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Controle físico-químico de alimentos

Fraude em leite cru

Letícia Alves da Cunha

2023
1. INTRODUÇÃO
O leite é o primeiro alimento ofertado aos mamíferos no início da
vida, sendo composto por macro e micronutrientes, como
carboidratos, proteínas, lipídeos e sais minerais, tornando-o um
alimento de suma importância para a dieta humana, uma vez
que tais componentes colaboram para o crescimento,
desenvolvimento e manutenção de uma vida saudável. No entanto,
vários fatores podem influenciar na qualidade da composição deste
alimento, sendo que as fraudes constituem os principais fatores que
podem interferir diretamente na qualidade físico-química deste
produto.
A fraude alimentar abrange a alteração por substituição, adição ou
remoção; falsificação ou adulteração de alimentos e seus
ingredientes ou informações enganosas que resultam em
interpretações equivocadas sobre os produtos. É feita
intencionalmente objetivando ganho econômico, embora também
possa gerar impacto negativo na saúde dos consumidores. Ela pode
ocorrer ao longo de toda cadeia produtiva e, quanto maior a sua
complexidade, maior a probabilidade de sua ocorrência.
Em geral, alimentos com maiores chances de serem fraudados são
aqueles que possuem alto valor comercial, que passam por diversas
etapas de processamento antes da sua comercialização ou aqueles
produzidos em larga escala, ou seja, produtos com alto valor
agregado e que são muito conhecidos entre os consumidores.

2. TIPOS DE FRAUDE
A fraude alimentar pode ser definida como alterações intencionais
nos alimentos com finalidade de obtenção de ganho financeiro pela
empresa que executa a fraude. Podemos classificar em alguns tipos:

 Substituição: A substituição em fraudes alimentares ocorre quando


um ingrediente genuíno e muitas vezes mais caro é substituído por
outro de menor qualidade ou valor.
 Adição: Adição refere-se à inclusão de substâncias ou ingredientes
não declarados de maneira enganosa para alterar a qualidade, o
sabor, a textura ou outras características do produto.
 Remoção: A remoção em fraudes alimentares envolve a retirada de
parte do produto genuíno para ser substituída por substâncias mais
baratas ou de menor qualidade.
 Falsificação: A falsificação de alimentos envolve a criação e venda de
produtos alimentícios que são fraudulentamente rotulados ou
apresentados como algo que não são, muitas vezes utilizando
marcas registradas indevidamente.
 Adulteração: A adulteração refere-se à prática de adicionar
substâncias ou ingredientes não permitidos aos alimentos com a
intenção de enganar os consumidores ou obter vantagens
fraudulentas.
 Diluição: processo de mistura de um ingrediente de menor valor
agregado a um outro de maior valor para aumento de volume e
quantidade.
 Ocultação: encobrimento da baixa qualidade de um determinado
produto;
 Rotulagem enganosa: declaração de informações falsas, que possam
induzir o consumidor a compra de um determinado produto por
determinada informação, característica ou localidade falsa;
 Transbordo ou mascaramento de origem: refere-se a falsa
declaração de origem geográfica;
 Roubo e venda: refere-se a situações em que um alimento, após
roubado, é introduzido no comércio através de meios não oficiais.

3. FRAUDES EM LEITE CRU E LEGISLAÇÃO


As fraudes envolvendo a adição de água foram as primeiras a serem
evidenciadas, pois eram cometidas tanto por produtores quanto pelas
indústrias, com o objetivo principal aumentar o volume e mascarar o
desnate para produção de creme de leite. No entanto, tal prática
tornou-se arriscada pela fácil detecção da adulteração no produto,
dando origem as fraudes de segunda intenção, que são realizadas
pela adição de açúcar, amido, sal e sacarose, que são considerados
reconstituintes da densidade e, quando adicionados ao leite
fraudado com água retomam a normalidade ponto de congelamento
do produto.
Fraudes pela adição de conservantes (ácido bórico e salicílico,
peróxido de hidrogênio, bicromato de potássio, formol, cloro e
hipocloritos) são realizadas com intuito de aumentar a vida útil do
produto, visto que, estes compostos atuam como bactericidas ou
bacteriostáticos. Por outro lado, adição de substâncias neutralizantes
da acidez (hidróxido de sódio, bicarbonato de sódio) mascaram a
acidez consequente do ácido lático, produzido pela multiplicação
microbiana. Tais componentes apresentam elevado potencial de
nocividade, podendo acarretar danos à saúde dos consumidores.
Segundo a legislação brasileira, o leite cru para consumo humano
deve ser obtido da ordenha completa, ininterrupta e higiênica, de
vacas sadias, descansadas e bem alimentadas.
Fraude em alimentos é um crime previsto na legislação de alimentos.
O avanço tecnológico aliado ao conhecimento dos fraudadores tem
tornado as fraudes cada vez mais aperfeiçoadas e mais difíceis de
serem detectadas. Para o setor de bebidas temos a Portaria SDA Nº
573, de 9 de maio de 2022, institui o Programa Nacional de
Prevenção e Combate à Fraude e Clandestinidade em Produtos de
Origem Vegetal (PNFRAUDE) que traz como finalidade implementar
ações buscando a diminuição da ocorrência de fraudes e promover a
regularidade de estabelecimentos produtores de produtos
de origem vegetal.
Os sistemas de gestão de segurança de alimentos abrangem todas
as organizações envolvidas nas cadeias alimentares. As Análises de
Perigos e Pontos Críticos de Controle – APCC é um dos princípios
básicos destes sistemas e visa mapear todas as chances de uma
contaminação ocorrer, mensurá-la e preveni-la por meio de controles.

4. TÉCNICAS UTILIZADAS NA DETECÇÃO DE FRAUDE EM LEITE


CRU

O ensaio do álcool-alizarol é representa a primeira etapa na


avaliação da qualidade do leite cru, sendo empregado para estimar,
de forma indireta, a acidez do leite e sua estabilidade ao calor. Este
teste é realizado em granjas leiteiras e laticínios como parte do
procedimento de admissão da matéria-prima, e a concentração
mínima de álcool recomendada é de 72% v/v. A análise compreende
a mistura de volumes iguais de leite a ser testado e uma solução de
alizarol, seguida de interpretação baseada na formação ou ausência
de grumos (floculação) e na coloração observada. Leites estáveis,
que se encontram dentro dos parâmetros normais, exibem uma
coloração vermelho-tijolo sem a presença de grumos e são aptos
para coleta por caminhões especializados. Entretanto, amostras com
coloração violeta sem grumos ou coloração amarela com coagulação
são consideradas alcalinas e ácidas, respectivamente, sendo
indicativos de possíveis fraudes por aguagem ou neutralização da
acidez.
A prova oficial para mensuração direta da acidez emprega o método
de Dornic, que consiste na determinação da acidez causada pelo
ácido lático proveniente do metabolismo microbiano. Leites
considerados normais apresentam uma titulação entre 14 e 18 graus
Dornic (ºD), correspondendo a uma faixa de 0,14 a 0,18 g de ácido
lático/100 mL. Essa prova se baseia na neutralização da acidez com
uma solução de hidróxido de sódio (NaOH) 0,1 N, utilizando
fenolftaleína como indicador de cor. Concomitantemente, o pH é
medido com um pHmetro, sendo que leites normais tendem a
apresentar um pH entre 6,4 e 6,8. Valores de acidez abaixo de 0,14 g
de ácido lático/100 mL podem sugerir fraudes por neutralizantes,
como a adição de hidróxido de sódio e bicarbonato de sódio.
A determinação da densidade é um parâmetro crucial para a
avaliação da autenticidade do leite, sendo sensível a alterações
físico-químicas e auxiliando na detecção de fraudes por adição de
água, reconstituinte, e na determinação de sólidos totais e
desengordurados. O leite integral apresenta densidade entre 1,028 a
1,034 g/cm³ a 15ºC. Leites fraudados por aguagem tendem a exibir
densidade próxima à da água (1,0 g/cm³), enquanto leites fraudados
por desnate tendem a apresentar elevação no valor da densidade. O
Índice Crioscópico, que determina a temperatura de congelamento do
leite, é influenciado pelas substâncias em solução. Valores acima de
-0,530ºH indicam fraudes por adição de água, enquanto valores
abaixo de -0,555ºH podem apontar fraudes por reconstituintes, como
açúcar e sal.
A determinação da porcentagem de gordura, realizada pelo
Butirômetro de Gerber, é uma abordagem para caracterizar fraudes
por desnate, indicando uma proporção reduzida desse componente
em leites fraudulentos. A prática de desnate total ou parcial em
propriedades rurais é considerada uma prática fraudulenta proibida
pela legislação. A partir dos valores de densidade e porcentagem de
gordura, é possível calcular os sólidos totais (ST) e ESD, com valores
mínimos estabelecidos pela legislação vigente. Apesar de as análises
físico-químicas serem ferramentas essenciais para a averiguação da
autenticidade da matéria-prima admitida, alterações isoladas em
parâmetros normais não necessariamente indicam a presença de
fraudes. Assim, torna-se necessário adotar métodos mais
sofisticados e conclusivos para detectar neutralizantes, conservantes,
reconstituintes e outras substâncias adicionadas ao leite de
forma fraudulenta.

5. RISCO A SAÚDE RELACIONADOS A FRAUDE EM LEITE CRU

A adulteração do leite pode envolver a adição de substâncias


prejudiciais, remoção de componentes nutritivos ou diluição com
água ou outros líquidos. Essas práticas podem ter consequências
sérias para a saúde, incluindo:

 Riscos Microbiológicos: Adulterações no leite podem criar condições


propícias para o crescimento de microrganismos prejudiciais, como
bactérias patogênicas, que podem causar doenças transmitidas por
alimentos.
 Perda de Valor Nutricional: A remoção de componentes nutritivos,
como proteínas, vitaminas ou minerais, pode resultar em leite com
menor valor nutricional, afetando especialmente crianças e pessoas
dependentes do leite como fonte importante de nutrientes.
 Alergênicos Não Declarados: A adição não declarada de substâncias
alergênicas pode representar um risco para pessoas alérgicas,
levando a reações adversas.
 Toxinas Adicionadas: Em alguns casos, substâncias tóxicas podem
ser adicionadas ao leite adulterado, representando riscos graves para
a saúde.
 Problemas Digestivos: Diluição do leite com água ou outros líquidos
de menor qualidade pode causar desconforto gastrointestinal,
especialmente se o consumidor não estiver ciente da adulteração.
 Resistência a Antibióticos: Se antibióticos forem adicionados ao leite
para disfarçar infecções em animais produtores de leite, isso pode
contribuir para a resistência aos antibióticos em humanos.

6. BIBLIOGRAFIA

MÉTODOS oficiais empregados para autenticidade, controle da


qualidade e detecção de fraudes em leite cru refrigerado no Brasil. [S. l.],
12 fev. 2020. Disponível em:
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/
6841/6040. Acesso em: 18 nov. 2023.

FOOD fraud ou fraude em alimentos. Você sabe o que é? [S. l.], 17 fev.
2023. Disponível em: https://afrebras.org.br/noticias/food-fraud-ou-
fraude-em-alimentos-voce-sabe-o-que-e/#:~:text=Food%20fraud%20ou
%20fraude%20alimentar,interpreta%C3%A7%C3%B5es
%20equivocadas%20sobre%20os%20produtos. Acesso em: 18 nov.
2023.

COMO OBTER informações sobre fraudes em alimentos 24 de janeiro


de 2023 Respeite a autoria e a continuidade da informação de
qualidade, referenciando a fonte pelo hiperlink completo. O material
produzido pela FoodSafetyBrazil.org é protegido pela lei 9.610/98. (do
artigo: https://foodsafetybrazil.org/informacoes-sobre-fraudes-em-
alimentos/). [S. l.], 24 jan. 2023. Disponível em:
https://foodsafetybrazil.org/informacoes-sobre-fraudes-em-alimentos/.
Acesso em: 18 nov. 2023.

ECONOMICALLY Motivated Food Fraud and Adulteration in Brazil:


Incidents and Alternatives to Minimize Occurrence. [S. l.], 6 dez. 2018.
Disponível em: https://vet.ufmg.br/ARQUIVOS/FCK/Artigo
%20Tecnologia%20e%20Inspe%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 19
nov. 2023.

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