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A atenção e suas alterações (cap.

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Definicões básicas

Para Dalgalarrondo, a atenção pode ser definida como “a direção da consciência, o estado de
concentração da atividade mental sobre determinado objeto”. A atenção seleciona, filtra e organiza
informações de interesse e, segundo William James, “implica em abdicar de algumas coisas para lidar
eficazmente com outras”.
*Antes da avaliação da atenção, é necessário que se avalie o nível da consciência.

A atenção é um construto psicológico complexo, constituída por 4 componentes:


1. Início da atividade consciente e focalização
2. Atenção sustentada e nível de alerta
3. Atenção seletiva / inibição de resposta a estímulos irrelevantes
4. Capacidade de mudança de foco / atenção alternada

Psicologia da atenção

O autor enumera pares de opostos que ordenam a natureza da atenção:


- Voluntária X Espontânea
• Voluntária: Ativa e intencional
• Espontânea: Suscitada por interesse incidental
- Interna X Externa
• Interna: Voltada para processos mentais, atenção reflexiva, introspectiva
• Externa: Voltada para o mundo exterior ou para o corpo
- Focal X Dispersa
• Focal: Atua sobre um campo restrito da consciência
• Dispersa: Espalha-se de modo menos determinado

No século XX, Bleuler sugeriu as duas qualidades fundamentais da atenção:


1. Tenacidade: capacidade de fixar e manter a atenção
2. Vigilância: capacidade de mudança de foco

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Essas duas qualidades possuiriam, em geral, tendências antagônicas (ex.: quadro maníaco com
hipervigilância e hipotenacidade)

O neurocientista e psicólogo russo Ivan Petrovich Pavlov fundou os conceitos de hábito e sensibilização.
Hábito se refere à redução dos padrões de resposta a um estímulo contínuo ou repetitivo.
Sensibilização diz respeito à superexcitação que um estímulo passa a provocar com a repetição

A neuropsicologia contemporânea, nas últimas décadas, passou a subdividir a atenção naquilo que
compreende como seus aspectos fundamentais:
1. Capacidade e foco de atenção: Diz respeito à capacidade do indivíduo de aplicar toda a sua atenção
em um campo ou estímulo específico. Varia em função do valor dos estímulos para o indivíduo,
fatores energéticos, estado afetivo, motivação e fatores estruturais/constitutivos
2. Atenção seletiva: Se trata da seleção dos estímulos relevantes em detrimento de estímulos distratores
ou concorrentes (envolve regulação cortical top down sobre o processo bottom up de captação de
estímulos via esforço consciente para direcionamento da atenção)
3. Atenção dividida: Processamento simultâneo e paralelo de múltiplos estímulos, que exige controle
top down (ex.: dirigir um carro ouvindo música)
4. Atenção alternada: Capacidade de mudança voluntária do foco atencional. Sobrepõe-se ao conceito
de atenção dividida e se relaciona a funções executivas corticais (ex.: assistir a um filme na televisão,
atender a um telefonema e retornar para o filme em seguida)
5. Atenção sustentada: Manutenção da atenção durante atividade contínua e repetitiva, sem se distrair
com outros estímulos do ambiente. Depende da relação entre os estímulos-alvo (sinal), estímulos
distratores (ruído), nível de consciência (vigilância), motivação e fadiga.
6. Seleção de resposta e controle seletivo: Capacidade de modular a resposta produzida por um
estímulo. A atenção se relaciona intimamente à intencionalidade, planejamento e tomada de decisões.

Neuropsicologia da atenção

A atenção se relaciona intimamente às funções executivas (planejamento, execução e monitoramento de


comportamentos direcionados a objetivos). Alguns autores a entendem como uma função básica de apoio
às funções executivas, e, outros, como parte delas. Um modelo para a compreensão dessa interação
delimita quatro zonas de interface:
1. Memória de trabalho
2. Seleção competitiva
3. Controle sensorial top-down
4. Filtros de saliência no processo bottom-up (priorizando os estímulos mais relevantes para a
sobrevivência e os mais infrequentes)

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A interação entre atenção e memória de trabalho merece exame especial: Memória de trabalho diz
respeito à “habilidade de manter itens, percepções e tarefas ativos na mente (online), sem se apoiar em mais
estímulos do mundo externo”. A atenção seria a “central executiva” que permite o funcionamento
adequado da memória de trabalho, filtrando o ingresso de informações no sistema e permitindo lá a sua
manutenção.

Neuroanatomia e redes neurais de atenção

O processo atencional é fruto da interação de áreas corticais e subcorticais que produzem o “vetor final
da atividade atencional do indivíduo”:
- O tronco encefálico e o SRAA permitem o nível de consciência fundamental para a possibilidade de
qualquer processo da atenção
- O locus ceruleus noradrenérgico diencefálico é o principal centro de alerta subcortical
- Estruturas talâmicas filtram os sinais oriundos do tronco cerebral e emitem projeções para o corpo
estriado e CPF
- O córtex parietal contribui para a seleção sensorial; o córtex frontal do cíngulo regula intensidade
do foco e motivação; o córtex pré-frontal atua na seleção de resposta e na memória de trabalho
- Estruturas límbicas fazem parte dos circuitos afetivos que motivam a atenção

Psicopatologia da atenção
Definem-se aqui uma série de termos usados de forma mais ou menos sistemática para a descrição das
alterações patológicas da atenção:

- Hipoprosexia: diminuição global da atenção


• “Perda da capacidade de concentração, com fatigabilidade aumentada” -> Hipotenacidade?
• Produz dificuldade em todas as atividades psíquicas complexas
- Aprosexia: abolição da capacidade atencional
- Hiperprosexia: atenção exacerbada
• “Tendência incoercível a obstinar-se, deter-se indefinidamente sobre certos objetos” ->
Hipertenacidade?
- Distração: Superconcentração ativa sobre determinados conteúdos, com supressão dos demais
• Não é anormalidade
• “Hipertenacidade e hipovigilância”
• Ex.: Cientista imerso a todo tempo em seu problema, esquece onde estacionou o carro
- Distraibilidade: Instabilidade e mobilidade da atenção

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• Estado patológico
• Incapacidade de fixar a atenção -> Hipervigilância + Hipotenacidade

Valor diagnóstico das alterações de atenção

O autor enumera uma série de distúrbios específicos da atenção observados nos transtornos
neurocognitivos e psiquiátricos a seguir:

Delirium
- Déficit de atenção + ↓ nível de consciência
- Distúrbios de atenção estão quase sempre presentes

Transtorno cognitivo leve (TCL)


- Demora em realizar tarefas do dia a dia, mais erros e dificuldade na atenção dividida
- Déficits em funções executivas

Demências
- Atenção prejudicada logo em fases iniciais
- Perturbação em ambientes com múltiplos estímulos
- Dificuldade em lidar com estímulos concomitantes
- Prejuízo em funcões executivas
- Dificuldade com atenção seletiva, dividida, alternada e sustentada

Transtornos mentais em geral:


- “A atenção está quae sempre alterada nos transtornos mentais graves”
- Esquirol: “… a atenção é fugitiva no maníaco, concentrada no monomaníaco (melancólico, delirante) e vaga e difusa no
demente”

TDAH
- Dificuldade de direcionar e manter a atenção a estímulos internos e externos
- Déficit na filtragem de estímulos irrelevantes
- Dificuldade no controle de comportamentos, impulsos e respostas inibitórias
- Prejuízo na memória de trabalho, mudança de tarefas e atenção sustentada
- Estudos de neuroimagem revelam alterações corticais frontais e hipofuncionalidade no circuito
atencional cíngulo-frontal-parietal
- Sintomas são mais salientes quando a informação não possui saliência motivacional (não desperta o
interesse)

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Transtornos de humor
- Mania
• Hipervigilância e hipotenacidade
- Depressão
• Em geral, hipoprosexia
• Mas eventualmente hipertenacidade para temas depressivos do pensamento

TOC
- Hipervigilância
- Déficit de atenção alternada

Esquizofrenia
- Dificuldade na filtragem de informações irrelevantes
- Distraibilidade, sobretudo com estímulos visuais e auditivos
- Déficit na atenção sustentada

Semiotécnica da atenção
Uma série de testes podem ser aplicados para avaliação específica da atenção. Dentre eles:

Testes de desempenho contínuo (TDCs): Estímulos diversos são rapidamente apresentados em série.
Um estímulo alvo deve ser corretamente identificado. É um dos principais tipos de testes na avaliação do
TDAH, com escore final composto por 4 componentes: Detecções corretas / Tempo de reação / Erros
por omissão / Erros por co-omissão

Testes de dígitos: Envolve a repetição direta e em ordem inversa de uma sequência de números
enunciada pelo examinador. É um teste rápido para a avaliação geral da atenção. Possui pontos de cortes
diferentes em função da faixa etária

Teste Stroop: Avalia a capacidade de inibição de interferências cognitivas (ex.: mostra-se a palavra
vermelho escrita de azul e pergunta-se qual a cor das letras). Altera-se sobremaneira em quadros
demenciais.

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A orientação e suas alterações (cap. 14)

Definições básicas
A orientação quanto a si mesmo e ao ambiente é elemento fundamental para a sobrevivência. A avaliação
do estado de orientação pode fornecer informações indiretas acerca de outras funções psíquicas
(consciência, atenção, memória…), inclusive podendo revelar turvações discretas do nível de consciência,
e suas alterações podem fazer parte de qualquer transtorno mental grave. Além disso, a orientação é
extremamente sensível a disfunções ou danos cerebrais diretos. Pode ser dividida em orientação
autopsíquica (do indivíduo em relação a si) e alopsíquica (do indivíduo em relação ao espaço e tempo).

De um modo geral, considera-se que a orientação autopsiquica é a mais rudimentar. A orientação espacial
é intermediária, e a orientação temporal a mais sofisticada das três. Os transtornos neuropsiquiátricos
prejudicam mais fácil e rapidamente a orientação temporal, seguida pela espacial e, por último, a
orientacão autopsíquica.

A orientação espacial constitui-se de subdivisões:


- Orientação quanto ao local onde o sujeito está (ex.: tipo de edifício)
- Orientação topográfica (ex.: saber localizar-se em seu bairro)
- Orientação geográfica (ex.: onde fica sua cidade no país)
- Julgamento de distâncias
- Capacidade de navegação (seguir caminhos e rotas)

Dalgalarrondo sugere roteiro de investigação da orientação espacial: Questionar o local exato, instituição,
andar do prédio, bairro, cidade, estado e país onde o indivíduo se encontra, além da distância até a casa do
paciente (em km ou horas de viagem)

A orientação temporal, por sua vez, refere-se ao momento cronológico vivenciado, bem como à
percepção da duração de eventos e da continuidade temporal.

* Para Carl Wernicke, a desorientação auto ou alopsíquica frequentemente seria responsável pela
produção da perplexidade observável nos quadros psicóticos em geral.

Neuropsicologia da orientação

Três tipos de lesões ou disfunções cerebrais seriam responsáveis pelos distúrbios da orientação:
1. Lesões corticais difusas ou bilaterais (ex.: Alzheimer)

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2. Lesões mesotemporais no sistema límbico (ex.: síndrome de Korsakoff)
3. Lesões de tronco cerebral e SRAA (ex.: delirium)

Na desorientação espacial, uma série de áreas podem se encontrar disfuncionais. Ex.: áreas posteriores
do córtex, hemisfério direito, lobo temporal medial, hipocampo, amígdala e córtex occipital associadivo.
Cerca de 30% dos pacientes com prosopagnosia (incapacidade de reconhecer faces conhecidas)
apresentam também desorientação espacial, possivelmente pela proximidade de áreas corticais posteriores
acometidas em ambos os casos

A desorientação temporal pode ser decorrente de alterações em amplas redes neurais corticais e
subcorticais. Sundeep Teki (2016) publiou constatações interessantes sobre esse fenômeno:
- A língua nativa do indivíduo influencia sua percepção de tempo
- Informações espaciais afetam a vivência temporal, mas não o contrário
- A orientação temporal ampara-se em estímulos sensoriais
- Existem áreas cerebrais distintas para o processamento de tempo abaixo e acima de 1 segundo
- A dopamina modula a percepção temporal
- Áreas corticais relacionadas à emoção interferem no processamento temporal

Psicopatologia da orientação

Dalgalarrondo enumera diversos mecanismos pelos quais podem-se produzir situações de desorientação
auto e alopsíquicas:
1. Desorientacão por redução do nível de consciência (desorientação torporosa/confusa: Trata-se do
tipo mais comum de desorientação. O rebaixamento da consciência impede a apreensão clara da
realidade.
2. Desorientação por déficit de memória recente e imediata (desorientação amnéstica): A noção de
tempo e espaço é prejudicada pela incapacidade de fixar informações. Ex.: síndrome de Korsakoff
3. Desorientação demencial: A desorientação é produzida por uma desorganização global das funções
cognitivas
4. Desorientação apática/abúlica: Frequente em quadros depressivos graves, causada por
desinvestimento da energia no mundo por desinteresse e falta de motivação
5. Desorientação delirante: O sujeito “habita o lugar e o tempo de seus delírios”. Pode produzir o
fenômeno da dupla orientação (ex.: está no inferno e na enfermaria ao mesmo tempo)
6. Desorientação por déficit intelectual: Produzida pela incapacidade de compreender aspectos
complexos do ambiente e de orientar-se por convenções sociais padronizadas (horários, calendário…)
7. Desorientação dissociativa/histérica: Fruto de quadros dissociativos graves, frequentemente
acompanhada por alterações na identidade própria

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8. Desorientação por desagregação: Comumente observada em quadros psicóticos, sobretudo
esquizofrênicos, avançados e crônicos, em que toda a atividade mental é afetada pela desagregação
profunda do pensamento.
9. Desorientação quanto à própria idade: Quando maior do que 5 anos de diferença com a idade real,
seria “um fiel indicativo clínico de déficit cognitivo na esquizofrenia (Crow; Stevens, 1978)”

As vivências do tempo e do espaço e suas alterações (cap.


15)

Definições básicas
Dalgalarrondo apresenta tempo e espaço como “estruturantes básicos da experiência”, dimensões
inseparáveis de qualquer experiência subjetiva possível. Em um pequeno percurso pela história da
filosofia, apresenta algumas concepções de autores consagrados:
- Aristóteles questionava se o tempo de fato existiria, ou se só haveria uma sucessão de momentos
presentes
- Santo Agostinho atribuía existência somente a um presente destituído de duração. Passado e futuro,
no entanto, possuiriam duração, mas não exiatência,.
- Newton e Leibniz entendiam que o espaço e o tempo seriam dotados de existência objetiva externa
ao homem
- Kant compreendia espaço e tempo como “categorias do conhecimento humano”, cuja realidade só se
produziria na medida em que fossem preenchidos por algo. Tudo o que pode ser conhecido se
encontra no tempo e no espaço; o que lhes é externo (Deus, liberdade, alma…) não pode ser
verdadeiramente conhecido
- Bergson faz crítica de seus antecessores apontando o equívoco em se pensar a temporalidade
(duração) como uma espacialidade (extensão)
- Filósofos existensialistas defendiam que o tempo não se trata de entidade objetiva exterior ao
homem, mas um de seus próprios elementos constituintes. Heidegger compreendia que o tempo,
assim como a mortalidade, definem a condição humana numa tensão constante entre permanência/
transitoriedade, poder/impotência e desejo de vida/inevitável morte

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Em misteriosa continuidade com tais concepções filosóficas, Dalgalarrondo ressalta que ritmos
biológicos são determinantes da experiência humana de temporalidade (ritmo circadiano, menstrual,
sazonal, fases e marcos da vida humana — complexa interação entre elementos hormonais e bioquímicos
e simbolismo cultural)

Percepção do tempo e senso de realidade

Para o neurocientista Armin Schiner, a capacidade de discriminação entre eventos e pensamentos


passados e presentes é essencial para o contato com a realidade. Nesse sentido, o córtex orbitofrontal
medial posterior seria o responsável pela “filtragem da realidade”, isto é, a discriminação entre o que é real
e o que é lembrança ou fantasia
Ressalta-se que a percepção do tempo influencia-se por vivências afetivas, emoções, experiências
corporais, cognição, atenção e memória. A própria vida psíquica como um todo é dotada de aspecto
temporal, sendo possível distinguir um tempo subjetivo (interior e pessoal) de um tempo objetivo
(exterior, cronológico), que nem sempre se articulam de maneira concordante.

Anormalidades da vivência do tempo

- Alterações do ritmo psíquico podem ser observados em quadros afetivos. Quadros depressivos leves
podem produzir percepção mais aguçada do passar do tempo (“realismo depressivo”). Depressões
graves, por sua vez, levam à percepção de uma passagem mais vagarosa do tempo em consonância ao
alentecimento de todas as atividades mentais. Em quadros maníacos, há percepção acelerada da
passagem do tempo, que acompanha a aceleração do psiquismo como um todo.
- Ilusões sobre a duração do tempo podem ser produzidas por intoxicações por alucinógenos e
estimulantes, psicoses agudas e situações emocionais intensas. O tempo pode parecer transcorrer de
forma mais veloz ou mais lentificada.
- A atomização do tempo que ocorre durante a mania faz com que o tempo pareça a simples suscessão
de pontos presentes, com prejuízo na experiência do fluir natural do tempo e do devir. Se associa à
fuga de ideias e distraibilidade
- A inibição da sensação do fluir temporal pode acompanhar quadros depressivos graves, em que se
experimenta a impressão de que o tempo não passa, que deixou de fluir. Por outro lado, pressão
temporal pode ser experimentada em quadros ansiosos, nos quais o tempo parece sempre insuficiente.
- Alterações psicóticas da vivência de tempo geralmente manifestam-se no surto agudo. O tempo
pode apresentar-se fragmentado, com experiências patológicas de déjà vu e estranhamento quanto ao
passado e futuro. O esquizofrênico pode sentir que sua percepção temporal é controlada por instância
externa ao eu, e em casos graves pode haver desintegração completa da sensação de tempo.

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Anormalidades da vivência de espaço

- No estado de êxtase ocorre a perda das fronteiras entre o eu e o mundo (o que também pode ser lido
como alteração da consciência do eu)
- Na mania, o espaço pessoal torna-se dilatado e invasivo ao espaço do outro, sem imposição de
resistências ao eu
- Na depressão, o espaço é vivenciado como encolhido e enxuto
- Na paranoia, experimenta-se a sensação de invasão do espaço interior, enquanto o espaço exterior
torna-se ameaçador e perigoso
- Na agorafobia, o espaço exterior é vivenciado como sufocante, pesado e aniquilador

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