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CONTEÚDO E

METODOLOGIA DO
ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
O uso da ludicidade
nas aulas de língua
portuguesa
Maria Elena Roman de Oliveira Toledo

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Debater acerca do desenvolvimento da imaginação e da fantasia quando da


construção da consciência linguística.
>> Desenvolver o trabalho com as linguagens lúdicas na alfabetização.
>> Reconhecer a importância do trabalho com a ludicidade nas aulas da língua
materna, no ensino infantil.

Introdução
A aprendizagem da leitura e da escrita demanda a compreensão da função que a
escrita alfabética tem e da maneira como ela é organizada. A construção da escrita
é facilitada pela consciência linguística, que tem como elemento fundamental
para o desenvolvimento de suas habilidades a ludicidade, também fundamental
para a aprendizagem de outros aspectos da língua materna.
Neste capítulo, você poderá refletir sobre a imaginação e a criatividade como
elementos da ludicidade e reconhecer o seu papel no desenvolvimento da cons-
ciência linguística. Além disso, você também poderá compreender o papel das
atividades lúdicas no trabalho com a língua materna na educação infantil e no
ciclo de alfabetização.
2 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

A imaginação e a fantasia na construção


da consciência linguística
A consciência linguística é a habilidade do indivíduo de descrever e de agir sobre
os próprios conhecimentos linguísticos. O processo de conscientização linguís-
tica se dá progressivamente, partindo de um estágio de inconsciência, até chegar
ao nível de consciência plena, que se manifesta quando o indivíduo é capaz de
manipular e descrever aquilo que é alvo de sua reflexão, monitorar aquilo que
é percebido e julgar o que é aprendido ou deve ser aprendido (BUBLITZ, 2010).
Dentre os diferentes níveis de consciência linguística, a consciência fo-
nológica tem recebido um destaque maior, como consequência das políticas
nacionais de alfabetização que priorizam a consciência fonêmica e a relação
grafo-fônica para o desenvolvimento da leitura e da escrita, pensadas a
partir da proposta apresentada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
(BRASIL, 2017).
Quando uma criança constata que a palavra “trem” é escrita com poucas
letras e que a palavra “moranguinho” é escrita com várias letras, ela está
refletindo sobre a relação existente entre o tamanho real dos objetos e a
quantidade de letras necessárias para a realização do registro, o que se
convencionou chamar “realismo nominal”. Quando ela percebe que as pala-
vras “papai” e “pateta” começam com a mesma letra, embora não tenham
nada em comum, ela já está associando a escrita ao valor sonoro das sílabas
pronunciadas (MORAIS; LEITE, 2005).
A reflexão da criança sobre a língua, observando as características das
palavras (semelhança sonora com outras palavras da língua, seu tamanho,
as partes que as compõem), é característica das habilidades de reflexão
fonológica, ou, como é chamada na literatura especializada, de consciência
fonológica (MORAIS; LEITE, 2005).

A consciência fonológica é uma habilidade metalinguística que se refere à repre-


sentação consciente das propriedades fonológicas e das unidades que constituem
a fala, incluindo a capacidade de refletir sobre os sons da fala e sua organização na
formação das palavras. Essa consciência metalinguística é o reconhecimento pelo
indivíduo de que as palavras são formadas por vários sons diferentes, manipuláveis,
considerando não só a capacidade de reflexão, como também a de operação com
fonemas, sílabas, rimas e aliterações (BUBLITZ, 2010, p. 33).

É a consciência fonológica que nos permite perceber os sons das pa-


lavras que ouvimos, possibilitando a identificação de rimas e de palavras
que começam e terminam com os mesmos sons e de fonemas que podem
ser manipulados para a formação de novas palavras (MORAIS; LEITE, 2005).
O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa 3

Vários estudos realizados nas últimas décadas têm buscado estabelecer


uma relação entre a consciência fonológica e o sucesso/insucesso no processo
de alfabetização. Embora não haja estudos conclusivos e as considerações
até o momento não tenham chegado a um consenso sobre como se dá a
relação entre a consciência fonológica e a leitura e a escrita (se a primeira
é pré-requisito para as outras duas ou se, à medida que a leitura e a escrita
se desenvolvem, determinam o desenvolvimento da consciência fonológica),
sua importância no processo de alfabetização é inegável (MORAIS; LEITE,
2005). Apesar de as habilidades de reflexão fonológica não serem suficientes
para que um indivíduo domine a escrita alfabética, elas são uma condição
necessária.

Intervenções pedagógicas para desenvolver


habilidades de reflexão fonológica
Ao assumir um compromisso com a educação integral dos indivíduos, a BNCC
elencou 10 competências gerais, cujo desenvolvimento deve ser assegurado
a todos os alunos da educação básica (BRASIL, 2017).
A imaginação e a criatividade estão previstas nas competências elencadas,
como elementos fundamentais para a construção de novos conhecimentos.

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,


incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade,
para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e
criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes
áreas (BRASIL, 2017, p. 9).

A menção à criatividade e à imaginação é feita em muitos outros trechos


do documento, que sempre as apresenta como partes da ação dos educandos
sobre os objetos de conhecimentos visando à construção de novos saberes.
No que se refere à construção da consciência linguística, a imaginação e
a criatividade são estratégias usadas pelas crianças para inferir o que pode
estar escrito quando tentam ler ou escrever algo. Essas estratégias são
construídas a partir das relações constantes da criança com o mundo e suas
representações. A ludicidade é parte desse processo, pois a criança não vê
nesse ato imaginativo algo que não seja uma aventura pelo conhecimento.
Brincadeiras cantadas, parlendas, versos e adivinhas são atividades lúdi-
cas que já fazem parte do repertório infantil e que podem ser incorporadas
às práticas docentes, como forma de provocar a reflexão das crianças sobre
as palavras e seus sons.
4 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

Os jogos também são ótimos recursos para a construção da consciência


fonológica, podendo ser utilizados com o objetivo de oportunizar aos alfa-
betizandos (BRANDÃO et al., 2009):

„„ a compreensão de que, para aprender a escrever, é preciso refletir


sobre os sons, e não apenas sobre os significados das palavras;
„„ a compreensão que as palavras são formadas por unidades sonoras
menores;
„„ o desenvolvimento da consciência fonológica, por meio da exploração
dos sons iniciais das palavras (aliterações) ou finais (rimas);
„„ a comparação de palavras quanto às semelhanças e diferenças sonoras;
„„ a percepção de que as palavras têm diferentes partes sonoras iguais;
„„ a identificação da sílaba como unidade fonológica;
„„ a segmentação de palavras em sílabas;
„„ a comparação de palavras quanto ao tamanho, por meio da contagem
do número de sílabas.

Um exemplo de jogo que pode ser utilizado para o desenvolvimento da


consciência fonológica é a trinca mágica (BRANDÃO et al., 2009). O jogo é
composto por 24 cartas, que correspondem a oito trincas de cartas contendo
figuras de animais, objetos, instrumentos, etc. cujos nomes rimam. Nesse
jogo, que é jogado por quatro jogadores, ganha o primeiro a formar uma
trinca de cartas com rimas.
Outro exemplo de jogo que também pode ser utilizado com o mesmo
propósito é a batalha de palavras, que tem por objetivos a identificação da
sílaba como unidade fonológica, a segmentação das palavras em sílabas e a
comparação das palavras quanto ao número de sílabas (BRANDÃO et al., 2009).
Podendo ser jogada por dois jogadores ou duas duplas, a batalha de
palavras é um jogo composto por 30 fichas com figuras cujos nomes variam
quanto ao número de sílabas. As fichas devem ser distribuídas igualmente
entre os dois jogadores, que devem colocá-las com as faces viradas para baixo,
uma em cima da outra, formando um monte. Então, os dois jogadores devem
desvirar, ao mesmo tempo, a primeira ficha do monte. Aquele que desvirar a
palavra com o maior número de sílabas ganha a sua ficha e a ficha desvirada
do adversário. Vence o jogo quem tiver mais fichas no final.
Esses jogos são apenas exemplos de atividades lúdicas que podem ser
propostas pelo professor para que os alunos possam, de maneira prazerosa
e lúdica, desenvolver suas habilidades de consciência fonológica.
O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa 5

O debate sobre a construção da consciência linguística é bastante amplo.


Nesta seção, apresentamos algumas possibilidades de uso da ludicidade
no processo de construção do conhecimento sobre a escrita. A seguir, isso
será analisado mais detalhadamente em relação aos anos iniciais do ensino
fundamental e à educação infantil.

A ludicidade na alfabetização
Na história da educação brasileira, durante muito tempo as práticas peda-
gógicas voltadas para a aquisição da leitura e da escrita estiveram baseadas
em métodos de alfabetização que, partindo de diferentes unidades da língua,
tinham como elemento comum o pressuposto de que o início do processo de
alfabetização é determinado pelo professor. Os métodos de alfabetização
pressupunham, então, que as crianças não tinham qualquer conhecimento
sobre a escrita antes de a escola empreender ações para que elas começassem
a tê-lo e que o processo de alfabetização acontecia pela aquisição de técnicas
de codificação (transformação de fonemas em grafemas) e de decodificação
(transformação de grafemas em fonemas). Essas técnicas eram adquiridas
pelos alunos por meio da reprodução passiva do que era transmitido pelo
professor para que eles memorizassem.
Nos anos 1980, os estudos realizados por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky
(1985) demonstraram que a criança constrói conhecimentos sobre a escrita
antes de entrar na escola, quando da interação com materiais escritos presen-
tes na sociedade. Também demonstraram que a criança participa ativamente
do processo de construção da escrita e que esta é uma representação. Assim,
ao interagirem com a escrita, que é o objeto do conhecimento, as crianças
constroem hipóteses sobre como ela funciona.

O livro mais conhecido de Emilia Ferreiro é Psicogênese da língua


escrita (1985), escrito em parceria com Ana Teberosky. Essa obra
revela os processos de aprendizagem da escrita utilizados pelas crianças,
provocando o questionamento dos métodos tradicionais de ensino da leitura
e da escrita.

A divulgação das ideias de Emília Ferreiro provocou a revisão das práticas


alfabetizadoras ao mostrar a necessidade das atividades que colocam a
criança em um papel ativo no processo de aprendizagem da leitura e da escrita.
6 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

Na busca por caminhos que oportunizassem a ação cognitiva infantil sobre


o objeto de conhecimento, a ludicidade passou a ser vista como elemento
fundamental para a construção do sistema de escrita. Nesse contexto, há
várias possibilidades. Aqui vamos apresentar o papel dos jogos como caminho
favorável a uma alfabetização apoiada na ludicidade.
Além de ser veículo de expressão e socialização das práticas culturais da
humanidade e veículo de inserção no mundo, o jogo também é uma atividade
lúdica na qual as crianças se engajam em um mundo imaginário, regido por
regras próprias, construídas, em geral, a partir das próprias regras sociais
de convivência (BRANDÃO et al., 2009).
Na alfabetização, os jogos podem ser importantes aliados para que as
crianças reflitam sobre o sistema de escrita sem ter de realizar treinos me-
cânicos e desprovidos de significado.

Nos momentos de jogo, as crianças mobilizam saberes acerca da lógica de funcio-


namento da escrita, consolidando aprendizagens já realizadas ou se apropriando
de novos conhecimentos nessa área. Brincando, elas podem compreender os
princípios de funcionamento do sistema alfabético e podem socializar seus saberes
com os colegas (BRANDÃO et al., 2009, p. 14).

É importante destacar que a simples disponibilização dos jogos em sala


de aula não é suficiente para a promoção da aprendizagem. De acordo com
Kishimoto (2003), o trabalho pedagógico com jogos demanda a oferta de
estímulos externos e a influência de parceiros, bem como a sistematização
dos conceitos em situações que não sejam as em que se está jogando.
Sendo assim, é papel do professor selecionar os jogos mais adequados
para os objetivos didáticos pretendidos, garantir que haja jogos suficientes
para que todos os alunos possam participar e planejar ações sistemáticas
para que a aprendizagem ocorra de fato.
Para a seleção dos jogos que serão utilizados na alfabetização, o professor
pode, em um primeiro momento, realizar um levantamento das brincadeiras
já conhecidas pelas crianças. Ao fazer isso, certamente o professor perceberá
que as crianças já têm construído um amplo repertório de trava-línguas,
adivinhas, parlendas, cantigas de roda, versinhos, entre outros. Outros jogos
bastante presentes no repertório infantil e que podem ser incorporados às
práticas educativas são os jogos de forca, as palavras cruzadas e os jogos
de stop (BRANDÃO et al., 2009). A inserção desses jogos nas práticas de alfa-
betização pode despertar a atenção e a reflexão sobre a língua de maneira
bastante prazerosa.
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O papel do professor na proposição de jogos nas


classes de alfabetização
O professor tem um papel fundamental na inserção dos jogos nas classes
de alfabetização, como elemento promotor de novas aprendizagens. Para
realizar essa inserção, ele precisa não apenas ter clareza sobre os objetivos
pedagógicos que pretende atingir, mas também ser capaz de identificar os
conhecimentos já construídos pelos alunos sobre a escrita.
A identificação dos saberes das crianças é fundamental para a escolha
dos jogos mais adequados para cada grupo de alunos. Sem ela, pode acon-
tecer de o professor propor jogos muito fáceis, que, por isso, não motivem
os alunos, ou, de outro modo, muito difíceis, impedindo as possibilidades
de aprendizagem.

Para identificar os conhecimentos que as crianças já têm sobre a


escrita, antes que elas escrevam convencionalmente, é necessário
que o professor realize uma sondagem de escrita. A sondagem de escrita é um
instrumento de avaliação diagnóstica, criado por Emilia Ferreiro, que consiste
em um ditado de palavras que a criança não conhece de memória e uma frase.
De acordo com os registros realizados pelas crianças, é possível identificar os
conhecimentos já construídos e planejar ações para a promoção de avanços
no percurso de aprendizagem.
Para saber mais sobre a sondagem, recomendamos a leitura do artigo “Diag-
nóstico na alfabetização para conhecer a nova turma” (MOÇO, 2009), publicado
no site Nova Escola.

Para que as atividades com os jogos sejam bem-sucedidas, o professor tam-


bém deve observar outros aspectos, descritos a seguir (BRANDÃO et al., 2009).

„„ Quando um jogo for apresentado à turma pela primeira vez, é impor-


tante que as regras do jogo sejam apresentadas para todos os alunos
ao mesmo tempo.
„„ De acordo com o tipo de jogo escolhido, podem-se formar duplas,
trios, pequenas ou grandes equipes. Alguns jogos também podem ser
jogados individualmente, de modo a atender às demandas específicas
de cada aluno.
„„ Sempre que possível, o professor deve retomar as regras do jogo em
cada grupo, pedindo que os alunos as expliquem, para ter certeza que
todos compreenderam a proposta.
8 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

„„ Sempre que possível, é importante que o professor retome o que foi


explorado no jogo, sistematizando as aprendizagens. Por exemplo, se
o jogo propunha a identificação de palavras que rimassem entre si,
o professor pode pedir que os grupos digam quais foram as palavras
que encontraram e registrá-las na lousa. Feito isso, ele pode desafiar
os alunos a encontrar outras palavras que rimem com as que já foram
registradas.
„„ No início do processo de alfabetização, para subsidiar a reflexão sobre
a língua, o professor pode disponibilizar recursos, como o alfabeto
móvel ou uma cartela com o alfabeto, para que os alunos os consultem
quando necessário.

Em lojas físicas ou virtuais, é possível encontrar vários jogos voltados


para a reflexão sobre a escrita no processo de alfabetização. O professor
pode utilizar esses jogos já disponíveis, criar seus próprios jogos ou, ainda,
com um olhar atento, propor variações e novos desafios a partir dos jogos
já existentes.
Durante as situações de jogo, é fundamental que o professor transite entre
os grupos para prestar atenção nas falas das crianças e, sempre que neces-
sário, realizar intervenções. O registro dessas observações é um importante
instrumento para a avaliação das ações realizadas e para o planejamento
de outras ações lúdicas.
Importa ressaltar que, mesmo inserida no processo de alfabetização es-
colar, a criança continua sendo criança e, como tal, tem o direito de interagir
com os objetos do conhecimento utilizando as habilidades que são próprias
da infância, como a imaginação e a criatividade. Sendo assim, as situações
propostas para a inserção da criança no universo da escrita não podem
colocá-la em um lugar de passividade, nem serem tediosas e desprovidas
de significado.

A ludicidade na abordagem da língua


materna na educação infantil
A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, voltada para o
atendimento de crianças com 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 1996). Como tal, ela
é o início e o fundamento do processo educacional, significando, na maioria
das vezes, a primeira inserção das crianças em uma situação de socialização
estruturada (BRASIL, 2017).
O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa 9

A BNCC (BRASIL, 2017), tendo por base as Diretrizes Curriculares Nacionais


da Educação Infantil (BRASIL, 2009), adota as interações e as brincadeiras
como eixos estruturantes das práticas pedagógicas desenvolvidas na edu-
cação infantil.
Na perspectiva adotada pela BNCC (BRASIL, 2017), as interações e a brin-
cadeira são experiências pelas quais as crianças podem construir conheci-
mentos, desenvolver-se e socializar-se por meio de suas ações e da interação
com seus pares e com os adultos.
Tendo em vista tanto os eixos estruturantes das práticas pedagógicas
quanto as competências gerais da educação básica previstas na BNCC, seis
direitos de aprendizagem e desenvolvimento visam a assegurar, na educação
infantil:

[...] as condições para que as crianças aprendam em situações nas quais possam
desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar desafios
e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais possam construir significados
sobre si, os outros e o mundo social e natural (BRASIL, 2017, p. 37).

O brincar é um dos direitos de aprendizagem da educação infantil, ao


lado de conviver, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Como direito
de aprendizagem, o brincar é previsto, cotidianamente, de diversas formas,
em diferentes espaços e tempos e com diferentes parceiros (BRASIL, 2017).
A proposição do brincar, tanto como eixo estruturante das práticas pe-
dagógicas quanto como direito de aprendizagem, coloca a ludicidade em um
lugar de grande relevância para a promoção de aprendizagens e desenvolvi-
mento na educação infantil, em respeito às especificidades dessa etapa do
desenvolvimento humano.
Também como forma de contemplar essas especificidades, o currículo
na educação infantil não está organizado de maneira disciplinar, e sim sob
a forma de campos de experiências.

Considerando que, na educação infantil, as aprendizagens e o desenvolvimento das


crianças têm como eixos estruturantes as interações e a brincadeira, assegurando-
-lhes os direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-
-se, a organização curricular da educação infantil na BNCC está estruturada em
cinco campos de experiências, no âmbito dos quais são definidos os objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento (BRASIL, 2017, p. 40).

A proposição de campos de experiências como forma de organização


curricular visa ao acolhimento das situações e das experiências concretas da
vida cotidiana das crianças, bem como dos conhecimentos já construídos por
10 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

elas, utilizando-os como pontos de partida para a construção dos saberes


que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade. Os cinco campos
de experiências em que se organiza a educação infantil são apresentados
na Figura 1.

Figura 1. Campos de experiências na educação infantil.


Fonte: Adaptada de Brasil (2017).

Embora pensados de maneira interdisciplinar, cada um dos campos de


experiências prioriza uma determinada área do currículo. O ensino da língua
materna é priorizado no campo de experiências “Escuta, fala, pensamento e
imaginação”, detalhado a seguir.

Escuta, fala, pensamento e imaginação


Um dos objetivos do campo de experiências “Escuta, fala, pensamento e
imaginação” é o desenvolvimento da oralidade infantil. Sendo assim, é fun-
damental que as crianças vivenciem situações em que possam falar e ouvir,
O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa 11

ampliando seus recursos de participação na cultura oral. A participação em


situações de escuta de histórias, de conversação, de descrições, de narrativas
elaboradas individualmente ou em grupo e de interação com múltiplas lingua-
gens possibilita a formação da criança como um sujeito único e pertencente
a um grupo cultural (BRASIL, 2017).
A curiosidade pela cultura escrita, manifestada desde cedo, deve ser
incentivada na escola, em situações nas quais as crianças possam ouvir e
acompanhar a leitura de textos de gêneros diversos e observar os diferentes
textos que têm uma circulação social efetiva. Sendo assim, a educação infantil
deve proporcionar às crianças a imersão na cultura escrita, oportunizando a
elas diferentes experiências com textos diversos, em situações contextualiza-
das, a partir das quais as crianças possam construir suas hipóteses sobre as
funções sociais da escrita e sobre suas formas de representação (BRASIL, 2017).
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a educação infantil na
BNCC são propostos de acordo com três grupos etários, a saber (BRASIL, 2017):

„„ bebês (de 0 a 1 ano e 6 meses);


„„ crianças bem pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses);
„„ crianças pequenas (de 4 anos a 5 anos e 11 meses).

Nos três grupos etários, as situações de ensino e aprendizagem da língua


materna devem ser pautadas pela ludicidade e pelas interações. É necessário
que o professor sempre tenha em mente esses dois eixos estruturantes do
trabalho pedagógico para que possa propor situações nas quais sejam ga-
rantidas, efetivamente, as condições de aprendizagem, de desenvolvimento
e de brincadeira.
Cabe ao professor realizar a gestão dos tempos e espaços escolares,
bem como organizar os materiais necessários para que as crianças tenham
a oportunidade de aprender brincando.
A seguir, apresentamos algumas possibilidades e espaços de aprendiza-
gem como fonte de inspiração para o planejamento de outras atividades,
que devem ser pensadas a partir das particularidades do alunado e das
características do contexto em que as ações serão desenvolvidas.

„„ Teatro de fantoches: ao ouvir histórias, as crianças desenvolvem a


escuta atenta do outro, ampliam seu vocabulário e começam a per-
ceber o encadeamento lógico dos fatos. As crianças podem recontar
as histórias contadas pelo professor utilizando os fantoches ou, em
pequenos grupos, produzir suas próprias histórias orais.
12 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

„„ Dramatização de histórias conhecidas pelas crianças: as crianças po-


dem dramatizar as histórias que fazem parte do repertório do grupo,
utilizando fantasias, roupas dos adultos e objetos do cotidiano para
a construção do cenário e do figurino.
„„ Músicas: as atividades musicais são importantes para as crianças.
Com elas, podem ser explorados gestos, expressões corporais e os
sentidos, de uma maneira geral. Para os bebês e para as crianças bem
pequenas, a participação nesse tipo de atividade propicia a ampliação
do repertório vocabular, bem como o desenvolvimento da oralidade.
„„ Cantos de leitura (canto dos gibis, das revistas, dos livros): organizados
pelo professor, nesses cantos as crianças podem interagir com materiais
escritos e ler, mesmo sem saber ler. Os cantos de leitura possibilitam,
de maneira lúdica, a construção de uma relação prazerosa com o texto
escrito e oferecem subsídios para a construção de hipóteses sobre as
funções da escrita e seu funcionamento.
„„ Canto do faz de conta: organizado com a ajuda das famílias, que po-
dem enviar para a escola objetos e roupas que não estão mais sendo
utilizadas, esse espaço propicia a brincadeira de faz de conta, em que
as crianças interagem com seus pares e constroem suas narrativas a
partir de suas vivências e seus saberes.

Tanto as atividades quanto os espaços pensados para propiciar a interação


e as brincadeiras devem ser incorporados ao planejamento docente, de modo
que façam parte da rotina das classes de educação infantil.
Assim, na educação infantil, as experiências com a linguagem têm como
fio condutor a construção de algumas competências fundamentais, como a
percepção das relações sonoras que a oralidade proporciona e que estão
presentes na consciência fonológica necessária à construção da escrita, além
do conhecimento sobre a função social da escrita. A construção dessas com-
petências é possibilitada pela diversidade de atividades lúdica aqui descritas.
Neste capítulo, você pôde compreender que a imaginação e a criatividade
infantil são fontes das relações próprias da criança com o mundo que a
cerca, tendo aqui como enfoque o desenvolvimento do conhecimento sobre
a escrita. Ao brincar e interagir, seja na educação infantil, seja nos primeiros
anos do ensino fundamental, a criança estará diante de boas oportunidades
para construir o conhecimento e pensar sobre ele, pois ela é um ser integral,
curioso, que cria e recria o próprio mundo.
O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa 13

Referências
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ponível em: http://www.serdigital.com.br/gerenciador/clientes/ceel/arquivos/5.pdf.
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Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1
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BUBLITZ, G. K. Processo de leitura e escrita e consciência linguística de crianças que
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FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas,
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MORAIS, A. G.; LEITE, T. M. R. Como promover o desenvolvimento das habilidades de
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Leituras recomendadas
BRASIL. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: ludicidade na sala de
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https://wp.ufpel.edu.br/obeducpacto/files/2019/08/Unidade-4.pdf. Acesso em:
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LEAL, T. F.; ALBUQUERQUE, E. B.; RIOS, T. M. Jogos: alternativas didáticas para brincar
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MOÇO, A. Diagnóstico na alfabetização para conhecer a nova turma. Nova Escola,
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-conhecer-a-nova-turma. Acesso em: 11 maio 2021.
14 O uso da ludicidade nas aulas de língua portuguesa

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