempo, Busch
teria doado 50 mil dólares para o Museu Alemão proposto por Münsterberg, apenas algumas semanas
depois dapublicação de seu artigo denunciando aproibição. Essacoincidência foi alvo de muita atenção
damídiajornalística.
Asideias deMünsterberg sobreamulher tambémerampolêmicas. Eleatéaceitavaaideiadapresen­
ça da mulher nos cursos de pós-graduação em Harvard, como os exemplos de Mary Whiton Calkins
(Capítulo 7), masacreditava que essetrabalho exigia demais damulher. Dizia que elanão deviaser edu­
cadaparaacarreiraprofissional, poisisso aafastavado lar, nemdevialecionar emescolaspúblicas, já que
era umfraco exemplo paraosmeninos. Alémdisso, não deviaser convocada parafazer parte deumjúri,
pois não tinha capacidadepara tomar decisõesracionais, observação quevirou manchete dediversosjor­
nais estrangeiros.
O reitor da universidade Harvard eamaioria deseuscolegas condenavamsuatendência deemitir co­
mentários sensacionalistas para aimprensa arespeito de questões polêmicas e, alémdisso, reprovavamseu
interessepelapsicologiaaplicada. A tensão nasrelaçõesatingiu oaugequando Münsterberg defendeu publi­
camenteasuapátria, aAlemanha, durante aPrimeira Guerra Mundial. A opinião públicanorte-americana
posicionava-se totalmente contrária àquelepaís. A Alemanha eraaagressorana guerra quejá havia ceifado
milhões devidas, masMünsterberg, ainda umcidadão alemão, defendiaabertamente o seu país. Osjornais
acusavam-no deser agente secreto, espião ou oficial dealtapatente do exército alemão eexigiamasuade-
198 História da psicologia moderna

missãodeHarvard. Umjornal londrino chamou-o deagentedogoverno alemão. Seusvizinhossuspeitavam


que ospombos quesuafilhaalimentava no quintal, no fundo dacasa, estavamcarregando mensagenspara
outros espiões. Um ex-aluno da Harvard ofereceu adoação de 10 milhões de dólares àuniversidade se
Münsterberg fossedemitido (Spillmann eSpillmann, 1993).
Oscolegasohumilhavameelerecebiaameaçasdemortepelo correio. Oostracismo eoviolentoataque
público acabaramcomoseu ânimo. No entanto, em16dedezembro de 1916, osjornaisnoticiavamaspos­
síveisconversações depaz naEuropa. “Atéaprimaverateremospaz”, eledisseàesposa (Miinsterberg, 1922,
p. 302). Seguiu apépelaimensacamadadeneveparadar aauladamanhãeestavaexausto no momento em
que chegou ao saguão da universidade. Miinsterberg entrou na salaedeu aula “por cerca de meia hora e
pareceu hesitar; no momento seguinteesticou obraço direito nadireção damesacomo sequisesseseapoiar”
(New York City Evening Mail, 16dez. 1916).3Caiu morto sempronunciar umaúnicapalavra, atingido por um
infarto fulminante.

A psicologia forense e a testemunha ocular


A psicologiaforensetratadarelação entreapsicologiaealei. Münsterberg escreveu artigos derevistaabor­
dando temas como aprevenção do crime, o uso dehipnose no interrogatório dos suspeitos, aaplicação de
testesmentaisparadetectar osculpadoseahonestidadequestionável datestemunha ocular. Nutriauminte­
resseespecial por esseúltimo tema, maisespecificamentepelafalibilidadedapercepçãohumanano testemu­
nho deumcrimeenasubsequentereconstituição dacena.
Conduziu pesquisascomsimulaçõesdecrimes, nasquais, imediatamenteapóspresenciar acena, astes­
temunhas deviamdescrever o quehaviaocorrido. Elasdivergiamnosdetalhes, emboraacenaaindaestives­
sefresca emsuasmentes. Münsterberg questionava aexatidão dessetestemunho no tribunal caso o evento
emquestão houvesseocorrido mesesantes.
Em1908, publicou No banco das testemunhas [On thewitnessstand], descrevendoosfatorespsicológicosque
podeminfluenciar o resultado dojulgamento, queincluíafalsasconfissões, poder dasugestão no interroga­
tório datestemunhapelaoutraparteeuso demediçõesfisiológicas(batimento cardíaco, pressãosanguíneae
reação dermatológica) para detectar estados emocionais alterados desuspeitos eacusados. O livro foi reim­
presso em2009, euma ediçãoparakindle foi disponibilizadaem2013. A SociedadeAmericanadePsicologia
Forense (American Psychology-Law Society) foi fundada naquela época como uma divisão da APA para
promover apesquisabásicaeaplicadanapsicologiaforense.

Apsicoterapia
O livro deMünsterberg, Psicoterapia [Psychotherapy], publicado em1909, enfocavaumaáreadiferentedapsi­
cologiaaplicada. Münsterbergtratavaospacientesemseu laboratório, enão emumaclínica, ejamaiscobra­
vapelosserviços. Alegavaqueessaposição lheproporcionavacertaautoridadeesesentiacomliberdadepara
dar orientaçõesdiretasaospacientesdecomoagir paramelhorar. Acreditavaqueadoençamental erarealmente
umproblemadedesajustecomportamental, enão atribuível aconflitosinconscientessubjacentes, como afir­
mava Sigmund Freud. “Não existe o subconsciente”, afirmava Münsterberg (apud Landy, 1992, p. 792).

3Agradecemosao dr. Ludy T. Benjaminjr. por nosfornecer essainformação com baseemsuapesquisa arespeito dostrabalhosdeMünsterberg na
Biblioteca Pública de Boston.
Capítulo 8 Psicologia aplicada 199

Quando Freud visitou aClark University em1909, aconvite de G. Stanley Hall, Münsterberg saiu do país
paraevitar umconfronto. Retornou somentedepoisdeFreud ter voltado paraaEuropa.
Embora olivro deMünsterberg sobrepsicoterapiatenhacontribuído muito paradivulgar o campo da
psicologia clínica, não foi bem-aceito por Lightner Witmer, que instalara sua clínica na University of
Pennsylvaniaváriosanosantes. Witmer jamaischegou aalcançar, nemnuncaalmejou, otipo deaclamação
pública alcançada por Münsterberg. Em um artigo que escreveu epublicou emsua revista, Psychological
Clinic, Witmer queixava-sedequeMünsterberg havia“depreciado” aprofissão, apregoando acuracomo se
estivesseemumafeiralivre. Referia-seaMünsterbergcomo umpouco melhor queoscurandeirosdafépor
causa da “maneira elegante como o professor de psicologia da [Harvard] viajava pelo país, afirmando ter
tratado emseulaboratório depsicologiacentenasdecasosdesseou daqueletipo dedistúrbio nervoso” (apud
Hale, 1980. p. 110).

A psicologia industrial
Münsterberg tambémfoi promotor dapsicologiaindustrial. Começou atrabalhar nessaáreaem1909 como
artigo intitulado “A psicologiaeomercado” [“Psychology andthemarket”], queabrangiadiversasáreasem
queapsicologiapodiacontribuir: orientaçãovocacional, publicidade, administraçãodepessoal, testesmentais,
motivação funcional eefeitosdafadigaedamonotonia no desempenho dafunção.
Trabalhou como consultor dediversasempresas, alémderealizar muitapesquisapráticaparaessasorga­
nizações. TambémpublicousuasdescobertasemPsicologiaeaeficiência industrial [Psychology and industrial efficiency]
(1913), obra escrita para o público emgeral, que acabou setornando campeã devendagem. Münsterberg
afirmavaqueamelhor maneiradeaumentar aeficáciano trabalho, aprodutividadeeasatisfaçãoeraselecio­
nando trabalhadores para asfunções de acordo comsuashabilidades mentais eemocionais. De que forma?
Desenvolvendotécnicaspsicológicasdeseleçãoadequadas, comotestesmentaisesimulaçõesdetrabalho, para
avaliar o conhecimento, aqualificação eahabilidadedo candidato.
Münsterberg conduziu pesquisassobreasmaisdiversasocupações, como capitão denavio, motorneiro,
telefonistaevendedor, paramostrar quesuastécnicasdeseleçãomelhorariamodesempenho profissional. As
pesquisasdeletambémdemonstraramqueaconversaduranteotrabalhoéprejudicial. Asoluçãopropostanão
era aproibição da conversa entre os trabalhadores, o que podia provocar ahostilidade, mas reorganizar o
ambientedetrabalho deformaquedificultasseasconversas. Sugeriu aumentar adistânciaentreasmáquinas
na fábrica ou separar asmesas dos funcionários do escritório comdivisórias (umprecursor dos “cubículos”
usadosnosescritórios atuais).

Comentários
Münsterbergnãoformulou nenhumateoria, nãofundou umaescoladepensamento nemconduziu pesquisas
acadêmicasdepoisdetornar-seumpsicólogoaplicado. Suapesquisaserviuaospropósitosempresariais, sendo
funcional evisando aajudar dealgumaformaaspessoas. Emborahouvesseestudado ométodo introspectivo
comWundt, criticou oscolegasquenão sedispunhamausar outrosmétodospsicológicosedescobertaspara
melhoriadahumanidade. A principal ideiaquecaracterizou acarreirapitorescaepolêmicadeMünsterberg
foi aênfaseno aspecto utilitário dapsicologia. Apesar do seutemperamento germânico, elefoi aquintessên­
ciado psicólogo funcional norte-americano, refletindo eexibindo o espírito do seu tempo.
200 História da psicologia moderna

A psicologia aplicada nos Estados Unidos: mania nacional


Ascontribuições dospsicólogosduranteaPrimeiraGuerraMundial colocaramapsicologia“emevidênciae
nasmanchetes” (Cattel, apud O’Donnell, 1985, p. 239). Hall declarou queaguerra “deu umtremendo im­
pulsoàpsicologiaaplicada. Essaherança, como umtodo, fazbemparaapsicologia; [nós] devemostentar não
ser excessivamentepuristas” (Hall, 1919, p. 48). Algumasrevistasespecializadas, como aJournal of Experimen­
tal Psychology, interromperamapublicação durante o período da guerra, mas aJournal of Applied Psychology
persistiu. Em1918, quando aguerraterminou, apsicologiaaplicadaadquiriramuito maisrespeito naprofis­
são. “A psicologiaaplicadaconstitui umtrabalho científico”, declarou Thorndike. “Exercer apsicologiapara
osnegócios, aindústria ou o exército émaisdifícil queexercê-laparaoutros psicólogos e, intrinsecamente,
exigemelhorestalentos” (apudCamfield, 1992, p. 113).
A psicologia acadêmica tambémsebeneficiou do sucesso da psicologia aplicada durante o período da
guerra. Pelaprimeira vez, houve emprego suficiente eapoio financeiro para os psicólogos universitários.
Novos departamentos de psicologia foramcriados, novos edifícios elaboratórios construídos, houve mais
verbapara ossalários dosprofessores. O número de associados daAPA triplicou, passando de 336 em 1917
paramais de 1.100 em 1930 (Camfield, 1992). Mesmo assim, muitos psicólogos acadêmicos desprezavama
psicologiaaplicada. LewisTerman, quedesenvolveu otestedeinteligênciaStanford-Binet, lembra-sedeque
“muitospsicólogos dalinhaantigamenosprezavamtodo o movimento dostestes. [...] Raramente mesentia
umpsicólogo” (Terman, 1961, p. 324).
AAPA, controladapeladivisãoacadêmicadapsicologia, alterou asexigênciasparaaadmissão denovos
membrosem1919. Os candidatosaingressar naAPA necessitamter publicado algumapesquisaexperimen­
tal. De fato, essamedida eliminavaapossibilidade deassociação deváriospsicólogos daaplicação e, certa­
mente, damaioriadepsicólogas, paraquemasoportunidades deemprego estavamlargamentelimitadas ao
trabalho aplicado.
Apesar dessaatitudenegativaemrelaçãoàpsicologiaaplicadapor partedemuitospsicólogosuniversitá­
rios, suapopularidade disparou eelasetornou uma espéciede “mania nacional” (Dennis, 1984, p. 23). As
pessoaspassaramacrer que o psicólogo eracapaz deresolver tudo, desdeacriseno casamento atéainsatis­
façãoprofissional, alémdevender qualquer item, do automóvel ao cremedental. Novasrevistaspromoviam
aárea. Entreasmaispopularestemos The Modem Psychologist eoutrarevistacomtítulo aindamaissugestivo,
Psychology: Health, Happiness, Success (Benjamin eBryant, 1997). Em 1923, um editorial do The New York
Times observou quea“novapsicologiaabriacaminho emumaáreaatrásdaoutradaatividadehumana, sem­
premostrando oseu valor” (apudDennis, 2002, p. 377).
O crescenteclamor por soluçõesparaosproblemasreaisconduziu cadavez maispsicólogos dapesquisa
acadêmicaparaasáreasdapsicologiaaplicada. Naedição de 1921 daAmerican Men of Science, deCattel, mais
de 75%dos psicólogos mencionados declararamrealizar trabalho aplicado; em 1910, essepercentual era de
50%(O’Donnell, 1985). Asreuniõesdafilial deNovaYork daAPA, noinício dadécadade1920, mostraram
substancial aumento do número detrabalhosrelacionados comasquestõesaplicadasdesdeosdiasqueante­
cederamaguerra (Benjamin, 1991).
No entanto, emtorno dadécadade 1930, período dadepressão econômicamundial, apsicologiaaplica­
datornou-se alvo de ataques por não cumprir suaspromessas. Os maiores empresários reclamavamque os
psicólogosindustriaisnão solucionavamtodososmalescorporativos. O The New York Times eoutrosjornais
influentes criticavamospsicólogos por supervalorizaremsuas habilidades eseremincapazes de amenizar o
/
mal-estar decorrentedadepressão econômica. Eclaro queadepressão econômicafoi tãoprofundaquenada
Capítulo 8 Psicologia aplicada 201

que apsicologiafizesseteria mudado asdesastrosas condições econômicas que assolavamtodo o mundo. A


famadapsicologiadeclinava, esuaimagemsomentefoi recuperada depoisde 1941, quando osEstados Uni­
dos entraramna Segunda Guerra Mundial. Desse modo, testemunhamos novamente aguerra como uma
influênciacontextuai naevolução dapsicologia.
A Segunda GuerraMundial (1941-1945) proporcionou umconjunto diferente deproblemasparaapsi­
cologia, revivendo eexpandindo sua influência. No total, 25%dos psicólogos norte-americanos estavam
diretamenteenvolvidosno esforçodeguerra, eoutroscontribuíramdeformaindiretapor meio depesquisas
etrabalhos. Um grande esforço foi liderado pelo historiador da psicologia E. G. Boring, que reuniu uma
equipe depraticamente40psicólogosparaescrever umlivro dedicado àquelesquetreinavamparaser solda­
dos; Psychologyfor the Fighting Man: What You Should Know About Yourself and Others setornou umdoslivros
maispopularesdaépoca.
Ospsicólogosdavamconselhosparatodososaspectosdavidadeumsoldado naguerra, demoral etrei­
namento aalimentação esexo. A coeditoradeBoring eraajornalistaMarkorieVandeWater. Elareescreveu
alinguagempesada dos psicólogos, tornando-a mais amigável ao público não acadêmico. “Inicialmente,
Boringpediu queelaassinassesobumpseudônimo masculino emrespeitoaoExército. Elavetou esteplano”
(Harris, 2013, p. 81).
Aspsicólogas não tiverammuitas oportunidades detrabalhar na guerra; algumas foramaconselhadas a
realizar trabalho voluntário comunitário. Dos 1.006 psicólogos que serviramas Forças Armadas norte-
-americanas, somente33erammulheres (Gilgenet al., 1997). “A SegundaGuerraMundial eascondiçõesda
vida dos norte-americanos que foramalteradas no pós-guerra resultaramum crescimento exponencial em
todasasáreasdapsicologiaecriaram, maisdo quenunca, anecessidadepor umgrandenúmero depsicólogos
profissionaisnahistóriadanação” (Pickren, 2007, p. 279).
Desde ofimdaguerra, apsicologianorte-americana experimentou umdrástico surto decrescimento
com os progressos mais significativos ocorrendo nas áreas da aplicação. A psicologia aplicada superou a
psicologia acadêmica voltada para apesquisa que prevalecera durante tantos anos. Não era mais verdade
queamaioria dos psicólogos trabalhava nas universidades, conduzindo pesquisas experimentais. Antes da
SegundaGuerraMundial, quase70%dosdoutoradosforamempsicologiaexperimental. Por voltade 1984,
essenúmero caiu para 8%(Goodstein, 1988). Antes destaguerra, 75%de todos ospsicólogos comdouto­
rado trabalhavamno meio acadêmico. Em torno de 1996, esse número caiu para 34%(Borman e Cox,
1996). Floje, aproximadamente 65%de todos os psicólogos trabalham emáreas aplicadas (Benjamin e
Baker, 2004).
Como consequência, houveumatransferênciadepoder naAPA, eospsicólogosaplicados(especialmen­
te osclínicos) assumiramaposição decomando. Em 1988, umgrupo demembros acadêmicos evoltados à
pesquisaserevoltouefundou aprópriaorganização, aSociedadeAmericanadePsicologia(AmericanPsycho-
logical Society —APS).

Comentários
A naturezadapsicologianorte-americanamudou muito desdeosanosemqueHall, Cattel, Witmer, Scott
eMünsterberg estudaramcom Wilhelm Wundt, na Alemanha, etrouxeram apsicologia alemã para os
Estados Unidos. A psicologia não mais serestringe asalas de aula, bibliotecas elaboratórios, mas sees­
tendepara diversas áreas davidacotidiana. Hoje, ospsicólogos daaplicação trabalhamcomtestes, psico­
logia educacional e escolar, psicologia clínica e aconselhamento, psicologia industrial-organizacional,
202 História da psicologia moderna

psicologiaforense, psicologiacomunitária, psicologiado consumidor, psicologiaambiental epopulacional,


psicologia dasaúde ereabilitação, serviços àfamília, psicologia do esporte edo exercício, psicologia mi­
litar, psicologiadamídia, alémdelidar comocomportamento do viciado, areligião, acultura equestões
degrupos minoritários.
Seapsicologiapermanecesse concentrada nos elementos mentais ou no conteúdo daexperiência cons­
ciente, nãoexistirianenhumadessasáreasdeaplicação. Aspessoas, asideiaseosacontecimentosdescritosnos
capítulos6a8referentesàescoladepensamentofuncionalistaforçaramapsicologianorte-americanaaultra­
passar olimitedo confinamento no laboratório deWundt, emLeipzig.
Consideremos essesfatores:

• ateoriadeDarwin sobreaadaptação efunção;


• amensuração deGalton dasdiferençasindividuais;
• o enfoqueintelectual norte-americano napraticidadeenautilidade;
• amudançanoslaboratóriosdepesquisaacadêmica, deconteúdoparafunção, provocadaporJames, Angelí,
Carr eWoodworth;
• osfatoressocioeconómicos eopoder daguerra.

Todas essasforçasseentrelaçaramparadar surgimento aumaciênciadapsicologiaativa, assertiva, cati­


vanteeinfluentequemudou nossasvidas. Essemovimento geral dapsicologianorte-americanaembuscada
práticafoi reforçadopelaescoladepensamento queveioaseguir naevolução dapsicologia—aescolaconhe­
cidacomo behaviorismo.

QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

1. O queojulgamento daCoca-ColaeapesquisadeHollingworth significarampara apsicologia?


2. Por queasabordagensàpsicologiadefendidaspor Wundt eTitchener nãoderamcerto nosEstadosUnidos?
3. Como apsicologia cresceu e se desenvolveu nos Estados Unidos entre 1880 e 1900? Dê exemplos
específicos.
4. Dequemodo asforçaseconômicasinfluenciaramaevolução dapsicologiaaplicadanosEstadosUnidos?
5. Descrevaascontribuições deMünsterbergparaapsicologiaforense.
6. Dequeformaotrabalho deCattell alterou anaturezadapsicologianorte-americana?Como elepromo­
veu apsicologiaparaopúblico emgeral?
7. Compareasabordagens deCattell eBinet no desenvolvimento dostestesmentais.
8. Descrevaoimpacto queaPrimeira GuerraMundial teveno movimento dostestes.
9. Definaosconceitos deidade mental e QI. Como elessão calculados?
10. Como ostestesforamusadosnosEstados Unidosparaapoiar aideiadediferençasraciaisdeinteligência
easupostainferioridadedosimigrantes?
11. Emsuaopinião, os testes deinteligência são preconceituosos contra membros de grupos minoritários?
Defendaseu ponto devista.
12. Discutaopapel damulher nomovimento dostestes. Por queamulher estavaemdesvantagemprofissional?
13. DequeformaostrabalhosdeWitmer edeMünsterberginfluenciaramocrescimentodapsicologiaclínica?
14. Qual é adiferençaentreavisão deWitmer edeMünsterberb sobreapsicologiaclínica?
Capítulo 8 Psicologia aplicada 203

15. DiscutaaimportânciadeScott eMünsterberg naorigemdapsicologiaindustrial-organizacional.


16. De quemodo osestudosdeHawthorne eaguerraafetaramapsicologiaindustrial-organizacional?
17. Qual foi opapel deLillian Gilbreth no desenvolvimento dapsicologiaindustrial-organizacional?
18. Por queospontosdevistafrancosdeMünsterberg, muitasvezes, nãosetornarampopularesentreoutros
psicólogos?Como elesetornou umafiguradesprezadaentreopúblico emgeral?
19. Compare o crescimento eapopularidade da psicologia aplicada nas décadas de 1920 ede 1930 eno
período desdeofinal daSegunda GuerraMundial.

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