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Contextualização da obra
Hans Kelsen nasceu em 1881 em Praga, no seio de uma família judaica falante de alemão
Em 1911, começou a lecionar filosofia do Direito na Universidade de Viena
Durante a 1ª Guerra Mundial, serviu como conselheiro jurídico do ministro da guerra
Em 1921, foi nomeado membro do TC
Emigrou par aa colónia, mas foi demitido em 1933, meses depois de os nazis terem tomado o poder
Fixou-se em Genebra, mas, devido as ameaças nazis, Kelsen emigra para os EUA a partir de 1940.
Em 1945 publica a General Theory of Law and State.
Nesse mesmo ano, prepara os aspetos técnicos e legais do julgamento de Nuremberga.
Subjetividade da justiça
Problema fundamental da modernidade política: relação entre Estado e justiça
A partir da revolução francesa: oposição entre legitimidade e arbitrariedade
Primado da lei
Kelsen afasta-se do jusnaturalista porque pretende criar uma ciência do Direito que não esteja
relacionada com assuntos ideológicos ou morais
Direito natural: perante um delito, tem de haver uma sanção administrada pela comunidade política
≠
Direito positivo: perante um delito, deve haver uma sanção; a sanção será administrada
independentemente de qualquer considera política ou moral
Duas questões:
1. Valores morais não devem entrar na discussão de direito positivo porque a justiça é um elemento
irracional que não tem lugar numa ciência legal;
2. Jurisprudência de direito positivo não pode ser descritiva, mas tem de ser normativa (anti-
sensorialismo e anti-empirismo)
A teoria pura do direito rejeita considerações metafísicas da doutrina do direito natural, o factualismo da
sociologia legal ou psicologismo jurídico.
Favorece uma jurisprudência de direito positivo
Conceito de justiça é subjetivo:
1. A única justiça que interessa é aquela que pode ser deduzida a partir da norma;
2. Rejeição de uma fundamentação transcendental da justiça;
3. É necessário transformar o direito numa ciência objetiva:
Delimitação do objetivo;
Construção de um sistema isento de contradições
A proposta de Kelsen é a criação de uma teoria pura do Direito: o objetivo deixa de ser a justiça
Rutura entre direito e ética
Eficácia e validade
Qual o papel do jurista?
Não pode prever de que forma um delito é sancionado (se a sanção apropriada é aplicada)
Só pode dizer o que deve acontecer (o conteúdo da sanção apropriada)
O jurista deve estar preocupado com o significado dos factos
Ao separar o que é do que deve ser. Kelsen rejeita a jurisprudência que atribui a validade da lei à sua eficácia.
A existência de uma ordem legal não depende da sua eficácia, mas da sua validade: as normas legais devem
ser aplicadas e obedecidas.
Eficácia Validade
Domínio dos factos Domínio do “dever”
Se a validade de uma norma jurídica não depende da sua eficácia, então onde se encontra a sua legitimidade?
Pirâmide normativa:
Direito internacional
Kelsen propõe que o direito internacional seja o único sistema legal objetivo e aquele que determine todas as
ordens legais nacionais.
Reorganização conceptual da soberania
Igualdade entre Estados só pode ser garantida se:
1. Estados não forem soberanos
2. Estados estiverem submetidos a uma autoridade superior
A soberania reside na ordem legal mais elevada, i.e., no direito internacional
Contextualização da obra
Carl Schmitt nasceu em 1888 na Alemanha, numa família católica;
Formou-se em Direito, concluindo o doutoramento em Jurisprudência em 1910, na Universidade de
Estrasburgo;
Depois da 1ª Guerra Mundial, aproximou-se da doutrina hobbesiana de que o Estado e a autoridade
são os únicos garantes da segurança: auctorias non veritas facit legem;
As noções centrais de obediência levaram-no a filiar-se no Partido Nacional Socialista em 1933;
No mesmo ano torna-se presidente da Associação de Juristas Nacionais Socialistas;
Até 1945, foi professor de Direito da Universidade de Berlim, até ser detido pelos Aliados: não foi
punido em Nuremberga;
Morreu em 1985.
Teologia política
Publicado originalmente em 1922.
Problema central do livro: conceito de soberania.
O soberano é aquele que decide:
O que é a exceção?
Qual o conteúdo da ação excecional
Decisionismo e soberania
Proposta de uma ordem que é anterior a uma ordem jurídica assente em normas de direito.
Uma ordem decisionista é, por isso, a fundadora de uma ordem legal.
É a decisão que atribui sentido à lei e ao direito. Por ser o seu fundamento, a decisão pode sempre ser
reativada pelo político para suspender a ordem legal que criou: a decisão política tem prioridade sobre a lei e
revela-se como ato eminentemente soberano
Conceito de crise: só através de crises do Estado é que é possível observar as limitações da norma.
A crise permite a vulnerabilidade do direito: revela a necessidade de agir na exceção.
Contra Kelsen, que procurava criar uma ordem jurídica que afastasse a exceção: uma teoria pura do
direito conseguiria prever a totalidade fenoménica.
A essência do poder soberano impede-o de estar sujeito à lei, principalmente em momentos excecionais.
Objetivo: localizar o estado de emergência (a exceção) numa teoria da soberania.
Soberania reside no subjetivismo (contra Kelsen).
O Estado schmittiano apresenta características hobbesianas:
1. Tem o monopólio da violência e da decisão;
2. É a única entidade que pode distinguir amigo do inimigo;
3. O Estado pode dispor arbitrariamente da vida dos súbditos para se conservar.
O principal propósito do Estado é manter a ordem e atingir a normalidade.
Estabilidade: em casos excecionais, só pode ser garantida pelo decisionismo.
Primado político
A vida humana não pode ser adequadamente apreendida por um conjunto de normas: há sempre algo que
escapa à lei e que torna vida incapturável pelo direito.
Ao contrário de Kelsen, Schmitt dirá que não existe primado da lei, mas primado do político.
Se se prescindir do elemento humano, como desejava o Kelsen, não seria possível responder à
imprevisibilidade das circunstâncias:
A lei deve estar sujeita à vontade do humano e não o seu inverso.
Interpretação histórica de Schmitt: o legislador omnipresente desparece no sec. XIX, dando lugar à
fragmentação do poder, divisão dos poderes e à ideia de que a soberania da lei devia prevalecer sobre a
soberania dos Homens.
Legitimidade democrática e legitimidade constitucional.
Schmitt procura reinstalar o elemento pessoal e tornar a soberania indivisível.
A ação política e legal tem necessária e irredutivelmente uma qualidade humana.
É a pessoa-soberano, perante a possibilidade de uma ordem jurídica entrar em crise, que trona a decisão
adequada para conservar e recuperar essa mesma ordem jurídica.
Dois problemas com o primado da lei:
1. Só é possível compreender a natureza de uma ordem jurídica através da compreensão da soberania,
que por sua vez só se revela no território da exceção;
2. Primado da lei conduz a um entendimento maquinal e burocrático do mundo, e a um gradual
esvaziamento do político.
Tarefa Schmitt é recuperar o lado humano da governação: repolitização do mundo.
Isto implica recuperar conceitos que a modernidade foi gradualmente sufocando nas suas teorias políticas,
através da mecanização do direito: em primeiro lugar, os conceitos de soberania e de autoridade
Emerge uma nova figura que decapita o monstro mecânico do Estado como aparato burocrático-normativo e
reumaniza a política: o ditador.
O Conceito do Político tem três versões (1927,1932,1933).
A segunda versão de 1932 tornou-se versão definitiva.
21/11/2023
John Rawls – Teoria da justiça
Contextualização da obra
o Nasceu em 1921, em Baltimore, nos EUA;
o Licenciou-se em Princeton, em 1942, e na dissertação de final de curso explorou a ideia de que a
desigualdade natural de capacidades não pode justificar moralmente a desigualdade na distribuição de
riqueza;
o Foi mobilizado para a 2ª Guerra Mundial, na qual teve uma crise de fé e se tornou ateu
o Conclui o doutoramento em 1950;
o Em 1962, começou a dar aulas em Harvard, onde ensinou grande parte dos principais filósofos morais
e políticos da contemporaneidade;
o Em 1971, publicou uma das obras centrais para o pensamento político e moral: Um Teoria da Justiça;
o Morreu em 2002, com 81 anos.
Poderes morais
Capacidade para discernir e agir de forma justa.
Além da racionalidade, os indivíduos agem de forma razoável: os indivíduos estão naturalmente dotados de
um sentido de justiça.
Daqui decorre a expressão de igualdade entre todos os indivíduos: todos eles são dotados de racionalidade e
de razoabilidade para agir de forma justa.
Segundo princípio
Alínea b) – Princípio da igualdade equitativa de oportunidades
Princípio da não discriminação perante a lei no acesso a empregos públicos ou privados (não-
discriminação de género, idade, sexo, etnia ou raça);
Implica, igualmente, que todos os cidadãos têm as mesmas condições efetivas para aceder a
determinada funções sociais, independentemente das condições económicas de partidas que lhes
calharam em sorte, isso exige:
Igualitarização da distribuição da riqueza, através de um sistema de compensações (tributação –
tributar os ricos por sorte, ou seja, nasceram assim);
Universalidade de acesso a serviços de educação.
Alínea a) – Princípio da diferença
Regra da justiça rawlsiana: se alguém melhorar a sua condição económica, ninguém pode sais prejudicado.
Rawls propõe critérios de justiça que rejeitam:
1. Ótimo de Pareto: o ótimo de Pareto atinge-se quando transferências mutuamente benéficas de
recursos são impossíveis (haverá sempre alguém a sair prejudicado)
2. Princípio da utilidade: é legitimo que alguém sai prejudicado, desde que a utilidade média ou total da
sociedade aumente
Também pode ser interpretada como uma exposição do «princípio da diferença». De que se trata?
O benefício de todos não se alcança segundo critérios paretianos ou utilitaristas;
O benefício de todos alcança-se através da maximização das condições sociais dos cidadãos que se
encontram numa situação pior.
Rawls introduz um critério distributivo à sua teoria da justiça: qualquer ganho (de todos ou só de alguns) só
pode justificar-se se garantir «o maior benefício» dos mais desfavorecidos.
Igualdade democrática: Rawls favorece uma interpretação dos princípios de justiça, que consiste em:
Primeiro princípio (das liberdades iguais para todos)
+
Primeira alínea do segundo princípio (da diferença)
+
Segunda alínea do segundo princípio (da igualdade equitativa de oportunidades)
A igualdade equitativa de oportunidades exige modificar a estrutura básica da sociedade: se os indivíduos são
igualmente livres, do ponto de vista formal, então é necessário corrigir os mecanismos redistributivos da
riqueza, para que essas liberdades se tornem, de facto, efetivas; a liberdade equitativa de oportunidades
corrige parcialmente a má sorte da lotaria social.
Porque se deve corrigir a lotaria social?
Os indivíduos não são moralmente responsáveis pelas circunstâncias socias de nascimento.
O princípio da diferença, ao contrário de princípios paretianos ou utilitaristas, permite corrigir a
distribuição aleatória de talentos naturais à nascença.
Rawls diz que a igualdade equitativa de oportunidades consegue corrigir parcialmente esse problema,
mas não retifica as desigualdades de rendimento e riqueza originadas pelas diferenças nas
características naturais: é aqui que o princípio da diferença entra em ação.
Rawls irá reescrever o segundo princípio de forma mais clara e menos ambígua no ensaio «Justice as Fairness»
(1985):
As desigualdades económicas e sociais só são moralmente aceitáveis, se:
a. Forem o resultado de uma igualdade de acesso a trabalhos e funções (igualdade equitativa de
oportunidades)
b. Beneficiarem os indivíduos mais desfavorecidos de uma sociedade (princípio da diferença)
Equilíbrio refletido
Reflexão filosófica em que confrontamos os nossos juízos sobre a justiça com os princípios que vão sendo
enunciados.
É necessário comparar os princípios de justiça com outros princípios, usualmente utilizados para justificar uma
sociedade bem-ordenada.
Assim, é necessário transitar para um argumento central ao pensamento rawlsiano: a posição original.
A posição original
Rawls considera que é a melhor situação para escolher os princípios de justiça adequados. No fundo, qual o
seu fundamento?
Imaginário filosófico do contratualismo que:
a) Não se trata de um acordo implícito ou tácito entre indivíduos;
b) A posição original é um argumento meramente contra factual (nunca aconteceu, mas podia ter
acontecido);
c) Não se deve confundir com o contratualismo clássico, pois a posição original é meramente hipotética.
No entanto, o argumento da posição original segue uma tradição contratualista especifica: a lockeana. Em
que sentido?
a) A faculdade de pensar moralmente é inerente ao indivíduo;
b) A moralidade não é o produto de uma racionalização instrumental, como com Hobbes.
S1 S2 S3
C1 100 95 90
C2 50 55 35
C3 25 30 31
Aplicando a regra maximin, em que sociedade seria preferível viver?
Mas a proposta de Rawls não se aplica a sociedades concretas e está enquadrada por outras três condições que
reforçam a regra maximin:
3. As partes aplicam esta regra para evitarem cair numa sociedade sujeita a princípios de justiça nada razoáveis (como a
existência da escravatura).
Contra o princípio da utilidade: o princípio da utilidade pressupõe a maximização da média daquilo que se pode obter.
Princípio maximin: maximizar o mínimo que se pode obter. Rejeita-se o utilitarismo porque os desfavorecidos podem
ficar numa posição pior do que se fosse aplicada a regra maximin.
1. Gera apoio dos cidadãos e garante estabilidade. - Ao contrário de uma sociedade utilitarista, em que, para garantir o
bem-estar médio, o bem-estar dos mais desfavorecidos pode ser ignorado, na sociedade rawlsiana existe um respeito e
apoio pelas instituições, uma cooperação mais ativa e estável.
2. Cada indivíduo pode desenvolver o seu plano de vida, em função da sua conceção de bem. - Ao contrário de uma
sociedade utilitarista, onde alguns indivíduos poderão não ter acesso aos recursos necessários para perseguirem um
determinado bem. Rawls diz-nos que isso possibilita o crescimento do respeito próprio.
Existe equidade de escolha na posição original e reciprocidade entre as partes. A esta conceção de justiça, que se
desenvolve na posição original, Rawls chama de «justiça como equidade».
SOCIEDADE BEM-ORDENADA
a. Rawls poderá ter sugerido um socialismo liberal (meios de produção socializados) ou uma democracia de
proprietários (meios de produção privatizados).
Rejeita, no entanto, o modelo do socialismo «real», porque anula o primeiro princípio da justiça, e modelos de
capitalismo de laissez-faire, porque atentam contra o segundo princípio de justiça.
No estado ultra-mínimo, os indivíduos podem resolver conflitos com as próprias mãos – estado de
insegurança, havendo desproporcionalidade das consequências. No estado mínimo, há a impossibilidade da
aplicação de justiça pelas próprias mãos pelos indivíduos. Apenas o Estado pode agir coercivamente.
Segunda questão: para alcançar o desígnio de justiça de Nozick (preservação e proteção dos direitos
individuais), não seria preferível um Estado mais extenso ao mínimo?
Nozick considera que um Estado-Mais-Do-Que-Mínimo atenta contra os direitos individuais de cada um
(porque atenta contra a liberdade como não-interferência) e, por isso, rejeita qualquer conceção de justiça
igualitária e, necessariamente, redistributiva (de recursos ou de bens sociais primários como em Rawls).
Assim, Nozick propõe uma alternativa às teorias da justiça distributiva.
Teoria da titularidade:
Nozick propõe uma conceção de justiça assente numa teoria de titularidade, em contraponto a uma teoria
distributiva, como é o caso da rawlsiana.
O elemento central da teoria da titularidade é a propriedade. Porém, em que circunstâncias é que os
indivíduos têm direitos de propriedade sobre os seus bens?
Para responder a essa questão, Nozick elabora três princípios, que configuram a sua teoria da titularidade.
Primeiro princípio: Princípio de justiça na aquisição:
Enquanto para Locke os recursos naturais encontram-se num estado de propriedade comum, Nozick afirma
que os recursos que se encontram na natureza para se apropriar não pertencem a ninguém. Isso significa que
a água do oceano atlântico, por exemplo, é propriedade de ninguém.
Assim, os indivíduos têm direitos legítimos de propriedade sobre algo, caso não inflijam os direitos individuais
de outrem.
A legitimidade da aquisição está, contudo, dependente de uma cláusula a que Nozick chama de “restrição
lockeana”.
Locke e seu princípio da suficiência estabelecem que é necessário deixar em quantidade e qualidade
suficientes em comum, para que os outros se possam apropriar desses recursos e misturar o trabalho com
eles.
Nozick, pelo contrário, não afirma que os recursos e a terra são originalmente propriedade comum, mas que,
pelo contrário, não pertencem originalmente a ninguém.
Assim, é criado uma “restrição lockeana” que determina que “ninguém fique numa situação pior do que
aquela originada pela apropriação”.
Segundo princípio: princípio de justiça na transferência:
Qualquer transferência de bens (contratos de compra e venda, doações, heranças) é legitima se respeitar os
direitos individuais. Logo, se for o resultado de um ato voluntário entre as diferentes partes. Transferências
involuntárias, como roubo ou fraude, são, por esta razão, ilegítimas, o roubo é uma transferência não
voluntária, então atenta contra o direito à liberdade, é ilegítimo.
Há assim uma conceção histórica de justiça: se uma aquisição ou transferência ocorridas no passado
respeitarem os princípios da teoria da titularidade, então são justas.
E caso não tenham cumprido os requisitos dos dois princípios?
Terceiro princípio: princípio da retificação das injustiças:
A propriedade de cada individuo só é moralmente legitima se decorrer de: uma justa aquisição e uma justa
transferência.
E, caso não tenham cumprido os requisitos do primeiro e do segundo princípio da titularidade, então é
considerada injusta. Então, como é possível retificar essa injustiça?
Se a injustiça tiver sido cometida recentemente, o sistema judiciário poderá dar conta do recado;
Se a injustiça tiver ocorrido há muito tempo (ex. apropriação colonial), Nozick sugere uma retificação (ex.
restituições históricas).
Contudo, surgem alguns problemas quanto ao princípio da retificação das injustiças:
1. A única forma de retificar totalmente uma realidade social construída sob inúmeras aquisições e
transferências injustas seria através de uma tabula rasa do presente político, restabelecendo uma
sociedade de absoluta igualdade como ponto de partida.
2. Uma retificação que exija um ponto de partida igualitário necessitaria de um Estado-Mais-Do-Que-
Mínimo, como Nozick chega a admitir. Isso colocaria em risco a sua proposta para uma teoria da justiça
libertarista.
Conceções de justiça:
As conceções de justiça de Nozick difere em diferentes frontes das conceções de justiça de Rawls e dos
utilitaristas.
Por um lado, Nozick apresenta uma conceção libertarista, baseada em princípios históricos. Por outro lado,
Rawls apresenta uma conceção liberal-igualitária, baseada em princípios teleológicos ou de resultados-finais.
Por fim, os utilitaristas apresentam uma conceção utilitarista, baseada em princípios teleológicos ou de
resultados-finais.
Contudo, o que significa princípios teleológicos ou de resultados-finais? No fundo, esses princípios
estabelecem que a justiça depende de uma estrutura de distribuição pré-definida.
Exemplos:
Utilitarismo – o princípio da utilidade especifica um determinado fim para a distribuição de recursos na
sociedade: maximizar o bem-estar médio na sociedade.
Rawls – segundo Nozick, também o princípio da diferença projeta um fim último para a distribuição de
recursos na sociedade: maximizar a posição dos mais desfavorecidos à partida.
Por outro lado, existem os princípios padronizados, que também podem ser princípios históricos, mas, ao
contrário da conceção de Nozick, definem que a justiça depende de um critério específico e excessivamente
rígido.
Exemplo: a cada um segundo x. x pode traduzir-se em “necessidades”, “mérito” ou qualquer outra alegada
virtude social ou moral. Segundo Nozick, as aplicações de princípios padronizados impõem uma distribuição
específica e independente das vontades maleáveis e diferentes de cada indivíduo.
Nozick defende princípios históricos, mas não-padronizados: “de cada um segundo escolhem, a cada um
segundo são escolhidos”.
O argumento Wilt Chamberlain:
Nozick utiliza este argumento para demonstrar sistemas de distribuição padronizados ou de resultado-final.
Assim é apresentado o encadeamento lógico do argumento Wilt Chamberlain.
1. Wilt Chamberlain é um jogador da NBA;
2. Chamberlain é um jogador muito popular;
3. Chamberlain acorda com a sua equipa que irá auferir 0.25$ por cada espetador que for ao pavilhão vê-
lo jogar, durante toda a temporada;
4. Cada vez que cada espetador compra um bilhete, deixa 0.25$ numa caixa com o nome Chamberlain;
5. No final da época, venderam-se 1.000.000 de bilhetes;
6. Assim, Chamberlain deveria receber $250.000$.
Tem Chamberlain direito a esse montante?
Na realidade política que conhecemos, sabemos que o Estado iria confiscar parte deste rendimento a
Chamberlain, sob a forma de impostos.
Para Nozick, essa taxação seria, literalmente, um roubo: o Estado estaria a interferir com os direitos de
propriedade de Chamberlain, limitando-os, apesar de o seu rendimento ter sido o resultado de uma
transferência entre indivíduos conscientes.
Segundo Nozick, este imposto sobre o rendimento seria uma forma de forçar Chamberlain a trabalhar em prol
de um sistema redistributivo.
Se aplicássemos princípios padronizados ou de resultado-final, este “roubo” que Nozick faz referência estaria
justificado moralmente, pois a redistribuição de recursos depende de a capacidade do Estado recorrer ao seu
braço fiscal.
Segundo Nozick, princípios de justiça padronizados ou de resultado-final implicam uma interferência do Estado
na esfera dos direitos individuais de cada indivíduo e, por isso, limitam a liberdade de cada um.
Liberdade e igualdade económica:
Para Nozick, o surgimento da desigualdade numa sociedade é natural e perfeitamente aceitável do ponto de
vista moral, pois:
D1: existe uma distribuição perfeitamente igualitária de bens e recursos;
D2: devido às transferências livres e voluntárias entre indivíduos, assistir-se-á ao nascimento da desigualdade.
Consequentemente, para Nozick, liberdade produz desigualdade, visto que a igualdade só pode ser garantida
pela interferência do Estado, isto é, pela ingerência do Estado na esfera dos direitos individuais.
Logo, se o Estado procurasse corrigir as desigualdades causada em D2 estaria a atentar contra a liberdade
individual.
A conceção de liberdade de Nozick é, assim, proprietarista e individualista.
Em Rawls, a conceção de “justiça como equidade” procurava garantir um amplo sistema de liberdades básicas,
alavancando os mais desfavorecidos através do princípio da diferença.
Enquanto para Rawls a redistribuição serve para maximizar a liberdade, Nozick vê na redistribuição a causa
para a minimização da liberdade.
Um enquadramento para a Utopia:
A utopia é um argumento introduzido na terceira e última parte de Anarquia, Estado e Utopia: com isso,
Nozick pretende reinterpretar o pensamento utópico.
Tradicionalmente, o pensamento utópico é comunitarista e muito crítico da noção de propriedade privada.
Logo, Nozick procura explorar uma faceta do pensamento utópico que seja individualista e contraste com o
socialismo utópico.
O Estado mínimo é visto como um enquadramento para a Utopia. Todas as utopias são possíveis, desde que os
direitos dos indivíduos sejam protegidos.
O Estado mínimo emerge como uma meta-utopia, um campo em aberto onde todas as criações políticas são
possíveis: sociedades liberais, comunas socialistas, mercados sem regulação. Todos podem conviver na mesma
arena internacional, desde que não atentem contra os direitos de cada indivíduo.
Rawls V. Nozick:
Rawls apresentou o princípio da diferença para tentar superar os inconvenientes do princípio da utilidade.
Segundo Nozick, Rawls cai na mesma armadilha que atribuía aos utilitaristas: o de não contemplarem nas suas
teorias a diferença entre indivíduos. Assim, Nozick afirma que Rawls procura coletivizar as características
naturais dos indivíduos, violando os seus direitos.
Para Nozick, Rawls trata os seus indivíduos mais talentosos como meios para alcançar um fim distributivo que
ajude os mais desfavorecidos.
Para Rawls, a distribuição de talentos naturais é arbitrária: ninguém fez nada ativamente para ser mais dotado
do que os outros e, por isso, ninguém deve ser recompensado por ser criativo, habilidoso, atlético ou
talentoso.
Por um lado, Nozick aceita que a distribuição de talentos naturais seja meramente arbitrária, mas esses
talentos são, de qualquer modo, propriedade do próprio indivíduo.
Como cada um é justo proprietário de si e do seu corpo, qualquer ingerência do Estado interfere com a auto-
propriedade e com os direitos individuais de cada um: qualquer ingerência do Estado é, por isso, injusta.
05/12/2023
MICHAEL SANDEL E MICHAEL WALZER
Conceção de justiça comunitarista
Os comunitarismos criticam os liberalismos modernos e radicais:
- Conceção de justiça liberal-igualitária de Rawls;
- Conceção de justiça libertarista de Nozick.
Porquê? Porque os liberalismos assentam no primado do indivíduo. Os comunitarismos consideram que a
conceção liberal de indivíduo é uma abstração: o indivíduo só é compreendido em toda a sua plenitude
quando se avaliam as suas interações sociais.
Comunitarismo pode ser forte ou suave:
- Comunitarismo forte: rejeitam a discursividade jurídica e a conceção de liberdades individuais;
- Comunitarismo suave: criticam os arranjos políticos do liberalismo, mas não rejeitam nem a discursividade
jurídica, nem o primado das liberdades dos indivíduos.
É sobre este último tipo de comunitarismo que nos iremos deter, especialmente na sua versão
contemporânea, inaugurada com a publicação, em 1982, de O Liberalismo e os Limites da Justiça, de Michael
Sandel.
A obra de Sandel representa uma perspetiva crítica dos comunitarismos aos liberalismos. A crítica de Sandel
diz que: Rawls está errado porque propõe uma conceção em que a justiça tem prioridade sobre o bem. Para
Sandel, o liberalismo deontológico de Rawls apresenta problemas de justificação e problemas substantivos.
Qual o problema substantivo da conceção de justiça de Rawls, na perspetiva de Sandel? Segundo Rawls, a
justiça é a «primeira virtude das instituições sociais».
Assim, a justiça não pode ser sacrificada para que se maximize ou outro bem social (ex: propriedade ou bem-
estar). O liberalismo rawlsiano é anti-consequencialista.
A crítica de Sandel a Rawls
Qual o problema quanto às justificações da conceção de justiça de Rawls, na perspetiva de Sandel? Os
princípios da justiça não definem uma conceção definitiva do bem a alcançar. A justiça não se justifica no
alcance ou na concretização de um determinado bem absoluto. O liberalismo rawlsiano é anti teleológico.
Segundo Sandel, o anti-consequencialismo e o anti-teleologismo de Rawls assentam numa conceção
metafísica da pessoa (a unidade do eu). Onde encontramos esta conceção? No argumento da posição original.
Rawls afirma que o indivíduo tinha dois poderes morais (racionalidade e razoabilidade), ou seja, que poderia
agir de forma justa e que poderia criar uma conceção de bem. Segundo Sandel, a teoria da justiça como
equidade desenvolve-se a partir desta conceção da natureza humana e tem como função exclusiva proteger os
poderes morais de cada um.
O que nos mostra a descrição de posição original? Uma conceção metafísica da pessoa:
- Pluralidade de bens individuais;
- Pessoas autónomas; - Negligência da interdependência entre sujeitos;
- As partes estão meramente preocupadas consigo mesmas e em maximizar as suas vantagens.
Sandel diz que é esta conceção de natureza humana que justifica que partes deliberem por princípios de
justiça que negam o bem comum e que têm «desinteresse mútuo».
Para Sandel, a sociedade que emerge da posição original é indesejável. Porquê? Porque Rawls acaba por
sacrificar a substantividade do bem aos princípios e aos processos que determinam o que é justo.
Como resolver este impasse? Uma primeira possibilidade seria recorrer ao argumento utilitarista rejeitado por
Rawls: a justiça não está nos princípios, mas nos fins alcançados. Mas Sandel não seguirá a proposta
utilitarista: propõe que se integre uma ideia de bem na conceptualização da justiça, mas esta ideia de justiça
não estará limitada à utilidade.
A premissa de Sandel parte da desconfiança em relação à conceção de natureza humana em que Rawls
fundamenta os princípios de justiça:
1. Os indivíduos não são absolutamente autónomos e independentes. Pelo contrário, os indivíduos estão
inseridos numa comunidade que os molda e enforma.
2. Os indivíduos não escolhem os seus fins. Pelo contrário, os indivíduos acabam por se submeter aos fins
disponíveis numa determinada comunidade.
3. Os indivíduos não têm uma natureza voluntarista. Os indivíduos constituem-se não só a partir das suas
vontades, mas principalmente através da interação com os outros membros da comunidade em que
estão inseridos.
Assim, ao contrário da crítica de Nozick a Rawls, que é projetada contra o segundo princípio da justiça, Sandel
discute o primeiro princípio (liberdades iguais para todos). Rawls considerava que a função do Estado era
garantir liberdades básicas para todos, agindo de forma neutral quanto às conceções de bem. Sandel, pelo
contrário, afirma que as liberdades só têm valor social se já comportarem uma conceção de bem.
Rawls: o justo tem prioridade sobre o bem. ≠ Sandel: o bem tem prioridade sobre o
justo.
Significa isto que o Estado, com Sandel, não pode ser neutral: a função do Estado é de promover certos bens
aos quais a comunidade atribuiu valor.
O comunitarismo de Michael Walzer
Enquanto o comunitarismo de Sandel pode resumir-se a uma crítica aos liberalismos, Walzer constrói um
argumento substantivo pelo comunitarismo, com a publicação de As Esferas da Justiça, em 1983. Ponto de
partida: a comunidade. A justiça só pode ser pensada em relação a esta realidade concreta: a justiça passa a
estar contextualizada.
Ao contrário de Rawls, com Walzer não temos um cabaz de bens sociais primários que devem ser distribuídos
em qualquer sociedade justa. Pluralidade de bens:
- Algo pode ser um bem para uma comunidade, mas pode não o ser para outra;
- Algo pode ser um bem para uma comunidade no presente, mas pode não ter sido um bem para a mesma
comunidade no passado;
- Os critérios de distribuição de um bem não existem a priori: dependem do valor dado pela comunidade a
esse mesmo bem.
Esferas da justiça
Walzer fala-nos de «esferas da justiça».
O que são?
- Cada esfera é composta por um bem ou por um conjunto de bens, tal como pelos critérios da sua
distribuição; - Todas as sociedades são compostas por uma pluralidade de esferas;
- As esferas são parcialmente autónomas, umas em relação às outras. Os sujeitos dependem das esferas da
justiça, i.e. dos bens e da forma como estes são distribuídos: os sujeitos são constituídos pelo contexto (escola,
dinheiro, reconhecimento, etc.)
Como se determina a comunidade e as suas fronteiras? A comunidade não é necessariamente determinada
pela homogeneidade cultural. É o poder político que desenha as fronteiras da comunidade. A comunidade
depende de um sentido partilhado sobre as esferas da justiça. Também pode ter diferentes configurações:
polis, cidade medieval, império. Atualmente, a comunidade expressa-se na figura do Estado moderno.
Esfera da qualidade dos membros da comunidade : trata-se do primeiro bem a distribuir, pois a distribuição
dos outros bens depende da qualidade atribuída a cada membro da comunidade. Cada comunidade define
quem pode ou não lhe pertencer, tal como o estatuto jurídico de cada membro (cidadão nacional, estrangeiro
residente, cidadão naturalizado, etc.) Segundo Walzer, cabe a cada comunidade definir os critérios de
admissibilidade de membros.
Esfera da segurança e previdência. Cada comunidade determina que tipo de assistencialismo social deve
providenciar aos seus membros, seja compensações para trabalhadores incapacitados ou serviços de saúde.
No caso dos serviços de saúde, nem todas as comunidades contemporâneas concordam quanto à forma de
distribuição desse bem: em Portugal, falamos de acesso universal e gratuito, algo que contrasta com os EUA
pré-Obamacare.
Esfera do dinheiro e mercadorias. O valor de uma mercadoria decorre das leis da oferta e da procura. Porém,
nem todas as comunidades concordam em relação aos bens que podem ser mercantilizados. Em Portugal, há
certas coisas que os membros da comunidade concordam que não devem ser comercializadas:
- Seres humanos;
- Poder político.
Mas para Walzer ainda existem demasiadas coisas que podem ser mercantilizadas, o que comporta riscos para
uma sociedade bem-ordenada.
Esfera dos cargos públicos e empregos. A distribuição de funções profissionais pode obedecer a critérios
diferentes, de comunidade para comunidade. Alguns cargos podem ser distribuídos de acordo com alguma
noção de mérito, ou por base nas qualificações. Outras comunidades podem preferir as redes de influência, a
ascendência de um candidato ou a sua etnia ou raça.
Esfera do poder político. O critério atualmente dominante nas sociedades ocidentais é o de distribuição de
poder político através de eleições baseadas no sufrágio universal. Contudo, nem sempre assim foi: um outro
critério dominante durante longos séculos foi o da hereditariedade. Seja qual for o critério usado, a esfera do
poder político tem particular importância: esta esfera desempenha uma função importante em determinar as
fronteiras das outras esferas.
A relação entre as várias esferas é inevitavelmente complexa:
- Se a esfera da graça divina invade a esfera do poder político, a sociedade está submetida a um regime
teocrático;
- Se a esfera do mercado invade a esfera do poder político, a sociedade está submetida a uma plutocracia.
A esfera do poder político pode assegurar a relativa autonomia das várias esferas, mas este equilíbrio é
sempre frágil.
Igualdade complexa
Walzer propõe dois conceitos que representam parcialmente as relações entre as diferentes esferas da justiça:
1. Monopólio
- Um indivíduo acumula e controla um determinado bem dentro de uma determinada esfera.
- Esta distribuição desigual de um bem não é necessariamente injusta (ex: alguém tem acesso a mais cuidados
de saúde porque está numa posição de maior necessidade).
Mas, geralmente, deter um monopólio de um bem significa que um indivíduo pode tirar partido do seu
carácter predominante.
2. Predominância
- Um indivíduo usa um conjunto de bens de uma esfera para tirar vantagens numa outra esfera.
O predomínio é injusto e moralmente injustificável porque implica passar por cima das fronteiras entre as
esferas da justiça. (Ex: alguém que detém o monopólio de um bem da esfera do mercado obtém vantagens na
esfera do poder político). Walzer sugere um critério distributivo geral: «Nenhum bem social X deverá ser
distribuído a homens e mulheres que possuam um bem Y, só por possuírem este último e sem ter em atenção
o significado daquele X»
Ao contrário de Rawls e Nozick, que defendem uma distribuição igualitária de determinados bens (igualdade
de bens sociais primários ou igualdade de liberdade), Walzer afirma que a desigualdade de distribuição de
certos bens em determinadas esferas é o mais justo. No lugar de uma «igualdade simples», como aquela que
encontramos em Rawls e Walzer, Walzer propõe uma «igualdade complexa»: um indivíduo pode ter mais
vantagens numa esfera, desde que essas vantagens não sirvam para retirar benefícios numa outra esfera.
A injustiça não está no monopólio de um bem, mas quando esse monopólio origina predomínio.
Relativismo cultural?
A injustiça encontra-se na ausência de uma «igualdade complexa». Mas quem determinada o modo como um
determinado bem pode ser distribuído numa determinada esfera? Segundo Walzer, as esferas da justiça não
podem ser pensadas a partir de um ponto de vista abstrato: cabe a cada comunidade, em cada momento,
determinar que critério de distribuição é mais ou menos justo.
Não existe, assim, um ponto de vista universal em relação à justiça: a justiça depende da sua circunstância,
mas podemos procurar uma base de entendimento moral comum.