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ANÁLISE SOBRE O PROGRAMA

NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA


COM CIDADANIA – PRONASCI –
INSTITUÍDO PELA LEI 11.530/07
E MP 416/08

FRANCISCO ALEXANDRE DE PAIVA FORTE

Resumo: o Programa Nacional de Segurança com Cida-


dania lançado em 2007 pelo governo federal busca ar-
ticular ações de segurança pública e políticas sociais
mediante a cooperação dos três entes federativos. Inte-
grado por 94 ações ou sub-projetos, o Pronasci tem foco
etário, social e territorial direcionado às populações e
áreas metropolitanas afetadas por altos índices de homi-
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

cídios e demais crimes violentos. O Pronasci tem o mérito


de conjugar ações de segurança com proteção e garan-
tia dos direitos fundamentais. E como tal é mais louvável
do que a mera retórica da tolerância.

Palavras-chave: segurança pública, violência, juventude,


pronasci, direitos fundamentais

O
presente trabalho analisa o Programa Nacional de
Segurança com Cidadania (Pronasci), programa in-
tegrante do chamado PAC da Segurança Pública, cujo
público-alvo1 são os jovens de 15 a 29 anos de idade, recém-
egressos do sistema prisional.
Na América Latina, relata Cárdia (2006), algo parecido
ao Pronasci foi implementado pela Organização Pan-Ameri-
cana da Saúde e a Cooperação Técnica Alemã. Trata-se do 575
Projeto de Fomento do Desenvolvimento Juvenil e Prevenção da
Violência, com objetivo de melhorar a participação dos jovens na
gestão dos programas de desenvolvimento juvenil na Argentina,
Colômbia, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Peru.
Na Exposição de Motivos 139, da Medida Provisória 384/2007
que resultou na Lei n. 11.530/2007, reconhece-se que historicamen-
te o Estado tem adotado políticas repressivas, inclusive com o “en-
durecimento assistemático de penas” que não tem tido a eficácia
desejada. O Pronasci, segundo a referida EM 139, é resultado de
amplo debate do governo com especialistas e com a sociedade civil.
Partindo do diagnóstico do ciclo da violência, a União, diz ainda a EM
139, “se propõe a enfrentá-la de maneira mais qualificada e humanista,
com foco etário, social e territorial”. Neste sentido é que o Pronasci
busca articular ações de segurança pública e políticas sociais medi-
ante a cooperação dos três entes federativos.
O Pronasci, integrado por 94 ações ou sub-projetos, tem foco
etário, como já referido, foco social e territorial direcionado às po-
pulações e áreas metropolitanas afetadas por altos índices de homi-
cídios e demais crimes violentos, além de ter também um foco
repressivo, que é o combate ao crime organizado. As diretrizes do
Pronasci, dentre outras, são as seguintes: a promoção dos direitos
humanos, apoio ao desarmamento e combate aos preconceitos;
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.
fortalecimento de redes comunitárias e dos conselhos tutelares;
promoção da segurança e da convivência pacífica; modernização
das instituições de segurança pública e do sistema prisional, incluindo
a valorização dos profissionais envolvidos; participação da popula-
ção afetada pela violência, incluindo egressos do sistema prisional e
seus familiares; ressocialização dos apenados e egressos do sistema
prisional através de projetos educativos e profissionalizantes.
Logo após a sanção da Lei 11.530/2007 o governo editou uma
nova MP, de n. 416/2008, com o propósito de aperfeiçoar o Pronasci,
acrescentando mais dois programas, o Comunicação Cidadã Pre-
ventiva2 e o Bolsa-Formação. A oposição ao governo, bem repre-
sentado pelo PSDB, ajuizou uma ADIN, de n. 4011, contra a edição
da MP 416/08, por entender que a mesma trata de matéria eleitoral
e falta-lhe o pressuposto da urgência. Embora de relevante impor-
tância constitucional, até mesmo à luz da teoria dos direitos funda-
mentais, tanto mais se considerarmos o direito à democracia, a questão
576 da edição de medidas provisórias - e desta MP em particular -, não
será abordada aqui, uma vez que a referida ADI 4011 não adentrou
o mérito do Pronasci que é o foco do presente estudo. A MP 416, no
Congresso Nacional, foi prorrogada por 60 dias a partir de 06 de abril
de 2008, conforme Ato do Presidente da Mesa do Congresso Na-
cional de n. 18, publicado no Diário do Senado Federal3 de 28 de
março de 2008, p. 7119. Teoricamente a prorrogação estender-se-
ia somente até 06 de junho. Não consta conversão em lei4.
Trataremos dos pontos considerados essenciais, sem preten-
são de esgotar todos os temas que o PRONASCI levanta, muitos
dos quais de índole infraconstitucional.

A VIOLÊNCIA JUVENIL NA AMÉRICA LATINA


E NO BRASIL

A violência é problema reconhecidamente de saúde pública e


político que solapa os fundamentos democráticos da sociedade.
De acordo com dados da OMS a taxa de homicídios na América
Latina entre a população varonil juvenil de 15 a 29 anos é de 101,7
/100.000 hab.; para o sexo feminino, de 11,5/100.000. Calcula-se
que para cada assassinato existam 20 a 40 vítimas adultas e jovens.
No Brasil, segundo dados de Waiselfisz (2008, p. 59) as mortes
juvenis por homicídio em 2006 representam 79,5% do total de casos
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

de homicídios. Na década de 1994/2004 os homicídios cresceram


63,1% entre a faixa etária de 14 a 16 anos (vítimas). Com uma taxa
de 27 homicídios/100.000 hab. o Brasil é o quarto país no ranking
mundial. Ainda de acordo com Waiselfisz (2007, p. 124-126) a taxa
de homicídios na faixa etária dos 20-24 anos no período 1994-2004
ficou em torno de 65 homicídios por 100.000 jovens; e no mesmo
período, a taxa de homicídios de adolescentes de 14-17 anos cres-
ceu mais de 63%.
De acordo com Castro e Aquino (2008, p. 67), com base em dados
do Sistema de Informações Penitenciárias, em julho de 2007, 59,6%
do total de presos estavam na faixa etária de 18 a 29 anos, embora
representassem apenas 32,5% da população com mais de 18 anos.
Por outro lado, a abordagem policial muitas vezes discriminatória
sobre os jovens faz com que a legitimidade da polícia perante esta
faixa etária da população acabe minada, fato que tem preocupado
o Ministério da Justiça que tem implementado diversos projetos para
reduzir as violações aos direitos e ao mesmo tempo aumentar a 577
confiança da população juvenil e modificar o comportamento policial
(CASTRO; AQUINO, p. 69).
Segundo a teoria da subcultura (ESCOBAR, 2001, p. 21) a
delinqüência resulta da interiorização de um sistema de crenças e
valores, num processo de aprendizagem, socialização, motivação
e assimilação, sendo que os jovens, cada vez mais distantes do
mercado de trabalho pela própria exigência de qualificação, aliado
a fatores como a educação fora do lar, acabam buscando a auto-
afirmação através de uma subcultura onde a norma é exatamente
a ausência de normas, a anomia apontada por Durkheim.
A juventude é a mais vulnerável à formação de subculturas,
a ponto de ser o principal foco de estudo de sociólogos criminalistas
e antropólogos acerca da questão.
Leão (2001, p. 222) defende uma maior participação da socie-
dade na política de segurança pública, de enfrentamento à violência,
considerada esta a partir de uma “visão global do problema, afastan-
do-se das soluções românticas ou provincianas”, o que demanda
investir naquele que cometeu o ilícito, naquele que está a caminho do
crime, naquele que não se apresenta como possível criminoso e na
infância e juventude. No mesmo sentido, Figueiredo (2001, p. 238)
sem menoscabo de uma possível eficácia do aparelho jurídico-re-
pressivo do Estado, entende que diante de fatores específicos de
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.
agravamento da criminalidade urbana (população amontoada,
segregada e anônima) “não podemos deixar de repensar nossas
cidades no sentido de humanizá-las, direcionando seu crescimento.
Temos de ajudar as comunidades periféricas, estimulando e apoian-
do diversos processos de auto-ajuda, como o dos mutirões”.
Cardia (2006) aponta que segundo dados de um informe
mundial sobre a violência e a saúde preparado pela Organização
Panamericana da Saúde e pela OMS em 2003 a taxa de homicídios
na América Latina entre a população juvenil entre a 15 a 29 anos
foi de 101,7 por 100.000 habitantes, para o sexo masculino; e de
11,5 por 100.000 habitantes para o sexo feminino. Além disso, estima-
se que para cada assassinato existam entre 20 a 40 vítimas, entre
adultos e jovens, que demandariam atenção intra-hospitalar.
A violência juvenil é reconhecidamente um problema político
e de saúde pública que solapa os fundamentos democráticos da
sociedade. Apesar da gravidade, as iniciativas governamentais têm
578 fracassado porque não avaliam satisfatoriamente o impacto dos
projetos e não há participação dos jovens no processo de
implementação das políticas públicas, diferentemente do Projeto
de Fomento do Desenvolvimento Juvenil e Prevenção da Violên-
cia, referido na introdução deste trabalho, financiado pelo governo
alemão (CARDIA, 2006, p. 9).
O Pronasci, ainda que possa vir a tornar-se artigo de perfuma-
ria, como deixou a entrever o Professor Gérson Marques5, ao menos
formalmente tem o mérito de inserir os jovens no processo de
execução dos sub-programas inseridos no Pronasci, de forma mais
democrática, nos termos do Art. 6º, Inc. II da Lei n. 11.530/2007,
com a nova redação conferida pela MP 416/08.
Considerando que até aqui a política de prevenção da violência
tem sido precária e relegada a iniciativas locais, bem como a exis-
tência de valores sociais arraigados que entravam a implantação de
um sistema de justiça criminal que respeite de fato o Estado de Direito,
a proposta do PRONASCI pode ter conseqüências importantes,
reduzindo a exposição dos jovens à violência e à criminalidade, que-
brando o ciclo de violência e incrementando a legitimidade do siste-
ma de justiça criminal, através de ações de apoio ao policiamento
comunitário, ouvidorias de polícias, reforma e construção de estabe-
lecimentos penais para jovens e de unidades de internação de ado-
lescentes infratores (CASTRO; AQUINO, 2008).
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

Segundo Adorno (2002, p. 109), a tese que sustentava haver


nexo de causalidade entre pobreza, delinqüência e violência está
hoje “bastante contestada em inúmeros estudos”. Em Minas Ge-
rais, por exemplo, diz Adorno (2002), já foi constatado que os
municípios mais pobres têm menor incidência de crimes, de forma
que tudo leva a crer que a pobreza e as desigualdades sociais são
da ordem da justiça social, isto é, da ordem estabelecida no plano
fático (ADORNO, 2002).

O PACTO DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS


E CULTURAIS

Lima (2005)6 define os direitos econômicos, sociais e cul-


turais como:

aqueles que se fundamentam na solidariedade, na igual-


dade e na dignidade da pessoa humana, visando (a) a 579
uma melhor qualidade de vida, (b) à equalização das opor-
tunidades e (c) à redução das desigualdades sociais, quase
sempre através da prestação de bens ou serviços referen-
tes às necessidades básicas, como alimentação, saúde,
moradia, educação, assistência social etc. para as pesso-
as em situação de desvantagem socioeconômico-cultural.

O Brasil é signatário do Pacto Internacional de Direitos Eco-


nômicos, Sociais e Culturais, estando obrigado aos compromissos
do tratado desde abril de 1992 (CEPAL, 2004). E como tal subme-
te-se a avaliações periódicas do Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. No relatório sobre países da América Latina
(1989-2004) o referido Comitê tomou nota com preocupação das
condições em que vivem os reclusos e os detentos no Brasil, so-
bretudo no que respeita à prestação de serviços médicos e ao acesso
a estes, a uma alimentação adequada e à água potável. Além disso,
no Relatório 1989-2004 observa-se com preocupação que 50% da
população das principais cidades vivem em comunidades urbanas
não estruturadas (CEPAL, 2004, p. 57-58). Ainda no Relatório
referido, recomenda-se que o Brasil aprimore os programas de
capacitação em matéria de direitos humanos, em especial na judi-
catura e entre os agentes policiais e outros agentes encarregados
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.
de implementar os direitos econômicos, culturais e sociais, de for-
ma que haja um maior conhecimento, maior conscientização e
conseqüente aplicação do Pacto (CEPAL, 2004).
O Pronasci segue as recomendações do Comitê de Direi-
tos Econômicos, Sociais e Culturais, à medida que prevê, dentre
as diretrizes a modernização do sistema de segurança pública
e do sistema prisional (art. 3º, inc. V, da Lei 11.530/07, confor-
me nova redação dada pela MP 416/08), a ressocialização dos
indivíduos que cumprem penas privativas de liberdade e egres-
sos do sistema prisional, mediante implementação de projetos
educativos e profissionalizantes, inclusive para jovens morado-
res de rua e medidas de urbanização e recuperação de espaços
públicos (art. 3º, incs. V, VIII, XI e XIV, da Lei 11.530/07,
conforme nova redação dada pela MP 416/08). No art. 6º, inc.
VIII da Lei 11.530/07, uma das exigências para adesão dos
Estados ao Pronasci é o compromisso de implementar progra-
580 mas continuados de formação em direitos humanos para os
policiais civis, policiais militares, bombeiros militares e servido-
res do sistema penitenciário.
Lima (2005) defende com brilhantismo a tese de que o que
justifica o ativismo judicial é o grau de vulnerabilidade da parte,
isto é, a necessidade daquele que recorre ao Judiciário. Seguindo
este raciocínio podemos dizer que a justificava para o ativismo
estatal (do Poder Executivo) em tantos programas assistenciais,
inclusive com a distribuição de dinheiro através de programas
intitulados bolsa-mulher-da-paz, bolsa-reservista, bolsa-formação
etc., é exatamente a necessidade das pessoas. Se, de fato, as
pessoas, em situação vulnerável, necessitam de um suporte fi-
nanceiro, aliado a outras carências, como no caso do Pronasci,
que visa suprir deficiências na área de segurança, formação
profissional e integração familiar, social e cultural, ainda que os
projetos governamentais apresentem falhas com potencial risco
de desvio eleitoreiro, não devemos sepultar tais iniciativas, mas
antes labutar para separar o joio do trigo e aprimorar a aplicação
eficiente dos recursos, coisa que, nos últimos anos, tem havido
significativo avanço com o apoio de estudiosos da sociologia, da
estatística e de outros ramos do saber diretamente envolvidos na
implementação das políticas públicas.
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

HISTÓRICO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

Soares (2007, p. 83ss.), Ex-Secretário Nacional de Segurança


Pública de janeiro a outubro de 2003, fez uma retrospectiva histórica
das políticas de Segurança Pública nos últimos anos. Segundo ele, no
Governo FHC, a partir de um fenômeno midiático, o famoso assalto
ao ônibus 174 – que até virou filme -, tentou-se implantar um plano
assistemático de segurança pública. O Fundo Nacional de Seguran-
ça Pública na ocasião foi pensado de forma limitada a compra de
armas e viaturas. A transição democrática não adentrou os órgãos
de segurança pública. Mas, dessa fase restaram aspectos positivos:
direitos humanos, Plano de Integração e Acompanhamento dos
Programas Sociais de Prevenção da Violência (PIAPS), maior
qualificação e cooperação policial coordenada pela Secretaria Na-
cional de Segurança Pública e expansão das penas alternativas.
Quando Lula ainda era pré-candidato à presidência da Repúbli-
ca, em 2002, diz Soares (2007, p. 86-7) que este incorporou ao seu 581
programa (de candidato) o plano nacional de segurança pública como
questão de Estado, que, aliás, é uma das bandeiras de Soares – tratar
a segurança de forma supra-partidária. No primeiro Governo Lula
houve uma tentativa de implantar o programa acima referido, inclu-
sive chegou a ser construído um consenso construído com governa-
dores; havia compromisso de descontingenciamento dos recursos
da segurança pública; e previsão de desconstitucionalização das
polícias, bem como normatização do Sistema Único de Segurança
Pública e criação de Gabinetes de Gestão Integrada da Segurança
Pública (ora presentes no Pronasci) em cada Estado. O plano não
se concretizou, afirma Soares (2007, p. 91) porque o governo não
quis assumir os riscos políticos, preferiu as operações midiáticas da
Polícia Federal que garantiam maior popularidade.
Finalmente, em agosto de 2007 veio à lume o Pronasci através
da MP 384, convertida na Lei n. 11.530/2007. Segundo Soares (2007),
este programa que prevê gastos de R$6,7 bilhões até 2012 mantém os
princípios do governo FHC. Há um maior empenho do governo federal
e assunção dos riscos políticos. Com a implantação do Pronasci há
esperança de uma nova cultura institucional a partir de mecanismos
de avaliação local das políticas de segurança pública. De acordo com
Soares, em entrevista desta vez à Revista Fórum e reproduzida no sítio
do Movimento Nacional de Direitos Humanos (2008)7, o mérito do
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.
Pronasci está na superação de velhas e falsas dicotomias, tais como
investimento social versus repressão; direitos humanos versus ação
eficiente da polícia. Segundo ele, quanto mais preventiva for a ação
policial, tanto melhor, mas, isso não se opõe ao combate ao crime pela
polícia, uma vez que somente “se asseguram os direitos fundamentais
do Estado republicano se as leis forem cumpridas”. A entrevista re-
ferida está em perfeita consonância com o que o Ex-Secretário defen-
de na Revista de Estudos Avançados (2007, p. 92), segundo o qual o
Pronasci endossa e enfatiza os seguintes valores consensuais: direitos
humanos e eficiência policial não se opõem; prevenção e repressão
qualificada não se opõem; valorização do papel dos municípios; segu-
rança pública acima das disputas partidárias.

AS AÇÕES DO PRONASCI

O Pronasci é integrado por um conjunto de projetos, progra-


582 mas e ações. Dentre os projetos, com a nova redação à Lei n.
11.530/2007 conferida pela MP 416/2008, destacam-se: o projeto
Reservista-Cidadão, que concede bolsa no valor R$100,00 para
jovens recém-licenciados do serviço militar obrigatório, exigindo
como contra-partida a atuação destes como agentes comunitários
e formação sócio-jurídica que lhes será ministrada, nas áreas ge-
ográficas abrangidas pelo Pronasci, que são justamente as áreas
metropolitanas mais afetadas pela violência; Protejo – Projeto de
proteção dos jovens em território de vulnerável, também oferece
bolsa de R$100,00, tendo como foco a formação cidadã dos jovens
e adolescentes a partir de práticas esportivas, culturais e educaci-
onais, visando resgatar a auto-estima, a convivência pacífica e a
sociabilidade saudável (art. 8º-C, §1º, da Lei 11.530/2007); Projeto
Mulheres da Paz, o qual oferece bolsa no valor de R$190,00 para
as mulheres “socialmente atuantes nas áreas geográficas abrangidas
pelo Pronasci” (art. 8º-D, Lei 11.530/2007), visando não apenas a
prevenção da violência contra a mulher, mas também a articulação
com jovens e adolescentes no afã de incluí-los em programas sociais
de promoção da cidadania e oferecer-lhes apoio psicológico, jurí-
dico e social; Projeto Comunicação Cidadã Preventiva, o qual in-
centiva a radiodifusão comunitária para promover a divulgação de
ações educativas e motivadoras para a cidadania, “direcionadas à
redução de risco de atos infracionais ou contrários à convivência
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

social” e demais ações do Pronasci (art. 8º-E, Lei 11.530/2007);


Projeto Bolsa-Formação, destinado aos policiais militares, civis e
do corpo de bombeiros, agentes penitenciários, agentes carcerários
e peritos dos Estados que aderirem ao Pronasci, esta última bolsa
varia de um mínimo de R$180,00 a um máximo de R$400,00, a
depender da remuneração do agente policial, cuja remuneração
mínima mensal, como uma das condições de adesão do Estado ao
Pronasci deverá ser de R$1.300,00 até 2012.
Afora estes projetos bolsistas, atacados pela oposição em face
de um potencial uso eleitoreiro, o Pronasci, concernente à efetivação
dos direitos fundamentais contempla a regulamentação do Sistema
Único de Segurança Pública (SUSP), embora não instituído por lei,
mas presente em documento do Ministério da Justiça acerca do
programa, como refere Soares (2007). Aliás, a ausência de regula-
mentação do Susp leva Soares (2007, p. 94), mesmo reconhecendo
os méritos do programa, a afirmar que “o Pronasci resigna-se a ser
apenas um bom Plano destinado a prover contribuições tópicas”. 583
A exemplo do que ocorre com a área de saúde a criação do Susp
inegavelmente representaria um avanço no gerenciamento e aporte
de recursos, à medida que combina as responsabilidades de todos os
entes federativos – e os municípios passam a colaborar de forma
mais intensiva com a segurança –, e a descentralização das ações.
Magalhães (2008), policial e especialista em segurança públi-
ca, afirma que o Pronasci representa uma quebra de paradigmas,
posto que a maior parte das 94 medidas previstas no programa
demandam a participação direta do poder público municipal. É
preciso, segundo ele, um envolvimento maior da comunidade nas
questões de segurança pública, a fim de superar o fetichismo po-
licial que coloca sobre as instituições policiais a resolução de todos
os problemas do crime e da criminalidade, quando, na realidade,
sabe-se que tais problemas somente encontram tratamento ade-
quado com um trabalho integrado entre as forças do Estado e a
sociedade organizada.
Murichy (2008), Secretária de Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos do Estado da Bahia, fazendo um paralelo entre o filme
Tropa de Elite e o Pronasci argumenta, valendo-se dos ensinamentos
de Zygmunt Bauman, que a tolerância pressupõe a solidariedade,
o que implica na aceitação do outro, na alteridade e não na elimi-
nação do estranho. O Pronasci, segundo ela, diferente da realidade
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.
objetivante e sem esperança do filme Tropa de Elite, tem o mérito
de “trabalhar o problema da segurança pública fora do horizonte
da guerra e sob a proposta de uma cultura de paz”, de forma que
reacende esperanças de redirecionamento potencial de lideranças
jovens em pontos preferenciais onde atua a criminalidade.
Tocante a questão da tolerância e da alteridade, Pisón (2001),
citando Nicholson, ensina que a tolerância tem por base o princípio do
respeito mútuo, o que implica a inadmissibilidade de tolerância com
qualquer ação que degrade moralmente as pessoas, bem como não se
deve admitir como toleráveis as ações ou crenças que contradigam o
ideal de tolerância, ou seja, que visam destruir a tolerância. E, baseado
em Rawls, Pisón (2001, p. 110), esclarece que não se deve restringir
a liberdade do intolerante pelo mero fato de este ser intolerante, mas
somente quando vida social estiver em perigo, havendo que deixar
margem sempre a que o intolerante modifique o seu comportamento.
O paradoxo da cultura liberal consiste exatamente em saber quem tem
584 autoridade para declarar o outro como intolerante (PISÓN, 2001), de
modo que a retórica da tolerância “esconde uma certa atitude hipócrita
de uma cultura dominante sobre outra” (PISÓN, 2001, p.121). Em
meio a anomia, para usar uma expressão de Durkheim, onde os liames
culturais do indivíduo com o grupo são afrouxados, paira no centro de
toda a discussão sobre a tolerância a questão da autonomia (PISÓN,
2001).Aidéia da tolerância, útil a uma sociedade pluralista liberal, mostra-
se inadequada num contexto multicultural se se pretende dar a ela a
feição de princípio jurídico. A solução, argumenta Pisón (2001), con-
siderando que se trata muito mais de um problema de igualdade e de
justiça social, passa pelo exercício, proteção e garantia dos direitos
fundamentais.
É neste sentido, de efetivação dos direitos fundamentais, que
se deve aplaudir o Pronasci, muito mais do que retoricamente de
uma suposta cultura da tolerância.

CONCLUSÃO

Cardia (2006) afirma que se a política de intervenção busca


romper um círculo vicioso de socialização de práticas de violência
que começam na família, a intervenção mais eficaz parece ser aquela
dirigida às famílias de maior risco. É consenso entre os pesquisa-
dores que estudam a violência a eficácia de programas que: levem
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

em conta os fatores de risco; busquem múltiplos resultados (famí-


lia, escola, comunidade); sejam de maior duração e adequados à
idade e à cultura; promovam valores éticos e habilidades sociais;
tenham equipe qualificada para executar o programa; e sejam
abertos a intervenções cientificamente fundamentadas através de
planejamento estratégico, avaliação e melhora contínuas. Neste
sentido, o Pronasci parece ter um foco correto, inclusive no que
refere à participação da comunidade afetada pela violência, sendo
a falta de participação dos jovens uma causa de fracasso das políticas
de prevenção à violência como relata Cardia (2006).
De acordo com Soares (2007), o Pronasci apresenta alguns
retrocessos em relação aos planos anteriores que não foram
implementados: falta de unidade sistêmica (propostas fragmentá-
rias, tópicas), diferente do projeto abortado no 1º governo; excesso
de ministérios envolvidos na execução do programa; pouco realis-
ta; ausência de reformas institucionais; e omissão quanto ao papel
das guardas municipais 585
Outro defeito do Pronasci, que Soares (2007) vê como uma
virtude pelo suposto empenho governamental, no nosso entendi-
mento diz respeito a instituição do programa através de Medida
Provisória. Como referido alhures, até o fechamento deste artigo
não consta qualquer aprovação da MP 416/2008 que introduz inú-
meras modificações na Lei n. 11.530/07 e a MP referida foi pror-
rogada por 60 dias a contar de 06 de abril, o que, em tese, já expirou
sua validade sem que o Congresso Nacional tenha encerrado o
trâmite legislativo.
Não obstante o erro formal – ou acerto, dependendo da ótica
de quem governa –, no encaminhamento da matéria ao Legislativo,
o fato é que o Pronasci tem o mérito de ser o primeiro programa
a encarar de frente as arbitrariedades e deficiências da máquina
policial, além de tentar incorporar uma massa vulnerável de pes-
soas ao mínimo de cidadania efetiva.
O ideal, no nosso entendimento, seria, em vez de tantos
assistencialismos, a instituição – de uma vez por todas - do imposto
de renda negativo, com alguma contra-partida específica a ser exigida
de todos os beneficiários em termos de responsabilidade, de solida-
riedade, de compromisso com a educação, a cultura, a formação
profissional e humanística, a saúde e segurança. Proposta essa que
nada tem de novidade, nem de socializante, antes é defendida por
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.
gente como George Soros, mega-investidor, de modo que o
neoliberalismo, em princípio, anda de mãos dadas com as políticas
sociais amortecedoras de uma série de conflitos sociais e econômi-
cos, até porque, desde Keynes, quem salva o capitalismo é sempre
o Estado através de sua máquina de investimentos.

Notas
1
Com a conversão da MP 416 na Lei 11.107, a faixa etária contemplada ficou
entre 15 e 24 anos.
2
Excluído do PRONASCI com a Lei 11.107/2008.
3
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/
2008/03/27032008.pdf. Acesso em: 10 jun. 2008.
4
Em 19 de junho de 2008 a MP 416 foi convertida na Lei 11.107, sem grandes
alterações.
5
Comunicação pessoal durante aula em março/2008.
6
Dissertação de mestrado disponibilizada no sítio: georgemlima.blogspot.com,
sem páginas numeradas.
586 7
Disponível em: <http://www.mndh.org.br. Acesso em: 02 maio 2008.
Abstract: the National Programme of Public Protection with Citizenship, called
Pronasci, created at 2007 by Federal Government seek to join together actions
of public protection and social policies through cooperation of all federation
entities (Union, States and Municipalities). Pronasci is constituted by 94 actions
or subprograms. It is teenaged socialy and territorialy focused to the populations
of metropolitan areas affected by higher levels of homicides and other violent
crimes. The Programe has the virtue of to make couple actions of policing with
guaranty and security of civil rights. And such as it is righteously than a single
rethoric of tolerance.
Key words: public protection, policing, civil rights, teenage, violent crimes
estudos, Goiânia, v. 35, n. 4, p. 575-587, jul./ago. 2008.

FRANCISCO ALEXANDRE DE PAIVA FORTE


Mestrando em Direito na UFC; Professor na Faculdade de Economia, Atuária e
Contabilidade da UFC. Graduado em Agronomia pela UFPB. Graduado em Di-
reito pela UFC. Advogado. E-mail: alexandrepforte@gmail.com 587

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