Você está na página 1de 4

As questões prejudiciais afetam apenas o aspecto da tipicidade da conduta

(caracterização do tipo fundamental ou incidência do tipo derivado 1), não interferindo


na ilicitude ou na culpabilidade.
Para que uma determinada questão seja considerada prejudicial em face da matéria
de fundo discutida no processo criminal, deve apresentar as seguintes características:
a) Anterioridade lógica. A questão prejudicial condiciona a questão principal discutida
no processo penal, interferindo diretamente no julgamento desta última demanda.
A anterioridade lógica significa que a questão prejudicada (por exemplo, a
receptação) depende logicamente da questão prejudicial (por exemplo, o furto que lhe
foi anterior).
b) Necessariedade: este atributo traduz a conotação de intransponibilidade. Em resumo,
para que se esteja diante de uma hipótese de prejudicialidade, é imprescindível que o
juiz criminal dependa do resultado de uma determinada questão, para que possa
considerar típica a ação atribuída ao agente. Destarte, se for possível ao juiz proferir
sentença sem nenhuma consideração a tal resultado, não se estará diante de uma
questão prejudicial.
c) Autonomia: a questão prejudicial pode ser objeto de um processo autônomo, cível ou
criminal, distinto daquele em que figura a questão prejudicada. A nulidade de um
casamento, por exemplo, pode ser discutida no âmbito de ação civil própria
independentemente de existir um processo criminal por bigamia em tramitação na
órbita penal.

7.1.2 Questões prejudiciais e questões preliminares (ou prévias)

Não se confundem questões prejudiciais com questões preliminares.


As questões prejudiciais dizem respeito, essencialmente, ao mérito da causa,
influindo, diretamente, na natureza da sentença a ser proferida pelo juiz. Assim, o
resultado conferido às questões prejudiciais, na medida em que refletirá na tipicidade da
conduta, levará o juiz a proferir uma sentença necessariamente absolutória (se atípico o
fato) ou o possibilitará exarar decisão condenatória (caso seja típica a conduta praticada
e estejam presentes os demais elementos configuradores da ilicitude e da
culpabilidade).
Por outro lado, as questões preliminares, de natureza estritamente processual,
refletem tão somente na regularidade formal do processo. Em síntese, o acolhimento ou
não de uma preliminar não afeta a natureza absolutória ou condenatória da sentença,
mas releva na consideração acerca da validade dos atos praticados.
Apesar dessa diferenciação, existe um aspecto comum entre as questões
prejudiciais e as questões preliminares: refere-se à circunstância de que ambas devem
ser conhecidas antes do julgamento do mérito.

7.1.3 Classificação segundo o grau de influência

Diferentes podem ser os graus de influência das questões prejudiciais.


Quando interferem na existência do fato típico em sua modalidade fundamental, são
rotuladas como questões prejudiciais totais. Ao contrário, são consideradas questões
prejudiciais parciais se forem relativas apenas à existência de circunstâncias que se
agregam ao tipo penal básico (v.g., incidência sobre qualificadoras).
7.1.4 Classificação segundo o caráter ou natureza

Referentes à natureza: penais (homogêneas, ou comuns, ou imperfeitas, ou não


devolutivas), se pertencerem ao mesmo ramo do direito em que se insere a questão
prejudicada; ou extrapenais (heterogêneas, ou jurisdicionais, ou perfeitas,
ou devolutivas), caso pertençam à esfera distinta do direito (civil, tributário, comercial
etc.).
As questões prejudiciais extrapenais, por sua vez, subdividem-se em devolutivas
absolutas ou obrigatórias, se impuserem ao juiz criminal a suspensão do processo
criminal até que sejam elas decididas na esfera própria por decisão transitada em
julgado, e devolutivas relativas ou facultativas, se apenas conferirem ao juiz a faculdade
de determinar essa suspensão.

7.1.6.1 Questões prejudiciais extrapenais devolutivas absolutas (ou obrigatórias)

Estão regulamentadas no art. 92 do CPP e versam sobre matérias atinentes


ao estado civil lato sensu do indivíduo, abrangendo aspectos familiares (condição de
casado, de solteiro, de pai, de mãe, de filho etc.), aspectos pessoais (idade, sexo,
condição mental etc.) e aspectos políticos (nacionalidade, naturalidade, cidadania etc.).
Essas questões são consideradas devolutivas porque devolvem (remetem) o
julgamento da matéria que as compõe ao juízo cível. Por outro lado,
são absolutas porque o seu surgimento no curso de um processo criminal obriga o
magistrado à sua suspensão, até que, no juízo extrapenal, seja a matéria resolvida por
decisão transitada em julgado.
A suspensão do processo criminal poderá ser determinada pelo juiz ex officio ou a
requerimento das partes, ocorrerá por prazo indeterminado e independe da fase
procedimental em que este se encontrar.
Não exime o magistrado de suspender o processo o fato de ainda não ter sido
ajuizada ação cível na esfera competente pelo interessado.

.1.6.2 Questões prejudiciais extrapenais devolutivas relativas (ou facultativas)

Previstas no art. 93 do CPP, são aquelas que concernem à matéria distinta do estado
civil das pessoas, v.g., fatos geradores de tributos, propriedade etc.
De outra sorte, são consideradas relativas porque, nesse caso, a suspensão do
processo criminal não é obrigatória, podendo o juiz optar entre suspendê-lo ou não.
Caso não venha a suspender o processo, ele próprio, na sentença, decidirá a prejudicial,
porém sem efeito erga omnes, ou seja, vinculando unicamente o resultado desta sua
deliberação ao âmbito do processo criminal em exame.

Nesta ordem de questões, caso decida o magistrado pela suspensão do processo


criminal, deverá ater-se a algumas regras, quais sejam:
a) A suspensão do processo criminal condiciona-se a que já tenham sido ouvidas as
testemunhas arroladas e produzidas as provas de natureza urgente (por exemplo,
uma perícia em vestígio sujeito ao desaparecimento pelo decurso do tempo).
b) Necessário, também, que já exista ação civil em andamento, pois, caso contrário, a
suspensão do processo criminal não será cabível.
c) A suspensão será por prazo determinado (segundo arbítrio do juiz), podendo ser
renovada uma vez.

7.1.6.3 Impugnação da suspensão do processo ou de seu indeferimento

Da decisão que ordenar a suspensão do processo cabe recurso em sentido estrito,


nos termos do art. 581, XVI, do CPP, seja hipótese de suspensão facultativa, seja o caso
de suspensão obrigatória.
E quanto ao indeferimento da suspensão? Neste caso, é preciso diferenciar duas
situações:
a) Tratando-se de hipótese de suspensão obrigatória, pode-se alcançá-la por meio
de habeas corpus, caso o crime imputado seja punido com prisão, ou mandado de
segurança, se a pena fixada ao delito não for privativa da liberdade (Súmula 693 do
STF). Não seria descabido, ainda, cogitar da própria correição parcial na hipótese de
manifesta ilegalidade no agir do magistrado, por exemplo, se o indeferimento da
suspensão for injustificado ou lastreado em fundamentação teratológica.
b) Sendo o caso de suspensão facultativa, não caberá recurso contra o indeferimento da
suspensão (art. 93, § 2.º, do CPP), tampouco qualquer outra via impugnativa. Trata-se
de uma questão de lógica, pois, se a suspensão, neste caso, fica ao livre-arbítrio do
juiz, não seria razoável conceber a possibilidade de impugnar esta sua decisão.

7.1.6.6 Síntese comparativa entre as questões prejudiciais absolutas e relativas

Questões prejudiciais absolutas (estado das pessoas) e relativas (outros temas)


Semelhanças Diferenças
Trata-se de questões que, obrigatoriamente, devem ser Nas questões absolutas, a suspensão do processo
decididas antes do pronunciamento pelo juiz criminal criminal é obrigatória, enquanto, no caso das relativas,
quanto à absolvição ou condenação do réu. a suspensão é facultativa.
Refletem na tipicidade da conduta, não possuindo Nas questões absolutas, a suspensão pode ocorrer a
reflexos na ilicitude ou na culpabilidade. qualquer tempo. Nasrelativas, apenas após a oitiva das
testemunhas.
Importam, quando suspenso o processo criminal, em Nas questões absolutas, a suspensão ocorrerá a prazo
suspensão do prazo prescricional (art. 116, I, do CP). indeterminado, enquanto, nas questões relativas, o
Ambas admitem, no período da suspensão, a prazo será fixado pelo juiz criminal, sujeito à
realização das provas consideradas urgentes, para prorrogação.
evitar o perecimento.
Na hipótese de omissão do réu em adotar as Nas questões absolutas, a suspensão do processo
providências cíveis que lhe competem, poderá o criminal independe de já ter ou não sido proposta ação
Ministério Público fazê-lo, desde que se trate de crime cível para a respectiva discussão. Nas relativas, a
de ação penal pública. Entendemos, porém, que suspensão apenas poderá ocorrer quando já houver ação
idêntica faculdade existe quando se tratar de delito de civil em andamento na esfera própria.
ação penal privada.
Admitem a interposição de recurso em sentido estrito Nas questões absolutas, o indeferimento da suspensão
fundamentado no art. 581, XVI, do CPP, contra a do processo criminal pode ser impugnado por meio de
decisão que ordena a suspensão. Isso porque, medidas como o habeas corpus, o mandado de
eventualmente, pode ocorrer que considere o segurança e até mesmo a correição parcial.
magistrado criminal encontrar-se diante de hipótese Nas relativas, descabe qualquer via impugnativa, não
que o obrigue ou lhe faculte a suspensão da lide penal, apenas porque assim reza o art. 93, § 2.º, do CPP, como
quando, em realidade, a situação, por não afetar a também porque, sendo a suspensão aqui uma faculdade,
tipicidade da conduta, não se caracteriza como uma não haveria sentido considerar impugnável a decisão
questão prejudicial. Neste caso, terá sido equivocada a que a denega.
decisão de suspensão, acarretando, em consequência,
a fluência normal do prazo prescricional no período
em que o processo esteve paralisado.

Você também pode gostar