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A IMPUGNAÇÃO DOS REGULAMENTOS ILEGAIS

174. O Problema da Impugnação Contenciosa dos Regulamentos


Ilegais
A Administração elabora constantemente numerosos regulamentos. Alguns
deles ilegais, porque violam a lei que visam executar ou que define a
competência para a sua emissão.
Há basicamente três sistemas conhecidos:
a) O primeiro é o sistema da não impuganibilidade dos
regulamentos: Foi o sistema que vigorou durante muito tempo, quando
não existia ainda o Estado de Direito: se o poder executivo decretava
regulamentos ilegais, os particulares não podiam fazer outra coisa senão
cumpri-los.
b) O segundo sistema é o da impugnação directa: segundo o qual os
regulamentos ilegais são directamente impugnáveis perante o
contencioso administrativo, tal como se de actos administrativos se
tratasse. É um sistema que é positivo do ponto de vista do Estado de
Direito, mas que tem o inconveniente de levar a uma grande sobrecarga
de trabalho no Tribunais Administrativos, podendo causar grave
embaraço à eficiência da acção administrativa.
c) Concebeu-se um terceiro sistema: neste, não se admite o recurso
directo do regulamento para o Tribunal Administrativo: os regulamentos
ilegais não são impugnáveis directamente perante o Tribunal. Mas,
quando chegar o momento de um regulamento ilegal ser aplicado a um
caso concreto por intermédio de um acto administrativo, então permite-se
ao particular prejudicado com essa aplicação recorrer do acto
administrativo que aplicou o regulamento, invocando como fundamento
desses recurso a ilegalidade do regulamento. Neste Tribunal, se
considerar que o regulamento é ilegal, não anula o regulamento, apenas
não o aplica; e anula o acto administrativo, na medida em que aplicou
um regulamento ilegal.

175. Solução Actual no Direito Português


A lei começa por fazer uma distinção entre regulamentos exequíveis por si
mesmo, e regulamentos só exequíveis através de um acto concreto de
aplicação (acto administrativo ou acto jurisdicional).
Quanto aos regulamentos exequíveis por si mesmos, ou seja, quanto
àqueles regulamentos que podem ofender os direitos ou os interesses dos
particulares só pelo simples facto de entrarem em vigor, permite-se a
impugnação directa.
Quanto aos outros, aqueles que só ofendem os particulares quando
aplicados por acto concreto, consagra-se o sistema da não aplicação, mas
acrescentando um elemento muito importante: se qualquer Tribunal, em três
casos concretos, considerar ilegal um regulamento, a partir daí o regulamento
pode ser impugnado directamente junto do Tribunal Administrativo.
O sistema actual assenta numa dupla distinção:
- Entre regulamentos directamente exequíveis e regulamentos não
directamente exequíveis, por um lado;

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- Entre dois meios processuais, o recurso dos regulamentos e a
declaração de ilegalidade de normas regulamentares, por outro.
Com base nesta distinção, o legislador regulou duas formas de impugnação
de regulamentos: o recurso e o pedido de declaração de ilegalidade.

176. Pressupostos Processuais


Somente os Tribunais Administrativos de Círculo têm competência (art.
51º/1-e ETAF). Mas a declaração de ilegalidade tanto pode ser feita pelos
Tribunais Administrativos de Círculo (art. 51º/1-e ETAF), como pelo Tribunal
Central Administrativo (art. 40º-c ETAF).
Para haver recorribilidade do regulamento, também aqui são exigíveis,
mutatis mutandis, os requisitos que se viu sobre a recorribilidade dos actos
administrativos: para se impugnar contenciosamente um regulamento é
necessário que ele seja proveniente de um acto externo, definitivo e executório.
Qualquer particular pode impugnar regulamentos quando “seja prejudicado
pela aplicação da norma ou venha a sê-lo, previsivelmente, em momento
próximo” (arts. 63º e 66º/1 LPTA). Não existe aqui, pois, o requisito do
interesse directo ou actual: o interesse pode ser reportado a uma lesão futura,
desde que previsível e próxima.
O Ministério Público também pode impugnar qualquer regulamento ilegal
(art. 63º LPTA). Quando tenha conhecimento de três decisões de quaisquer
Tribunais, transitado em julgado, que recusem a aplicação de um norma
regulamentar com fundamento na sua ilegalidade, o Ministério Público
impugnará obrigatoriamente esse regulamento junto do Tribunal competente
(art. 66º/1 LPTA).
A impugnação de regulamentos ilegais pode ser feita “a todo o tempo”, ou
seja, independentemente do prazo (art. 63º LPTA).
Não se pense, todavia, que isto equivale a considerar todo o regulamento
ilegal como ferido de nulidade. Embora possa haver regulamentos nulos, a
regra geral é a da anulabilidade, embora com um regime jurídico diferente do
da anulabilidade dos actos administrativos.
O pedido de declaração da ilegalidade de normas regulamentares não
directamente exequíveis está ainda sujeito a um pressuposto processual
específico: a prévia ocorrência de três decisões judiciais de não aplicação
concreta de norma regulamentar (art. 40º-c e 51º/1-e ETAF).

177. Marcha do Processo


A LPTA organizou dois tipos de processos para a impugnação de
regulamentos:
a) Os recursos
b) Os pedidos de declaração de ilegalidade.
Os recursos estão regulados nos arts. 63º a 65º LPTA, e os pedidos de
declaração de ilegalidade nos arts. 66º a 68º LPTA.
Os recursos seguem os termos dos recursos dos actos administrativos de
órgãos da administração local (art. 64º/1 LPTA); e os pedidos de declaração
de ilegalidade de normas regulamentares não directamente exequíveis,
seguem a mesma tramitação que seria aplicável a mesma tramitação dos
recursos (art. 24º-a 64º/1 68º LPTA); de normas regulamentares não
directamente exequíveis – a forma de tramitação que seria aplicável se

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estivesse em causa o recurso de um acto administrativo praticado pelo autor da
norma regulamentar (arts. 24º e 67º LPTA).
Especialidades do art. 64º LPTA:
- Eventual dispensa da citação do autor da norma;
- Publicidade;
- Apensação dos processos relativos à mesma norma.

178. Efeitos da Decisão de Provimento


Se o regulamento ilegal for objecto de um recurso e este obtiver decisão de
provimento, o regulamento é anulado ou declarado nulo ou inexistente,
conforme o tipo de invalidade que o afectasse. Mas em caso de anulação, esta
não tem efeitos retroactivos: ao contrário do que sucede com a anulação
contenciosa dos actos administrativos, a anulação de um regulamento ilegal só
produz os seus efeitos para o futuro, respeitando (sem os destruir) os efeitos
produzidos no passado.
Se o regulamento for objecto de um pedido de declaração de ilegalidade,
a decisão de provimento declara, com força obrigatória geral, a ilegalidade da
norma, mas também não tem, por via de regra, eficácia retroactiva (art. 11º/1
ETAF), a menos que o Tribunal, por razões de equidade ou de interesse
público de excepcional relevo, resolva, em decisão “especificamente
fundamentada”, conferir eficácia retroactiva à sentença (art. 11º/3 ETAF).

179. Impugnação de Regulamentos da Competência do Tribunal


Constitucional
Em regra, os regulamentos administrativos ilegais são impugnados perante
os Tribunais Administrativos. Todavia, há três casos especiais em que a
impugnação da legalidade de regulamentos administrativos é feita perante o
Tribunal Constitucional. Como resulta do art. 281º CRP, tais casos são os
seguintes:
a) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional,
com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da
República (n.º 1-c);
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado
dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de
uma região consagrados no seu estatuto (n.º 1-d).
c) O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer
norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em
três casos concretos (n.º 3).

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