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Teontologia Básica

João Alves dos Santos

Aula 2: A existência de Deus e a natureza do seu


conhecimento
Introdução

Esta aula visa a apresentar argumentos em favor da crença na existência de Deus e


qualificar a natureza do conhecimento que podemos ter dele. Reconhecemos que não
podemos provar cientificamente que Deus existe. Mas isto não significa que não temos
evidências de sua existência. Não só podemos crer que ele existe como também
podemos ter conhecimento verdadeiro dele. Foi por isto e para isto que ele se revelou. É
o que estudaremos, a seguir.

1. Argumentos a favor da crença na existência de Deus


Como dissemos na aula de introdução, a Bíblia não faz qualquer tentativa de provar a
existência de Deus. Parte do pressuposto de que ele existe (Gn 1.1). Todavia, Deus
nunca se deixou ficar sem testemunho de sua existência, conforme Atos 14.17. Os
argumentos que apresentamos não são provas científicas (dada a natureza do assunto),
mas um testemunho extraído da própria obra de Deus (Revelação Geral), e elaborado
através do nosso raciocínio lógico, que também é parte dessa obra. O testemunho que
Deus dá de sua existência é sempre válido, quer o homem o receba ou não. Deus o
considera responsável por esse conhecimento, conforme Romanos 1.20. Por isso, são
todos inescusáveis.

Estamos cônscios de que não são esses argumentos que produzem a fé. Mas eles podem
servir como meio para levar alguém a reconhecer a credibilidade dos pressupostos
bíblicos. Para o crente, servem como meio de confirmação e fortalecimento da fé.

A. Argumento cosmológico: - extraído do princípio de causa e efeito. De acordo com


a observação das coisas conhecidas e com a própria razão, cada uma dessas coisas teve
uma causa. Por conseguinte, deve haver uma causa primária, que só pode ser Deus.

B. Argumento teleológico: - extraído do fato que cada coisa tem a sua finalidade, a sua
razão de ser. Há desígnio na natureza. Se há uma finalidade ou um propósito para cada
coisa criada, deve haver uma inteligência superior que determinou essa finalidade. A
existência de um projeto exige a existência de um projetista; a de um relógio, a
existência de um relojoeiro fabricante. Já se disse que a chance desse mundo ter surgido
como obra do acaso é a mesma de um dicionário surgir como resultado de uma explosão
na tipografia (as tipografias antigas usavam tipos móveis, com os quais se compunham
as palavras). (Ver vídeo “Quem fez tudo isso: Criação ou Evolução?” recomendado
nas leituras opcionais).

C. Argumento ontológico: - extraído do próprio ser do homem. Todo homem tem em


si aquilo que os teólogos chamam de “senso de Deus” (sensus divinitatis), isto é, a
consciência de que deve existir alguém maior do que ele e do que todas as coisas.
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A crença em Deus é um fato universal. Como explicar essa crença generalizada no


sobrenatural se não existisse o sobrenatural? Esse argumento leva também ao do de
causa e efeito. Se há um efeito de caráter universal, que é a crença na divindade, deve
haver também uma causa para isso.

D. Argumento moral: - extraído do nosso senso de justiça. Dizemos que certas ações
são boas e que outras são más; que algumas devem ser feitas e outras não. Por que essa
distinção moral? Por que distinguir entre o certo e o errado? Qual o padrão desse senso
de justiça? Por que é errado atropelar, de propósito, uma pessoa na rua?

De acordo com esse argumento, o padrão da justiça é a existência de um ser moral


perfeito, cuja natureza é o bem último. É verdade que pode haver variação no conceito
de justiça e de moral entre diferentes pessoas ou culturas. Algo que para um pode
parecer errado para outro pode parecer certo. Que o digam os defensores da “nova
moralidade” ou da “ética situacionista”. Não estamos dizendo que a ética bíblica é
aceita como verdadeira em todos os lugares e entre todas as pessoas. O pecado
distorceu, e muito, o senso de justiça e de moral do homem, tanto que um dos elementos
que são restaurados na conversão é exatamente esse, conforme Efésios 4.24. Mas há
sempre um valor moral a ser atribuído às ações humanas, de acordo com algum
princípio de “certo ou errado”, ainda que este princípio não siga os ditames bíblicos. É o
que a Bíblia chama de consciência (Rm 2. 14-15), a qual evidencia a “norma da lei”
gravada no coração. Até os piores criminosos têm o seu código de ética ou de conduta.
A que atribuir essa consciência senão à existência daquele que a implantou no próprio
homem, criado à sua imagem? (Ver uma aplicação desse argumento no vídeo deste link
“Você pode ser bom sem Deus?”)

E. Argumento da coerência: - extraído da harmonia entre a crença em Deus e os fatos


conhecidos. A crença em Deus está em harmonia não só com os fatos da nossa natureza
mental e moral, mas também com todos os fenômenos do mundo material. Essa crença
explica o universo e o homem, em seus impulsos e natureza.

F. A validade desses argumentos: - Esses argumentos mostram que deve haver um


Deus, uma causa primária, que explique a ordem no universo, o propósito que há em
cada coisa, o senso de divindade e de justiça que há no homem, a coerência do universo.
Mas não são suficientes para levar alguém ao Deus pessoal e verdadeiro, revelado nas
Escrituras. Por isso, precisamos da revelação especial de Deus (registrada nas
Escrituras) para conhecê-lo realmente. Por causa do pecado, precisamos não só de vista
nova (regeneração) como também de óculos novos (revelação especial) para conhecer
realmente a Deus. É ainda pela fé que entendemos que o universo foi formado pela
palavra de Deus (Hb 11.3) e é pela fé que nos aproximamos dele, crendo que ele existe
(Hb11.6).

2. A Cognoscibilidade de Deus

Por cognoscibilidade de Deus queremos dizer sua capacidade de ser conhecido, ainda
que não de modo total.

A. Razões para se crer que Deus pode ser conhecido:


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1) O fato da revelação. A revelação pressupõe essa capacidade. Se Deus se revelou é


porque ele pode ser conhecido.

2) O fato de ser o homem criado à imagem de Deus. Essa imagem, segundo


Colossenses 3.10, implica o conhecimento de Deus. Na regeneração, esse
conhecimento, que ficou prejudicado com a queda, é restaurado. É o que Paulo chama
de “pleno conhecimento”.

3) A própria afirmação das Escrituras. A Bíblia fala sobre dois tipos de


conhecimento de Deus. Um é o conhecimento natural, que todos os homens têm por
causa da revelação geral. É o que lemos em Rm 1.19-21. O outro é o conhecimento
espiritual, salvador, que só os regenerados têm. É o que lemos em Jo 17.3; Sl 9.10;
36.10; Jo 10.14. Quando a Bíblia fala sobre os que não conhecem a Deus está dizendo
que eles não têm este tipo de conhecimento: 1Ts 4.5; 2Ts 1.8; Jo 15.21; 16.3; Sl 79.6; Jr
9.3; 10.25; Os 5.4.

B. A natureza do nosso conhecimento de Deus

1) Nosso conhecimento de Deus é limitado. Nós não podemos conhecer a Deus de


modo pleno ou exaustivo. Só Deus conhece a si mesmo desse modo. Precisaríamos ser
iguais a ele para poder conhecê-lo plenamente. A quem me comparareis para que eu lhe
seja igual? E que coisa semelhante confrontareis comigo?, diz o Senhor (Isa 46.5).

2) Nosso conhecimento de Deus é derivado. É adquirido (não intuitivo). Nós o


recebemos através da revelação que ele faz de si mesmo e não por nossa própria
intuição. Existe revelação de Deus tanto no ato criador (Sl 33.6,9; 148.5, quanto na
manutenção da coisa criada, a que chamamos de providência (Sl 19.1-2; 148.6; Rm
1.19-20; At 14.17) e dentro do próprio homem, criado à imagem de Deus (Gn 1.26; Rm
1.21-32). A este tipo de conhecimento chamamos de revelação geral. Mas além disto,
Deus tem se revelado desde a criação de modo especial, falando ao homem e dando a
conhecer a sua vontade e seu propósito para com ele. A este modo de Deus se revelar
pessoalmente chamamos de revelação especial. Esta revelação, depois da queda, passou
a ter caráter redentivo e se efetivou através de teofanias, profecias, visões, sonhos e do
registro de livros inspirados, que chamamos de Escritura. O ponto mais alto da
revelação especial é encontrado em Cristo, o Verbo de Deus encarnado.

3) Nosso conhecimento de Deus é analógico. Conhecemos a Deus à luz do


conhecimento que ele tem de si mesmo e do tipo de revelação que ele faz. A linguagem
que Deus usa para revelar-se a nós só pode ser a nossa, adaptada à nossa realidade,
expressa em nossos símbolos e nossos valores. É, portanto, uma linguagem de
acomodação, analógica. É por isso que muito dessa revelação deixa de ser
compreendido plenamente e é, às vezes, até distorcido, porque nos esquecemos de que é
uma comunicação adaptada à nossa realidade. Quando a Bíblia fala em “braço do
Senhor”, “mão de Deus” e “costas de Deus”, assim como “arrependimento”, “pesar” ou
“ira” de Deus, está usando uma linguagem humana, acomodada à nossa realidade e aos
nossos sentimentos. Está atribuindo a Deus forma (antropomorfismo) ou sentimento
humano (antropopatismo). Quando ela chama a Cristo de gerado ou nascido de
Deus”(1Jo 5.1,18) não está dizendo que ele foi criado, à semelhança de nossa geração.
Jesus Cristo é eterno, nunca foi criado. Está apenas usando a figura mais próxima que
conhecemos de igualdade e comunhão de atributos: a relação de pai e filho. A própria
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ideia de filiação eterna nos é estranha e incompreensível, visto que, para nós, toda
filiação implica início ou derivação de existência. Da mesma forma, quando a Bíblia
quer descrever a beleza e sublimidade da Nova Jerusalém, apresenta-a com praça de
ouro e muralhas de jaspe (Ap 21.18), minerais belos e preciosos para nós. É o que
chamamos de linguagem analógica.

4) Nosso conhecimento é verdadeiro. O fato de conhecermos a Deus de modo


limitado e analógico não torna o nosso conhecimento menos verdadeiro. É aquele que
podemos ter, dentro da nossa capacidade limitada de compreensão, mas não menos
acurado. Poderíamos suspeitar de sua veracidade se fosse fruto de nossa própria
investigação. Mas como é o conhecimento que Deus mesmo dá de si, podemos confiar
nele.

3. A Incompreensibilidade de Deus

Embora possamos conhecer a Deus, não podemos compreendê-lo totalmente. É


conhecida a ilustração do menino que, quando viu o mar pela primeira vez, disse:
“Agora já posso dizer que conheço o mar”. Ouvindo-o, um velho marinheiro que estava
ao seu lado observou: “Pois eu, que tenho passado quase toda a minha vida viajando por
ele, não posso dizer que conheço o mar”. Ambos estavam dizendo a verdade, mas sob
diferentes pontos de vista. O menino realmente teve seu primeiro contato com o mar,
ainda que de modo limitado, e podia dizer que o conhecia. O marinheiro, por sua vez, já
falava da sua falta de conhecimento dos mistérios e da vastidão do mar. De modo muito
maior, na “escala” do infinito, podemos dizer o mesmo sobre o nosso conhecimento de
Deus. Podemos conhecer a Deus verdadeiramente, mas não o compreender. Essa
incompreensibilidade pode ser vista em três sentidos:

A. Sentido metafísico: - refere-se à imensidade de Deus, ao fato que ele não tem
medida nem limites. Ele não pode ser contido por ninguém, nem por coisa alguma.
Salomão reconheceu essa qualidade quando, na dedicação do templo, orou com estas
palavras: Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta
casa que eu edifiquei (1Rs 8.27).

B. Sentido epistemológico: - refere-se à nossa incapacidade de compreendê-lo


racionalmente ou intelectualmente. É o que Paulo reconhece em sua doxologia de Rm
11.33-35: Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem
primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? É também o que lemos em Is
40.13-14: Quem guiou o Espírito do SENHOR? Ou, como seu conselheiro, o ensinou?
Com quem tomou ele conselho, para que lhe desse compreensão? Quem o instruiu na
vereda do juízo, e lhe ensinou sabedoria, e lhe mostrou o caminho de entendimento.
Outros textos dessa natureza são: Sl 145.3; 147.5 e 139.1-6.

C. Sentido teológico: - refere-se à distância que existe entre o ser de Deus, como
Criador infinito e independente (autocontido) e o ser do homem, como criatura finita e
dependente dele. Essa distância torna o Criador incompreensível à criatura. Os
propósitos e atos de Deus nem sempre podem ser compreendidos. Por que ele permitiu
que o pecado entrasse no mundo e decretou até mesmo os atos maus dos homens? (At
4.27-28; Gn 45.5-8). Como reconciliar ensinos bíblicos aparentemente conflitantes
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(antinômicos) como a soberania de Deus e a responsabilidade do homem ou a


predestinação de todas as coisas e a liberdade da ação humana? A resposta não está ao
nosso alcance. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os
vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são
mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos
caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos” (Is 55.8-
9), é a explicação que temos do próprio Deus.

A incompreensibilidade de Deus pode ser vista como um dos seus atributos, mas não de
caráter essencial ou absoluto. Deus compreende a si mesmo. Somente para as suas
criaturas ele é incompreensível. Também ela é diferente da incompreensibilidade do
universo. Esta é devida à nossa incapacidade de exaurir o seu conhecimento. Já aquela é
devida à própria natureza de Deus, externa e independente do mundo criado.

Aplicação Prática:

Devemos envidar todos os esforços para conhecer a Deus, porque isto é possível e é do
seu agrado. Deus quer ser conhecido e nós precisamos conhecê-lo. Mas não devemos
tentar compreender aquilo que está fora da nossa capacidade humana ou fora da
revelação divina. Nem mesmo tudo que foi revelado pode ser compreendido. Verdades
reveladas como a triunidade de Deus (Trindade) e a encarnação de Cristo estão fora do
alcance de nossa compreensão, mas nem por isso deixam de ser verdades. Como vimos,
na revelação há aparentes paradoxos, tais como o da soberania de Deus versus a
responsabilidade do homem e o do caráter santo de Deus versus a origem do mal
(decreto do pecado). Não podemos nem precisamos compreender tudo. A fé verdadeira
fé não pede explicações para aquilo que está além da nossa capacidade racional. Só os
racionalistas querem compreender para crer. E acabam sem compreensão e sem fé.

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Leitura Obrigatória:

A existência de Deus, por John Dagg.

O conhecimento não regenerado de Deus, por John Frame.

Leitura opcional:

Por que creio em Deus?, por Cornelius Van Til

A probabilidade de Deus, por Bruno Uchôa.

Cientistas famosos que criam em Deus, por Richard L. Deem.

Vídeo: “Quem fez tudo isso: Criação ou Evolução?”, palestra do Dr. Marcos Eberlin,
cientista e professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas.
(Algumas referências ao Criador podem soar desrespeitosas, mas são usadas como
recurso de comunicação e são explicadas durante a palestra e também no seu final).
Excelente vídeo sobre evidências científicas a favor da doutrina da criação.
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Por que creio em Deus?, por Raul Kieselbach.

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