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POÉTICAS

DO SÉCULO XIX

(1)
Ascensão da burguesia

Liberalismo

Nacionalismo
Liberdade Conduzindo o Povo (1830). Eugene Delacroix. Museu do Louvre, Paris
3 de Maio de 1808: A Execução dos Defensores de Madri (1814)
Francisco de Goya y Lucientes
Museu do Prado, Madrid
A Carroça de Feno (1821). John Constable. National Gallery, Londres.
Tourada na Vila (1812-14)
Francisco de Goya y Lucientes
Museu da Real Academia de San Fernando, Madri
Cemitério do Claustro na Neve (1817-1819. Destruída em 1945). Caspar David Friedrich
A Jangada do Medusa (1819). Theodore Gericault. Louvre, Paris
O Pesadelo (1781). Johann Heinrich Füssli (Henry Fuseli). Detroit Institute of the Arts
Peregrino sobre o Mar de Nuvem
(c. 1818)
Caspar David Friedrich
Kunsthalle, Hamburgo
ORIGENS DO ROMANTISMO
ALEMANHA

Final do século XVIII

Sturm und Drang

Friedrich von Schiller (1759-1805)


ODE À ALEGRIA: Schiller & Beethoven
Alegria bebem todos os seres
[Barítono] No seio da Natureza:
Oh amigos, mudemos de tom! Todos os bons, todos os maus,
Entoemos algo mais agradável Seguem seu rastro de rosas.
E cheio de alegria! Ela nos dá beijos, e vinho,
[Barítonos, quarteto e coro] E um amigo leal até a morte;
Alegria, mais belo fulgor divino, Deu força para a vida ao verme
Filha do Elísio, E ao querubim diante de Deus!
Ébrios de fogo entramos [Tenor solo e coro]
Em teu santuário celeste! Alegres, como voam seus sóis
Tua magia volta a unir Através da esplêndida abóboda celeste,
O que o costume rigoroso dividiu. Sigam, irmãos, seus caminhos,
Todos os homens se irmanam Alegremente como o herói perante a vitória.
Onde paira teu voo suave. [Coro]
A quem a boa sorte tenha favorecido Abracem-se milhões de seres!
De ser o amigo de um amigo, Enviem este beijo para todo o mundo!
Quem já conquistou uma doce companheira Irmãos! Além do céu estrelado
Rejubile-se conosco! Deve morar um Pai amado.
Sim, também aquele que apenas uma alma Milhões se prosternam diante Dele?
Possa chamar de sua sobre a Terra. Mundo, pressentes o Criador?
Mas quem nunca o tenha podido Buscai além do céu estrelado!
Que fique chorando sozinho! Acima das estrelas Ele deve morar.
Ouça a “Ode à Alegria”, da Nona Sinfonia. L. V. Beethoven.

Regente: Arturo Toscanini. Performance: Orquestra NBC.

Nova Iorque, 3/4/1948.


Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Nd-mp56aS2Y&feature=related>

Continuação em: <http://www.youtube.com/watch?v=Ot4Jj_ILjoE>


ALEMANHA

Os Sofrimentos do Jovem Werther, 1774. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).


– Isso é outro caso – retrucou Albert –, porque um indivíduo arrebatado
pela paixão perde toda capacidade de refletir, e nele só se vê o homem bêbado,
insensato.
– Oh! Essa gente sensata! – exclamei, sorrindo. – Paixão! Embriaguez!
Loucura! Vocês, os razoáveis, permanecem tão calmos, tão indiferentes,
condenando os bêbados, repelindo os tresloucados, e seguem o seu caminho
como um sacerdote e agradecem a Deus, como um fariseu, por Ele não os ter feito
igual aos outros. Mais de uma vez embriaguei-me, vivi paixões que me levaram à
beira da loucura, e de nada me arrependo, pois dessa forma compreendi por que
homens notáveis, de todos os tempos, que fizeram alguma coisa expressiva,
alguma coisa grande, foram chamados de bêbados ou loucos. Entretanto, mesmo
na vida mais comum, quando alguém realiza algo inesperado, diferente, é
insuportável ouvirmos a acusação: “Esse homem está bêbado, está fora de si!” Os
homens sensatos são uma vergonha!
(...)
– A natureza humana – continuei – é limitada: podemos suportar a
alegria, o sofrimento, a dor, mas só até certo ponto; quando ele é ultrapassado,
sucumbimos. Portanto, aqui não se trata de saber se um homem é forte ou fraco,
mas se é capaz de suportar a medida de seu sofrimento, seja moral ou físico.
Considero tão absurdo dizer que um homem é fraco porque se mata quanto
chamar de covarde aquele que morre de uma febre maligna.
GOETHE, J. W. Os Sofrimentos do Jovem Werther. São Paulo: Nova Alexandria, 1999, p. 52-53.
INGLATERRA

1765

As Obras de Ossian

James MacPherson
INGLATERRA

1798

Baladas Líricas

Wordsworth & Coleridge


VIRANDO A MESA Ela as mentes e os peitos invade,
Com prontos tesouros sacia:
Eia, amigo, clareia o semblante! O saber espontâneo e a verdade
Por que tais esforços e arfares? Que inspiram saúde e alegria.
Eia, deixa os teus livros na estante,
Mas antes de em dois te quebrares. Um impulso do bosque vernal
Nos faz entender mais a fundo
Eis que o sol sobre o monte declina; Nossa essência, e a do bem e do mal,
Um brilho vital e clemente Que todos os sábios do mundo.
Esparziu pela verde campina,
Todo o ouro sem-par do poente. Meiga ensina a gentil Natureza;
Mas nosso intelecto deixamos
Livros! Tédio e trabalho tão duro! Que, curioso, deforme a beleza...
Escuta o mavioso cantor, E nós, dissecando, matamos.
O milheiro do bosque. E eu te juro
Que nunca houve um sábio maior. Basta de artes e ciências então,
De folhas que o estéril concebe;
Ouve o tordo que canta contente! Vem, e traz um jovial coração
Não é um medíocre mestre; Que apenas observa e recebe.
Para a luz do real sai urgente,
E que a Natureza te adestre. WORDSWORTH, William. Poesia Selecionada.
Tradução de Paulo Vizioli. São Paulo: Edições
Mandacaru, 1988, p. 27-28.
FRANÇA

1801

Atala

Chateaubriand

François-René de Chateaubriand (1768-1848)


FRANÇA

1827

Prefácio de Cromwell:
“Do Grotesco e do Sublime”

Victor Hugo

Victor Hugo (1802-1885)


Digamo-lo, pois, ousadamente. Chegou o tempo disso,
e seria estranho que nesta época, a liberdade, como a luz,
penetrasse por toda a parte, exceto no que há de mais
nativamente livre no mundo, nas coisas do pensamento.
Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas. Derrubemos
este velho gesso que mascara a fachada da arte! Não há regras
nem modelos; ou antes, não há outras regras senão as leis
gerais da natureza que plainam sobre toda a arte, e as leis
especiais que, para cada composição, resultam das condições
de existência próprias para cada assunto.
(...)
O poeta, insistamos neste ponto, não deve, pois, pedir
conselho senão à natureza, à verdade, e à inspiração, que é
também uma verdade e uma natureza.
HUGO, Victor. Do Grotesco e do Sublime:
Tradução do Prefácio de Cromwell. São Paulo:
Perspectiva, s. d., p. 56-57.
Padrões românticos
O Gênio Individual (visionário ou vate)

Naturalidade
Espontaneidade
Autenticidade
Sinceridade
Sentimentalismo
Subjetividade
Imaginação
O Gênio Nacional (Volksgeist)

Busca das origens nacionais


Valorização do folclore
Caráter ou identidade do povo ou “raça”
O Gênio da Época (Zeitgeist)

Weltgeist
Weltliteratur (cosmopolitismo)
Weltanschauung
Concepções de arte e de literatura
HERDER, Johann Gottfried von (1744-1803)

Poesia: arte da imaginação,


não é imitação da natureza,
mas do poder criador e
nomeador de Deus por meio
da expressão do gênio. Não há
outra chave para o interior das
coisas a não ser a imagem, a
analogia.
GOETHE, Johann Wolfgang von (1749-1832)
A arte é imitação da natureza: síntese do
universal e do particular, do real e do
racional, do espírito e da natureza.
Poesia: atividade criadora.
A literatura é atividade simbólica: busca
o geral no particular (≠ de alegoria: busca
o particular no geral).
Autonomia da obra de arte: “Nós lutamos pela perfeição da
obra de arte em si mesma; os outros pensam no efeito
exterior... A arte nova corrompe porque quer agradar.”
Arte clássica: objetividade, realismo, saúde.
Arte romântica: subjetividade, idealismo, morbidez.
SCHILLER, Friedrich von (1759-1805)
Poesia ingênua (clássica):
imitação da natureza, arte
objetiva, impessoal, plástica e,
fundamentalmente, realista.

Poesia sentimental (romântica):


arte reflexiva, pessoal,
consciente e musical. O poeta
sentimental, dividido dentro de
si mesmo (inteligência e
sentimento), vive em conflito
com a sociedade.
SCHLEGEL, Friedrich von (1772-1829)
Poesia: subordinada à filosofia e à religião.
Poesia clássica (grega): desinteressada,
objetiva, impessoal, perfeita na forma,
pura nos gêneros, sem didatismo ou
moralismo dominante.
Poesia romântica: interessada (fins pessoais do autor),
subjetiva, aberta (“infinita progressão”), insatisfeita (“anseio”)
e impura pela mistura dos gêneros, pela mescla com o
didático e o filosófico, pela inclusão do feio e do anárquico.
Essência da poesia: imaginação inventiva e criadora, que
expressa o indivíduo e o caráter peculiar de uma nação.
Ato criador: combinação do consciente e do inconsciente, de
instinto e intenção.
SCHLEGEL, August von (1767-1845)

Arte: “um pensar por imagens”.


Beleza: representação simbólica do infinito.
Poesia: recriação elevada da linguagem
original; uma analogia da totalidade do
universo.

Símbolo: fundamento da literatura, restaura a concatenação


das coisas. “Todas as coisas estão relacionadas com todas as
coisas; todas as coisas significam, portanto, todas as coisas.”
A expressão poética reage ao sentimento: o ritmo e a
métrica, por exemplo, são correlatos dos ritmos do coração,
da respiração ou do trabalho.
SCHLEGEL, August von (1767-1845)
Forma mecânica: acréscimo
acidental, forma arbitrária
conferida ao material artístico.

Forma orgânica: inata,


desenvolvida de dentro para
fora, atinge sua definição por
meio de desenvolvimento
natural, determinado pelo
conteúdo.
Obra de arte ideal: “a matéria e a forma, a letra e o espírito se
interpenetram tão completamente que já não somos capazes
de distingui-los.”
SCHELLING, Friedrich W. J. von (1775-1854)
A ideia platônica de beleza “une todas as
outras ideias”.
“Somente na beleza a verdade e a
bondade tornam-se análogas.”
“O ato mais elevado da razão é o ato
estético. A poesia (...) torna-se (...) a
mestra da humanidade.”
A arte é análoga à natureza e seu poder criador.
A arte não imita a natureza, antes expressa a sua essência por
meio do mito (sistema de símbolos).
As ideias devem se tornar estéticas, isto é, “mitológicas”, para
que sejam eficientes na missão civilizadora da arte.
SOLGER, Karl W. F. (1780-1819)
Belo (contra o idealismo de Schelling):
aparência concreta, em seu
isolamento, limitação e presença.
União do geral e do particular, do
conceito e da aparência, da essência e
da realidade por meio do símbolo.
Arte: atividade imaginativa.

Ironia: princípio de toda arte.

Imaginação artística (análoga à criação divina; artista = criador


e profeta): age para fundir a unidade da ideia de beleza com
as contradições da realidade.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831)
Beleza: universal concreto;
representação sensível da
verdade.
Arte: aparência sensível da
Ideia (noção histórica);
totalidade organizada, que
cria um mundo encerrado
em si mesmo, sem objetivo
externo.
Ideal: concreto, individual e,
ao mesmo tempo, universal
e geral.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831)
Três fases da história da arte:
1. “Simbólica”: vaga relação entre
forma e conteúdo.
2. “Clássica”: união de forma e
conteúdo.
3. “Romântica”: divisão entre interior e
exterior (a subjetividade torna a
forma exterior fortuita e arbitrária).
Conteudismo: a superfície estética da literatura não é a
linguagem. O elemento linguístico é apenas exterioridade
acidental, um meio, indiferente ao elemento poético – a Ideia.
Arte romântica: decadência; confusão entre arte e realidade
(naturalismo)
WORDSWORTH, William (1770-1850)

Poesia: extravasar espontâneo


de poderosos sentimentos
colhidos na tranquilidade:
“emoção contemplada”.

Justificação da poesia: forma de


conhecimento (por imagens);
efeito produzido sobre o leitor.

Objetivo da poesia: a saúde mental e moral; a felicidade do


homem concorde com a natureza.
COLERIDGE, Samuel Taylor (1772-1834)
Arte: mediadora e reconciliadora da
natureza com o homem (Schelling).
Essência da beleza: harmonia do uno no
múltipo; poder de causar “prazer imediato”
(Kant); união de vida e forma (Schiller).
Gosto: faculdade intermediária entre o
intelecto e os sentidos; eleva as imagens dos
sentidos e torna sensíveis as ideias do
intelecto (Kant).
Ideia: essência dos objetos (união de particular e universal).
Símbolo: expressão do universal no particular (artifício por
meio do qual a ideia é apresentada).
COLERIDGE, Samuel Taylor (1772-1834)
Imaginação primária: constitui a percepção
e é inconsciente.

Imaginação secundária: artística, contígua


à imaginação primária, mas dela difere por
coexistir com a vontade consciente.

Crítica: “ciência do raciocínio e do julgamento concernente à


produção de literatura”, fundamentada no “método”
(unidade e poder unificador da imaginação criadora).

Teoria da poesia: esquema que tenta unificar uma descrição


do poeta, de seu aparelhamento e de suas faculdades com
uma descrição da obra de arte e de seus efeitos sobre o leitor.
COLERIDGE, Samuel Taylor (1772-1834)

Poeta: gênio (consciente e inconsciente)


objetivo e impessoal, que busca
apreender a totalidade do universo por
meio da imaginação (equilíbrio ou
conciliação de opostos, com função
unificadora) – “homem completo”.
Poesia: imitação e simbolização que
configuram um organismo, um todo
unificado pela tensão ou conciliação dos
opostos. “A essência da poesia é a
universalidade”.
Efeito da poesia: prazer imediato e desinteressado (Kant).
MADAME DE STAËL (1766-1817)
Conceito de literatura emocional,
moralista e utilitário: poesia é
emoção que comove a alma e
conduz à virtude.
A literatura deve expressar o
caráter nacional.
Cosmopolitismo: “As nações
devem servir de guias umas às
outras”. Os países devem ser
receptivos às ideias estrangeiras.
Valorização das relações entre as leis da literatura e a história,
a religião e os costumes.
CHATEAUBRIAND, François-René de (1767-1824)

Literatura: os grandes escritores


“puseram sua história em suas
obras (...), nada descrevem tão
bem como o seu próprio
coração”.
STENDHAL (Henri-Marie Beyle, 1783-1842)
Obra de arte: “bela mentira”.

Literatura: “arte de dar ao


povo obras que, no estado
atual de seus costumes e
crenças, sejam capazes de
causar-lhe o maior prazer
[intelectual] possível”.

Sobre o romance: deve ser


contemporâneo, psicológico e
social, sem deixar de ser
universal e de ser capaz de
penetrar a natureza humana.
VICTOR HUGO (1802-1885)

Arte: deve moralizar, civilizar e


edificar, mas tem seu próprio
objetivo: “recriação dos mais
profundos padrões de humanidade”.

Literatura: ordem interna;


identidade de forma e conteúdo;
união dos opostos; síntese do
sublime e do grotesco.

“Uma coisa bem feita, uma coisa mal feita, eis o belo e o feio
em arte.”
SAINTE-BEUVE, Charles Augustin (1804-1869)

Literatura: transformação
da experiência pessoal em
motivo poético e em ficção.

Ideal literário: expressão


da unidade e sinceridade
do homem, associada ao
imperativo moral.

Arte: expressão do gênio, do


espírito do tempo e da
ordem da sociedade, que
transcende a vida transitória.
EDGAR ALLAN POE (1809-1849)
Autonomia da arte: “Não está no poder
da ficção inculcar qualquer verdade.”
Beleza: objetivo e centro da arte.
Função da arte: comover “a alma sensível
até às lágrimas”.
Imaginação: não é criadora, mas poder intelectual de escolha
e combinação (calculada elaboração) – “A mais alta ordem do
poder imaginativo é sempre preeminentemente matemática”.
Obra de arte: totalidade construída para obtenção de um
único efeito – “sublime excitação”.
“Na composição inteira, não deve haver uma só palavra escrita cuja
tendência, direta ou indireta, não seja para o desígnio preestabelecido.”
Bibliografia sumária

GOETHE, Johann Wolfgang von. Memórias: poesia e verdade. Porto Alegre:


Ed. Globo, 1971, 2 vol.
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. São Paulo: Perspectiva, s.d.
Coleção Elos.
POE, Edgar Allan. Poemas e ensaios. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1987.
SCHILLER, Friedrich. Poesia ingênua e sentimental. São Paulo: Iluminuras,
1991.
SCHLEGEL, Friedrich. Conversa sobre a poesia. São Paulo: Iluminuras, 1994.
WELLEK, René. História da crítica moderna. São Paulo: Herder; Edusp,
1972, 4 vol.
WELLEK, René. Conceitos de crítica. São Paulo: Cultrix, s.d.
WELLEK, R. & WARREN, A. Teoria da literatura. 5ª ed. Lisboa: Publicações
Europa-América, s.d.
WIMSATT JR., W. K. & BROOKS, C. Crítica literária: breve história. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1971.

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