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cap.

05 Introdução

Introdução questionar o paciente se recentemente realizou


Ricardo Suzuki algum exame oftalmológico, porque não são ra-
ras as situações em que o paciente descobre a
Entende-se como perda aguda da visão a redu- baixa acuidade visual antiga somente na ocasião
ção rápida e significativa da acuidade visual num da avaliação ao ocluir o melhor olho (diferenciar
curto espaço de tempo. Não existe na literatura de ambliopia).
uma classificação exata do tempo e da intensi-
dade da redução da visão baseada nos métodos De forma geral, trata-se de uma situação de ur-
clássicos (como a Tabela de Snellen), caracteri- gência e, em alguns casos, de emergência clíni-
zando a perda aguda. Dessa forma, a anamnese ca, devendo, sempre que possível, ser iniciado o
é fundamental, pois através dela caracteriza-se o tratamento o quanto antes visando a total recu-
quadro clínico. Sempre é importante verificar se peração da acuidade visual.
o episódio é uni ou bilateral; se é transitório ou
não; se ocorreu subitamente ou manifestou-se Podemos classificar as causas mais freqüentes
em horas, dias ou semanas; se acometeu o centro para a perda aguda de visão da seguinte forma:
da visão ou parte dela na periferia; se foi acom-
panhado de algum fator desencadeante, como 1. Opacidades de meio
traumas; se existe alguma doença sistêmica as- 2. Doenças da retina
sociada em descontrole, como HAS, diabetes; 3. Traumas
se acompanha dor ocular ou não. É interessante 4. Doenças de causa neuroftálmica

Perda visual aguda 129


Opacidade de meio cap. 05

Opacidade de meio cos tópicos quando necessário.


Ricardo Suzuki Qualquer infecção corneana, seja viral, bacte-
riana ou fúngica que evolua para úlcera, pode
Qualquer opacidade de meio que surge de uma mimetizar o edema corneano. O aspecto clíni-
forma repentina pode levar à redução rápida co, além dos exames laboratoriais, pode elu-
da visão. Iniciando pelo segmento anterior, o cidar o agente etiológico e direcionar o trata-
edema de córnea, independentemente de sua mento.
causa, deve sempre ser considerado. A depen-
der da intensidade e da posição anatômica do Sangramentos extensos também levam à redu-
edema, a perda visual será maior ou menor. Em ção abrupta da visão. Tanto no segmento anterior
geral, a queda da visão ocorre em algumas ho- (hifemas) como no posterior (hemorragias vítre-
ras, de maneira progressiva (durante a formação as), de etiologias variadas, o resultado é sempre
do edema), afetando a visão em toda sua ex- a perda súbita da visão. Nesses casos, a redução
tensão. Descartando-se as causas traumáticas, abrupta da visão também ocorre de alguns mi-
deve-se lembrar das hipóxias, das infecções, das nutos a horas. No caso dos hifemas, caracteriza-
inflamações e dos aumentos súbitos da pressão se como uma perda no setor inferior, podendo
intra-ocular como causas do edema corneano. O progredir superiormente; já nas hemorragias
tratamento na maioria das vezes é clínico (colí- vítreas, nota-se uma perda difusa em todos os
rios), dependendo de sua causa primária. Alguns setores. Na grande maioria das vezes, a melho-
colírios hiperosmolares ajudam a reduzir o ede- ra da visão ocorre de forma espontânea com a
ma corneano por simples difusão, melhorando, absorção da hemorragia. Essa absorção ocorre
assim, sua transparência. mais rapidamente quando o sangramento é no
segmento anterior, se comparado com os san-
Edema corneano gramentos na cavidade vítrea. Assim, a acuidade
visual tende a melhorar de forma mais precoce
Uma das causas mais comum de edema corne- nos casos dos hifemas. Pode-se optar pela remo-
ano é o aumento súbito da pressão intra-ocu- ção cirúrgica da hemorragia quando for conve-
lar (PIO), principalmente nos casos de glauco- niente (impregnação corneana, descolamentos
ma agudo. A elevação abrupta da PIO leva a da retina associados, etc.).
transudação de líquido através do endotélio
corneano, refletindo por todas as camadas até Os hifemas podem ser originados de forma es-
atingir o epitélio formando o chamado edema pontânea após uma cirurgia intra-ocular, após
microbolhoso. Ess e edema é reversível quan- um trauma contuso e em olhos com neovas-
do se reduz a PIO aos níveis normais. cularização de íris (tumores, diabetes, oclusões
O uso inadequado das lentes de contato tam- venosas retinianas, doenças crônicas). Esse
bém pode levar ao edema corneano, seja por sangramento pode preencher toda a câmara
isquemia (quando as lentes rígidas são erro- anterior (hifemas totais ou “bola oito”) ou par-
neamente adaptadas de uma forma muito cialmente. Evidentemente, os hifemas totais
apertada) ou por algum processo infeccioso, vão provocar redução da acuidade visual mais
como a úlcera corneana. Seja qual for o caso, é significativa que os hifemas parciais. De qual-
fundamental descontinuar o uso das lentes de quer forma, a perda visual inicia-se na região
contato, associando ou não o uso de antibióti- inferior progredindo superiormente devido à

130 Perda visual aguda


cap. 05 Opacidade de meio

própria ação gravitacional do sangue deposi- invasiva é a injeção de TPA (fator ativador do
tado. A grande complicação dos hifemas é sua plasminogênio tecidual) intracameral. O TPA
associação com a elevação da PIO levando ao é uma droga fibrinolítica de ação rápida que
glaucoma principalmente nos totais. apresenta benefícios significativos em casos
de hifemas parciais. Entretanto, deve ser usa-
O tratamento deve ser inicialmente de prefe- do com cautela por poder causar ressangra-
rência clínico, podendo ser necessário cirurgia. mentos.

Clinicamente, a administração de esteróides As hemorragias vítreas também podem ser


tópicos promove mais conforto e diminui causadas por trauma contuso, mas freqüen-
qualquer processo inflamatório associado. temente estão associadas às complicações de
Atropina tópica também é recomendada para patologias retinianas. Qualquer retinopatia
diminuir a dor e facilitar o exame fundoscópi- vascular pode levar ao sangramento para a
co quando necessário. Alguns sugerem o uso cavidade vítrea. Como o sangramento geral-
de ácido amino-capróico com a finalidade de mente é difuso, a perda visual também o será.
se evitar o ressangramento. O ácido amino-ca- Dependendo do grau do sangramento, a visão
próico previne a retração do coágulo de forma pode diminuir desde a algumas linhas na Tabe-
rápida permitindo o reparo do vaso sangüíneo la de Snellen até a percepção luminosa. Nesses
lesado. É importante evitar qualquer medica- casos de sangramentos abundantes, é neces-
ção que tenha uma ação antiplaquetária como sária a ultra-sonografia ocular para se avaliar
o AAS e antiinflamatórios não hormonais. Em a integridade das estruturas do pólo posterior.
casos de hifema pós-trauma, freqüentemente Desde que haja integridade das estruturas do
o ressangramento pode ocorrer em 1 a 2 dias pólo posterior, o tratamento pode ser con-
após o trauma. Se ocorrer aumento da PIO as- servador. Pode-se aguardar a absorção dessa
sociado, drogas hipotensoras devem ser ini- hemorragia naturalmente. Se houver compro-
ciadas. Lembrar que em casos de hifemas em metimento retiniano (descolamentos), a cirur-
portadores de anemia falciforme, as drogas gia deve ser prontamente considerada; ou em
hipotensoras com ação inibidora da anidrase casos de olho único (quando o olho adelfo é
carbônica devem ser evitadas por provocarem cego), mesmo com integridade retiniana. En-
ou piorarem a crise de falcização. tretanto, alguns indicam a cirurgia em todos
os casos, pois acreditam evitar futuras compli-
Cirurgicamente, devemos realizar a remoção cações que o próprio sangramento eventual-
do sangue da câmara anterior nas seguintes mente possa provocar.
situações: casos em que esteja ocorrendo im-
pregnação corneana; hifemas totais por mais A absorção do sangramento de forma natural
de 2 dias ou parciais com grandes coágulos ocorre mais rapidamente se o sangramento
por 5 a 6 dias; e PIO descontrolada. Nesse últi- é no segmento anterior quando comparado
mo caso, além de se realizar a lavagem da câ- com os sangramentos na cavidade vítrea. Des-
mara anterior com solução salina balanceada, sa forma, a acuidade visual tende a melhorar
deve-se realizar também algum tipo de cirur- de maneira mais precoce nos casos dos hife-
gia filtrante. Uma alternativa cirúrgica menos mas.

Perda visual aguda 131


Doenças da retina cap. 05

Doenças da retina gência, e o tratamento deve ser realizado o mais


Ricardo Suzuki rápido possível.
O descolamento pode ser classificado quanto a
A retina é uma das estruturas mais complexas sua fisiopatologia: (Figura 01)
e delicadas do aparelho ocular. É responsável
pela captação da imagem e sua transformação 1. Regmatogênico: ocorre quando se forma es-
em sinal elétrico, o qual será enviado pelo ner- pontaneamente um buraco na espessura da
vo óptico ao SNC (sistema nervoso central), onde retina em sua totalidade, e por esse orifício um
será interpretado na forma de imagem. Portanto, líquido penetra no espaço entre a coróide e a re-
qualquer alteração estrutural e/ou funcional da tina, levando ao descolamento desta.
retina provoca perda visual, podendo ou não ser 2. Exsudativo: ocorre quando existe um proces-
reversível. so inflamatório entre a coróide e a retina, o qual
causa acúmulo de líquido resultante da inflama-
a. Descolamento da retina ção (exsudação), o que leva ao descolamento da
O descolamento da retina reduz abruptamente a retina.
visão. A queda da visão depende do setor da re- 3. Tracional: ocorre quando existe uma prolifera-
tina em que ocorreu o descolamento (central e/ ção fibroelástica no vítreo, tracionando a retina,
ou periférico). Quando a retina desloca-se da sua levando à formação de buracos nesta e seu des-
posição natural, ou seja, quando perde o contato colamento.
com a coróide, imediatamente perde sua função. O tratamento sempre é cirúrgico nos casos reg-
Quanto maior o tempo que ela fica descolada, matogênicos e tracionais,existindo diferentes
maior será sua lesão, comprometendo de ma- técnicas a depender da natureza do descola-
neira irreversível sua função, mesmo depois de mento.
tratada. Portanto, trata-se de uma situação de ur-

132 Perda visual aguda


cap. 05 Doenças da retina

Figura 01

Perda visual aguda 133


Doenças da retina cap. 05

Nos casos de descolamentos exsudativos (p.ex. bordas da rotura com laser de argônio ou diodo
doença de Vogt-Koyanagi-Harada), ao se dimi- levando a reação inflamatória, selando a rotura.
nuir o processo inflamatório, o descolamento Em casos de roturas inferiores ou mais extensas,
tende a melhorar, não necessitando de interven- é necessário intervenção cirúrgica mais invasi-
ção cirúrgica. va. Realiza-se a introflexão escleral, ou seja, uma
identação escleral em direção à cavidade vítrea
Nos casos de descolamentos regmatogênicos, com um anel de silicone no exato local da rotura
sem a associação de trações vítreoretinianas, retiniana. Desta forma, promove-se o bloqueio
é fundamental o exame detalhado da retina. da rotura mecanicamente. Concomitantemente
O mapeamento da retina até o limite máximo ao posicionamento do anel escleral, deve-se dre-
possível da periferia é extremamente importan- nar o líquido sub-retiniano através da coróide e
te e tem como objetivo identificar a(s) rotura(s) da esclera para fora do globo ocular. Indução da
existente(s) para um bom planejamento cirúrgi- inflamação nas bordas da rotura deve ser realiza-
co. Ao se identificar a rotura, planeja-se a cirur- da através da criocoagulação para selar a mesma.
gia. Se a rotura estiver localizada superiormente, Finalmente, nos casos de descolamentos tracio-
a injeção de gás expansivo (SF6 ou C3F8) pode ser nais, utiliza-se a técnica de vitrectomia. Basica-
uma alternativa, minimizando o trauma cirúrgi- mente, trata-se de uma “mini-laparoscopia” com
co. Como o gás é menos denso que o vítreo, ten- microinstrumentos cirúrgicos com a finalidade
de a localizar-se na região superior, bloqueando de se remover todo o vítreo e as proliferações
a rotura pela própria tensão superficial. Assim, o fibroelásticas que provocaram o descolamento.
líquido sub-retiniano naturalmente será absorvi- Em todos os casos, a recuperação visual irá de-
do, colocando a retina em sua posição original. pender da gravidade da lesão e, principalmente,
Posteriromente, é necessário fotocoagular as do tempo em que foi iniciado o tratamento.

134 Perda visual aguda


cap. 05 Doenças da retina

b. Doença macular relacionada à idade (DMRI) O achado fundoscópico típico é o aspecto es-
A doença macular relacionada à idade, ou DMRI, branquiçado da retina acometida devido ao
é caracterizada pela formação de vasos sangüí- edema resultante da falta da irrigação sangüí-
neos anômalos no espaço sub-retiniano. Ocorre nea. Muitas vezes, a fóvea é preservada por
exsudação de substâncias que vão se localizar ser irrigada por ramos independentes. Dessa
entre as camadas da retina e assim diminuir a vi- forma, a coloração alaranjada é preservada,
são. Trata-se de uma situação em que a perda vi- destacando-se em contraste com a região aco-
sual não é aguda, porém progressiva. Em alguns metida (esbranquiçada) levando ao aspecto
casos, pode haver um sangramento, e com isso, “em cereja”. Quando as artérias cílio-retinianas
piora abrupta da visão. Pela sua localização ana- não são acometidas, a visão central pode ser
tômica, a redução da visão é na maior parte dos preservada.
casos central.
O tratamento atualmente ainda não é satisfató- O tratamento nem sempre é satisfatório, e de-
rio, e a recuperação visual, quando ocorre, é bas- pende da causa da oclusão. Se for por trombos,
tante reservada. alguns sugerem o tratamento através de massa-
Este assunto será abordado detalhadamente gem ocular na expectativa de estimular a migra-
no tema “doença macular relacionada à ida- ção do trombo e assim restabelecer a circulação
de” no capítulo “Perda Crônica da Visão”. sangüínea. Paracentese da câmara anterior pode
ser efetuada para reduzir a PIO facilitando, assim,
c. Oclusões vasculares a reperfusão. Algumas horas podem fazer muita
As oclusões vasculares podem ser divididas em: diferença em termos de prognóstico visual.

a. oclusão total ou parcial da artéria central da Uso de acetazolamida via oral e paracentese
retina da câmara anterior podem ser medidas a se-
b. oclusão total ou parcial da veia central da re- rem tomadas para se reduzir a PIO facilitando,
tina assim, a reperfusão.
As oclusões parciais apresentam um prognóstico
melhor por afetarem áreas menores da retina. As oclusões venosas levam a perda da visão por
Os casos de oclusão arterial são mais graves por um mecanismo diferente das arteriais. Nesses ca-
resultarem em isquemia total ou parcial da reti- sos, ocorre um sangramento retiniano impedin-
na, levando à perda da função do local acometi- do a captação da imagem. Entretanto, da mes-
do. Dessa forma, pode-se notar a perda visual na ma forma que nas oclusões arteriais, as perdas
região central ou em setores periféricos sempre visuais vão depender do setor da retina que foi
de uma forma abrupta. A oclusão arterial pode acometido. Em geral, os sintomas também são
ser causada pela migração de um trombo ou de percebidos de maneira bastante rápida. Em uma
um êmbolo, o que interrompe o fluxo sangüíneo porcentagem menor, podem ocorrer, além do
para o tecido retiniano. Pode ocorrer também sangramento, episódios isquêmicos associados
oclusão da artéria central por espasmo, devido (esses casos têm um prognóstico mais reserva-
ao aumento súbito e extremamente elevado da do).
pressão intra-ocular, ou por compressão externa,
decorrente de uma hemorragia retrobulbar.

Perda visual aguda 135


Doenças da retina cap. 05

O achado fundoscópico característico é a pre- dicamente a estrutura retiniana, pois pode haver
sença de hemorragias “em chama de vela”, as- indução da formação de vasos anômalos, prolife-
sociadas às tortuosidades vasculares, exsuda- ração vítreoretiniana e descolamento da retina.
tos duros e algodonosos na região anterior à
oclusão. As complicações mais importantes que uma
oclusão de ramo venoso pode ocasionar são:
O tratamento é mais conservador, devendo-se edema macular crônico e neovascularização
aguardar a absorção da hemorragia. Em casos de secundária na retina.
isquemia associada, é importante verificar perio-

136 Perda visual aguda


cap. 05 Traumas

Traumas penetrações (corneanas, esclerais, cristalinianas,


Ricardo Suzuki retinianas) devem ser tratadas e deve-se afas-
tar a possibilidade de haver corpos estranhos
Traumas em geral podem ser divididos em: pe- intraoculares. Dependendo da sua natureza, o
netrantes e não penetrantes. simples contato do corpo estranho com as estru-
Os traumas não perfurantes podem causar redu- turas oculares pode levar a prejuízos funcionais,
ção da acuidade visual por sangramentos (hife- devendo sempre ser retirados nessas ocasiões.
mas ou hemorragias vítreas), edema corneano, O prognóstico irá depender da intensidade e da
descolamentos de retina, lesão do nervo óptico, gravidade das lesões considerando o imediato
das vias ópticas e do SNC. Quando ocorre perfu- pronto atendimento.
ração, toda a estrutura lesada pode perder total
ou parcialmente sua função, e a reconstrução do Este tema será abordado com mais detalhes
globo ocular cirurgicamente é fundamental para no capítulo 8 - Pronto Socorro em Oftalmolo-
se tentar restabelecer a acuidade visual. Todas as gia.

Perda visual aguda 137


Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica cap. 05

Perda súbita da visão de causa ção anterior do nervo óptico, visível à oftalmos-
neuroftalmológica copia, sendo denominada “neuropatia óptica is-
Mário Luiz Ribeiro Monteiro quêmica anterior” (NOIA). Essa forma representa
90% dos casos de neuropatia óptica isquêmica.
Introdução Menos comumente, lesões isquêmicas acome-
tem as porções posteriores do nervo óptico, sen-
Perda súbita da visão é um quadro sindrômico do tal afecção denominada “neuropatia óptica
extremamente importante de ser reconhecido. isquêmica posterior” (NOIP).
O seu diagnóstico diferencial é importante pela
gravidade das afecções causadoras e pela neces- A NOIA pode ser classificada em NOIA arterítica
sidade de diagnóstico e tratamento precoces. (NOIA-A), geralmente causada por arterite tem-
poral (mas também podendo ser manifestação
A perda súbita e permanente da visão deve de outras vasculites), que representa 10 a 20%
ser diferenciada de perda transitória da visão dos casos, e NOIA não arterítica (NOIA-NA), que
(amaurose fugaz), seja ela de um ou de ambos os constitui a maioria dos casos. Tais pacientes ge-
olhos, e exige um diagnóstico diferencial diverso ralmente apresentam fatores de risco para arte-
daquele que aqui discutiremos. riosclerose como hipertensão arterial, diabetes,
hipercolesterolemia, etc., mas a afecção também
Quando estamos diante de um quadro de per- pode ocorrer em indivíduos idosos ou de meia
da súbita da visão, de maneira geral, devemos idade, sem tais condições. Acredita-se que fato-
considerar a perda súbita envolvendo um dos res anatômicos predisponentes do disco óptico
olhos e aquela que acomete os dois olhos, sendo (discos pequenos) sejam importantes na sua
o diagnóstico diferencial distinto nos dois casos. gênese. Muitos desenvolvem a perda visual ao
acordar e acredita-se que um dos fatores desen-
cadeantes possa ser a hipotensão noturna. Ou-
Perda súbita monocular da visão tras causas menos comuns de NOIA-NA são dis-
túrbios hemodinâmicos e hematológicos como
As causas de perda súbita e monocular da visão choque, hipertensão maligna, enxaqueca e vas-
incluem afecções oculares como a oclusão da ar- culopatia por irradiação.
téria central da retina, o descolamento de retina,
a oclusão de veia central e outras doenças ocula- Tipicamente ocorre em pacientes acima de 50
res. Do ponto de vista neuroftalmológico devem anos que referem perda visual súbita e indolor
ser lembradas duas condições extremamente acometendo a visão central ou partes do campo
importantes que são a neuropatia óptica isquê- visual, em especial o campo visual inferior. Na
mica e a neurite óptica. maioria dos casos não há sintomas precedendo a
perda visual, mas naqueles com arterite tempo-
ral pode haver obscurecimentos transitórios da
Neuropatia óptica isquêmica visão alguns dias antes da perda. A maioria dos
pacientes tem perda súbita (geralmente ao acor-
A neuropatia óptica isquêmica representa o in- dar), embora em alguns possa haver progressão
farto do nervo óptico e acomete indivíduos ido- do déficit visual nas primeiras seis semanas.
sos. A afecção mais comumente acomete a por-

138 Perda visual aguda


cap. 05 Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica

Geralmente, na forma arterítica, a perda visual é ral. Acredita-se, portanto, que a NOIA-A seja cau-
mais grave do que na NOIA-NA. sada pela oclusão das artérias ciliares posteriores
curtas. Por outro lado, a fisiopatogenia da NOIA-
O exame do campo visual mostra defeito que NA, não é conhecida na sua totalidade. Embora
geralmente é do tipo altitudinal (defeito que res- a oclusão das artérias ciliares posteriores curtas
peita o meridiano horizontal, mais comumente por trombo ou êmbolo seja possível, acredita-se
acometendo o campo visual inferior). Outras al- que a hipoperfusão temporária dos vasos nu-
terações campimétricas também são possíveis. trientes das porções anteriores do nervo óptico
Ao fundo de olho se observa, na fase aguda, ede- e coróide peripapilar seja o mecanismo fisiopa-
ma de papila usualmente associado a hemorra- togênico mais comum e que resulte em hipoper-
gias peripapilares (Figura 02). fusão e isquemia da cabeça do nervo óptico.
A doença parece multifatorial com fatores pre-
disponentes sistêmicos e locais e fatores desen-
cadeantes da afecção. Acredita-se que a doença
possa ser desencadeada por episódios de hipo-
tensão noturna e poderia também precipitada
por episódios de apnéia obstrutiva. Os fatores
predisponentes sistêmicos nessa afecção in-
cluem: suprimento sangüíneo reduzido; defeito
na auto-regulação do fluxo sangüíneo na cabe-
ça do nervo óptico; alterações vasoespásticas;
presença de arteriosclerose sistêmica; e diabetes
mellitus. Acredita-se que exista também uma
predisposição anatômica, geralmente discos óp-
Figura 02
ticos pequenos.
O edema de papila geralmente cede após algu- O tratamento da NOIA-A deve ser considerado
mas semanas sendo substituído por atrofia ópti- uma emergência médica. A boa resposta ao corti-
ca em graus variáveis dependendo da gravidade cóide e a melhora da evolução com o tratamento
do quadro isquêmico. A perda visual geralmente precoce tornam o início imediato e agressivo do
é permanente e a maior ênfase deve ser na de- tratamento como o objetivo a ser atingido após
tecção da arterite temporal e de fatores de ris- a realização do diagnóstico. A história natural
co para arteriosclerose no sentido de reduzir a da doença mostra que o acometimento do olho
chance de acometimento do olho contralateral. contralateral ocorre em 25 a 50% dos pacientes
Quanto à fisiopatogenia, poucos são os estudos alguns dias ou semanas após o envolvimento do
anatomopatológicos em pacientes com NOIA, os primeiro olho, se o tratamento adequado não for
quais geralmente foram realizados em casos de iniciado ou se o mesmo for suspenso enquanto a
arterite temporal. Vários autores demonstraram doença ainda está em atividade.
a presença de infarto do nervo óptico na região Corticosteróides por via oral, habitualmente a
da lâmina cribriforme e retrolaminar e documen- prednisona na dosagem de 60 a 120 mg por dia
taram o envolvimento inflamatório das artérias (1 a 2 mg/kg/dia) devem ser iniciados de imedia-
ciliares posteriores curtas, além de outras arté- to, assim que se suspeita do diagnóstico e logo
rias orbitárias em pacientes com arterite tempo- após a colheita dos exames laboratoriais (princi-

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Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica cap. 05

palmente o VHS e a proteína C reativa). A con- Quanto ao tratamento da NOIA não-arterítica


firmação através da biópsia da artéria temporal poucas são as evidências de que o tratamento
(Figura 03) deve ser realizada assim que possível, clínico seja eficaz. Apesar disso a maioria dos au-
mas não deve retardar a introdução do corticói- tores utiliza prednisona por via oral na fase agu-
de. da. O maior esforço diz respeito à tentativa de
prevenção do acometimento do olho contralate-
ral em indivíduos com NOIA-NA. Alguns estudos
sugerem que a aspirina possa reduzir o risco de
acometimento do olho contrateral.
Habitualmente os pacientes devem ser avalia-
dos quanto a fatores de risco para arterioscle-
rose incluindo diabetes, hipertensão arterial,
hipercolesterolemia etc. É importante tratar tais
condições mas deve-se orientar o clínico para
evitar tratamento agressivo da hipertensão arte-
rial, especialmente com medicações que possam
Figura 03
provocar hipotensão noturna, uma vez que vá-
rios autores acreditam que este possa ser um dos
O tratamento é feito na tentativa de se evitar a eventos desencadeantes da NOIA-NA. Deve-se
perda visual no olho contralateral e deve se pro- também pesquisar a presença de apnéia obstru-
longar por vários meses, por vezes anos, devendo tiva do sono já que esta condição tem sido consi-
ser feito conjuntamente com o médico clínico.O derada como um dos possíveis desencadeantes
tratamento pode também ser feito na forma de da NOIA-NA.
pulsoterapia com corticóide endovenoso (metil-
prednisolona 1000 mg/dia) por 3 dias, seguido
de prednisona por via oral, especialmente nos ca- Neurite óptica
sos de perda visual recente. Alguns autores obser-
varam reversão do déficit visual após esse tipo de Utiliza-se o termo “neurite óptica” para designar
tratamento. Essa melhora no entanto é a exceção doenças causadas por inflamação, infecção ou
e na grande maioria das vezes o tratamento visa desmielinização do nervo óptico e suas bainhas.
apenas a prevenir a perda visual contralateral. A designação, portanto, engloba condições des-
A terapia de manutenção deve ser mantida em mielinizantes, imunomediadas, infecciosas, idio-
doses de 1 a 2 mg/kg/dia por pelo menos 4 a 6 páticas, decorrentes de inflamações de tecidos
semanas até a normalização dos sintomas sistê- vizinhos (seios paranasais, cérebro, meninges e
micos e dos marcadores laboratoriais e seguido órbita), inflamações granulomatosas e infecções
de uma redução gradual ao longo de 12 a 18 por extensão da retina. “Papilite” é o termo usa-
meses, de início reduzindo aproximadamente 10 do para a forma de neurite óptica que cursa com
mg por mês e depois 5 mg por mês até atingir edema de papila. Quando o exame clínico indica
a dose de 10 a 15 mg por dia. Posteriormente, neurite óptica e o fundo de olho é normal, o ter-
a redução deve ser muito lenta, sempre monito- mo “neurite óptica retrobulbar” é utilizado.
rada pelos exames laboratoriais “velocidade de A neurite óptica pode ser o resultado de proces-
hemossedimentação” e “proteína C reativa”. sos infecciosos e inflamatórios como sífilis e sar-

140 Perda visual aguda


cap. 05 Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica

coidose, mas geralmente é de causa idiopática que pode ter perda visual semelhante à papilite
resultante de evento desmielinizante do nervo e à neurite retrobulbar, mas o fundo de olho re-
óptico. A forma idiopática da neurite óptica é vela edema de papila com exsudatos maculares
um fator de risco bem conhecido para esclero- ou peripapilares (Figura 05). Muitos casos podem
se múltipla. Mais de 50% desses casos evoluirão ser devidos a processos infecciosos tais como in-
para esclerose múltipla, e a ressonância magné- fecções virais, sífilis e doença da arranhadura do
tica pode ter um papel importante na identifica- gato. O prognóstico visual geralmente é bom e
ção dos pacientes mais susceptíveis. o diagnóstico é importante uma vez que não há
A neurite óptica é mais comum em mulheres relação com doença desmielinizante.
com idade entre 18 e 40 anos. Os pacientes refe-
rem perda visual que evolui ao longo de alguns
dias. Em torno de 90% dos casos há dor perio-
cular ou retro-ocular que precede ou acompa-
nha a perda visual, muitas vezes piorando com
a movimentação ocular. A perda visual pode ser
discreta ou grave. O campo visual mostra vários
tipos de defeitos, sendo o mais característico o
escotoma central ou cecocentral. Ao fundo de
olho observa-se edema de papila (Figura 04) ou
aspecto normal dependendo de acometimento
do nervo óptico ser anterior, próximo à esclera
(papilite) ou envolver as porções mais posterio-
Figura 05
res do nervo (neurite retrobulbar).
O diagnóstico da neurite óptica é feito com base
na história e nos achados clínicos. Os pacien-
tes referem uma perda aguda ou subaguda da
visão, com dificuldade na percepção de cores
(especialmente objetos vermelhos). Dor à mo-
vimentação ocular é muito freqüente e, em ge-
ral, precede a perda visual por alguns dias, mas
pode se iniciar junto à perda da visão. A perda
visual é geralmente unilateral, mas pode ser bi-
lateral, especialmente em crianças e tipicamen-
te progride até atingir um máximo após alguns
dias. A acuidade visual pode ser normal (20/20),
discretamente reduzida ou até haver ausência
de percepção luminosa. A perda visual pode ser
de evolução muito rápida (em poucas horas), em
um a dois dias, em três a sete dias ou ainda evo-
Figura 04
luir um pouco mais lentamente, até uma a duas
semanas. O exame revela redução da acuidade
Neurorretinite é uma variante de neurite óptica visual, alteração na visão de cores, defeito de

Perda visual aguda 141


Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica cap. 05

campo visual e um defeito pupilar aferente rela- A visibilização das alterações é melhor com se-
tivo. A perda do senso cromático, com diminui- qüências que suprimem gordura e após a admi-
ção da intensidade das cores saturadas, está qua- nistração de gadolíneo. A obtenção da imagem
se sempre presente. O exame das pupilas revela com técnicas de supressão do sinal da gordura
um defeito pupilar aferente. melhora a sensibilidade do exame para detec-
O campo visual mostra defeitos característicos, ção das alterações nos nervos ópticos e permite
principalmente os escotomas centrais ou ce- visibilizar a alterações no nervo na maioria dos
cocentrais. Outros tipos de defeito, no entanto, pacientes. A IRM é também importante para ve-
também podem estar presentes. Não é incomum rificar a associação com esclerose múltipla (EM).
observarmos defeitos difusos (depressão gene- Cerca de 50% a 70% dos pacientes com neurite
ralizada dos 30 graus centrais) e defeitos focais. óptica isolada apresentam lesões desmielinizan-
O fundo de olho pode ser normal em quase dois tes multifocais, hiperintensas em T2, no corpo
terços dos pacientes. Nesses casos, o paciente caloso, na substância branca periventricular ou
apresenta uma neurite retrobulbar. Quando o em outras partes do encéfalo, clinicamente as-
edema está presente o paciente apresenta uma sintomáticas. Observa-se que em torno de 56%
papilite. Hemorragias são incomuns, e o edema dos pacientes com lesões à IRM desenvolvem EM
de papila geralmente não é muito intenso. Ex- após um ano, enquanto que apenas 16% daque-
sudatos retinianos podem ocorrer nos pacien- les sem lesões encefálicas apresentam tal afec-
tes com neurorretinite. Após algumas semanas ção.
o edema de papila tende a resolver, geralmen-
te acompanhado de perda da camada de fibras Os estudos do líquido cerebrorraquiano (LCR)
nervosas e palidez de papila. podem demonstrar aumento de celularidade e
Os exames de imagem são importantes no diag- do conteúdo protéico, com níveis elevados de
nóstico da neurite óptica bem como no seu gamaglobulina e presença de bandas oligoclo-
diagnóstico diferencial com outras neuropatias. nais. Esses achados estão presentes particular-
A tomografia computadorizada (TC) é utilizada mente nos pacientes com neurite óptica associa-
geralmente para afastar lesões compressivas da da a doença desmielinizante. O exame do LCR é
órbita ou do crânio. A imagem por ressonância importante porque pode dar informações a res-
magnética (IRM) pode exibir lesão hiperintensa peito da associação com EM e pode também au-
nas seqüências enfatizando T2 (Figura 06). xiliar na diferenciação com outros diagnósticos.
O tratamento da neurite óptica tem sido objeto
de muita controvérsia ao longo dos anos. Obser-
va-se, na grande maioria dos casos, uma tendên-
cia a melhora espontânea. Corticosteróides, por
via oral ou endovenosa, têm sido usados, mas
discute-se a real eficácia dessa modalidade tera-
pêutica. Um estudo multicêntrico realizado en-
tre julho de 1988 e junho de 1991, nos Estados
Unidos, denominado ONTT, comparou três gru-
pos de pacientes: um recebeu prednisona por
via oral (1 mg/kg/dia) por 14 dias; um segundo
grupo recebeu metilprednisolona por via endo-
Figura 06

142 Perda visual aguda


cap. 05 Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica

venosa (1 grama por dia) por 3 dias, seguido de ram placebo, e após quatro anos a incidência era
prednisona por via oral (1 mg/kg/dia) por 11 de 24,7 e 26,9% respectivamente.
dias; e um terceiro recebeu placebo por via oral
por 14 dias. Com base nesse estudo usamos o corticóide por
via endovenosa nos casos de perda visual grave
Esse estudo não mostrou qualquer benefício do ou bilateral e também nos pacientes com neurite
tratamento com corticóide por via oral compa- óptica e sinais de desmielinização intracraniana.
rado com o grupo tratado com placebo. Além Habitualmente se usa metilprednisolona 250 mg
disso, observou-se uma maior taxa de recidiva por via endovenosa a cada 6 horas. Alternativa-
de neurite óptica no grupo tratado com corticói- mente podem ser usadas 500 mg de 12/12 horas.
de por via oral em relação ao grupo tratado com Antiácidos por via endovenosa ou por via oral
placebo. Observou-se também que os pacien- devem ser prescritos associadamente para pro-
tes tratados com corticóide por via endovenosa teger a mucosa gástrica. O corticóide endoveno-
apresentaram recuperação visual mais rápida so é mantido por 3 dias e depois substituído por
em especial nas primeiras duas semanas, compa- prednisona por via oral (1 mg/kg/dia) por mais
rado com o grupo tratado com placebo. Embora 11 dias, sendo então reduzido gradualmente até
a diferença tenha diminuído com o tempo, seis a sua remoção completa.
meses após o tratamento o grupo tratado por
via endovenosa ainda apresentava função visu- Deve ser lembrado que algumas formas de neu-
al melhor do que o grupo tratado com placebo. rite óptica recidivantes exigem tratamento pro-
No entanto, um ano após o tratamento não havia longado com corticóides e imunossupressores.
diferença estatística entre qualquer dos três gru- Isto ocorre particularmente na neuromielite óp-
pos quanto à função visual. tica (Doença de Devic) e em algumas formas es-
peciais de neurite óptica como a neurite óptica
Esse estudo observou também o efeito do trata- autoimune e a neurite óptica recorrente. Além
mento no desenvolvimento posterior de escle- disso, pacientes com diagnóstico estabelecido
rose múltipla nos pacientes dos três grupos. Foi de esclerose múltipla muitas vezes necessitam
observado que num seguimento de dois anos de imunomodulação com interferon para reduzir
após o tratamento, encontrou-se que 16,7% dos as crises de desmielinização ao longo do tempo.
pacientes tratados com placebo e 14,7% dos tra-
tados com corticóide por via oral desenvolveram
sinais de esclerose múltipla enquanto que ape- Perda súbita binocular da visão
nas 7,5% dos pacientes tratados com corticóide
por via endovenosa desenvolveram a doença. Perda súbita binocular da visão, de causa neurof-
Essa diferença de evolução foi observada princi- talmológica por sua vez pode ser causada por:
palmente naqueles pacientes que apresentaram
alterações significativas à imagem por ressonân- 1. Neuropatia óptica isquêmica anterior bilateral
cia magnética. Num seguimento mais tardio, no 2. Neurite óptica bilateral
entanto, essa diferença desapareceu. Três anos 3. Síndromes quiasmáticas agudas (apoplexia pi-
após o tratamento observou-se esclerose múlti- tuitária)
pla em 17,3% dos indivíduos tratados com corti- 4. Lesões isquêmicas da via retroquiasmática em
cóide endovenoso e 20,7% daqueles que recebe- especial dos lobos occipitais.

Perda visual aguda 143


Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica cap. 05

O acometimento por neuropatia óptica isquê- cas mais avançadas ou graves podem produzir
mica e neurite óptica bilateral é pouco comum defeitos também nos campos nasais, que podem
e apresenta características que já foram discuti- chegar à cegueira completa de um ou dos dois
das. A neuropatia óptica isquêmica anterior bi- olhos, por acometimento também das fibras não
lateral simultânea geralmente ocorre em casos cruzadas (provenientes da retina temporal e que
de alterações hemodinâmicas do tipo anemia correspondem ao campo nasal).
profunda, hipotensão grave, pós-parada cardí-
aca ou choque, etc. Já a neurite óptica bilateral O acometimento quiasmático agudo ocorre
simultânea por vezes ocorre em crianças ou em particularmente numa condição denominada
casos secundários a processos infecciosos. A se- “apoplexia hipofisária”. Nesse caso, ocorre uma
guir discutiremos as perdas visuais bilaterais por hemorragia aguda na pituitária com aumento rá-
lesão quiasmática ou retroquiasmática. pido do seu volume, comprimindo as estruturas
vizinhas. Na maioria dos casos, existe um adeno-
ma hipofisário prévio, e a apoplexia decorre de
Perda súbita da visão nas síndromes quias- necrose no seu interior. No entanto, o quadro de
máticas apoplexia pode ocorrer sem que exista tumor hi-
pofisário, como por exemplo na hemorragia pós-
A maioria das síndromes quiasmáticas é cau- parto que pode se acompanhar de apoplexia hi-
sada por lesões compressivas, por tumores ex- pofisária (síndrome de Sheeran). Além da perda
trínsecos ao quiasma óptico como o adenoma visual, pacientes com apoplexia hipofisária po-
hipofisário, os meningiomas, craniofaringiomas dem apresentar paralisias oculomotoras (com-
e aneurismas gigantes. Com raras exceções tais prometimento do seio cavernoso) e alterações
lesões produzem alteração visual de evolução do nível de consciência. O diagnóstico e o trata-
lenta e progressiva. No entanto, ocasionalmente mento devem ser feitos em caráter de urgência,
produzem perda súbita da visão, particularmen- geralmente necessitando de cirurgia.
te nos pacientes com apoplexia hipofisária.

A característica principal das alterações quias- Perda súbita nas lesões retroquiasmáticas
máticas é, portanto, de produzir defeitos de
campo bitemporais. As fibras da metade nasal de As lesões retroquiasmáticas se caracterizam por
cada uma das retinas cruzam-se no quiasma óp- hemianopsias homônimas e podem ser causadas
tico de forma que as fibras nos tratos ópticos são por lesões no trato óptico, no corpo geniculado
aquelas da metade temporal de uma retina e da lateral, nas radiações ópticas ou no lobo occipi-
metade nasal da outra. Lesões compressivas que tal. A acuidade visual é normal nesses pacientes
afetam o quiasma óptico, como os tumores da uma vez que apenas um lado do campo visual
pituitária, causam predominantemente a lesão é acometido. A hemianopsia homônima pode
de fibras de ambas as hemiretinas nasais e pro- ser completa ou incompleta. Quando os defeitos
duzem hemianopsia heterônima, bi-temporal. são incompletos podem ser congruentes (seme-
Os defeitos podem ser discretos, moderados, do lhantes nos dois olhos) ou incongruentes (mais
tipo quadrantopsias ou mais graves, como he- acentuados em um dos olhos), e isso pode auxi-
mianopsias temporais completas em cada olho. liar na sua localização.
Deve ser lembrado ainda que lesões quiasmáti-

144 Perda visual aguda


cap. 05 Perda súbita da visão de causa neuroftalmológica

As lesões retroquiasmáticas se manifestam com Lesões retroquiasmáticas agudas podem tam-


perda súbita da visão no caso de afecções isquê- bém causar cegueira cortical completa, que
micas. A maior importância ocorre nas lesões pode ocorrer nas lesões bilaterais dos lobos occi-
localizadas nos lobos occipitais, embora outras pitais, causadas por enfarte bilateral decorrente
estruturas menos comumente também possam de causas embólicas, trombóticas, arterite verte-
ser acometidas por eventos de natureza vascular. brobasilar e hipotensão grave como, por exem-
A maioria das lesões são enfartes, principalmen- plo, em pacientes que tiveram parada cardíaca e
te por oclusão da artéria cerebral posterior com reanimação.
início agudo de perda visual e cefaléia. Em meta-
de dos casos o defeito de campo visual é o único Em um grupo pequeno (em torno de 10%) dos
déficit, mas em outros casos ocorre também am- pacientes com cegueira cortical, o paciente não
nésia e agnosia visual (dificuldade de interpreta- é consciente do seu déficit. Essa condição dra-
ção do que se vê). As causas mais freqüentes de mática é denominada “síndrome de Anton”.
isquemica são os êmbolos cardíacos e a doença
oclusiva vertebrobasilar. Hemorragias decorren-
tes de malformações vasculares também podem
ser causas.

Perda visual aguda 145


Auto-avaliação cap. 05

Auto-avaliação 3. Em relação às doenças da retina, é incorreto


afirmar:
1. Em relação à perda aguda da visão, podemos
afirmar: a. A doença macular relacionada à idade geral-
mente inicia-se com a perda periférica da visão.
a. Na maioria dos casos de perda da visão por b. Os descolamentos exsudativos podem ser tra-
descolamentos da retina, o tratamento conser- tados clinicamente.
vador utilizando colírios pode ser a melhor al- c. A recuperação da visão em casos de descola-
ternativa, evitando, assim, o trauma cirúrgico e mentos da retina está diretamente relacionada
conseqüentemente a piora da lesão. com a precocidade do início do tratamento.
b. Hemorragia em câmara anterior é uma das d. As oclusões arteriais são geralmente mais gra-
causas mais freqüentes e deve ser prontamente ves que as oclusões venosas.
removidas cirurgicamente devido à toxicidade
dos componentes do sangue. 4. A principal suspeita diagnóstica para um pa-
c. Nos casos de trauma penetrante devemos ciente de 70 anos com perda súbita da visão de
apenas nos preocupar em suturar a lesão assim um dos olhos e edema de papila pálido ao exa-
que possível. me de fundo de olho é :
d. Nenhuma das alternativas anteriores está cor-
reta. a. papilite
b. tumor intracraniano
2. É correto afirmar, considerando as perdas agu- c. neuropatia óptica isquêmica
das da visão por opacidades de meio: d. oclusão da veia central da retina

a. Tanto os hifemas como as hemorragias vítreas 5. Assinale, dentre as alternativas abaixo, a causa
devem ser tratados da mesma forma através da mais provável de uma perda súbita da visão do
remoção cirúrgica. hemicampo direito dos dois olhos de um pacien-
b. Os edemas corneanos podem ser causados te 65 anos e portador de hipertensão arterial.
pelo aumento súbito da pressão intra-ocular.
c. Catarata é uma das causas mais importantes a. neurite óptica bilateral aguda
em nosso país. b. descolamento parcial da retina
d. Nenhuma das alternativas anteriores está cor- c. adenoma hipofisário.
reta. d. acidente vascular cerebral do lobo occipital

146 Perda visual aguda


cap. 05 Auto-avaliação

6. Com relação à neurite óptica, assinale a alter- 10. Assinale a correta:


nativa correta
a. Trauma não penetrante não causa perda de vi-
a. pode ser causada por arterite temporal. são aguda
b. geralmente acomete indivíduos idosos. b. Hemorragia vítrea pode diminuir a visão até
c. na maioria dos casos leva a cegueira irreversí- percepção luminosa
vel. c. Hifemas devem sempre ter resolução cirúrgica
d. pode ser a primeira manifestação de esclerose d. Hifema geralmente causa diminuição da pres-
múltipla. são ocular

7. A perda súbita e transitória da visão de um dos 11. Assinale a correta:


olhos, com duração de dois minutos e sem dor
deve levar à suspeita de: a. Aumento agudo da pressão ocular geralmen-
te causa edema de córnea
a. embolização a partir das carótidas b. Aumento crônico da pressão ocular geralmen-
b. esclerose múltipla te causa edema de córnea
c. neuropatia óptica isquêmica c. O tratamento do edema corneano depende da
d. descolamento seroso da retina sua causa
d. há duas alternativas corretas
8. Sobre a neurite óptica:

a.É mais comum em mulheres


b. É mais comum em homens
c. Tem incidência igual entre homens e mulheres
d. Acomete mais frequentemente a faixa etária
acima dos 70 anos

9. Sobre a neuropatia óptica isquêmica:

a. O edema de papila pode evoluir com atrofia


óptica
b. A frequência maior é na população entre 18 e
40 anos
c. É rara na cefaléia por arterite temporal
d. Hipertensão noturna parece estar relacionada
à doença

Perda visual aguda 147

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