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4 MARCO TEÓRICO

O projeto de pesquisa em evidência tem sua gênese na análise do art. 593,


III, d, do Código de Processo Penal, sobretudo após a substancial alteração feita
pela Lei 11.689/08 no mencionado diploma processual penal, em confronto com o
quesito previsto no art. 483, III e §2º, do CPP e com o princípio da soberania dos
veredictos, disposto no art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição da República de 1998.
Certo é que a Constituição, em seu art. 5º, XXXVIII, c, assegura à instituição
do júri o princípio da soberania dos veredictos, sendo esse considerado, portanto,
uma garantia constitucional.
Cumpre colacionar o conceito de soberania dos veredictos na visão do
doutrinador Guilherme de Souza Nucci:

A soberania dos veredictos é a alma do Tribunal Popular, assegurando-lhe


efetivo poder jurisdicional e não somente a prolação de um parecer,
passível de rejeição por qualquer magistrado togado. Ser soberano significa
atingir a supremacia, o mais alto grau de uma escala, o poder absoluto,
acima do qual inexiste outro. Traduzindo-se esse valor para o contexto do
veredicto popular, quer-se assegurar seja esta a última voz a decidir o caso,
quando apresentado a julgamento no Tribunal do Júri. [...] Respeitar
a soberania dos veredictos significa abdicar da parcela de poder
jurisdicional, concernente ao magistrado togado, para,
simplesmente, fiscalizar e buscar corrigir excessos e abusos, mas sem
invadir o âmago da decisão, crendo-a justa ou injusta. (NUCCI, 2018, p.
104).

Neste diapasão, o autor Walfredo Cunha Campos ensina com maestria


acerca da soberania que possuem os veredictos dos jurados no âmbito do Tribunal
do Júri:

A decisão coletiva dos jurados, chamada de veredicto, não pode ser


mudada em seu mérito por um tribunal formado por juízes técnicos (nem
pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal), mas
apenas por outro Conselho de Sentença, quando o primeiro julgamento for
manifestamente contrário às provas dos autos. E assim deve ser. Júri de
verdade é aquele soberano, com poder de decidir sobre o destino do réu,
sem censuras técnicas dos doutos do tribunal. (CAMPOS, 2018, p. 8).

É inconteste que somente os jurados são os verdadeiros juízes da causa,


possuindo suas decisões soberania, de modo que não podem sofrer modificações
quanto ao mérito por juízes togados.
Contudo, adverte Rodrigo Merli Antunes (2014, p. 7): “Com efeito, soberania
não quer dizer ausência de controle dos veredictos, nem tampouco pura onipotência,
mas significa supremacia e independência para julgar”.
Ensina Aury Lopes Jr. acerca de outro ponto da discussão, envolvendo a
reforma operada em 2008 no Código de Processo Penal, sobretudo no tocante à
inclusão do quesito genérico:

Esse quesito é a principal simplificação operada pela Lei n. 11.689/2008,


pois ele engloba todas as teses defensivas (exceto a desclassificação, que
será tratada na continuação), não mais havendo o desdobramento em
diversos quesitos para decidir‐se sobre a existência (ou não) da causa de
exclusão da ilicitude ou culpabilidade eventualmente alegada. (LOPES JR.,
2018, p. 838).

Com efeito, após a inserção do quesito genérico, acima mencionado, no


direito processual penal, passou-se a questionar se a acusação ainda poderia
interpor apelação em face da decisão absolutória do Conselho de Sentença se essa
fosse dissociada das provas constantes nos autos, uma vez que o quesito em
questão, acentuando a íntima convicção dos jurados, permite que o acusado seja
absolvido por qualquer motivo, ainda que não jurídicos.
Acerca dessa controvérsia é o entendimento de Guilherme de Souza
Nucci:

Por outro lado, a simples existência do recurso de apelação voltando ao


questionamento da decisão dos jurados não constitui, por si só, ofensa ao
princípio constitucional da soberania dos veredictos; ao contrário,
harmonizam-se os princípios, consagrando-se na hipótese o duplo grau de
jurisdição. Além do mais, a Constituição menciona haver
soberania dos veredictos, não querendo dizer que exista um só. A isso,
devemos acrescentar que os jurados, como seres humanos que são, podem
errar e nada impede que o tribunal reveja a decisão, impondo a necessidade
de se fazer um novo julgamento. Isto não significa que o juiz togado
substituirá o jurado na tarefa de dar a última palavra quanto ao crime doloso
contra a vida que lhe for apresentado para julgamento. Por isso, dando
provimento ao recurso, por ter o júri decidido contra a prova dos autos, cabe
ao Tribunal Popular proferir uma outra decisão. Esta, sim, torna-se
soberana, porque essa hipótese de apelação só pode ser utilizada pela
defesa uma única vez (art. 593, § 3.º in fine). (NUCCI, 2018, p. 1.127).

Destarte, será adotado como marco teórico no presente projeto o


entendimento de que a acusação pode interpor apelação em face da decisão
absolutória dos jurados que se revele manifestamente contrária à prova dos autos,
sem que isso implique em violação ao princípio da soberania dos veredictos,
utilizando-se, para tanto, os posicionamentos de Guilherme de Souza Nucci (2018),
Walfredo Cunha Campos (2018), Edilson Mougenot Bonfim (2018), Rogério Sanches
Cunha (2019), eis que acredita-se ser a fundamentação adequada para a
continuação e desenvolvimento da pesquisa proposta.

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