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Ministério Público do Rio Grande do Sul

Promotoria de Justiça Criminal de Porto Alegre

2ª VARA ESTADUAL DE PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES DE


ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE DINHEIRO

1º Juizado

Processo Cautelar n.º 5085950-24.2023.8.21.0001


Ref. IPL n.º 181/2023/153117

MM. Juiz:

Trata-se de representação policial (E1.1) pela decretação


da prisão preventiva de ANDRIEL DE FREITAS DE ABREU, bem como
pela expedição de mandado de busca e apreensão, no bojo do inquérito
policial nº 181/2023/153117, oriundo da Delegacia de Polícia de Encruzilhada
do Sul/RS.
O expediente policial apura, em tese, organização
criminosa1, corrupção de menores e furto.
Ainda que brevemente, relatado está.

1. DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL

Segundo as investigações, ANDRIEL DE FREITAS DE


ABREU, maior de 18 (dezoito) anos, formou um grupo no aplicativo de
mensagens whatsapp. Além de ANDRIEL, faziam parte do grupo os menores
JEAN VITOR FONSECA DA SILVA, PÉRIKLES CORRÊA DA LUZ e
MATEUS DE VARGAS RODRIGUES.
O grupo composto por 4 (quatro) pessoas tinha por
objetivo adquirir uma arma de fogo que, futuramente, seria utilizada para
1
Na capa do IPL n.º 181/2023/153117 (E1.3) consta sua instauração pelo delito de associação
criminosa.
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atentar contra a vida de alguns professores e de uma aluna da Escola


Municipal Anjo da Guarda, na cidade de Encruzilhada do Sul/RS. Para
viabilizar a compra da arma, os jovens combinaram de cometer furtos de
pequenos objetos no comércio local e revendê-los.
De acordo com os depoimentos prestados, o investigado
ANDRIEL planejava as reuniões com os menores e o cometimento dos furtos,
além de indicar os estabelecimentos alvos e determinar a execução dos delitos.
Os menores, em sede policial, afirmaram que
participavam intencionalmente dos furtos. Porém, quando perceberam que
ANDRIEL queria realmente cometer homicídios contra alguns professores, por
quem tinha implicância, os menores aventaram sair do grupo. Todavia, ao
exporem essa vontade a ANDRIEL, eles eram ameaçados. Inclusive, os
menores recebiam ameaças no caso de contarem sobre o plano homicida para
alguém.

2. DA COMPETÊNCIA DA 2ª VARA ESTADUAL DE PROCESSO E


JULGAMENTO DOS CRIMES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM
DE DINHEIRO

Tendo sua regulamentação traçada pela Resolução n.º


09/2021 do Tribunal Pleno do TJ/RS, a 2ª Vara Estadual de Processo e
Julgamento dos Crimes de Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro
possui competência estadual para o trato de temas envolvendo os crimes
previstos na Lei n.º 12.850/2013 (organização criminosa) e/ou Lei n.º
9.613/1998 (lavagem de dinheiro).
Em sede cautelar, a especificidade de sua competência
está assentada na alínea “b” do inciso I do seu artigo 3º, que assim diz:

“Art. 3º As unidades criadas nos arts. 1º e 2º desta Resolução, a partir


de suas instalações, estarão dotadas de juízos singulares e colegiado
e terão competência estadual para:

I - em juízo singular, ressalvada a competência do colegiado:

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[...]
b – processar e decidir as medidas criminais, de qualquer natureza,
cautelares e/ou incidentais, relacionadas aos delitos previstos nas
Leis nº 12.850/13 (organização criminosa) e/ou 9.613/98 (“lavagem”
ou ocultação de bens, direitos e valores), incluídos os eventuais
crimes conexos.”

Já, em relação aos feitos que devem tramitar nesta Vara


Estadual Especializada, o artigo 4º, caput, e o seu §3º, da Resolução n.º
09/2021, assim dispõem:

“Art. 4º As unidades criadas nos arts. 1º e 2º desta Resolução


receberão apenas feitos novos, ressalvados aqueles que já
tramitam na 17ª Vara Criminal da capital, na data de suas instalações,
os quais permanecerão sob a competência das Varas Estaduais.
[...]
§ 3º Fixada a competência por prevenção, ainda que a ação penal ou
outras medidas venham a ser ajuizadas após a instalação das
unidades estaduais, todos os processos vinculados seguirão
tramitando na unidade de origem.” (grifo nosso)

Assim sendo, o primeiro passo, para a análise dos pleitos


policiais apresentados, diz respeito à correção quanto ao encaminhamento da
representação a este juízo, especificamente quanto aos crimes de lavagem de
dinheiro e organização criminosa.

2.1 Da lavagem de dinheiro

Em relação ao crime de lavagem de dinheiro, as


investigações levadas a cabo não foram direcionadas para a apuração
desse delito.
Assim, diante da inexistência de investigação relativa ao
delito de lavagem de dinheiro, bem como da inexistência de esforço
investigatório para tal, esgota-se a competência da 1ª Vara Estadual
Especializada nesse sentido.

2.2 Da organização criminosa – cotejo com os fatos apurados

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2.2.1 Requisitos para sua configuração

O conceito de organização criminosa está previsto no


artigo 1º, § 1º, da Lei n.º 12.850, de 2013, que dispõe o que segue:

“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro)


ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter,
direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante
a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam
superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional.” (grifo nosso)

Para bem se compreender a interpretação que aquele


dispositivo vem recebendo no meio doutrinário, valemo-nos da lição de Renato
de Brasileiro de Lima, que assim diz:

“Grosso modo, são 3 (três) os requisitos fixados pelo art. 1°, § 1°, da
Lei n° 12.850/13, para o reconhecimento da organização criminosa:
a) Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas: esta associação de
4 (quatro) ou mais pessoas deve apresentar estabilidade ou
permanência, características relevantes para sua configuração, que
diferenciam esta figura delituosa do concurso eventual de agentes a
que se refere o art. 29 do CP, dotado de natureza efêmera e
passageira. Com efeito, apesar de não haver menção expressa no
art. 2° da Lei n° 12.850/13, o ideal é concluir que a estabilidade e a
permanência funcionam como elementares implícitas do crime de
organização criminosa, porquanto não se pode admitir que uma
simples coparticipação criminosa ou um eventual e efêmero acordo
de vontades para a prática de determinado crime tenha o condão de
tipificar tal delito. Eventual agente infiltrado não pode ser levado em
consideração como integrante do grupo para complementar o número
legal mínimo de 4 (quatro) integrantes necessários para a tipificação
do crime de organização criminosa;
b) Estrutura ordenada que se caracteriza pela divisão de tarefas,
ainda que informalmente: geralmente, as organizações criminosas
se caracterizam pela hierarquia estrutural, planejamento empresarial,
uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas,
divisão funcional das atividades, conexão estrutural ou funcional com
o poder público ou com agente do poder público, oferta de prestações
sociais, divisão territorial das atividades ilícitas, alto poder de
intimidação, alta capacitação para a prática de fraude, conexão local,
regional, nacional ou internacional com outras organizações. Essa
compartimentalização das atividades, expressada na elementar
"divisão de tarefas", reforça o sentido de estruturação empresarial
que norteia o crime organizado. A divisão direcionada de tarefas

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costuma ser estabelecida pela gerência segundo as especialidades


de cada um dos integrantes do grupo, a exemplo do que ocorre com
o roubo de veículos, em que um agente fica responsável pela
subtração, e outros pelo "esquentamento" ou desmanche, falsificação
de documentos e revenda;
c) Finalidade de obtenção de vantagem de qualquer natureza
mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas
sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou de caráter transnacional:
para a caracterização de uma organização criminosa, a associação
deve ter por objetivo a obtenção de qualquer vantagem, seja ela
patrimonial ou não, mediante a prática de infrações penais com pena
máxima superior a 4 (quatro) anos, ou que tenham caráter
transnacional - neste caso, pouco importa o quantum de pena
cominado ao delito -, sendo indiferente que as infrações penais sejam
(ou não) da mesma espécie.”2

Ainda, conforme Marcelo Batloni Mendroni3, uma


organização criminosa, para se qualificar com tal, deve ser dotada de estrutura
hierárquico-piramidal, divisão direcionada de tarefas, membros restritos,
agentes públicos participantes ou envolvidos, orientação para obtenção
de dinheiro e de poder e domínio territorial.
Para Guaracy Mingardi, crime organizado é:

“Grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas


que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento
empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento
de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da
intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou
serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como
características distintas de qualquer outro grupo criminoso um
sistema de clientela, a imposição da Lei do Silêncio aos membros ou
pessoas próximas e o controle pela força de determinado poção de
4
território.” (grifo nosso)

Jean Ziegler faz referência à definição de organização


criminosa, utilizada pelo Fundo Nacional Suíço de Pesquisa Científica, a qual
se mostra muito apropriada. Vejamos:

2
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 8. ed. Salvador:
JusPODIVM, 2020, p. 774-775.
3
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado - Aspectos Gerais e Mecanismos Legais.
7. ed. São Paulo: Atlas, 2020 [versão online].
4
MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. São Paulo: IBCCrim, 1998, p. 82.

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“Existe crime organizado (transcontinental) quando uma organização


cujo funcionamento é semelhante ao de uma empresa internacional
pratica uma divisão muito aprofundada de tarefas, dispõem de
estruturas hermeticamente fechadas, concebidas de maneira
metódica e duradoura, e procura obter lucros tão elevados
quanto possível cometendo infrações e participando da
economia legal. Para isso, a organização recorre à violência, à
intimidação, e tenta exercer sua influência na política e na economia.
Ela apresenta geralmente uma estrutura fortemente hierarquizada e
dispõe de mecanismos eficazes para impor suas regras internas.
5
Seus protagonistas, além disso, podem ser facilmente substituídos” .
(grifo nosso)

Dentro desse contexto, passa-se à análise do que se


entende necessário, enfim, para que se configure uma organização criminosa
e, por consequência, atraia a competência das Varas Estaduais
Especializadas.

a. Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas

Diversamente do que sucede com o concurso de


pessoas, o delito de organização criminosa é um crime plurissubjetivo, ou de
concurso necessário, que somente pode se configurar com o mínimo de quatro
pessoas associadas entre si. Exige-se, pois, que seja uma associação estável
e perene.
Além disso, trata-se de um crime de conduta paralela, de
forma que as ações dos integrantes da organização devem se dirigir para o
mesmo objetivo.
No caso em apreço, verifica-se a investigação
apresentou, até o momento, pelo menos, 4 (quatro) indivíduos.
Assim sendo, satisfeito se encontra o requisito da
composição numérica, em relação às exigências da Lei nº 12.850/2013.

5
ZIEGLER, Jean. Os senhores do crime: as novas máfias contra a democracia. Rio de Janeiro:
Record, 2003, p. 55.

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b. Associação Estável, Perene e Estruturada

No decorrer da representação da autoridade policial, em


momento algum, houve quaisquer informações acerca da elementar
associação estável, perene e estruturada, tampouco trouxe quaisquer
elementos de estruturação compartimentalizada por setores de hierarquia.
Isso, por si só, desqualifica esse grupo de pessoas como uma organização
criminosa.
No quesito associação estável e perene, os elementos
informativos carreados dão conta de que os 4 (quatro) indivíduos formaram o
grupo de mensagens no aplicativa whatsapp apenas em 18 de abril de 2023
Não se descarta que tenha havido encontros anteriores, mas também não há
elementos suficientes nos autos a indicar que estivessem associados de
forma estável. Tanto isso é verdade que, aos perceberem que o investigado
ANDRIEL realmente tinha o intuito de praticar homicídios, os menores de idade
quiseram sair do grupo de mensagens. Todavia, eram obstados por ANDRIEL,
que os ameaçava.
Ainda, além da estabilidade e perenidade, o preceito
primário do crime de organização criminosa estabelece como ESSENCIAL,
para a sua configuração, a demonstração de que as tarefas estejam,
notadamente, distribuídas em formatação similar a uma empresa. Significa
isso que não basta só o mínimo de quatro pessoas associadas de forma
estável, perene e estruturada, mas sim, que haja uma clara divisão de tarefas,
ainda que informalmente, compartimentalizadas em setores inteiros de pessoas
para cada atividade, e não apenas divididas cada tarefa para um indivíduo.
Ao prever que a organização criminosa esteja
“estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas”, quis o

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legislador, com isso, exigir que o grupo delitivo apresentasse uma


configuração empresarial para o cometimento de crimes6.
Nesse sentido, quando da existência de uma organização
criminosa, “verifica-se uma verdadeira ‘estrutura organizada’, com articulações,
relações, ordem e objetivo, com intenso respeito às regras e à autoridade de
um líder”7.
Não parece ser o caso dos autos, uma vez que não
apresenta quaisquer indicativos de que exista uma clara divisão de tarefas,
ainda que informalmente, compartimentalizada em setores inteiros de pessoas
para cada atividade.
Ainda, pela própria estrutura piramidal exigida para a
configuração de uma organização criminosa, é imprescindível que haja uma
liderança no seu contexto, que seja responsável por distribuir claramente
as funções e compartimentalizar os setores em que cada um de seus
integrantes irá atuar.
No caso em tela, verifica-se que o investigado ANDRIEL
DE FREITAS DE ABREU é quem planeja e coordena as ações do grupo
investigado, além de indicar os alvos a serem atacados. Mas, embora tenha
ostentado uma suposta condição de liderança, inexiste a distribuição clara das
funções entre os integrantes do grupo e a compartimentalização em setores.
Nesse aspecto, salienta-se que a mens legis do art. 2º da
Lei 12.850/13 foi no intuito de reprimir a macrocriminalidade organizada,
dotada de sofisticada estruturação e estratégia corporativa, como meio para

6
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (Leis penais e processuais penais comentadas. 8.
Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v.2, p. 713) sustenta : “exige-se um conjunto de pessoas
estabelecida de maneira ordenada, significando alguma forma de hierarquia (superiores e
subordinados), com objetivos comuns, no cenário da ilicitude. Não se concebe uma
organização criminosa sem existir um escalonamento, permitindo ascensão no âmbito
interno, com chefia e chefiados. O crime organizado é uma autêntica empresa criminal”.
(grifo nosso)
7
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime organizado: aspectos gerais e mecanismos legais. 6.
ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 10)

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alcançar o fim visado, ao ponto de se caracterizar como um verdadeiro Poder


paralelo ao Estado.
Nesse contexto, ao que se extrai dos autos, não se
visualiza uma associação estável, perene e estruturada, apta a configurar,
por ora, uma verdadeira organização criminosa.

c. Dolo Específico e Vantagem de Qualquer Natureza

Há outra elementar do tipo que não evidenciada nos


autos, necessária à configuração de uma organização criminosa: a especial
finalidade da obtenção de uma vantagem de qualquer natureza pelo grupo
criminoso, que se sobreleve ao mero proveito/produto do próprio crime em si.
Nesse contexto, necessário que a investigação, mesmo
que em fase inicial, demonstre de forma categórica (ou pelo menos
indícios) que a união dos investigados tem uma especial estruturação,
com uma “missão corporativa” buscada por meio das condutas ilícitas.
O que se verifica nas investigações, até então travadas,
é que o grupo criminoso, composto por 4 (quatro) pessoas, tinha por objetivo
adquirir uma arma de fogo que, futuramente, seria utilizada por para atentar
contra a vida de alguns professores e uma aluna da Escola Municipal Anjo da
Guarda, na cidade de Encruzilhada do Sul/RS. Para viabilizar a compra da
arma, os jovens combinaram de cometer furtos de pequenos objetos no
comércio local e revendê-los.

d. Apenamento

Os crimes praticados pelo grupo delitivo possuem penas


máximas superiores a 04 (quatro) anos.
Em sendo assim, satisfeito o requisito do apenamento
exigido pelo § 1º do artigo 1º da Lei 12.850/2013.

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e. Caráter Transnacional

A investigação criminal realizada pela polícia judiciária


não envolveu infração penal transnacional. Ela envolveu, isso sim, a prática de
infrações penais que possuem apenamento máximo superior a 04 anos.
Assim sendo, quanto a esse requisito, satisfeito se
encontra ele em relação às exigências da Lei nº 12.850/2013.

f. Do concurso eventual de agentes ou da existência de uma associação


criminosa

Não se pode perder de vista que o crime de organização


criminosa não derrogou os delitos de associação criminosa (artigo 288 do
Código Penal), de milícia privada (artigo 288-A do Código Penal) e de
associação para o tráfico (no artigo 35 da Lei Antidrogas).
Com efeito, o fato investigado se amolda, em princípio, ao
instituto do concurso de agentes (art. 29, caput do Código Penal), quiçá, no
crime de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), conclusão que
demandará maior aprofundamento das investigações. Senão vejamos.
O que se observa dos elementos informativos e
probatórios carreados é que se tem, quando muito, indivíduos associados sem
qualquer refinamento, estruturação robusta ou missão coletiva.
Inclusive, a capa do inquérito policial indica sua
instauração pelo delito de associação criminosa (E1.3), e não de organização
criminosa.
Assim, ainda que crime associativo exista, de forma
indiscutível, não é, ao menos por ora, aquele previsto na Lei 12.850/13 – por
flagrante ausência de seus requisitos legais. Pode sim, ser aquele tipificado no

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Código Penal (art. 288 do Estatuto Repressivo). Com isso, tem-se a necessária
análise do tipo penal em questão.
Da análise do art. 288 do Código Penal, faz-se possível
perceber que, para a subsunção ao delito de associação criminosa, afigura-
se essencial a existência de três ou mais pessoas reunidas, com estabilidade
e permanência, para o fim específico da prática de crimes em geral (não
necessariamente todos do mesmo tipo penal). Porém, para a prática desses
crimes, também, é possível (diferentemente da organização criminosa) – sem
que haja a desnaturação do preenchimento dos elementos do tipo – a
existência de certo arranjo de tarefas dos associados, simplificadamente, assim
como o comando de um líder (o que sequer se verificou no caso em apreço).
Portanto, no caso vertente, de acordo com os elementos
contidos no inquérito policial, verificou-se mera conjugação de desígnios e
união de vontades para a prática de crimes contra o patrimônio, sem qualquer
divisão hierárquica entre seus agentes.
Demonstra-se o acima argumentado no seguinte cotejo
analítico entre os tipos penais abstratos citados e o instituto do concurso de
agentes:

CONCURSO DE ASSOCIAÇÃO ASSOCIAÇÃO PARA


ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
AGENTES CRIMINOSA O TRÁFICO
FUNDAMENTO art. 35, Lei
art. 29, CP8 art. 288, CP9 art. 2º, Lei 12.850/1311
LEGAL 11.343/0610
ENVOLVIDOS 02 ou mais 03 ou mais 02 ou mais 04 ou mais

ESTABILIDADE Ocasional NECESSÁRIA NECESSÁRIA NECESSÁRIA

8
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida
de sua culpabilidade.
9
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:(...)
Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular,
grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: (...)
10
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer
dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei
11
Art. 1º (...) § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo
de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (...)

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PERMANÊNCIA Ocasional NECESSÁRIA NECESSÁRIA NECESSÁRIA

ESTRUTURAÇÃO Possível Possível Possível EMPRESARIAL (ordenada)

NECESSÁRIA (pela própria


LIDERANÇA Possível Possível Possível
estrutura piramidal)

DIVISÃO DE NECESSÁRIA (ainda que


Possível Possível Possível
TAREFAS informalmente)

cometer TRÁFICO ou VANTAGEM DE QUALQUER


cometer um cometer CRIMES
PETRECHOS para o NATUREZA (alcançável com
FINALIDADE DELITO em geral (sem um
tráfico (reiteradamente a prática de infrações de pena
ESPECÍFICO foco específico)
ou não) superior a 4 anos ou
transnacionais)
1 a 3 anos de
3 a 10 anos de
reclusão
reclusão (aumentada
(aumentada de até 3 a 8 anos de reclusão e
de 1/6 a 2/3 se
PENA do crime cometido 1/2 se empregar multa (aumentada de até 1/2
empregar armas de
arma ou envolver se empregar arma de fogo)
fogo, ou outras
criança ou
circunstâncias)
adolescente)

3. DO PEDIDO

Assim posta a questão, nos termos da Resolução n.º


09/2021 do Tribunal Pleno do TJ/RS, esgota-se a competência desta Vara
Especializada, entendendo o Ministério Público que a configuração jurídica dos
fatos apurados não se amolda, por ora, ao crime de organização criminosa.

Dessa forma, o Ministério Público requer a declinação de


competência para a Vara Comum, COM URGÊNCIA, a fim de que seja
analisada a representação policial, em razão da incompetência absoluta
desta Vara Estadual Especializada, uma vez que a configuração jurídica dos
fatos apurados não se amolda, por ora, ao crime de organização criminosa.

Porto Alegre, 12 de maio de 2023.

Raquel Isotton,
Promotora de Justiça.

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