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UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO

Prof. Durval Carneiro Neto

A
GENTES
PÚBLICOS

Sumário: 1) Conceito de agente público.

2) Classificação dos agentes públicos.


2.1) Agentes políticos;
2.2) Servidores estatais:
2.2.1) Servidores públicos:
2.2.1.1) Servidores públicos estatutários;
2.2.1.2) Servidores públicos trabalhistas (empregados públicos);
2.2.1.3) Servidores públicos temporários;
2.2.2) Militares;
2.2.3) Empregados governamentais.
2.3) Particulares em colaboração com a Administração.

3) Regimes jurídicos dos servidores públicos.


3.1) Regime estatutário.
3.2) Regime trabalhista.
3.3) Regime especial temporário.

4) Organização funcional: cargos, empregos e funções públicas.

5) Normas gerais aplicáveis a todos os servidores públicos.

6) Aspectos gerais do regime estatutário dos servidores públicos civis da


União, autarquias e fundações federais de direito público (Lei 8.112/90).
6.1) Provimento de cargo público.
6.2) Estabilidade.
6.3) Direitos e vantagens.
6.4) Lotação e relotação do servidor.
6.5) Substituição do servidor.
6.6) Deveres e proibições.
6.7) Responsabilidades e processo disciplinar.
6.7.1) As três esferas de responsabilidade;
6.7.2) Independência entre as esferas, hipóteses de comunicabilidade e
efeitos da condenação penal.
6.7.3) Sanções por ato de improbidade administrativa.
6.8) Desprovimento de cargo público.
6.9) Noções sobre a previdência do servidor público.
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7) Noções sobre o regime estatutário militar.

8) Agentes de fato.

9) A proposta de reforma administrativa em tramitação (PEC 32/2020).

1) CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO

Os entes estatais e órgãos que os integram são categorias ideais, fictícias,


cuja vontade e autoridade são exteriorizadas por pessoas naturais
genericamente denominadas de agentes públicos, que movimentam a
máquina do Poder Público.

“Então, para que tais atribuições (do Estado) se concretizem e ingressem no mundo
natural é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O
querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao
Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta
qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir
dos órgãos componentes do Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade
e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e
pela vontade e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se
exprimem através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nesta
posição de veículos de expressão do Estado”.1

Os entes estatais e os órgãos superiores que os integram estão, em regra,


previstos na Constituição Federal (União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, Congresso Nacional, Senado Federal, Câmara dos
Deputados, Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União,
Juízes Federais, Juízes do Trabalho etc.) ou em leis de organização
administrativa (empresas públicas, autarquias, fundações estatais,
Ministério da Fazenda, etc.).

Além das pessoas vinculadas diretamente ao Estado, existem outras que,


apesar de não terem ligação direta com qualquer órgão ou ente integrante
do aparelho estatal, também desempenham atividades afetadas ao Poder
Público, isto é, funções estatais, e, portanto, também são agentes
públicos. Todas essas pessoas que exprimem manifestação estatal,
integrando ou não os quadros do Estado, recebem a denominação
genérica de agentes públicos, conforme a lição do mestre Celso Antônio
Bandeira de Mello:

“Esta expressão - agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para
2
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designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como


instrumentos expressivos de sua

1BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.


São Paulo: Malheiros.

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vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem


quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público.
(...) alguns integram o aparelho estatal, seja em sua estrutura direta, seja em sua
organização indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista
e fundações governamentais). Outros não integram a constelação de pessoas estatais,
isto é, são alheios ao aparelho estatal, permanecem exteriores a ele
(concessionários, permissionários, delegados de função ou ofício público, alguns
requisitados, gestores de negócios públicos e contratados por locação civil de
serviços). Todos eles, entretanto, estão sob um denominador comum que os
radicaliza: são, ainda que alguns deles apenas episodicamente, agentes que
exprimem manifestação estatal, munidos de uma qualidade que só podem possuir
porque o Estado lhes emprestou sua força jurídica e os habilitou a assim agirem
ou, quando menos, tem que reconhecer como estatal o uso que hajam feito de certos
poderes”.2

No dizer de Maria Sylvia Di Pietro, “agente público é toda pessoa física que
presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”. 3

Diógenes Gasparini denomina agentes públicos “todas as pessoas físicas que


sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à
Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua
responsabilidade”.4

Assim, são exemplos de agentes públicos: o Presidente da República, os


seus Ministros, os Deputados, Vereadores, Juízes e demais ocupantes de
cargo público, assim como os concessionários, permissionários de
serviço público, as pessoas às quais são delegadas funções públicas, tais
como os tabeliães, diretores de faculdades, os mesários eleitorais e até
mesmo os contratados em regime de locação civil.

Em suma, “a noção abarca todos os que desempenhem função pública e, por certo,
enquanto a desempenham, independentemente da existência de vínculo, e se este
existir são irrelevantes a forma de investidura e a natureza da vinculação que os
prende à Administração Pública”.5

Esse sentido amplo de agente público é o utilizado, por exemplo, pela Lei
8.429/92, ao dispor sobre todas as pessoas passíveis de serem
responsabilizadas por ato de improbidade administrativa:

Art. 1o, caput: "Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público,
servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios,
2
5 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para


cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta
por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei".

Art. 2o: "Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato,
cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.

Esta noção do que seja agente público também se revela importante na


prática, pois se considera agente público mesmo aquele que, sem integrar
o quadro funcional da Administração Pública, age por delegação
praticando ato de “autoridade” e, portanto, assim se enquadra para fins
de sujeição passiva ao mandado de segurança:

2
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
4
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

2
6 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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“Bem por isto, é natural que seja impetrável segurança contra diretor de Faculdade
particular reconhecida com relação a atos que digam respeito à sua atividade
ordenadora ou decisória de ensino. De igual modo, os titulares de serviços notariais
ou de registro, conquanto conservem sua qualidade de particulares (art. 236 da
Constituição), estranhos, pois, ao conceito de funcionário ou de servidor público,
podem ser sujeitos passivos de mandado de segurança, posto que agem como
delegados de função pública. O dirigente de empresa pública ou sociedade de
economia mista (pessoas qualificadas como de Direito Privado), ainda quando
sejam elas meramente exploradoras de atividade econômica, também pode ser
enquadrado como „autoridade‟ no que concerne a atos expedidos para
cumprimento de normas de Direito Público a que tais entidades estejam obrigadas,
como, exempli gratia, os relativos às licitações públicas que promovam”.6

2) CLASSIFICAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS

A classificação dos agentes públicos pode ser feita segundo variados


aspectos. Levando em conta a pessoa política ao qual está vinculado, o
agente público poderá ser federal, estadual, distrital ou municipal.
Considerando ainda algumas peculiaridades específicas do regime
disciplinar, o agente público poderá ser civil ou militar.

Todavia, no que concerne a aspectos substanciais da sua vinculação ao


Poder Público, a classificação dos agentes públicos costuma ser feita pela
doutrina segundo três categorias principais: i) agentes políticos; ii)
servidores estatais e iii) particulares em colaboração com a
Administração.
A segunda dessas categorias (servidores estatais), comporta subdivisões

classificatórias. Assim, servidores estatais podem ser: ii.1) servidores

públicos; ii.2) militares; ii.3)

empregados governamentais.

Os servidores públicos, por sua vez, subdividem-se em: ii.1.1) estatutários;


ii.1.2)
trabalhistas; ii.1.3) temporários.

Vamos analisar cada uma dessas categorias e suas subdivisões.

2.1) Agentes políticos

3
6
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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São aqueles que ocupam os mais altos cargos da estrutura organizacional


do Estado, dispostos na Constituição Federal como instrumentos de
exercício do poder político, manifestado na vontade superior do Poder
Público. São exemplo, o Presidente da República e seus Ministros, os
Governadores, Prefeitos e seus Secretários, os Senadores, Deputados
etc.

Existe controvérsia doutrinária acerca de quais seriam os agentes


políticos, sobretudo no que tange à inclusão dos juízes e membros do MP
nesta categoria.

Hely Lopes Meirelles considera os membros do Judiciário e do Ministério


Público como agentes políticos, haja vista a independência funcional que
lhes é garantida no exercício das suas funções institucionais:

3
6
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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“Nesta categoria encontram-se os Chefes de Executivo (Presidente da República,


Governadores e Prefeitos) e seus auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de
Estado e de Município); os membros das Corporações Legislativas (Senadores,
Deputados e Vereadores); os membros do Poder Judiciário (Magistrados em geral);
os membros do Ministério Público (Procuradores da República e da Justiça,
Promotores e Curadores Públicos), os membros dos Tribunais de Contas (Ministros
e Conselheiros); os representantes diplomáticos e demais autoridades que atuem
com independência funcional no desempenho de atribuições governamentais,
judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao quadro do serviço público”. 7

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, tem uma concepção mais
restrita acerca dos agentes públicos que devem ser classificados como
agentes políticos, considerando como tais somente aqueles que mantêm
vínculo de natureza política com o Estado (e não vínculo de natureza
profissional), daí porque não inclui nesta categoria os membros do Poder
Judiciário e do Ministério Público:

“Agentes Políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do


País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o
esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade
superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os
Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos do Chefe de
Executivo, isto é Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os
Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores”. 8

Discorrendo sobre a divergência doutrinária, Maria Sylvia Di Pietro prefere


a concepção mais restrita:

“a ideia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função


política, a primeira dando idéia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de
atividade (aspecto objetivo)”. (...) “no Brasil, a participação do Judiciário em
decisões políticas praticamente inexiste, pois a sua função se restringe, quase
exclusivamente, à atividade jurisdicional sem grande poder de influência na
atuação política do Governo, a não ser pelo controle a posteriori”. (...) “O mesmo
se diga com relação aos membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas,
o primeiro exercendo uma das funções essenciais à justiça, ao lado da Advocacia
Geral da União, da Defensoria Pública e da Advocacia, e o segundo a função de
auxiliar do Legislativo no controle sobre a Administração. Em suas atribuições
constitucionais, nada se encontra que justifique a sua inclusão entre as funções de
governo; não participam, direta ou indiretamente, das decisões governamentais.
Não basta o exercício de atribuições constitucionais para que se considere como
agente político aquele que as exerce. São, portanto, agentes políticos, no direito
brasileiro, apenas os Chefes dos Poderes Executivos federal, estadual e municipal,
os Ministros e Secretários de Estado, além de Senadores, Deputados e
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Vereadores”.9

Conclui-se que a doutrina majoritária considera que “a categoria dos


magistrados e a dos membros do Ministério Público fica bem mais alocada entre os
servidores estatutários vitalícios”. 10 Em tópico posterior veremos em que
consiste tal categoria.

7
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo:
Malheiros.
8
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
10 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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2.2) Servidores estatais (servidores públicos, militares e empregados


governamentais)

São “todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração
indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias,
fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista) relação de trabalho
de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência”.11

Na classificação doutrinária, os servidores estatais subdividem-se nas


seguintes categorias: 1) servidores públicos, isto é, das pessoas de
Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, suas
autarquias e fundações públicas de Direito Público); 2) servidores estatais
militares, tratados sob a terminologia militares; 3) servidores das pessoas
governamentais de Direito Privado (empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações estatais de Direito Privado), que aqui
denominamos empregados governamentais. Vejamos cada uma destas
categorias.

2.2.1) Servidores públicos (estatutários, trabalhistas e temporários)

São “todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho profissional com as entidades
governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito
Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Em
suma: são os que entretêm com o Estado e com as pessoas de Direito Público da
Administração indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não
eventual sob vínculo de dependência”.12

Como se vê, a expressão servidor público, em seu sentido lato, abrange


tanto os titulares de cargos públicos quanto os ocupantes de empregos
públicos, alcançando ainda os que exercem função pública, como será
visto mais adiante em tópico específico.

Na vigência da Constituição anterior, os servidores públicos eram


chamados de funcionários públicos. Afastando essa denominação, a atual
CF/88 ora utiliza o termo amplo servidor público, ora faz alusão aos
servidores ocupantes de cargos públicos (vide artigos 37 a 41).

Segundo Maria Sylvia Di Pietro, os servidores públicos compreendem:

“1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos


públicos; 2. os empregados públicos, contratados sob regime da legislação
trabalhista e ocupantes de empregos públicos; 3. os servidores temporários,
contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de
excepcional interesse público (art.37, IX, da Constituição); eles exercem função,
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sem estarem vinculados a cargo ou emprego público”. 13

2.2.1.1) Servidores públicos estatutários

Ocupam cargos públicos e se sujeitam ao regime estatutário.

Ao longo desse estudo definiremos essa categoria. Por ora, cumpre


apenas dizer que o regime estatutário se diferencia do regime trabalhista
de emprego.

11BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de


direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 12
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 13 DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo. São Paulo: Atlas.

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2.2.1.2) Servidores públicos trabalhistas (empregados públicos)

Em sentido amplo, pode-se dizer que empregado público é o servidor


estatal contratado sob regime trabalhista e que ocupa um emprego
público.

Todavia, como estamos examinando aqueles empregados dentro da


categoria dos servidores públicos, o sentido da terminologia empregado
público haverá aqui de ser mais restrita.

Há empregados públicos sob regimes diferentes, conforme trabalhem


para entidades estatais de direito público ou entidades estatais de direito
privado.

Os empregados públicos a que nos referimos nesse ponto (servidores


públicos trabalhistas) são apenas os que prestam serviços para entes
estatais de direito público (Administração direta, autarquias, associações
públicas e fundações de direito público). Em âmbito federal, eles se
submetem à Lei 9.962/2000 (conhecida como Lei do Empregado Público)
naquilo que esta modificar a legislação trabalhista. No mais, aplica-se a
eles também a legislação trabalhista geral (CLT e leis esparsas).

Já os empregados que prestam serviços para entes estatais de direito


privado (empresas públicas, sociedades de economia mista, subsidiárias
e fundações públicas de direito privado), apesar de serem servidores
estatais, não integram a categoria dos servidores públicos aqui tratada.
Para diferenciá-los, portanto, alguns doutrinadores os denominam
servidores governamentais. Preferimos aqui enquadrá-los como
empregados governamentais, por razões que explicaremos em tópico
específico sobre eles.

Em suma, o empregado público (sentido amplo) pode ser: empregado


público (sentido estrito, que é o utilizado nesse ponto) ou empregado
governamental.

2.2.1.3) Servidores públicos temporários

São agentes contratados por prazo determinado para que a Administração


Pública possa atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público (CF, art. 37, IX). No âmbito federal, tal contratação é
regulamentada pela Lei 8.745/93, com alterações dadas pela Lei 9.849/99.

Diógenes Gasparini considera necessidade temporária como sendo


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aquela “qualificada por sua transitoriedade; a que não é permanente; aquele que
se sabe ter um fim próximo. Em suma, a que é passageira. São exemplos de
necessidade temporária cujo atendimento pode ser conseguido com esses contratos:
a restauração do sistema viário e dos serviços de comunicações destruídos por uma
inundação; a continuidade dos serviços de magistério em razão do afastamento
súbito e prolongado do professor titular; a vacinação emergencial da população em
razão de um surto epidêmico imprevisível; o recenseamento e outros levantamentos
estatísticos; a melhoria do serviço público tornado de baixa qualidade pela falta de
servidores e a sua continuidade em razão de greve. A necessidade a ser atendida,
além de temporária, há de ser de excepcional interesse público”.14

14 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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2.2.2) Militares

Os servidores militares são, no âmbito da União, os membros das Forças


Armadas, e, no âmbito dos Estados, os membros das Polícias Militares e
Corpos de Bombeiros Militares.

Poderiam perfeitamente ser enquadrados dentro da categoria dos


servidores públicos estatutários, ainda que sujeitos a um regime próprio
e distinto dos servidores públicos civis. Nas Forças Armadas, o regime de
pessoal militar segue as regras do Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80),
além de outras legislações esparsas.

Não obstante, com o advento da EC 18/98, houve mudanças no texto da


CF/88, as quais acabaram implicando maior diferenciação quanto ao
regime jurídico dos militares, restringindo a incidência de normas
somente aplicáveis aos servidores civis. Vale dizer, a simples referência a
servidor público em uma norma da CF não significa que essa norma se
aplique aos militares. Só será aplicada aos militares se houver disposição
expressa nesse sentido, estendendo-lhes o alcance.

A própria expressão servidores públicos militares, antes presente no texto


original dos artigos 42 e 142 da CF, foi abolida, passando-se a denominar
tais servidores simplesmente como "Militares". Por isso a doutrina tem
preferido enquadrá-los numa categoria à parte.

Sobre o tema escreve Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"Os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas
- Marinha, Exército e Aeronáutica (art. 142, caput, e §3º, da Constituição) - e às
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e
dos Territórios (art. 42), com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio,
mediante remuneração paga pelos cofres públicos. Até a Emenda Constitucional n.
18/98, eram considerados servidores públicos, conforme o art. 42 da Constituição,
inserido em seção denominada 'servidores públicos militares' (...) A partir da EC
n. 18/98, os militares ficaram excluídos da categoria dos servidores públicos, só lhes
sendo aplicáveis as normas que a estes se referem quando houver previsão expressa
nesse sentido, como a contida no artigo 142,
§3º, inciso VIII. Esse dispositivo manda aplicar aos militares das Forças Armadas
os incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV do artigo 7 o e os incisos XI, XIII, XIV
e XV do artigo 37".15

2.2.3) Empregados governamentais

10
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Como dissemos linhas atrás, o empregado público em sentido amplo é


uma terminologia que abrange duas situações distintas: a do empregado
público (sentido estrito) e a do empregado governamental. Ambos são
servidores estatais. Contudo, a diferença está em que o primeiro trabalha
para entidades estatais de direito público, enquanto o segundo trabalha
para entidades estatais de direito privado, daí porque são submetidos a
distintos regimes jurídicos.

Por estarem vinculados a empresas estatais e fundações públicas de


direito privado, os empregados governamentais sujeitam-se ao regime
trabalhista geral (CLT e leis esparsas).

São empregados governamentais, por exemplo, os empregados da Caixa


Econômica Federal, do Banco do Brasil, da Petrobrás, dos Correios etc.

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Não se lhes aplica a Lei 9.962/2000, que, como já vimos em tópico anterior,
somente incide em relação aos empregados públicos das entidades
estatais de direito público no âmbito federal.

2.3) Particulares em colaboração com a Administração

São aqueles agentes que, apesar de não terem vínculo direto com o
aparelho estatal, exercem função pública, ainda que em caráter provisório,
tal como acontece com os leiloeiros, tradutores, peritos, concessionários
etc.

Celso Antônio Bandeira de Mello aponta as seguintes espécies de agentes


por colaboração:

“a) requisitados para prestação de atividade pública, quais os jurados, membros de


Mesa receptora ou apuradora de votos quando das eleições, recrutados para o
serviço militar obrigatório etc. Estes agentes exercem um múnus público; b) ao que
sponte própria assumem a gestão da coisa pública como „gestores de negócios
públicos‟, perante situações anômalas, para acudir a necessidades públicas
prementes; c) contratados por locação civil de serviços (como, por exemplo, um
advogado ilustre contratado para sustentação oral perante Tribunais); d)
concessionários e permissionários de serviços públicos, bem como os delegados de
função ou ofício público, quais os titulares de serventias da Justiça não
oficializadas, como é o caso dos notários, ex vi do art. 236 da Constituição, e bem
assim outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos
atos dotados de força jurídica oficial, como ocorre com os diretores de Faculdades
particulares reconhecidas”.16

No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Di Pietro:

“Nesta categoria entram as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem
vínculo empregatício, com ou sem remuneração. Podem fazê-lo sob diversos títulos,
que compreendem: 1. delegação do Poder Público, como se dá com os empregados
das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, os que
exercem serviços notariais e de registro (art.236 da Constituição), os leiloeiros,
tradutores e intérpretes públicos; eles exercem função pública, em seu próprio
nome, sem vínculo empregatício, porém sob fiscalização do Poder Público. A
remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos mas pelos terceiros
usuários do serviço; 2. mediante requisição, nomeação ou designação para o
exercício de funções públicas relevantes; é o que se dá com os jurados, os
convocados para prestação de serviço militar ou eleitoral, os comissários de
menores, os integrantes de comissões, grupos de trabalho etc.; também não têm
12
17
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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vínculo empregatício e, em geral, não recebem remuneração; 3. como gestores de


negócio que, espontaneamente, assumem determinada função pública em momento
de emergência, como epidemia, incêndio, enchente etc.” 17

Saliente-se que os titulares de serviço notarial e de registro (cartórios) são


particulares em colaboração, que agem por delegação do Poder Público,
ainda que sejam selecionados por concurso público por força de norma
constitucional expressa (art. 236, §3º). Conforme já decidiu o STF, esses
agentes não estão investidos em cargos, pois exercem suas atribuições
em caráter privado (ADI 2.602/MG, DJ de 31/03/2006). O regime jurídico
desses agentes está disciplinado na Lei 8.935/94.

Outra situação sui generis é a dos recrutados para o serviço militar. Eles
não estão inseridos no quadro funcional da instituição militar, nem
exercem cargos. Apenas são

16
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

13
17
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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convocados mediante recrutamento para o treinamento militar, sem


natureza profissional. Por isso são também considerados particulares em
colaboração com a Administração, apesar de manterem certo vínculo
funcional com o aparelho estatal durante o período do serviço militar.

Para melhor visualizar o panorama dos agentes públicos no ordenamento


jurídico brasileiro, apresentamos quadro-resumo a seguir:

I) AGENTES POLÍTICOS:

- Titulares de cargos estruturais à organização política do país.


- Formam a vontade superior do Estado, tomando decisões que

repercutem nos destinos da sociedade.


- Não há vínculo profissional duradouro, mas, sim, vínculo

transitório.
- Exercem cargos eletivos (Presidente, Governador, Prefeito,

Senador, Deputado, Vereador) ou cargos superiores de


natureza política (Ministros, Secretários).
- São denominados “membros de poder”, porque suas

prerrogativas funcionais decorrem diretamente da


Constituição e não estão hierarquicamente subordinados a
outras autoridades no exercício da função típica do respectivo
Poder.

OBS: A doutrina diverge sobre a inclusão, nesta categoria, dos


membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos
Tribunais de Contas, por serem também “membros de poder”.
Alguns preferem inserir estes na categoria dos servidores
estatais, dado o seu vínculo profissional e não eventual. Sob
essa ótica, seriam servidores especiais, eis que vitalícios.

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II.1.1) SERVIDORES
ESTATUTÁRIOS:

- Titulares de cargos
públicos
- Regime estatutário

- Cada ente político

edita a sua
legislação
II) SERVIDORES II.1) SERVIDORES
- No âmbito federal há
ESTATAIS: PÚBLICOS:
a Lei 8.112/90
- Em regra,
- Vínculo de - Ocupam cargos,
ingressam por
natureza empregos ou
concurso público,
profissional e funções nos entes
salvo os detentores
caráter não de Direito Público
de cargo de
eventual. (União, Estados, DF,
confiança.
Municípios,
autarquias e
II.1.2) EMPREGADOS
fundações de
PÚBLICOS:
Direito Público).
Titulares
- de
empregos públicos
- Regime contratual

- Regidos pela Lei


9.962/2000, além da
legislação trabalhista
geral (CLT e leis
esparsas),
observadas as
disposições de
Direito Público.
- Normalmente
exercem funções
materiais
subalternas.
- Em regra,
ingressam por
II.2) EMPREGADOS concurso público,
GOVERNAMENTAIS: salvo os que exercem
- Servidores de funções superiores

15
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pessoas de confiança.
governamentais de
II.1.3)
Direito Privado
CONTRATADOS
TEMPORÁRIOS

- Atendem a
necessidade
temporária de
excepcional
interesse público
(CF/88, art. 37, IX).
- Regime de contrato

administrativo
especial.
- Cada ente político
editará legislação
sobre a matéria.
- No âmbito federal há

a Lei 8.745/93.
- Não ingressam por

concurso público,
mas há casos de
processo seletivo
simplificado.

16
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(empresas estatais
e fundações estatais
de Direito Privado)
- Regime trabalhista
comum (CLT), com
algumas regras de
Direito Público
previstas na CF/88
(Ex: prévio
concurso).

II.3) MILITARES

- Membros das
Forças Armadas,
das Polícias
Militares e Corpos
de Bombeiros
Militares.
- Sujeitam-se a um
regime estatutário
próprio, distinto do
regime estatutário
dos servidores civis.
Nas Forças Armadas
aplica-se o Estatuto
dos Militares (Lei
6.880/90). Para os
membros das
polícias e corpo de
bombeiros
militares, cada
Estado editará o
respectivo Estatuto.

17
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III.1) REQUISITADOS, NOMEADOS


OU DESIGNADOS:

III) PARTICULARES - jurados, mesários eleitorais,


EM COLABORAÇÃO comissários de menores, recrutados
etc.
- Não integram o
aparelho estatal III.2) GESTORES DE NEGÓCIOS
- Exercem munus PÚBLICOS:
público.
- Vinculam-se por - situações de urgência em que
contratos, atos ou se torne imprescindível a
fatos atuação estatal.
administrativos, a
depender do caso. III.3) CONCESSIONÁRIOS,
PERMISSIONÁRIOS OU DELEGADOS
DE FUNÇÕES OU OFÍCIOS
PÚBLICOS:

- prestação de serviços públicos


ou atividades delegadas pelo
Poder Público (ex: diretores de
faculdades privadas, notários
titulares de cartórios).

3) REGIMES JURÍDICOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Conforme já se disse, os servidores públicos (em sentido amplo) são


todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho profissional com as
entidades governamentais da Administração direta e indireta.

Esse vínculo de trabalho profissional, por sua vez, variará conforme o


regime jurídico adotado para cada servidor.

Entende-se por regime jurídico o conjunto das regras de direito que


ordenam determinada atividade ou relação jurídica.

Sob este aspecto do regime jurídico, como dito, existem três categorias
de servidores públicos: a) servidores públicos estatutários; b) servidores
públicos trabalhistas (empregados públicos); c) servidores públicos
temporários.
18
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No chamado regime jurídico único, tal como previsto no art. 39 da Carta


Política de 1988, em sua redação original, buscou-se estabelecer isonomia
entre os servidores da Administração direta e autárquica, evitando que
num mesmo quadro funcional houvesse servidores estatutários e
trabalhistas desempenhando tarefas similares.

19
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Todavia, com o advento da Emenda Constitucional 19/98 (Reforma


Administrativa), a norma constitucional passou a admitir que a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotassem mais de um regime
jurídico para seus servidores, com a instituição de conselhos de política
de administração e remuneração de pessoal.

A doutrina destaca bem essa modificação ocorrida no serviço público


brasileiro:

“O efeito da alteração é de simples inteligência: com a extinção desse regime, a


Constituição passou a permitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios possam recrutar servidores sob mais de um regime jurídico. Desse
modo, será possível, por exemplo, que um Estado tenha grupo de servidores
estatutários e outro de servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja a
organização funcional estabelecida em lei. O mesmo será permitido para as demais
pessoas federativas. Aliás, a própria União Federal, como já vimos, já tem a
previsão de servidores estatutários (Lei 8.112/90) e de servidores trabalhistas (Lei
9.962/2000 e legislação trabalhista). Nada impedirá, é claro, que a entidade política
adote apenas um regime funcional em seu quadro, mas, se o fizer, não será por
imposição constitucional, e sim por opção administrativa, feita em decorrência de
avaliação de conveniência, para melhor atender a suas peculiaridades. A qualquer
momento, no entanto, poderá modificar a estratégia inicial e instituir regime
funcional paralelo, desde que, logicamente, o novo sistema seja previsto em lei.” 18

“A Emenda Constitucional n.19, de 4-6-98, trouxe algumas modificações nessa


sistemática, pois excluiu a exigência de regime jurídico único, contida no caput do
artigo 39, bem como a regra da isonomia de vencimentos para cargos de atribuições
iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, que constava no §1º do mesmo dispositivo. Com
a exclusão da norma constitucional do regime jurídico, ficará cada esfera de
governo com a liberdade para adotar regimes jurídicos diversificados, seja o
estatutário, seja o contratual, ressalvadas aquelas carreiras institucionalizadas em
que a própria Constituição impõe, implicitamente, o regime estatutário, uma vez
que exige que seus integrantes ocupem cargos organizados em carreira
(Magistratura, Ministério Público, Tribunal de Contas, Advocacia Pública,
Defensoria Pública e Polícia), além de outros cargos efetivos, cujos ocupantes
exerçam atribuições que o legislador venha a definir como “atividades exclusivas
de Estado”, conforme previsto no artigo 247 da Constituição, acrescido pelo artigo
32 da Emenda Constitucional n.19/98”.19

Ocorre que o STF, em decisão liminar na ADIN 2135-4 proferida em


agosto/2007, posicionou-se pela inconstitucionalidade formal da EC 19/98
no que concerne à nova redação atribuída ao caput do art. 39 da CF/88.

20
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Com isso, voltou a prevalecer a aludida redação original que impõe o


regime jurídico único.

O fato de haver previsão de um regime jurídico único, segundo entende


Celso Antônio Bandeira de Mello, não significa que cada ente político só
possa adotar o regime de cargos para seus servidores. Com efeito, a
própria Constituição, em outros dispositivos originais, fala também na
existência de empregos públicos, admitindo, então, regimes
diversificados em certas hipóteses. Para o autor, portanto, o tema
comporta uma interpretação sistemática da Carta Magna:

“A Constituição, antes do advento da Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho


de 1998, dispunha no art.39, caput, o seguinte: „A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico
único e planos de carreira para os servidores da

18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.


São Paulo: Atlas.
19
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

21
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administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas‟. A partir


disto prosperou, com irrefragável força, a intelecção, que sempre sustentamos ser
errônea, de que as pessoas jurídicas de direito público só poderiam adotar um
regime, que veio a ser o de cargo público, banido então o regime de emprego.
Sobrevindo a Emenda 19, o caput do art.39 foi alterado e não se fez mais qualquer
menção a regime único. Desde então surgiu o entendimento de que a lei poderia, se
lhe parecesse bem, adotar o regime de emprego para as mais diversas atividades
da Administração direta, autárquica e fundacional. Ocorre que, consoante dito, em
2 de agosto do corrente, o Supremo Tribunal Federal, em decisão publicada no dia
14 do mesmo mês, apreciando pedido liminar na ADIn 2.135-4 proposta pelo PT,
PDT, PCdoB e PSB houve por bem suspender, até decisão final da ação, a eficácia
da nova redação do caput do art. 39 introduzida pela referida Emenda, por vício de
tramitação, restaurando, então, o art. 39 original, embora com efeitos ex nunc,
como é próprio das medidas cautelares. (...) Uma vez que se afirmou que podem
existir cargos e empregos nas pessoas jurídicas de direito público, mesmo existindo
a previsão de regime jurídico único, agora restaurada, cumpre responder a duas
questões. A primeira delas é: como se pode promover a convivência do art. 39, que
prevê regime jurídico único, com disposto nos precitados arts. 51, IV, 52, XIII, 61,
§1º, II,
„a‟, e 114, que contemplam a existência também de empregos nas pessoas de direito
público? A conciliação destes dispositivos é possível desde que se entenda que o
pretendido pelo art.39 não foi estabelecer obrigatoriamente um único regime para
todos os servidores da Administração direta, autárquicas e fundações públicas, mas
impor que a União e suas entidades da Administração indireta, Estados e suas
entidades da Administração indireta e Municípios e suas entidades da
Administração indireta tenham, nas respectivas esferas, uma uniformidade de
regime para seus servidores. Ou seja: inadmite-se que quaisquer destas pessoas
adotem para si um dado regime e atribuam à autarquia tal, à autarquia qual ou a
fundação tal, diferentes regimes, criando uma pluralidade deles como ocorria antes
da Constituição de 1988. Deve haver, isto sim, um „regime jurídico único‟ na
intimidade das diversas ordens de governo. Em outras palavras: é possível (embora
afigure-se-nos inconveniente) que as atividades básicas estejam sujeitas ao regime
de cargo, isto é, estatutário, enquanto algumas remanescentes, de menor
importância, sejam exercidas sob regime de emprego. Inversamente, não é possível
haver diversidade de regimes entre Administração direta e as distintas pessoas das
respectivas Administrações indiretas. (...) para os servidores da Administração
direta, autarquias e fundações de Direito Público (ou seja: servidores das pessoas
jurídicas de Direito Público), indubitavelmente, o regime normal, corrente, terá de
ser o de cargo público, admitindo-se, entretanto, como ao diante se explicará, casos
em que é cabível a adoção do regime de emprego para certas atividades
subalternas”.20

Têm-se, assim, três regimes jurídicos, que podem ser concomitantemente


adotados pela Administração Pública direta e autárquica.

22
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O que o regime jurídico único proíbe é que servidores ocupantes de


cargos públicos desempenhem atividades similares aos dos ocupantes
de empregos públicos. Daí porque o mais comum, no âmbito da
Administração direta e autárquica (pessoas jurídicas de direito público),
será adoção do regime estatutário, conforme veremos a seguir.

3.1) REGIME ESTATUTÁRIO

O regime estatutário é aquele adotado em relação aos servidores


detentores de cargos públicos. As suas disposições decorrem
diretamente da lei, o que significa dizer que o vínculo que une o servidor
ao Poder Público não tem natureza contratual. As suas regras estão
previstas na Constituição, nas leis e em regulamentos administrativos.

20
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

23
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“Regime estatutário é o conjunto de regras que regulam a relação jurídica


funcional entre servidor público estatutário e o Estado. Esse conjunto normativo,
como vimos acima, se encontra no estatuto funcional da pessoa federativa. As
regras estatutárias básicas devem estar contidas na lei; há outras regras, todavia,
mais de caráter organizacional, que podem estar previstas em atos administrativos,
como decretos, portarias, circulares etc. As regras básicas, entretanto, devem ser
de natureza legal. A lei estatutária, como não poderia deixar de ser, deve obedecer
aos mandamentos constitucionais sobre servidores. Pode, inclusive, afirmar-se que,
para o regime estatutário, há um regime constitucional superior, um regime legal
contendo a disciplina básica sobre a matéria e um regime administrativo de caráter
organizacional”.21

Além de não ter natureza contratual, como já ressaltado, o regime


estatutário apresenta como característica a sua pluralidade normativa, o
que significa dizer que pode haver mais de um regimento funcional,
conforme o ente político e a categoria do servidor.

De fato, cada ente político autônomo (União, Estados, Distrito Federal e


Municípios) deverá elaborar o seu estatuto funcional, respeitados, é claro,
os ditames constitucionais acerca do tema.

“Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é


disciplinada por diplomas legais específicos denominados estatutos. Nos estatutos
estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que
nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. Essa categoria
ainda admite uma subdivisão: a dos servidores públicos sujeitos ao estatuto geral
da pessoa federativa correspondente, e a dos servidores públicos sujeitos a estatutos
especiais. De fato, como regra, ao lado do estatuto geral dos servidores públicos,
que disciplina os quadros funcionais em geral, com suas classes e carreiras, vicejam
estatutos especiais, que regulam a relação jurídica de trabalho de certas categorias
específicas de servidores (...) Cada pessoa da federação, desde que adote o regime
estatutário para seus servidores, precisa ter a sua lei estatutária para que possa
identificar a disciplina da relação jurídica funcional entre as partes. Há, pois,
estatutos funcionais federal, estaduais, distrital e municipais, cada um deles
autônomo em relação aos demais, porquanto a autonomia dessas pessoas
federativas implica, necessariamente, o poder de organizar seus serviços e seus
servidores. Em alguns casos, certos Municípios adotam as regras do estatuto do
respectivo Estado. Se assim for, no entanto, a adoção do regime deve ter sido
autorizada em lei municipal, considerando-se que esta, em última instância, repetiu
todas as normas da lei estatutária do correspondente Estado”. 22

No caso da União, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais é a Lei


8.112/90. Dela se extraem as normas que integram o regime geral de
pessoal no âmbito da União e de suas autarquias, sempre respeitadas, é
24
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claro, as normas estatutárias que já estão previstas na própria


Constituição.

Aos servidores das agências reguladoras federais (autarquias especiais)


aplicam-se normas estatutárias previstas em legislações específicas (cite-
se as Leis 9.986/2000, 10.871/2004 e 13.326/2016) e, subsidiariamente, as
normas gerais da Lei 8.112/90.

Em suma, ao lado do regime estatutário geral direcionado à grande massa


dos servidores de cada ente político, poderão ainda existir regimes
estatutários especiais direcionados a determinados servidores que
exerçam função cuja peculiaridade demande tratamento diferenciado.
Exemplos de estatutos especiais são os dos advogados e defensores
públicos, além de professores, policiais, auditores fiscais que em algumas
unidades

21 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.


São Paulo: Atlas.
22
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.

25
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federativas têm seu estatuto próprio, diverso do geral.23 Sujeitos a


regimes estatutários especiais estão também os juízes, os membros do
Ministério Público e dos Tribunais de Contas, valendo lembrar que alguns
autores os incluem dentre os servidores públicos em sentido amplo,
enquanto outros os incluem na categoria dos agentes políticos.

O fato de o regime estatutário não ter natureza contratual é de suma


importância, pois esta característica implica que possa haver modificação
do regime pela simples mudança da lei, a critério do Poder Público,
justamente por não haver acordo bilateral de vontades no
estabelecimento das normas de regência.

Contra isso os servidores estatutários não podem se insurgir, o que


significa dizer que não há direito adquirido a regime jurídico,
entendimento esse já consolidado por inúmeros precedentes
jurisprudenciais (v.g. STF, AI-ED 567.722/MG, DJ de 28/09/2007).

José dos Santos Carvalho Filho nos fornece lição esclarecedora sobre o
tema:

“O servidor, quando ingressa no serviço público sob regime estatutário, recebe o


influxo das normas que compõem o respectivo estatuto. Essas normas, logicamente,
não são imutáveis; o Poder Público pode introduzir alterações com vistas à
melhoria dos serviços, à concessão ou extinção de vantagens, à melhor organização
dos quadros funcionais etc. Como as normas estatutárias são contempladas em lei,
segue-se que têm caráter genérico e abstrato, podendo sofrer alterações como
ocorre, normalmente, em relação aos demais atos legislativos. O servidor, desse
modo, não tem direito adquirido à imutabilidade do estatuto, até porque, se o tivesse,
seria ele um obstáculo à própria mutação legislativa. Citemos um exemplo:
suponha-se que o estatuto do servidor, quando este foi nomeado para o cargo,
contemplasse uma licença para estudar no exterior. Nada impede que o Poder
Público extinga a licença posteriormente, por entendê-la inconveniente à
Administração. O servidor não tem direito adquirido à manutenção da referida
licença no estatuto funcional. Esse é um ponto de grande relevância, não se podendo
perder de vista que as leis que traduzem normas gerais e abstratas, como é o caso
dos estatutos, são normalmente alteráveis”. 24

Deveras, quando se fala em direitos subjetivos tem-se em mira vantagens


concretas usufruídas por determinado servidor e não propriamente a
permanência da lei abstrata que as contempla.

26
23
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
24
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Nesse prisma, o servidor público somente terá direito adquirido se já


houver reunido os requisitos necessários ao exercício de determinado
direito previsto na lei revogada, pelo que a lei revogadora não poderá
retroagir. Nesses casos, a mudança do Estatuto não afetará o direito do
servidor, se já adquirido ao tempo da lei anterior.

Vale dizer: o Estatuto muda (não há direito adquirido a sua permanência);


mas a vantagem que nele era prevista permanece em relação aquele
determinado servidor na medida em que reuniu os requisitos para usufruí-
la (direito adquirido ao benefício).

“A lei estatutária contempla vários direitos individuais para o servidor. A aquisição


desses direitos, porém, depende sempre de um suporte fático ou, se se preferir, de
um fato gerador que a lei expressamente estabelece. Se se consuma o suporte fático
previsto na lei e se são preenchidos os requisitos para o seu exercício, o servidor passa
a ter direito adquirido ao benefício ou vantagem que o favorece. Aqui, portanto, não
se trata do problema da mutabilidade das leis, como antes, mas sim da
imutabilidade do direito em virtude da ocorrência do fato que o gerou. Cuida-se
nesse caso de

27
23
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
24
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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direito adquirido do servidor, o qual se configura como intangível mesmo se a


norma vier a ser alterada. É que, como sabido, a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como proclama o art. 5 o,
XXXVI, da Constituição Federal. Vejamos um exemplo: suponha-se que o estatuto
funcional do servidor, quando de seu ingresso no serviço público, admitisse
adicional por tempo de serviço, conferindo o percentual de cinco por cento dos
vencimentos para cada período de cinco anos de efetivo exercício (qüinqüenios).
Não tem o servidor direito adquirido à permanência do adicional; em outras
palavras, a Administração pode extingui-lo. Se a extinção se der, para exemplificar,
quando servidor já tiver onze anos de serviço, a norma terá sofrido alteração, mas
terá ele direito adquirido ao percentual de dez por cento, porque a essa altura se
terá completado o fato gerador do direito à percepção desse percentual: o exercício
das funções pelo período de dois qüinqüenios. Caso a extinção ocorra quando o
servidor conte apenas com dois anos de efetivo exercício, nenhum direito terá,
porquanto não se terá consumado nem o fato gerador do primeiro percentual, qual
seja, o exercício da função por cinco anos. A situação aqui é de mera expectativa,
diferente da anterior, em que o fato realmente se consumou, originando a aquisição
do direito”.25

Saliente-se, porém, que o direito adquirido somente prevalece em relação


às normas infraconstitucionais e às emendas constitucionais (poder
constituinte derivado). Não se pode invocar direito adquirido contra a
Constituição originária, que consubstancia o próprio nascedouro da
ordem jurídica.

Daí porque o art.17 do ADCT estabeleceu expressamente que os


vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os
proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo
com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela
decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido
ou percepção de excesso a qualquer título.

Pela importância de que se reveste o regime estatutário, predominante no


âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional,
estudaremos posteriormente as suas peculiaridades em tópico separado.

3.2) REGIME TRABALHISTA

Para o exercício de determinadas atividades, a Administração poderá


optar em contratar agentes públicos sob regime de emprego (trabalhista),

28
23
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
24
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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ao invés de cargo (regime estatutário).

Nesses casos, a natureza do vínculo que unirá o servidor ao Estado será


contratual
(negócio jurídico bilateral, submetido a regras e princípios do Direito
Público).

Tratando-se, portanto, de empregado público, deverão ser aplicadas as


normas referentes à legislação trabalhista (Constituição, CLT e leis
esparsas). “É claro que, sendo, empregador o Estado, incidem algumas normas
de direito público na relação trabalhista. Tais normas, porém, não podem
desfigurar o regime básico da CLT, que é aquele que deve ser observado e que tem
natureza contratual”.26

No âmbito da União Federal, foi editada a Lei 9.962/2000, que trata do


regime de emprego público na Administração direta, autarquias e
fundações públicas, adaptando, desta forma, o regime trabalhista geral às
peculiaridades do Direito Público. O seu artigo 1o estabelece

29
23
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
24
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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que aos empregados públicos federais será aplicada a legislação


trabalhista, em tudo aquilo que não dispuser em contrário. Significa dizer
que o regime de emprego público federal obedece às disposições da
legislação trabalhista geral, ressalvadas eventuais normas em sentido
contrário contidas na Constituição e na Lei 9.962/2000. Assim, por
exemplo, o art. 3o da Lei 9.962/2000 estabelece que a rescisão do contrato
de emprego público deverá ser motivada em uma das hipóteses nele
contidas (ato vinculado), não se admitindo, portanto, a simples dispensa
sem justa causa prevista na CLT.

“Essas regras indicam não só que ficou excluída a hipótese de resilição unilateral
do contrato por parte do Estado-empregador, não sendo assim aplicável nesse
aspecto o art. 479 da CLT, mas também que é vinculada à atividade da União no
que tange às hipóteses de desfazimento do vínculo: em nenhuma hipótese a rescisão
contratual poderá dar-se ao mero alvedrio da Administração Federal, decorrente
da valoração de conveniência e oportunidade. A lei excluiu da observância de tais
exigências a extinção de contratos de servidores firmados com base na regra de
autonomia de gestão, de que trata o art. 37, §8º, da CF. Significa dizer que é mais
frágil o vínculo trabalhista nessa hipótese e que, em relação a tais contratações,
será viável o exercício do direito à resilição unilateral do contrato pela União, ainda
quando o motivo tenha fundamento em razões de natureza discricionária”. 27

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os


empregados públicos são regidos exclusivamente por regras da
legislação trabalhista geral. Isto porque a Lei 9.962/2000 é uma lei federal
(e não uma lei nacional), além do que tais entes políticos não poderão
editar suas leis específicas, porquanto é da competência privativa da
União legislar sobre direito do trabalho (CF/88, art. 22, I). Não obstante,
deverão necessariamente observar as regras constitucionais relativas aos
empregos públicos (por exemplo, a necessidade de admissão por
concurso público – art. 37, II), bem como respeitar os princípios que regem
o Direito Público (moralidade, impessoalidade, supremacia do interesse
público etc.). Sobre o tema escreve Odete Medauar:

“No regime celetista os servidores têm seus direitos e deveres norteados,


nuclearmente, pela Consolidação das Leis do Trabalho. Por isso, recebem a
denominação de „empregados públicos‟, numa analogia com o setor privado, em
que se usam os termos empregado-empregador. Assim, emprego público é posto de
trabalho de quem é contratado pela CLT. Esse é o regime de todos os que
trabalham nas empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme
determina o art. 173,
§1º, II, da Constituição Federal. Nos Estados e Municípios que não adotaram
regime único estatutário, há servidores contratados pela CLT na Administração
direta, nas Autarquias e fundações públicas. No âmbito federal, não mais
30
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vigorando o regime jurídico único, abolido pela EC 19/98, a Lei 9.962, de


22.02.2000, disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração
direta, das autarquias e fundações, sob o regime da CLT e legislação trabalhista
correlata. Tendo em vista que o empregador é o ente estatal, alguns preceitos do
regime jurídico estatutário estendem-se aos celetistas; por exemplo: limite de
remuneração (Constituição Federal, art. 37, XI), proibição de acumulação
remunerada de outro emprego, função ou cargo (Constituição Federal, art.37,
XVII), possibilidade de sofrer sanções por improbidade administrativa (CF, art.
37, §4º e Lei 8.429/92, art. 1o)”.28

Ressalte-se que a mera faculdade de se adotar o regime trabalhista na


Administração direta, nas autarquias e fundações públicas, não se
estende às sociedades de economia mista, empresas públicas e
fundações privadas. Deveras, por se tratarem de pessoas jurídicas de
direito privado, estes entes estatais deverão obrigatoriamente adotar o
regime

27
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
28 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.

31
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trabalhista de emprego (não se aplica a eles a Lei 9.962/2000), razão pela


qual alguns autores diferenciam os seus empregados aplicando-lhe a
nomenclatura específica de servidores (ou empregados) governamentais,
para distingui-los dos demais empregados públicos. Confira-se, nesse
particular, o escólio de Diógenes Gasparini:

“As pessoas que, sob um regime de dependência, ligam-se contratualmente às


sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas,
prestadoras ou não de serviços públicos, mediante uma relação de trabalho de
natureza profissional e não eventual, constituem a espécie dos agentes públicos
chamados servidores governamentais. São caracterizados pela profissionalidade,
pela dependência do relacionamento, pela perenidade e pela natureza celetista do
vínculo que mantêm com essas entidades. Com tais características podem existir
servidores na Administração direta, autárquica e fundacional, sem que possam ser
considerados servidores governamentais, dado não se vincularem a qualquer das
citadas entidades. Esses são chamados de empregados públicos. Os servidores
governamentais são, em suma, os empregados das empresas privadas criadas pela
Administração Pública direta de qualquer nível de governo”. 29

É importante registrar, ainda, que, mesmo na Administração direta,


autarquias e fundações públicas, não é qualquer atividade pública que
pode ser submetida a regime de emprego público. Há determinadas
atividades típicas de Estado que, por sua natureza, somente poderão ser
regidas por normas estatutárias, jamais por normas contratuais, conforme
salienta a doutrina, apesar de algumas divergências sobre qual deveria
ser o regime predominante na Administração:

“Não há qualquer dúvida de que algumas carreiras realmente não comportam, por
sua natureza particular, a incidência do regime de emprego público e devem
continuar sujeitas ao regime estatutário, sejam ou não consideradas as respectivas
função como „atividades exclusivas de Estado‟. Citem-se, para exemplificar, as
carreiras de diplomacia, fiscalização, polícia, advocacia pública e a carreira militar
em geral. Por conseguinte, o regime de emprego público será o adequado para os
servidores que executem as funções normais de apoio técnico e administrativo em
geral, os quais, verdade seja dita, formam a maioria esmagadora dentro da
categoria dos servidores públicos”.30

“O regime normal dos servidores públicos teriam mesmo de ser o estatutário, pois
este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender a
peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses
empregatícios, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os
servidores públicos são os próprios instrumentos da atuação do Estado. Tal regime,
atributivo de proteções peculiares aos providos em cargo público, almeja, para
benefício de uma ação impessoal do Estado – o que é uma garantia para todos os
32
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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administrados -, ensejar aos servidores condições propícias a um desempenho


técnico isento, imparcial e obediente tão-só a diretrizes político- administrativas
inspiradas no interesse público, embargando, destarte, o perigo de que, por falta
de segurança, os agentes administrativos possam ser manejados pelos transitórios
governantes em proveito de objetivos pessoais, sectários ou político-partidários –
que é, notoriamente, a inclinação habitual dos que ocupam a direção superior do
País”.31

3.3) REGIME ESPECIAL TEMPORÁRIO

Além dos servidores estatutários e dos servidores trabalhistas, a


Administração Pública poderá ainda contar com a atuação dos servidores
temporários a que alude o art. 37, IX, da Carta Magna de 1988, que assim
dispõe: “a lei estabelecerá os casos de contratação

29
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
30
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
31 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.

São Paulo: Malheiros.

33
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por tempo determinado para atender a necessidade temporária de


excepcional interesse público”.

Trata-se de modalidade de contratação excepcional, submetida a três


pressupostos inafastáveis:

a) a determinabilidade temporal da contratação, “ou seja, os contratos


firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinado,
contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que
a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho”. 32

b) a temporariedade da função, isto é, “a necessidade desses serviços deve ser


sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o
recrutamento através dos demais regimes”.33

c) a excepcionalidade do interesse público, eis que “a Constituição deixou


claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento
desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse
público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial”. 34

A princípio, o regime dos servidores temporários haveria de seguir as


normas referentes à legislação trabalhista geral, na parte em que trata do
contrato de trabalho por prazo determinado (art. 479 da CLT). Todavia,
prevalece o entendimento de que tais contratações temporárias não tem
natureza trabalhista (ou seja, não há vínculo empregatício), sendo, na
verdade, contratos administrativos, já que o servidor temporário é
contratado sob um regime especial de Direito Administrativo previsto em
lei especial. Por conseguinte, eventuais litígios decorrentes desta relação
laboral não serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, mas, sim, pela
Justiça Comum (Estadual ou Federal, a depender da entidade
contratante).

Carvalho Filho destaca bem a natureza administrativa deste vínculo


temporário:

"Diz a Constituição que a lei estabelecerá os casos de contratação desses servidores.


Assim dizendo, só se pode entender que o constituinte pretendeu caracterizar essa
relação funcional como de natureza contratual. Cuida-se, de fato, de verdadeiro
contrato administrativo de caráter funcional, diverso dos contratos administrativos
em geral pelo fato de expressar um vínculo de trabalho subordinado entre a
Administração e o servidor. Não obstante essa qualificação, a lei instituidora do
regime certamente poderá incluir algumas normas que mais se aproximem do

34
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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regime estatutário, que, inclusive, tem aplicação subsidiária no que couber. O que
não poderá, obviamente, é fixar outra qualificação que não a contratual. O STJ,
aliás, já teve a oportunidade de decidir, em processo de conflito de competência,
que esse tipo de contratação “não revela qualquer vínculo trabalhista disciplinado
pela CLT”, sendo, pois, da Justiça Federal a competência para dirimir questão de
pagamento de verbas quando for ré a União Federal.46 Nos Estados que adotarem
semelhante regime, portanto, a competência será dos juízos fazendários, os mesmos
que normalmente processam e julgam litígios de servidores estatutários. Em suma:
litígios de servidores sob a égide dos regimes estatutário e especial são processados
e julgados na justiça comum (federal ou estadual), e não na trabalhista. Entretanto,
impõe-se distinguir. A justiça comum só é competente para apreciar tais litígios
quando o ente federativo tiver efetivamente editado a lei específica reguladora do
regime especial, como determina

32
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.

35
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

o art. 37, IX, da CF.48 Se não o tiver feito, sequer pode recrutar servidores pelo
regime especial; caso
o faça, a pretexto de admitir servidores temporários, estará celebrando,
dissimuladamente, mero contrato de trabalho, de modo que futuros conflitos
deverão ser decididos na Justiça do Trabalho. Não obstante, semelhante distinção
parece não ser acolhida por certos setores do Judiciário, o que não se afigura, em
nosso entender, o melhor entendimento" 35.

No âmbito da União Federal, a Lei 8.745/93 (com alguns acréscimos


trazidos pela Lei 9.849/99) regulamenta a contratação de servidores
temporários, estabelecendo hipóteses de necessidade temporária de
excepcional interesse público, dentre as quais os casos de calamidade
pública, surtos endêmicos, atividades de recenseamentos a cargo do
IBGE, admissão de professor substituto, visitante ou estrangeiro, algumas
atividades a cargo da FUNAI do INPI, algumas atividades finalísticas no
Hospital das Forças Armadas, atividade desenvolvidas no âmbito do
SIVAM etc.

O rol previsto na lei deve ser tido como meramente exemplificativo, sendo
que muitas das hipóteses nele contempladas são de duvidosa
constitucionalidade, pois em alguns casos chegam a prever contratação
prorrogável por até oito anos, o que não é razoável em se tratando de
contratação temporária. Além disso, a Lei 8.745/93 prevê a realização de
processo seletivo simplificado em alguns casos, o que também tem sido
alvo de críticas pela doutrina, já que a excepcionalidade do interesse
público e a temporariedade da função seriam incompatíveis com a
realização de concurso.

Diógenes Gasparini entende por necessidade temporária, aquela


“qualificada por sua transitoriedade; a que não é permanente; aquela que se sabe
ter um fim próximo. Em suma, a que é passageira. São exemplos de necessidades
temporárias cujo atendimento pode ser conseguido com esses contratados: a
restauração do sistema viário e dos serviços de comunicação destruídos por uma
inundação; a continuidade dos serviços de magistério em razão do afastamento
súbito e prolongado do professor titular; a vacinação emergencial da população em
razão de um surto epidêmico imprevisível; o recenseamento e outros levantamentos
estatísticos; a melhoria do serviço público tornado de baixa qualidade pela falta de
servidores e a sua continuidade em razão de greve”. 36

E acrescenta:

36
35
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
36
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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“Os agentes temporários, contratados pelo regime celetista, nas condições do inciso
IX do art. 37 da Constituição Federal, salvo o que lhes for atribuído por lei
específica, cumprem seus contratos junto à Administração Pública, em termos de
direitos e obrigações, consoante dispuser a Consolidação das Leis do Trabalho, e,
no que respeita aos direitos previdenciários, o que dispuserem as leis pertinentes.
A contratação desses agentes temporários, nas condições e para os fins assinalados
no mencionado inciso IX do art. 37 da Constituição Federal, não exige concurso. A
contratação temporária e essa modalidade de seleção de interessados em ingressar
na Administração Pública para prestar seus serviços são absolutamente
incompatíveis. Por isso, Celso Antônio Bandeira de Mello (Regime Constitucional,
cit., p. 61) afirmar „tratar-se de hipótese em que a contratação se faz sem concurso,
dada a anomalia da situação‟ Embora seja assim em termos lógicos e práticos,
algumas leis vêm exigindo, como é o caso da referida Lei federal n. 8.745, de 9 de
dezembro de 1993 (com suas ulteriores alterações), que dispõe sobre a contratação
de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público, a realização de processo seletivo simplificado.
Salvam-se desse processo seletivo e, obviamente do concurso público, os casos em
que a contratação for destinada a atender necessidades decorrentes de calamidade
pública (art. 3o, §1º) e a contratação de pessoal enquadrável nos incisos IV, V e VI,
alíneas a, c, d e e g, do art.2o, formalizada

37
35
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
36
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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à vista de notória capacidade técnica ou científica do profissional e análise do


curriculum vitae (art. 3o, §2º)”.37

Sobre o tema, escreve também o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou


municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o
atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX).
Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que
desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas
provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama
satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de
concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é
contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada,
requerida por razões muitíssimos importantes, é temporária, eventual (não se
justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do
concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse
público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade
(nesse sentido „necessidade temporária‟), por não haver tempo hábil para realizar
concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem
de acobertar”.38

Consoante posicionamento do STF, os servidores temporários não fazem


jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço
constitucional, salvo: I) expressa previsão legal e/ou contratual em
sentido contrário; ou II) comprovado desvirtuamento da contratação
temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e
reiteradas renovações e/ou prorrogações39.

4) ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, como entes


políticos que são gozam de autonomia que lhes garante dispor sobre a
sua organização administrativa, no tocante aos seus serviços e
atividades.

Assim, observadas as normas constitucionais, cabe a cada ente


federativo optar pela organização funcional que considere mais adequada
à boa prestação dos serviços públicos de que são titulares.

Conforme já se estudou, não mais há a exigência de regime jurídico único


38
39
STF. Plenário. RE 1066677, repercussão geral (Tema 551), rel. Marco Aurélio, rel. p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julg. 22/05 /2020.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

para os servidores públicos. Assim, os entes federativos poderão adotar


mais de um regime (estatutário ou trabalhista), organizando a sua
estrutura de pessoal por meio de cargos, empregos e funções públicas,
os quais integram o seu quadro funcional.

“O quadro funcional é o verdadeiro espelho do quantitativo de servidores públicos


da Administração. Se houvesse efetiva organização funcional, o quadro seria o
elemento pelo qual o órgão ou a pessoa poderiam nortear-se para inúmeros fins,
como a eliminação de excessos, o remanejamento de servidores, o recrutamento de
outros, a adequação remuneratória etc., pois que nele se teria o real espectro das
carências e demasias observadas nos setores administrativos. Lamentavelmente,
porém, reina o caos nesse controle funcional e freqüentemente se tem tido
conhecimento do malogro das Administrações em identificar os componentes de
seu quadro”.40

37
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
38
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

39
39
STF. Plenário. RE 1066677, repercussão geral (Tema 551), rel. Marco Aurélio, rel. p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julg. 22/05 /2020.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

Portanto, o quadro funcional é o conjunto dos cargos, empregos e


funções públicas existentes em determinada Administração Pública.
Como visto, os servidores ocupantes de cargos estão submetidos ao
regime estatutário, enquanto os servidores empregados submetem-se às
normas trabalhistas.

Já o conceito de função pública segue outro referencial, pois se relaciona


apenas à atividade desempenhada pelo servidor, seja ele estatutário ou
empregado público. Na verdade, se utiliza separadamente a expressão
função pública porque existem determinadas atribuições que não são
próprias dos cargos ou empregos públicos existentes no quadro
funcional e, por isso, são desempenhadas por servidores de forma
adicional às suas tarefas comuns, mediante remuneração suplementar
(funções de confiança). Ou seja, a função nesse caso nada mais é do que
um acréscimo de atribuições.

Cargos Públicos, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “são as


mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um
agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por
pessoas jurídicas de Direito Público e criadas por lei, salvo quando concernentes
aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em se criam por resolução, da Câmara
ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas Casas. Os
servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente
concebido para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou
institucional; logo de índole não-contratual”.41

Quanto à sua vocação para retenção dos ocupantes, os cargos públicos


podem ser: efetivos, quando “predispostos a receberem ocupantes em caráter
definitivo, isto é, com fixidez”42; em comissão, quando “vocacionados para
serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança de autoridade
competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é,
livremente, que os esteja titularizando”43; vitalícios, quando “predispostos à
retenção dos ocupantes, mas sua vocação para retê-los é ainda maior. Os que neles
hajam sido prepostos, uma vez vitaliciados, só podem ser desligados mediante
processo judicial”.44

“Cargos vitalícios são aqueles que oferecem a maior garantia de permanência a


seus ocupantes. Somente através de processo judicial, como regra, podem os
titulares perder seus cargos (art. 95, I, CF). Desse modo, torna-se inviável a
extinção do vínculo por exclusivo processo administrativo (salvo no período inicial
de até dois anos até a aquisição da prerrogativa). A vitaliciedade configura- se como
40
39
STF. Plenário. RE 1066677, repercussão geral (Tema 551), rel. Marco Aurélio, rel. p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julg. 22/05 /2020.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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verdadeira prerrogativa para os titulares dos cargos dessa natureza e se justifica


pela circunstância de que é necessária para tornar independente a atuação desses
agentes, sem que sejam sujeitos a pressões eventuais impostas por determinados
grupos de pessoas. A vitaliciedade tem previsão constitucional. Atualmente são
cargos vitalícios os dos magistrados (art. 95, I, CF), os dos membros do Ministério
Público (art. 128, §5º, I, a, CF) e os dos membros dos Tribunais de Contas (art. 73,
§3º, CF). Cargos efetivos são aqueles que se revestem de caráter de permanência,
constituindo a maioria absoluta dos cargos integrantes dos diversos quadros
funcionais. Com efeito, se o cargo não é vitalício ou em comissão, terá que ser
necessariamente efetivo. Embora em menor grau que nos cargos vitalícios, os
cargos efetivos também proporcionam segurança a seus titulares: a perda do cargo,
segundo emana do art. 41, §1º, da CF, só poderá ocorrer depois que adquirirem a
estabilidade, se houver sentença judicial ou processo administrativo em que se lhes
faculte ampla defesa, e agora também em virtude de avaliação negativa de
desempenho, como introduzido pela EC 19/98. Os cargos em comissão, ao contrário
dos tipos anteriores, são de ocupação transitória. Seus

41
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 42
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
direito administrativo. São Paulo: Malheiros. 43
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

41
39
STF. Plenário. RE 1066677, repercussão geral (Tema 551), rel. Marco Aurélio, rel. p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julg. 22/05 /2020.
40
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a
autoridade nomeante. Por isso é que na prática alguns os denominam de cargos de
confiança. A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade.
Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação
prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer
formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante. Por essa
razão é que são considerados de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, CF)”. 45

Os cargos de comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração


não dependem de concurso público para seu preenchimento (CF/88, art.
37, II). Eles são destinados apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento, podendo ser preenchidos por pessoas estranhas ao
quadro do ente público, desde que observado um número percentual
mínimo previsto em lei para preenchimento por servidores de carreira
(CF/88, art. 37, V).

A nomeação para cargos em comissão fica a critério da autoridade com


competência para a escolha. O fato de ser "livre" a nomeação não significa
que qualquer pessoa possa ser nomeada, pois existem certas vedações
como, por exemplo, a proibição de nepotismo. Ademais, se ficar
comprovado eventual desvio de finalidade na nomeação para cargo
comissionado, o ato pode ser anulado.

Alguns cargos em comissão são preenchidos após um processo de


escolha diferenciado que dá, aos seus ocupantes, maiores garantias de
permanência por um prazo determinado disposto em lei. Tal acontece,
como já vimos, com os dirigentes da agências reguladoras.

Noutros casos, apesar de a lei não conferir tais garantias de permanência,


o processo de escolha também pode ser diferenciado. Os dirigentes das
universidades públicas federais, por exemplo, ocupam cargos em
comissão após escolha que leva em conta a vontade da comunidade
universitária, nos moldes do Decreto 1.916/96. Assim, o reitor e o vice-
reitor de universidade federal serão nomeados pelo Presidente da
República, escolhidos dentre os indicados em listas tríplices elaboradas
pelo colegiado máximo da instituição, ou por outro colegiado que o
englobe, instituído especificamente para este fim. O decreto prevê, ainda,
a possibilidade de eleições, conforme for estabelecido no regulamento de
cada universidade. O mesmo ocorre na escolha dos dirigentes dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, como dispõe o
Decreto 6.986/2009.

Questiona-se se o reitor pode ser exonerado contra a sua vontade no


curso do mandato para o qual foi escolhido, já havendo, porém, diversos
42
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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precedentes de exoneração ex officio de reitores. Entendemos que tal


exoneração é possível, salvo se houver previsão legal específica
assegurando a manutenção do reitor no cargo durante o período. Na falta
dessa garantia, aplica-se a regra geral de exoneração prevista no estatuto
dos servidores públicos (no caso da União e suas autarquias, a Lei
8.112/90).

Quanto à sua posição no quadro do ente público, os cargos públicos


podem ser: de carreira, “quando encartados em uma série de classes escalonada
em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições” 46;
isolados, “quando previstos sem inserção em carreiras”. 47

“(...) leva em consideração a situação dos cargos diante do quadro funcional. Sob
esse aspecto, dividem-se em cargos de carreira e cargos isolados. Os primeiros
permitem a progressão funcional

45
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
46 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
47 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.

São Paulo: Malheiros.

43
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dos servidores através de diversas classes até chegar à classe mais elevada. Os
cargos isolados, ao contrário, têm natureza estanque e inviabilizam a
progressão”.48

Empregos Públicos “são núcleos de encargos de trabalho permanentes a serem


preenchidos por agentes contratados para desempenhá-los, sob relação trabalhista.
Quando se trate de empregos permanentes na Administração direta ou em
autarquia só podem ser criados por lei, como resulta do art. 61, §1º, II, „a‟.
Sujeitam-se a uma disciplina jurídica que, embora sofra inevitáveis influências
advindas da natureza governamental da contratante, basicamente, é a que se aplica
aos contratos trabalhistas em geral; portanto, a prevista na Consolidação das Leis do
Trabalho”.49

Observa-se, assim, que a distinção básica entre cargo público e emprego


público reside no regime jurídico aplicável aos respectivos titulares, isto
é, à natureza do vínculo que os une ao Poder Público. No caso do
ocupante de cargo público, a vinculação é de natureza estatutária, ou seja,
submete-se a normas previstas em lei. Para os servidores federais, o
regime estatutário é o previsto na Lei 8.112/90. No caso do ocupante de
emprego público, a vinculação é de natureza contratual, ou seja,
submetido às normas gerais trabalhistas. No âmbito federal, como já
visto, a Lei 9.962/2000 disciplina o regime de emprego público do pessoal
da Administração direta, autárquica e fundacional, aplicando-se a CLT
naquilo em tal legislação específica não dispuser em contrário.

Em relação aos empregados públicos dos entes da Administração


indireta, com personalidade jurídica de direito privado (empresas públicas
e sociedades de economia mista), aplicam-se, sem exceção, as regras
gerais do regime trabalhista. Por isso, já se mencionou que são
denominados servidores governamentais.

Destacando as noções de cargo e emprego público, comenta Maria Sylvia


Di Pietro:

“Quando se passou a aceitar a possibilidade de contratação de servidores sob o


regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser
utilizada, paralelamente a cargo público, também para designar uma unidade de
atribuições, distinguindo-se uma da outra pelo tipo de vínculo que liga o servidor
ao Estado; o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob regência
da CLT, enquanto o ocupante do cargo público tem um vínculo estatutário, regido
pelo Estatuto dos Funcionários Públicos que, na União, está contido na lei que
instituiu o regime jurídico único (Lei n. 8112/90)”. 50
23
51 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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No tocante às funções públicas, a ilustre autora comenta que “ao lado do


cargo e do emprego, que têm uma individualidade própria, definida em lei, existem
atribuições também exercidas por servidores públicos, mas sem que lhes
corresponda um cargo ou emprego. Fala-se, então, em função dando-se um
conceito residual: é o conjunto de atribuições às quais não corresponde um cargo
ou emprego”.51

São as funções de confiança aludidas pelo art. 37, V, da Lei Maior, as


quais, ao lado dos cargos em comissão, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento. Para tais atribuições, o
ente federativo poderá optar entre criar um cargo em comissão ou uma
simples função de confiança a ser desempenhada em caráter adicional
por servidores do seu quadro funcional ou até mesmo servidores de outro
quadro que venham a ser requisitados.

48
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
49 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

23
52 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Portanto, na Administração Pública, os encargos de direção, chefia ou


assessoramento poderão ser exercidos por ocupantes de cargos em
comissão (observado um percentual mínimo para os servidores de
carreira) ou por titulares de cargos efetivos que passem a exercer função
de confiança.

Convém não confundir a função de confiança, a que alude o art. 37, V, da


Carta, com o que a doutrina chama de função temporária exercida na
forma do art. 37, IX, também da Constituição, nos casos de contratação de
servidores por tempo determinado para atender a necessidade temporária
de excepcional interesse público. Tais servidores temporários, como já
dito, exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego
público. Maria Sylvia aponta bem essa distinção:

“Portanto, perante a Constituição atual, quando se fala em função, tem-se que ter
em vista dois tipos de situações: 1. a função exercida por servidores contratados
temporariamente com base no art. 37, IX, para os quais não se exige,
necessariamente, concurso público, porque, às vezes, a própria urgência da
contratação é incompatível com a demora do procedimento; (...) 2. as funções de
natureza permanente, correspondentes a chefia, direção, assessoramento ou outro
tipo de atividade para a qual o legislador não crie o cargo respectivo; em geral, são
funções de confiança, de livre provimento e exoneração; a elas se refere o art. 37,
V (...). Com isso, fica explicada a razão de ter o constituinte, no art. 37, II, exigido
concurso público só para a investidura em cargo ou emprego. Nos casos de função,
a exigência não existe porque os que a exercem ou são contratados
temporariamente para atender às necessidades emergentes da Administração, ou
são ocupantes de funções de confiança, para as quais não se exige concurso público.
A discussão quanto aos dois tipos de função atualmente existentes é de fundamental
importância, porque há uma série de normas constitucionais que, ao fazerem
referência a cargo, emprego ou função, estão-se referindo às funções de confiança
e não à função temporária exercida com base no art. 37, IX”. 52

5) NORMAS GERAIS A TODOS OS SERVIDORES PÚBLICOS

Ao tratar da Administração Pública, a Constituição Federal contém


normas direcionadas a todos os servidores públicos, sejam eles
estatutários ou trabalhistas.

De logo, a Carta Magna prevê criação, transformação e extinção de


cargos, empregos e funções públicas será da competência do Congresso
Nacional, por meio de lei submetida à sanção do Presidente da República
24
52
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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(art. 48, X). A regra, então, é a existência de lei tratando do tema.

Ocorre que esta regra comporta exceções previstas na própria Carta.

O art. 84, VI, b (com a redação dada pela EC 32/2001) confere ao Presidente
da República a competência privativa para dispor, mediante decreto,
sobre extinção das funções ou cargos públicos, quando vagos. Para
alguns, trata-se de uma espécie de regulamento autônomo
excepcionalmente admitido no ordenamento brasileiro.

Os artigos 51, IV e 52, XIII (com as redações dadas pela EC 19/1998),


conferem à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal a competência
privativa para dispor sobre a criação, transformação ou extinção dos
cargos, empregos e funções de seus respectivos serviços, e a iniciativa
de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros

24
52
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Portanto, a organização


funcional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não depende de
lei, dando-se através de resolução. Já a fixação de vencimentos para tais
cargos, empregos e funções depende de lei, conforme adverte Celso
Antônio Bandeira de Mello, com vistas à referida Emenda 19:

“A criação de cargos auxiliares do Legislativo, a teor dos arts. 51, IV, e 52, XIII, é
de competência privativa da Câmara ou do Senado, conforme o caso; isto é,
independente de participação do Executivo. Faz-se por resolução, e não por lei, já
que na elaboração desta há necessariamente interferência do Executivo, através da
„sanção‟ ou do „veto‟, conquanto este último seja superável por votação da
maioria qualificada do Legislativo. A razão dos dispositivos em questão, pois, seria
e era, até o advento do “Emendão”, assegurar a independência do Legislativo,
propiciando-lhe que se instrumentasse, conforme lhe parecesse adequado, ao
cumprimento de suas funções, já que, a toda evidência, o bom desempenho delas
está relacionado com o apoio de seus serviços auxiliares. Pretendia-se, então, evitar
interferências do Executivo na matéria, para que este não tivesse forma de tentar
amesquinhar os recursos humanos necessários ao Legislativo ou meios de impor
„barganhas‟ quanto a isto. Desde o “Emendão”, contudo, com a mudança da
redação dos preceptivos mencionados, estes se tornaram puramente rituais. É que
a fixação dos vencimentos de tais cargos, condição para que possam de fato existir e
ser preenchidos, depende de lei. Assim, os autores do
„Emendão‟ e os congressistas que docilmente votaram a alteração do art. 51, IV e
52, XIII, eliminaram o único sentido dos versículos referidos, em detrimento da
autonomia do Poder Legislativo e em favor de sua notória e crescente submissão
ao Executivo”.53

Importante destacar, ainda, que a lei que dispuser sobre a criação e a


extinção de cargos e a remuneração dos serviços auxiliares no Poder
Judiciário, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juizes,
será de iniciativa dos respectivos Tribunais (Supremo Tribunal Federal,
Tribunais Superiores e Tribunais de Justiça), conforme previsto no art. 96,
II, b, da Lei Maior. Essa autonomia na iniciativa das leis também é
conferida ao Ministério Público, no tocante à criação e extinção de seus
cargos e serviços auxiliares (CF, art. 127, §2º).

Outra determinação constitucional refere-se à acessibilidade aos cargos


e empregos públicos e à investidura por concurso público. Assim, os
cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I). E a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade
do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações
25
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração


(art. 37, II). O prazo de validade do concurso público será de até dois anos,
prorrogável uma vez, por igual período (art. 37, III).

“O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público


foi, de um lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou
empregos na Administração direta, indireta ou fundacional. De outro lado, propôs-
se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na
Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para cargo
ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou
emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a
razão de ser do concurso público. Nas regras do concurso não podem ser feitas
discriminações entre brasileiros natos ou naturalizados, salvo em relação aos cargos
arrolados no art. 12, §3º, da Lei Maior, quando então serão obrigatórias, pois nele
arrolam-se os que são privativos de brasileiro nato, como exceção à

53
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

26
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regra geral fixada no §2º deste mesmo artigo, segundo a qual são vedadas distinções
entre uns e outros. Em decorrência do disposto no art. 7 o, XXX, ao qual o art. 39,
§3º, faz remissão, em princípio não seriam admissíveis restrições discriminatórias
por motivo de idade ou sexo para admissão em cargos ou empregos; contudo, a
parte final deste último preceptivo ressalva a possibilidade de se instituírem
requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Assim,
tal possibilidade existe, mas apenas em relação a cargos. Isto não apenas pela dicção
da regra, mas também e sobretudo pelo fato de que os que se candidatem a emprego
(na organização central do Estado ou em pessoa de sua Administração indireta)
sujeitar-se-ão basicamente às normas – inclusive as constitucionais – relativas ao
Direito do Trabalho. Ora, o art. 7 o, onde estão arrolados os direitos trabalhistas
fundamentais, em seu inciso XXX, não incluiu ressalva alguma em sua dicção”. 54

A regulamentação da regra constitucional do concurso público poderá ser


feita pela legislação infraconstitucional. Conforme veremos em tópico
posterior, muitos aspectos já foram tratados no texto da Lei 8.112/90, que
dispõe sobre o regime dos servidores públicos civis federais, existindo
ainda outras leis específicas, inclusive em âmbito estadual e municipal.
Mas essas normas infraconstitucionais servem apenas para reforçar a
regra geral da obrigatoriedade do concurso público, já prevista no art. 37,
II, da CF/88, que é autoaplicável. Vale dizer, mesmo que não houvesse lei
dispondo sobre a matéria, o prévio concurso seria obrigatório.

Segundo previsto nos arts. 11 e 12 da Lei 8.112/90, o concurso público


poderá ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o
regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do
candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável
ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele
expressamente previstas.

O prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão


fixados em edital, que será publicado no Diário Oficial da União e em jornal
diário de grande circulação. Tal prazo poderá ser de até 2 (dois) anos,
prorrogável uma única vez por igual período. Ou seja, o edital poderá fixar
um prazo igual ou menor do que esse, de modo que eventual prorrogação
poderá inclusive superar os dois anos. Extrai-se dessa regra que, em
havendo prorrogação, o prazo máximo de validade de um concurso será
de 4 (quatro) anos. Registre-se que esse prazo de validade é contado a
partir da data de homologação do concurso, que só ocorre após o anúncio
dos aprovados.

A norma legal diz ainda que não se abrirá novo concurso enquanto houver
candidato aprovado em concurso anterior com prazo de validade não
expirado. Na verdade, a melhor interpretação é a de que pode até ser
27
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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aberto um novo concurso, desde que os já aprovados no concurso


anterior tenham prioridade em relação aos novos concursados, como se
extrai do art. 37, IV, da CF/88.

Conforme entendimento do STF, a prorrogação ou não de um concurso


público é decisão discricionária da Administração55. Contudo, tal
prorrogação somente é possível quando ainda não esgotado o prazo
inicial de dois anos. De fato, "não permite o disposto no artigo 37 , III , da
Constituição que, escoado o prazo de dois anos de validade do concurso público,
sem que tenha ele sido prorrogado, possa a Administração instituir novo prazo de
validade por dois anos, pois prorrogar é estender prazo ainda existente para além
de seu termo final"56. Por outro

54 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.


São Paulo: Malheiros.
55 STF, RMS 23788, rel. min. Maurício Corrêa, DJ de 16.11.2001;STF, AI
521921, rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 08/11/2005.
56 STF, RE 201.634, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 17.05.2002. No mesmo

sentido: STF, RE 410651, rel. Min. Carlos Britto, julg. 29/05/2006.

28
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lado, apesar de discricionária, a decisão da Administração de prorrogar


um concurso público somente pode ser revogada enquanto não iniciado
o prazo da prorrogação. Uma vez tomada a decisão e esgotado o prazo do
primeiro período, passa a correr o prazo do período prorrogado, não
podendo mais a Administração voltar atrás.

O art. 37, §8o, da CF/88, prevê que a lei reservará percentual de vagas para
portadores de deficiência, definindo os critérios de sua admissão. Ou seja,
certo número de vagas somente serão disputadas por deficientes. No
âmbito federal, a Lei 8.112/90 e o Decreto 3.298/99 estabelecem percentual
mínimo de 5% e máximo de 20%.

Isso não significa que todo e qualquer concurso deverá ter vagas para
deficientes.

Primeiro há de ser verificado se o cargo objeto do concurso é compatível


com a deficiência, conforme ressalva o art. 5º, §2º, da Lei 8.112/90. Além
disso, dependendo do número de vagas, pode não ser possível fazer
reserva para deficientes.

“Em geral, se, com a incidência do percentual legal, o resultado não for um número
inteiro, deverá haver aplicação do primeiro número interior subseqüente,
obedecido o limite máximo fixado (Decreto 3.298/1999). Assim, segundo já decidiu
o STF, em havendo tão somente duas vagas, descabida a pretensão de reserva, vez
que violaria o princípio da isonomia, a reserva de 50% das vagas para os
candidatos portadores de deficiência (MS 26.310/DF, DJ 31/20/2007)”.57

Logo, “se o edital anunciar menos de cinco vagas a serem preenchidas, fica vedada
a reserva de vagas aos portadores de deficiência. Isso porque, havendo somente
uma, duas, três ou quatro vagas, a aplicação do percentual de 20% resultará em
fração inferior a uma vaga”.58

Mais recentemente, a Lei 12.990/2014, que veio a ser denominada Lei de


Cotas no serviço público federal, instituiu reserva de 20% de vagas aos
negros nos concursos públicos. Tal legislação foi objeto de ação
declaratória de constitucionalidade (ADC 41), tendo o STF acatado tal
discriminação, declarando a constitucionalidade da lei.

Vejamos a notícia deste julgamento:

"Plenário declara constitucionalidade da Lei de Cotas no serviço público federal –


O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão desta quinta-
feira (8) o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41 e
reconheceu a validade da Lei 12.990/2014, que reserva 20% das vagas oferecidas
29
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no


âmbito da administração pública federal direta e indireta, no âmbito dos Três
Poderes. A decisão foi unânime. O julgamento teve início em maio, quando o
relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela constitucionalidade da norma.
Ele considerou, entre outros fundamentos, que a lei é motivada por um dever de
reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente
na sociedade brasileira. Acompanharam o relator, naquela sessão, os ministros
Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux. Na sequência do
julgamento na sessão desta quinta (8), o ministro Dias Toffoli lembrou, em seu voto,
que quando exercia a função de advogado-geral da União, já se manifestou pela
compatibilidade de ações afirmativas – como a norma em questão – com o princípio
da igualdade. Para o ministro, mais do que compatível com a Constituição, trata-
se mesmo de uma exigência do texto maior, em decorrência do princípio da
isonomia prevista no caput do artigo 5º. Esse entendimento, inclusive, prosseguiu o
ministro, está em sintonia com a jurisprudência do STF, que já confirmou a
constitucionalidade da instituição da

57
PRADO, Leandro C.; TEIXEIRA, Patrícia Carla de Farias. 1001 questões
comentadas de Direito Administrativo. São Paulo: Método.
58 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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reserva de vaga para portador de deficiência física, bem como a


constitucionalidade do sistema de cotas para acesso ao ensino superior público. O
ministro explicou, contudo, que seu voto restringe os efeitos da decisão para os
casos de provimento por concurso público, em todos os órgãos dos Três Poderes da
União, não se estendendo para os Estados, Distrito Federal e municípios, uma vez
que a lei se destina a concursos públicos na administração direta e indireta da
União, e deve ser respeitada a autonomia dos entes federados. O julgamento do
Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186,
quando foi confirmada a constitucionalidade do sistema de cotas raciais para
ingresso nas universidades públicas, foi citada pelo ministro Ricardo Lewandowski
em seu voto. Ele recordou que em sua gestão à frente do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), foi editada a Resolução 203/2015, que reservava 20% de vagas para
os negros no âmbito do Poder Judiciário. A resolução levou em conta, segundo ele,
o primeiro censo do Judiciário realizado pelo Conselho, que apontou que apenas
1,4% dos juízes brasileiros se declararam negros, e apenas 14% pardos, dados que
divergiam dos números do censo demográfico brasileiro de 2010, do IBGE, segundo
o qual o percentual da população brasileira que se declarou negra foi de 7,6% e
parda 43,1%. O ministro Marco Aurélio revelou que, nos anos de 2001 e 2002,
quando ocupou a presidência do STF, e diante de quadro que persiste até os dias
atuais, determinou que fosse inserida em edital para contratação de prestadores de
serviço a exigência de reserva de 30% das vagas para prestação de serviços por
negros. Para o ministro, uma sociedade justa e solidária repousa no tratamento
igualitário, mas é notória a falta de oportunidade para os negros, frisou o ministro,
concordando que as estatísticas sobre a questão são vergonhosas. O decano do
Supremo, ministro Celso de Mello, iniciou seu voto citando a história do advogado
Luiz Gama (1830-1882), que ficou conhecido como advogado dos escravos, para
demonstrar “como tem sido longa a trajetória de luta das pessoas negras em nosso
país na busca não só de sua emancipação jurídica, como ocorreu no século XIX,
mas de sua emancipação social e de sua justa, legítima e necessária inclusão”. Ao
defender as políticas de inclusão, o decano salientou que de nada valerão os direitos
e de nenhum significado serão revestidas as liberdades se os fundamentos em que
esses direitos e liberdades se apoiam, além de desrespeitados pelo Poder Público ou
eventualmente transgredidos por particulares, também deixarem de contar com o
suporte e o apoio de mecanismos institucionais, como os proporcionados pelas
políticas de ações afirmativas. Para o ministro, “sem se reconhecer a realidade de
que a Constituição impõe ao Estado o dever de atribuir a todos os que se situam à
margem do sistema de conquistas em nosso país a condição essencial de titulares
do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e
merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade nem
realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária, frustrando assim
um dos objetivos fundamentais da República, a que alude o inciso I do artigo 3º da
Carta Política”. Com base não só nos fundamentos já trazidos por todos os
ministros, mas também no princípio do direito à busca da felicidade, o ministro se
manifestou pela constitucionalidade de medidas compensatórias como a inserida

31
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na lei em questão. Ao também reconhecer a constitucionalidade da norma em


debate, a ministra Cármen Lúcia salientou que muitas vezes o preconceito – contra
negros ou contra mulheres, entre outros – é insidioso e existe de forma acobertada,
e outras vezes é traduzido em brincadeiras, que nada mais são do que verdadeiras
injúrias, que indignam. Para a presidente do Supremo, ações afirmativas como a
que consta da Lei 12.990/2014 demonstram que "andamos bem ao tornar visível o
que se passa na sociedade"”59.

Para além do que já disposto expressamente na Constituição e na lei, há


muitas outras questões peculiares que vieram sendo enfrentadas pela
jurisprudência acerca do concurso público.

Assim, por exemplo, a Súmula 683 do STF orienta que “o limite de idade
para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º,
XXV, da Constituição, quando possa

59
Notícias do STF, de 08/06/2017. Disponível em:
http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=346140.

32
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ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.


Saliente-se que o edital do concurso somente pode estabelecer limite de
idade para determinado cargo se houver lei prevendo isso. Essa restrição
não pode estar prevista apenas em atos normativos da Administração,
conforme também já decidido pelo STF (AI-AgR 589.906/DF, DJ de
23/05/2008).

Da mesma forma, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a


habilitação de candidato a cargo público” (Súmula 686 do STF).

“É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a


concurso público”,
consoante reza a Súmula 684 do STF.

Conforme a Súmula 266 do STJ, “o diploma ou habilitação legal para o


exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o
concurso público”.

No julgamento do RE 898450/SP, com repercussão geral (Tema 838), o STF


fixou tese nos seguintes termos: “Editais de concurso público não podem
estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações
excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”.

Decidiu também o STF não ser legítima a cláusula de edital de concurso


público que restrinja a participação de candidato pelo simples fato de
responder a inquérito ou a ação penal, salvo se essa restrição for
instituída por lei e se mostrar constitucionalmente adequada60.

Outra questão polêmica diz respeito à situação jurídica do candidato


aprovado em concurso público, isto é, se ele teria direito subjetivo à
nomeação ou se haveria aí uma mera expectativa de direito.

A Súmula 15 do STF há muito considerava que o candidato aprovado


somente teria direito à nomeação em caso de preterição da ordem de
classificação no concurso, ou seja, se outro candidato pior classificado
fosse convocado na sua frente. Fora daí, entendia-se haver apenas
expectativa de direito. Essa orientação jurisprudencial, todavia, veio
mudando ao longo do tempo, instaurando-se controvérsias sobre o tema.

Com efeito, “a jurisprudência do STF sempre foi no sentido de que „a aprovação


em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera
expectativa de direito. Esse direito surgirá se houver o preenchimento de vaga sem
observância de ordem classificatória‟ (STF, RE-AgR 306.938/RS, DJ 11/10/2007).
No entanto, há julgado em sentido contrário, proferido pela 1ª Turma, por 3 votos
33
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a 2, no bojo do RE 227.480/RJ, DJ 21/08/2009: „Os candidatos aprovados em


concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada
nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do
concurso‟. Assim, noutro Recurso Extraordinário, o STF reconheceu a existência
de repercussão geral na controvérsia sobre a existência ou não de obrigação da
administração pública nomear candidatos aprovados dentro do número de vagas
oferecidas no edital do concurso público (RE 598.099/MS, DJ 05/03/2010). De seu
turno, no âmbito do STJ, há várias decisões no sentido de existir direito subjetivo
do candidato (STJ, RMS 27.311/AM, DJ 08/09/2009). Assim, de pacífico, ainda
nada existe”.61

60
STF. Plenário. RE 560900/DF, repercussão geral (Tema 22), rel. Min.
Roberto Barroso, julg. 6/2/2020.
61 PRADO, Leandro C.; TEIXEIRA, Patrícia Carla de Farias. 1001 questões

comentadas de Direito Administrativo. São Paulo: Método.

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No julgamento do RE 837.311/PI, com repercussão geral (Tema 784), o STF


considerou haver direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados
em concurso público, quando, ainda dentro da validade do processo
seletivo, surgirem novas vagas, a Administração houver lançado edital
para outro concurso e ficar evidenciado o nítido intuito de preterir os
candidatos aprovados na ordem de classificação.

Eis o teor da tese fixada no referido julgamento: “O surgimento de novas


vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de
validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos
candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses
de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por
comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca
necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame,
a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à
nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes
hipóteses: 1 - Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do
edital; 2 - Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem
de classificação; 3 - Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso
durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de
forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima”. 62

Na mesma linha, o STJ firmou entendimento de que o candidato aprovado


em concurso público, ainda que fora do número de vagas, tem direito
subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de
validade do certame, desde que ocorra manifestação inequívoca da
administração sobre a necessidade do provimento e não haja restrição
orçamentária63.

Recentemente, a Lei 13.872/2019 dispôs sobre o direito de as mães


amamentarem seus filhos durante a realização de provas de concursos
públicos federais.

Na jurisprudência já há precedente considerando constitucional a


remarcação de curso de formação para o cargo de agente penitenciário
feminino de candidata que esteja lactante à época de sua realização,
independentemente da previsão expressa em edital do concurso
público64. Também em caso de gravidez, é permitida a remarcação do teste
de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua
realização, independentemente da previsão expressa em edital do
concurso público65. Contudo, se a pretensão de remarcação da prova se
der em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico
ou de força maior, o candidato não tem direito à prova de segunda
chamada, salvo expressa previsão no edital do concurso66.
35
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Outra questão enfrentada pela jurisprudência diz respeito à possibilidade


de serem fixadas obrigações alternativas para candidatos em concursos
públicos ou até mesmo servidores em estágio probatório, quando se
escusem de cumprir as obrigações legais por motivos de crença religiosa.
Consoante decidiu o STF, a exegese do art. 5º, VIII, da CF/88 permite
concluir ser possível a realização de etapas de concurso público em datas
e horários distintos dos previstos em edital, por candidato que invoca
escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que
presentes a razoabilidade da alteração, a preservação da igualdade entre
todos os candidatos e que não acarrete ônus desproporcional à
Administração Pública, que deverá decidir de maneira fundamentada. Do

62 STF, RE 837.311/PI, rel. Min. Luiz Fux, julg. 09/12/2015.


63
STJ, REsp 22.813/DF, julg. 13/06/2018.
64
STJ, RMS 52.622-MG, rel. Min. Gurgel de Faria, julg. 26/03/2019.
65
STF, RE 1058333/PR, rel. Min. Luiz Fux, julg. 21/11/2018.
66 STF, RE 630733/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 15/5/2013.

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mesmo modo, é possível à Administração Pública, inclusive durante o


estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular
exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos, em face
de servidores que invocam escusa de consciência por motivos de crença
religiosa, desde que presentes a razoabilidade da alteração, não se
caracterize o desvirtuamento do exercício de suas funções e não acarrete
ônus desproporcional à Administração Pública, que deverá decidir de
maneira fundamentada67.

Há concursos em que se exige certa prática profissional. Nos concursos


para a magistratura e Ministério Público, por exemplo, a própria
Constituição condiciona que haja três anos de atividade jurídica.

“Os três anos de atividade jurídica contam-se da data da conclusão do curso de


Direito e o fraseado
„atividade jurídica‟ é significante de atividade para cujo desempenho se faz
imprescindível a conclusão de curso de bacharelado em Direito. O momento da
comprovação desses requisitos deve ocorrer na data da inscrição no concurso, de
molde a promover maior segurança jurídica tanto da sociedade quanto dos
candidatos. Vale ressaltar também que, segundo o art. 90 da Resolução 75, de
12/05/2009, do CNJ, não mais se incluem tempo de curso de pós-graduação na área
jurídica iniciados após a publicação de tal Resolução”. 68

No caso de cargos de carreira, os concursos devem ser destinados ao


provimento no cargo inicial da carreira. Adotando esse entendimento, o
STF decidiu pela inconstitucionalidade de lei que previa o acesso de
candidato aprovado em concurso público na classe mais elevada da
carreira.69

Somente é possível haver nomeação sem concurso quando se tratar de


cargo em comissão ou, ainda, para o atendimento de necessidade
temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX).

Ainda assim, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência e da


impessoalidade, a indicação para os cargos em comissão deve obedecer
a critérios que evitem a ocorrência de nepotismo. Para tanto o STF editou
a Súmula Vinculante n. 13, segundo a qual “a nomeação de cônjuge,
companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o
terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma
pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,
para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de
função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
37
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Constituição Federal”.

Essa proibição estendida a “designações recíprocas” busca evitar o


chamado nepotismo cruzado.

Saliente-se que a proibição de nepotismo, não obstante já seja uma


decorrência direta do princípio da moralidade, é reforçada pelo Decreto
7.203/2010 (aplicado à Administração Federal) e pela Resolução 7/2005 do
CNJ (aplicada no âmbito do Poder Judiciário).

67
STF. Plenário. RE 611874/DF, Repercussão Geral (Tema 386), rel. orig.
Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julg. 26/11/2020.
68
PRADO, Leandro C.; TEIXEIRA, Patrícia Carla de Farias. 1001 questões
comentadas de Direito Administrativo. São Paulo: Método.
69 STF, ADI 1240/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julg. 28/02/2019.

38
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Por outro lado, o STF ressalvou que a proibição de que trata a Súmula
Vinculante n. 13 não se aplica às nomeações para cargos de natureza
política tais como os de Ministro de Estado e Secretário de Governo, seja
em âmbito federal, estadual ou municipal. Vejamos como se deu o
posicionamento da Corte:

"Reclamação – Constitucional e administrativo – Nepotismo – Súmula vinculante


nº 13 – Distinção entre cargos políticos e administrativos – Procedência. 1. Os
cargos políticos são caracterizados não apenas por serem de livre nomeação ou
exoneração, fundadas na fidúcia, mas também por seus titulares serem detentores
de um munus governamental decorrente da Constituição Federal, não estando os
seus ocupantes enquadrados na classificação de agentes administrativos. 2. Em
hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo
deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual 'troca de favores' ou
fraude a lei. 3. Decisão judicial que anula ato de nomeação para cargo político
apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e
o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do
entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13". 70

Isso não significa que a nomeação para cargo político esteja imune a
qualquer tipo de controle de legalidade. Ou seja, apesar de não se aplicar
a Súmula Vinculante n. 13 no tocante a cargos políticos, se ficar
comprovado algum desvio de finalidade (tal como a "troca de favores") o
ato de nomeação é passível de invalidação. O STF já reconheceu essa
possibilidade, apesar de nem sempre ser fácil a caracterização do desvio
de finalidade. Confira-se o teor do seguinte trecho de ementa de
julgamento:

"ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ENUNCIADO DA SÚMULA VINCULANTE Nº


13. NEPOTISMO POR
TROCA DE FAVORES. (...) 1. O exame casuístico da qualificação técnica dos
agentes para o desempenho eficiente dos cargos para os quais foram nomeados,
bem como da existência de indício de fraude à lei ou de nepotismo cruzado,
circunstâncias em que a nomeação de parente até mesmo para cargo político
mostra-se atentatória aos princípios que norteiam a atividade do administrador
público, dentre eles os da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, não é
possível nesta via processual. 2. In casu, o agravante alega que o suposto nepotismo
ocorreria pela realização de favores por uma autoridade em troca da nomeação de
parente seu por outra autoridade. Não há, contudo, indicação concreta de eventuais
favores realizados, tampouco a mínima comprovação de tal prática. 3. Agravo
interno desprovido"71.

Conforme as conclusões da I Jornada de Direito Administrativo,


promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
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Federal, um eventual processo seletivo para preenchimento de cargo de


confiança não se confunde com o concurso público destinado a
provimento de cargo efetivo:

Enunciado 23 – O art. 9º, II, c/c art. 10 da Lei n. 8.112 estabelece a nomeação de
servidor em comissão para cargos de confiança vagos. A existência de processo
seletivo por competências para escolha de servidor para cargos de confiança vagos
não equipara as regras deste processo seletivo às de concurso público, nem o regime
jurídico de servidor em comissão ao de servidor em caráter efetivo, quando se
tratar de cargo isolado de provimento efetivo ou de carreira.

Importante norma constitucional relativa aos servidores públicos refere-se


aos direitos de
sindicalização e de greve.

70
STF, Rcl 7590 /PR, rel. Min. Dias Toffoli, julg. 30/09/2014.
71
STF, Rcl 23131 AgR/SC, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18/04/2017.

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É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical


(art. 37, VI), tratando-se de norma constitucional de eficácia plena. Já o
direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei
específica (art. 37, VII).

Com vistas a esse dispositivo constitucional, o STF veio inicialmente


adotando o entendimento de que, por se tratar de norma de eficácia
limitada, o direito de greve no serviço público não poderia ser exercido
pelo servidor enquanto não fosse editada uma lei específica o
regulamentando. Ocorre que passados mais de vinte anos desde o
advento da Constituição, até hoje não há lei regulamentando o direito de
greve. Não obstante, inúmeras greves de servidores já ocorreram e muitas
certamente ainda irão ocorrer. A necessidade de lei específica relaciona-
se às peculiaridades do serviço público, haja vista o princípio da
continuidade, além de obstáculos referentes à obtenção de vantagem pela
via da negociação coletiva.

“Na realidade, não devem ser poucas as dificuldades que o legislador federal
enfrentará para regulamentar a greve do servidor público; não é especialmente por
se tratar de serviço público, cuja continuidade fica rompida com a paralisação; se
fosse essa a dificuldade, poderia ser contornada da mesma forma por que o foi nos
artigos 10 a 13 da Lei 7.783/89, que cuida dos serviços considerados essenciais (a
maior parte deles sendo serviços públicos) e estabelece normas que asseguram a
sua continuidade em períodos de greve. A dificuldade está no fato de que, tanto o
direito de sindicalização como o direito de greve, cuja importância para os
trabalhadores em geral diz respeito a assuntos relacionados com pretensões
salariais, não poderão ter esse alcance em relação aos servidores públicos, ressalva
feita aos das empresas estatais. Com esse objetivo, o exercício do direito de greve
poderá, quando muito, atuar como pressão sobre o Poder Público, mas não poderá
levar os servidores a negociações coletivas, com ou sem participação dos sindicatos,
com o fim de obter aumento de remuneração. (...) Não poderia o servidor de uma
categoria participar de negociação coletiva que lhe assegurasse vencimentos
superiores aos definidos em lei e que ainda contrariasse as normas do art. 37. Quer
dizer que o direito de greve, com a possibilidade de participar de negociação
coletiva, por meio de sindicato, dificilmente poderá alterar a remuneração ou
qualquer direito do servidor público que seja definido em lei. Mesmo que a União,
Estados e Municípios optem pelo regime da CLT para seus servidores, ele terá que
ser adotado com todas as derrogações previstas no artigo 37 e seguintes da
Constituição. O STF, na ADIN n. 492-1, do Distrito Federal, julgou
inconstitucionais as alíneas d e e do art. 240 da Lei 8112/90 (que instituiu o regime
único dos servidores da União), que versam sobre o direito dos servidores à
negociação coletiva e ao ajuizamento, na Justiça do Trabalho, de dissídios
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individuais e coletivos que envolvam as relações por ela regidas”.72

Ocorre que recentemente, “por meio de mandato de injunção, o STF removeu


o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornou viável o
exercício do direito consagrado no artigo 37, VII, da CF, admitindo a aplicação aos
servidores públicos da Lei 7.783/1989, que disciplina a matéria para os empregados
privados”73. De fato, conforme discutido no julgamento do MI 670/ES (DJ
de 31/10/2008), o Pretório Excelso avançou no seu entendimento anterior,
passando a admitir que, enquanto não sobrevier lei específica cuidando
da greve no serviço público, a aplicabilidade do art.37, VII, há de ser
garantida aplicando-se analogicamente a lei de greve da iniciativa privada.

Outra disposição constitucional refere-se à proibição de acumulação


remunerada, norma igualmente aplicável aos servidores estatutários e
empregados, alcançando inclusive os chamados servidores
governamentais das empresas estatais e até mesmo de outras

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empresas controladas indiretamente pelo Estado. De fato, reza o art.37,


XVI, da Lei Maior que é vedada a acumulação remunerada de cargos
públicos, exceto, a de dois cargos de professor, a de um cargo de
professor com outro técnico ou científico, ou, ainda, a de dois cargos ou
empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões
regulamentadas, desde que haja compatibilidade de horários.

Em seguida, no art. 37, XVII, a Carta Magna estabelece que esta proibição
de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias,
fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas
subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo
Poder Público.

“A EC n. 19/98, de reforma administrativa do Estado, alterando o art. 37, XVII, da


CF, que trata desses outros casos de inviabilidade de acumulação, ampliou as
vedações ali contidas, para alcançar também as subsidiárias das referidas
entidades, bem como as sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo
Poder Público. Significa dizer que, mesmo que a entidade não integre a
Administração Indireta, mas desde que seja subsidiária ou que sofra controle
direto ou indireto do Poder Público, vedada estará a acumulação remunerada de
funções ou empregos públicos. A vedação atinge, por conseguinte, a acumulação
remunerada de cargos, empregos e funções na Administração Direta e Indireta,
seja dentro de cada uma, seja entre os dois setores da Administração entre si. O
fundamento da proibição é impedir que o acúmulo de funções públicas faça com
que o servidor não execute qualquer delas com a necessária eficiência. Além disso,
porém, pode-se observar que o Constituinte quis também impedir a cumulação de
ganhos em detrimento da boa execução das tarefas públicas. Tantos são os casos de
acumulação indevida que a regra constitucional parece letra morta; quando se sabe
que o caos que reina nas Administrações sequer permite a identificação correta de
seus servidores, afigura-se como grotesca a proibição constitucional, pois que será
praticamente impossível respeitar o que se estabelece a respeito. Note-se que a
vedação se refere à acumulação remunerada. Em conseqüência, se a acumulação
só encerra a percepção de vencimentos por uma das fontes, não incide a regra
constitucional proibitiva”.74

Saliente-se que, conforme se posicionou o STF, tal proibição de


cumulação ocorre mesmo que se trate de proventos de inatividade,
alcançando, portanto, os servidores aposentados. Esse entendimento do
Pretório Excelso resultou no advento da EC 20/98, acrescentando o
§10 ao art. 37, tornando expressa a proibição de percepção simultânea de
proventos de aposentadoria pública com a remuneração de cargo,
emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma
da Constituição, resguardados os direitos dos aposentados que
eventualmente já vinham acumulando proventos com vencimentos de
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outro cargo efetivo.

A acumulação remunerada apenas é permitida, como dito, em três


hipóteses: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com
outro técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, desde que haja
compatibilidade de horários. Quanto a esta última hipótese, o STF decidiu,
recentemente, ser possível a acumulação de cargos mesmo que a jornada
semanal ultrapasse 60 horas, para profissionais da área de saúde 75. De
fato, a CF/88 só menciona a compatibilidade de horários, sem especificar
a quantidade de horas. Isso não obsta que o legislador edite norma
infraconstitucional delimitando a jornada máxima acumulada.

Desde a EC 19/98, a Carta Magna passou a prever um teto salarial para os


servidores públicos. Com o advento da EC 41/2003, esse teto passou a ser
o subsídio mensal fixado

74
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
75
STF, RE 1176440/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julg. 09/04/2019.

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para os Ministros do STF (CF, art. 37, XI), vinculando os servidores


públicos detentores de cargos, empregos, funções públicas e agentes
políticos membros de Poder. Esse teto salarial aplica-se inclusive os
empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista, e
suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de
pessoal ou de custeio em geral (CF, art. 37, §9º).

O valor do subsídio dos Ministros do STF (pagamento em parcela única)


é fixado por lei (art. 48, XV). Tal lei antes dependia da iniciativa conjunta
dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do
Supremo Tribunal Federal, o que dificilmente viria a ocorrer. Todavia, a EC
41/2003 alterou o dispositivo constitucional, de forma a não mais exigir tal
iniciativa conjunta. A iniciativa, então, passou a seguir a regra geral do
art.96, II, b, da Carta, ou seja, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a
iniciativa da lei de subsídios de seus ministros, o que já foi feito.

O subsídio mensal de ministro do STF é o teto geral nacional, de modo


que nenhum servidor público no Brasil poderá receber remuneração
acima desse teto. Além disso, a Constituição prevê tetos específicos
(subtetos) para os Estados, DF e Municípios.

No caso dos Estados e do DF, cada Poder terá seu teto: no Executivo, o
subsídio mensal do Governador; no Legislativo: o subsídio dos
deputados estaduais ou distritais; para o Judiciário, Ministério Público,
Procuradores e Defensores Públicos, o teto é o subsídio dos
desembargadores. Em relação a este subsídio, o STF declarou
inconstitucional o limite de 90,25% do teto nacional, considerando o
caráter nacional e unitário do Poder Judiciário76. Portanto, o teto para os
juízes e desembargadores estaduais é o mesmo teto da magistratura da
União, isto é, o subsídio de ministro do STF.

No Poder Executivo estadual, como dito, o teto é o subsídio mensal do


Governador. Todavia, o art. 37, §12 da CF/88 faculta que os Estados e o
DF (mediante emenda às respectivas Constituições e Lei Orgânica) fixem
como teto remuneratório para o Poder Executivo o mesmo teto do Poder
Judiciário, qual seja o subsídio dos seus desembargadores.

Nos Municípios, em regra o teto é o subsídio do prefeito, tanto para os


servidores do Executivo quanto do Legislativo municipal. Ressalve-se,
porém, que o STF decidiu que o teto remuneratório dos ocupantes de
cargos efetivos de procuradores municipais é o subsídio de
desembargador do Tribunal de Justiça, considerando que o termo
“procuradores”, constante no inciso XI do art. 37 da CF/88, abarca
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inclusive os procuradores municipais, cujo teto remuneratório, assim,


deve respeitar o referido limite de 90,25% do subsídio dos ministros do
STF77.

No teto salarial, somente são contabilizadas as verbas salariais, incluindo


as gratificações pessoais. Porém não entram verbas de natureza
indenizatória, tais como ajudas de custo.

Ainda nos termos do inciso XI do art. 37, o teto alcança as percepções


cumulativas nos casos em que a Constituição Federal admite a
acumulação remunerada de cargos públicos (art. 37, XVI). Contudo, a
interpretação desse dispositivo constitucional sempre foi passível de
discussão, pois se o agente público desempenha o seu trabalho nos
cargos licitamente acumulados, cumprindo de forma regular a carga
horária de cada um deles, não seria justo

76 STF, ADI 3854 MC, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 28/06/2007.


77
STF, RE 663696/MG, rel. Min. Luiz Fux, julg. 28/02/2019.

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deixar de receber os proventos integrais pelo seu efetivo trabalho. Por


isso, enquanto alguns entendiam que o teto haveria de ser aplicado como
limitador da soma dos vencimentos dos cargos acumulados, outros
insistiam que o respeito ao teto haveria de incidir sobre o provento de
cada cargo isoladamente e não sobre a soma deles. Prevaleceu o segundo
entendimento, consoante recente posição que veio a ser adotada pelo STF
e foi noticiada pela imprensa:

"Por decisão majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou


provimento a dois Recursos Extraordinários (REs 602043 e 612975) em que o
Estado do Mato Grosso questionava decisões do Tribunal de Justiça local (TJ-MT)
contrárias à aplicação do teto na remuneração acumulada de dois cargos públicos
exercidos pelo mesmo servidor. Os ministros entenderam que deve ser aplicado o
teto remuneratório constitucional de forma isolada para cada cargo público
acumulado, nas formas autorizadas pela Constituição. O tema debatido nos
recursos teve repercussão geral reconhecida. O Plenário aprovou a seguinte tese
para efeito de repercussão geral, sugerida pelo relator da matéria, ministro Marco
Aurélio: “Nos casos autorizados, constitucionalmente, de acumulação de cargos,
empregos e funções, a incidência do artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal,
pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a
observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente
público”. (...) O relator considerou inconstitucional a interpretação segundo a
qual o texto da EC 41/2003 abrange também situações jurídicas em que a
acumulação é legítima, porque prevista na própria Constituição Federal. Para o
ministro, pensar o contrário seria o mesmo que “o Estado dar com uma das mãos
e retirar com a outra”. De acordo com o relator, o entendimento da Corte sobre a
matéria “não derruba o teto”. Ele considerou que o teto remuneratório continua a
proteger a Administração Pública, “só que tomado de uma forma sistemática e,
portanto, não incompatível com um ditame constitucional que viabiliza a
cumulação de cargos”. Entre os argumentos levantados, os ministros consideraram
que a hipótese apresentaria violação à irredutibilidade de vencimentos, desrespeito
ao princípio da estabilidade, desvalorização do valor do trabalho e ferimento ao
princípio da igualdade. Acompanharam esse entendimento os ministros Alexandre
de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e a presidente do STF, ministra
Cármen Lúcia"78.

Vejamos o teor de mais alguns julgados do STF a respeito do teto salarial:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TETO DE RETRIBUIÇÃO.


EMENDA CONSTITUCIONAL 41/03. EFICÁCIA IMEDIATA DOS LIMITES
MÁXIMOS NELA FIXADOS. EXCESSOS. PERCEPÇÃO NÃO RESPALDADA
PELA GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE. 1. O teto de retribuição
estabelecido pela Emenda Constitucional 41/03 possui eficácia imediata,
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submetendo às referências de valor máximo nele discriminadas todas as verbas de


natureza remuneratória percebidas pelos servidores públicos da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, ainda que adquiridas de acordo com regime legal
anterior. 2. A observância da norma de teto de retribuição representa verdadeira
condição de legitimidade para o pagamento das remunerações no serviço público.
Os valores que ultrapassam os limites pré-estabelecidos para cada nível federativo
na Constituição Federal constituem excesso cujo pagamento não pode ser
reclamado com amparo na garantia da irredutibilidade de vencimentos. 3. A
incidência da garantia constitucional da irredutibilidade exige a presença
cumulativa de pelo menos dois requisitos: (a) que o padrão remuneratório nominal
tenha sido obtido conforme o direito, e não de maneira ilícita, ainda que por
equívoco da Administração Pública; e (b) que o padrão remuneratório nominal
esteja compreendido dentro do limite máximo pré-definido pela Constituição
Federal. O pagamento de remunerações superiores aos tetos de

78
Teto constitucional incide em cada cargo nos casos em que é permitida
a acumulação, decide STF. Notícias STF, de 27/04/2017. Disponível no site
do STF.

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retribuição de cada um dos níveis federativos traduz exemplo de violação


qualificada do texto constitucional. 4. Recurso extraordinário provido" 79.

"(...) SERVIDORES PÚBLICOS. REMUNERAÇÃO. INCIDÊNCIA DO TETO


DE RETRIBUIÇÃO. VANTAGENS PESSOAIS. VALORES PERCEBIDOS
ANTES DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003.
INCLUSÃO. ART. 37, XI e XV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. Computam-se para efeito de observância do teto remuneratório do art. 37, XI,
da Constituição da República também os valores percebidos anteriormente à
vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo
servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso de boa-
fé até o dia 18 de novembro de 2015. 2. O âmbito de incidência da garantia de
irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV, da Lei Maior) não alcança valores
excedentes do limite definido no art. 37, XI, da Constituição da República. 3.
Traduz afronta direta ao art. 37, XI e XV, da Constituição da República a exclusão,
da base de incidência do teto remuneratório, de valores percebidos, ainda que antes
do advento da Emenda Constitucional nº 41/2003, a título de vantagens pessoais. 4.
Recurso extraordinário conhecido e provido"80.

Outra regra constitucional aplicável aos servidores públicos em geral diz


respeito às sanções por improbidade administrativa. Segundo o art. 37,
§4º, da Lei Maior, os atos de improbidade administrativa importarão a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. E o §5º do
mesmo artigo considera imprescritíveis as ações de ressarcimento contra
os agentes públicos que tenham praticado ato ilícito em prejuízo ao erário.

Por derradeiro, no tocante ao exame jurisdicional de litígios envolvendo a


relação entre os agentes públicos e o Estado, a competência judicial
dependerá do tipo de regime a que estejam submetidos. Se a lide decorrer
de contrato de trabalho nos moldes da CLT (detentores de emprego
público, empregados governamentais e empregados temporários), a
competência será da Justiça do Trabalho, na forma do art. 114 da CF/88.
Já se o regime for o estatutário ou de contrato administrativo (detentores
de cargos efetivos, cargos em comissão ou cargos temporários), a
competência será da Justiça Comum, Estadual ou Federal a depender do
caso. Justiça Federal se for servidor federal. Justiça Estadual se for
servidor estadual ou municipal.

“Os litígios referentes à greve de servidores estatutários devem ser resolvidos pela
Justiça Comum (estadual ou federal). Segundo o STF, se a paralisação for de
âmbito nacional ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou ainda,
compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de
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greve será do Superior Tribunal de Justiça. Ainda no âmbito federal, se a


controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal, a competência
será dos Tribunais Regionais Federais. Para o caso da jurisdição no contexto
estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da
federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça. As greves de
âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal
Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de
greve de servidores municipais, estaduais ou federais (MI 670/ES e MI 708/DF, DJ
31/12/2008)”.81

Existem outras normas constitucionais tratando dos servidores públicos,


mas que somente se aplicam aos estatutários. Estas serão vistas no
tópico a seguir.

79
STF, RE 609381 /GO, rel. Min. Teori Zavascki, julg. 02/10/2014.
80
STF, RE 606358 /SP, rel. Min. Rosa Weber, julg. 18/11/2015.
81 PRADO, Leandro C.; TEIXEIRA, Patrícia Carla de Farias. 1001 questões

comentadas de Direito Administrativo. São Paulo: Método.

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6) ASPECTOS GERAIS DO REGIME ESTATUTÁRIO DOS SERVIDORES


PÚBLICOS CIVIS DA UNIÃO, AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES FEDERAIS DE
DIREITO PÚBLICO (LEI 8.112/90)

A Lei 8.112/90 dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos


civis da União, das Autarquias, inclusive as de regime especial, e das
fundações federais, com personalidade de direito público.

Como já se mencionou, o servidor público estatutário está legalmente


investido em um cargo público (art. 2o).

Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas


na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor (art.
3o). Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por
lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos,
para provimento em caráter efetivo ou em comissão (art. 3º, p. único).

Ao mencionar que os cargos são acessíveis a todos os brasileiros, estão


incluídos nesta regra tanto os brasileiros natos quanto os naturalizados
(CF/88, art. 12, II e §2º).

No tocante a estrangeiros residentes no Brasil, mas que ainda não tenham


feito a opção de naturalidade brasileira, o art. 37, I, da CF/88 (com a
redação dada pela EC 19/98) passou a admitir o acesso a cargos públicos,
desde que na forma da lei, o que significa que será necessário haver lei
estabelecendo a possibilidade de determinado cargo público ser investido
por estrangeiro. Cite-se, por exemplo, a Lei 9.515/97, que, com base no art.
207 da CF/88 e acrescentando novo dispositivo à Lei 8.112/90 (§3º do art.
5º), passou a prever que universidades e instituições de pesquisa
científicas e tecnológicas federais possam prover seus cargos com
professores, técnicos e cientistas estrangeiros, os quais até então
somente podiam ser contratados temporariamente (CF/88, art. 207). Não
havendo lei, contudo, a regra é a de que o estrangeiro não pode ser
provido no cargo.

É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos em


lei (art. 4o).

Dentre as peculiaridades do regime estatutário dos servidores públicos,


previstas na Constituição Federal e na referida legislação, destacam-se as
formas de provimento dos cargos, a estabilidade dos servidores, além de
outras vantagens, e as formas de desprovimento e vacância dos cargos.

Investidura é o ato jurídico, em virtude do qual se dá posse à pessoa para


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desempenho de cargo ou função para o qual foi nomeado.

A investidura, portanto, consubstancia um procedimento complexo que


envolve o
provimento e, se tal se der por nomeação, a posse no cargo público.

Veremos mais à frente que o provimento pode ocorrer por sete formas:
nomeação, promoção, readaptação, reversão, aproveitamento,
reintegração e recondução.

Mas “só haverá posse nos casos de provimento de cargo por nomeação”
(art.13, §4º).

Significa dizer, que o servidor que vem a ser nomeado para um cargo, só
estará nele completamente investido após tomar posse (art. 7o). A posse
deverá ocorrer no prazo de

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30 (trinta) dias contados da publicação do ato de provimento (nomeação),


caso contrário será tornado sem efeito (art.13, §§1º e 6º).

Além de tomar posse, o servidor deve entrar em exercício, iniciando o


efetivo desempenho das atribuições do cargo público ou da função de
confiança (art.15), no prazo de 15 (quinze) dias após a data da posse, caso
contrário será exonerado do cargo ou será tornado sem efeito o ato de
sua designação para função de confiança (art.15, §§1º e 2º).

6.1) PROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO

Provimento “é o fato administrativo que traduz o preenchimento de um cargo


público”, “consubstanciado através de um ato administrativo de caráter funcional:
são os atos de provimento”.82 É através do provimento que um servidor vem a
ocupar um cargo público; a lei cria o “lugar” e o servidor o “preenche”.

O provimento poderá ser originário ou derivado.

No provimento originário, também chamado de autônomo, “o


preenchimento do cargo dá início a uma relação estatutária nova, seja porque o
titular não pertencia ao serviço público anteriormente, seja porque pertencia a
quadro funcional regido por estatuto diverso do que rege o cargo agora provido.
Exemplo: é provimento originário aquele em que o servidor, vindo de empresa da
iniciativa privada, é nomeado para cargo público após aprovação em concurso.
Também é provimento originário a hipótese em que um detetive, sujeito a estatuto
dos policiais, é nomeado, após concurso, para o cargo de Defensor Público, sujeito
a estatuto diverso”.83

No provimento derivado, “o cargo é preenchido por alguém que já tenha vínculo


anterior com outro cargo, sujeito ao mesmo estatuto. Se, por exemplo, o servidor é
titular do cargo de Assistente nível A e, por promoção, passa a ocupar o cargo de
Assistente nível B, o provimento é derivado”. 84

Atualmente são formas de provimento de cargo público, segundo o art. 8o


da Lei 8.112/90 (já alterado pela Lei 9.527/97)85, a nomeação, a promoção,
a readaptação, a reversão, o aproveitamento, a reintegração e a
recondução. Destas, somente a nomeação é forma de provimento
originário. As demais são formas de provimento derivado.

A Lei 9.527/97 revogou os incisos III e IV do art. 8º, acabando com os


antigos institutos da ascensão e da transferência, eis que o STF somente
as admitia se o servidor fosse aprovado em concurso público 86, situação
que, portanto, se caracterizaria sempre como nomeação (provimento
originário).
43
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

“ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ASCENSAO OU ACESSO,


TRANSFERENCIA E APROVEITAMENTO NO TOCANTE A CARGOS OU
EMPREGOS PUBLICOS. - O CRITERIO DO MERITO AFERIVEL POR
CONCURSO PUBLICO DE PROVAS OU DE PROVAS E TITULOS E, NO
ATUAL SISTEMA CONSTITUCIONAL, RESSALVADOS OS CARGOS EM
COMISSAO DECLARADOS EM LEI DE LIVRE NOMEACAO E
EXONERACAO, INDISPENSAVEL PARA CARGO OU EMPREGO PUBLICO
ISOLADO OU EM CARREIRA. PARA O ISOLADO, EM QUALQUER
HIPOTESE; PARA O EM CARREIRA, PARA O INGRESSO NELA, QUE SO SE
FARA NA CLASSE INICIAL E PELO CONCURSO PUBLICO DE PROVAS OU
DE PROVAS TITULOS, NAO O SENDO, POREM, PARA OS CARGOS
SUBSEQUENTES QUE NELA SE ESCALONAM ATE O FINAL DELA, POIS,
PARA ESTES, A INVESTIDURA SE FARA PELA FORMA DE PROVIMENTO
QUE E A

82
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual
de direito administrativo. São Paulo: Atlas. 83
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
direito administrativo. São Paulo: Atlas. 84
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
direito administrativo. São Paulo: Atlas. 85 A Lei
9.527/97 extinguiu as figuras da “transferência” e
da “ascensão”.
86
Vide ADI 231, rel. Min. Moreira Alves e MS 22148, rel. Min. Carlos Veloso.

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"PROMOCAO". ESTAO, POIS, BANIDAS DAS FORMAS DE INVESTIDURA


ADMITIDAS PELA CONSTITUICAO A ASCENSAO E A TRANSFERENCIA,
QUE SAO FORMAS DE INGRESSO EM CARREIRA DIVERSA DAQUELA
PARA A QUAL O SERVIDOR PUBLICO INGRESSOU POR CONCURSO, E
QUE NAO SAO, POR ISSO MESMO, INSITAS AO SISTEMA DE
PROVIMENTO EM CARREIRA, AO CONTRARIO DO QUE SUCEDE COM A
PROMOCAO, SEM A QUAL OBVIAMENTE NAO HAVERA CARREIRA,
MAS, SIM, UMA SUCESSAO ASCENDENTE DE CARGOS ISOLADOS. - O
INCISO II DO ARTIGO 37 DA CONSTITUICAO FEDERAL TAMBEM NAO
PERMITE O "APROVEITAMENTO", UMA VEZ QUE, NESSE CASO, HA
IGUALMENTE O INGRESSO EM OUTRA CARREIRA SEM O CONCURSO
EXIGIDO PELO MENCIONADO DISPOSITIVO. ACAO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE QUE SE JULGA PROCEDENTE PARA
DECLARAR INCONSTITUCIONAIS OS ARTIGOS 77 E 80 DO ATO DAS
DISPOSICOES CONSTITUCIONAIS TRANSITORIAS DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO”.87

Vejamos cada uma destas formas de provimento, segundo a melhor


doutrina:

Nomeação “é o ato administrativo que materializa o provimento originário. Em


se tratando de cargo vitalício ou efetivo, a nomeação deve ser precedida de
aprovação prévia em concurso público.
Se se tratar de cargo em comissão, é dispensável o concurso”. 88

“O provimento autônomo ou originário é aquele em que alguém é preposto no cargo


independentemente do fato de ter, não ter, haver ou não tido algum vínculo com
cargo público. Vale dizer, o provimento não guarda qualquer relação com a
anterior situação do provido. Por isto se diz autônomo ou, então, originário. A
única forma de provimento originário é a nomeação, a qual se define, pois, como o
provimento autônomo de um servidor em cargo público. O provimento por
nomeação é de alçada do Chefe do Poder Executivo, para os cargos da
Administração Central, e se faz por decreto (art.84, XXV, da Constituição
Federal). Entretanto, tal competência é delegável aos Ministros (parágrafo único
do mesmo artigo). Nesta hipótese será por eles efetuada mediante portaria. Há
alguns cargos estranhos ao Executivo que, por expressa previsão constitucional,
também são providos pelo Chefe do Executivo. Isto sucede com cargos de
Magistrados de Tribunais e de Ministros (Conselheiros) do Tribunal de Contas. Já,
os cargos de juiz singular e dos serviços auxiliares do Judiciário são providos pelos
Presidentes dos Tribunais a cuja órbita estejam afetos (art.96, I, „c‟ e „e‟). Os
cargos dos serviços auxiliares da Câmara ou do Senado são providos pelos
Presidentes da Câmara ou do Senado, conforme se liguem a uma ou outra destas
Casas (arts.51, IV, e 52, XIII).89

45
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Por se tratar de forma originária de provimento, a nomeação por si só não


instaura a relação funcional do Estado com o servidor nomeado. Para que
a investidura se complete, como dito, é preciso que o servidor nomeado
tome posse, no prazo de trinta dias. Em seguida, deverá entrar em
exercício no prazo de quinze dias.

Ao tomar posse, o servidor nomeado declara aceitar o cargo e se


compromete a bem desempenhá-lo, assinando o respectivo termo, no
qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e
os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados
unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício
previstos em lei (art. 13). A posse poderá dar-se mediante procuração
específica (§3º). No ato da posse, o servidor apresentará declaração de
bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao
exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública (§5º).

O servidor entra em exercício quando dá início ao efetivo desempenho


das atividades inerentes ao cargo provido.

87
ADI 231/RJ, rel. Min. Moreira Alves, julg. 05/08/1992, DJ de 13/11/92.
88
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
89 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.

São Paulo: Malheiros.

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Portanto, o regular provimento originário de um cargo público pressupõe


um procedimento complexo de investidura (nomeação + posse), seguido
da entrada em exercício pelo servidor nomeado e empossado.

“Não basta a nomeação para que se aperfeiçoe a relação entre o Estado e o


nomeado. Cumpre que este tome posse, que é o ato de aceitação do cargo e um
compromisso de bem-servir e deve ser precedida por inspeção médica. Com a posse
ocorre a chamada „investidura‟ do servidor, que é o travamento da relação
funcional. O servidor deve tomar posse em 30 dias contados da publicação do ato
de provimento, sob pena de sua nomeação caducar, isto é, perder o efeito (art.13 e
§6º da Lei 8112). Depois da posse, dispõe de 15 dias para entrar em exercício, isto é,
para colocar-se à disposição da repartição em que vai desempenhar suas funções,
findos os quais, se omitir-se em fazê- lo, será exonerado (art.15 e parágrafos da lei
citada)”.90

Promoção é a forma de provimento derivado “pela qual o servidor sai de seu


cargo e ingressa em outro situado em classe mais elevada. É a forma mais comum
de progressão funcional”.91 A promoção poderá ser por antigüidade ou por
merecimento, conforme dispuser a lei.

“O provimento derivado diz-se por promoção quando ocorre a mudança do


servidor público de um para outro cargo da mesma natureza de trabalho com
elevação de função e de vencimento. Conforme a legislação, essa espécie de
provimento pode-se dar alternadamente, por merecimento ou por antigüidade, a
cada período de tempo, desde que haja vaga. Com a promoção as atividades do
servidor passam a ser de maior complexidade e responsabilidade e ensejam maior
remuneração”.92

Necessário salientar que a promoção pressupõe a sucessão de classes


de cargos dentro da mesma carreira (derivação horizontal). A Lei 9.527/97
acabou com a figura da ascensão ou acesso na esfera federal, que era
uma espécie de promoção em que a progressão se dava entre carreiras
diversas (derivação vertical), o que foi considerado inconstitucional pelo
STF93. Sobre o tema escreve Lúcia Valle Figueiredo:

“A promoção pode se dar por derivação horizontal ou vertical. Na derivação


vertical tem-se a figura da ascensão, assim definida por Celso Antônio: „Ascensão
(...) é a forma de provimento derivado consistente na elevação do titular de cargo
alocado na classe final de uma dada carreira (série de classes) para cargo da classe
inicial de outra carreira, predefinida legalmente como complementar da anterior‟.
Segue-se que a ascensão, disposta no art.8o da Lei 8112/90, era o antigo acesso,
também chamado de progressão vertical (ocorre que o inciso correspondente foi
revogado pela Lei 9527, de 10.12.1997), após a declaração de inconstitucionalidade
47
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pela Suprema Corte”.94

Readaptação é a forma de provimento derivado “pela qual o servidor passa a


ocupar cargo diverso do que ocupava, tendo em vista a necessidade de
compatibilizar o exercício da função pública com a limitação sofrida em sua
capacidade física ou psíquica”.95

A Constituição Federal, em seu art. 37, §13, estabelece que o servidor


público titular de cargo efetivo poderá ser readaptado para exercício de
cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a
limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, enquanto
permanecer nesta condição, desde que possua a

90 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.


São Paulo: Malheiros.
91
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
92
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
93 Vide ADIN 245, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13/08/1992.
94
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
95 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.

São Paulo: Atlas.

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habilitação e o nível de escolaridade exigidos para o cargo de destino,


mantida a remuneração do cargo de origem.

Conforme o art. 24 da Lei 8.112/90, a investidura do servidor por


readaptação deve ocorrer em cargo de atribuições e responsabilidades
compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física
ou mental verificada em inspeção médica. Se julgado incapaz para o
serviço público, o readaptando será aposentado (§1º). A readaptação será
efetivada em cargo de atribuições afins, respeitada a habilitação exigida,
nível de escolaridade e equivalência de vencimentos e, na hipótese de
inexistência de cargo vago, o servidor exercerá suas atribuições como
excedente, até a ocorrência de vaga (§2º).

“A readaptação pode ocorrer quando o servidor for acometido de determinada


doença que não o inabilita para o serviço público, mas que o impede de continuar
exercendo as funções de seu cargo. Constatando-se esse fato, o servidor deve ser
posicionado em outro cargo do mesmo nível de escolaridade no qual a sua
deficiência não lhe impeça exercer as respectivas funções. A avaliação, nesse caso,
é de competência do serviço médico oficial. Esse órgão é que indica que tipo de
função o servidor pode desempenhar sem sacrifício de sua saúde. Essa modalidade
de investidura ocorre muito entre os professores. Estes profissionais, com o tempo,
em razão da atividade em sala de aulas, podem ter as cordas vocais danificadas,
chegando, em alguns casos, à rouquidão ou à perda da voz. A readaptação depende
de lei específica reguladora do procedimento. O servidor, quando for o caso, será
readaptado para cargo de mesmo grau de escolaridade. Laudo médico oficial é
indispensável à readaptação”.96

“Diz-se provimento por readaptação quando o servidor é provido em outro cargo


cujo exercício é mais compatível com sua superveniente limitação física
(provimento do cargo de vigilante escolar com servidor ocupante de cargo de
motorista, que perdeu um dos braços em acidente), conforme já decidiu o STF
(RDA, 128:145). É provimento horizontal, pois o servidor não ascende nem é
rebaixado. Faz-se essa espécie de provimento sem concurso, dada a finalidade do
provimento. Se assim não for entendido e for obrigatório o concurso público, essa
finalidade poderá não ser alcançada, pois a vaga, eventualmente, será ocupada por
alguém que não o readaptando, aprovado no concurso público”. 97

Reversão é o provimento derivado decorrente de reingresso do servidor


inativo no serviço público, o que, conforme o art. 25 da Lei 8.112/9098, pode
ocorrer em duas hipóteses:
I) restabelecimento do servidor aposentado por invalidez, quando junta
médica oficial declarar insubsistentes os motivos da aposentadoria; II) no
interesse da administração, desde que o servidor tenha solicitado a
reversão, a aposentadoria tenha sido voluntária, o servidor tenha sido
49
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estável quando na atividade, a aposentadoria tenha ocorrido nos cinco


anos anteriores à solicitação e haja cargo vago. A reversão far-se-á no
mesmo cargo ou no cargo resultante de sua transformação (§1º). O tempo
em que o servidor estiver em exercício será considerado para concessão
da aposentadoria (§2º). No caso de restabelecimento de servidor
aposentado por invalidez, encontrando-se provido o cargo, o servidor
exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga (§3º).
O servidor que retornar à atividade por interesse da administração
perceberá, em substituição aos proventos da aposentadoria, a
remuneração do cargo que voltar a exercer, inclusive com as vantagens
de natureza pessoal que percebia anteriormente à aposentadoria (§4º).
Não poderá reverter o aposentado que já tiver completado 70 (setenta)
anos de idade (Lei 8.112/90, art. 27).

96 FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo. Belo


Horizonte: Del Rey.
97
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
98 Com redação dada pela MP 2225-45/2001 e posteriores.

50
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“Reversão é o reingresso do aposentado no serviço ativo, ex officio ou „a pedido‟,


por não mais subsistirem, ou não mais subsistirem, as razões que lhe determinaram
a aposentação; ou seja, por ter sido erroneamente decidida ou porque, em inspeção
médica, apurou-se a ulterior superação das razões de saúde que a estribavam. Na
legislação federal é admitida a reversão, seja quando junta médica oficial declarou
insubsistentes os motivos da aposentadoria por invalidez, seja no interesse da
Administração, desde (a) o aposentado tenha solicitado a reversão, (b) sua
aposentadoria haja sido voluntária, (c) se trate de servidor que era estável, (e) a
aposentadoria tenha ocorrido nos cinco anos anteriores ao pedido de reversão”. 99

“O servidor público aposentado pode voltar ao serviço público quando assim o


solicitar, ou quando determinado o retorno pela entidade a que se ligava, dado que
insubsistentes (decisão viciada) os motivos da aposentação ou por não mais
subsistirem (os motivos desapareceram) os motivos determinantes de sua
aposentadoria. É a reversão. Na primeira hipótese, ou seja, mediante solicitação,
costuma-se dizer que a reversão é a pedido. Enquanto não atingir a idade-limite da
aposentadoria compulsória, o servidor pode solicitar a reversão, cabendo à
entidade requerida, tomadas as cautelas de estilo (exame médico, existência de
vaga), deferir ou não o pedido. Na segunda hipótese, isto é, quando determinada
pela Administração Pública, diz-se ex officio. As razões dessa manifestação da
entidade que aposentara o servidor são a insubsistência dos motivos da aposentação
e a ilegalidade da concessão. Os Estatutos regulam a reversão, e alguns só a
permitem até uma certa idade, se houver laudo médico favorável. A reversão, em
princípio, far-se-á no mesmo cargo, mas, se for impossível, em outro de atribuições
e vencimentos semelhantes. Conforme já decidiu o Tribunal de Justiça de São
Paulo (RDA, 121:228), a reversão é ato discricionário da entidade pública a que se
vinculava o servidor. Embora decidido dessa forma, não cremos que a
Administração Pública possa optar ou não pela reversão quando presentes os
motivos que lhe dão ensejo. A reversão é sempre obrigatória em tais casos, sob pena
de responsabilidade, já que não seria jurídico, nem justo e lógico, que alguém
desfrutasse de uma situação a que não tem direito (o aposentado está curado, a
aposentadoria foi concedida ilegalmente). Por essas razões não se pode submeter o
servidor sujeito à reversão, a concurso público, pois outro candidato poderá vencer
esse certame, salvo nos casos de reversão a pedido. Nessa hipótese, se o servidor
interessado na reversão não for aprovado e classificado no concurso, continuará na
situação de aposentado. Não cabe reversão quando a aposentadoria deveu-se ao
tempo de serviço ou à idade”.100

Aproveitamento é o provimento derivado decorrente de reingresso do


servidor que estava em disponibilidade remunerada.

51
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“Disponibilidade é procedimento jurídico-administrativo adotado pela


Administração Pública por ocasião de reforma ou reorganização estrutural de
órgão ou entidade pública que implica a redução de cargos e, conseqüentemente,
de servidores. Nesses casos, os servidores excedentes são, por ato da autoridade
competente, postos em disponibilidade com direito a vencimentos proporcionais ao
tempo de serviço (EC n.19/98). A qualquer tempo, no interesse do serviço, o
servidor em disponibilidade pode ser convocado para retornar às atividades
próprias do cargo de que era detentor antes do afastamento”. 101

Assim, o art. 41, §3º, da Carta Magna estabelece que, uma vez extinto o
cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em
disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até
seu adequado aproveitamento em outro cargo.

99
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

52
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Da mesma forma, dispõe o art. 30 da Lei 8.112/90 que o retorno à atividade


de servidor em disponibilidade far-se-á mediante aproveitamento
obrigatório em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis com o
anteriormente ocupado. Será tornado sem efeito o aproveitamento e
cassada a disponibilidade se o servidor não entrar em exercício no prazo
legal, salvo doença comprovada por junta médica oficial (art. 32).

Ou seja, o aproveitamento “significa o retorno do servidor a determinado cargo,


tendo em vista que o cargo que ocupava foi extinto ou declarado desnecessário.
Enquanto não se dá o aproveitamento, o servidor permanece em situação
transitória denominada de disponibilidade remunerada. A disponibilidade reclama
que a Administração providencie o adequado aproveitamento do servidor,
evitando-se que fique indefinidamente percebendo remuneração sem exercer
qualquer função pública. A exigência emana do art. 41, §3º, da CF”. 102

“O servidor público estável, e somente ele, pode ser colocado em disponibilidade, nos
termos dos
§§2º e 3º do art. 41 da Constituição Federal. Finda a disponibilidade, o servidor
público estável retorna ao serviço na entidade que o colocara nessa situação de
inatividade. É o aproveitamento. Os Estatutos regulam essa forma de provimento
derivado. O aproveitamento, sempre que se apresentar essa oportunidade, é
obrigatório. Não é, pois, faculdade para a Administração Pública nem pode ser
contestado pelo aproveitando, que deve tomar posse e entrar no exercício do cargo
nos prazos legais, sob pena de ser tornado sem efeito o aproveitamento e cassada a
disponibilidade (art. 38, §5º, do Estatuto paulista). O aproveitamento dar-se-á,
quando possível, no mesmo cargo; caso contrário, em outro que lhe corresponda
em termos de atribuições e vencimentos. À falta de lei disciplinando essa forma de
provimento, não pode o servidor em disponibilidade exigir seu aproveitamento,
conforme Súmula 39 do STF”.103

Reintegração é o provimento derivado por reingresso de servidor que


tenha sido indevidamente demitido do serviço público. Reza o art. 41, §2º,
da Lei Maior que, invalidada por sentença judicial a demissão do servidor
estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável,
reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado
em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração
proporcional ao tempo de serviço. No âmbito federal, dispõe o art. 28 da
Lei 8.112/90 que a reintegração é a reinvestidura do servidor estável no
cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua
transformação, quando invalidada a sua demissão por decisão
53
102
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
103
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens.


Observe-se que o Estatuto Federal faz referência também a decisão
administrativa de reintegração (alguns Estatutos estaduais somente
prevêem a reintegração por decisão judicial, o que, todavia, não deve
obstar a reintegração pela própria Administração, haja vista o princípio da
autotutela).

Na hipótese de o cargo ter sido extinto, o servidor ficará em


disponibilidade, até posterior aproveitamento (art. 28, §1º). Encontrando-
se provido o cargo, o seu eventual ocupante será reconduzido ao cargo
de origem, sem direito à indenização ou aproveitado em outro cargo, ou,
ainda, posto em disponibilidade (§2º).

“Reintegração é o retorno de servidor ilegalmente desligado de seu cargo ao mesmo,


que dantes ocupava, ou, não sendo possível, ao seu sucedâneo ou equivalente, com
integral reparação dos

54
102
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
103
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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prejuízos que lhe advieram do ato jurídico que o atingira. Tal reconhecimento
tanto pode vir de decisão administrativa como judicial. No Estado de São Paulo só
pode provir de decisão judicial”.104

“Dá-se a reintegração do servidor ao cargo que antes ocupava porque fora


desvinculado ilegalmente. Nesse hipótese, o retorno faz-se com a plena restauração
dos direitos violados (volta para o mesmo cargo, com todas as vantagens) e com o
integral ressarcimento dos prejuízos sofridos (recebe todos os vencimentos, com
juros e correção monetária), não obstante decisão em contrário do STF (RDA,
127:377) no que concerne à correção. A reintegração pode ser judicial (decorre de
decisão do Poder Judiciário em ação de anulação de ato jurídico cumulada com
reintegração do servidor) ou administrativa (deriva de decisão da entidade a que se
ligava o servidor), conforme prevê o art. 28 do Estatuto federal. O Estatuto paulista
não prevê a reintegração administrativa. Isso, cremos, é de nenhuma importância,
visto que, pelo princípio da autotutela, a Administração Pública direta, a
autárquica e a fundacional pública podem rever seus atos. Para essa finalidade é
irrelevante argumentar em sentido contrário, com o disposto no §2º do art. 41 da
Constituição Federal (...), porque aí só se prevê a invalidação da demissão por via
judicial. Essa expressa modalidade de reintegração não elimina a outra; ambas
convivem. Se o cargo foi extinto e não houver interesse no seu restabelecimento, o
servidor reintegrado será posto em disponibilidade, com proventos proporcionais,
se não puder ser aproveitado em cargo equivalente. Se o cargo foi transformado, a
reintegração dar-se-á nesse cargo. Dada a finalidade da reintegração, sua
utilização é incompatível com o concurso público. Não se pode, assim, submeter o
reintegrando a concurso público, que, no caso, é absolutamente dispensável”. 105

Recondução é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente


ocupado e decorrerá de duas hipóteses: I) inabilitação em estágio
probatório relativo a outro cargo;
II) reintegração do anterior ocupante (art. 29 da Lei 8.112). Encontrando-se
provido o cargo de origem, o servidor será aproveitado em outro de
atribuições e vencimentos compatíveis com o anteriormente ocupado.

“O servidor estável retornará ao cargo que ocupava quando foi desprovido do cargo
que ocupa devido à reintegração do seu então titular. É a recondução. Para essa
espécie de provimento é desnecessário o concurso público. Não ocorre a
recondução quando o servidor é inabilitado no estágio probatório que cumpria em
razão da nomeação em outro cargo, dado que para a investidura neste cargo teve
de exonerar-se do que anteriormente ocupava, sob pena de acumulação ilegal. Se
o afastamento do cargo primitivo é decorrência de uma licença, o retorno se dá
pela extinção desta, não por força da recondução”. 106
55
106
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
107
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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6.2) ESTABILIDADE

Estabilidade “é o direito outorgado ao servidor estatutário, nomeado em virtude


de concurso público, de permanecer no serviço público após três anos de efetivo
exercício, como passou a determinar a EC n.19/98, que alterou o art. 41 da CF, pelo
qual anteriormente era exigido o prazo de apenas dois anos”. 107

Em suma, estabilidade é a garantia de permanência no cargo efetivo, que


se justifica por assegurar ao servidor a independência no desempenho de
suas funções, afastando-lhe o receio de perseguições políticas.

104 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.


São Paulo: Malheiros.
105 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

56
106
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
107
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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“A estabilidade do servidor público, modernamente criticada por alguns


seguimentos da sociedade, principalmente pelos governos nos três níveis de
Administração Pública, é de fundamental importância para respaldar decisão de
servidor que não cumprir ordem superior em desacordo com a lei ou com a
moralidade administrativa. O servidor instável pode ser levado a praticar atos
ilegais, embora em desacordo com a sua consciência, mas cumprindo ordem
superior, por medo de perder o cargo. A instabilidade do servidor pode fragilizar
a própria Administração e resultar em prejuízo para a sociedade. A estabilidade
do servidor público é garantia do cidadão e não privilégio daquele”. 108

A estabilidade não se confunde com a efetividade, pois esta é atributo do


cargo concursado, enquanto a estabilidade está relacionada ao serviço
público na pessoa do servidor. Vale dizer, o servidor adquire estabilidade
no exercício do cargo efetivo (não há estabilidade em cargos
comissionados ou temporários).

“Com muita freqüência têm sido confundidas as noções de estabilidade e


efetividade. Trata-se, entretanto, de figuras de perfil bem diferenciado, com
natureza e finalidades próprias, embora ambas tenham grande relevância no
estudo dos servidores públicos. Estabilidade, como vimos acima, é a garantia
constitucional do servidor público estatutário de permanecer no serviço público,
após o período de três anos de efetivo exercício. Efetividade nada mais é do que a
situação jurídica que qualifica a titularização dos cargos efetivos, para distinguir-
se da que é relativa aos ocupantes de cargos em comissão. Se um servidor ocupa
um cargo efetivo, tem efetividade; se ocupa cargo em comissão, não a tem. Vejamos
a aplicação prática dessa diferença. Um servidor que, após aprovação em concurso,
é investido em cargo efetivo, tem efetividade, e esta nasce no momento em que o
servidor toma posse e completa a relação estatutária. Nos primeiros três anos,
continua tendo efetividade, embora não tenha ainda estabilidade”. 109

“A estabilidade somente pode ser adquirida pelos concursados e não se confunde


com a efetividade. Esta – a efetividade – é inerente ao cargo. É dizer: o cargo
postula ocupante que permaneça, que não tenha precariedade de permanência
como têm, por exemplo, os ocupantes de cargos em comissão. A estabilidade, antes
de ser garantia do funcionário, é garantia do desempenho independente da função
pública. E pontue-se: o fato de o funcionário ser estável não tira a possibilidade de
afastá-lo, caso infrinja seus deveres. A legislação infraconstitucional traz
nitidamente demarcada a possibilidade. Não é, assim, a estabilidade que pode gerar
a desídia, o locupletamento etc. Na verdade, a omissão administrativa no tocante
às punições (cuja aplicabilidade não constitui poder, mas dever do administrador)
é que leva à mais variada gama de desmandos administrativos”. 110

57
106
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
107
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Registre-se, todavia, que em casos excepcionais o ordenamento jurídico


considerou estáveis servidores que não ocupavam cargos efetivos, tal
como previsto no art.19 do ADCT.

O período entre o início do exercício pelo servidor e a aquisição de sua


estabilidade é denominado estágio probatório, também chamado de
período confirmatório. Durante esse período, o cargo efetivo é ocupado
temporariamente por servidor não estável (“dizemos temporariamente
porque, durante o período probatório, o funcionário ocupa cargo efetivo, porém
não se encontra ainda estabilizado”111).

Na I Jornada de Direito Administrativo, promovida pelo Centro de Estudos


Judiciários do Conselho da Justiça Federal, foi editado enunciado no
sentido de que a estabilidade do

108 FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo.


Belo Horizonte: Del Rey.
109 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
110 FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

58
106
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
107
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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servidor ocupante de cargo efetivo não pode ser adquirida pelo mero
decurso do tempo, sendo sempre necessária a avaliação do seu
desempenho durante o estágio probatório:

Enunciado 37 – A estabilidade do servidor titular de cargo público efetivo depende


da reunião de dois requisitos cumulativos: (i) o efetivo desempenho das atribuições
do cargo pelo período de 3 (três) anos; e (ii) a confirmação do servidor no serviço
mediante aprovação pela comissão de avaliação responsável (art. 41, caput e § 4º,
da CF c/c arts. 20 a 22 da Lei n. 8.112/1990). Assim, não há estabilização automática
em virtude do tempo, sendo o resultado positivo em avaliação especial de
desempenho uma condição indispensável para a aquisição da estabilidade.

Conforme posicionamento jurisprudencial antigo, “a estabilidade diz


respeito ao serviço público, e não ao cargo”, razão pela qual “o servidor
estável, ao ser investido em novo cargo, não está dispensado de cumprir
o estágio probatório nesse novo cargo”.112

O servidor público estável só perderá o cargo: I) em virtude de sentença


judicial transitada em julgado; II) mediante processo administrativo em
que lhe seja assegurada ampla defesa; III) mediante procedimento de
avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar,
assegurada ampla defesa (art. 41, §1º, da CF/88). Como condição para a
aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de
desempenho por comissão instituída para essa finalidade (§4º).

“A avaliação desfavorável não implica exoneração automática, sumária. Há muito


tempo o STF formulou a Súmula 21, no seguinte teor: „Funcionário em estágio
probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as
formalidades legais de apuração de sua capacidade‟. Por sua vez, a Constituição
Federal, art. 5o, inc. LV, assegura o contraditório e ampla defesa aos que têm
controvérsias com a Administração e aos acusados em geral. Por força da referida
súmula e do preceito constitucional, ao servidor em estágio probatório deve ser
dada ciência prévia de apresentar alegações e documentos a respeito (contraditório
e ampla defesa), mesmo que o processo administrativo seja simplificado; tudo isso,
reitere-se, antes de se editar o ato de exoneração ou demissão”. 113

Além disso, o art. 169, §4º, da Carta Magna, com a redação dada pela EC
19/98, previu a possibilidade de exoneração de servidor estável em
observância ao limite de gasto orçamentário com pessoal, quando não
forem suficientes outras medidas de redução de despesas previstas no
§3º (I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos
em comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não
estáveis).

59
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O servidor estável que perder o cargo por motivo de redução de despesas


fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano
de serviço (CF/88, art. 169, §5º). Outrossim, o cargo objeto da redução será
considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com
atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos (§6º).

“Verifica-se, portanto, que a estabilidade tem novo perfil, porque poderá ser, como
é tão a gosto dos autores do projeto da Emenda, flexibilizada. Todavia, há
necessidade, para que se possa dar validamente tal flexibilização, do atendimento
de alguns parâmetros, a seguir enumerados: 1) que as medidas adotadas para a
compatibilização, como a redução em 20% dos cargos em comissão, a exoneração
dos servidores não estáveis, não tenham sido suficientes; 2) que lei federal disponha

112 STJ, ROMS 859, rel. Min. José Jesus Filho, RDA 191/135, 1992.
113 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.

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sobre as normas gerais a serem obedecidas diante de tais situações; 3) que haja ato
normativo motivado de cada um dos poderes especificando a atividade funcional,
o órgão ou unidade administrativa objeto da redução. Portanto, podemos verificar
que ficou substancialmente alterado o perfil da estabilidade por força da
possibilidade de flexibilização”.114

No tocante a alguns agentes políticos (servidores em regime especial,


segundo parte da doutrina) a garantia de permanência no cargo se reveste
de maior força do que a estabilidade, denominando-se vitaliciedade (juízes
de primeiro grau e membros do MP têm vitaliciedade assegurada após
dois anos de exercício do cargo, somente podendo perder o cargo por
decisão judicial transitada em julgado – CF/88, artigos 95, I e 128, §5º, I, a).
São vitalícios também os membros do Tribunal de Contas (CF/88, art. 73,
§3º).

A vitaliciedade “somente é possível com relação a cargos que a Constituição


federal define como de provimento vitalício, uma vez que a vitaliciedade constitui
exceção à regra geral da estabilidade, definida no art.41. A lei ordinária não pode
ampliar os cargos dessa natureza”.115

“Enquanto o provimento efetivo se dá sempre por concurso público, o vitalício nem


sempre depende dessa formalidade. Na Magistratura de primeiro grau, essa
exigência consta do art. 93, I, da Constituição; nos Tribunais, o provimento se faz
por promoção dos juízes de carreira ou por nomeação, sem concurso, pelo Chefe
do Poder Executivo (art. 84, XIV e XVI, da Constituição). Nesse último caso, a
vitaliciedade é adquirida independentemente de estágio probatório; este só existe
para os juízes de carreira, nomeados por concurso, hipótese em que a perda do
cargo, nesse período, exige deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado
(art. 95, I)”.116

6.3) DIREITOS E VANTAGENS

Além da estabilidade, podemos destacar outros direitos e vantagens


previstos no Estatuto dos servidores públicos civis federais (Lei 8.112/90),
os quais beneficiam diretamente o servidor ou seus dependentes.

Em benefício diretamente do servidor existem os direitos e vantagens de


ordem pecuniária e os direitos de ausência ao serviço.

Os direitos e vantagens de ordem pecuniária referem-se à


contraprestação salarial paga ao servidor em razão do serviço e as verbas
que possibilitam o desempenho do serviço.

Há basicamente duas modalidades de pagamento aos servidores: o sistema


61
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de
remuneração e o sistema de subsídios.

A remuneração “é o montante percebido pelo servidor público a título de


vencimentos e de vantagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das
várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrência de sua situação
funcional”.117

A remuneração compreende o vencimento (parcela fixa paga ao servidor,


referente ao cargo que ocupa), acrescida das vantagens pecuniárias
(indenizações, adicionais e gratificações de ordem pessoal ou referentes
a certos fatos).

114
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
115 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo:
Atlas.
116 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo:
Atlas.
117 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.

São Paulo: Atlas.

62
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“Vencimento é a retribuição pecuniária que o servidor percebe pelo exercício de


seu cargo, conforme a correta conceituação prevista no estatuto funcional federal
(art.40, Lei 8112/90). Emprega-se, ainda, no mesmo sentido vencimento-base ou
vencimento-padrão. Essa retribuição se relaciona diretamente com o cargo ocupado
pelo servidor: todo cargo tem seu vencimento previamente estipulado. O aumento
dos vencimentos dos cargos deve ter previsão legal (art.61, §1º,
II, a, CF)”.118

“Vantagens pecuniárias são as parcelas pecuniárias acrescidas ao vencimento em


decorrência de uma situação fática previamente estabelecida na norma jurídica
pertinente. Toda vantagem pecuniária reclama a consumação de certo fato, que
proporciona o direito à sua percepção. Presente a situação fática prevista na
norma, fica assegurado ao servidor direito subjetivo a receber o valor
correspondente à vantagem. Esses fatos podem ser das mais diversas ordens:
desempenho das funções por certo do tempo; natureza especial da função; grau de
escolaridade; funções exercidas em gabinetes de chefia; trabalho em condições
anormais de dificuldades etc. São vantagens pecuniárias os adicionais e as
gratificações”.119

Em regra, os vencimentos dos servidores públicos são fixados e


reajustados por lei. E de acordo com jurisprudência consolidada desde a
Súmula 339 do STF, "não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função
legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob
fundamento de isonomia". Esse posicionamento foi confirmado pelo STF
recentemente ao editar a Súmula Vinculante 37, com a mesma redação.

O art. 37, X, da CF/88 prevê a revisão geral anual dos vencimentos dos
servidores públicos. Não obstante, o STF decidiu que o não
encaminhamento de projeto de lei de revisão anual dos vencimentos dos
servidores públicos não gera direito subjetivo a indenização. Deve o
Poder Executivo, no entanto, pronunciar-se, de forma fundamentada,
acerca das razões pelas quais não propôs a revisão120.

Para ter direito a sua remuneração, o servidor há de cumprir regularmente


a sua carga horária de trabalho.

“Como regra geral, os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão


das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima
de trabalho semanal de 40 horas e observados os limites mínimo e máximo de seis
e oito horas diárias, respectivamente, podendo haver estabelecimento de horários
diferenciados em leis especiais. Já o ocupante de cargo em comissão ou função de
confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observada a
possibilidade excepcional de acumulação, podendo ser convocado, sempre que
houver interesse da Administração (Lei 8.112/90, art.19, caput, e §1º)”.121
63
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A Lei 8.112/90 prevê indenizações, tais como as ajudas de custo (artigos 53


e 54), as
diárias (art. 58) e a indenização de transporte (art. 60).

Também prevê gratificações, tais como a referente ao exercício de função


de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão
ou de natureza especial (art. 62) e a gratificação natalina (art. 63).

118
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito
administrativo. São Paulo: Atlas. STF, RE 565089 /SP, repercussão
geral (Tema 19), rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto
Barroso, julg. 25/09/2019.
119 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
120 STF, RE 565089 /SP, repercussão geral (Tema 19), rel. orig. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julg. 25/09/2019.
121 PRADO, Leandro C.; TEIXEIRA, Patrícia Carla de Farias. 1001 questões

comentadas de Direito Administrativo. São Paulo: Método.

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Saliente-se que o art. 39, §9º, da CF/88, na redação que lhe conferiu a EC
103/2019, dispõe que é vedada a incorporação de vantagens de caráter
temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo
em comissão à remuneração do cargo efetivo. Essa incorporação há
muito já foi extinta no âmbito federal, pois o dispositivo da Lei 8.112/90
que a previa foi revogado. Subsistia, porém, em âmbito estadual e
municipal, nos casos em que prevista nos respectivos estatutos de
servidores. Agora, a própria Carta Magna passou a vedar a incorporação,
de modo que eventuais leis estaduais ou municipais prevendo tal
vantagem perderam a sua validade nesse particular, ressalvados os
direitos adquiridos dos servidores que já haviam incorporado a vantagem
antes da emenda.

Voltando ao que dispõe a Lei 8.112/90, são previstos também adicionais,


tais como o referente ao exercício habitual de atividades insalubres,
penosas ou perigosas (art. 68), ao desempenho de serviço extraordinário
(art. 73), de trabalho noturno (art. 75), 1/3 de férias (art. 76), além de outros
benefícios, como, por exemplo, o auxílio-natalidade (art. 196) e o salário-
família (art. 197). Ao lado disso, a legislação federal prevê também a
concessão mensal do auxílio-alimentação por dia trabalhado (art. 22 da
Lei 8.460/92), sendo que, nos termos da Súmula Vinculante 55 do STF, "o
direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos".

Consoante o art. 39, §3º, da CF/88, aplica-se aos servidores ocupantes de


cargo público o disposto constitucionalmente no art. 7º, IV, VII (salário
mínimo), VIII (décimo terceiro salário), IX (adicional noturno), XII (salário-
família), XIII (limite de jornada), XV (repouso semanal remunerado), XVI
(horas extras), XVII (férias com acréscimo de 1/3), XVIII (licença à
gestante), XIX (licença-paternidade), XX (proteção do mercado de trabalho
da mulher), XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho) e XXX
(proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil).

O subsídio é a modalidade de pagamento pela qual o servidor é


remunerado em parcela única, sem acréscimos de qualquer espécie,
excetuadas apenas eventuais parcelas indenizatórias.

“Subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por


força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio de pagamentos
mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insusceptíveis de aditamentos ou
acréscimos de qualquer espécie. Seu conceito se depreende do art.39, §4º, segundo
o qual “O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado
e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por
subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação,
65
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adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória


(...)”. Assim, na vedação estabelecida só não se incluem as verbas indenizatórias,
qual, por exemplo, o pagamento de „ajudas de custo‟ para acobertar despesas de
mudança do servidor designado para servir em local fora da sede, ou a do art.57,
§7º, onde se prevê que os senadores e deputados perceberão, quando de sessão
legislativa extraordinária, um pagamento de parcela „indenizatória‟, não superior
ao subsídio mensal que lhes corresponde”. 122

Com o advento da EC 19/98, a Constituição Federal passou a prever a


remuneração por subsídios para os membros de Poder, os detentores de
mandato eletivo, os Ministros de Estado, Secretários de Estado e
Municípios.

122
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

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Alexandre de Moraes assinala que “além dos servidores públicos citados no


§4º, do artigo 39, obrigatoriamente, pela existência de regras constitucionais de
extensão, o subsídio acaba sendo estendido a outras carreiras do serviço público.
Assim, o regime de subsídios é aplicável também aos membros do Ministério
Público (CF, artigo 128, §5º, I, c), aos integrantes da Advocacia Geral da União,
aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal e aos Defensores Públicos (CF,
artigo 135), aos Ministros do Tribunal de Contas da União e aos servidores públicos
policiais (CF, artigo 144, §9º)”.123

Cabe registrar, ainda, que o art. 39, §8º, da Carta Magna dispõe que a
remuneração dos servidores públicos organizados em carreira também
poderá também ser fixada em subsídios.

Ainda no tocante às vantagens pecuniárias, existem as regras referentes


à aposentadorias e pensões dos agentes públicos, como veremos em
tópico específico mais a frente.

Além das vantagens de ordem pecuniária, os servidores públicos


usufruem também dos chamados direitos de ausência ao serviço,
relacionados às férias (Lei 8.112/90, artigos 77 a 80), licenças (artigos 81
a 92), os afastamentos (artigos 93 a 99) e as concessões
(artigos 97 a 99).

As licenças poderão ocorrer por motivo de doença em pessoa da família


(art. 83); por motivo de afastamento do cônjuge ou companheiro (art. 84);
para o serviço militar (art. 85); para atividade política (art. 86); para
capacitação (art. 87); para tratar de interesses particulares
(art. 91) e para desempenho de mandato classista (art. 92). Existe ainda a
licença para tratamento de saúde (artigos 202 a 206); a licença à gestante
de 120 dias (art. 207), a licença-paternidade de 5 dias (art. 208) e a licença
à adotante de 90 ou 30 dias (art. 210); a licença por acidente em serviço
(artigos 211 a 214).

Registre-se que, declarando inconstitucional o art. 210 da Lei 8.112/90, o


STF decidiu que o prazo da licença-adotante não pode ser inferior ao da
licença-gestante, de modo que ambos serão de no mínimo 120 dias.
Outrossim, além desse prazo de 120 dias fixado no estatuto, a Lei
11.770/2008 tornou possível a prorrogação do período de licença-gestante
ou de licença-adotante, o que, no âmbito do serviço público federal, foi
implementado pelo Decreto 6.690/2008, podendo chegar a 180 dias.

O mesmo ocorreu com a licença-paternidade, que apesar dos 5 dias


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previstos na Lei 8.112/90, pode ser prorrogada nos termos do Decreto


8.737/2016, chegando a até 20 dias.

Os afastamentos poderão ser para servir a outro órgão ou entidade (art.


93); para o exercício de mandato eletivo (art. 94) ou para estudo ou missão
no exterior (art. 95). Mais recentemente, a Lei 11.907/2009, acrescentando
o art. 96-A na Lei 8.112, criou uma nova modalidade de afastamento, para
participação de programa de pós-graduação stricto sensu no país.

Marçal Justen Filho aponta a distinção entre os dois institutos:

68
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"O afastamento tem grande semelhança com a licença, no sentido inclusive de estar
condicionado à emissão de ato administrativo formalizador de seu deferimento.
Mas a diferença fundamental reside em que o agente continua a desempenhar
alguma atividade de interesse público, na pendência do afastamento. Há, portanto,
uma distinção relevante no tocante ao interesse a que os dois institutos se destinam
a atender. Assim, a Lei n. 8.112 prevê os casos de afastamento para servir a outro
órgão ou entidade (art. 93), afastamento para exercício de mandato eletivo (art. 94)
e afastamento para estudo ou missão no exterior (art. 95). Essa ponderação não
afasta a possibilidade de a lei qualificar como afastamento uma hipótese em que a
suspensão temporária do exercício das atribuições se faz no interesse do servidor.
Nessa linha, o art. 102 se vale da expressão afastamento para indicar casos em que
há nítida preponderância do interesse do próprio servidor, fazendo referência
inclusive à hipóteses de licenças. Deve-se entender que o referido art. 102 utilizou
o vocábulo 'afastamento' como um gênero, abrangente de diversas espécies
(inclusive os afastamentos em sentido técnico e as licenças). Veja-se que o
afastamento para exercício de mandato eletivo se constitui em direito líquido e
certo do servidor, contrariamente às outras duas hipóteses. A disciplina
correspondente aos pressupostos e às condições de remuneração depende de
regulamentação".124

As concessões poderão ser de 1 (um) dia, para doação de sangue; de 2


(dois) dias, para se alistar como eleitor; de 8 (oito) dias consecutivos em
razão de casamento, falecimento do cônjuge, companheiro, pais,
madrasta ou padrasto, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela e
irmãos (art. 97).

A lei prevê ainda horário especial ao servidor estudante e aos portadores


de deficiência (art. 98). Este dispositivo teve a sua redação alterada pela
Lei 13.370/2016, estabelecendo horário especial para servidor público que
tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. A nova redação
excluiu também a necessidade de compensação de jornada, bem como
considerou deficiência não apenas a deficiência física, mas, também,
qualquer outro tipo de deficiência detectada.

A Lei 8.112/90 trata, ainda, do direito de petição especificamente


assegurado ao servidor público, em defesa de direito ou interesse
legítimo, com possibilidade de vista de processo ou documento, pedido
de reconsideração e interposição de recursos (artigos 104 a 115).

Em benefício dos dependentes do servidor existem os direitos e


vantagens de natureza previdenciária e assistencial, quais sejam a
pensão (Lei 8112/90, artigos 215 a 225), o auxílio-funeral (art. 226) e o

69
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CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
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auxílio-reclusão (art. 229).

6.4) LOTAÇÃO E RELOTAÇÃO DO SERVIDOR

Todo servidor público, quando em atividade, deve estar lotado em alguma


repartição administrativa.

Lotação é termo empregado para designar “o conjunto de servidores que


devem exercer atividades em dada repartição”.125 Assim, cada órgão
público deve contar com certo número suficiente de servidores, de
variados cargos, para o adequado desempenho da atividade
administrativa.

A Lei 8.112/90 não cuidou de definir o instituto da lotação, ao contrário do


que foi feito no anterior estatuto dos servidores da União (Lei 1.711/52),
cujo art. 33 assim dispunha: Entende-se por lotação o número de
servidores que devem ter exercício em cada

124
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte:
Fórum.

70
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CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
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repartição. Também o Decreto-Lei 1.713/39 tratou do instituto em seu art.


36: Entende-se por lotação o número de funcionários de cada carreira e
de cargos isolados que devam ter exercício em cada repartição ou
serviço.

Ao tomar posse e entrar em exercício, ao servidor é dada uma lotação


inicial em determinado órgão público ou unidade administrativa. Todavia,
essa lotação pode ser modificada ao longo da sua vida funcional, a pedido
ou por conveniência do serviço, de modo que ocorra a transferência do
servidor para outro órgão. Essa transferência, portanto, ensejará a
relotação do servidor, isto é, uma nova lotação, deixando vaga a lotação
anterior.

A Lei 8.112/90 trata de dois institutos que ensejam a relotação do servidor.


São eles a
remoção e a redistribuição.

Segundo dispõe o art. 36, remoção é o deslocamento do servidor, a pedido


ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
E o parágrafo único do mesmo artigo prevê três modalidades de remoção:
I - de ofício, no interesse da Administração; II - a pedido, a critério da
Administração; III - a pedido, para outra localidade, independentemente
do interesse da Administração: a) para acompanhar cônjuge ou
companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que
foi deslocado no interesse da Administração; b) por motivo de saúde do
servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas
expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à
comprovação por junta médica oficial; c) em virtude de processo seletivo
promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao
número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou
entidade em que aqueles estejam lotados.

Observe-se que a remoção pode ocorrer de um órgão para outro dentro


da mesma sede ou com mudança de sede. A lei não veda, nem condiciona,
a remoção de servidor que ainda esteja em estágio probatório.

Como aduz Marçal Justen Filho:

"A remoção sempre retrata um ato unilateral, mas pode ser resultado de um pleito
do particular. Em alguns casos, pode até se caracterizar um direito do particular à

126
125
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
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remoção. Tal se passa, por exemplo, na hipótese prevista no art. 36, parágrafo
único, III, 'a', da Lei n. 8112, que determina que o servidor público federal será
removido a pedido quando o cônjuge ou companheiro, também servidor público,
tiver sido o removido no interesse da Administração. Mas a remoção também pode
ser imposta no interesse da Administração, sem que a tanto se possa opor o servidor
- a não ser que o servidor seja beneficiado pela garantia de inamovibilidade, que é
reservada constitucionalmente para os magistrados e algumas carreiras similares.
Nada impede, no entanto, que a Administração submeta a remoção à avaliação de
conveniência dos servidores, tomando em vista o princípio de que o melhor
desempenho funcional dependerá da satisfação pessoal do servidor. Assim, diante
da necessidade de remoção de algum servidor para determinado local, a
Administração consulta os diversos servidores para verificar qual deles se dispõe a
'aceitar' a remoção. Obviamente, não se trata propriamente de um consenso de
vontades, mas de identificar o voluntário para certo encargo que deverá ser
executado de modo necessário".126

127
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Na I Jornada de Direito Administrativo, promovida pelo Centro de Estudos


Judiciários do Conselho da Justiça Federal, firmou-se posicionamento no
sentido de que as hipóteses de remoção previstas em lei são taxativas:

Enunciado 16 – As hipóteses de remoção de servidor público a pedido,


independentemente do interesse da Administração, fixadas no art. 36, parágrafo
único, III, da Lei n. 8.112/1990 são taxativas. Por esse motivo, a autoridade que
indefere a remoção, quando não presentes os requisitos da lei, não pratica ato ilegal
ou abusivo.

Redistribuição, por sua vez, é o deslocamento de cargo de provimento


efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para
outro órgão ou entidade do mesmo Poder, observados os seguintes
preceitos: I - interesse da administração; II - equivalência de vencimentos;
III - manutenção da essência das atribuições do cargo; IV - vinculação
entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades; V -
mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional;
VI - compatibilidade entre as atribuições do cargo e as finalidades
institucionais do órgão ou entidade (art. 37).

A redistribuição ocorrerá ex officio para ajustamento de lotação e da força


de trabalho às necessidades dos serviços, inclusive nos casos de
reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade (art. 37, §1 o).
Extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade no órgão ou entidade,
o servidor estável que não for redistribuído será colocado em
disponibilidade, até seu aproveitamento (art. 37, §3o). Não obstante,
poderá ser mantido sob responsabilidade do órgão central de pessoal, e
ter exercício provisório, em outro órgão ou entidade, até seu adequado
aproveitamento (art. 37, §4o).

Ainda segundo Marçal Justen, a redistribuição "reflete uma reavaliação


sobre a distribuição eficiente dos recursos materiais e humanos da Administração.
Não se destina a alterar propriamente as competências do cargo, mas apenas a
possibilitar o exercício daquelas atribuições no âmbito de outro setor
administrativo. A redistribuição não tem cabimento quando há um quadro único
de cargos de cada Poder. Nesse caso, a alteração no exercício das atribuições não
apresentará qualquer peculiaridade, senão a edição de ato administrativo da
autoridade competente. A necessidade de redistribuição surge quando existem
diversas estruturas organizacionais, integradas por cargos próprios, mas com
atribuições equivalentes. A transferência de cargo de uma para outra estrutura
organizacional consiste na redistribuição. A redistribuição pode compreender
tanto cargos vagos como ocupados".127
128
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CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
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Percebe-se nitidamente a distinção entre os dois institutos acima


destacados. Enquanto na remoção a transferência do servidor se dá no
âmbito de um mesmo quadro funcional, na redistribuição o servidor é
transferido para outro quadro funcional, desde que dentro da estrutura
administrativa do mesmo Poder.

Deve-se ter cuidado para não confundir as duas situações de relotação


acima enfocadas (remoção e redistribuição) com outra modalidade de
transferência que pode ocorrer sem, contudo, haver mudança de lotação.
É o caso do afastamento para servir em outro órgão ou entidade, inclusive
de outra esfera de Poder, mediante cessão em caráter provisório. Nessa
hipótese, o servidor cedido continuar integrando o quadro do órgão de
origem (o que na prática se costuma chamar de vaga presa), daí porque
não ocorre mudança de lotação. No órgão de destino, o servidor cedido
exercerá suas atribuições como extraquadro.

129
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CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
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Prof. Durval Carneiro Neto

Consoante dispõe o art. 93 da Lei 8.112/90, o servidor poderá ser cedido


para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos
Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes
hipóteses: I - para exercício de cargo em comissão ou função de
confiança; II - em casos previstos em leis específicas. Na primeira
hipótese, sendo a cessão para órgãos ou entidades dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios, o ônus da remuneração será do órgão
ou entidade cessionária, mantido o ônus para o cedente nos demais casos
(§ 1o).

Na hipótese de o servidor cedido à empresa pública ou sociedade de


economia mista, nos termos das respectivas normas, optar pela
remuneração do cargo efetivo, a entidade cessionária efetuará o
reembolso das despesas realizadas pelo órgão ou entidade de origem (art.
93, §2o). A cessão far-se-á mediante Portaria publicada no Diário Oficial da
União (art. 93, §3o).

Na cessão, o cargo ocupado pelo servidor continua integrando o quadro


funcional do órgão de origem, de modo que, junto ao órgão de destino, o
servidor estará atuando como excedente, isto é, fora do quadro.

Nada impede que um servidor em estágio probatório seja cedido a outro


órgão ou entidade, desde que seja para ocupar cargos de Natureza
Especial, cargos de provimento em comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores - DAS, de níveis 6, 5 e 4, ou equivalentes (art.
20, §3o).

A princípio, a cessão se dá entre órgãos e entidades da Administração


Pública direta e indireta. Contudo, a Medida Provisória 765/2016 passou a
admitir também a cessão de servidores para os serviços sociais
autônomos, que, como já vimos, são entidades privadas de natureza
paraestatal que exercem atividades de cooperação com o Poder Público.

6.5) SUBSTITUIÇÃO DO SERVIDOR

Visando zelar pela continuidade do serviço público, a Lei 8.112/90


estabelece que os servidores investidos em cargo ou função de direção
ou chefia e os ocupantes de cargo de Natureza Especial terão substitutos
indicados no regimento interno ou, no caso de omissão, previamente
designados pelo dirigente máximo do órgão ou entidade (art. 38).

O substituto assumirá automática e cumulativamente, sem prejuízo do

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cargo que ocupa, o exercício do cargo ou função de direção ou chefia e


os de Natureza Especial, nos afastamentos, impedimentos legais ou
regulamentares do titular e na vacância do cargo, hipóteses em que
deverá optar pela remuneração de um deles durante o respectivo período
(art. 38, §1o).

O substituto fará jus à retribuição pelo exercício do cargo ou função de


direção ou chefia ou de cargo de Natureza Especial, nos casos dos
afastamentos ou impedimentos legais do titular, superiores a trinta dias
consecutivos, paga na proporção dos dias de efetiva substituição, que
excederem o referido período (art. 38, §2o).

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6.6) DEVERES E PROIBIÇÕES

O art. 116 da Lei 8.112/90 prevê que são deveres do servidor: I - exercer
com zelo e dedicação as atribuições do cargo; II - ser leal às instituições
a que servir; III - observar as normas legais e regulamentares; IV - cumprir
as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; V - atender
com presteza: a) ao público em geral, prestando as informações
requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; b) à expedição de
certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de
situações de interesse pessoal;
c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública; VI - levar ao
conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver
ciência em razão do cargo; VII - zelar pela economia do material e a
conservação do patrimônio público; VIII - guardar sigilo sobre assunto da
repartição; IX - manter conduta compatível com a moralidade
administrativa; X - ser assíduo e pontual ao serviço; XI - tratar com
urbanidade as pessoas; XII - representar contra ilegalidade, omissão ou
abuso de poder.

Corolários desses deveres são as seguintes proibições, previstas no art.


117: I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia
autorização do chefe imediato; II - retirar, sem prévia anuência da
autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição; III -
recusar fé a documentos públicos; IV - opor resistência injustificada ao
andamento de documento e processo ou execução de serviço; V -
promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;
VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em
lei, o desempenho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de
seu subordinado; VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de
filiarem-se a associação profissional ou sindical, ou a partido político; VIII
- manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança,
cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil; IX - valer-se
do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da
dignidade da função pública; X - participar de gerência ou administração
de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exceto na
qualidade de acionista, cotista ou comanditário; XI - atuar, como
procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando
se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o
segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; XII - receber propina,
comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas
atribuições; XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado
estrangeiro; XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas; XV -
proceder de forma desidiosa; XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais
da repartição em serviços ou atividades particulares; XVII - cometer a
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outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em


situações de emergência e transitórias; XVIII - exercer quaisquer
atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e
com o horário de trabalho; XIX - recusar-se a atualizar seus dados
cadastrais quando solicitado.

6.7) RESPONSABILIDADES E PROCESSO DISCIPLINAR

6.7.1) As três esferas de responsabilidade

Dispõe o art. 121 da Lei 8.112/90 que o servidor responde


civil, penal e
administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.

São, portanto, três esferas distintas de responsabilidade, consoante


aponta a doutrina:

“O servidor público, por seus atos e omissões, responde em três níveis diferentes.
O primeiro deles é o administrativo em que vai ser apurada a possível prática de
infrações disciplinares, o segundo é o

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civil, no qual vai se verificar a presença do dever de indenizar prejuízos resultante


de sua atuação causados a terceiros e à própria Administração. Por último a
responsabilidade criminal na qual se apura a possível prática de crimes ou
contravenções atribuídas ao servidor em razão de sua condição funcional”. 128

José dos Santos Carvalho Filho assinala que “cada responsabilidade é, em


princípio, independente da outra. Por exemplo: pode haver responsabilidade civil
sem que haja responsabilidade penal ou administrativa. Pode também haver
responsabilidade administrativa sem que siga conjuntamente a responsabilidade
penal ou civil. Sucede que, em algumas ocasiões, o fato que gera certo tipo de
responsabilidade é simultaneamente gerador de outro tipo; se isto ocorrer, as
responsabilidades serão conjugadas. Essa é a razão por que a mesma situação
fática é idônea a criar, concomitantemente, as responsabilidades civil, penal e
administrativa”.129

O servidor público que eventualmente deva ser responsabilizado por


ilegalidade, omissão ou abuso de poder será representado perante a sua
autoridade superior (Lei 8.112/90, art. 116, XII e parágrafo único).

A autoridade superior, por sua vez, tendo ciência dos fatos, é obrigada a
tomar providências no sentido de apurar a eventual irregularidade na
atuação do seu subordinado.

O art. 143 da Lei 8.112/90 estabelece que a autoridade que tiver ciência de
irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração
imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar,
assegurada ao acusado ampla defesa.

A par disso, o nosso ordenamento considera crime de condescendência


criminosa “deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar
subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe
falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade
competente” (Código Penal, art. 320).

Está prevista ainda, como sendo uma contravenção penal, a omissão de


comunicação de crime, quando “deixar de comunicar à autoridade
competente crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício
de função pública, desde que a ação penal não dependa de
representação” (Decreto-lei 3688/41, art. 66, I).

Importante assinalar que as providências a serem tomadas pela


autoridade administrativa devem observar um prazo legal (prescrição).

Na esfera da Administração Pública Federal, nos termos do art. 142 da Lei


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8.112/90, a ação disciplinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às


infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II - em 2 (dois) anos,
quanto à suspensão; III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á
advertência. O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato
se tornou conhecido. Os prazos de prescrição previstos na lei penal
aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. Tal
aplicação independe da apuração criminal da conduta do servidor, ou
seja, não se exige que tenha havido oferecimento de denúncia ou
instauração de inquérito policial130.

128
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de
Janeiro: Impetus.
129
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
130
STJ, MS 20.857-DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, rel.do acórdão
Min. Og Fernandes, julg. 22/05/2019.

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A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar


interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade
competente. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a
correr a partir do dia em que cessar a interrupção. Extinta a punibilidade
pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos
assentamentos individuais do servidor (art. 170).

A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou


culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros (art. 122 da Lei
8.112/90).

Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante


a Fazenda Pública, em ação regressiva (§2º). A obrigação de reparar o
dano estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite
do valor da herança recebida (§3º). Confira-se a doutrina a respeito:

“Se o agente, por ação ou omissão, dolosas ou culposas, causou dano à


Administração, deverá repará-lo, sendo responsabilizado civilmente. A apuração
da responsabilidade civil poderá ter início e término no âmbito administrativo ou
ter início nesse âmbito e ser objeto, depois, de ação perante o Judiciário (...) Para
que o servidor possa ser responsabilizado e obrigado a pagar o prejuízo é
necessário comprovar seu dolo (teve a intenção de lesar ou assumiu esse risco) ou
sua culpa (imprudência, negligência ou imperícia). Para isso, a Administração é
obrigada a tomar as medidas legais pertinentes, não podendo, „a priori‟, inocentar
o servidor. De regra, se efetua apuração administrativa por meio de sindicância e,
se for o caso, de processo administrativo. Se for verificado dolo ou culpa, a
Administração poderá consultar o servidor a fim de obter o pagamento, por
desconto em folha ou forma diversa. Na ausência de concordância, a
Administração deve ingressar no juízo civil para obter o ressarcimento; se a
Administração visa a obter ressarcimento de indenização que pagou a particulares,
em virtude de dano causado pelo agente, trata-se de ação regressiva, como prevê a
Constituição, art. 37, §6º, parte final”.131

“Deve-se distinguir duas situações especiais, no capítulo da responsabilidade civil


dos servidores públicos, conforme tenham sido os danos causados direta ou
indiretamente à Fazenda Pública. Se o servidor causa, diretamente, por culpa ou
dolo, dano ao erário da pessoa de direito público a que serve, tem o dever de repará-
lo, como mera aplicação da regra geral de proteção patrimonial, de sede civil. Se o
servidor inflige, indiretamente, um prejuízo à Fazenda do ente de direito público a
que serve, em razão de Ter ele respondido objetivamente perante terceiros por
danos por ele causados, nessa qualidade, a Constituição (art. 37, §6º) lhe impõe o
dever de reembolsá-la do que justamente pagou, desde que o servidor tenha agido,
comprovadamente, com culpa ou dolo. A referida norma constitucional, auto-
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aplicável, institui o direito de regresso da pessoa jurídica de direito público contra


o servidor responsável nos casos de culpa ou dolo, tema a que se retornará no
estudo da responsabilidade patrimonial do Estado. O servidor responderá, de
maneira especial, pelos danos que causar, em razão de abuso de autoridade, de
conformidade com a Lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (art. 6 o, caput e §2º).
Existe, ainda, garantindo a satisfação do erário em caso de responsabilidade de
certos servidores, o instituto da hipoteca legal à Fazenda Pública Federal, Estadual
e Municipal, sobre os imóveis dos tesoureiros, coletores, administradores, exatores,
prepostos, rendeiros e contratadores de renda e fiadores”. 132

Importante destacar que, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal,


é vedado à Administração auto-executar a cobrança de indenização por
dano causado pelo servidor.133 Logo, o desconto em folha das parcelas
indenizatórias só pode ser efetuado se o

131
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
132
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense.

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servidor concordar com esta forma de pagamento, caso contrário, restará


à Administração acionar o Judiciário. José dos Santos Carvalho Filho
concorda com esse posicionamento, ressaltando que “o Poder Público não
tem crédito privilegiado em relação a seu servidor. Seu crédito é indiscutível, mas
a forma de satisfazê-lo há de ser a empregada para a cobrança dos créditos em
geral”.134

Ainda em matéria de responsabilidade civil, a Lei 8.429/92 trata dos atos


de improbidade administrativa, dentre os quais se destacam aqueles que
causam prejuízo ao erário (art.10), conforme veremos em tópico seguinte.

A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas


ao servidor, nessa qualidade (art. 123 da Lei 8.112/90).

São os chamados crimes funcionais, previstos no Código Penal e na


legislação extravagante, como, por exemplo, a Lei 4.898/65 (crime de
abuso de autoridade) e a Lei 8.666/93 (que prevê crimes em matéria de
licitações e contratos administrativos).

Em relação aos agentes políticos, além dos crimes comuns, existem ainda
tipos penais especiais definidos como crimes de responsabilidade de
natureza política, também objeto de leis específicas, como, v.g., a Lei
1.079/50 (Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do STF,
Procurador-Geral da República); a Lei 7.106/83 (Governadores e
Secretários de Estado) e o Decreto-lei 201/67 (Prefeitos e Vereadores).

A responsabilidade criminal deve ser apurada mediante instauração de


ação penal pelo Ministério Público.

Sobre o tema assinala a doutrina:

“O servidor responde penalmente quando pratica crime ou contravenção. Existem,


no ilícito penal, os mesmos elementos caracterizadores dos demais tipos de atos
ilícitos, porém com algumas peculiaridades: 1. a ação ou omissão deve ser
antijurídica e típica, ou seja, corresponder ao tipo, ao modelo de conduta definido
na lei penal como crime ou contravenção; 2. dolo ou culpa, sem possibilidade de
haver hipóteses de responsabilidade objetiva; 3. relação de causalidade; 4. dano ou
perigo de dano: nem sempre é necessário que o dano se concretize; basta haver o
risco de dano, como ocorre na tentativa e em determinados tipos de crime que põem
em risco a incolumidade pública. A responsabilidade criminal do servidor é
apurada pelo Poder Judiciário. De acordo com o artigo 229 da Lei n. 8.112/90, é
assegurado auxílio-reclusão à família do servidor ativo, nos seguintes valores: dois
terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou
preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão;
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ou metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por


sentença definitiva, a pena que não determine a perda do cargo. Pelo Estatuto de
São Paulo (art. 70), o funcionário perde, em qualquer hipótese, dois terços do
vencimento”.135

“A responsabilidade penal do servidor é a que decorre de conduta que a lei penal


tipifica como infração penal. A matéria da responsabilidade penal é típica das áreas
do Direito Penal e Processual Penal e exige que a solução final do litígio seja
definida pelo Poder Judiciário. Nesse caso, a responsabilidade só pode ser
atribuída se a conduta for dolosa ou culposa, estando, por conseguinte, descartada
a responsabilidade objetiva. O servidor pode ser responsabilizado apenas
penalmente. Mas se o ilícito penal acarretar prejuízo à Administração, será
também civilmente responsável. Os

134 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.


São Paulo: Atlas.
135 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo:

Atlas.

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crimes contra a Administração são, basicamente, os dos arts. 312 a 326 do CP –


crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública. A
legislação especial, a seu turno, prevê outras condutas típicas, acarretando também
a responsabilidade penal do servidor. Diga-se, por oportuno, que a
responsabilidade penal pode ser, ou não, pertinente à função administrativa.
Quando está fora de sua função pública, a eventual prática de ilícito penal pode
não causar nenhuma influência no âmbito da Administração”. 136

A responsabilidade administrativa tem relação com a aplicação de


penalidades disciplinares ao servidor, mediante processo administrativo
em que lhe seja assegurada a ampla defesa e o contraditório.

No caso dos servidores estatutários federais, as sanções disciplinares


previstas na Lei 8.112/90 são a advertência, a suspensão, a demissão, a
cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a destituição de cargo em
comissão e a destituição de função comissionada (art. 127).

Logo, para punir o servidor, deve a Administração lançar mão de uma


dessas modalidades, não podendo inovar além delas.

Por outro lado, ao contrário do que ocorre na esfera penal, as penalidades


disciplinares não estão correlacionadas a condutas tipificadas
especificamente. É a chamada atipicidade das infrações disciplinares.

Na verdade, a aplicação de tais sanções faz-se com vistas ao elenco de


deveres e proibições previstos para o servidor público na Lei 8.112/90.

Muitos dos deveres encerram situações indeterminadas tais como


“manter conduta compatível com a moralidade administrativa”, “exercer
com zelo e dedicação as atribuições do cargo” etc. (art. 116).

Já quanto às proibições, o legislador se cercou de elementos de maior


objetividade: “ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia
autorização do chefe imediato”; “valer-se do cargo para lograr proveito
pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”,
“manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança,
cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil” etc. (art. 117).

De qualquer forma, o exercício do poder disciplinar pela Administração


Pública demandará certa margem de discricionariedade na adequação da
penalidade adequada a cada caso concreto, compatibilizando a sanção
com a conduta (princípio da adequação punitiva ou da proporcionalidade).

Assim, na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a


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gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o


serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os
antecedentes funcionais (art. 128).

Não obstante, a Lei 8.112/90 fornece alguns critérios que devem nortear o
administrador na aplicação da penalidade adequada.

136
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.

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O art. 129 trata dos casos em que é cabível a advertência por escrito. O
art. 130 trata dos casos em que é cabível a suspensão pelo prazo máximo
de noventa dias. O art. 132 trata dos casos em que é cabível a demissão.
O art. 134 trata dos casos em que é cabível a cassação de aposentadoria
ou a disponibilidade do inativo. O art. 135 trata dos casos em que é cabível
a destituição de cargo em comissão.

Como assinala José dos Santos Carvalho Filho, “o sistema punitivo na esfera
administrativa é bem diferente do que existe no plano criminal. Neste, as condutas
são tipificadas, de modo que a lei cominará uma sanção específica para a conduta
que a ela estiver vinculada. Assim, o crime de lesões corporais simples enseja uma
sanção específica: a de detenção de três meses a um ano (art. 129, CP). Na esfera
administrativa, o regime é diverso, pois que as condutas não têm a precisa definição
que ocorre no campo penal”.137

Maria Sylvia Di Pietro faz ainda importante análise da matéria:

“Não há, com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza
o ilícito penal. A maior parte das infrações não é definida com precisão, limitando-
se a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento dos deveres, falta de exação no
cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular,
incontinência pública; poucas são as infrações definidas, como o abandono de
cargo ou os ilícitos que correspondem a crimes ou contravenções. Isto significa que
a Administração dispõe de discricionariedade no enquadramento da falta dentre
os ilícitos previstos na lei, o que ainda mais se amplia pelo fato de a lei (art.128 da
Lei Federal e 256 do Estatuto Paulista) determinar que na aplicação das penas
disciplinares serão consideradas a natureza e a gravidade da infração e os danos
que dela provierem para o serviço público. É precisamente essa discricionariedade
que exige a precisa motivação da penalidade imposta, para demonstrar a
adequação entre a infração e a pena escolhida e impedir o arbítrio da
Administração. Normalmente essa motivação consta do relatório da comissão ou
servidor que realizou o procedimento; outras vezes, consta de pareceres proferidos
por órgãos jurídicos preopinantes aos quais se remete a autoridade julgadora; se
esta não acatar as manifestações anteriores, deverá expressamente motivar a sua
decisão”.138

No mesmo sentido os ensinamentos de Diógenes Gasparini:

“A aplicação dessas penas não está vinculada à lei, no que concerne à definição da
infração e à respectiva sanção, nem ao fato de que se tem de começar pela menos
rigorosa para ir, num crescendo, alcançar a de maior rigor punitivo, à medida que
o servidor ao longo de sua carreira pratica infrações. O comportamento da
entidade é, nesse particular, discricionário, sendo inaplicável o princípio que
vigora para o Direito Penal da pena específica (não existe infração sem prévia lei
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que a defina e a apene), que os romanos expressavam pelo brocardo nullum crimen,
sulla poena sine lege. A autoridade competente, em razão da gravidade do fato
determinante da punição, escolhe, dentre essas penas, a que melhor atenda ao
interesse público e que melhor puna a infração praticada. Com efeito, essa
autoridade, para aplicar a pena, deve levar em conta, conforme exigem os
estatutos, a natureza e a gravidade da infração e os danos que possa ter causado ao
serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes
funcionais (art. 128 do Estatuto federal). Ademais, deve explicitar os fundamentos
de sua decisão, sob pena de invalidade”. 139

A aplicação de sanções disciplinares a servidores públicos pressupõe a


abertura de um processo administrativo específico para esta finalidade,
denominado processo

137
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
138 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo:
Atlas.
139 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

68
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administrativo disciplinar (PAD), tema que será abordado oportunamente


no capítulo do processo administrativo.

6.7.2) Independência entre as esferas, hipóteses de comunicabilidade e


efeitos da condenação penal

As esferas de responsabilidade civil, penal e administrativa são, a


princípio, distintas e independentes; podendo ocorrer de um mesmo ato
ensejar cumulação de sanções civis, penais e administrativas (art. 125 da
Lei 8.112/90).

O STF já decidiu que a absolvição em processo administrativo disciplinar


não impede a apuração dos mesmos fatos em processo criminal, uma vez
que as instâncias penal e administrativa são independentes.140

Não obstante, em alguns casos poderá haver a comunicabilidade, de


modo que o que for decidido na instância penal repercute
necessariamente na instância administrativa.

A Lei 8.112/90 estabelece que haverá o afastamento da responsabilidade


administrativa no caso de absolvição criminal que negue a existência do
fato ou sua autoria (art. 126).

Ressalte-se, todavia, que a absolvição do servidor na esfera penal


somente repercute nas demais esferas se restar provada a inexistência do
fato ou a negativa de autoria, nos moldes do art. 386, I e V, do CPP. As
demais hipóteses de absolvição previstas no CPP, relacionadas à falta de
provas ou ausência de tipificação penal (art. 386, II, III, IV e VI), não
repercutem nas esferas civil e administrativa.

No caso de absolvição por falta de provas, não há comunicabilidade


porque “as provas que não são suficientes para demonstrar a prática de um crime
podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo”. 141

Em caso de mera ausência de tipificação penal, o servidor, mesmo


absolvido na esfera criminal, pode vir a ser condenado
administrativamente. Isso porque “o mesmo fato que não constitui crime pode
corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é menos do que o
ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que caracteriza o crime”. 142 Tem-
se aí a chamada falta residual a que se refere a Súmula 18 do STF: “Pela
falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é
admissível a punição administrativa do servidor público”. Ao revés, “se a
decisão absolutória proferida no juízo criminal não deixa resíduo a ser
apreciado na instância administrativa, não há como subsistir a pena
69
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disciplinar”.143

Já no que concerne à condenação na esfera penal, a sua repercussão na


esfera administrativa vai depender do tipo de crime praticado pelo
servidor e da pena que lhe for aplicada pelo juízo criminal.

Como leciona José dos Santos Carvalho Filho, "primeiramente, deve


agrupar-se as decisões penais em duas categorias, conforme o crime imputado ao
servidor público: a) crimes funcionais,

140 STF, HC 77784-MT, rel. Min. Ilmar Galvão.


141
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
142 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.

Direito administrativo. São Paulo: Atlas.


143 STF, RDA 123/216.

70
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aqueles em que o ilícito penal tem correlação com os deveres administrativos; e b)


crimes não funcionais, os demais, isto é, os que não têm essa conexão". 144

No tocante à condenação por crime funcional, haverá sempre alguma


comunicabilidade com a instância administrativa. Consoante explica o
referido professor:

"Em se tratando de decisão penal condenatória por crime funcional, terá que haver
sempre reflexo na esfera da Administração. Se o juiz reconheceu que o servidor
praticou crime e este é conexo à função pública, a Administração não tem outra
alternativa senão a de considerar a conduta como ilícito também administrativo.
Exemplo: se o servidor é condenado pelo crime de corrupção passiva (art.
317. CP), terá implicitamente praticado um ilícito administrativo. No caso da Lei
n. 8.112/90, o servidor terá violado o art. 117, XII, que o proíbe de receber propina
ou vantagem de qualquer espécie em razão de suas atribuições. A instância penal,
então, obriga a instância administrativa" 145.

Com efeito, se o juiz criminal declara a ocorrência de um fato criminoso


de natureza funcional, atribuindo a sua autoria ao servidor, tal conclusão
há de ser adotada também em processo disciplinar no qual se esteja
apurando a responsabilidade administrativa pelo mesmo fato, e é
precisamente nisso que consiste a comunicabilidade de instâncias.
Significa dizer que se o servidor for condenado na esfera criminal, terá de
também sofrer uma punição na via administrativa.

Acrescente-se a isso que o Código Penal prevê a possibilidade de o


próprio juiz decretar de logo a perda do cargo do servidor, como efeito
direto da condenação penal. Deveras, se o servidor for condenado por
crime funcional praticado com abuso de poder ou violação de dever para
com a Administração Pública, poderá ser decretada a perda do cargo,
função pública ou mandato eletivo sempre que a pena privativa de
liberdade for superior a 1 (um) ano (CP, art. 92, I, a). Ressalve-se que esse
efeito da condenação penal não é automático, devendo ser
motivadamente declarado pelo juiz na sentença criminal (CP, art. 92, p.
único).

Apesar de a doutrina em geral não fazer distinção, tratando essa situação


como hipótese de comunicabilidade entre as instâncias, pensamos não
haver aí propriamente tal comunicabilidade, porquanto a perda do cargo
é decorrência direta da sentença criminal e não de uma condenação
administrativa baseada no quanto decidido na esfera penal.

63
145 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

Quando se fala em comunicabilidade, pressupõe-se que haja duas


decisões, uma na esfera criminal e outra na esfera administrativa, sendo
que esta deve seguir a conclusão daquela. Já em se tratando de efeito da
sentença penal, a perda do cargo independe de uma decisão na via
administrativa.

Da mesma forma, em relação à condenação por crime não funcional,


apesar de não configurar propriamente uma situação de comunicabilidade
entre as instâncias (por não haver falta disciplinar a punir), ainda assim
pode ensejar repercussão na esfera administrativa, como efeito direto da
condenação penal, se o juiz, aplicando pena privativa de liberdade
superior a 4 (quatro) anos, decidir decretar de logo a perda do cargo,
função pública ou mandato eletivo (CP, art. 92, I, b).

Se a condenação em pena privativa de liberdade não implicar a perda do


cargo, naturalmente o servidor deverá ficar afastado do serviços enquanto
cumpre a pena, conforme esclarece José dos Santos:

144
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.

63
146 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

“a) se a privação de liberdade for por tempo inferior a quatro anos, o servidor
ficará afastado de seu cargo ou função, prevendo o estatuto federal nesse caso o
benefício de auxílio-reclusão, pago à sua família (art.229); b) se a privação de
liberdade é superior a quatro anos, incide o art.92, I, “b”, do CP (com a redação
dada pela Lei 9268, de 1/4/1996), pelo qual a condenação, nessa hipótese, acarreta
a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo”. 146

6.7.3) Sanções por ato de improbidade administrativa

Importante salientar ainda que se o ato praticado pelo servidor se


configurar como ato de improbidade administrativa, além da
responsabilidade administrativa de natureza disciplinar apurada no
âmbito interno da Administração e passível da aplicação da penalidade de
demissão (art. 132, IV, da Lei 8.112/90), poderá caber também a ação de
improbidade administrativa prevista na Lei 8.429/92, que, apesar de se
tratar de ação judicial de natureza civil, poderá ensejar a aplicação de
sanções similares às previstas na esfera administrativa, incluindo a
suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

Conforme veremos em capítulo posterior, existem atualmente cinco


espécies de atos de improbidade administrativa tipificados em lei.
Configura-se improbidade administrativa casos de enriquecimento ilícito
doloso (art. 9o da Lei 8.429/92), prejuízo ao erário doloso ou culposo (art.
10 da Lei 8.429/92) ou atentado doloso contra os princípios da
administração pública (art. 11 da Lei 8.429/92). Com a edição da Lei
Complementar 157/2016, passou a configurar ato de improbidade
administrativa a concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro
ou tributário relacionado ao imposto municipal sobre serviços ((art. 10- A
da Lei 8.429/92). Por fim, está tipificado também como ato de improbidade
certos atos que atentem contra a ordem urbanística, como previsto no
Estatuto da Cidade (art. 52 da Lei 10.257/2001).

Importante destacar que o combate à improbidade administrativa


encontra assento constitucional, estabelecendo o art. 37, §4º, da CF/88
que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos
direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens
e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem
prejuízo da ação penal cabível.

Realçando o caráter civil e político das sanções por improbidade


64
146
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

administrativa, escreve Maria Sylvia Di Pietro:

“Isso permite concluir que: (a) o ato de improbidade, em si, não constitui crime,
mas pode corresponder também a um crime definido em lei; (b) as sanções
indicadas no artigo 37, §4º, da Constituição não têm a natureza de sanções penais,
porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do
dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas
„sem prejuízo da ação penal cabível‟; (c) se o ato de improbidade corresponder
também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será
concomitante com o processo criminal. Além disso, o ato de improbidade
administrativa, quando praticado por servidor público, corresponde também a um
ilícito administrativo já previsto na legislação estatutária de cada ente da
federação, o que obriga a autoridade administrativa competente a instaurar o
procedimento adequado para apuração de responsabilidade. (...) A natureza das
medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade
administrativa, embora possa ter conseqüências na esfera criminal,

64
146
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera


administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo
administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política,
porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário”. 147

Saliente-se que, a exemplo do que ocorre om a condenação penal por


crime funcional, a condenação por ato de improbidade pode ensejar a
perda do função pública, que é uma das penas previstas no art.12 Lei
8.429/92. Nesse caso, trata-se de um efeito direto da condenação judicial,
independente do que vier a ser decidido em processo disciplinar na via
administrativa.

6.8) DESPROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO

Ao desprovimento de um cargo público denomina-se vacância, que é o


“fato administrativo- funcional que indica que determinado cargo público não está
provido, ou em outras palavras, está sem titular”. 148

“Desprovimento é a exclusão do serviço público, tendo por objeto a destituição do


servidor de cargo, emprego ou função. O desprovimento poderá decorrer de fato ou
de ato administrativo, este, por sua vez, ou constitutivo ou declaratório. A
conseqüência do desprovimento é a vacância do cargo, emprego ou função
desocupados”.149

Portanto, “ocorrida a destituição do servidor do cargo que ocupava, este resta


vago, instaura-se uma situação de vacância, ou seja, de cargo sem titular. Várias
são as causas que podem levar um cargo à situação de vacância”. 150

O art. 33 da Lei 8.112/90 dispõe que a vacância do cargo público decorrerá


de: exoneração; demissão; promoção; readaptação; aposentadoria;
posse em outro cargo inacumulável e falecimento.

Examinando o dispositivo legal, constata-se que a vacância pode ocorrer


com extinção do vínculo (exoneração, demissão, falecimento e
aposentadoria) ou sem extinção do vínculo (promoção, readaptação e
recondução).

As formas de vacância sem extinção do vínculo já foram estudadas


anteriormente, ao tratarmos das formas de provimento derivado (o
provimento derivado no cargo posterior implica o desprovimento do
cargo anterior, com a conseqüente vacância).

65
150
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

Vamos examinar agora as formas de vacância com extinção do vínculo,


conforme apontam os doutrinadores.

Exoneração é o desligamento de servidor, sem caráter de penalidade, de


cargo em comissão, de cargo efetivo quando ainda não haja estabilidade
ou, ainda, de cargo efetivo quando haja estabilidade nas hipóteses
excepcionais previstas no ordenamento (já estudadas anteriormente), que
pode se dar a pedido ou por ato de ofício da Administração. Está prevista
nos artigos 34 e 35 da Lei 8.112/90.

147
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo:
Atlas.
148
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
149 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense.

65
150
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto

“Exoneração é o ato administrativo constitutivo cuja finalidade é extinguir a


relação jurídico- funcional entre o funcionário ou servidor e o Estado. A
exoneração pode ser aplicada para romper a relação jurídica dos ocupantes de
cargos em comissão e dos que estejam em estágio probatório, desde que se assegure
o contraditório. Também é praticada nas hipóteses em que a relação jurídica vai
se extinguir a pedido do funcionário ou servidor”.151

“Exoneração é o desligamento do servidor do quadro de pessoal da entidade a que


se vinculava, sem caráter punitivo. Pode ser a pedido do servidor ou por
deliberação (ex officio) da entidade a que estava vinculado. A exoneração ex officio
somente pode ter lugar se o servidor titularizava cargo de provimento em comissão
ou se era ocupante de cargo de provimento efetivo antes de ocorrer a estabilidade.
Nesta última hipótese, exige-se a apuração, em processo administrativo, da
inadequação do servidor na execução da atividade pública (RDA, 101:124,
126:147). Há a extinção do vínculo existente entre o servidor e a Administração
Pública, mas não a extinção do cargo, que aguardará novo titular”. 152

“A exoneração não é penalidade; ela se dá a pedido ou ex officio, neste último caso


quando se tratar de cargo em comissão ou, no caso de cargo efetivo, quando não
satisfeitas as exigências do estágio probatório ou quando, tendo tomado posse, o
servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido (arts. 34 e 35 da Lei
8112/90)”.153

Demissão é o desligamento de servidor do cargo, com caráter de


penalidade, ou seja, com efeito sancionador (art. 127, III, da Lei 8.112/90).
Os casos de aplicação da penalidade de demissão estão previstos no art.
132 do Estatuto, quais sejam: I - crime contra a administração pública; II -
abandono de cargo; III - inassiduidade habitual; IV - improbidade
administrativa; V - incontinência pública e conduta escandalosa, na
repartição; VI - insubordinação grave em serviço; VII - ofensa física, em
serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de
outrem; VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos; IX - revelação de
segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X - lesão aos cofres
públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI - corrupção; XII -
acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII -
transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

“Demissão, como está a palavra a dizer, é ato administrativo constitutivo cuja


finalidade é o desligamento do funcionário estável, após regular inquérito
administrativo ou processo judicial, tendo por motivo o cometimento de infrações
tipificadas como graves. Ao ato de demissão, como já enfatizamos, deverão
preceder o contraditório e a ampla defesa – o „devido processo legal‟, como

65
150
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
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reiteradamente falado. Não prescinde, ainda, da designação de defensor ad hoc,


pois há o direito e, conseqüentemente, o dever de a Administração possibilitar a
defesa técnica. De seu turno, a demissão a bem do serviço público também é
desligamento, acrescendo-se, porém, um plus. O funcionário é desligado porque,
além de ter cometido infrações graves (onde cabem sanções), sua permanência é
absolutamente indesejável ao serviço público, o que torna impraticável sua
volta”.154

“Demissão é o desligamento do servidor do quadro de pessoal da entidade a que se


vinculava, como medida punitiva. Trata-se, pois, de sanção, e assim é considerada
pelo Estatuto federal no art.127. É aplicável, segundo essa lei, nos casos de: crime
contra a Administração Pública; abandono de cargo; inassiduidade habitual;
improbidade administrativa; incontinência pública e conduta escandalosa, na
repartição; insubordinação grave em serviço; ofensa física, em serviço, a servidor
ou a particular,

151
FIGUEIREDO, Lúcia Valle Figueiredo. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.
152
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
153 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo:
Atlas.

65
150
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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salvo em legítima defesa própria ou de outrem; aplicação irregular de dinheiros


públicos; revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; lesão aos
cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; corrupção; acumulação
ilegal de cargos, empregos públicos ou funções públicas; transgressão dos incisos
IX a XVI do art.117 do Estatuto federal. Alguns estatutos estabelecem que a
demissão pode ser simples ou agravada e indicam quando pode ser desta última
espécie e, portanto, aplicada com a nota „a bem do serviço público‟, como o faz o
Estatuto paulista (art.257). Por ela ocorre o rompimento do vínculo que vigorava
entre a Administração e o demitido, sem, obviamente, o desaparecimento do cargo,
que deverá ser ocupado por outro titular”. 155

Falecimento “é o desaparecimento (por isso o cargo fica vago) do servidor. Sua


morte põe fim ao vínculo que mantinha com a entidade a que se ligava. Ocorre,
assim, a vacância. O cargo até então ocupado aguardará novo titular”. 156

Posse em outro cargo inacumulável “é espécie de vacância, na medida em que


pela nova posse acontece a vaga no cargo anteriormente ocupado, pois significa a
renúncia do cargo precedente, que, por isso, fica vago. Há rompimento do vínculo
até então existente entre a Administração Pública e o servidor, sem a extinção do
cargo. O servidor, no caso, passa a ocupar outro cargo em razão do novo vínculo
que se constitui”.157

6.9) NOÇÕES SOBRE A PREVIDÊNCIA DO SERVIDOR PÚBLICO

No atual contexto do ordenamento jurídico brasileiro, o estudo da


previdência do servidor público encontra local mais adequado em
disciplina específica que enfrente toda a complexidade e peculiaridades
das questões relacionadas ao tema, tratando-se de verdadeiro capítulo do
Direito Previdenciário. Não obstante, os manuais de Direito Administrativo
costumam fazer menção às normas previdenciárias aplicadas aos
servidores estatutários titulares de cargo efetivo, consoante os ditames
do art. 40 da CF/88, razão pela qual faremos aqui uma abordagem do tema,
ainda que sucinta.

No Brasil, existem basicamente dois tipos de regimes de previdência


pública.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é o aplicado aos


trabalhadores da iniciativa privada, assim como aos empregados das
empresas estatais e outras entidades públicas que não tenham regime
próprio. Está previsto no art. 201 e seguintes da Constituição Federal de
1988, estando sua administração a cargo do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS). No RGPS há um teto no valor dos benefícios concedidos
aos segurados e, por conseguinte, a base de cálculo das contribuições
67
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também obedece a um teto.

Já para os servidores estatutários, titulares de cargos efetivos da União,


dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas
autarquias e fundações, a CF/88 prevê instituição de Regime Próprio de
Previdência Social (RPPS). Com isso, as normas fundamentais do RPPS
encontram-se no art. 40 da Carta Magna, competindo a cada ente político
editar legislação específica que disponha sobre a previdência dos seus
servidores, cobrando deles contribuições a fim de custeá-lo (CF, art. 149,
§1º).

Observados os ditames da CF/88, o regime próprio de previdência social


pode ser adotado por todos os entes da federação (União, Estados,
Distrito Federal e Municípios),

155
GASPARINI, Diógenes. Direito
administrativo. São Paulo: Saraiva.
156 GASPARINI, Diógenes. Direito

administrativo. São Paulo: Saraiva.


157
GASPARINI, Diógenes. Direito
administrativo. São Paulo: Saraiva.

68
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estabelecendo proventos de aposentadoria para seus respectivos


servidores ocupantes de cargos efetivos, cujos dependentes terão direito
a proventos de pensão em caso de falecimento do servidor. Sujeitam-se
também ao regime próprio as aposentadorias e pensões dos militares das
Forças Armadas, a cargo da União, e das Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros, a cargo dos Estados e do DF, bem como dos membros
vitalícios do Poder Judiciário (CF, art. 93, VI), do Ministério Público (CF,
art. 129, §4º) e dos Tribunais de Contas (CF, art. 73, §3º).

Obedecendo às normas gerais dispostas na Constituição, o regime


próprio de previdência já existe para servidores da União, de todos os
Estados e do DF, bem como já foi instituído em cerca de dois mil
Municípios por todo o Brasil. Nos Municípios que ainda não editaram o
seu respectivo RPPS (geralmente Municípios pequenos), a previdência
dos servidores segue as normas do regime geral (RGPS).

Saliente-se que, mesmo nos entes políticos que já instituíram regime


próprio de previdência, nem todos os servidores públicos submetem-se a
este regime, mas, sim, somente os ocupantes de cargos efetivos, sendo
que, nos termos do art. 40, §13, da CF/88, aplica-se ao agente público
ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração, de outro cargo temporário, inclusive
mandato eletivo, ou de emprego público, o Regime Geral de Previdência
Social.

Portanto, o presente tópico diz respeito apenas às aposentadorias e


pensões do RPPS, regime ao qual estão filiados os servidores estatutários
ocupantes de cargos efetivos.

De acordo com o art. 40, §1º, da CF, no RPPS existem três modalidades de
aposentadorias a que faz jus o servidor estatutário ocupante de cargo
efetivo: I) por invalidez permanente; II) compulsória; III) voluntária.

A aposentadoria por invalidez permanente para o trabalho ocorre no cargo


em que estiver investido o servidor, quando insuscetível de readaptação,
hipótese em que será obrigatória a realização de avaliações periódicas
para verificação da continuidade das condições que ensejaram a
concessão da aposentadoria, na forma de lei do respectivo ente
federativo.

A aposentadoria compulsória, com proventos proporcionais ao tempo de


contribuição, dá-se aos 75 anos de idade. Antes da EC 88/2015, a
aposentadoria compulsória do servidor ocorria aos 70 anos. Após esta
emenda, admitiu-se o aumento da idade limite, conforme viesse a ser
69
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estabelecido por lei complementar, a qual, por sua vez, já foi editada: é a
LC 152/2015.

A aposentadoria compulsória somente se aplica aos ocupantes de cargos


efetivos, de modo que ocupantes de cargos em comissão poderão neles
permanecer ou para eles serem nomeados independentemente da idade.
Sobre isso já decidiu o STF:

"1 - Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão não se


submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da
Constituição Federal, a qual atinge apenas os ocupantes de cargo de provimento
efetivo, inexistindo, também, qualquer idade limite para fins de nomeação a cargo
em comissão; 2 - Ressalvados impedimentos de ordem infraconstitucional, não há
óbice constitucional a que o servidor efetivo aposentado compulsoriamente
permaneça no cargo comissionado que já desempenhava ou a que seja nomeado
para cargo de livre nomeação e

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exoneração, uma vez que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo
com a Administração"158.

A aposentadoria voluntária, por sua vez, é a que mais comumente ocorre


no serviço público, quando o servidor atinge determinada idade mínima,
preenchendo os demais requisitos constitucionais e legais para poder
requerer a sua inatividade remunerada.

A exata compreensão desses requisitos para a aposentadoria voluntária


do servidor público comporta uma análise jurídica trabalhosa, pois, as
regras constitucionais sobre o RPPS sofreram sucessivamente, ao longo
das últimas décadas, ao menos três reformas substanciais.

As duas primeiras reformas vieram com a Emenda Constitucional 20, de


15/12/1998 e a Emenda Constitucional 41, de 19/12/ 2003 (posteriormente
complementada pela Emenda Constitucional 47, de 05/06/2005).

“O regime próprio de previdência do servidor público titular de cargo efetivo, sob


a égide da atual Constituição Federal, já foi alterado duas vezes. Uma primeira vez,
por meio da EC n. 20, de 15 de dezembro de 1998. Na segunda, através da EC n.
41, de 19 de dezembro de 2003. O objetivo principal e indisfarçável destas reformas
foi, reduzindo os direitos sociais do servidor público, equipará-los aos
trabalhadores da iniciativa privada”.159

As reformas implementadas pelas emendas 20/98 e 41/2003 tiveram como


norte a fixação de um teto para aposentadorias e pensões, no tocante a
novos servidores públicos, similar ao que já ocorre no regime de
previdência dos trabalhadores em geral (RGPS). Ao lado disso, foi
prevista também a criação de uma previdência complementar no setor
público, voltada aos servidores que optarem por contribuir a mais,
mediante poupança, a fim de garantir a majoração de seus proventos por
ocasião da futura aposentadoria.

Mais recentemente houve nova alteração promovida pela Emenda


Constitucional 103, de 12/11/2019, dessa vez promovendo-se uma ampla
e densa reforma da previdência, não apenas no que concerne ao RGPS,
mas também quanto aos RPPS.

Pode-se dizer que todas as emendas constitucionais referidas afetaram


basicamente os pilares do regime de previdência dos servidores públicos,
notadamente nos seguintes aspectos: i) alteraram requisitos de idade e/ou
tempo de contribuição para o servidor ter direito à aposentadoria; ii)
alteraram critérios para a apuração do valor dos proventos de
aposentadoria a que o servidor terá direito. Como já dito, as sucessivas
71
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reformas buscaram gradativamente aproximar os regimes de previdência


(RGPS e RPPS), o que fica claro sob estes dois aspectos citados.

Pois bem, para tentarmos desembaraçar esse “novelo de lã” em que se


transformou o conjunto de normas que integram o regime jurídico da
previdência social dos servidores públicos, é preciso compreender que
cada qual dessas reformas (EC 20/98, EC 41/2003 e EC 103/2019) instituiu
um novo regime, o qual, por sua vez, apenas se aplica na íntegra aos
servidores que foram investidos no cargo efetivo após a vigência da
respectiva emenda.

158 STF, RE 786540, rel. Min. Dias Toffoli, DJ de 15/12/2016.


159 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito administrativo. Salvador: JusPodivm.

72
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Ao lado disso, – e aqui reside precisamente a complexidade do arcabouço


normativo –, para os servidores que já estavam no cargo antes da vigência
da emenda, foram instituídas regras de transição criando regimes
híbridos, fazendo-se uma mescla de normas antigas e normas novas.

Tais regras de transição não se confundem com as hipóteses de direito


adquirido, pois, conforme precedentes do STF, não há propriamente
direito adquirido à manutenção de um regime jurídico, de maneira que, a
princípio ninguém pode se opor à mudança da legislação a ser aplicada a
casos futuros. O que se deve respeitar são os direitos que, em casos
concretos do passado, já tenham se consolidado antes da mudança das
regras.

Por conseguinte, somente tem direito adquirido à aposentadoria pela


legislação anterior o servidor que já havia preenchido todos os requisitos
de inatividade nela previstos. Se a mudança ocorre quando o servidor
ainda não preencheu os requisitos de aposentadoria previstos na
legislação anterior, significa que ele não tem direito adquirido, mas, sim,
apenas alimentava uma expectativa de direito que se frustrou com a
mudança das regras.

Exatamente para essas situações (em que não haja ainda direito
adquirido) é que são instituídas as regras de transição, prevendo critérios
mais flexíveis a fim de resguardar justas expectativas diante da brusca
mudança do ordenamento e diminuindo, com isso, o impacto para
servidores que, mesmo sem direito adquirido, já estavam a caminho da
aposentadoria (alguns, inclusive, faltando poucos meses). Busca-se,
assim, “harmonizar a passagem do servidor de um para outro sistema”. 160 Esta
foi, registre-se, a razão política das aludidas regras de transição.

Chegamos, então, à seguinte conclusão: ainda que o servidor não tenha


preenchido todos os requisitos para se aposentar segundo as normas
vigentes antes da emenda (caso contrário, já teria direito adquirido), a sua
situação jurídica não é exatamente a mesma dos servidores que foram
admitidos após a emenda. É preciso examinar as regras de transição, o
que pode variar a depender da situação.

Em linhas gerais, há três conjuntos de situações jurídicas nas quais um


servidor público ocupante de cargo efetivo pode estar enquadrado para
fins previdenciários:

a) Novos servidores, admitidos no Já lhes incide o novo regime


serviço público após o advento da criado pela emenda.
73
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emenda.

b) Servidores que já estavam no serviço Tem direito adquirido a se


público na data da emenda e poderiam aposentar mediante a
ter se aposentado conforme o regime aplicação das regras
anterior, porém, optaram por anteriores, levando em conta
continuar na ativa. a data em que os requisitos
nelas previstos foram
preenchidos. Ocorre, nesse
caso, a ultratividade da lei
previdenciária, conforme o
princípio tempus regit actum.

c) Servidores que já estavam no serviço Não há direito adquirido à


público na data da emenda, porém, observância do regime
ainda não podiam se anterior, contudo, a eles

160
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

74
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aposentar pelas regras do regime serão aplicadas as regras de


anterior. transição previstas na
emenda editada após a sua
admissão.

Cabe destacar que esses três conjuntos de situações jurídicas comportam


subdivisões internas a depender da data em que o servidor entrou no
serviço público investido em cargo efetivo, isto é, conforme a sua data de
filiação ao RPPS.

Há os servidores mais antigos, que já estavam no serviço público antes


do advento da EC 20/98, assim como há os que somente foram admitidos
após esta emenda, porém antes do advento da EC 41/2003. Da mesma
forma, há os que foram admitidos após a EC 41/2003, porém antes da EC
103/2019. E, finalmente, há os que vieram a ser admitidos após a EC
103/2019.

Considerando que cada emenda posterior promoveu alterações no regime


jurídico instituído pela emenda anterior, surgem diversos subconjuntos
de situações específicas e diferenciadas, seja envolvendo hipóteses de
direito adquirido, seja para fins de incidência de regras de transição,
naquilo que for mais favorável ao servidor em cada caso.

Tudo o que se disse acima em relação às aposentadorias, vale também para


as pensões.

Feitos estes esclarecimentos, antes de examinarmos as normas de


previdência social dos servidores públicos previstas no texto
constitucional, na redação atual dada pela EC 103/2019, cabe descrever
as principais mudanças que vieram sendo feitas ao longo do tempo e que,
como dito, são levadas em conta para se investigar a situação jurídica de
cada servidor.

Vejamos, em síntese, como se deu essa cronologia.

6.9.1) ANTES DA EMENDA 20/98

Pela redação original da CF/88, o servidor público tinha direito a se


aposentar tanto por idade quanto por tempo de serviço. Estes requisitos
temporais não eram acumuláveis, ou seja, o servidor poderia se aposentar
tão logo atingisse a idade mínima prevista ou, antes mesmo disso, se
totalizasse o tempo de serviço necessário e suficiente.

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Assim, a aposentadoria voluntária poderia ocorrer em quatro hipóteses:


a) aos 35 anos de serviço, se homem, e aos 30, se mulher, com proventos
integrais; b) aos 30 anos de efetivo exercício em funções de magistério,
se professor, e aos 25, se professora, com proventos integrais; c) aos 30
anos de serviço, se homem, e aos 25, se mulher, com proventos
proporcionais a esse tempo; d) aos 65 anos de idade, se homem, e aos 60,
se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço. Previu-se,
ainda, que lei complementar poderia estabelecer critérios diferenciados
para atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.

Cabe destacar que a redação original da CF/88 admitia regimes próprios


de previdência não apenas para os ocupantes de cargos efetivos, havendo
a possibilidade de cada ente federado editar lei dispondo sobre a
aposentadoria em cargos ou empregos temporários.

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Até então, os proventos de aposentadoria deveriam equivaler à mesma


remuneração paga ao servidor na ativa (integralidade) e sofrer os mesmos
reajustes ao longo do tempo (paridade). Tais prerrogativas financeiras de
integralidade e paridade eram os pilares fundamentais do regime próprio
de previdência. Mas, como veremos a seguir, por força de sucessivas
emendas constitucionais, sobretudo após a EC 41/2003, essas
prerrogativas foram modificadas, aproximando cada vez mais o RPPS do
regime geral (RGPS).

6.9.2) APÓS A EMENDA 20/98 E ANTES DA EMENDA 41/2003

Com a edição da EC 20/98, a Constituição passou a exigir que, além da


idade mínima, o servidor somente pudesse se aposentar ao completar
determinado tempo de contribuição para o custeio da previdência, bem
como um tempo mínimo de efetivo exercício no serviço público e no cargo
efetivo em que se dava a aposentadoria. Portanto, os requisitos de idade
e tempo de contribuição passaram a ser acumuláveis, de modo que o
servidor não mais poderia se aposentar com proventos integrais apenas
por idade ou apenas por tempo de serviço. Essa foi a principal
modificação introduzida pela EC 20.

Resguardou-se o direito adquirido dos servidores que, antes da emenda,


já haviam preenchido o requisito da idade ou o requisito do tempo de
serviço suficiente para se aposentar com proventos integrais. Para os que
não tinham tal direito adquirido, a EC 20 estabeleceu que a aposentadoria
por idade ainda poderia ser concedida, desde que com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição.

Foi a EC 20 que primeiro restringiu o RPPS somente aos servidores


ocupantes de cargos efetivos, passando a estabelecer que aos servidores
ocupantes, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração, bem como de outro cargo temporário ou de
emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social (RGPS).

Vedou-se a percepção simultânea de mais de um provento de


aposentadoria no RPPS, bem como com a remuneração de cargo,
emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis
permitidos na própria Constituição, os cargos eletivos e os cargos em
comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Em relação à integralidade e à paridade, a EC 20 nada alterou, de maneira


que os proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargos
efetivos que já estavam no serviço público antes da emenda continuaram
correspondendo à totalidade da sua remuneração e sendo reajustados na
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mesma proporção sempre que modificada a remuneração dos servidores


em atividade.

Não obstante, a EC 20 previu a possibilidade de a União, os Estados, o DF


e os Municípios fixarem o mesmo teto do RGPS para aposentadorias e
pensões de seus servidores titulares de cargos efetivos, desde que, para
tanto, instituíssem fundos de previdência complementar. A opção por
esse regime de previdência complementar deveria obedecer às regras
dispostas em lei complementar editada pela União e seria aplicado de
imediato aos servidores que ingressassem no serviço público após a
criação do fundo de previdência complementar por cada ente federado.

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6.9.3) APÓS A EMENDA 41/2003 E ANTES DA EMENDA 103/2019

Com a edição da EC 41/2003, as mudanças no RPPS foram ainda mais


extensas e substanciais, notadamente com a modificação do conceito
tradicional de integralidade e a extinção da paridade.

O cálculo da aposentadoria com proventos integrais passou a levar em


conta não mais o último salário, mas, sim, a média aritmética das
remunerações do período contributivo do servidor, sendo que os
reajustes incidentes sobre tais proventos deixaram de ser equivalentes
aos concedidos aos servidores da ativa, passando a depender de lei
específica, tal como ocorre no RGPS. O mesmo ocorreu com a pensão por
morte, cujo valor, pago aos dependentes do servidor falecido, também foi
reduzido.

Para os servidores que ainda não haviam completado o período de


contribuição, continuou sendo facultada a aposentadoria com proventos
proporcionais, mediante a aplicação de um redutor sobre a média das
contribuições.

Como já destacamos, o novo regime criado pela emenda só vale para os


que entraram no serviço público após a sua vigência. Isso porque, além
de resguardar os direitos adquiridos dos servidores que já haviam
preenchido os requisitos do regime anterior, a emenda fixou regras de
transição para os demais ocupantes de cargos efetivos que já estavam no
serviço público, assegurando-lhes com isso a manutenção da
integralidade e da paridade, observados apenas os novos requisitos de
idade, tempo de contribuição, tempo de exercício no serviço público e no
cargo em que se der a aposentadoria. Posteriormente, a EC 47/2005
alterou um pouco estes requisitos para os servidores que ingressaram no
serviço público até o advento da EC 20/98.

Tal como já havia sido estabelecido pela EC 20/98, a EC 41/2003 manteve


a possibilidade de se limitar a aposentadoria do servidor ao teto do RGPS,
desde que ocorra a instituição, pelo respectivo ente federado, de um
fundo de previdência complementar. De acordo com a EC 41, isso não
mais precisa ocorrer por lei complementar, bastando que o regime de
previdência complementar seja instituído por lei de iniciativa do Poder
Executivo de cada ente.

No âmbito federal, a Lei 12.618/2012 instituiu o regime de previdência


complementar para os servidores públicos titulares de cargo efetivo, de
modo que o teto do RGPS passou a ser aplicado ao regime de
aposentadoria dos novos servidores federais que ingressaram no serviço
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público a partir de então.

No Estado da Bahia, o mesmo ocorreu após a edição da Lei estadual


13.222/2015.

Em suma, os servidores que ingressaram ou venham a ingressar no


serviço público após a data de instituição do regime de previdência
complementar (o que varia conforme a lei editada por cada ente
federativo) passam a submeter-se ao teto do RGPS, com a opção de
contribuir para o fundo de previdência complementar. Com isso, os novos
servidores já entram no serviço público com suas futuras aposentadorias
limitadas ao valor do teto do RGPS, mas com a opção de contribuir para
o fundo de previdência complementar e garantir uma suplementação
(denominada benefício especial – BE). Essa opção foi dada também aos
servidores que já haviam ingressado antes, caso considerem esse novo
regime mais vantajoso e façam a adesão espontânea dentro de um prazo

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estabelecido, migrando para o regime de previdência e complementar e


abrindo mão do regime anterior.

O servidor que tenha completado as exigências para aposentadoria


voluntária e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de
permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até
completar as exigências para aposentadoria compulsória.

6.9.3) APÓS A EMENDA 103/2019

Por fim, veio a EC 103/2019, estabelecendo que a aposentadoria


voluntária, no âmbito da União, ocorrerá aos 62 anos de idade, se mulher,
e aos 65 anos de idade, se homem. Além disso, enquanto não for editada
lei federal disciplinando o RPPS dos servidores da União, será também
necessário que, além da idade, o servidor federal contabilize 25 anos de
contribuição, um tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço
público e 5 anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria.

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a


aposentadoria voluntária ocorrerá na idade mínima estabelecida mediante
emenda às respectivas Constituições e Leis Orgânicas, observados o
tempo de contribuição e os demais requisitos estabelecidos em lei
complementar do respectivo ente federativo.

A reforma implementada pela EC 103/2019 cuidou de estabelecer os


requisitos de aposentadoria no tocante aos servidores federais (alguns
destes requisitos ainda passíveis de alteração por lei federal), deixando
para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a incumbência de
legislar sobre tais requisitos em seus respectivos regimes próprios de
previdência.

A princípio, é vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados


para concessão de benefícios no RPPS. No entanto, a Constituição prevê
três exceções a esta regra, como disposto nos §§ 4º-A, 4º-B, 4º-C e 5º do
art. 40

Conforme o §4º-A, poderão ser estabelecidos por lei complementar do


respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados
para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente
submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe
multiprofissional e interdisciplinar.

O §§ 4º-B e 4º-C também permitem que cada ente federativo possa editar
lei complementar estabelecendo requisitos de idade e tempo de
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contribuição diferenciados para aposentadorias, nas seguintes situações:


a) servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a
agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação
desses agentes; b) servidores portadores de deficiência; c) servidores
ocupantes do cargo de agente penitenciário, de agente socioeducativo ou
de policial. Enquanto não for editada a lei complementar especificando os
critérios para a aposentadoria especial do servidor público, devem de ser
aplicados, por analogia, os critérios utilizados para os trabalhadores em
geral. Assim decidiu o STF e está consolidado em sua Súmula Vinculante
33:

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"Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral da


Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso
III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica".

Este dispositivo citado na Súmula está de acordo com a redação dada pela
EC 41/2003. Na redação atual, dada pela EC 103/2019, a aposentadoria
especial observará adicionalmente as condições e os requisitos
estabelecidos para o RGPS, naquilo em que não conflitarem com as regras
específicas aplicáveis ao regime próprio de previdência social da União,
vedada a conversão de tempo especial em comum.

Entretanto, como já dito, a EC 103/2019 cuidou de preestabelecer regras


aplicáveis aos servidores federais, inclusive no que concerne à
aposentadoria especial, dispondo que, enquanto não for editada a lei
federal, a aposentadoria especial dá-se aos 60 anos de idade, com 25 anos
de efetiva exposição e contribuição,10 anos de efetivo exercício de
serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que for concedida a
aposentadoria.

Por fim, na redação dada pela EC 103/2019, o §5º do art. 40 da CF/88 dispõe
que os ocupantes do cargo de professor terão idade mínima reduzida em
5 anos, desde que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de
magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio fixado
em lei complementar do respectivo ente federativo. Na área federal, a EC
103/2019 já deixou estabelecido que, enquanto não for editada lei federal
tratando do tema, a aposentadoria voluntária do professor ocorre aos 60
anos de idade, se homem, aos 57 anos, se mulher, com 25 anos de
contribuição exclusivamente em efetivo exercício das funções de
magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, 10 anos
de efetivo exercício de serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que
for concedida a aposentadoria, para ambos os sexos. Todos estes
requisitos são cumulativos.

7) NOÇÕES SOBRE O REGIME ESTATUTÁRIO MILITAR

Os agentes militares são agentes públicos submetidos a um regime


estatutário próprio, distinto do regime aplicável aos demais servidores
estatutários.

Segundo Diógenes Gasparini, “são todas as pessoas que, permanente ou


temporariamente, desempenham atividade militar no âmbito federal ou estadual,
percebendo por esse desempenho um subsídio. Para a Lei Maior em vigor são
agentes militares os integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e
Aeronáutica), os pertencentes às Polícias Militares e os integrantes dos Corpos de
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Bombeiros Militares. Os primeiros são federais, enquanto os últimos são estaduais,


distritais e territoriais”.161

“Todos os integrantes dessas corporações são agentes militares com direitos,


prerrogativas e obrigações decorrentes diretamente da Constituição Federal,
notadamente dos art. 42 e 142, e dos respectivos estatutos. A condição de integrante
das Forças Armadas ou das Polícias Militares estadual, distrital e territorial só
pode ser atribuída aos oficiais e praças que compõem os quadros militares
definidos em lei. Não são, portanto, militares os demais agentes eventualmente
lotados nas referidas instituições (Forças Armadas, Polícias Militares e Corpos de
Bombeiros Militares)”.162

Aos membros das Forças Armadas aplicam-se as diversas disposições


previstas no art. 142, §3º, da Carta. Assim, as patentes, com
prerrogativas, direitos e deveres a elas

161 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.


162
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em


plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes
privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais
membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas.

O militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil


permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei. O militar da
ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função
pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta,
ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto
permanecer nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-
lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para
a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não,
transferido para a reserva, nos termos da lei.

Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve, assim, como, enquanto


em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos. Aplicam-se
aos militares alguns dispositivos previstos na Carta em relação aos
trabalhadores em geral e aos servidores civis, quais sejam o art. 7º,
incisos VIII, (décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou
no valor da aposentadoria); XII (salário-família pago em razão do
dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei); XVII (gozo
de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o
salário normal); XVIII (licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do
salário, com a duração de cento e vinte dias); XIX (licença- paternidade,
nos termos fixados em lei), XXV (assistência gratuita aos filhos e
dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-
escolas) e o art. 37, incisos XI, (teto salarial igual ao subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal); XIII (vedação de
vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias); XIV
(proibição de cumulação de acréscimos pecuniários); XV (irredutibilidade
de subsídios, salvo nas hipóteses constitucionais). Além disso, aplica-se
aos militares e a seus pensionistas o disposto no art. 40, §§ 7º e 8º da Lei
Maior.

Recentemente, a EC 101/2019 acrescentou §3º ao art. 42 da CF/88,


estendendo aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios o direito à acumulação de cargos públicos prevista no art. 37,
XVI.

A Constituição previu ainda lei dispondo sobre o ingresso nas Forças


Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de
transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a
remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares,
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consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas


cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra (art.142,
§3º, X).

No âmbito federal, tal lei é a Lei 6.680/80 (Estatuto dos Agentes Militares
Federais), com algumas alterações legislativas posteriores.

No âmbito dos Estados e do Distrito Federal aplicam-se as disposições do


art. 42 da Constituição Federal, que trata dos membros das Polícias
Militares e Corpos de Bombeiros Militares, com um regime semelhante
aos das Forças Armadas (art. 142, §§2º e 3º). Incidem também os
dispositivos da Lei 6880/80, porém os Estados-membros e o Distrito
Federal poderão editar leis dispondo sobre os seus respectivos estatutos
militares.

Quanto ao ingresso no quadro, os agentes militares poderão ser oriundos


de recrutamento
ou de concurso público.

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O recrutamento ocorre por ocasião do serviço militar obrigatório nas


Forças Armadas, tal como previsto no art. 143 da Carta Magna de 1988. Às
Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos
que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de
consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e
de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de
caráter essencialmente militar (§1º). As mulheres e os eclesiásticos ficam
isentos do serviço militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a
outros encargos que a lei lhes atribuir (§2º). Nas polícias militares e corpos
de bombeiros não há recrutamento; o ingresso nestas instituições
somente ocorre por concurso.

O concurso público aplica-se ao ingresso nos cursos de formação de


oficiais e praças.

Seguindo uma escala hierárquica própria, os oficiais têm patente (tenente,


capitão, major, coronel, general etc.), enquanto os praças têm graduação
(soldado, cabo, sargento, subtenente etc.) 163

O oficial tem assegurada a vitaliciedade, isto é, só perderá o posto e a


patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por
decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de
tribunal especial, em tempo de guerra. O oficial condenado na justiça
comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por
sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento acima
mencionado. Já o praça somente terá estabilidade após dez anos de
serviço, conforme disposto na Lei 6.880/80.

Conforme estejam ou não no exercício do seu posto ou graduação, os


agentes militares são classificados em ativos e inativos. O militar inativo
está afastado do serviço, seja temporariamente, seja permanentemente. O
estado de inatividade poderá decorrer de agregação, reserva ou, ainda,
reforma.

A agregação é a situação do militar da ativa que deixa, temporariamente,


de ocupar vaga na corporação a que pertence por ter aceito cargo,
emprego ou função pública não eletiva na Administração Pública direta
ou indireta.

Reserva é a denominação genérica dada à aposentadoria do militar que


preenche os requisitos legais. Porém, o militar da reserva, mesma estando
na inatividade, pode ser convocado a qualquer tempo, retornando à ativa
por necessidade do serviço militar.

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Caso sobrevenha doença ou ocorra acidente que torne o militar


definitivamente incapacitado para o serviço militar, ele será reformado. O
mesmo acontecerá quando o militar atingir a idade-limite prevista no
estatuto. Ou seja, a reforma “é a situação do servidor militar da ativa que deixa,
em caráter definitivo, de ocupar vaga na corporação a que pertence. O agente
militar reformado não pode, sob qualquer hipótese, retornar à ativa”. 164 A reforma
pode ocorrer tanto para um militar da ativa (quando, por exemplo, venha
a sofrer um acidente), ou até mesmo a um militar que já esteja na reserva
(quando venha a atingir a idade-limite).

163 Essas nomenclaturas de patentes e graduações citadas são aquelas


empregadas no Exército Brasileiro e também utilizadas nas Polícias
Militares. Já a Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira utilizam outras
nomenclaturas, porém com distribuição equivalente entre os postos. Na
FAB, as nomenclaturas são similares ao Exército. Na Marinha, que é a
força mais antiga, as nomenclaturas são bem diferentes. Por exemplo, o
posto equivalente a major chama-se capitão de corveta e o coronel chama-
se capitão-de-mar-e-guerra. No tocante aos oficiais generais, as
nomenclaturas também variam. No Exército há generais (de brigada, de
divisão e de exército), na FAB há brigadeiros (brigadeiro, major-brigadeiro
e tenente-brigadeiro) e na Marinha há almirantes (contra-almirante, vice-
almirante e almirante de esquadra). Nas Polícias Militares não há oficial
general, o último posto é o de coronel.
164 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Além dessas situações de incapacidade física ou limite de idade, existe


ainda a figura da reforma disciplinar compulsória, que decorre da
aplicação de penalidade disciplinar ao militar, uma modalidade
semelhante à aposentadoria compulsória aplicada a servidores civis.

8) AGENTES DE FATO

A eventual investidura irregular de agente público constitui tema


interessante tratado na doutrina, sob o título de teoria do “funcionário de
fato”, ou do agente de fato, sustentando-se a validade dos atos por ele
praticados, em nome dos princípios da aparência, da boa-fé, da segurança
jurídica e da legalidade:

“De passagem, anote-se que o defeito invalidante da investidura de um agente não


acarreta, só por só, a invalidade dos atos que este praticou. É a conhecida teoria do
„funcionário de fato‟ (ou „agente público de fato‟). „Funcionário de fato‟ é aquele
cuja investidura foi irregular, mas cuja situação tem a aparência de legalidade. Em
nome do princípio da aparência, da boa-fé dos administrados, da segurança
jurídica e do princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos
reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não forem
viciados. Por outro lado, uma vez invalidada a investidura do funcionário de fato,
nem por isto ficará ele obrigado a repor aos cofres públicos aquilo que percebeu
até então. Isto porque, havendo trabalhado para o Poder Público, se lhe fosse
exigida a devolução dos vencimentos auferidos haveria um enriquecimento sem
causa do Estado, o qual, dessarte, se locupletaria com trabalho gratuito”. 165

Portanto, os agentes de fato são aqueles que, apesar de não terem sido
regularmente investidos em função pública, vieram a praticar atos em
nome do Estado. Tal pode ocorrer em duas hipóteses:

I) excepcionalmente, por urgência em situações emergenciais (ex:


epidemias, incêndio, enchentes, guerra, rebeliões etc.), sendo nesses
casos chamados de agentes necessários;

II) em situações comuns de interesse público, nas quais o agente, por


erro, exerce uma função estatal (quando tudo realmente leva a crer que
possa fazê-lo) ou ainda quando tenha sido investido na função de forma
inválida. Nesses casos têm-se os chamados agentes putativos.

“Os servidores que desempenha funções públicas para as quais foram regularmente
investidos, seja por um regime estatutário, seja sob regime contratual, são
servidores (ou agentes, quando atuam decisoriamente) de direito. Existem, todavia,
servidores que desempenham funções públicas sem regular investidura,
caracterizando-se como servidores (ou agentes) de fato. Desde logo, não se deve
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confundir a figura do servidor de fato com a do usurpador, que se apodera da função


pública pela fraude e pela violência para a satisfação de interesse privado. O agente
de fato, distintamente, exerce a função pública tal como se esperaria do agente de
direito, ou seja, para atender ao interesse público. Assim, alguém pode ser
considerado como um servidor de fato, levado tanto por erro, como pelas
contingências de necessidade pública, jamais por dolo ou malícia. Ao atuar
decisoriamente e no suposto de desempenhar uma função pública, distinguem-se,
destarte, duas categorias de agentes de fato: o agente putativo e o agente
necessário”.166

165 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.


São Paulo: Malheiros.
166 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.

Rio de Janeiro: Forense.

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Quanto aos agentes necessários, a doutrina reconhece a validade dos


atos praticados, tratando-os como gestores de negócios públicos e,
portanto, como agentes particulares a colaboradores.

“São os que assumem validamente (RDA, 123:170) a gestão dos negócios públicos
em momentos de emergência, de forma instantânea (prisão de um criminoso) ou
duradoura (casos de guerra, em que as autoridades constituídas ou os agentes
regulares abandonaram suas funções ou foram mortos ou presos pelo inimigo),
para a salvaguarda dos interesses coletivos. São chamados pela doutrina de
funcionários de fato. A assunção diz-se sponte propria. Os serviços de distribuição
de água domiciliar, os de saúde pública e os de segurança, por exemplo, são
essenciais e, como tal, não podem sofrer solução de continuidade. Podem, pois,
render, em casos de guerra, calamidade pública ou rebelião, ensejo a que alguém
os assuma e os administre em prol da comunidade, em razão da ausência da
autoridade competente. Tais agentes normalmente nada recebem pela colaboração
que prestam. Entre esses agentes e a Administração Pública não há qualquer
vínculo formal. Por essas razões tem-se entendido que o tempo de prestação desse
serviço não é computado para qualquer efeito (RDA 130:294). Respondem pelos
seus atos, e, para fins penais, são considerados funcionários públicos”.167

“Como regra, pode dizer-se que os atos de agentes necessários são confirmados pelo
Poder Público, entendendo-se que a excepcionalidade da situação e o interesse
público a que se dirigiu o agente têm idoneidade para suprir os requisitos de
direito”.168

“Se, em estado de necessidade público, um indivíduo assumir o encargo de


desempenhar funções públicas, que de outra forma não seriam executadas, agindo
como faria o servidor regularmente provido, temos o agente necessário. (...) deverão
ser tidos como válidos os atos praticados pelo agente necessário, se satisfizerem os
requisitos legais relativamente aos demais elementos do ato, de modo que a
emergência convalida a competência, tanto para os efeitos externos como para
efeitos internos”.169

No que se refere aos agentes putativos, com investidura irregular,


sustenta-se a validade dos atos por ele praticados, em nome dos
princípios da aparência, da boa-fé, da segurança jurídica e da legalidade.
Por praticarem atos da Administração, levando terceiros de boa-fé a
acreditar serem eles agentes públicos regularmente investidos em suas
funções, aplica- se a teoria da aparência.

Confiram-se os ensinamentos dos nossos ilustres doutrinadores:

“De passagem, anote-se que o defeito invalidante da investidura de um agente não


acarreta, só por só, a invalidade dos atos que este praticou. É a conhecida teoria do
91
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„funcionário de fato‟ (ou „agente público de fato‟). „Funcionário de fato‟ é aquele


cuja investidura foi irregular, mas cuja situação tem a aparência de legalidade. Em
nome do princípio da aparência, da boa-fé dos administrados, da segurança
jurídica e do princípio da presunção de legalidade dos atos administrativos
reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não forem
viciados. Por outro lado, uma vez invalidada a investidura do funcionário de fato,
nem por isto ficará ele obrigado a repor aos cofres públicos aquilo que percebeu
até então. Isto porque, havendo trabalhado para o Poder Público, se lhe fosse
exigida a devolução dos vencimentos auferidos haveria um enriquecimento sem
causa do Estado, o qual, dessarte, se locupletaria com trabalho gratuito”. 170

167 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.


168
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
169 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense.
170
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo.
São Paulo: Malheiros.

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“Em relação aos agentes putativos, podem ser questionados alguns atos praticados
internamente na Administração, mas externamente devem ser convalidados, para
evitar que terceiros de boa-fé sejam prejudicados pela falta de investidura legítima.
Fala-se aqui na aplicação da teoria da aparência, significando que para o terceiro
há uma fundada suposição de que o agente é de direito. (...) Como exemplo, cite-se
a hipótese de um servidor que, sem investidura legítima, tenha recebido valores de
tributos pagos por contribuintes e tenha firmado sua quitação. Os contribuintes
são terceiros de boa- fé e fizeram os pagamentos a alguém que tinha efetivamente
a aparência de servidor legitimamente investido. Sendo assim, são válidas as
quitações e convalidados os atos do agente putativo”. 171

“O problema do agente putativo é mais complexo, pois, internamente, os atos


padecem de vício de competência e, assim, não produzem efeitos enquanto não
vierem a ser objeto de sanatória. Fica ressalvada, porém, a percepção da
remuneração do agente, que não é devolvida, se houver ocorrido efetivo exercício
de função, pois o Estado não pode locupletar-se do trabalho alheio prestado de boa-
fé. Externamente, porém, em atenção à presumida boa-fé dos administrados, como
se expôs, produzem-se todos os efeitos regulares. Observe-se, contudo, que essas
presunções são apenas juris tantum, cedendo ante a prova de conluio ou de pré-
conhecimento, por parte do administrado, eventualmente beneficiado da
irregularidade da investidura ou de seus atos”. 172

9) A PROPOSTA DE REFORMA ADMINISTRATIVA EM TRAMITAÇÃO (PEC


32/2020)

O governo encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de emenda


constitucional (PEC 32/2020), visando implementar uma nova reforma
administrativa, a qual, se aprovada nos termos do texto original, irá alterar
substancialmente o regime jurídico dos servidores públicos civis até
então vigente.

As modificações a serem produzidas pela PEC alcançarão servidores


públicos civis em âmbito federal, estadual, distrital e municipal, contudo,
terão vigência apenas para os servidores que ingressarem após a
aprovação das novas regras. Ou seja, os servidores antigos continuarão
usufruindo dos direitos e vantagens previstas no regime anterior.

Como a matéria ainda aguarda deliberação final por parte do Congresso,


o texto original pode vir a ser modificado. Não obstante, segue abaixo
notícia publicada no site da Câmara dos Deputados, que resume o
panorama de mudanças que está por vir:

“A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/20, do Poder Executivo, altera


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dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da


administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios. A ideia é dar início a ampla reforma
administrativa com efeitos no futuro.

Chamada pelo governo de PEC da Nova Administração Pública, a proposta altera


27 trechos da Constituição e introduz 87 novos, sendo quatro artigos inteiros. As
principais medidas tratam da contratação, da remuneração e do desligamento de
pessoal, válidas somente para quem ingressar no setor público após a aprovação
das mudanças.

O texto envolve trechos da Constituição que tratam da administração pública em


geral (artigos 37 e 37-A); dos servidores públicos (artigos 39, 39-A, 41, 40-A e 41-
A); dos militares dos estados, do DF e dos territórios (artigos 42 e 48); das
atribuições do presidente da República (artigo 84); dos

171
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo.
São Paulo: Atlas.
172
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense.

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ministérios (artigo 88); das Forças Armadas (artigo 142); do Orçamento da União
(artigo 165); da Previdência Social (artigo 201); e de outras disposições gerais
(artigo 247).

Em uma segunda parte, a PEC traz regras transitórias e prevê a eventual atuação
dos entes federativos na regulamentação, já que alguns dispositivos – como
exigência da criação de novos regimes jurídicos específicos para servidores –, se
aprovados, dependerão de regulamentação posterior à promulgação das mudanças
pelo Congresso Nacional.

Em uma das inovações, a estabilidade no serviço público ficará restrita a carreiras


típicas de Estado. Uma lei complementar futura vai definir quais se enquadram
nessa categoria, e os entes federativos poderão regulamentar o tema
posteriormente. Os profissionais das demais carreiras serão contratados por tempo
indeterminado ou determinado.

As formas de ingresso no serviço público serão os concursos e as seleções


simplificadas, estas para vagas por tempo determinado. Só será efetivado no cargo
quem, depois de aprovado no concurso, alcançar resultados em avaliações de
desempenho e de aptidão durante período de experiência obrigatório como fase
final do certame.

A PEC veda uma série de benefícios e vantagens que, extintos para os atuais
ocupantes de cargos na esfera federal, estão vigentes em alguns entes federativos.
Ainda na parte sobre remunerações, o texto prevê que lei complementar futura
definirá os critérios básicos para definição dos salários, prevendo normas
subsidiárias nos entes federativos.

A PEC da Nova Administração Pública traz dispositivos autoaplicáveis


relacionados à governança. Uma das mudanças amplia atribuições do presidente
da República para alterações na administração e nos órgãos do Poder Executivo
por meio de decreto – atualmente é necessário projeto de lei aprovado pelo
Congresso Nacional.

Outros dois tópicos com vigência imediata relacionam-se aos contratos de gestão,
a fim de estimular regras para desempenho e resultados, e à cooperação entre as
diferentes esferas de governo, incentivando um maior compartilhamento de
recursos estruturais e de pessoal.

Além disso, entre outros pontos, a PEC trata ainda da acumulação de cargos
públicos por militares; da aposentadoria compulsória aos 75 anos para empregados
de consórcios públicos, empresas públicas e sociedades de economia mista; e proíbe
que medidas do governo venham a favorecer estatais em detrimento da livre
concorrência no mercado.
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„Esta PEC possui como público-alvo não só a administração pública e insere-se em


um escopo de transformação do Estado‟, afirmou o ministro da Economia, Paulo
Guedes, na exposição de motivos.
„Pretende trazer agilidade e eficiência aos serviços oferecidos pelo governo, sendo
o primeiro passo em uma alteração maior do arcabouço legal brasileiro.‟” 173

Ainda conforme o texto original da PEC, o ingresso dos novos servidores


continuará sendo por concurso público, porém está prevista a inclusão de
um período de experiência após a nomeação. Ao lado do concurso, a
proposta prevê também a adoção de seleção simplificada para alguns
cargos.

A estabilidade no serviço público apenas continuará em relação a cargos


relacionados a funções típicas de Estado, a ser definido em lei
complementar. E mesmo para os

173
Agência Câmara de Notícias. Publicado em 04/09/2020.

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servidores que vierem a adquirir estabilidade, o desligamento será


possível em caso de demissão aplicada em processo administrativo
disciplinar, perda de cargo decretada em sentença judicial após a
apreciação de recurso por órgão colegiado (e não mais somente após o
trânsito em julgado) e por insuficiência de desempenho conforme regras
a serem definidas em lei ordinária.

A nova proposta pretende autorizar que, exceto nas áreas típicas de


Estado, o servidor possa vir a exercer outras atividades no setor privado,
desde que compatíveis com a sua jornada de trabalho e quando não haja
conflitos de interesses entre a atividade privada e as atribuições do cargo.

Os parâmetros de remuneração dos novos servidores seguirão normas


gerais a serem estabelecidas em lei complementar, podendo cada ente
federado editar sua própria legislação regulamentando o tema.

O texto da PEC veda o pagamento de licença-prêmio, de adicional por


tempo de serviço, de adicional ou indenização por substituição não
efetiva, de incorporação ao salário de adicionais por exercício de cargo
ou função, bem como de qualquer parcela indenizatória sem expressa
previsão legal. Veda também a concessão de aumentos retroativos, a
redução de jornada sem redução de remuneração (salvo por motivo de
saúde).

Não haverá mais, para os novos servidores, promoção ou progressão na


carreira baseada apenas em critério de antiguidade (tempo de serviço), de
forma que passará a ser necessária, também, a análise do efetivo
desempenho do servidor.

Outro ponto objeto da nova reforma é a proibição da utilização da


aposentadoria compulsória como forma de punição (penalidade
disciplinar).

Em fevereiro/2021, a PEC 20/2020 foi enviada à Comissão de Constituição


e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, passando a
aguardar o parecer do relator designado, Dep. Darci de Matos (PSD-SC).

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