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Universidade Presbiteriana

Neurociência
Aplicada à
Educação e
Aprendizagem 2
módulo

Cognição Social e Aprendizagem


Trilha 3 O Desenvolvimento da Teoria
da Mente
Sumário

1 Introdução ao estudo da trilha de aprendizagem p. 4


2 Teoria da Mente: história e conceito p. 6
3 Estados mentais e o desenvolvimento da Teoria da
Mente p. 9
4 Síntese p. 18
5 Referências p. 21
4
Introdução ao
estudo da trilha de
aprendizagem

Olá, pessoal! Sejam bem-vindas e bem-vindos à terceira


trilha de aprendizagem do componente de cognição social.
Estra trilha tem como objetivo aprofundar os conhecimentos
a respeito do conceito, características e desenvolvimento de
um dos principais aspectos da cognição social, a Teoria da
Mente.

Neste e-book, você encontrará informações sobre a história


do termo, os primeiros estudos realizados com primatas,
até chegar ao conceito de Teoria da Mente, tal como o
concebemos hoje. Para que você possa se aprofundar no
tema, leia as referências indicadas e citadas ao longo do texto.

São apresentadas as diferentes características da Teoria


da Mente e as habilidades presentes em cada uma delas,
indicando que estamos falando de uma habilidade complexa,
multifacetada e que apresenta um curso de desenvolvimento
da infância até a vida adulta.

Em relação ao desenvolvimento, são apresentados os


principais marcos, aspectos que de modo geral são
esperados em diferentes períodos e nos servem como norte
para observação e avaliação da capacidade de atribuição de
estados mentais na infância. Ou seja, o que eu espero que a
criança em determinada idade compreenda sobre a mente do
outro?

Por fim, discute-se o papel de outras habilidades cognitivas,


tais como a linguagem e as funções executivas como boas
preditoras de Teoria da Mente, indicando que, ao observar
possíveis déficits de Teoria da Mente, temos que nos
5 perguntar se não existem outros prejuízos que poderiam
explicar o fato de a criança não conseguir compreender
estados mentais.

Esta trilha também conta com a palavra de um especialista


no audioblog, o professor João Victor Guedes, mestre
em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, que relata a heterogeneidade
das características da Teoria da Mente, considerando seus
aspectos implícitos e explícitos.
6
Teoria da Mente:
história e conceito

O termo “Teoria da Mente” foi utilizado pela primeira vez em


1978, por David Premack e Guy Woodruff, em um estudo com
um chimpanzé fêmea, de nome Sarah. Para determinar se o
chimpanzé era capaz de inferir intencionalidade, os autores
mostraram uma série de cenas gravadas em vídeo de um ator
humano tentando lidar com uma variedade de problemas.

Alguns problemas eram simples, envolvendo alimentos


inacessíveis, como, por exemplo, fora de alcance. Já outros
eram mais complexos, envolvendo um ator incapaz de sair
de uma gaiola trancada ou tremendo de frio por causa de
um aquecedor com defeito. Com cada vídeo apresentado, o
chimpanzé recebia várias fotos, sendo uma delas a solução
adequada para o problema, como um graveto para pegar os
alimentos inacessíveis, uma chave para o ator que estava
trancado em uma gaiola e um pavio aceso para o aquecedor
que estava com defeito. De forma consistente, o chimpanzé
escolhia as fotografias que representavam as soluções
corretas para cada tipo de situação-problema.

! A partir das escolhas feitas pelo chimpanzé, os autores


concluíram que houve “entendimento” do propósito
das ações do ator em cada uma das situações. A este
entendimento, denominou-se Teoria da Mente (Theory of
Mind – ToM), ou seja, a capacidade de imputar estados
mentais a si mesmo e aos outros. Um sistema de inferências
desse tipo é apropriadamente visto como uma teoria porque
tais estados não são diretamente observáveis, e o sistema
pode ser usado para fazer previsões sobre o comportamento
de outras pessoas (PREMACK & WOODRUFF, 1978).

Inspirados pelos estudos com chimpanzés, Wimmer e Perner


(1983) desenvolveram a famosa tarefa de transferência de
7 local, a “História de Maxi”, na qual este protagonista guarda
um chocolate em determinado lugar. Quando Maxi deixa o
local, sua mãe troca o chocolate de lugar, sem que ele veja.
Pergunta-se à criança onde Maxi irá procurar o chocolate
quando voltar. Caso a criança responda de acordo com a
crença falsa de Maxi, conclui-se que ela possui capacidade
de realizar uma representação mental sobre o pensamento
(estado mental) do personagem e a realidade, sua própria
crença (JOU & SPERB, 2004).

A tarefa de crença falsa desenvolvida por Wimmer e


Perner (1983) permitiu observar se as crianças pré-escolares
eram capazes de interpretar comportamentos através do
que elas achavam que outra pessoa pensava a respeito
de algo. Nenhuma das crianças antes dos 4 anos de idade
conseguiu indicar o lugar correto. Desde então, diversas
tarefas foram adaptadas a partir desta, enquanto outras
foram desenvolvidas para investigar aspectos mais simples
da ToM em crianças antes dos 4 anos de idade. Tarefas mais
complexas também foram desenvolvidas com a finalidade de
investigar a ToM em adolescentes e adultos.

Muitas críticas foram endereçadas ao trabalho de autores que


estudavam chimpanzés, com o argumento de que existe uma
diferença entre saber algo e saber que se sabe algo, ou seja,
o fato de o chimpanzé ter uma ToM não significa que ele saiba
que tem. Em termos de desenvolvimento, saber que se sabe
algo é mais complexo e envolve justificar ou explicar
o tipo de atribuição realizada, capacidade exclusiva à
espécie humana (DOMINGUES, 2006).

Por definição, a ToM se refere à capacidade de


compreender estados mentais do outro e de si próprio,
diferenciando-os (WELLMAN, 2014; HAPPÉ; COOK;
BIRD, 2017). Isto inclui intuições sobre a natureza e as
consequências comportamentais dos diferentes estados
mentais. As pessoas diferem na capacidade de fazer
inferências e compreender os estados mentais. Um sistema
de representação da mente do outro permite predizer e
8 interpretar o seu comportamento e consequentemente
regular o próprio comportamento durante uma situação de
interação social (MECCA, 2019).

Mas, afinal, o que são estados mentais?


9
Estados mentais e o
desenvolvimento da
Teoria da Mente

Tipo de estados Mentais

Um estudo recente de revisão sistemática categorizou sete


tipos diferentes de estados mentais: emoções, desejos,
intenções, percepções, conhecimento, crenças e
compreensão mentalista de comunicação não literal.
A partir disso, uma nova taxonomia da ToM foi proposta,
denominada de Abilities in Theory of Mind Space – ATOMS
(BEAUDOIN et al., 2020). Os sete domínios da ToM seriam
compostos por 39 subdomínios, conforme apresentado no
quadro 1:
10
Domínios Subdomínios

Emoções 1. Reações emocionais típicas: inferir reações emocionais


com base em situações que normalmente provocam certas
emoções / inferir a reação emocional com base em um
evento anterior;
2. Reações emocionais atípicas: inferir ou explicar as
reações emocionais com base em situações que provocam
emoções que são atípicas em comparação com o que
normalmente é esperado;
3. Emoções discrepantes: compreender que as pessoas
têm emoções discrepantes sobre um mesmo evento;

4. Emoções confusas: compreender que as pessoas


podem sentir emoções misturadas ou emoções diferentes
sucessivamente;

5. Emoções ocultas: compreender que outras pessoas


podem esconder suas emoções;
6. Emoções morais: compreender os sentimentos nega-
tivos que podem surgir após uma ação repreensível;

7. Regulação da emoção: compreender que os outros


podem usar estratégias para regular suas emoções;

8. Medida abrangente envolvendo compreensão de


emoção com base em diferentes fatores/categorias
(por exemplo, desejos, crenças, emoções ocultas);

Desejos 9. Desejos discrepantes/diferentes: compreender


que pessoas diferentes podem ter desejos diferentes;

10. Desejos múltiplos: compreender a coexistência de


múltiplos desejos simultaneamente ou sucessivamente;

11. Influência dos desejos nas emoções e ações:


entender que as emoções e ações são influenciados
por desejos/preferências;

12. Contradição desejo-ação: produzir explicações


plausíveis quando as ações contradizem os
desejos/preferências declarados explicitamente;
11
Domínios Subdomínios

Intenções 13. Conclusão de ações com falha: compreender a


intenção de outra pessoa quando esta falha em concluir
uma ação;
14. Intenções discrepantes: compreender que ações/
resultados idênticos podem ser alcançados, mas com
intenções diferentes;
15. Previsão de ações: prever ações das pessoas
com base em suas intenções;

16. Atribuição de intenção a figuras visuais: tendência


a atribuir intenções a figuras visuais;
17. Explicar intenções: produção de explicações de
intenção plausíveis para diferentes tipos de eventos
sociais observados;

Percepções 18. Tomada de perspectiva visual simples: reconhecer


que outros têm percepções visuais diferentes e adotar a
perspectiva visual de outra pessoa;
19. Tomada de perspectiva visual complexa: adotar a
perspectiva visual da outra pessoa em tarefas complexas
que exigem rotação ou visualização mental;

20. Relação percepção-ação: compreender que as ações


dos outros estão relacionadas às suas percepções visuais;

21. Tomada de Perspectiva auditiva: considerar as


percepções auditivas de outra pessoa;

Conhecimento 22. Relação conhecimento-jogo de faz de conta:


compreender que alguém que não sabe que algo existe não
pode participar de uma "brincadeira de faz de conta" que
incorpore esse conhecimento;

23. Relação percepções-conhecimento: compreender


que alguém que não tem acesso a informações perceptivas
(ou seja, olhando, ouvindo etc.) pode não ter acesso ao
conhecimento;

24. Relação entre informação-conhecimento:


entender que alguém que não foi informado, ou não
está familiarizado com algo, pode não saber/conhecer;
25. Relação entre conhecimento-atenção: compreender
que algo novo é mais interessante para alguém do que algo
já conhecido;
12
Domínios Subdomínios

Crenças 26. Crenças falsas de conteúdo (embalagem familiar com


um conteúdo inesperado): compreender a crença falsa
de alguém que nunca abriu uma embalagem;
27. Transferência de local: compreender a falsa crença
mantida por alguém que não testemunhou ou não foi
informado de um deslocamento de objeto ou mudança
de ação;
28. Falsas crenças de identidade: compreender que,
quando algo se parece/soa/cheira a outra coisa, uma
pessoa pode ter uma falsa crença sobre sua identidade;
29. Crença de segunda ordem: compreender a crença
de segunda ordem ou falsa crença mantida por alguém
que não sabe que outra pessoa foi informada de algo
(por exemplo, de uma identidade enganosa, uma
localização enganosa etc.);
30. Ações/emoções baseadas em crenças: prever
emoções ou ações com base em crenças declaradas /
inferir a crença de outra pessoa com base em sua ação
ou emoção declarada;
31. Sequenciar crenças falsas: compreender a crença
falsa criada quando uma sequência previsível de estímulos
é quebrada com a intrusão de um estímulo inesperado;

32. Medidas abrangentes de compreensão das crenças;

Compreensão 33. Ironia / sarcasmo: entender que pessoas podem


mentalista de mentir para serem irônicas / sarcásticas;
comunicação
não literal. 34. Mentiras egocêntricas: entender que alguém pode
mentir conscientemente para evitar um problema ou para
conseguir o que quer;

35. Mentiras inocentes: compreender que alguém pode


mentir para poupar os sentimentos de outra pessoa;

36. Mentiras involuntárias: compreender que alguém


pode contar uma “Mentira” sem saber;
Quadro 1 - Domínios 37. Humor: entender que alguém pode contar uma
e subdomínios “mentira” para fazer uma piada;
da ToM. Fonte: 38. Faux pas: Capacidade de reconhecer situações de gafe
social.
Elaborado pelo
autor com base em 39. Múltiplos aspectos da compreensão mentalista da
comunicação não literal em uma mesma situação.
BEAUDOIN et al.
(2020).
13 Marcos do desenvolvimento da Teoria da Mente

! As diferentes características da Teoria da Mente se


desenvolvem de forma progressiva, sendo que alguns dos
principais marcos, tais como a compreensão de alguns
subdomínios da crença falsa emergem e se consolidam
durante a primeira infância (WELLMAN, 2018). Já outros
domínios, como o entendimento de gafes, ironias, crenças
de segunda-ordem em diante, identificação de emoção real
e emoção aparente, se consolidam a partir dos 6, 7 anos de
idade (SOUZA & VELLUDO, 2016).

Assim como em outros aspectos do desenvolvimento infantil,


não há um único consenso a respeito da aquisição da ToM.
Apesar da concordância de diferentes autores sobre alguns
aspectos mais gerais, é comum encontrarmos referências
indicando idades diferentes para algumas aquisições.

De acordo com Perner (1991), o desenvolvimento da ToM


ocorre em torno dos 4 a 5 anos de idade. Nesta etapa se dá
a compreensão de crenças falsas. Já Bartsch e Wellman
(1995) defendem que o desenvolvimento dos aspectos
explícitos iniciais da ToM ocorre por volta de 2 a 3 anos de
idade, período no qual as crianças começam a expressar e
compreender seus desejos, sentimentos, pensamentos e
crenças, atribuindo estados mentais a si próprias. Em relação
aos primeiros 5 anos, o quadro 2 resumo os marcos do
desenvolvimento das principais características da ToM:

• 18 meses: manifesta estados de desejos e emoção de forma verbal


e não verbal.

• 24 meses: compreende que os desejos movem as ações humanas


e que os estados mentais não são observáveis ou tangíveis.

• 3 anos: identifica expressões emocionais básicas e entende que


dois indivíduos podem ter diferentes desejos e expressar emoções
distintas das suas em situações similares.

• 4 anos: diferencia crenças de desejos.


Quadro 2 -
Aquisição da Teoria • 5 anos: demonstra entendimento de que os indivíduos podem ter
uma emoção interna diferente daquela que está sendo expressa em
da Mente. Fonte: dada situação.
Elaborado pelo autor.
14 Wellman (2014) endossa a aquisição da crença falsa como
um marco importante para o desenvolvimento da ToM,
mas que, anteriormente a ela, as crianças compreendem
intencionalidade da ação. Esta, por sua vez, dá lugar a
sistemas posteriores de inferências sobre desejos e, então,
sobre crenças, possibilitando o conhecimento de que as
ações são produzidas a partir da combinação de desejos
e crenças. A progressão da compreensão de desejos para
a compreensão de crenças pode ser observada a partir da
conversação das crianças pré-escolares.

Estudos com centenas de crianças pré-escolares na


Austrália, Canadá, Estados Unidos e Alemanha apontam
para uma progressão consistente de dificuldades em tarefas
que avaliam: desejo diverso (mais fácil), crença diversa,
acesso pelo conhecimento, crença falsa e compreensão de
emoção real versus emoção aparente (mais difícil). Apesar de
algumas diferenças culturais durante a evolução da crença
falsa, em relação ao início e período de desenvolvimento, há
evidências de que em países como Estados Unidos, Reino
Unido, Canadá, Austrália, Áustria, Japão e Korea, os anos pré-
escolares são períodos de rápido crescimento e por isso mais
sensíveis a intervenções.

Em relação ao curso de desenvolvimento da crença falsa,


considerado um marco importante na ToM, há um rápido
crescimento durante os anos pré-escolares e uma diminuição
das taxas de crescimento após os 6 anos de idade. A partir
desta idade, a progressão no aumento da compreensão de
estados mentais permanece, porém de forma mais lenta
(WELLMAN; CROSS; WATSON, 2001).

Outros aspectos mais complexos da ToM emergem e/ou


se consolidam ao longo da fase escolar, tais como: a
atribuição de crenças de segunda ordem (capacidade de
inferir o estado mental de alguém sobre o estado mental de
um terceiro) em diante; compreensão de ironia; discriminação
entre emoções reais e aparentes; identificação de gafes
(SOUZA & VELLUDO, 2016).
15 Aspectos avançados da ToM são um conjunto coerente
! de habilidades recursivas e interpretativas usadas
para compreender os estados mentais e para prever o
comportamento de outras pessoas em situações sociais
ambíguas e complexas que muitos adolescentes podem
encontrar na vida diária (WEIMER et al ., 2017). Uma das
principais funções da ToM é possibilitar a comunicação com
grupos sociais e culturais complexos (DEVINE et al ., 2016).

O papel de outras habilidades e do ambiente no


desenvolvimento da Teoria da Mente

Funções Executivas: o conhecimento de que existe uma


relação importante entre o desenvolvimento dos aspectos
básicos das FE e da ToM é bastante sólido. Sabe-se que as
FE predizem mais fortemente a ToM enquanto o oposto não
ocorre da mesma forma. As FE parecem ter uma contribuição
única para o desenvolvimento da ToM, para além de possíveis
efeitos de variáveis como a idade, o vocabulário e o nível
socioeconômico. Considerando os aspectos básicos das FE
em crianças pré-escolares, parece que o controle inibitório
possui um papel mais importante no desenvolvimento da
ToM quando comparado aos demais domínios. O controle
inibitório é necessário para inibir as perspectivas irrelevantes,
conflitantes ou a própria perspectiva, que tende a ser
mais automática. Porém, mesmo que em menor grau, o
desenvolvimento da ToM também depende de memória de
trabalho para manter em mente as diversas perspectivas e as
informações necessárias para compreender o estado mental
do outro, assim como de flexibilidade para mudar e se adaptar
à perspectiva do outro (DIAS; BATISTA; MECCA, 2020).

Linguagem: a linguagem é um dos principais fatores


preditores da ToM, principalmente a partir dos 2 anos de
idade. Destaca-se a importância do papel da linguagem de
modo geral no desempenho em tarefas de ToM, uma vez que
estas demandam compreensão linguística e habilidade de
fazer inferências. Portanto, a avaliação de ToM se apoia
fortemente na linguagem, uma vez que é necessário contar
16 histórias ou explicar os procedimentos verbalmente. Por
isso, as pessoas precisam compreender essas informações,
interpretá-las e fornecer alguma resposta sobre os estados
mentais (VELLOSO; DUARTE; NEGRÃO, 2016). Aspectos
sintáticos, semânticos e pragmáticos contribuem para o
desenvolvimento da ToM (MILLIGAN; ASTINGTON; DACK,
2007). A relação da criança com o mundo é mediada pela
linguagem, que facilita a capacidade de representação
mental de uma determinada situação, além de possuir um
papel primordial na transmissão de valores culturais de uma
sociedade. Por isso, a interação social com as crianças por
meio do discurso promove a discussão, conversas sobre
estados mentais próprios e dos outros, favorecendo o
desenvolvimento da ToM.

Ambiente: existem diferentes fatores que podem contribuir


para o desenvolvimento da ToM (MECCA et al., 2017), tais
como:
• estar em um ambiente familiar ou institucional,
sendo o ambiente familiar associado a melhor
desenvolvimento da ToM. Crianças institucionalizadas
tendem a apresentar certo atraso na ToM quando
comparadas às crianças não-institucionalizadas. Uma
das hipóteses é a qualidade e quantidade interações com
adultos mais responsivos;
• o nível socioeconômico, com indícios de que crianças
com NSE mais baixos tendem a ter mais dificuldades
em tarefas de ToM quando comparadas às crianças com
NSE mais alto. Neste caso, há fatores de influência como
nível de escolaridade dos pais que impactam no discurso
e na forma de interação com a criança, bem como
oportunidades de experiências culturais enriquecedoras
(livros com narrativas, brinquedos que estimulam o faz-
de-conta etc.);
• o número e a proximidade da idade dos irmãos,
pela oportunidade que a criança apresenta de vivenciar
situações sociais com pares que são promotoras de ToM;
• os padrões de responsividade parental e de
interação, como as formas de conversação e tipo de
discurso materno;
17 • a estimulação das brincadeiras de faz de conta que
demandam representações mentais;
• situações de maus-tratos como fatores de risco, uma
vez que influenciam nas atribuições que a criança pode
fazer ao comportamento do outro.
18
Síntese

Vimos nesta trilha que o desenvolvimento da ToM contribui


para maior sucesso das interações sociais. No entanto,
essa habilidade não é definida como uma característica
única, mas multifacetada, uma vez que existem diferentes
tipo de estados mentais e sua atribuição possui cursos de
desenvolvimento diferentes. A figura 1 apresentada a seguir
sintetiza os diferentes tipos de estados mentais:

Desejos

Emoções Crenças

Teoria
da Mente Compreensão
mentalista de
Intenções comunicação
não-verbal

Figura 1 - Síntese
dos diferentes Conhecimento Percepções
estados mentais.
Fonte: Elaborado
pelo autor.

+ Para complementar seus conhecimentos a respeito dos


marcos do desenvolvimento, leia: SOUZA, D. H.; VELLUDO,
N. B. O desenvolvimento da teoria da mente. In: MECCA, T.
P.; DIAS, N. M.; BERBERIAN, A. A. (Orgs). Cognição social:
Teoria, pesquisa e aplicação. São Paulo: Editora Memnon,
2016, p. 42-53.
19 Ouça o audioblog sobre estudos mais recentes que indicam
que existem aspectos implícitos da ToM que podem estar
presentes mesmo antes da aquisição e desenvolvimento
da linguagem, mas que ainda são de difícil compreensão
e observação no dia a dia, uma vez que dependem de
ferramentas mais complexas e tecnológicas (como aparelhos
que registram os movimentos oculares).

A partir das informações apresentadas nesta trilha, faça


um exercício de observar como crianças atribuem estados
mentais aos outros e como elas são capazes de ajudar seu
próprio comportamento em função das representações
mentais que criam a respeito do que se passa na mente do
outro. Por exemplo: ao contar uma mentira, a criança imagina
que, ao falar a verdade, ouvirá uma bronca, uma repreensão
ou algum tipo de punição por parte do adulto. Deste modo,
ela atribui um estado mental (de braveza) ao adulto, prevê
que levará uma bronca e por conta disso, modula seu
comportamento para evitar uma consequência ruim com base
na previsão que fez.

Por fim, faça uma reflexão do quanto o investimento


no desenvolvimento de outras habilidades, tais como a
linguagem e as funções executivas, pode impactar de forma
positiva a atribuição de estados mentais. Uma criança que
é capaz de inibir um pensamento automático tem maior
probabilidade de considerar o estado mental do outro do
que aquela criança que responde de forma mais impulsiva.
Crianças que desenvolvem um bom vocabulário, bem como
adequação das habilidades comunicativas, conseguem usar a
linguagem para refletir sobre os estados mentais, bem como
nomeá-los.

+ Para complementar seus conhecimentos a respeito do papel


da linguagem e das funções executivas na ToM, leia:
• VELLOSO, R. L.; DUARTE, C. P.; NEGRÃO, J. G.
Relação entre Cognição Social e Linguagem. In: MECCA,
T. P.; DIAS, N. M.; BERBERIAN, A. A. (Orgs). Cognição
social: Teoria, pesquisa e aplicação. São Paulo: Editora
Memnon, 2017, p. 59-66;
20 • DIAS, N. M.; BATISTA, L. S.; MECCA, T. P. Evidências
de validade do Teste de Teoria da Mente para Crianças:
relação com funções executivas. Neuropsicologia
Latinoamericana, 12(2), 2020. Disponível em: <https://
www.neuropsicolatina.org/index.php/Neuropsicologia_
Latinoamericana/article/view/553>. Acesso em: 20 mar.
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21
Referências

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DIAS, N. M.; BATISTA, L. S.; MECCA, T. P. Evidências de


validade do Teste de Teoria da Mente para Crianças: relação
com funções executivas. Neuropsicologia Latinoamericana,
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DOMINGUES, S. F. D. S. Teoria da mente: Um procedimento


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Psicologia, 2006.

HAPPÉ, F.; COOK, J. L.; BIRD, G. The structure of social


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JOU, G. I. D.; SPERB, T. M. O contexto experimental e a teoria


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Universidade Presbiteriana

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