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Universidade Federal de Minas Gerais

Disciplina: História da Filosofia Contemporânea I

Tarefa: Primeiro Trabalho (opção 2)

Aluna:

Iris Murdoch, em seu livro “A soberania do bem", desenvolve suas concepções sobre
como deve ser conceituado o “Bom” ou "Bem''. Em tal obra há uma grande crítica ao
behaviorismo, ao determinismo e ao utilitarismo, posições que colocam em xeque o
pensamento desgarrado da ação e por vezes compreendem o bem como algo para além do
tangível e já determinado. A autora, por sua vez, compreende a ideia de ato ético como uma
trajetória interior de atenção ao cenário do horizonte moral, que resulta em uma nova
compreensão de que fatores são relevantes para o cenário moral vigente.

Em linhas gerais, a autora defende a possibilidade de uma mudança puramente interna


de pensamento e visão do cenário moral, que ocorre sem que haja alteração no mundo
externo, sendo desvinculada da ação, apesar de ainda consistir em uma mudança de estados
mentais que se dá pela atenção às operações mentais próprias.

A título de exemplo, suponhamos dois indivíduos que tinham um relacionamento


amoroso. Certo dia um destes indivíduos se viu na necessidade de acabar com a relação
existente, chamemo-lo de “terminante”. O terminante, após findar o relacionamento com o
outro indivíduo (que será chamado de “terminado”) resolve que se afastará completamente do
terminado, a fim de evitar o estímulo de algo que já não lhe cabe mais. O fato real está
decidido, um não se encontrará mais com o outro e tanto o terminante quanto o terminado
agirão a partir daquele momento com uma indiferença mútua no que tange o seu
comportamento externo, não irão falar um do outro, não irão alimentar nenhuma forma de
contato e agirão como se nunca sequer tivessem se conhecido. No tocante a suas operações
mentais, porém, ambos mantêm-se bastante ocupados um do outro. O terminante inicialmente
está convicto de que tomou a melhor das decisões. Já o terminado, apesar de não demonstrar,
se encontra completamente em negação, sem conseguir compreender porque as coisas
tiveram de acabar daquela forma. O tempo, porém, passa e junto dele os juízos internos se
desenvolvem e a reflexão mental se proliferam. Ambos seguem em indiferença em relação
um ao outro no que tange seu comportamento, trabalham da mesma forma que sempre, saem
com seus amigos, nem sequer comentam da existência do relacionamento passado, mas
mentalmente pensam sempre sobre a situação em que se encontram. O terminado passa a
perceber que de fato, não havia outra solução além de um fim controlado e calmo, ao refletir
mais sobre a pessoa que esteve com ele, mesmo que não mais em contato, às qualidades
saltam em sua mente, percebe que se foi como foi, é porque era necessário. A revolta e
negação dão espaço para a aceitação e o respeito, a atenção voltada para o afeto ao outro e
não para a crítica de suas ações permite que o terminado supere, não por esquecer o
terminante, mas pelo surgir de novos fatos relevantes do horizonte moral, pela atenção
empregada na compreensão do outro a partir do olhar afetivo, não preconceituoso e reflexivo.

O terminante por sua vez, passa a prestar mais atenção nas coisas que pensava em
construir com o terminado, suas atitudes não mudam e o contato com o terminado não é
restabelecido, mas mentalmente seus pensamentos atentos o mostram um novo horizonte
antes não visto, de que a sua jornada com o terminado foi precocemente interrompida pela
falta de atenção em fatos que agora se tornam relevantes, a certeza abre espaço para a dúvida
e o alívio se torna culpa, nenhuma atitude ou nova entrada de estímulos foi dada, porém a
atenção aos fatos morais relevantes fez com que os dois indivíduos trocassem de posição,
invertendo a concepção do que cada um acreditava ser correto ou bom. Creio que este
exemplo é absurdamente potente devido a capacidade de demonstrar que a atenção para com
os fatos morais internos pode não apenas levar a uma mudança positiva do horizonte moral,
como também a uma mudança negativa. No caso o terminado aprendeu a lidar com sua
frustração e fortaleceu sua capacidade de enxergar o outro para além de sua concepção linear
de mundo, já o terminante afundou-se em uma reflexão enviesada o que acabou por colocá-lo
em uma posição na qual, mesmo que externamente nada tenha sido alterado em suas atitudes,
suas operações mentais quando observadas atentamente levaram-o a uma conclusão pouco
satisfatória.

Murdoch compreende a ideia de bem como um ato de reflexão interna que não
necessariamente afeta a atitude do indivíduo no mundo externo, mas sim é baseada em uma
jornada introspectiva de atenção ao olhar afetuoso para com o mundo. Para a autora o bem
não pode ser definido como algo fora do mundo e estável, mas se assim pudesse ele se
aproximaria fortemente do conceito de “amor”. O bem é abdicar-se do ponto de vista do “eu”
em prol da revisão atenta da conjuntura de um mundo.

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