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AULA 3

TRANSTORNO DO ESPECTRO
AUTISTA

Profª Rossana Ghilardi


TEMA 1 – TRATAMENTO VERSUS AVALIAÇÃO

O principal objetivo desta aula é descrever algumas possibilidades de


intervenção para TEA, dentre as mais utilizadas e/ou aquelas nas quais os
professores, colegas de classe e familiares se envolvem mais intensamente. No
entanto, vamos iniciar a aula trazendo algumas propostas de avaliação para
intervenção, essenciais no TEA porque cada sujeito é único em suas
potencialidades e necessidades. Há consenso de que um projeto de intervenção
individual só pode ser traçado tendo em vista resultados confiáveis de avaliação
abrangente.
Primeiramente, diferenciaremos avaliação diagnóstica de avaliação para
intervenção. Da avaliação diagnóstica, tratamos em momento anterior. No Brasil,
está sob responsabilidade de profissionais médicos, como o pediatra ou
neuropediatra e tem como propósito identificar o Transtorno do Espectro Autista
e seus níveis de gravidade. Já a avaliação para intervenção normalmente é um
protocolo aplicado pelos profissionais que acompanharão as ações de
aprendizagem da pessoa com TEA. Muitas vezes são psicólogos, mas podem ser
psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e outros habilitados a
desenvolver as técnicas e programas de avaliação.
Os programas de avaliação de intervenção têm como instrumentos a
entrevista aos familiares, a observação direta em ambiente natural da criança ou
consultório e observação da realização (ou não) de tarefas apresentadas pelo
avaliador. Busca-se constatar as brechas do desenvolvimento da criança para
estabelecer um plano de intervenção, que, no caso do TEA, será sempre
específico e único para cada sujeito. É importante deixar claro novamente que não
existe um programa padrão de intervenção, pois, em virtude da diversidade de
manifestações do autismo, serão detectadas necessidades singulares, o que leva
à proposta de Planos de Ensino Individualizados (PEI).
Outra condição das avaliações de intervenção é que elas serão reaplicadas
frequentemente, pois ao longo do tratamento espera-se a diminuição ou extinção
de comportamentos inadequados e a aprendizagem e desenvolvimento de
habilidades. Assim, a revisão é contínua para adequar o PEI às necessidades do
sujeito a cada momento.
Percebe-se que a avaliação de intervenção é fundamental e usual. No caso
de propostas baseadas em ABA, geralmente cabe ao analista de comportamento

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aplicar os instrumentos para definir o PEI. Já o plano de ensino propriamente dito
pode ser aplicado por outros, como pais, professores e mediadores.
Uma última observação quanto às avaliações de intervenção: é necessário
entender que não se trata de instrumentos para medir coeficiente de inteligência
ou nível de desenvolvimento infantil. A intenção, geralmente, é detectar hábitos,
comportamentos, marcos de desenvolvimento que ainda não foram atingidos pela
pessoa com TEA.

Saiba mais

Algumas avaliações são voltadas principalmente para crianças muito


pequenas e bebês, como Portage (Inventário Portage), criado nos anos de 1970
nos EUA. Envolve as áreas de desenvolvimento motor e de linguagem, além da
cognição de uma maneira geral, socialização e autocuidado, verificando ao todo
580 itens diferentes. Com fim ilustrativo, você pode verificar no material disponível
a lista de comportamentos avaliados no Inventário Portage.

Como o diagnóstico costuma acontecer tardiamente no Brasil, as


avaliações comumente utilizadas são VB-MAPP (Verbal Behavior Milestones
Assessment and Placement Program), PED-R (Perfil psicoeducadional revisado)
e ABLLS-R (Assessment of basic language and learning skills), aplicada a
crianças pequenas.

TEMA 2 – AVALIAÇÕES PARA INTERVENÇÃO

2.1 VP-MAPP

O VP-MAPP (Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement


Program) é uma proposta avaliativa que se baseia em marcos de desenvolvimento
infantil. A sigla significa “Avaliação de Marcos do Comportamento Verbal e
Programa de Nivelamento”, que está organizada em três níveis que se referem a
marcos de desenvolvimento de crianças típicas: o primeiro vai de zero a 18 meses;
o segundo de 18 a 30 meses; o terceiro de 30 a 48 meses. A faixa etária não
significa que o inventário é restrito a crianças de quatro anos de idade, pois a
pessoa com TEA terá sempre alguma defasagem nos marcos iniciais de
desenvolvimento que impactam em sua aprendizagem e relacionamento social,

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portanto pode ser utilizado até a adolescência, eventualmente até mesmo para
adultos.
O VB-MAPP foi desenvolvido por Mark Sundberg em 2008.

Segundo o autor, o material condensa os procedimentos e metodologia


de ensino da análise do comportamento aplicada, juntamente com
análise de Skinner de comportamento verbal em um esforço para prover
um programa de avaliação comportamental da linguagem para crianças
autistas e com atrasos similares. (Martone, 2017, p. 16)

Matone (2017) descreve o programa de avaliação como tendo ao todo


cinco componentes, são eles:

1. Avaliação dos marcos – relacionado ao repertório verbal, são 170 marcos


nas áreas: mando; tato; responder de ouvinte; performance visual e
emparelhamento com o modelo; brincar independente; comportamento
social e brincar; imitação motora; ecoico; comportamento verbal
espontâneo; responder de ouvinte por função, classe e característica;
rotinas de classe e habilidades de grupo; intraverbal; estrutura linguística;
leitura; escrita; e matemática;
2. Avaliação barreiras de aprendizagem – para 24 tipos de comportamentos
estabelecidos que podem atrapalhar a aprendizagem;
3. Avaliação de transição – são 18 áreas conectando habilidades e barreiras
para verificar fatores que levam à dificuldade de aprendizagem;
4. Análise de tarefas e rastreamento de habilidades: são cerca de 900
habilidades verificadas para elaborar currículo para habilidades de
aprendizagem e linguagem;
5. Classificação e metas PEI – como resultado dos componentes anteriores,
oferecendo direções, opções para planejamento e recomendações.

A avaliação tem o propósito de oferecer orientações sobre:

1) quais habilidades devem ser o foco da intervenção; 2) com qual nível


da habilidade o programa de intervenção deve começar; 3) quais
barreiras de aprendizado e aquisição de linguagem devem ser levadas
em consideração (e.g., presença de comportamentos desafiadores,
ecolalia, incapacidade de generalizar); 4) qual tipo de comunicação
aumentativa, se alguma, pode ser a melhor; 5) quais estratégias
específicas de ensino podem ser mais eficazes para a criança (e.g.,
ensino por tentativas discretas, ensino em ambiente natural) e 6) qual
tipo de estrutura e ambiente educacional pode ser melhor para atender
às necessidades da criança (e.g., em casa, 1:1 na sala de aula,
pequenos grupos ou inclusão em sala regular). (Martone, 2017, p. 33-
34)

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Saiba mais

Caso tenha interesse em entender detalhes do VB-MAPP, a tese de


doutorado da psicóloga Maria Carolina Correa Martone apresenta a tradução e
adaptação da avaliação e está inteiramente disponível para download sem custo
no repositório de teses da Universidade de São Carlos. Acesse o link a seguir:
MARTONE, M. C. C. Tradução e adaptação de Verbal Behavior
Milestones Assessment and Placement Program (VB-MAPP) para a língua
portuguesa e a efetividade do treino de habilidades comportamentais para
qualificar profissionais. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade Federal
de São Carlos. São Carlos, 2017. Disponível em:
<https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/9315/TeseMCCM.pdf?sequ
ence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 8 abr. 2021.

Em seguida, apresentaremos algumas fichas do inventário para ilustrar a


proposta de análise do VB-MAPP, na tese da Martone (2017) estão as orientações
sobre anotações, pontuação e análise dos resultados.
Para o nível I (0-18 meses), no Quadro 1, temos um exemplo de ficha de
mando (um componente de aquisição de linguagem na linha comportamental)
utilizando observação como estratégia de verificação:

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Quadro 1 – Exemplo de ficho de mando

Fonte: Martone, 2017.

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Para o nível III (30-48 meses), o exemplo tem, além da observação, itens
com comandos e testes.

Quadro 2 – Avaliação de marcos – Nível III (30-48 meses)

Os exemplos são uma pequena fração dos comportamentos investigados,


e o inventário é bastante minucioso e muito extenso, como você pode perceber
quando listamos anteriormente os componentes do VB-MAPP. Por isso, a
aplicação da avaliação pode durar várias sessões. Há casos nos quais se podem
ignorar alguns dos níveis, iniciando a investigação de ponto mais avançado. Isso
dependerá de cada sujeito e de suas características.
Por manter seu foco no desenvolvimento de crianças típicas de até quatro
anos de idade, há limites de investigação no VB-MAPP. Assim, é possível ser
necessário utilizar outros instrumentos avaliativos para um único sujeito a fim de
desenvolver um Plano Individual de Ensino abrangente e adequado, fato que será
constatado pelos profissionais que atendem a pessoa com TEA.

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2.2 ABLLS-R

Mais uma sigla chegando a nossas aulas (e teremos outras tantas adiante).
Para crianças com TEA um pouco maiores, pode ser aplicado a ABLLS-R
(Assessment of basic language and learning skills), ou “Avaliação de linguagem
básica e habilidades de aprendizagem revisada”.
Os protocolos de avaliação geralmente são apresentados em livros ou
outro tipo de documento nos quais encontramos embasamentos, descrição da
proposta, modelos de fichamento, de marcação e escalas de resultados. No caso
do ABLLS-R, são dois documentos que abrangem 544 habilidades relacionadas
a habilidades básicas de aprendizagem e de linguagem. As habilidades estão em
25 áreas de prioridades educacionais, tais como habilidades de ouvinte, de
falante, habilidades motoras.

Os resultados da avaliação, a partir deste instrumento, permitem que os


pais e os profissionais identifiquem os obstáculos que impedem a criança
de adquirir novas habilidades e possibilitam o desenvolvimento de um
currículo abrangente, altamente personalizado e baseado na linguagem.
(Carvalho et al., 2021, p. 81)

Revisado por James Partington em 2006, a ABLLS-R organiza as


habilidades em graus de complexidade, da menor para maior. A criança recebe
um estímulo do instrutor, que observa o comportamento dela para determinar o
nível da habilidade. Outros itens são avaliados por relatos dos pais.
Até o momento não há uma aferição para população brasileira ou mesmo
tradução para nosso idioma, o que pode acontecer em breve, pois TEA é uma
área na qual as pesquisas estão em franca expansão e o interesse aumenta na
mesma medida em que a prevalência se expande. É muito comum encontrarmos
pesquisadores de TEA com filhos diagnosticados. O empenho desses pais em
buscar alternativas de tratamento tem impulsionado grandemente as
investigações na área desde meados do século passado.
Diferentemente do VB-MAPP, o material do ABLLS-R não tem oficialmente
área sem custo para consulta, e os aplicadores costumam traduzir o material
original, produzido em inglês, mas temos algumas imagens das fichas de
avaliação para auxiliar na percepção da organização do documento.

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As fichas de avaliação apresentam de forma minuciosa cada
comportamento e o avaliador tem no inventário as instruções específicas para
aplicação, observação, anotação e análise.
Nas últimas décadas, as teorias comportamentais, principalmente o ABA
(Análise do Comportamento Aplicada), têm sido a principal referência para o
tratamento do TEA pelos resultados apresentados e validação no meio científico.
Isso não quer dizer que outras opções estejam descartadas e é possível que
mudanças aconteçam pelo volume de estudos na área, principalmente nos
Estados Unidos.
Não há como negar que as propostas de avaliações na abordagem
comportamental são detalhadas e abrangentes no que diz respeito ao
comportamento verbal – base para aquisição da linguagem e comunicação – e a
comportamentos básicos para aprendizagem. Assim, as avaliações citadas nesta
aula e outras como PEAK (protocolo de linguagem que avalia 184 habilidades
mais complexas) ou Essential for Living (rastreia habilidades funcionais,
apropriado para crianças e adultos com quadros moderados e graves) são válidas
para entender melhor cada caso. Fornecem um mapa para estabelecer objetivos
e metas de intervenção. Avaliações como essas podem até mesmo atender
crianças típicas com dificuldade de aprendizagem.
As avaliações orientam na elaboração do currículo que pode atender mais
adequadamente a criança com TEA. É preciso lembrar que um currículo
convencional para crianças típicas geralmente está voltado para habilidades
acadêmicas, no entanto, muitas das crianças com TEA estão defasadas
justamente naquilo que outras crianças adquirem naturalmente. Um exemplo é a
capacidade de imitar, de prestar atenção ou de fixar o olhar no rosto de uma
pessoa. São as habilidades desenvolvimentais, muitas delas básicas para
relacionamento e comunicação, deficitárias no TEA. Portanto, o currículo escolar
convencional dificilmente atenderá uma criança com TEA. Assim, o
desenvolvimento de planos de ensino individuais são fundamentais para atendê-
las.

TEMA 3 – MÉTODO TEACCH

Após rastrear habilidades não desenvolvidas e comportamentos


inadequados ou exagerados na pessoa com TEA, cabe aos profissionais
envolvidos no tratamento e acompanhamento traçar um plano de intervenção.

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Nessa tarefa, também existem métodos que podem oferecer opções e orientações
já testadas e estabelecidas. Assim como na avaliação, as teorias
comportamentais e base experimental da Análise do Comportamento Aplicada
(ABA) sustentam algumas das propostas mais utilizadas e com bons resultados
documentados e sistematizados.
Escolhemos para detalhar na aula dois métodos fundados da análise
comportamental com propósitos e faixas etárias diferenciadas. A intenção é
mostrar possiblidades e rumos da intervenção em TEA. O primeiro é estruturado
e o segundo é o naturalístico. Em seguida, explicaremos essas diferenças
conceituais e práticas decorrentes.
O método Teacch (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handicapped Children) é um dos mais conhecidos. Traduzido
como “Tratamento e educação para crianças autistas e com outros prejuízos de
comunicação”, a base conceitual está no behaviorismo e na psicolinguística. A
abordagem é clínica somada à educacional, portanto envolve diretamente a
escola e educadores, além da família.

A valorização da descrição de cada comportamento, a utilização de


programas passo a passo e o uso de reforçadores evidenciam as
influências comportamentais na tentativa de se obter maior controle das
respostas discrepantes e idiossincráticas, presentes nas pessoas
acometidas pelo autismo. Por outro lado, foi na psicolinguística que se
buscou estratégias para compensar os déficits comunicacionais
causados pelo transtorno, através do uso de recursos visuais, como
pictogramas ou fotos, para ampliar as capacidades de compreensão.
(León et al., 2004, p. 40)

O método tem como frentes de ação a estruturação de ambientes


pedagógico-terapeutico; a implementação de rotinas (muitas vezes com
referências visuais); e atividades planejadas e bem estruturadas (em termos de
sequência e duração) voltadas para os comportamentos a serem desenvolvidos
ou extintos.
Nos itens anteriores, trouxemos alguns instrumentos de avaliação, mas o
método Teacch tem instrumento próprio criado para investigar os parâmetros do
instrumento, por isso comentaremos aqui sobre a avaliação PEP-R (Perfil
Psicoeducacional Revisado). Nesta altura das aulas, você já percebeu que a
avaliação é essencial e que bons resultados de intervenção dependem de uma
boa avaliação.
O PEP-R (Perfil Psicoeducacional Revisado) avalia crianças com idade
entre 1 e 12 anos, destinado a autistas ou com outros transtornos correlatos de

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comunicação. Possui uma escala para detectar nível de desenvolvimento em
dimensões de análise como coordenação motora fina e ampla, coordenação
visuomotora, performance cognitva. Tem uma segunda escala para
comportamento como afeto, brincadeira e linguagem. Assim, durante a avaliação,
a criança realiza tarefas ou observa-se seu comportamento, e há uma escala
específica para cada área investigada.
Como as demais avaliações com base behaviorista, o PEP-R tem várias
fichas e instrumentos de registro: ficha de dados de identificação; inventário de
comportamentos de infância e adolescências (questionário para problemas de
comportamento e interação social); matrizes progressivas coloridas (para verificar
os progressos intelectuais, para faixa etária de 5 a 11 anos); perfil
psicoeducacional revisado propriamente dito, que

avalia a idade de desenvolvimento em sete áreas: imitação,


coordenação motora fina, coordenação motora ampla, coordenação
visomotora, percepção, performance cognitiva e cognição verbal. Cada
área tem suas provas específicas, totalizando 131 itens. O material de
teste é padronizado e envolve materiais, como por exemplo, encaixes de
madeira coloridos, livro de imagens, fantoches, objetos com suas
respectivas fotografias, instrumentos musicais e massinha de modelar.
(León et al., 2004, p. 44)

Com os resultados da avaliação podem-se identificar padrões e


comportamentos que estão interferindo na aprendizagem. Essas informações
levam à proposta de intervenção psicoeducacional para a criança.
Voltando ao Método Teacch, também foi desenvolvido nos EUA
(Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da
Carolina do Norte) na década de 1966, pelo Dr. Eric Schoppler, mais tarde nas
mãos do Dr. Gary Mesibov.
Os planos de intervenção traçados se concretizam por meio de agendas de
atividades, com função de agendas convencionais, mas podem ser apresentadas
por meio de quadros ou painéis, afixados na parede ou em cadernos, com
orientações ou rotinas a serem seguidas (informações em fotos, ilustrações ou
texto, quando possível). As agendas são referência importante na organização da
rotina, o que diminui a ansiedade e a insegurança na criança.
O ambiente será organizado, adaptado para que a criança entenda melhor
o espaço e as ações que precisa executar. A estruturação do ambiente tem como
objetivo final promover maior autonomia para a criança na realização das tarefas,
mas o principal é levar ao desenvolvimento das áreas deficitárias, portanto
estimular habilidades desejadas e diminuir comportamentos considerados
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inadequados (Mello, 2007). Pode-se, por exemplo, facilitar o acesso e diminuir as
distrações visuais e auditivas, retirando o que incomoda a criança e incluindo
indicações visuais nos objetos e áreas para facilitar a comunicação. Podem ser
colocadas divisórias (como tapetes) nas áreas em que se realiza cada tarefa. Na
agenda, pode aparecer a foto ou ilustração dos espaços que serão utilizados na
sequência de uso. Como a que segue:

Figura 1 – Indicação visual para facilitar a comunicação

Crédito: Tartila/Shutterstock.

É importante também deixar claro o sistema de trabalho, o que será feito,


quanto tempo durará e a sequência das tarefas. O material geralmente deve estar
disposto de acordo com cada atividade, em caixas separadas.
Na introdução de uma atividade nova, a criança será acompanhada
individualmente até conseguir desenvolvê-la com mais autonomia.
Perceba que são criadas condições ideais para promover a aprendizagem
da pessoa com TEA, removendo o que atrapalha, o que a incomoda e facilitando
o acesso ao necessário. Chamamos esse tipo de intervenção de estruturada.
Algumas críticas indicam a robotização da criança, isto é, levando-a a realizar
tarefas sem entendê-la, induzida pelo ambiente organizado e reforços recebidos.
Mas, como já vimos anteriormente, a generalização é uma das características

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desejadas para ABA. Assim, para considerar que a aprendizagem aconteceu, o
comportamento deve ser reproduzido espontaneamente em outras condições.
Mello (2007) também revela evidências de que a criança constrói significados e
adquire habilidades com as intervenções.
Ainda mais uma observação: assim como os demais instrumentos com
base comportamental, os registros no Método Teacch são exaustivos, tanto no
que se refere às tentativas quanto aos resultados.

TEMA 4 – MODELO DENVER

Outro método bastante conhecido e com intervenção abrangente para TEA


é chamado Modelo Denver de Intervenção Precoce (ESDM – Early Start Denver
Model), voltado para crianças mais novas (de 12 a 60 meses) nos aspectos de
linguagem, aprendizagem em geral e socialização.
O livro Intervenção precoce em crianças com autismo: modelo Denver para
a promoção da linguagem, de aprendizagem e da socialização, dos
pesquisadores americanos Rogers e Dawson (2014), tem 10 capítulos
apresentando o programa, que é também uma marca, isso é, existem direitos
autorais e a aplicação é limitada àqueles habilitados para utilizá-lo.
O Modelo Denver é direcionado a crianças pequenas com diversos níveis
de comprometimento e segue princípios naturalísticos com bases
comportamentais, isso é, se aproveita das atividades naturais e do interesse da
criança para apoiar e aumentar comportamentos desejáveis, ou diminuir aqueles
indesejáveis. As rotinas sensório-sociais nos jogos e brincadeiras são as
principais atividades do modelo Denver. As técnicas de aprendizagem são
variadas, como a modelagem e o encadeamento de ações. Assim como no
Método Teacch, os dados são coletados de forma minuciosa e detalhada para
fornecer informações segura quando ao resultado e próximos passos de
intervenção.
Mergulhão (2017) relata que as ações de intervenção podem acontecer em
consultório, mas na maioria das vezes se efetiva na casa da criança, ambiente
mais natural para ela. Apesar das diferenças metodológicas, o Modelo Denver
também tem como base a ciência ABA (e outros modelos e abordagens
comportamentais), com análise do comportamento na sequência natural do
desenvolvimento infantil. O foco principal do programa são as interações sociais

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(ponto nevrálgico do TEA) mediadas pelo afeto positivo, promovendo aquisição
da linguagem e a comunicação.

A estratégia central de trabalho do modelo é a construção de uma


relação afetiva com a criança pequena com uso de jogos e brincadeiras.
Quem trabalha com o Modelo Denver defende que interações sociais
positivas são capazes de aumentar a motivação da criança com autismo
na busca de novos contatos sociais e ampliar a capacidade dela de
aprender. (Mergulhão, 2017)

Como o modelo é naturalístico e voltado para crianças bem pequenas, o


terapeuta partirá daquilo que a criança já conhece e gosta, portanto precisa
manter-se muito atento às suas próprias ações de modo a promover aprendizado.
Assim, o modelo tem abordagens quanto à gestão da atenção da criança: que
ocorra a interação com o outro durante a atividade e que a criança consiga
entender os objetivos e intenções da atividade desenvolvida. São 13 abordagens
para as quais o terapeuta precisa atentar continuamente para evitar, por exemplo,
que tomem o jogo pelo jogo, sem evoluir na aprendizagem.
A avaliação das intervenções do terapeuta deve ser constante para verificar
a qualidade do suporte dado à criança. A relação afetiva deve ser autêntica e
trabalhar os comportamentos inapropriados visando reduzi-los.
A abrangência do Modelo Denver são os domínios da comunicação
receptiva e expressiva, competências sensoriais, de jogo, motoras finas e
grossas, comportamento adaptativo (Mergulhão, 2017) e estão distribuídas em
quatro níveis, por faixa etária: de 12 a 18 meses (nível 1); de 18 a 24 meses (nível
2); de 24 a 36 meses (nível 3); e de 36 a 48 meses (nível 4).

TEMA 5 – OUTROS PROGRAMAS DE TRATAMENTO

Como citamos em aulas anteriores, existem diversos programas de


tratamento para TEA, com características e objetivos diferenciados. Os dois
descritos anteriormente são mais abrangentes em termos de objetivos. Como o
modelo Pivotante (Pivotal Response Treatment – PRT), também naturalístico com
técnicas motivacionais para aumentar imitação e vocalização espontânea, que
inclusive serviu de referência para modelo Denver.
Bem conhecida também é a técnica PECS (Picture Exchange
Communication System), desenvolvida por Andy Bondy e Lori Frost em 1985 com
base na obra original de B. F. Skinner sobre comportamento verbal e ABA. É
direcionado a desenvolver habilidades comunicacionais para crianças com TEA

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que não falam ou que precisam organizar a fala. Talvez você já conheça a parte
mais visível da técnica – cartões de figuras (ilustrações) que são utilizadas pelas
crianças para comunicação.

Saiba mais

Você pode verificar também modelos das ilustrativos figuras no material


disponível.

As figuras são os instrumentos mais visíveis, no entanto são aplicadas


diversas estratégias de aprendizagem, como estímulo e reforço usados em todo
o protocolo. Também inclui procedimentos sistemáticos de correção de erros para
promover a aprendizagem se o erro ocorrer. Não se emprega a dica verbal para
evitar que a criança se torne dependente do outro para usar os cartões.
PECS é um sistema de comunicação alternativa que tem seis fases, desde
a entrega da figura solicitada para o parceiro comunicacional, passando para a
formação de frases juntando as figuras. O objetivo é a comunicação funcional, e
alguns indivíduos evoluem também para comunicação por meio da fala. Mas a
intenção é promover a independência comunicacional, o que indiretamente
diminui sintomas como irritabilidade, pois permite que a criança revele seus
incômodos (Gonçalves, 2011).
É perceptível que as técnicas descritas na aula exigem intervenção
intensiva para que os resultados apareçam, evidenciando a necessidade da
participação dos pais, tanto para viabilizar os programas quanto para diminuir o
custo com profissionais diversos. Assim, o treinamento parental surge como
alternativa fundamental.
Pesquisas (Andrade et al., 2016, p. 8) constatam que os pais das crianças
com TEA têm “potencial de influenciar intensamente o desenvolvimento de seus
filhos, visto que estão mais em contato com os mesmos do que os educadores ou
clínicos”. São também facilitadores de mudanças positivas. Naturalmente, existem
consequências negativas na dedicação intensiva dos pais ao filho com TEA em
detrimento aos demais.
Muitos dos programas têm momentos e protocolos de treinamento para os
pais e alguns outros foram desenvolvidos especificamente para esse fim, como
Parent-assisted Children’s Friendship Training, para o aprendizado de rótulos
sociais e regras específicas de comportamento; ou Qigong sensory training (QST),

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aplicado pelos pais e voltado para a regulação sensorial (Andrade et at., 2016).
Todos fazem parte de um procedimento maior de intervenção.
Existem outros tantos tratamentos específicos, voltados para muitos dos
sintomas e manifestações de cada pessoa com TEA, como as terapias
comportamentais ou analíticas, atividades com fisioterapeuta ou educador físico,
terapeutas comportamentais e fonoaudiólogos. Encerramos esta aula cientes de
que mostramos apenas a ponta do iceberg das possibilidades de intervenção e
que, nas próximas aulas, alguns outros caminhos também serão apresentados.

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REFERÊNCIAS

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