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Casos Práticos | Direito das Obrigações I

CASOS PRÁTICOS DIREITO DAS OBRIGAÇÕES I

Sofia Alves da Cunha, 62894

Caso Prático I | Modalidades das Obrigações

Ésquilo é dono das últimas 200 garrafas de tinto de certa colheita de grande
qualidade. Fídias comprou-lhe, ao telefone, 100 das ditas, por certo preço. Fídias iria buscar
as garrafas daí a uns dias. Na manhã seguinte ao telefonema, porém, um incêndio fortuito
destruiu 100 das garrafas. Nessa tarde, com a confusão gerada, um ladrão, mais tarde
identificado, levou as restantes.
Quem é que terá o ónus de as reivindicar (se não tiverem desaparecido entretanto)?

Resolução

Importa começar por referir o facto de estarmos perante uma obrigação indeterminada,
pois a determinação da prestação ainda não se encontra realizada, contudo está terá de
ocorrer até ao cumprimento. Assim, a prestação pode ser indeterminada, aquando da
celebração do negócio de que derive a respetiva obrigação, mas deve ser determinável,
ou seja, deve ser suscetível de vir a ser determinada. Uma obrigação indeterminável não
chega a nascer por nulidade do negócio respetivo, segundo o artigo 280º do Código Civil.

As obrigações indeterminadas podem ser genéricas ou alternativas.

CC: 539º O objeto da prestação apenas está


determinado quanto ao género (ou quanto ao
género, quantidade e qualidade, não havendo ainda
individualização).

No presente caso houve uma determinação quanto ao género, pois seriam garrafas de
vinho tinto da colheita selecionada, contudo não houve uma determinação quanto ao
espécime, ou seja não ficaram acordadas nem determinadas exatamente quais as garrafas
que seriam entregues. Concluímos portante que estamos perante uma obrigação genérica,
prevista no artigo 539º e seguintes do Código Civil.

Para que a obrigação de prestação de coisa genérica possa vir a ser cumprida, terá de
ocorrer uma concretização, através de uma escolha de certos espécimes (individualização
do espécime dentro do género).

A indeterminação inicial da obrigação genérica coloca o problema da averiguação do


momento em que tem lugar a transferência da propriedade sobre as coisas que vão servir

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para o cumprimento da obrigação, o que por sua vez é essencial para os efeitos do risco,
pois este, segundo o artigo 796º corre por conta do proprietário.

As obrigações genéricas são excetuadas do regime previsto no artigo 408º, estando a


transferência da propriedade sobre as coisas que servem para o seu cumprimento sujeita
a outras regras.

A transmissão da propriedade ocorre no momento da concentração da obrigação,


quando a obrigação passa de genérica a específica, não se exigindo que essa
concentração seja conhecida de ambas as partes.

CC: 541º por força da remissão do 408º/2, 3ª parte


Nas obrigações genéricas o direito de propriedade transfere-se
quando se dá a concentração da obrigação, que é a conversão de
uma obrigação indeterminada numa obrigação específica.

O artigo 541º determina quais as situações, em que, anteriormente ao cumprimento, pode


ocorrer a concentração da obrigação genérica.

Um dos casos previstos é a extinção do género a ponto de restar apenas uma das coisas
nele compreendidas, ou seja, ocorrer a limitação do género a ponto de restar o número de
espécies necessário para o cumprimento da obrigação.

A concentração nesta situação ocorre por facto da natureza, mas não se está perante um
desvio da regra do artigo 540º, uma vez que, caso as coisas sobrantes também
desaparecessem, deixaria a prestação de ser possível com coisas do género estipulado,
pelo que o devedor estaria sempre exonerado em virtude da impossibilidade da prestação.

No caso apresentado verificamos que devido ao incêndio foram destruídas 100 garrafas,
contudo sobram ainda as 100 necessárias ao cumprimento da obrigação. Assim neste
momento, Ésquilo seria obrigado a entregar essas 100 garrafas a Fídias que se tinha
tornado proprietária das mesmas a quando a extinção do género até ao número necessário
para cumprir a obrigação.

Contudo, após o incêndio, ou seja após a transferência da propriedade, mas antes da


entrega da coisa, houve um furto que fez desaparecer as 100 garrafas já de Fídias.

Devido à transferência da propriedade, quem tinha a legitimidade para reivindicar as


garrafas furtada, pelo artigo 1311º seria a Fídia.

Como explicamos anteriormente, com a concentração da obrigação ocorre a transmissão


da propriedade e com esta a transferência do risco. Contudo achamos pertinente ponderar

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se neste caso terá ocorrido a transferência do risco, juntamente com a transferência da


propriedade.

Tal como previsto no artigo 762º, nº2 e 227º do Código Civil as partes devem agir de boa
fé na formação de contratos e no cumprimento das obrigações. O princípio da boa fé
impõe diversos deveres acessórios às partes, que se destinam a permitir que a execução
da prestação corresponda à plena satisfação do interesse do credor e que essa execução
não implique danos para qualquer das partes.

Assim neste caso, e em princípio em todos os casos em que ocorra concentração da


obrigação devido à extinção do gênero a ponto de restar apenas as necessárias,
consideramos que existe um dever acessório de informação sobre a redução do género e
concentração, para que o credor conheça o seu risco e tome as diligências necessárias
relativas à segurança da coisa.

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Caso Prático II | Contrato-promessa

Esopo prometeu vender a Anaximandro, que prometeu comprar, certa dona-elvira


que tinha no seu quintal. Anaximandro ignorava, no entanto, que o carro pertencia a Nabuco,
que o emprestara a Esopo.
O contrato é válido?

Resolução

No caso estamos perante um contrato-promessa, previsto nos artigos 410º e seguintes do


Código Civil relativo a um contrato de compra e venda, previsto no artigo 874º e
seguintes.

O contrato-promessa é uma convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um


novocaso
Neste contrato, pelo queque
verificamos é um contrato
Esopo preliminar
prometeu de outro,
vender, que por sua
e Anaximandro sevez, se designa a
comprometeu
de contrato
comprar, pelo definitivo.
que estamosAssim,
peranteo uma
contrato-promessa tem uma função tanto de pré-
promessa bilateral.
vinculação como de dilação.

A regra geral, como vemos no artigo 410º/1 é a de que o contrato-promessa tem forma
livre (artigo 219º).

A grande questão do caso prende-se com o facto de estarmos perante um contrato-


promessa de compra e venda de bens alheios, pelo que nos devemos questionar qual a
validade do contrato-promessa.

No artigo 410º/1 encontramos consagrado o princípio da equiparação, ou seja, esta


estipulada a extensão do regime do contrato definitivo ao contrato-promessa. Contudo
este mesmo preceito estipula exceções a este princípio, nomeadamente as disposições que
pela sua razão de ser não devam considerar-se extensivas ao contrato-promessa.
Dentro destas encontramos o regime das perturbações da prestação

Pelo artigo 892º embora a venda de bens alheios seja sempre nula, sempre que o vendedor
careça de legitimidade para a realizar, o contrato-promessa de venda de bens alheios é
válido, já que, estando em causa uma mera obrigação de contratar, não se exige em
relação ao promitente-vendedor qualquer requisito de legitimidade.
Exige-se a legitimidade para a alienação ou oneração de direitos reais, mas não em relação
à constituição de obrigações.

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Caso Prático III | Contrato-promessa: Direitos Obrigacionais vs Reais

Cícero (C1) e Virgílio (V) prometeram respetivamente vender e comprar certa


pirâmide no Egipto. Virgílio entregou € 500.000, a que as partes atribuíram expressamente
natureza de sinal. Estipulou-se ainda: «Não se realizando a escritura por motivo imputável a
Virgílio, este perde o sinal. Não se realizando a escritura por motivo imputável a Cícero, este
devolverá o sinal em singelo, acrescido de juros à taxa Euribor + 2%.»
Quid juris?

Resolução

No caso estamos perante um contrato-promessa, previsto nos artigos 410º e seguintes do


Código Civil relativo a um contrato de compra e venda, previsto no artigo 874º e
seguintes.

Neste caso verificamos que Cícero prometeu vender, e Virgílio se comprometeu a


comprar, pelo que estamos perante uma promessa bilateral.

A regra geral, como vemos no artigo 410º/1 é a de que o contrato-promessa tem forma
livre (artigo 219º), contudo, nos casos previstos no artigo 410º/2 estipula que no caso de
contratos que exijam forma legal é necessário que o contrato-promessa seja realizado por
documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas.

O sinal, previsto nos artigos 440º e seguintes do Código Civil consiste numa cláusula
acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à outra, por
ocasião da celebração do contrato, uma coisa fungível, que pode ter natureza diversa da
obrigação contraída ou a contrair.

Neste caso estamos perante um contrato-promessa realizado com um sinal, pois Vírgilio
entregou a quantia de 500.000€ como forma de fixar as consequências para o caso do
incumprimento do contrato.

Ao contrário da regra geral estipulado no artigo 440º, pelo 441º, devido a estarmos perante
um contrato de compra e venda, as partes não necessitam de estipular que a coisa entregue
vale como sinal, pois essa é a presunção legal.

As clausulas são validas, pois encontramo-nos no coração da autonomia privada.

No caso estamos perante uma disputa em direitos reais e direitos obrigacionais, pelo que
importar ter em consideração algumas distinções destes:

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Direitos obrigacionais Direitos reais


Direitos a prestações, ou seja, direitos a uma
Direitos sobre coisas
conduta do devedor
Sem necessidade de mediação Necessidade de mediação
Não assenta em qualquer tipo de relação,
Oponibilidade a terceiros é relativa, visto ser
encontra-se desligado de relações interpessoais,
um direito relativo, só pode ocorrer em
dado que se exerce sobre a coisa
certas circunstâncias
oponibilidade ergo omnes (plena)
Se alguém tem direito a uma prestação e o
devedor aliena o Objeto da mesma, o credor Inerência – adere à coisa e estabelece uma
já não a pode exigir. Tem de pedir uma vinculação tal com a coisa que dela já não pode
indeminização ao devedor por ter ser separado.
impossibilitado culposamente a prestação
Os direitos obrigacionais não se A propriedade Direito real, primeiramente,
hierarquizam entre si pela ordem da constituído sobre posteriores constituições, sabe
constituição, antes concorrem ao pé de as regras do registo, e a maior força dos direitos
igualdade sobre património do devedor que reais sobre direitos de crédito, O que significa não
Se não for suficiente, é rateado para se ser possível constituir sucessivamente 2 direitos
efetuar um pagamento igual a todos credores reais incompatíveis sobre um mesmo objeto, só
CC: 604º podendo um prevalecer.

Um contrato-promessa, sem execução especifica, é considerado uma mera obrigação,


dando origem a um direito obrigacional e não real, ao contrário do que acontece num
contrato-promessa com eficácia real.
Assim, C1 e V estavam ligados pelo vínculo obrigacional, contudo a quando a execução
especifica, no caso de mora, o direito obrigacional passa a ser exigível.

Ao contrário, um contrato de compra e venda constitui um direito real, sendo este


oponível erga omnes, assim, C1 e C2.

Existem diversas situações de choque, e conforme o momento em que seja realizada o


registo da compra e venda o direito de propriedade do bem em causa muda.

Contrato-promessa Execução Específica


C1 e V
Direito Obrigacional Contrato Contrato
Compra e venda Compra e venda
C1 e C2 C1 e C2
Direito Real Direito Real

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Passadas duas semanas, Cícero vendeu a pirâmide a Cleópatra (C2). Sabendo disso,
Virgílio intentou uma ação de «execução específica» contra Cícero. Situação A

A execução específica requer o incumprimento do contrato-prometido, contudo se


estivermos no ponto de um incumprimento definitivo, não fará sentido impor uma
execução especifica (poderá já nem ser possível). Assim, a execução especifica pressupõe
uma situação de mora.
No caso em questão, com a celebração do contrato de Cícero com Cleópatra, o devedor
falta culposamente ao cumprimento da obrigação, pelo que, nos termos do artigo 798º do
Código Civil, se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Neste caso ficamos
perante uma situação de incumprimento definitivo, pelo que, segundo Menezes Cordeiro,
não seria possível a realização da prestação, ou seja, recorrer à execução especifica seria
inútil, pois o Tribunal iria proceder à venda de bens imóveis.

Caso as partes tivessem atribuído eficácia real ao contrato, nos termos do artigo 413º,
seria possível, o beneficiário obter o direito a celebrar o contrato prometido, sendo que
esse direito prevalece sobre qualquer direito real que tenha sido constituído depois da
promessa.

Quid juris se o registo da ação anteceder o da compra? Situação B

Neste caso estamos perante uma disputa entre dois direitos reais, pois a quando do registo
da execução especifica, o tribunal irá proceder de forma a permitir o beneficiário obter a
celebração do contrato prometido, sendo que esse direito prevalece sobre qualquer direito
real que tenha sido constituído depois da promessa e respetivo registo da execução
especifica.

Há quem considere, nomeadamente o Senhor Professor Doutor Menezes Cordeiro que


ocorrendo apenas o registo da execução especifica e não a sentença judicial, ou seja, a
celebração do contrato definitivo, havendo a celebração de um contrato válido de contra
e venda com um terceiro entre o registo e a execução em si, este prevalecerá.

Contudo, não podemos concordar. Consideramos que tal posição defende a possibilidade
de vermos o nosso direito lesado devido à burocratização do sistema judicial e leva-nos
a questionar para que serve o registo da execução especifica. Não consideramos que o
individuo possa estar na seguinte situação: caso a justiça seja eficiente e o tribunal
execute o meu pedido e tempo, o meu direito real prevalece perante o de terceiro, contudo
caso devido à ineficácia do sistema judicial, o meu pedido ainda não foi executado, pelo
que, apesar de já ter sido demonstrada a vontade de recorrer aos meus judiciais para ver
o meu direito resolvido, através do registo da execução especifica, prevalece o direito real
de um terceiro que compre o meu bem

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