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AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA DECISÃO EXTRA-PETITA

PROFERIDA EM AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA DECISÃO EXTRA-PETITA PROFERIDA EM AÇÃO


DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Pareceres - Wambier | vol. 1 | p. 241 | Set / 2012
DTR\2012\450758

Luiz Rodrigues Wambier

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: Este parecer analisa o cabimento de ação rescisória contra decisão proferida em ação de
prestação de contas, em situação em que a decisão rescindenda configurava julgamento extra petita,
incorreu em erro de fato e violou dispositivos de lei concernentes à legitimidade da parte e à vedação
ao enriquecimento sem causa.

Palavras-chave: Direito processual civil - Ação rescisória - Prestação de contas -. Indices de


correção monetária de caderneta de poupança - Julgamento extra petita - Erro de fato - Violação a
literal dispositivo de lei - Vedação ao enriquecimento ilícito.
Résumé: Este parecer analiza la cabida de acción rescisoria contra decisión pronunciada en acción
de demostración de cuentas, en situación en que la decisión que se pretende rescindir configuraba
juicio extra petita, por haber incurrido en error de hecho y violación de dispositivos de ley
concernientes a la legitimidad de la parte y a la prohibición de enriquecimiento sin causa.

Mots-clés: Derecho procesal civil - Acción rescisoria - Demostración de cuentas - Indices de


corrección monetaria de la caja de ahorros - Juicio extra petita - Error de hecho - Violación a literal
dispositivo de ley - Prohibición de enriquecimiento ilícito.
Sumário:

- 1.Resumo da situação que ensejou a presente consulta - 2.Dos vícios de que o padece o
pronunciamento de mérito no caso em análise - 3.A violação aos arts. 128 e 460 do CPC: julgamento
extra petita - 4.Caracterização do erro de fato, a partir dos elementos do caso concreto constantes
dos autos: a conta poupança n. 29.873-8, objeto do pedido, foi aberta apenas no ano de 1995 - 5.A
violação aos arts. 3.º e 267, VI, do CPC: a ilegitimidade passiva do banco Itaú - 6.A violação ao art.
884 do CC/2002 e art. 6.º da MedProv 168/1990: enriquecimento sem causa do autor - 7.Conclusão

LEGISLAÇÃO E DISPOSITIVOS LEGAIS UTILIZADOS:

Código Civil (LGL\2002\400) de 2002: art. 884;

Código de Processo Civil (LGL\1973\5): arts. 3.º, 128, 267, VI, 460, 485, V;

MedProv 168/1990: art. 6.º.


1. Resumo da situação que ensejou a presente consulta

Em agosto de 2000, Carlos Nicoletti ajuizou, contra o banco Itaú S.A., ora consulente, ação de
prestação de contas relativamente à conta poupança n. 29873-8, que mantinha junto à agência 0207,
pedindo que o réu apresentasse a respectiva movimentação financeira a partir de 1987 e
esclarecesse os critérios de correção monetária utilizados.

Segundo o autor, teria ele sofrido flagrante prejuízo em razão das alterações decorrentes dos Planos
Econômicos Bresser (julho/1987), Verão (janeiro/1989) e Collor (março/1990).

Nessa primeira fase da ação de prestação de contas, o pedido foi julgado procedente.

Deu-se início, então, à segunda fase da ação.

Vieram aos autos o extrato da conta poupança objeto da lide, ou seja, da conta n. 29873-8, bem
como (injustificadamente) de outras a que o pedido não fazia referência.

Foi, também, realizada prova pericial que, ao final, concluiu por existir a favor do autor um crédito de
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Cr$ 916.868,32, referente à conta poupança n. 28.237-7, a qual, segundo o perito, não recebera, em
função do Plano Collor, toda a correção monetária que seria devida. O índice de 84,32%, referente
ao IPC de março de 1990 (e que, segundo o perito, seria aquele que deveria incidir no caso), teria
sido aplicado apenas sobre o saldo em cruzeiros (até Cr$ 50.000,00) e não sobre a integralidade da
quantia que, à época, estava depositada, que seria de Cr$ 1.137.367,55.

Após manifestação das partes, foi proferida sentença que julgou procedente o pedido do autor e
boas as contas apresentadas pelo Perito.

Contra a sentença foi interposto recurso de apelação, que restou improvido. Seguiu-se recurso
especial, que não foi conhecido, de maneira que se operou o trânsito em julgado do pronunciamento
de mérito em junho de 2007.

Já se iniciou a fase de cumprimento de sentença, tendo o réu sido intimado, nos termos da Lei
11.232/2005, para, em 15 dias, pagar a quantia de R$ 1.280.020,27, sob pena de incidência da multa
de 10% e penhora.

O banco Itaú S.A. consulta-nos a respeito da existência, ou não, de vícios no pronunciamento de


mérito proferido nessa ação de prestação de contas, aptos a ensejarem o ajuizamento de ação
rescisória.

Com base nos documentos que nos foram apresentados,1 entendemos que o pronunciamento de
mérito padece de vícios graves e que é viável o manejo da ação desconstitutiva do art. 485 do CPC
(LGL\1973\5), como a seguir se exporá com mais vagar.
2. Dos vícios de que o padece o pronunciamento de mérito no caso em análise

Por pelo menos quatro fundamentos, a ação rescisória, no caso sob exame, é meio adequado de
impugnação. São eles:

a) o pronunciamento de mérito é nulo porque extra petita. A condenação baseou-se em suposta


diferença de correção monetária relativa à conta poupança n. 28.237-7, quando o pedido do autor se
dirige apenas e unicamente à conta poupança n. 29.873-8 (art. 485, V c/c art. 128 e 460 do CPC
(LGL\1973\5));

b) o juiz incorreu em erro de fato (art. 485, IX do CPC (LGL\1973\5)) porque reputou existente
diferença de correção monetária decorrente do Plano Collor, de março/1990, em conta poupança
que foi aberta apenas no ano de 1995 (fato esse que, embora perceptível pela própria prova
constante dos autos, não foi apreciado pelo juiz);

c) há violação à literal disposição de lei porque o banco Itaú S.A. é parte ilegítima para responder por
diferenças de correção monetária decorrentes do Plano Collor, conforme entendimento que, à época
da sentença proferida na 2.ª fase da ação de prestação de contas, já se encontrava pacificada pelos
tribunais superiores (art. 485, V, c/c art. 3.º e 267, VI, do CPC (LGL\1973\5));

d) o pronunciamento de mérito violou a regra que veda o enriquecimento sem causa, uma vez que
nenhuma diferença de correção monetária é devida, tal como reconhecido pelo STF, que pacificou o
entendimento de que o índice aplicável para os valores bloqueados em função do Plano Collor, é o
BTNF (art. 485, IX c/c art. 884 do CC e art. 6.º da MedProv 168/1990).

Passamos, em seguida, a analisar cada uma dessas situações separadamente.


3. A violação aos arts. 128 e 460 do CPC: julgamento extra petita

O pedido formulado pelo autor na petição inicial da ação de prestação de contas, objeto desta
consulta, restringiu-se aos lançamentos realizados na conta poupança n. 29.873-8 (f. 02). Nada se
disse, nem se pediu, com relação a lançamentos efetuados em contas poupança diversas. Em
momento algum, portanto, houve a formulação de pedido acerca da prestação de contas relativa à
conta poupança n. 28.237-7.

O fato de o pedido formulado na petição inicial não se referir especificamente à conta poupança n.
28.237-7 é reconhecido na sentença. Com efeito, às f. 347, relata-se que o autor propôs a ação de
prestação de contas “requerendo que seja apresentado a movimentação financeira a partir doPágina
ano de
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1987 até o presente, dizendo quais os critérios de correção monetária utilizada em sua carteira de
poupança n. 29.873-8 no banco requerido” (grifos nossos).

A sentença, porém, ultrapassando os limites traçados pela pretensão formulada na petição inicial,
julgou boas as contas apresentadas pelo perito, relativas à conta poupança n. 28.237-7 que, como
visto, não integrava a lide na medida em que não foi objeto do pedido formulado pelo autor.

Proferiu-se, portanto, claro julgamento extra petita: decidiu-se além do que foi pedido pelo autor ao
propor a demanda.

Daí ser perfeitamente viável, no presente caso, o manejo da ação rescisória, por violação aos arts.
128 e 460 do CPC (LGL\1973\5). Justamente porque, como leciona Barbosa Moreira, “será
rescindível, v. g., a sentença que, ao arrepio do preceito insculpido no art. 128, julgue ultra petita ou
extra petita”.2

Como se sabe e expressamente determinam os arts. 128 e 460 do CPC (LGL\1973\5),3 a pretensão
do autor delimita o âmbito da decisão. A resposta jurisdicional a ser dada na sentença, portanto,
vincula-se integralmente ao pedido do autor, em obediência ao princípio da correlação ou
congruência.

É por isso que, nas palavras de Ovídio A. Baptista da Silva, “cada demanda terá uma configuração
peculiar, com a estrutura que o autor lhe emprestou”,4 de modo que ao proferir a sentença, dando
solução à lide, o Juiz deverá pronunciar-se tão somente sobre o que foi expressamente pleiteado
pelo autor, ao propor a demanda.

A respeito do assunto, Liebman já ensinava que “sempre é a parte que indica o objeto do processo,
de modo que o juiz não pode pronunciar-se além dos limites do pedido, nem sobre exceções que
exclusivamente pelas partes possam ser propostas (princípio da correspondência entre o pedido e o
decidido)”,5 sendo incontestável que a concessão de providência que condena o Réu ao pagamento
de valores decorrentes de lançamentos efetuados em conta não mencionada pelo autor está fora dos
limites traçados no momento da propositura da demanda.

Essa obrigatoriedade decorre do princípio da congruência, segundo o qual o dispositivo da sentença


deve guardar integral correspondência com o pedido do autor. Isso ocorre porque, em obediência ao
princípio dispositivo, “é a demanda que define o objeto do processo, ou ‘objeto litigioso do processo’,
em torno do qual será exercida a jurisdição em cada caso concreto, ao juiz não sendo lícito
desconsiderá-lo, ampliá-lo por iniciativa própria ou pronunciar-se acerca de outro objeto”.6

E nem poderia ser diferente, sob pena de ofensa direta à garantia constitucional da ampla defesa e
do contraditório. De fato, “o réu há de ter, para que possa defender-se, certa dose de previsibilidade”,
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sendo evidente que a decisão que desborde dos limites da lide impede a plena atividade das partes
em contraditório, ensejando o nascimento de decisão claramente dotada de nulidade absoluta. Por
essa razão é que os arts. 128 e 460 do CPC (LGL\1973\5) preveem a necessidade de correlação
entre a sentença e o pedido, sendo defeso o conhecimento de questões a cujo respeito exija-se a
iniciativa das partes.

A respeito do assunto, Teresa Arruda Alvim Wambier já teve a oportunidade de afirmar: “Há
necessidade de ação rescisória (desconstitutiva), ainda que se trate de nulidades de pleno direito,
absolutas, ou ipso jure, porque as sentenças de mérito nulas produzem coisa julgada material e é
esta coisa julgada que terá de ser desconstituída”.8 Por isso é que, após transitada em julgado a
sentença eivada de nulidade, é possível impugná-la por meio do ajuizamento de ação rescisória.

Observe-se, ainda, que não se está, aqui, negando a possibilida-de de formulação de pedido
genérico em ação de prestação de contas. Entendemos, contudo, que essa “generalidade” refere-se,
tão somente, aos lançamentos ocorridos na conta cuja prestação se pleiteia. Ou seja, uma vez
definida expressamente pelo autor uma única conta sobre a qual deverá recair a prestação de
contas, é evidente que somente os lançamentos relativos a essa conta poderão ser considerados no
momento da prolação da sentença da 2.ª fase da ação.

Por essa razão, tratando-se de evidente nulidade, por ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC
(LGL\1973\5), o manejo da ação desconstitutiva se apresenta cabível e adequado, configurada que
está a hipótese do art. 485, V, do CPC (LGL\1973\5). Página 3
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Digno de nota ainda, é que, se eventualmente, no curso do processo, a instrução acabou por abordar
fato alheio àquele objeto da lide, e se tal passou despercebido pelo juiz e não foi oportunamente
alegado pelas partes, não há que se pretender afirmar que, por isso, teria existido pedido onde
pedido não existe. No momento de julgar, necessariamente, o juiz deveria ter corrigido os rumos do
processo, julgando aquilo que foi objeto da pretensão. Se não o fez, o vício persiste e pode e deve
ser corrigido pela via da ação rescisória.
4. Caracterização do erro de fato, a partir dos elementos do caso concreto constantes dos
autos: a conta poupança n. 29.873-8, objeto do pedido, foi aberta apenas no ano de 1995

O texto do art. 485, IX, do CPC (LGL\1973\5), fixa que o erro de fato, para o fim de autorizar a
rescisão da coisa julgada, precisa ser, antes de tudo, “resultante de atos ou de documentos da
causa” (inc. IX). Além disso, caracterizado estará tal erro apenas quando “a sentença admitir um fato
inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido” (§ 1.º). Para tanto, num
ou noutro caso, será indispensável que não tenha havido “controvérsia nem pronunciamento judicial
sobre o fato” (§ 2.º).

Em outras palavras: (a) o erro de fato é aquele diretamente verificável a partir do exame dos próprios
autos, não se admitindo a produção de provas para evidenciá-lo; (b) teria sido outro o resultado do
processo se o juiz não tivesse tido a equivocada percepção do que constava dos autos; (c) não deve
ter havido amplo debate entre as partes a respeito do fato; (d) o juiz não pode ter emitido juízo de
valor a respeito do fato. Conforme Sérgio Rizzi, “deve ser erro de percepção e não de critério
interpretativo do juiz”.9

É o que ocorre no presente caso, segundo entendemos, com base nos documentos que nos foram
apresentados.

A sentença expressamente reconheceu como boas as contas elaboradas pela perícia, constantes às
f. 329 a 335 dos autos de ação de prestação de contas.

Se, porém, tivesse o julgador atentado para o fato de que a conta foi aberta apenas em 1995,
posteriormente, portanto, à edição da medida provisória que deu origem ao Plano Collor, não teria
determinado a incidência de correção monetária decorrente desse plano econômico.

Esse equívoco cometido pelo órgão judicial, por evidente, é “apurável mediante o simples exame dos
documentos e mais peças dos autos”. Para constatá-lo, basta voltar os olhos para os extratos da
conta poupança do autor, constantes às f. 189/201 dos autos.

Como se pode observar desses documentos (e como reconhecido pela perícia realizada nos autos) a
conta foi aberta em 1995, não havendo, por evidente, a possibilidade de incidência da correção
monetária devida em março de 1990.

De outro lado, não houve amplo debate entre as partes a respeito desse fato, nem manifestação
judicial.10

Daí o cabimento da ação rescisória, com base no inc. IX do art. 485 do CPC (LGL\1973\5), ante a
evidente caracterização do erro de fato presente na sentença, ao desconsiderar um fato que ressalta
dos autos e imprescindível ao julgamento de improcedência dos pedidos: a data de abertura da
conta poupança em período posterior àquele pleiteado pelo autor.
5. A violação aos arts. 3.º e 267, VI, do CPC: a ilegitimidade passiva do banco Itaú

O art. 6.º da MedProv 168/1990 (por meio da qual foi instituído o Plano Brasil Novo - “Plano Collor I”
e deu origem à Lei 8.024/1990) determinou, quanto às contas de poupança, a conversão do valor de
NCz$ 50.000,00 na data do primeiro aniversário e, em seu art. 9.º, mandou transferir ao Banco
Central do Brasil os saldos não convertidos, obrigando as instituições financeiras a manterem
cadastros individualizados em nome do titular de cada operação (parágrafo único do mesmo art. 9.º).

Houve, então, a cisão das cadernetas de poupança em dois grupos distintos: as quantias superiores
a NCz$ 50.000,00 e as inferiores. Em relação às quantias inferiores ao limite, que ficaram
depositadas nas instituições financeiras, o critério para correção permaneceu o da Lei 7.730/1989
(pelo IPC).
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Os recursos transferidos ao Banco Central do Brasil, por sua vez, passaram a render (desde a data
da transferência) correção monetária diária pelo BTNF mais 6% ao ano de juros (art. 6.º, § 2.º, da
MedProv 168/1990). Portanto, quando o autor buscou as diferenças entre a BTNF e o IPC, somente
podia estar se referindo aos valores que foram transferidos ao Banco Central do Brasil.

Como se percebe, em todas essas situações, os ativos financeiros em cruzados novos (quer, antes,
fossem remunerados ou não; quer tivessem renda variável, fixa, ou aleatória) existentes na data da
edição da MedProv 168/1990, a partir da sua transferência para o Banco Central do Brasil, passaram
a receber a mesma e idêntica remuneração (BTN diária + 6% ao ano).

Consequentemente, a partir de 15.03.1990, o único devedor do depositante, tanto em relação ao


principal, como no tocante aos juros e correção monetária, passou a ser o Banco Central, perante
quem eventual direito deve ser reclamado. Tal constatação fica mais evidente ainda para as contas
de poupança que tinham o aniversário na segunda quinzena.

Por essa razão, somente o Banco Central do Brasil é parte legítima para compor o polo passivo de
ações relativas ao Plano Collor I, entendimento esse que já foi pacificado pelo STJ em 2001, ao
julgar os EDiv 167.544/PE. Seguiram-se, depois, inúmeras outras decisões:

a) “A E. Corte Especial deste Tribunal, ao julgar os EREsp 167.544/PE, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ
09.04.2001, pacificou o entendimento de que apenas o Banco Central do Brasil, por ser a instituição
responsável pelo bloqueio dos ativos financeiros (cruzados novos) e gestor da política econômica
que implantou o chamado “Plano Brasil Novo”, é parte passiva legítima ad causam. Ilegitimidade
passiva das instituições bancárias privadas” (STJ, AgRg no AgIn 875.674/SP, j. 02.08.2007, rel. Min.
José Delgado - grifos nossos).

b) “Quanto à alegação de ilegitimidade passiva, assiste razão à CEF. Com efeito, a atualização
monetária dos valores bloqueados que existiam em virtude de contrato firmado entre depositante e
banco depositário passou a ser obrigação conferida a quem efetivamente competia gerir o montante
indisponível, isto é, o Banco Central. Assim, resta prejudicada a análise acerca dos índices a serem
aplicados aos valores depositados em caderneta de poupança por ocasião do Plano Collor” (REsp
531.491/SP; 2.ª T.; j. 05.12.2006, rel. Min. Humberto Martins - grifos nossos).

c) “O Bacen é parte legítima para responder pelos valores depositados em caderneta de poupança a
partir do bloqueio dos cruzados em março de 1990. Precedentes do STJ” (REsp 863.063/BA; 2.ª T.; j.
19.10.2006, rel. Min. Humberto Martins - grifos nossos).

d) “Cisão da caderneta de poupança (MedProv 168/1990). Parte do depósito foi mantido na conta de
poupança junto à instituição financeira, disponível e atualizável pelo IPC. Outra parte - excedente de
NCz$ 50.000,00 - constituiu-se em uma conta individualizada junto ao Bacen, com liberação a
iniciar-se em 15.08.1991 e atualizável pelo BTN Fiscal” (STF, RE 206.048-8/RS, j. 15.08.2001, rel.
Min. Marco Aurélio).

e) “A E. Corte Especial deste Tribunal, ao julgar os EREsp 167.544/PE, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ
09.04.2001, pacificou o entendimento de que apenas o Banco Central do Brasil, por ser a instituição
responsável pelo bloqueio dos ativos financeiros (cruzados novos) e gestor da política econômica
que implantou o chamado “Plano Brasil Novo”, é parte passiva legítima ad causam. Ilegitimidade
passiva das instituições bancárias privadas” (REsp 555.048, 1.ª T., j. 09.10.2003, rel. Min. José
Delgado).

Tomamos o cuidado de transcrever essas decisões do STJ - órgão uniformizador da interpretação


das leis federais - para destacar que, à época em que proferida a sentença na 2.ª fase da ação de
prestação de contas, a discussão a respeito da ilegitimidade das instituições financeiras já estava
superada.

Essa observação é importante porque afasta a incidência que eventualmente se pretenda fazer da
Súmula 343 ao caso. Com efeito, o texto da Súmula diz: “não cabe ação rescisória por ofensa a
literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais”.

Para evitar que com base nessa súmula se pretenda pôr em dúvida a admissibilidade da ação
rescisória no presente caso, é que já demonstramos que a questão, quando do julgamento da ação
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de prestação de contas sob exame, não era mais objeto de controvérsia no plano jurisprudencial.

Além disso, a Súmula 343, conforme Teresa Arruda Alvim Wambier já teve oportunidade de opinar,11
compromete o princípio da isonomia e o da legalidade, do mesmo modo que ocorria com a Súmula
400 (MIX\2010\2124) do STF, que vem sendo cada vez menos invocada pelos Tribunais Superiores.

Por essa razão, reputamos cabível a ação rescisória também por ofensa à regra prevista no art. 267,
II, do CPC (LGL\1973\5).
6. A violação ao art. 884 do CC/2002 e art. 6.º da MedProv 168/1990: enriquecimento sem causa
do autor

Segundo expusemos no item anterior, o banco Itaú é parte ilegítima para a causa. Por isso, a
sentença proferida contra a instituição financeira padece de vício que desafia o ajuizamento de ação
rescisória. Mesmo, porém, que não se venha a entender nesse sentido - o que se põe para
argumentar - ainda assim a ação rescisória é cabível, no caso sob exame, por força de outra
ilegalidade, que diz respeito ao enriquecimento sem causa do autor.

Com efeito, ao condenar o banco Itaú à devolução de valores resultantes da correção monetária pelo
IPC, no período de março de 1990, a sentença rescindenda também violou o art. 884 do CC/2002
(LGL\2002\400), que veda o enriquecimento sem causa. Ainda, violou o art. 6.º da MedProv
168/1990, que determinou a incidência da BTNF sobre os valores mantidos em contas de poupança.

Com efeito, há enriquecimento sem causa quando ocorre o aumento do patrimônio de alguém, sem
justificativa correspondente. Essa é a lição de Orlando Gomes: “há enriquecimento ilícito quando
alguém, a expensas de outrem, obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que tal
vantagem se funde em dispositivo de lei ou em negócio jurídico anterior. São necessários os
seguintes elementos: (a) o enriquecimento de alguém; (b) o empobrecimento de outrem; (c) o nexo
de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; (d) a falta de causa ou causa injusta”.12

É o que ocorre como resultado do pronunciamento rescindendo.

Destacamos que o STF pacificou o entendimento no sentido de que o índice aplicável para os
valores bloqueados em função do Plano Collor é o BTNF, não havendo que se falar na aplicação do
IPC. Com efeito, no julgamento do RE 206.048/RS, aquela C. Corte entendeu constitucional o § 2.º
do art. 6.º da Lei 8.024/1990, que determina, em síntese, a correção dos saldos das cadernetas de
poupança pela BTNF.13

Da mesma forma, a Corte Especial do E. STJ, no julgamento do EREsp 168.599/PR, entendeu que o
índice a ser aplicado seria a BTNF.

Por essa razão é que ao se determinar a incidência de outros índices, a decisão enseja o
enriquecimento sem causa do autor, em evidente violação, não só ao art. 6.º da Lei 8.024/1990, mas
ao art. 884 do CC/2002 (LGL\2002\400). Também por esse fundamento, portanto, é cabível a
propositura da ação rescisória.14

E, porque a questão já se encontrava pacificada à época da sentença proferida nos autos da ação de
prestação de contas, também não há que se pretender, nesse ponto, fazer incidir a Súmula 343 para
barrar a admissibilidade da ação rescisória.
7. Conclusão

Com base nos documentos que nos foram apresentados, concluímos pelo cabimento da ação
rescisória, no caso sob análise, sob os seguintes fundamentos:

a) a violação à literal disposição de lei (art. 485, V, CPC (LGL\1973\5)), em razão da ofensa aos arts.
128 e 460 do CPC (LGL\1973\5);

b) o erro de fato com base no qual foi proferida a sentença (art. 485, IX, do CPC (LGL\1973\5));

c) a violação a literal disposição de lei, relativa à regra prevista nos arts. 3.º e 267, VI, do CPC
(LGL\1973\5);
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d) a violação a literal disposição de lei, consistente na ofensa ao art. 884 do CC/2002


(LGL\2002\400) e art. 6.º da MedProv 168/1990.

Destacamos que nenhum desses fundamentos implica reexame de provas, ou seja, nova análise do
poder de convencimento das provas que foram produzidas na ação originária, o que é vedado no
âmbito da ação rescisória. É claro que o Tribunal, na ação rescisória, terá que voltar seus olhos para
a prova constante dos autos da ação originária, para detectar o erro de fato, por exemplo, mas não
para corrigir erro na formulação do juízo de valor que se tenha feito na ação originária.

É nossa opinião.

Curitiba, 26 de Novembro de 2007.

1 Cópias das principais peças da ação de prestação de contas.

2 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). 11.
ed. Rio de Janeiro: Forense: 2003. p. 131.

3 “Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de
questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte. Art. 460. É defeso ao juiz
proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

4 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e coisa julgada (Ensaios e pareceres). 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. p. 137.

5 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Trad. e notas de Cândido Rangel
Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985. vol. 1, p. 146.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. O conceito de mérito em processo civil. Fundamentos do processo


civil moderno. São Paulo: Ed. RT, 1986. p. 186.

7 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2007. p. 298. Ressalte-se, ainda, que a mesma autora defende que, com relação à sentença que
decidiu acerca de pedido inexistente, pode-se afirmar tratar-se, em verdade, de sentença inexistente.
Por essa razão, esse vício poderia ser alegado, até mesmo via embargos à execução ou
impugnação, tal como é possível alegar-se a falta de citação que, assim como o pedido, é
pressuposto de existência do processo: “Sem que haja um pedido, formulado diante de um juiz, em
face de um réu (potencialmente presente, ou seja, citado) não há, sob o ângulo jurídico,
propriamente um processo. Claro que uma sentença de mérito proferida nestas condições e neste
contexto é, por “contaminação”, sentença juridicamente inexistente, que jamais transita em julgado”
(MEDINA, José Miguel Garcia; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. O dogma da coisa julgada -
Hipóteses de relativização. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 28-29 (grifos nossos).

8 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de
estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 277.

9 Ação rescisória. São Paulo: Ed. RT, 1979. p. 120.

10 Segundo Eduardo Talamini, “É indispensável que não tenha havido controvérsia entre as partes
nem específico pronunciamento judicial sobre o fato em questão. (…) Se as partes debateram
amplamente sobre a existência de um dado fato, isso já não permite dizer que o juiz incidiu em mero
erro de fato ao considerá-lo existente ou inexistente. (…)”. Ainda, segundo Talamini, “se o juiz
enfrentou diretamente a questão, deixando claro haver deliberadamente assumido uma posição
acerca da existência ou inexistência do fato, já não se poderá falar em erro de fato autorizador da
rescisória” Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 190.

11 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Controle das decisões judiciais por meio de recursos Página
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AÇÃO RESCISÓRIA CONTRA DECISÃO EXTRA-PETITA
PROFERIDA EM AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

estrito direito e de ação rescisória. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que
é uma decisão contrária à lei? São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 283 e ss.

12 GOMES, Orlando. Obrigações. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 250.

13 “As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação
do BTN Fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de rendimentos e a data da conversão,
acrescidas de juros equivalente a 6% (seis por cento) ao ano ou fração pro rata”.

14 É importante ressaltar que é inaplicável, à ação rescisória, a exigência do prequestionamento,


conforme bem salienta, dentre outros, Eduardo Talamini. Op. cit. p. 159.

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