Se trata de qualquer sangramento gastrintestinal alto (anterior ao ângulo de Treitz) que não esteja relacionado a varizes de esôfago. Devemos sempre lembrar que ao atendermos um paciente com hemorragia digestiva, seja ela de qualquer etiologia, o primeiro passo é a estabilização hemodinâmica do paciente.
Arthur Araújo – Cirurgião Geral, coordenador do GETA.
INTRODUÇÃO
A hemorragia digestiva alta (HDA) é a principal forma de apresentação
de sangramentos no trato gastrointestinal. Sendo responsável por cerca de 80% dos casos de hemorragia digestiva. Por definição a HDA tem origem no trato digestivo alto, antes do ângulo de Treitz (esôfago, estômago e duodeno). Podemos ainda fazer uma subdivisão nos casos de HDA com base na etiologia do sangramento, tendo dois grandes grupos: a hemorragia alta não varicosa e aquela relacionada aos casos de varizes de esôfago (devido a hipertensão portal). Vamos resumir aqui aquilo que você precisa saber sobre os casos de HDA não varicosa. - Etiologia: a principal causa é a doença ulcerosa péptica; - Principal local de sangramento: parede posterior do duodeno; - Vaso mais acometido: artéria gastroduodenal;
QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico é marcado em especial pela presença de hematêmese
(vômito de sangue). Outro sintoma associado seria a melena (evacuação escura e fétida, contendo sangue "digerido"). A depender do volume do sangramento o paciente pode apresentar uma repercussão hemodinâmica importante. Vale ressaltar que em pacientes com sangramento alto volumoso, devido ao efeito catártico do sangue, alguns pacientes podem apresentar também enterorragia (evacuação de sangue). Portanto, fiquem atentos em pacientes com enterorragia e instabilidade hemodinâmica, pois, podemos estar diante de um quadro de HDA. Resumindo, sempre suspeitar de HDA quando o paciente apresentar: - Hematêmese; - Melena; - Sinais de choque hipovolêmico;
EXAMES COMPLEMENTARES
Quando falamos de HDA o grande exame que podemos lançar mão é a
Endoscopia Digestiva Alta (EDA). Além de confirmar a etiologia do sangramento, ela pode ser terapêutica na maioria dos casos e ainda é possível estabelecer o risco de um novo sangramento. O paciente para ser submetido ao exame necessita ter seus status hemodinâmico restabelecido. Para estabelecer o risco de um novo sangramento pela EDA, temos que estar familiarizados com a classificação de Forrest (Tabela 1).
Tabela 1 - Classificação de Forrest
FORREST ACHADO NA EDA RISCO DE RESSANGRAMENTO
Ia sangramento ativo Alto risco
pulsátil
Ib sangramento ativo em Alto risco
babação
IIa vaso visível não Alto risco
sangrante
IIb coágulo aderido no Risco intermediário
fundo da úlcera
IIc presença de hematina e Baixo risco
fibrina
III ausência de sinais de Baixo Risco
sangramento
TRATAMENTO:
Um detalhe importante para sua vida prática: a maioria (>80%) dos
casos de HDA param sem nenhuma medida. Pois é, Deus é bom! Mas, sempre existe a chance de um novo sangramento. Lembre-se que a prioridade no tratamento de um paciente que esteja com sangramento digestivo é a estabilização hemodinâmica e garantir a ventilação adequada (avaliar necessidade de intubação endotraqueal). Então, primeira pergunta: o paciente está estável? Se a resposta for sim, vamos continuar. Sabemos que a principal etiologia de HDA é a doença ulcerosa péptica (DUP). Pois bem, quando a nossa suspeita for DUP, devemos iniciar um inibidor de bomba de prótons (IBP) já na admissão do paciente com uma dose de ataque e depois manter em infusão contínua (ex.: omeprazol, bolus de 80mg, seguido de infusão de 8mg/h). Já foi comprovado que o uso de IBP reduz as taxas de ressangramento e necessidade de cirurgia. Então, o paciente agora está estável e teve a infusão de IBP iniciada. Agora iremos para EDA verificar a etiologia e realizar a terapêutica endoscópica (infusão de adrenalina, eletrocauterização, hemoclips e etc.) Porém, creio que você já deve ter ouvido falar, talvez até já presenciado, que devemos passar uma sonda nasogástrica e fazer uma lavagem gástrica antes da endoscopia. Essa medida não é mais consensual, se é que um dia já foi, não sendo mandatória no contexto de uma HDA. Mas, como ainda veremos essa conduta na prática (alguns advogam que ajuda no preparo para EDA), devemos saber seu significado. Ao realizar a sondagem e lavagem gástricas podemos ter: - Retorno de sangue vivo: HDA ativa; - Retorno de coágulos ou sangue escuro: HDA não ativa; - Retorno somente de soro : inconclusivo; - Retorno de sangue + bile: HDB ou HDA não ativa; Então, resumindo, os passos para tratamento de uma HDA não varicosa: 1 - garantir estabilidade hemodinâmica e proteger as vias aéreas; 2- iniciar IBP; 3- passsa SNG + lavagem gástrica: não é consensual, nem obrigatório; 4- encaminhar o paciente para EDA;
E se o paciente sangrar novamente? Estabilizaremos o paciente e
vamos encaminhar novamente para EDA. O sucesso de uma nova EDA gira em torno dos 75%. Só para não dizer que não falei, vamos para as indicações de tratamento cirúrgico. São as seguintes: - choque refratário à ressuscitação vigorosa (necessidade de uso de > 6 U de concentrados de hemácias); - falha endoscópica para controlar o sangramento (mínimo de 2 tentativas); - hemorragia recorrente após estabilização inicial; Nos dias de hoje apenas 5-10% dos pacientes admitidos com HDA necessitam de intervenção cirúrgica;
REFERÊNCIAS
SABISTON. Tratado de cirurgia: A base biológica da prática cirúrgica moderna.
19.ed. Saunders. Elsevier. SALTZMAN, J. R. Approach to acute upper gastrointestinal bleeding in adults, UpToDate, 2021.