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Direitos Fundamentais

Noção e natureza dos direitos fundamentais e de direitos


humanos
3.1 Caracterização positiva: permissão, utilidade ou vantagem. Existem
duas abordagens doutrinárias clássicas em
A noção jurídica adotada assume um caráter
relação a direitos subjetivos: a objetivista,
globalizante e está alinhada com a natureza
que se concentra na proteção de interesses,
sinônima das expressões "Direitos
bens, utilidades ou fins pela ordem jurídica,
Fundamentais" e "Direitos Humanos".
e a subjetivista, que enfatiza a vontade, o
Tanto os Direitos Fundamentais quanto os
poder da vontade ou os efeitos da vontade.
Direitos Humanos são entendidos como
Na construção jurídica adotada, os direitos
posições jurídicas ativas reconhecidas tanto
subjetivos são compreendidos como uma
em âmbito nacional quanto internacional,
manifestação da vontade e estão
cujo propósito principal é proteger a
relacionados às ideias de dignidade,
dignidade da pessoa humana. Esses direitos
autonomia e liberdade individual. Essa
são considerados direitos subjetivos,
abordagem destaca a importância da
públicos e individuais, especialmente em
vontade como um elemento central na
relação ao poder estatal, e secundariamente
conceção de direitos subjetivos.
em relação à comunidade. Além disso, eles
são vistos como direitos de origem natural,
positivados, tipificados, negativos, 3.1.2 Direitos Publico:
determinados, preceptivos, incondicionados
Os Direitos Fundamentais e os Direitos
e passíveis de serem objeto de ações
Humanos são considerados direitos
judiciais.
subjetivos públicos, o que significa que são
direitos que podem ser exigidos das
3.1.1 Direitos subjetivos
autoridades governamentais, tanto a nível
nacional quanto internacional. Eles não são
Os Direitos Fundamentais e os Direitos
apenas limites ao poder estatal, mas sim
Humanos são considerados direitos
direitos que demandam ação ou omissão
subjetivos, o que significa que representam
por parte do poder.
uma posição jurídica ativa que envolve
poder, faculdade, vontade, liberdade,
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No entanto, a simples vantagem para o humana, o que também implica que eles se
indivíduo não é suficiente para que um aplicam apenas a indivíduos.
direito subjetivo público exista; é necessário
que haja a capacidade real de exigir o Em resumo, esses direitos são estritamente
cumprimento desse direito, de forma não direcionados para pessoas, excluindo coisas,
reflexa ou acidental. animais e, em última instância, até mesmo
Esses direitos têm características especiais plantas ou certos tipos de plantas.
em comparação com outros direitos
subjetivos públicos, porque derivam do
3.1.4 Direitos
Direito Natural e têm como base a defesa paradigmaticamente frente ao
da dignidade da pessoa humana. Eles não poder
estão sujeitos à decisão discricionária das
Os Direitos Fundamentais e os Direitos
autoridades, mas sim à sua declaração ou
Humanos são, essencialmente, direitos que
enunciação.
protegem os indivíduos em relação ao
poder, seja ele o poder do Estado ou o poder
A noção de direito subjetivo público pode
da Comunidade Internacional. Eles
abranger direitos, liberdades e garantias,
garantem liberdades pessoais e protegem
com ênfase nos direitos. Além disso, os
contra interferências do poder. No entanto,
Direitos Fundamentais e os Direitos
essa proteção não pode ser absoluta e deve
Humanos não são apenas direitos de defesa
ser equilibrada com a necessidade de um
negativos, mas também incluem direitos de
governo democrático e o bem da
participação e intervenção no poder, tanto a
comunidade. A ideia de que esses direitos
nível interno quanto internacional.
são trunfos incondicionais contra o poder
deve ser rejeitada, pois apenas uma parte
3.1.3 Direitos Individuais: deles pode ser considerada trunfos
Os Direitos Fundamentais e os Direitos verdadeiros. Além disso, essa abordagem
Humanos pertencem exclusivamente a desconsidera a importância da soberania
indivíduos, não a grupos ou organizações, popular e dos princípios democráticos, e

sejam eles locais ou internacionais. No caso pode resultar em uma forma de ditadura.
dos Direitos Humanos, isso ocorre devido à Em resumo, a proteção dos Direitos
sua inerente natureza humana, que não se Fundamentais e dos Direitos Humanos
aplica a entidades coletivas. No que diz deve ser equilibrada com a necessidade de
respeito aos Direitos Fundamentais, sua governança democrática e o bem comum.
base distintiva é a dignidade da pessoa

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3.1.5 Direitos acessoriamente primeira fase ao converter direitos naturais
face à comunidade: em Direitos Fundamentais, enquanto a

Os Direitos Fundamentais e os Direitos segunda fase ocorreu após a Segunda

Humanos representam, em certa medida, Guerra Mundial, com o surgimento dos

posições jurídicas ativas para os indivíduos Direitos Humanos em nível internacional.

em relação aos demais. Isso remonta às


suas raízes como direitos naturais dos No entanto, a simples proclamação desses

indivíduos em um estado primitivo, onde o direitos não é suficiente; eles precisam ser

poder ainda não estava presente. Essa ideia formalizados, reduzidos a escrito e

está ligada a um princípio fundamental de integrados em textos normativos

liberdade e autonomia da vontade dos vinculativos, que podem ser tanto de

indivíduos. natureza nacional (no caso dos Direitos


Fundamentais na Constituição) quanto
3.1.6 Direitos de origem natural internacional (tipicamente em tratados ou,
em casos excecionais, em declarações que
Os Direitos Fundamentais e os Direitos
criam costumes internacionais).
Humanos têm suas raízes filosóficas no
Direito Natural, que é uma ideia pré-
3.1.8 Direitos Tipificados
positiva. No Direito Natural, eles são vistos
como oriundos de uma fonte divina, Os Direitos Fundamentais e os Direitos

inicialmente, e posteriormente como Humanos não podem ser apenas

resultantes de uma ordem racional do mencionados de forma genérica; eles

universo, em uma perspectiva secular. Em exigem uma identificação específica de cada

resumo, esses direitos têm uma base direito individual e, de preferência, a

filosófica que transcende o contexto jurídico categorização estruturada à qual

positivo. pertencem. Essa categorização pode variar


em níveis de detalhamento, podendo ser
específica e detalhada em algumas
3.1.7 Direitos Positivados:
situações e mais exemplificativa em outras,
mas sempre requer uma tipificação clara.
Os Direitos Fundamentais e os Direitos
Humanos são direitos que são estabelecidos
em documentos legais. Eles podem ser
3.1.2 Direitos Negativos

positivados pelo Direito Constitucional,


pelo Direito Internacional ou por ambas as Os Direitos Fundamentais e os Direitos

fontes. As Revoluções Liberais marcaram a Humanos são essencialmente direitos

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negativos. Isso significa que, do ponto de requisitos essenciais para essa aplicação.
vista de quem detém esses direitos, eles Eles tornam possível a intervenção direta e
representam principalmente liberdade e imediata na esfera dos indivíduos, sem a
autonomia em relação ao poder. Do ponto necessidade de ação jurídico-política
de vista do poder ou autoridade, eles subsequente. Em resumo, esses direitos só
impõem um dever de não agir, um dever de existem quando é possível aplicá-los
não interferir e um dever de abstenção, diretamente sem mediação adicional.
correspondendo a uma liberdade ao titular
desses direitos. 3.1.2 Direitos vinculativos

3.1.2 Direitos determinados Os Direitos Fundamentais e os Direitos


Humanos têm natureza vinculativa, o que
Os Direitos Fundamentais e os Direitos significa que eles impõem obrigações tanto
Humanos são direitos que precisam ser ao poder público quanto aos indivíduos
claramente definidos. Isso significa que as privados. Eles conferem aos titulares ativos
normas relacionadas a eles, seja na o direito de exigir um comportamento
Constituição ou no âmbito internacional, específico, embora em graus e contextos
devem ser determinadas ou, no mínimo, distintos, tanto do poder público quanto dos
determináveis. Isso implica que esses sujeitos privados.
direitos não podem ser vagos ou
dependentes de regulamentação adicional, 3.1.2 Direitos incondicionados
atos legislativos comuns ou outros tratados
para serem considerados Direitos Os Direitos Fundamentais e os Direitos
Fundamentais ou Direitos Humanos. Eles Humanos são considerados direitos
precisam ser altamente ou incondicionados, o que significa que sua
maioritariamente determinados em suas aplicabilidade não depende de quaisquer
definições. mecanismos externos, seja no âmbito
constitucional ou internacional. Eles são
3.1.2 Direitos precetivos vinculativos para o legislador ordinário no
âmbito interno e para os órgãos que
Os Direitos Fundamentais e os Direitos elaboram normas internacionais no âmbito
Humanos estabelecem direitos que devem internacional.
ser cumpridos. A exigência de tipificação e
a necessidade de determinação são os

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Esses direitos não podem ser escolhidos
com base em critérios políticos ou Por fim, os Direitos Fundamentais e os
partidários, e não podem ser negados Direitos Humanos encontram sua base
devido a restrições financeiras. Portanto, fundamental na dignidade da pessoa
eles não estão sujeitos a reservas de humana. A dignidade da pessoa humana é
decisões políticas ou de sustentabilidade o elemento distintivo que singulariza esses
financeira. direitos em relação a outros direitos
subjetivos públicos, conferindo-lhes uma
3.1.2 Direitos justificáveis qualificação excecional. Ela é a
característica central que torna esses

Os Direitos Fundamentais e os Direitos direitos únicos no contexto dos direitos

Humanos devem ser sujeitos a jurisdição, o subjetivos públicos.

que significa que é necessário ter garantias


legais para sua aplicação. Não se pode a) relevância
conceber direitos subjetivos, mesmo que
não sejam necessariamente direitos A dignidade da pessoa humana é uma
públicos, como Direitos Fundamentais ou condição essencial para a existência e
Direitos Humanos, se não houver garantia persistência dos Direitos Fundamentais e
jurídica. Essa garantia jurídica, em sua dos Direitos Humanos. No entanto, nem
essência, envolve a garantia de acesso a um todos os direitos têm uma relação
tribunal para a proteção desses direitos. semelhante com a dignidade.

No entanto, não é necessário ter uma Os Direitos Fundamentais e os Direitos


garantia absoluta ou garantia de acesso Humanos são aqueles que se relacionam
direto a um tribunal especializado para diretamente e intrinsecamente com a
cada um desses direitos. Uma proteção dignidade da pessoa humana. A dignidade
excessiva poderia levar à negação da da pessoa humana exige seu respeito
existência dos Direitos Fundamentais em absoluto, tanto pelo poder quanto pelos
grande parte dos Estados e à completa outros indivíduos, e exige a defesa e
inexistência dos Direitos Humanos proteção dessa dignidade. No entanto, essa
internacionais. dignidade não implica necessariamente a
promoção dos direitos sociais, que devem
3.1.2 Direitos fundados na ser uma escolha comunitária, em vez de

dignidade da pessoa humana uma imposição ideológica.

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A dignidade da pessoa humana é um diferenças regionais, nacionais ou culturais
princípio presente em várias constituições e é inaceitável.
tratados internacionais, e coloca o ser
humano como o fim principal do Estado, da Esse conceito de dignidade não é estático;
Comunidade Internacional e do Direito. A ele evolui com a sociedade e reage aos
dignidade é anterior e superior a todas desafios contemporâneos e riscos em
essas entidades, e sua violação pode levar à relação aos Direitos Fundamentais e aos
declaração de injustiça jurídica. Em Direitos Humanos. A dignidade é concreta e
resumo, a dignidade da pessoa humana é não abstrata, variando em seu conteúdo
fundamental para qualificar o Estado, a entre diferentes Estados e no contexto
Comunidade Internacional e a ordem internacional.
jurídica positiva.
No que diz respeito ao conteúdo, a noção de
b) morfologia dignidade da pessoa humana é baseada na
ideia de que cada ser humano tem uma

A dignidade da pessoa humana, embora importância intrínseca e é um fim em si

parcialmente indeterminada ou mesmo, de acordo com a filosofia de Kant.

indeterminável, serve como fundamento Isso implica que ninguém deve ser tratado

essencial dos Direitos Fundamentais e dos como um meio ou um instrumento para os

Direitos Humanos. No entanto, ela não se fins de outros, sejam eles indivíduos,

configura como um direito subjetivo por si grupos ou Estados. Violar a dignidade

só, pois falta-lhe a especificação necessária. humana ocorre quando alguém é degradado

Ela é um conceito minimalista que à condição de objeto, em vez de ser tratado

representa um denominador comum dos como um fim em si mesmo.

valores inerentes a todos os seres humanos,


independentemente de sua localização ou c) cessação
momento na história.
A dignidade da pessoa humana, embora
A dignidade da pessoa humana é um ponto seja de excecional relevância nos Direitos
de foco universal dos Direitos Fundamentais e nos Direitos Humanos,
Fundamentais e dos Direitos Humanos, não tem limites. Em primeiro lugar, a
sendo restrita a regiões ou nações dignidade pode ser renunciada
específicas. Portanto, qualquer tentativa de voluntariamente, uma vez que a dignidade
negar a dignidade humana com base em é um fundamento de direitos de liberdade e,
portanto, a liberdade prevalece sobre a
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dignidade. A renúncia à dignidade é 3.2. Caracterização Negativa:
possível desde que seja incondicional e
reversível, da mesma forma que a renúncia
Os Direitos Fundamentais e os Direitos
à liberdade é permitida.
Humanos não possuem muitas das
características normalmente associadas a
Além disso, a dignidade da pessoa humana
eles. Eles não são universais, nem
pode ser perdida devido ao comportamento
universalistas, uma vez que cidadãos
do próprio indivíduo. Embora todos nasçam
estrangeiros, apátridas e pessoas com
com a mesma dignidade, a igualdade real
diferentes nacionalidades podem ter
no exercício dessa dignidade depende das
direitos limitados, dependendo da
ações individuais. A perda de dignidade
legislação interna e internacional. Também
pode resultar na perda de direitos pessoais,
existem relativismos culturais que afetam a
garantias penais e processuais penais, e até
interpretação desses direitos.
mesmo na perda de direitos políticos.
Esses direitos não são absolutos,
intangíveis ou invioláveis. Todos os Direitos
O respeito pela dignidade não pode exigir
Fundamentais e Direitos Humanos podem
que indivíduos absolutamente indignos
ser restritos e ponderados em certas
recebam o mesmo tratamento dado aos
situações, seja devido a direitos
dignos, em nome do princípio da igualdade
concorrentes ou ao interesse público. Em
e da necessidade de tratar de forma
algumas circunstâncias, esses direitos
diferente o que é diferente. Portanto,
podem ser violados, seja pelo titular dos
inimigos absolutos da comunidade humana
direitos ou por terceiros.
e da dignidade pessoal não merecem
Eles não são permanentes, vitalícios ou
respeito ou proteção da sua dignidade.
irrenunciáveis. As Constituições e o Direito
Internacional podem mudar ao longo do
É também desproporcional e inexigível
tempo, levando a alterações nos direitos.
condicionar toda uma comunidade pacífica,
Além disso, esses direitos podem ser
interna e internacional, para preservar os
revogados por meio de intervenção
direitos de liberdade de uma pequena
sancionatória do poder. Como ancoram na
minoria de inimigos da dignidade dos
liberdade individual, também podem ser
indivíduos que a compõem.
livremente renunciados.
Esses direitos não são necessários para um
Estado de Direito, um Estado democrático
ou um Estado social. Alguns países

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democráticos não possuem Constituições O fundamento estruturante dos Direitos
que consagram esses direitos, e estados Humanos e dos Direitos Fundamentais é a
altamente desenvolvidos em direitos sociais dignidade da pessoa humana. Essa
podem apenas estabelecê-los em legislação, dignidade é necessária para a existência de
em vez de suas Leis Fundamentais. qualquer um desses direitos, mas a
valoração dessa dignidade é diferente para

6. Hierarquia e a prevalência dos os direitos de liberdade e os direitos sociais.


Os direitos de liberdade são verdadeiros
direitos humanos e dos direitos
direitos subjetivos públicos, enquanto os
fundamentais
direitos sociais são considerados
expectativas de direitos.
1. O Direito Internacional dos Direitos Portanto, é necessário um esforço
Humanos e o Direito Constitucional dos doutrinário para hierarquizar esses
Direitos Fundamentais fazem parte de um Direitos Fundamentais e Direitos
único ordenamento jurídico, embora as Humanos, principalmente com o aumento
posições jurídicas ativas públicas que os do seu universo. Isso ajudaria a evitar a
compõem não estejam no mesmo plano insegurança jurídica resultante do uso
hierárquico, nem sigam os mesmos excessivo da ponderação de bens e
princípios, regimes ou relevâncias promoveria a determinação de limites e
valorativas. restrições por poderes com legitimidade
Essas posições jurídicas originam -se de democrática, em vez de Tribunais, como o
fontes de direito distintas, internas e Tribunal Constitucional.
internacionais, localizadas em níveis
hierárquicos diferentes. Além disso, são
6.1Hierarquia entre direitos
enquadradas por princípios diferentes, com
humanos e direitos fundamentais
os direitos de liberdade sujeitos a princípios
distintos dos direitos sociais.
Os Direitos Humanos são parte da ordem
Os regimes jurídicos para esses dois grupos
jurídica de Portugal, mas não devem ser
de posições jurídicas ativas públicas são
confundidos com os Direitos Fundamentais.
opostos, com os direitos de liberdade
Os Direitos Fundamentais têm origem na
apresentando exequibilidade, vinculação,
Constituição, enquanto os Direitos
restrição e justicialidade, enquanto os
Humanos vêm do Direito Internacional. A
direitos sociais têm um tratamento
supremacia dos Direitos Humanos sobre os
diferente.
Direitos Fundamentais é inquestionável, e

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isso resulta de normas imperativas de que podem ser exigidos judicialmente,
Direito Internacional chamadas de ius enquanto os direitos sociais não vão além
cogens. de expectativas de direitos futuros e
A Carta de Direitos Fundamentais da eventuais. Portanto, tanto nos Direitos
União Europeia também prevalece sobre os Humanos quanto nos Direitos
Direitos Fundamentais, embora essa Fundamentais, a hierarquia entre os
supremacia não esteja explicitamente direitos civis ou pessoais e os direitos
mencionada em nenhum texto. Além disso, políticos, de um lado, e os direitos
a Constituição de Portugal torna a econômicos, sociais e culturais, de outro, é
Declaração Universal dos Direitos clara.
Humanos um parâmetro interpretativo Mesmo se considerássemos ambos os tipos
superior ao próprio texto constitucional. de direitos como verdadeiros direitos
No entanto, nem todos os Direitos subjetivos, a hierarquia permaneceria
Humanos têm o mesmo status de ius inalterada. Isso ocorre porque os bens
cogens, e a supremacia sobre os Direitos jurídicos subjacentes a esses direitos são
Fundamentais é mais evidente nos direitos distintos, e a liberdade (direitos civis e
civis e políticos do que nos direitos pessoais) é mais relevante do que a
econômicos, sociais e culturais. Quanto à solidariedade (direitos sociais) e a
legislação ordinária, a supremacia dos democracia (direitos políticos) é mais
Direitos Humanos é clara, mas os Direitos importante do que a solidariedade, não
Fundamentais só se originam na podendo esta última comprometer a
Constituição, não havendo hierarquia entre liberdade ou a democracia.
eles e a legislação infraconstitucional
interna.
6.3. Hierarquia entre direitos

6.2 Hierarquia entre direitos civis e político, e direitos

humanos e direitos fundamentais económicos, sociais e culturais

de liberdade, e direitos humanos


A prevalência dos Direitos Humanos civis e
e direitos fundamentais sociais políticos sobre os Direitos Humanos
econômicos, sociais e culturais decorre da
Os direitos de liberdade têm prioridade natureza jurídica distinta desses direitos.
sobre os designados direitos sociais em Os primeiros são considerados direitos
todas as situações. Isso ocorre porque os subjetivos públicos internacionais,
direitos de liberdade são direitos subjetivos refletindo uma personalização do indivíduo

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que é incontestável na atualidade. a funções públicas. No confronto entre
Enquanto isso, os segundos, presentes no direitos civis e direitos políticos, a
Pacto Internacional sobre os Direitos hierarquia é evidente.
Econômicos, sociais e Culturais, são mais É notável que um instrumento
tenuemente definidos como expectativas de internacional importante focado nos
direitos potenciais e futuros. direitos civis não menciona explicitamente
o direito à propriedade privada ou à
6.4. Hierarquia entre direitos iniciativa privada, devido a razões políticas
civis e direitos político que remontam à Guerra Fria e à clivagem
entre perspetivas liberais e coletivistas
Neste contexto dos Direitos Humanos, é
desse direito.
importante hierarquizar os direitos civis e
políticos. Primeiramente, destacam-se os 6.5. Hierarquia entre direitos,
direitos civis que são inalienáveis, incluindo
liberdades e garantias, direitos
o direito à vida, à integridade pessoal, à
de natureza análoga, e direitos
personalidade jurídica, à liberdade e o
económicos, sociais e culturais
direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião. Em seguida,
No contexto dos Direitos Fundamentais, a
encontram-se outros direitos civis
Constituição portuguesa estabelece uma
fundamentais, como o direito ao nome, à
clara supremacia dos direitos, liberdades e
nacionalidade, à liberdade e segurança,
garantias sobre os direitos económicos,
garantias penais e processuais, honra, vida
sociais e culturais. Essa diferenciação é
privada, domicílio e correspondência.
evidente em diversos aspetos:
Posteriormente, há direitos civis que
envolvem aspetos coletivos ou exercício
1. Os direitos, liberdades e garantias e os
tendencialmente coletivo, como o direito à
direitos económicos, sociais e culturais têm
família, ao casamento e sua dissolução, o
bases diferentes em termos de princípios.
direito de reunião e associação, bem como a
Os primeiros respondem a princípios como
liberdade de circulação e emigração,
universalidade, igualdade,
embora em menor medida.
proporcionalidade, confiança,
Por fim, no que diz respeito aos direitos
responsabilidade e proteção. Enquanto os
políticos, estão o direito de sufrágio
segundos se limitam aos princípios de
eleitoral e referendário, o direito de
universalidade e igualdade.
participação na gestão pública através de
representantes eleitos e o direito de acesso

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2. Os direitos, liberdades e garantias 1. Os direitos pessoais não suspensíveis em
possuem um regime jurídico oposto ao dos nenhuma circunstância, incluindo o direito
direitos económicos, sociais e culturais, à vida, integridade pessoal, identidade
abrangendo diferentes forças jurídicas, pessoal, liberdade de consciência e religião,
restrições ao exercício dos direitos, modelos capacidade civil, irretroatividade da lei
de suspensão do exercício de direitos, auto- criminal, direito de defesa dos arguidos e
tutela e reserva legislativa, além de uma direito à cidadania.
construção simétrica no âmbito da revisão
constitucional. 2. Outros direitos pessoais, como liberdade
e segurança, relacionados com prisão
3. Os direitos que são análogos aos direitos, preventiva, aplicação da lei criminal,
liberdades e garantias, sejam eles pessoais limites de penas e medidas de segurança,
ou políticos, estão diretamente relacionados habeas corpus, garantias de processo
com esses direitos e, portanto, também criminal, extradição e expulsão,
superam os direitos económicos, sociais e desenvolvimento da personalidade, reserva
culturais. da intimidade da vida privada,
inviolabilidade do domicílio e da
Em resumo, a Constituição de Portugal correspondência, bom nome e reputação,
estabelece uma hierarquia clara em que os direito à imagem, direito à palavra e direito
direitos, liberdades e garantias são à adequada utilização da informática.
superiores aos direitos económicos, sociais e
culturais, tanto em termos de princípios 3. Direitos pessoais que envolvem um
quanto em termos de regime jurídico. exercício coletivo ou tendencialmente
coletivo, incluindo direitos à família,
casamento e filiação, direito de reunião e
6.6. Hierarquia entre direitos, manifestação, liberdade de associação,
liberdades e garantias ou
liberdade de imprensa e meios de
direitos de natureza análoga
comunicação social, direitos de deslocação e
emigração, direito de asilo, liberdades de
Na hierarquia dos Direitos Fundamentais escolha de profissão e de acesso à função
em Portugal, considerando a Constituição, pública, além de outros direitos pessoais
os direitos, liberdades e garantias são com proteção análoga.
priorizados da seguinte forma:

4. Direitos de participação política, como o


direito de participação na vida pública,
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acesso a cargos públicos, direito de sufrágio, Versalhes, que resultou na criação da
direito de referendo e iniciativa popular de Organização Internacional do Trabalho
referendo de âmbito nacional, direito de (OIT) em 1919. O principal objetivo da OIT
iniciativa legislativa popular e outros era proteger os direitos dos trabalhadores
direitos de participação administrativa. em relação aos empregadores e promover a
paz social por meio da harmonização dos
5. Outras garantias, como o direito de interesses de ambas as partes. A OIT foi
acesso ao Direito e aos Tribunais, direito de inovadora ao adotar uma representação
petição e ação popular, direito de recurso ao tripartida em seus principais órgãos,
Provedor de Justiça e direito de resistência. incluindo representantes dos Estados,
trabalhadores e empregadores. Isso
6. Direitos dos trabalhadores, que incluem permitiu que trabalhadores e empregadores
o direito à segurança no emprego, direito de trabalhassem juntos para equilibrar e
greve e liberdade sindical. sobrepor suas vontades à dos Estados de
origem. No entanto, é importante notar que
Nesta hierarquia, os direitos pessoais não o escopo desse tratado internacional se
suspensíveis têm prioridade máxima, limitava às questões trabalhistas e não
enquanto os direitos dos trabalhadores abrangia os Direitos Humanos como
estão posicionados no final da lista. É direitos subjetivos, mas sim como
importante ressaltar que essa hierarquia expectativas de Direitos Humanos.
reflete a relevância e a proteção conferidas
a cada categoria de direitos na Constituição 7.2.1.2 Depois da segunda guerra
portuguesa. mundial

7. História dos direitos Após a Segunda Guerra Mundial, os

fundamentais e dos direitos Direitos Humanos surgiram quase três


séculos após os Direitos Fundamentais
humanos
modernos, representando uma
personalização do indivíduo e sua dignidade
em nível internacional. A partir desse
7.2.1.1 Proteção laboral momento, houve uma série de etapas,
incluindo proclamação, positivação,
Após a Primeira Guerra Mundial, a tipificação, vinculação e uma parcial
proteção internacional dos trabalhadores justicialização dos Direitos Humanos. Isso
foi estabelecida por meio do Tratado de
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também levou ao surgimento da figura do No entanto, a Carta das Nações Unidas
ius cogens, que diferencia o Direito fornece apenas uma sinalização global dos
Internacional em uma hierarquia funcional. Direitos Humanos, sendo principalmente
Os Direitos Humanos representam um proclamatória e carecendo de positivação
dever de observância por parte da jurídica, tipificação e justicialidade.
Comunidade Internacional e dos Estados, Portanto, a existência de direitos subjetivos
independentemente de sua vontade, dada a públicos individuais internacionais ou
natureza jusnaturalista desses direitos. Direitos Humanos ainda não é claramente
Esses direitos são considerados uma estabelecida no texto da Carta.
plataforma adequada para revigorar o
Direito Natural. A abordagem restritiva dos Direitos
Quanto à tipologia, os Direitos Humanos, Humanos na Carta das Nações Unidas, com
incluindo direitos civis, políticos e sociais, foco nos direitos de liberdade, civis e
surgiram contemporaneamente, muitas políticos, persistirá em tratados
vezes de fontes jurídicas diferentes. Os internacionais subsequentes. Mais
direitos dos trabalhadores precedem alguns recentemente, a Cimeira Mundial da ONU
outros direitos. Além disso, o em 2005 destacou os Direitos Humanos
desenvolvimento dos Direitos Humanos como um dos três pilares fundamentais da
ocorre em escalas tanto universais quanto organização.
regionais, principalmente na Europa, com
interações frequentes entre essas escalas. 7.2.1.2.2 Declaração Universal
dos Direitos Humanos
7.2.1.2.1 carta das nações unidas
Após a Conferência de São Francisco, a
A Carta das Nações Unidas, assinada em Comissão Preparatória das Nações Unidas
1945, representa um novo paradigma na recomendou a elaboração de instrumentos
Comunidade Internacional, enfatizando a jurídicos para promover e proteger os
limitação e interdependência das Direitos Humanos.
soberanias estaduais, a paz, a segurança e
a resolução pacífica de conflitos. Ela O primeiro desses instrumentos foi a
também expressa o compromisso com a Declaração Universal dos Direitos
promoção dos Direitos Humanos, embora Humanos (1948), que resultou de um
não utilize a terminologia "Direitos projeto da Comissão dos Direitos Humanos,
Humanos" diretamente. aprovado pela Assembleia Geral da ONU.

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Esta declaração é considerada um Após a Declaração Universal dos Direitos
instrumento internacional não cogente Humanos, a Assembleia Geral da ONU
unilateral, ou seja, uma espécie de "soft solicitou à Comissão de Direitos Humanos a
law" internacional. elaboração de dois tratados: o Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e
A declaração enfatiza os direitos de Políticos e o Pacto Internacional sobre os
liberdade, civis e políticos, com uma Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
preponderância quantitativa e qualitativa Em 1949, a Comissão de Direitos Humanos
em relação aos direitos sociais. Alguns finalizou um primeiro projeto do Pacto
países se abstiveram de votar a favor da Internacional sobre Direitos Civis e
declaração, incluindo Estados comunistas e Políticos, que compreendia essencialmente
a Arábia Saudita, devido a discordâncias os direitos de liberdade (civis e políticos).
ideológicas e religiosas. Em 1950, a Assembleia Geral decidiu que
esse tratado deveria incluir também os
Vinte anos depois, em Teerão (1968), uma direitos sociais. Em 1951, a Comissão
conferência internacional reafirmou a terminou a redação do segmento social e
importância da Declaração Universal dos um conjunto de medidas de aplicação.
Direitos Humanos e sua Durante esse período, havia a opção de
consuetudinaridade. No entanto, a criar um único instrumento, mas em 1951,
conferência gerou duas teses a Assembleia Geral solicitou a elaboração
insatisfatórias: uma que sugeria uma de dois tratados distintos, um sobre direitos
abordagem mais coletiva dos Direitos civis e políticos e outro sobre direitos
Humanos em detrimento da perspectiva econômicos, sociais e culturais.
individual e outra que afirmava a Em 1954, a Comissão de Direitos Humanos
indivisibilidade dos direitos de liberdade e concluiu os trabalhos sobre os dois projetos.
dos direitos sociais. A ideia de Em 1955, a Assembleia Geral aprovou os
indivisibilidade entre esses tipos de direitos Pactos Internacionais sobre os Direitos
é considerada difícil de ser estabelecida Humanos. No entanto, apenas em 1976
juridicamente. esses tratados entraram em vigor.
A distinção principal entre os dois Pactos
reflete a divisão leste-oeste da Guerra Fria,
7.2.1.2.3. Pacto internacional refletindo diferentes modelos jurídicos. O
sobre os direitos civis e politico,
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
e pacto internacional sobre os
direitos económicos, sociais e Políticos consagra direitos subjetivos
culturais públicos individuais vinculativos, enquanto
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o Pacto Internacional sobre Direitos Estados, agora inclui 47 Estados europeus,
Econômicos, sociais e Culturais se com exceção do Vaticano, Bielorrússia e
concentra em expectativas fáticas. Cazaquistão. Todos os Estados resultantes
A luta pela observância dos direitos da desintegração do antigo bloco comunista
humanos persistiu em várias partes do também fazem parte desta organização.
mundo, incluindo nos Estados Unidos, onde Portugal ingressou como o 19º membro
a discriminação racial persistiu, na Europa, enquanto estava construindo seu Estado de
onde alguns Estados mantinham colônias Direito democrático em 1976.
com falta de liberdades, e na União O principal objetivo do Conselho da Europa
Soviética, que violava amplamente os é a "salvaguarda e desenvolvimento dos
direitos de liberdade. Direitos Humanos e das liberdades
Em 1993, uma nova conferência fundamentais". A adesão à organização
internacional em Viena reafirmou a requer a existência de um Estado de Direito
importância dos direitos humanos. No e o respeito por esses direitos e liberdades
entanto, houve críticas à afirmação de que fundamentais, e a suspensão ou expulsão
os direitos humanos são universais e pode ocorrer se esses requisitos não forem
indivisíveis, já que os direitos de liberdade cumpridos.
e os direitos sociais são contraditórios. Embora seja uma organização
Além disso, a ênfase na especificação de interestadual de cooperação, o Conselho da
direitos de grupos sociais em vez da Europa tem uma componente
universalização foi criticada como supraestadual em questões de justiça. Isso
prematura. é evidenciado pelo fato de que as sentenças
Desde a aprovação dos Pactos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
Internacionais de Direitos Humanos, tem podem anular decisões dos Tribunais
havido uma ênfase na importância dos Superiores dos Estados membros, e
direitos civis e políticos em relação aos indivíduos, organizações não-
direitos econômicos, sociais e culturais. governamentais e grupos de indivíduos
podem apresentar petições diretamente a
7.2.2.2.1 conselho europa este tribunal contra seus próprios Estados
ou até mesmo contra outros Estados.

O Conselho da Europa é uma organização


interestadual que foi estabelecida após a Os órgãos do Conselho da Europa incluem o

Segunda Guerra Mundial pelo Tratado de Comité de Ministros, a Assembleia

Londres em 1949, e tem sua sede em Parlamentar, o Secretariado e, mais

Estrasburgo. Inicialmente composto por 10


15
recentemente, o Comissariado para os junto ao Tribunal em casos de não
Direitos Humanos, criado em 1999. cumprimento das sentenças do Tribunal
pelos Estados-membros. Ao mesmo tempo,
7.2.2.1.1. Convenção Europeia dos o protocolo restringiu a admissibilidade das

Direitos humanos queixas a casos de dano significativo para


reduzir a sobrecarga do Tribunal devido ao
volume excessivo de reclamações. Este
A obra mais significativa do Conselho da
modelo é único no Direito Internacional dos
Europa é a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos.
Direitos Humanos (1950), que envolve todos
os 47 Estados membros do Conselho da
Europa e é essencial para a adesão à 8. Constituição Portuguesa dos
organização. Inspirada pelo Congresso Direitos Fundamentais
europeu realizado em Haia em 1948 e pela
Declaração Universal dos Direitos A Constituição portuguesa positiva, tipifica,
Humanos, a Convenção abrange vincula e judicializa os Direitos
principalmente os direitos de liberdade e Fundamentais. Ela não se limita a
não inclui os direitos sociais, já que o proclamar esses direitos.
Conselho da Europa não inclui Estados Os Direitos Fundamentais em Portugal são
comunistas. escritos e abrangem tanto os direitos e
liberdades quanto suas garantias. Possuem
Inicialmente, o sistema de proteção dos uma forma e força distintas, além de
Direitos Humanos incluía a Comissão mecanismos de mutação separados dos
Europeia dos Direitos Humanos, o Comité outros direitos.
de Ministros e o Tribunal Europeu dos A tipificação dos Direitos Fundamentais é
Direitos Humanos, com petições sendo detalhada, cobrindo uma ampla gama de
examinadas pela Comissão e enviadas ao direitos pessoais e expectativas sociais,
Tribunal. Mais tarde, o Protocolo no 11, embora permita flexibilidade para
assinado em 1994 e em vigor desde 1998, restrições ou ponderações conforme
extinguiu a Comissão, concentrando a necessário.
proteção nos ombros do Tribunal. Esses direitos impõem obrigações tanto às
entidades públicas quanto, em certa
Finalmente, o Protocolo nº 14, assinado em medida, às entidades privadas. Isso
2004 e em vigor desde 2010, conferiu ao representa uma mudança significativa ao
Comité de Ministros a capacidade de atuar aplicar regulamentações dos Direitos

16
Fundamentais nas relações entre 8.1 Âmbito dos direitos
indivíduos. fundamentais na constituição
A Constituição inclui vários mecanismos de
portuguesa
proteção, especialmente os de natureza
jurisdicional. Também estabelece princípios
Os Direitos Fundamentais em Portugal
de acesso ao direito e aos tribunais,
estão exclusivamente contidos na
priorizando o acesso rápido e prioritário em
Constituição. Eles incluem tanto direitos
casos que envolvam liberdades pessoais.
expressos, cuja identificação resulta de
A Constituição portuguesa contém extensas
interpretação estrita, quanto direitos
disposições sobre Direitos Fundamentais,
implícitos, cuja identificação deriva de
um fenômeno que pode ser explicado pelos
inferência. Apesar disso, a Constituição
antecedentes autoritários da Constituição
sugere de forma equivocada uma possível
de 1933, embora seja notável mesmo em
extensão dos Direitos Fundamentais ao
comparação com outros textos
âmbito internacional (art. 8º e 16º) e até
constitucionais europeus.
mesmo ao âmbito interno ordinário (art.
A ótica adotada pela Constituição é
16º, no 1).
antropocêntrica, individualista e liberal,
com ênfase nos direitos de liberdade em
8.1.1. receção do direito
detrimento dos direitos sociais. Mesmo que
a igualdade seja idealizada, os direitos internacional
sociais são tratados mais como expectativas
de direitos futuros do que como direitos Os Direitos Fundamentais, embora

subjetivos públicos plenos. próximos dos Direitos Humanos, não são

Embora haja menção a igualdade real e ao sinônimos. Enquanto os Direitos

dever de efetivar os direitos sociais na Fundamentais são uma criação da

Constituição, esses aspectos são em grande Constituição, os Direitos Humanos têm

parte utópicos ou preambulares. A origem no Direito Internacional. Quando a

Constituição reflete resquícios do Constituição incorpora os Direitos

autoritarismo dirigente da Constituição Humanos, eles não se transformam em

econômica, apesar de terem sido novos Direitos Fundamentais, mantendo

expurgados. sua natureza formal de Direitos Humanos.


Os Direitos Humanos são regidos pelo
Direito Internacional, não pelo Direito
Interno, incluindo o Direito Constitucional.
Sua origem, interpretação, integração,
17
aplicação e revisão são reguladas pelo tratados e acordos internacionais (art. 8º,
Direito Internacional, de acordo com a no 2). Além disso, essa abertura
Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito recentemente se estendeu ao Direito
dos Tratados entre Estados. unilateral das Organizações Internacionais
Os mecanismos constitucionais de das quais Portugal é parte, especialmente o
incorporação do Direito Internacional, Direito das Nações Unidas e o Direito da
incluindo o Direito Internacional dos União Europeia (art. 8º, no 3 e no 4).
Direitos Humanos, não são de natureza As normas constitucionais que incorporam
subsidiária ou secundária. Eles têm o Direito Internacional Geral não se
precedência sobre o Direito interno, mesmo limitam às mencionadas anteriormente.
em relação às normas constitucionais. Isso Isso pode ser atestado pelas disposições da
é evidenciado pelo princípio do ius cogens e Constituição relacionadas às relações
pelo primado do Direito da União Europeia. internacionais (art. 7º). Especificamente, as
Além disso, a Declaração Universal dos normas que prescrevem o respeito pelos
Direitos Humanos é considerada Direitos do Homem (art. 7º, no 1) e a
suprassubconstitucional. cooperação com todos os outros povos
A Constituição portuguesa recebe o Direito visando a emancipação e o progresso da
Internacional em geral (art. 8º), com ênfase Humanidade (art. 7º, no 1, in fine) podem
no Direito Internacional dos Direitos ser consideradas como normas
Humanos (art. 16º, no 1) e, de forma incorporadoras de princípios do Direito
privilegiada, a Declaração Universal dos Internacional. No entanto, a regra
Direitos Humanos (art. 16º, no 2). relacionada aos Direitos dos Povos não se
enquadra nessa categoria, uma vez que os
8.1.1.1. Direito Internacional em direitos dos povos, devido à natureza

geral transindividual de seus sujeitos, não são


considerados Direitos Humanos.

A Constituição portuguesa, que foi


originalmente elaborada nos anos setenta 8.1.1.2. Direito Internacional dos
do século passado, demonstra ser aberta ao Direitos Humanos
Direito Internacional. Essa abertura inclui
a recepção automática do Direito A Constituição portuguesa estabelece que
Internacional geral ou comum (art. 8º, no 1) os Direitos Fundamentais nela consagrados
e a incorporação completa do Direito não excluem outros direitos constantes das
Internacional convencional, abrangendo regras aplicáveis do Direito Internacional

18
(art. 16º, no 1). Essa abertura visa reforçar permite o uso de noções jurídicas ou não
a proteção dos indivíduos, permitindo a jurídicas indeterminadas quando
incorporação de novos direitos e liberdades necessário, e exige uma interpretação
de fontes internacionais, bem como o constitucional adequada e evolutiva.
estabelecimento de meios complementares
de tutela jurisdicional em nível A Constituição portuguesa permite a
internacional. Isso reflete a noção de que o receção de qualquer tipo de Direitos
Estado, mesmo em um Estado de Direito Humanos, mas essa admissibilidade não
democrático, muitas vezes pode ser o altera a natureza jurídica radicalmente
principal adversário dos direitos oposta entre direitos de liberdade e direitos
individuais, incluindo dignidade, liberdade, sociais. Enquanto os direitos de liberdade
segurança e propriedade, bem como da são incorporados no ordenamento jurídico
própria democracia. nacional como direitos subjetivos, os
direitos sociais são apenas expectativas de
No entanto, essa receção de direitos de direitos subjetivos.
fontes internacionais não cria novos
Direitos Fundamentais na Constituição 8.1.1.3. Declaração universal dos
portuguesa. Os direitos que se beneficiam direitos humanos
dessa abertura são apenas Direitos
Humanos e não Direitos Fundamentais
A Constituição portuguesa não se limita a
atípicos. A Constituição portuguesa sempre
receber os Direitos Humanos de natureza
contém Direitos Fundamentais típicos, que
vinculativa (hard law) mas também
são apenas aqueles expressamente
incorpora um texto de natureza soft law, a
estabelecidos na Constituição, enquanto os
Declaração Universal dos Direitos
Direitos Humanos têm origem externa.
Humanos (art. 16º, no 2).

As diferenciações entre tipologias taxativas,


A Constituição estabelece que seus
tipologias exemplificativas, tipologias
preceitos sobre Direitos Fundamentais
explícitas e tipologias implícitas são
devem ser interpretados e integrados de
consideradas irrelevantes no que diz
acordo com a Declaração Universal,
respeito às relações entre fontes
atribuindo a este texto uma vinculatividade
internacionais e internas. A positivação de
que inicialmente não possuía. Essa
Direitos Fundamentais pode ocorrer de
vinculação ocorre mesmo que a
diversas maneiras, incluindo tipificada ou
obrigatoriedade da Declaração Universal
não tipificada, expressa ou implícita. Isso
19
derive de um costume internacional geral 8.1.2. Direito Interno Ordinário:
controverso e que tal costume não tenha se infirmação
mostrado verdadeiramente universal.

A Constituição estabelece que os Direitos


No entanto, a Declaração Universal dos
Fundamentais nela consagrados não
Direitos Humanos tem, em Portugal,
excluem outros direitos previstos nas leis
principalmente um valor simbólico. Dado o
(art. 16º, no 1). No entanto, os direitos
caráter rudimentar e minimalista desse
previstos em atos legislativos ordinários
texto, que foi criado em um contexto de
não são considerados Direitos
Guerra Fria após a Segunda Guerra
Fundamentais. Isso ocorre porque eles não
Mundial, é improvável que ele possa servir
atendem aos requisitos mínimos de
como base para a interpretação ou
identificação como Direitos Fundamentais e
integração de um texto constitucional
não possuem o regime estabelecido na
interno mais detalhado e elaborado
Constituição para os Direitos
posteriormente. Além disso, a Declaração
Fundamentais, incluindo aplicabilidade,
Universal não contém mecanismos
vinculação, restrição, suspensão, reserva
garantísticos para os Direitos Humanos ou
legislativa e revisão constitucional.
Direitos Fundamentais.

Além disso, considerar esses direitos


A incorporação e o posicionamento
subjetivos de fonte infraconstitucional como
supraconstitucional da Declaração
Direitos Fundamentais resultaria em um
Universal dos Direitos Humanos na
paradoxo jurídico. Enquanto realidades com
Constituição portuguesa se baseiam
menção expressa na Constituição, como os
principalmente em razões conjunturais de
chamados direitos sociais, são tratadas
política interna. Isso inclui o suprimento de
como expectativas factuais, já que não
uma legitimidade democrática que o poder
possuem determinação constitucional
militar emergente em 1974 não possuía e a
suficiente e, portanto, não têm aplicação
garantia da existência futura de Direitos
direta, essas realidades ordinárias, sobre as
Fundamentais, dado o contexto de uma
quais a Constituição nem mesmo faz
Assembleia Constituinte pressionada por
menção, seriam consideradas verdadeiros
forças políticas não democráticas durante o
Direitos Fundamentais. Isso não faz
processo de elaboração da Lei
sentido, uma vez que não existem Direitos
Fundamental.
Fundamentais indeterminados e muito
menos Direitos Fundamentais que a

20
Constituição ignora e que são uma República soberana baseada na
exclusivamente previstos na lei comum. dignidade da pessoa humana.

Não se nega que muitas realidades com A dignidade da pessoa humana


fonte infraconstitucional possam ser desempenha um papel multifuncional,
consideradas direitos subjetivos públicos, proporcionando um sentido unificado para
individuais, positivados, tipificados, todos os Direitos Fundamentais,
determinados, vinculativos, aplicáveis sem permitindo uma interpretação consistente
condicionamentos, justificáveis, desses direitos e possibilitando uma
especialmente perante o poder e, em menor integração adequada e coerente de
grau, em relação à comunidade, e que eventuais lacunas identificadas nos
tenham como fundamento a defesa da Direitos Fundamentais.
dignidade da pessoa humana. Também não
se ignora a semelhança em termos de Embora a dignidade da pessoa humana seja
conteúdo de muitos desses direitos com de extrema importância, sua interpretação
alguns direitos, liberdades e garantias ou e desenvolvimento devem estar em
outros direitos análogos. No entanto, o que consonância com as demandas da
se recusa é considerá-los como Direitos democracia, uma vez que Portugal é uma
Fundamentais em qualquer contexto. República soberana baseada na vontade
popular. A densificação da dignidade,
8.2. Fundamentos dos direitos portanto, ocorre parcialmente através de

fundamentais na CRP decisões democráticas populares.

Não obstante a importância da dignidade,


A dignidade da pessoa humana é o
não se deve associá-la diretamente à
fundamento primordial dos Direitos
igualdade. Embora haja menções à
Fundamentais, sendo a razão de ser deles.
dignidade social na disposição relacionada
Ela se manifesta como o princípio central
à igualdade, a dignidade e a igualdade não
que permeia todos os demais princípios e
são conceitos sinônimos e não estão
direitos. Na Constituição portuguesa, a
intrinsecamente ligados. A dignidade é
dignidade da pessoa humana não é apenas
inerentemente pessoal, individual e
o fundamento dos Direitos Fundamentais,
independente de juízos externos, enquanto
mas também é o fundamento de todo o
a igualdade envolve comparações entre
ordenamento constitucional. Isso é
situações individuais e implica
enfatizado pela afirmação de que Portugal é
sociabilidade.
21
também não são explicitamente
Manifestações específicas da dignidade da mencionados como limites materiais de
pessoa humana estão presentes em várias revisão constitucional. Isso sugere que
disposições constitucionais, incluindo tanto os direitos e liberdades quanto os
aquelas relacionadas à procriação princípios que os orientam estão sujeitos a
medicamente assistida, criação e uso de revisão, embora essa seja uma questão
tecnologias e experimentação científica, complexa e sujeita a escrutínio rigoroso.
obtenção e uso de informações pessoais,
bem como a natureza não pública das
audiências nos tribunais. 8.3. Natureza dos DF na CRP

Além disso, a dignidade da pessoa humana A Constituição portuguesa não apresenta


está subjacente a todos os direitos, critérios claros para identificar os Direitos
liberdades e garantias, especialmente aos Fundamentais nem para demarcar os
direitos pessoalíssimos e direitos pessoais, diferentes tipos de Direitos Fundamentais.
como o direito à vida, à integridade, à Em particular, não é evidente como
liberdade de consciência, à identidade distinguir entre os direitos, liberdades e
pessoal, ao desenvolvimento da garantias, por um lado, e os direitos
personalidade, ao bom nome e reputação, à econômicos, sociais e culturais, por outro.
imagem, à palavra, à reserva da intimidade No entanto, é fundamental estabelecer
da vida privada e familiar, à liberdade esses critérios constitucionais para
física e à proibição de penas e medidas de compreender e categorizar essas duas
segurança privativas ou restritivas de categorias de direitos e identificar casos
liberdade com carácter perpétuo, ilimitado específicos de direitos de natureza
ou indefinido. semelhante.

Embora a dignidade da pessoa humana seja Direitos de liberdade e direitos sociais


fundamental, não está expressamente
mencionada como um limite de revisão A Constituição portuguesa estabelece uma
constitucional. No entanto, essa ausência é clara distinção entre o que denomina como
compartilhada com outros princípios "direitos, liberdades e garantias" e o que
regentes dos Direitos Fundamentais, como chama de "direitos econômicos, sociais e
o princípio da universalidade, da igualdade, culturais". No entanto, a falta de uma
da proporcionalidade, da confiança, da conceção sistemática adequada torna
responsabilidade e da proteção, que
22
complicada e incerta a identificação do dos direitos, liberdades e garantias, bem
fundamento subjacente a essa oposição. como dos direitos econômicos, sociais e
culturais, e sua interconexão, várias
Isso ocorre, em primeiro lugar, devido a correntes doutrinárias surgiram para
uma diferença entre o modelo de Direitos abordar essa questão. Essas correntes
Fundamentais em Portugal e a estrutura podem ser resumidas em três principais:
típica do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, que divide os direitos em civis e 1. A primeira corrente argumenta que
políticos de um lado e direitos econômicos, existe um regime unitário para os Direitos
sociais e culturais do outro. Essa diferença Fundamentais, que engloba tanto os
reflete um paradigma comum na maioria direitos de liberdade quanto os direitos
dos Direitos Fundamentais internos, sociais.
incluindo os europeus.
2. A segunda corrente defende a
Em segundo lugar, a Constituição diferenciação entre os princípios e o regime
portuguesa diverge das soluções anteriores dos Direitos Fundamentais, colocando os
do constitucionalismo português, tanto direitos de liberdade em um polo e os
liberais quanto não-liberais. Isso ocorre em direitos sociais em outro.
parte devido à inclusão de direitos de
liberdade e direitos sociais sob a mesma 3. A terceira corrente propõe que os
categoria de "direitos, liberdades e Direitos Fundamentais sejam sinônimos
garantias" e à existência de um segmento dos direitos subjetivos de liberdade e,
autônomo para os "direitos econômicos, assim, reduz os direitos sociais a
sociais e culturais". Além disso, vários expectativas fáticas.
direitos classificados como "econômicos,
sociais e culturais" são, na verdade, direitos
àTESE DO REGIME UNICITÁRIO DOS
de liberdade ou possuem conteúdo DIREITOS DE LIBERDADE E DOS DIREITOS
semelhante aos "direitos, liberdades e SOCIAIS
garantias", o que torna a construção do A tese do regime unitário dos Direitos
sistema ainda mais complexa. Fundamentais, que argumenta que existe
uma única abordagem para direitos de
àARTICULAÇÃO ENTRE DIREITOS,
LIBERDADES E GARANTIAS, E DIREITOS liberdade e direitos sociais, é rejeitada, uma
ECONÓMICOS SOCIAIS E CULTURAIS
vez que entra em contradição direta com a
Devido à falta de clareza na Constituição Constituição portuguesa. A Constituição
portuguesa em relação à natureza jurídica estabelece princípios distintos e regimes
23
jurídicos opostos para esses dois grupos de jusfundamental objetiva que não existe na
direitos. Constituição.

1. A Constituição define princípios Em resumo, a tese do regime unitário dos


diferentes para os direitos de liberdade e os Direitos Fundamentais entra em
direitos sociais. Alguns princípios são contradição direta com a Constituição
comuns a ambos, como universalidade, portuguesa e não é uma abordagem
igualdade e proteção jurídica, mas outros, aceitável, uma vez que não reflete as
como proporcionalidade, confiança e distinções e princípios claramente
responsabilidade, não se aplicam estabelecidos na Constituição em relação
igualmente a ambos. aos direitos de liberdade e direitos sociais.

2. A Constituição estabelece um regime


àTESE DOS DOIS TIPOS DE DIREITOS, OS
jurídico oposto para os direitos de liberdade DIREITOS DE LIBERDADE E OS DIREITOS
e os direitos sociais. Os primeiros têm força SOCIAIS
jurídica e precisão, enquanto os segundos A doutrina portuguesa quase
são imprecisos. Além disso, os direitos de unanimemente sustenta a tese da
liberdade são vinculativos para entidades distinção, tanto princípio lógica quanto
públicas e privadas, enquanto os direitos regimental, entre os direitos de liberdade e
sociais impõem uma vinculação mais os direitos sociais. No entanto, há
limitada às entidades privadas. diferentes critérios utilizados para essa
distinção, que podem ser agrupados em
3. A tese da unicidade não é aceitável, pois critérios estruturais e critérios valorativos.
implicaria a aplicação de efeitos
inaceitáveis para os direitos sociais em um 1. Critérios Estruturais: Esses critérios se
Estado de Direito e em um Estado baseiam em características intrínsecas dos
democrático. direitos, e incluem:

4. O modelo que sugere a aplicação do - Naturalidade vs. Artificialidade: Alguns


regime constitucional dos direitos de autores distinguem entre direitos naturais
liberdade a todos os direitos, assim como o (liberdades) e direitos criados pelo Estado
regime dos direitos sociais a todos os (sociais).
direitos, não é aceitável porque não reflete - Universalidade vs. Restritividade:
a segmentação clara estabelecida na Direitos de liberdade são considerados
Constituição e pressupõe uma dimensão
24
universais, enquanto direitos sociais podem prontamente passíveis de serem protegidos
ter restrições em sua aplicação. pelo sistema judicial, enquanto os direitos
sociais podem ser mais difíceis de aplicar
- Positividade vs. Negatividade: Os dessa forma.
direitos sociais frequentemente requerem
ações positivas do Estado, enquanto os - Critérios Valorativos: Além dos critérios
direitos de liberdade envolvem mais estruturais, há uma distinção baseada na
restrições negativas. importância relativa da dignidade da
pessoa humana. Alguns argumentam que a
- Determinabilidade vs. dignidade é de relevância principal nos
Indeterminabilidade: Alguns argumentam direitos de liberdade, enquanto nos direitos
que os direitos de liberdade são mais sociais, sua relevância é secundária ou
determinados e precisos, enquanto os reflexa.
direitos sociais são mais vagos.
- Critérios Múltiplos ou Mistos: Alguns
- Precetividade vs. Programaticidade: Os autores sustentam a utilização de critérios
direitos de liberdade são frequentemente múltiplos ou mistos, combinando várias
considerados mais precisos e diretamente características para fazer a distinção entre
aplicáveis, enquanto os direitos sociais direitos de liberdade e direitos sociais.
podem ser mais programáticos.
Em resumo, a doutrina portuguesa
- Vinculatividade vs. Invinculatividade: concorda geralmente com a distinção entre
Os direitos de liberdade tendem a vincular direitos de liberdade e direitos sociais, mas
mais fortemente o Estado, enquanto os há uma variedade de critérios, tanto
direitos sociais podem não ser tão estruturais quanto valorativos, que são
vinculativos. usados para essa distinção. Alguns autores
até defendem abordagens que combinam
- Incondicionalidade vs. Condicionalidade: vários critérios para obter uma visão mais
Os direitos de liberdade podem ser vistos abrangente dessa diferenciação.
como mais incondicionais, enquanto os
direitos sociais podem estar sujeitos a
certas condições.

- Justiciabilidade vs. Injusticiabilidade:


Alguns direitos de liberdade são mais
25
CRITERIOS ESTRUTURAIS Limitações do Critério: No entanto, o
critério da naturalidade/artificialidade não
1. O critério da é perfeito. Alguns direitos de liberdade
"Naturalidade/Artificialidade" podem não ser estritamente naturais, já
que alguns deles têm origens mais recentes
é um critério estrutural usado para e evoluem com o tempo, adquirindo novas
distinguir entre direitos de liberdade e dimensões que não eram parte de seus
direitos sociais: conteúdos originais.

Direitos de Liberdade (Naturais: De acordo Em resumo, o critério da


com este critério, os direitos de liberdade naturalidade/artificialidade distingue
são considerados naturais, inerentes ao ser direitos de liberdade como naturais e
humano e derivados diretamente da Razão. inerentes à natureza humana, enquanto os
Eles são declarativos, ou seja, estão direitos sociais são vistos como artificiais e
implícitos na natureza humana e são derivados da vontade do Estado. No
positivados, tipificados e justiciáveis. entanto, esse critério não é aplicável de
maneira uniforme a todos os direitos de
Direitos Sociais (Artificiais): Os direitos liberdade, uma vez que alguns deles
sociais, por outro lado, são vistos como também podem evoluir e adquirir novas
artificiais, não enraizados na natureza dimensões ao longo do tempo.
humana ou na Razão, mas emanam da
vontade criadora positiva do Estado. Eles 2. O critério da
são considerados artificiais porque o "Universalidade/Restritividade"
próprio Estado social, do qual fazem parte,
é visto como uma construção artificial e, é usado para distinguir entre direitos de
possivelmente, contranatural. liberdade e direitos sociais da seguinte
forma:
Estado Social (Oposto ao Direito Natural):
O conceito de Estado social é visto como Direitos de Liberdade (Universais): Os
oposto ao Direito Natural, e há uma crítica direitos de liberdade são considerados
à ideia de que a solidariedade imposta pelo verdadeiros direitos universais, uma vez
Estado social é contranatural, que se aplicam a todos os indivíduos,
especialmente quando essa solidariedade é independentemente de critérios econômicos,
vista como paternalista. políticos ou partidários. Eles são direitos

26
que todos os indivíduos possuem e podem é utilizado para distinguir entre direitos de
exercer. liberdade e direitos sociais da seguinte
forma:
Direitos Sociais (Restritos a Alguns
Indivíduos): Por outro lado, os direitos Direitos de Liberdade (Negativos):
sociais são vistos como direitos restritos a Os direitos de liberdade são vistos como
parte dos indivíduos. Embora nem todos os direitos negativos, implicando o direito à
indivíduos possam beneficiar desses abstenção, ou seja, o direito de não sofrer
direitos simultaneamente e em um interferência ou ação do poder estatal. Têm
momento específico, teoricamente, todos os um caráter predominantemente de não
indivíduos são titulares e possíveis intervenção do Estado, seja no âmbito do
beneficiários desses direitos. Isso significa titular dos direitos, representando uma
que, em teoria, esses direitos não se liberdade-autonomia, ou do poder público,
separam dos direitos universais de representando um dever de não agir, um
liberdade. dever de se abster, um dever de não
interferir.
A contraposição entre universais e
restritivos pode não ser inteiramente Direitos Sociais (Positivos): Por outro lado,
satisfatória, uma vez que os direitos sociais os direitos sociais são considerados direitos
não são universais no sentido estrito de positivos, envolvendo o direito à
aplicação imediata a todos os indivíduos, intervenção, ou seja, o direito a uma
mas, teoricamente, todos os indivíduos prestação ou ação proveniente do poder
podem se tornar titulares desses direitos estatal. Eles representam uma dependência
em algum momento. Isso contrasta com os contraditória do poder estatal, com a
direitos de liberdade, que se aplicam a existência de deveres positivos originados
todos os indivíduos em todos os momentos. pelo Estado.
Portanto, a distinção entre universalidade e
restritividade não é absoluta, uma vez que A distinção entre negatividade e
os direitos sociais têm um caráter mais positividade não é absoluta e varia
aberto e inclusivo, embora não sejam dependendo de cada direito fundamental
imediatamente aplicáveis a todos. específico, pois alguns direitos de liberdade
podem envolver aspectos positivos, assim
3. O critério da como alguns direitos sociais podem conter
"Negatividade/Positividade" elementos negativos. A distinção é

27
quantitativa e tendencial, mais do que limites, reduzindo a discricionariedade do
qualitativa. legislador infraconstitucional.

Esta abordagem implica o afastamento da Direitos Sociais (Indeterminados): Em


teoria dos "direitos como um todo", que contrapartida, os direitos sociais são vistos
sugere que cada direito incorpora aspectos como indeterminados, o que significa que
positivos e negativos em medida próxima. sua determinação é mediata, dependendo
Em vez disso, a distinção se baseia na da integração do comando constitucional
prevalência ou tendência de cada direito por comandos supervenientes. Eles são
fundamental em relação à negatividade ou basicamente indeterminados e requerem
positividade. escolhas subsequentes pelo poder político
ordinário e considerações financeiras para
No entanto, essa distinção é imperfeita, sua implementação.
uma vez que se baseia em uma matriz
quantitativa e tendencial, em vez de ser No entanto, a realidade jurídica não se
qualitativa, e alguns direitos podem conter limita a essa dicotomia. Existem direitos de
elementos tanto negativos quanto positivos. liberdade que podem ser excecionalmente
determinados, como os direitos pessoais, e
4. O critério outros que são escassamente determinados,
"Determinabilidade/Indeterminabili como os direitos políticos. Além disso, entre
dade" os direitos sociais, alguns podem ser
determinados em algum grau, enquanto
é usado para distinguir entre direitos de outros permanecem inteiramente
liberdade e direitos sociais da seguinte indeterminados.
forma:
O critério da determinabilidade, mesmo que
Direitos de Liberdade (Determinados): considerado em sua variação de
Nesta construção, os direitos de liberdade determinabilidade imediata, é insuficiente
são considerados determinados, o que para fazer uma distinção clara entre os
significa que possuem uma delimitação tipos de Direitos Fundamentais. Isso ocorre
clara de seu objeto e conteúdo nos próprios porque a determinabilidade é, em grande
atos jurídicos que os consagram. Eles têm parte, uma característica quantitativa e
uma especial densidade normativa que não qualitativa. Além disso, a diferenciação
permite uma identificação imediata de seus constitucional entre os tipos de direitos é
muitas vezes implícita.
28
5. O critério necessidade de legislação e regulamentação
"Precetividade/Programaticidade" posterior para efetivar esses direitos.
ou "Aplicabilidade
Direta/Aplicabilidade Indireta" Essa diferenciação, embora prevista na
Constituição, não possui real autonomia
refere-se a como os direitos de liberdade e dogmática, uma vez que a precetividade ou
os direitos sociais são tratados em relação à programaticidade depende da existência ou
sua aplicação: ausência de determinabilidade imediata ou
mediata. Portanto, todos os direitos,
Direitos de Liberdade inclusive os mais elementares direitos de
(Precetividade/Aplicabilidade Direta): Os personalidade, implicam algum grau de
direitos de liberdade são considerados mediação ordinária para sua garantia, o
precetivos, o que implica aplicabilidade que torna esse critério aproximativo.
direta. Eles são dotados de precetividade, o
que significa que sua implementação e 6. O critério
proteção são garantidas diretamente pela "Vinculatividade/Invinculatividade"
Constituição. Eles formam o núcleo
essencial dos Direitos Fundamentais e refere-se a como os direitos de liberdade e
protegem os bens jurídicos mais os direitos sociais são vinculativos para
estruturantes. A Constituição os diferentes partes:
caracteriza e atribui seu conteúdo matricial
sem depender da mediação legislativa Direitos de Liberdade (Vinculatividade): Os
infraconstitucional. direitos de liberdade, que são determinados
e preceptivos, assumem uma natureza
Direitos Sociais vinculativa. Isso significa que eles têm um
(Programaticidade/Aplicabilidade Indireta): efeito restritivo direto, principalmente
Em contraste, os direitos sociais são sobre o poder estatal, obrigando-o
caracterizados pela programaticidade e, estritamente a respeitar e garantir esses
portanto, têm aplicabilidade indireta. Eles direitos. Além disso, eles também impõem
têm relevância secundária no âmbito dos obrigações indiretas a entidades privadas.
Direitos Fundamentais e exigem a
elaboração de comandos Direitos Sociais (Invinculatividade): Em
infraconstitucionais para sua contraste, os direitos sociais, que são
caracterização e densificação. Isso implica a indeterminados e programáticos, não têm
um efeito vinculativo tão forte. Embora
29
haja alguma vinculação legal, ela é Direitos Sociais (Condicionalidade): Em
diminuída, mitigada ou enfraquecida. Isso contraste, os direitos sociais, embora sejam
significa que esses direitos não resultam considerados direitos subjetivos, são
apenas de uma escolha política, frequentemente condicionados. Sua
democrática ou popular na legislação realização depende de opções político-
infraconstitucional. ideológicas e recursos financeiros, muitas
vezes sob a ideia de uma "reserva do
No entanto, a diferenciação baseada na possível". Isso significa que a eficácia dos
vinculatividade ou invinculatividade direitos sociais pode ser adiada e que eles
revela-se inadequada, pois separa essas podem ser revogados, uma vez que têm
realidades jusfundamentais apenas com uma dupla condição: uma suspensiva, pois
base em graus variados de vinculação, em podem não ser implementados, e uma
vez de uma verdadeira invinculatividade resolutiva, pois podem ser revogados, uma
em um caso e vinculação em outro. vez que têm origem legal.

No entanto, esse critério de


7. O critério condicionalidade e incondicionalidade,
"Incondicionalidade/Condicionalida especialmente no que diz respeito à questão
de" financeira, é considerado de utilidade
limitada, uma vez que os direitos de
Refere-se a como os direitos de liberdade e liberdade também têm implicações
os direitos sociais são condicionados ou não financeiras, especialmente no que se refere
em sua aplicação: à proteção e garantia desses direitos.
Portanto, essa diferenciação é tendencial e
Direitos de Liberdade (Incondicionalidade): não absoluta.
Os direitos de liberdade são considerados
incondicionais, o que significa que não estão
sujeitos a quaisquer condições ou termos, 8. O critério
sejam eles iniciais ou finais. O poder estatal "Justiciabilidade/Injusticiabilidade"
está vinculado à sua implementação
independentemente de escolhas político- refere-se à capacidade dos direitos de serem
ideológicas ou de recursos financeiros. Eles objeto de ação judicial:
não podem ser condicionados por tais
fatores. Direitos de Liberdade (Justiciabilidade): Os
direitos de liberdade são considerados
30
justiciáveis, o que significa que podem ser não convencional que os inclui como
objeto de ação judicial. Isso ocorre devido à direitos de natureza análoga. Os direitos de
existência de um direito subjetivo, à sua natureza análoga, que refletem em grande
determinação clara, à precetividade, à parte uma deficiência na sistematização e
vinculatividade e à incondicionalidade, qualificação dos Direitos Fundamentais,
características tipicamente associadas aos não podem ser considerados como a pedra
direitos de liberdade. angular do modelo de Direitos
Fundamentais em Portugal, nem devem ser
Direitos Sociais (Injusticiabilidade): Em vistos como um elemento essencial do
contraste, os direitos sociais são sistema.
considerados injusticiáveis e não podem ser A única vantagem potencial dos direitos de
objeto de ação judicial. Isso ocorre porque natureza análoga é que eles destacam a
eles não possuem determinabilidade e, necessidade de identificar um catálogo
consequentemente, não podem ser completo de Direitos Fundamentais que vai
considerados inconstitucionais por omissão. além das classificações estritas da
Além disso, os direitos sociais não possuem Constituição, abrangendo tanto os direitos
vinculatividade nem incondicionalidade, o de liberdade quanto os direitos sociais. No
que os torna insuscetíveis de ação judicial. entanto, essa tarefa é complicada devido à
heterogeneidade dos próprios direitos de
Este critério é considerado válido e talvez o liberdade, pessoais, políticos e sociais, o que
mais válido entre todos, mas depende do torna difícil a identificação de um critério
uso dos critérios anteriores e é híbrido, uma simples e unificador para classificá-los.
vez que envolve uma combinação de todos
os critérios anteriores para determinar a 8.3.2.1. Noção
justiciabilidade ou injusticiabilidade dos
direitos. Os direitos de natureza análoga são
essencialmente os Direitos Fundamentais
8.3.2 Direitos de natureza que não foram formalmente classificados
análoga como direitos, liberdades e garantias, nem
como direitos econômicos, sociais e

Os Direitos Fundamentais na Constituição culturais pelo legislador constitucional. No

portuguesa vão além da estrutura básica entanto, esses direitos de natureza análoga

que os divide em direitos de liberdade e também compreendem uma parte dos

direitos sociais, bem como da classificação direitos econômicos, sociais e culturais,


embora não possam unificar
31
completamente o regime de Direitos disso, os direitos de natureza análoga não
Fundamentais. incluem direitos que sejam indeterminados,
ou seja, que não tenham um objeto
A extensão da analogia aos direitos sociais suficientemente claro.
ocorre excepcionalmente apenas quando se
trata de direitos que são essencialmente A determinabilidade é uma característica
direitos de liberdade, mesmo que estejam fundamental dos direitos, liberdades e
classificados como direitos sociais. Isso se garantias, e consequentemente, dos direitos
aplica aos direitos que são considerados análogos. Também não são considerados
"falsos" direitos econômicos, sociais e direitos análogos aqueles que não possuem
culturais e não deveriam ser classificados as outras características identificadas para
como direitos sociais legítimos. esses direitos. Isso inclui os chamados
No entanto, essa extensão analógica não se direitos sociais no seu sentido material, que
aplica aos verdadeiros direitos sociais, que são expectativas positivas, restritas,
são direitos sociais em sentido formal e indeterminadas, programáticas,
material devido à sua localização específica condicionadas e injusticiáveis.
e natureza.
Em termos de conteúdo, os direitos de Por fim, não são considerados direitos
natureza análoga são caracterizados por análogos aqueles que não estão previstos na
serem direitos subjetivos, públicos, Constituição, mas apenas na legislação
individuais, de origem natural, universais, ordinária.
negativos, determinados, preceptivos,
vinculativos, incondicionais e passíveis de 8.3.2.3. Tipologia
proteção judicial.

Importante é distinguir os direitos de


8.3.2.2. Figuras Próximas natureza análoga que se assemelham aos
direitos, liberdades e garantias pessoais,
Nem todos os direitos que estão dispersos políticas e trabalhistas. Os direitos,
na Constituição se enquadram como liberdades e garantias não constituem uma
direitos de natureza análoga aos direitos, categoria uniforme, uma vez que os direitos
liberdades e garantias. Isso ocorre porque pessoais e políticos são direitos de
alguns desses direitos não têm uma liberdade, enquanto os direitos dos
analogia pertinente com os direitos, trabalhadores não se enquadram
liberdades e garantias, mas se aproximam diretamente nessa categoria. Mesmo entre
mais dos chamados direitos sociais. Além
32
os direitos pessoais e políticos, o regime - artigo 60, parágrafo 2 (garantia da
constitucional pode variar. proibição da publicidade oculta,
indireta ou dolosa)
Dentro dos direitos de natureza análoga, a - artigo 61, parágrafo 1 (liberdade de
estrutura interna pode ser muito diversa, iniciativa privada)
incluindo direitos que envolvem ações - artigo 61, parágrafo 2 (liberdade de
negativas e positivas. iniciativa cooperativa)
- artigo 62, parágrafo 1 (direito de
A analogia que fundamenta a existência propriedade privada) e artigo 62,
desses direitos pode ser integral, quando parágrafo 2 (garantias do direito de
um direito é completamente análogo aos propriedade privada), entre outros,
direitos, liberdades e garantias, até o artigo
assemelhando-se a um direito de liberdade. - 280 (direito de recurso, em sede de
Ou pode ser parcial, quando um direito fiscalização concreta de
envolve tanto aspectos negativos quanto inconstitucionalidade ou de
aspectos prestacionais, como é o caso do ilegalidade, para o Tribunal
artigo 20 da Constituição portuguesa. Constitucional).

8.3.2.4. Listagem Estes direitos de natureza análoga têm


várias características comuns que os
Os direitos de natureza análoga na aproximam dos direitos, liberdades e
Constituição Portuguesa são identificados garantias, tornando-os essencialmente

em vários artigos, incluindo o artigo 20, semelhantes em termos de sua natureza

parágrafos 2, 3 e 4 (direitos à informação, jurídica.


consulta jurídica e patrocínio judiciário;
direito à proteção do segredo de justiça;
direito a um processo equitativo) 10 . Direito Internacional dos
- artigo 21 (direito de resistência), Direitos Humanos
- artigo 23 (direito de queixa ao
Provedor de Justiça) O Direito Internacional não é unitário,
- artigo 59, parágrafo 1, alínea d mas sim composto por vários sistemas
(direitos ao limite máximo da de Direito Internacional. Da mesma
jornada laboral, ao descanso semanal forma, existem múltiplos sistemas de
e a férias periódicas pagas) Direitos Humanos, incluindo um

33
sistema geral, diversos sistemas fundamento principal, e isso também se
regionais e até mesmo dois sub-sistemas aplica à Declaração Universal dos Direitos
na Europa. Isso significa que as normas Humanos. Eles são criados pelos Estados,
e princípios que regem as relações especialmente aqueles com influência das
internacionais e os direitos humanos são tradições greco-romana e cristã, e a
diversificados e podem variar concepção de dignidade humana em nível
dependendo da região ou contexto internacional é semelhante à que
específico. encontramos em nível nacional para os
Direitos Fundamentais.
10.1 Declaração Universal dos
10.3. Objeto
Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos


A expressão "Carta Internacional dos
Humanos é composta por um Preâmbulo e
Direitos Humanos", adotada pela
trinta artigos, que abrangem três
Comissão dos Direitos Humanos em
categorias de disposições: fundamentos,
1947, visa abranger a Declaração
princípios e direitos. Ela dá destaque aos
Universal dos Direitos Humanos, o
direitos de liberdade (artigos 3 a 21), com
Pacto Internacional sobre os Direitos
ênfase nos direitos pessoais (artigos 3 a 20),
Civis e Políticos com seus dois
em comparação com os direitos políticos
Protocolos facultativos, bem como o
(artigo 21).
Pacto Internacional sobre os Direitos
Os direitos de liberdade incluem direitos
Econômicos, Sociais e Culturais com seu
civis, como o direito à vida, à integridade, à
Protocolo facultativo recente. No
liberdade física, à liberdade de circulação, à
entanto, essa denominação é infeliz, pois
segurança, entre outros. Além disso,
se refere a acordos internacionais com
menciona o direito de propriedade
naturezas, estruturas, formas, forças,
separadamente. Os direitos políticos são
eficácias e justiciabilidades não apenas
tratados de forma concisa, com ênfase no
diferentes, mas radicalmente opostas.
direito de sufrágio.
Portanto, é preferível evitar o uso desse
Por fim, os chamados direitos sociais se
termo no contexto deste estudo.
relacionam principalmente com o trabalho,
saúde, educação e cultura (artigos 23 a 27).
10.2. Fundamento
Os Direitos Humanos se baseiam na
dignidade da pessoa humana como seu

34
10.4. Natureza repetidamente a "todos", "toda a pessoa"
e "ninguém", enfatizando que os direitos

A Declaração Universal dos Direitos nela consagrados são universais e se

Humanos não é um tratado internacional e, aplicam a todas as pessoas (art. 1o, 3o,

portanto, não tinha originalmente a 6o, 7o, 15o, 19o, 23o, 26o, 27o e outros).

intenção de ser legalmente vinculativa. No


entanto, ao longo do tempo, parte de suas 2. Princípio da Igualdade: A igualdade é

normas tornou-se vinculativa devido à destacada de duas maneiras. Primeiro,

aceitação e implementação generalizada de forma afirmativa, afirmando que

por muitos Estados. Isso a transformou em todos os seres humanos nascem livres e

fonte de direito internacional iguais em dignidade e direitos

consuetudinário, tornando-a vinculativa (Preâmbulo, parágrafos 1o e 5o; art. 1o,

para os Estados como ius cogens. 7o, 10o, 16o, 21o, 23o, 26o). Segundo, o

Apesar disso, a Declaração Universal dos princípio da não discriminação é

Direitos Humanos é parcialmente expresso, proibindo a discriminação

obrigatória. Ela se aplica principalmente negativa (art. 2o e 16o).

aos direitos de liberdade, direitos civis e


políticos, não incluindo os direitos sociais, 3. Princípio da Liberdade: A liberdade é

econômicos e culturais. Além disso, houve um princípio central, referenciada como

resistência internacional em relação a um direito em vários artigos (art. 3o, 4o,

alguns aspectos da Declaração, 9o), mas também como um princípio na

especialmente relacionados à Declaração, demonstrando uma clara

autodeterminação e à crescente influência diferença em relação ao modelo do

do mundo islâmico. Direito Interno (art. 1o).

10.5. Princípio 4. Princípio de Confiança: Este princípio


está presente na área criminal,
especialmente na legalidade da
A Declaração Universal dos Direitos
proibição da retroatividade e no
Humanos reflete vários princípios
tratamento mais favorável (art. 11o, no
fundamentais.
2).

1. Princípio da Universalidade: Este


5. Princípio da Proporcionalidade: A
princípio está claramente expresso no
proporcionalidade geralmente se aplica
texto da Declaração, que se refere
aos condicionamentos dos direitos, mas
35
neste texto, está diretamente No que diz respeito aos
relacionada aos Deveres Humanos (art. condicionamentos, há distinção entre
29o). A Declaração estabelece que as limites e restrições. Os limites,
limitações aos direitos são permitidas expressos no próprio texto, estão
apenas para promover o reconhecimento relacionados com a observância dos fins
e o respeito dos direitos e liberdades dos e princípios das Nações Unidas, bem
outros, bem como para atender às como com limites específicos, como o
demandas legítimas da moral, ordem direito de asilo. Além disso, o texto
pública e bem-estar em uma sociedade prevê a possibilidade de superveniente
democrática (art. 29o, no 2). restrição desses Direitos Humanos.

10.6. Regime Uma revisão da Declaração Universal


dos Direitos Humanos suscita algumas

A Declaração Universal dos Direitos perplexidades, uma vez que não é um

Humanos não possui aplicabilidade direta e tratado e não se rege pelas normas

imediata, tanto no âmbito internacional aplicáveis a esses atos. No entanto, nada

quanto no doméstico. A aplicação desses impede sua revisão, desde que siga

direitos depende da adoção por meio de procedimentos trataduais estabelecidos

fontes adicionais, como o costume para acordos internacionais. A revisão

internacional ou, no plano interno, a dos direitos de liberdade deve obedecer

Constituição ou atos legislativos ordinários. aos preceitos reguladores do ius cogens e

Essa falta de aplicabilidade direta pode ser feita por meio de um ato de Direito

decorrer da natureza não vinculativa da Internacional com natureza semelhante.

fonte original ou da falta de


determinabilidade dos direitos. Contudo, esse procedimento revisório
exigiria a formação de um novo costume

Os direitos civis e políticos, uma vez para manter a vinculação jurídica da

consuetudinarizados, podem ser invocados Declaração Universal dos Direitos

pelos indivíduos sem a necessidade de Humanos em todas as matérias sujeitas

mediação por outras normas. No entanto, à revisão.

os chamados direitos sociais exigem uma


maior juridicização e determinação, 10.7. Tutela
geralmente por meio de tratados, atos
constitucionais ou legislativos. Os direitos de liberdade são posições ativas
subjetivas, embora sua justiciabilidade, no
36
contexto de costumes, não seja estritamente Essa divisão reflete uma diferença
idêntica à dos direitos de liberdade em fundamental em sua natureza e substância.
tratados. Por outro lado, os direitos sociais
são entendidos como expectativas factuais Essa distinção confirma a correspondência
que requerem uma vontade política direta entre Direitos Humanos e Direitos
posterior e externa para serem Fundamentais. Embora muitas vezes se
transformados em direitos. Essa fale em unidade e indivisibilidade dos
necessidade de intervenção política é Direitos Humanos, na prática, essa unidade
duplamente superveniente, tanto em não é tão clara, como demonstrado pela
relação ao texto original não vinculativo posição dos Estados Unidos, que
quanto ao costume subsequente, e, ratificaram um tratado e recusaram outro.
portanto, os direitos sociais carecem de
qualquer justiciabilidade real. 10.2.1. Pactos I sobre D civis e
Além disso, a distinção entre esses dois políticos
tipos de direitos se torna menos
significativa se o texto em questão
10.2.3. Fundamento
permanecer com sua natureza original de
soft law. No entanto, dada a vinculação e a
O Pacto Internacional sobre os Direitos
vinculação ius cogens adquirida
Civis e Políticos também tem como base
posteriormente, especialmente no que diz
principal a dignidade da pessoa humana,
respeito aos direitos de liberdade civis e
embora não haja uma explanação jurídica
políticos, essa distinção se torna mais
adicional sobre esse princípio em
relevante.
comparação com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos.
10.2 Pactos Internacionais de
Direitos Humanos
10.2.4. Objeto

O Direito Internacional Geral distingue


O Pacto Internacional sobre os Direitos
claramente os direitos civis e políticos dos
Civis e Políticos abrange principalmente os
direitos econômicos, sociais e culturais,
direitos civis, como o direito à vida (Art. 6),
representados por dois tratados diferentes:
à integridade (Art. 7), à liberdade física
o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
(Art. 9 e 8), e liberdades como a de
Políticos e o Pacto Internacional sobre
consciência, pensamento e religião (Art.
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
18), de opinião e de expressão (Art. 19), de

37
reunião (Art. 21), e de associação (Art. 22). pelos tratados internacionais que os
Também trata de garantias penais (Art. consagram e não exigem novos tratados
15), direitos políticos, como o direito de para serem eficazes. Além disso, são
sufrágio (Art. 25), e a participação na vinculativos e não podem ser escolhidos se
direção dos negócios públicos e acesso a serão efetivados ou não. No entanto, eles
funções públicas (Art. 25). Comparando podem ser sujeitos a limitações e restrições
com a Declaração Universal dos Direitos em circunstâncias específicas. São
Humanos, observamos mudanças incondicionados, não permitindo reservas
significativas, como a falta de menção ao políticas ou financeiras dos Estados, e são
direito de propriedade privada e ao direito justiciáveis, o que significa que os Estados
de asilo. Além disso, estabelece uma ligação têm a obrigação de respeitá-los e garantir
entre o direito de sufrágio e a necessária sua proteção, inclusive perante tribunais
secretude do voto, recusando outras formas internacionais. No entanto, a justicialidade,
de manifestação de vontade eleitoral. especialmente em nível internacional, é
Também inova ao consagrar os direitos das limitada.
crianças (Art. 24).
10.2.5. Natureza 10.2.6. Princípios

Os direitos civis e políticos, que fazem parte 1. Universalidade-


do Pacto Internacional sobre os Direitos O Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos, são direitos subjetivos, Civis e Políticos não possui uma declaração
naturais, universais, negativos, geral e independente do princípio de
determinados, precetivos, vinculantes, universalidade em seu texto. No entanto,
incondicionados e justiciáveis. Eles esse princípio está implicitamente presente
abrangem direitos civis, como o direito à nas palavras "todos", "ninguém" e
vida, à integridade, à liberdade de "nenhum" usadas ao longo do pacto,
expressão, entre outros, e direitos políticos, denotando que esses direitos se aplicam
como o direito de voto e de participação na universalmente a todas as pessoas,
vida pública. Esses direitos são baseados na independentemente de sua nacionalidade
dignidade da pessoa humana e são ou local de residência. Além disso, o
universais, aplicando-se a todas as pessoas, princípio de universalidade é
independentemente de onde vivam. São expressamente mencionado no contexto dos
direitos negativos, o que significa que direitos políticos, relacionados ao sufrágio
requerem que o poder estatal se abstenha universal, no artigo 25.
de interferir neles. Eles são determinados 2. Igualdade
38
3. Outros tipos
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis 4.
e Políticos trata explicitamente do princípio O Pacto Internacional sobre os Direitos
da igualdade em seu artigo 26. Esse Civis e Políticos abrange vários princípios
princípio abrange dois aspectos principais: fundamentais:

Igualdade positiva: Todos os indivíduos são 1. Princípio de liberdade: Este princípio é


iguais perante a lei e têm direito a igual fundamental em todo o tratado, uma vez
proteção legal. Isso também se aplica à que incide exclusivamente sobre direitos de
igualdade entre homens e mulheres, liberdade, demonstrando sua importância
igualdade no casamento, igualdade no (Preâmbulo, parágrafo 1).
sistema legal penal e processual penal, bem
como igualdade política. 2. Princípio da proporcionalidade: O
princípio da proporcionalidade é evidente,
Não discriminação: O tratado proíbe a principalmente, em relação à derrogação de
discriminação com base em raça, cor, sexo direitos (art. 4). Além disso, também é
(ou gênero), língua, religião, opinião política aplicado de maneira mais detalhada na
ou qualquer outra opinião, origem nacional restrição de alguns direitos específicos (art.
ou social, propriedade e nascimento. 12, 14, 18, 21, 22 e 23).
Também abrange deveres jurídicos
assumidos pelos Estados no momento da 3. Princípio da confiança: No contexto
vinculação ao tratado. Essas cláusulas não- criminal, este princípio decorre dos
discriminatórias têm uma natureza subprincípios da juridicidade, da proibição
exemplificativa e não taxativa. da retroatividade e do tratamento mais
favorável (art. 15, no 1). Mesmo na
Além disso, o tratado faz menção à ausência de norma estadual escrita, a
igualdade positiva e negativa em contextos imputação penal não é excluída, desde que
específicos, como na tutela jurisdicional, os atos praticados sejam considerados
garantias penais, casamento, direitos criminosos à luz dos princípios gerais de
políticos, não discriminação em relação a direito reconhecidos pela Comunidade
crianças e prevenção do ódio nacional, Internacional (art. 15, no 2).
racial e religioso. O tratado condiciona a
possibilidade de derrogação de suas normas 4.Princípio da responsabilidade:
às exigências de não discriminação. Notavelmente, o tratado avança na área do
direito criminal, concedendo o direito
39
subjetivo a uma indemnização a qualquer jurídico de ius cogens, o que significa que
indivíduo que seja vítima de prisão ou não permite escolha entre a sua efetivação
detenção ilegais, bem como de quaisquer ou não, pois esses direitos são
erros judiciários (art. 9, no 5, e art. 14, no fundamentais para a existência do próprio
6). Estado. Além disso, o Pacto é vinculativo
para os indivíduos, que são considerados
10.2.2. Regime sujeitos ativos e passivos de Direitos
Humanos. Portanto, nenhum indivíduo tem

Prestritividade o direito de realizar ações que visem


destruir os direitos civis ou políticos de
outros (art. 5, no 1).
Os direitos civis e políticos abrangidos por
este tratado são precisos, uma vez que
possuem um grau mínimo de Condicionamentos
determinabilidade. Eles têm o poder de
criar efeitos diretos e imediatos nos Este texto aborda as diferentes formas de

indivíduos, sem a necessidade de atos condicionamento dos direitos contidos no

complementares, quer a nível internacional Pacto Internacional sobre os Direitos Civis

ou nacional. No entanto, isso não impede e Políticos. Há distinções importantes a

que esses direitos sejam incorporados ou serem feitas:

adaptados às leis internas quando o


desenvolvimento do direito internacional 1.Limite, Restrição e Derrogação:

justifique isso. Além disso, nenhum - O "limite" está relacionado com a

compromisso que afete os direitos definição, extensão e alcance do direito,

fundamentais é aceitável sob o pretexto de sendo inerente ao próprio direito.

que os Direitos Humanos não os - A "restrição" é explicitamente

reconhecem ou os reconhecem de forma admissível para alguns direitos, com

limitada (art. 5, no 2). base em pressupostos como a


salvaguarda de outros direitos ou

Vinculatividade valores e a proporcionalidade.


- A "derrogação" é uma condição
excecional para os Direitos Humanos e
O Pacto Internacional sobre os Direitos
só é permitida em situações de estado de
Civis e Políticos é um tratado que tem força
emergência pública declarado de acordo
vinculativa para os Estados, e todas as
com procedimentos constitucionais.
disposições nele contidas têm um caráter
Envolve informar outros Estados sobre
40
as disposições derrogadas e os motivos Revisão
da derrogação.

A revisão ou modificação do Pacto


2. Âmbito da Derrogação: Internacional sobre os Direitos Civis e
- A derrogação implica o Políticos é juridicamente possível, desde
condicionamento do exercício dos que sejam respeitados os limites definidos
direitos, não a negação da titularidade. pelo ius cogens, de acordo com o direito
- Não se permite a derrogação de internacional (Convenção de Viena de 1969
direitos civis fundamentais e direitos sobre o Direito dos Tratados). No entanto,
politicos. do ponto de vista político, essas mudanças
- Direitos relevantes, relacionados com parecem impossíveis de serem
a dignidade da pessoa humana, como o concretizadas. O desmantelamento dos
direito à vida, integridade, blocos político-ideológicos existentes na
personalidade, liberdade de época da elaboração do pacto resultou em
pensamento, consciência e religião, e um maior número de Estados e uma maior
garantias penais, não podem ser diversidade entre eles, tornando improvável
derrogados. a obtenção de um consenso para revisões.

3. Mecanismos Garantísticos: 10.2.3. Tutela


- O texto indica que os mecanismos
para verificar a conformidade com as No que se reporta ao modelo garantístico
normas do Pacto são limitados a estabelecido para os direitos civis e
relatórios e comunicações, tanto a nível políticos, cumpre distinguir entre a tutela
interestadual quanto individual, com jurisdicional e a tutela não jurisdicional.
ausência de meios de tutela
jurisdicionais. Jurisdicional

Em resumo, o texto explora as O Tribunal Penal Internacional é um

diferentes formas de condicionamento importante mecanismo de tutela

dos direitos civis e políticos, destacando jurisdicional para os Direitos Humanos,

a natureza excepcional da derrogação, a com origem na Organização das Nações

proteção de direitos fundamentais e a Unidas e seu Estatuto foi adotado em 1998.

limitação dos mecanismos de garantia Em 2010, houve uma revisão do Estatuto,

do Pacto. que incluiu uma tipificação mais precisa do


crime de agressão. No entanto, este

41
tribunal possui jurisdição secundária e é essas comunicações têm requisitos
complementar às jurisdições penais dos específicos, como a ratificação do Protocolo
Estados membros. Ele pode intervir apenas pelo Estado, jurisdição sobre a vítima e a
em casos de crimes de alcance exaustão de recursos internos.
internacional, grande gravidade e extensão A implementação desses mecanismos
subjetiva. Os crimes abrangidos incluem passou por várias fases, incluindo
genocídio, crimes contra a humanidade, limitações iniciais, a capacidade de resposta
crimes de guerra e crimes de agressão, que da Comissão de Direitos Humanos às
diretamente protegem importantes Direitos comunicações e a criação de um
Humanos, como o direito à vida, à procedimento urgente e cautelar.
integridade e à liberdade. Além disso, órgãos externos ao Pacto, como
o Conselho de Segurança das Nações
Portugal aceita a jurisdição do Tribunal Unidas, podem estar implicitamente
Penal Internacional, embora possa haver envolvidos na proteção dos Direitos
uma possível derrogação constitucional em Humanos, embora sua estrutura
relação à duração das penas. Por outro aristocrática seja limitada em relação ao
lado, o Tribunal Internacional de Justiça garantismo dos Direitos Humanos.
não aceita a legitimidade processual de
sujeitos individuais, reservando-a 10.2.4. Pactos internacionais
exclusivamente para os Estados. sobre os direitos económicos
Sociais e Culturais
Não Jurisdicional

O tratado relacionado aos Direitos


O Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais é mais
Civis e Políticos prevê uma tutela não
elaborado do que o tratado relacionado aos
jurisdicional através de órgãos específicos,
Direitos Civis e Políticos, apesar de parecer
como a Comissão de Direitos Humanos, que
ter uma estrutura semelhante.
mais tarde foi substituída pelo Conselho
dos Direitos Humanos. Os mecanismos de
Fundamento
tutela incluem relatórios elaborados pelos
Estados e comunicações que podem ser O Pacto Internacional sobre os Direitos
feitas pelos próprios Estados ou indivíduos. Econômicos, Sociais e Culturais busca
Além disso, o primeiro Protocolo respaldo para a dignidade da pessoa
Facultativo ao Pacto detalha as humana em uma dimensão secundária e
comunicações de indivíduos. No entanto,
42
complementar, que é social. Isso é evidente condições. Além disso, esses direitos são
no Preâmbulo e no Artigo 13 do pacto. desvinculados, dependentes de recursos
financeiros e decisões políticas. Eles não
Objeto são justiciáveis, o que significa que não
criam obrigações legais para os Estados e

O instrumento em questão apresenta um não podem ser objeto de ação judicial

catálogo restrito de direitos, concentrando- internacional.

se principalmente nos direitos trabalhistas


(Artigos 6 a 10). Além disso, aborda os Princípio
direitos à saúde (Artigo 12), educação
(Artigos 13 e 14), cultura (Artigo 15) e um 1. Universalidade
direito vago ao bem-estar e à qualidade de O Pacto Internacional sobre os Direitos
vida (Artigo 11). Em comparação com a Económicos, Sociais e Culturais não usa
Declaração Universal dos Direitos expressamente as palavras "universal" ou
Humanos, a distinção notável ocorre "universalidade", embora utilize "todos" em
apenas na esfera social, com a vários artigos. Além disso, o tratado
autonomização do direito ao bem-estar e à permite uma auto-derrogação ampla,
qualidade de vida no Artigo 11. permitindo que países em desenvolvimento
decidam até que ponto garantirão os
Natureza direitos econômicos a não nacionais. Isso
cria uma divisão legal entre cidadãos

Os Direitos Humanos sociais, mencionados nacionais e estrangeiros,

no segundo Pacto, são expectativas independentemente de suas necessidades

factuais, abstratas, e dependentes de individuais.

prestações estatais. Eles são artificiais, não


decorrendo diretamente da natureza 2. Igualdade

humana, mas são construções políticas. Em relação à igualdade, o tratado não faz

Esses direitos são restritos a indivíduos uma afirmação positiva genérica de

sem condições sociais para obtê-los sem igualdade, embora tenha algumas

ajuda estatal. São direitos positivos, referências avulsas. No entanto, na

exigindo ações do governo, e vertente negativa de não discriminação, o

indeterminados em termos de conteúdo texto está em linha com outros tratados. O

específico. Eles são programáticos, tratado também inclui manifestações

buscando progressivamente melhorar as específicas de igualdade não


discriminatória em relação ao trabalho,
43
trabalhadores, trabalhadores infantis e
educação, além de mencionar a proibição de No que diz respeito aos condicionamentos, é
discriminação infantil com base na importante distinguir as figuras do limite,
paternidade, embora seja considerada da restrição e da derrogação. O limite é um
deslocada, pois se trata de um direito civil condicionamento definido pelo tratado, que
ou pessoal. faz parte do próprio direito e determina sua
3. Outros tipos extensão e alcance. É relevante notar que a
O princípio da proporcionalidade se disposição sobre limites em relação a
concentra principalmente em termos de estrangeiros e apátridas (art. 2, nº 3)
restrição, garantindo que qualquer permite a autoderrogação pelos Estados do
restrição imposta aos direitos seja princípio da universalidade e igualdade
compatível com a natureza desses direitos e com base na nacionalidade de origem.
tenha como único objetivo promover o bem- O tratado também contém uma disposição
estar geral em uma sociedade democrática genérica sobre restrições (art. 4) e normas
(art. 4). específicas relacionadas à ação sindical
(art. 8, nº 1, alíneas a) e c) e nº 2). No
No entanto, o tratado não contém normas entanto, dado que os direitos sociais são
que sustentem claramente a existência de apenas direitos potenciais e futuros, a
um princípio de confiança, embora o noção de restrição torna-se contraditória.
tratamento exigido em termos de Além disso, o tratado não fornece
proporcionalidade (art. 4) possa, orientações específicas sobre a derrogação.
indiretamente, refletir esse princípio. Qualquer menção à derrogação se relaciona
com as restrições dos direitos estatais, não
Finalmente, o tratado não estabelece regras com as decorrentes deste tratado
sobre a responsabilidade decorrente da internacional (art. 5, nº 2).
possível violação desses direitos, o que está Juridicamente, a revisão ou modificação do
alinhado com sua natureza de expectativas Pacto Internacional sobre Direitos
fácticas. Económicos, Sociais e Culturais é
admissível (art. 29; e art. 39 e seguintes,
Regime Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito
dos Tratados entre Estados). No entanto,

O regime jurídico abordado estabelece uma politicamente, essa possibilidade parece

oposição clara entre os antigos direitos impraticável devido às atuais condições

subjetivos de liberdade e os denominados internacionais desfavoráveis.

direitos sociais.
44
Tutela
Ademais, um conjunto de princípios

O Pacto Internacional sobre os Direitos conhecidos como Princípios de Limburgo foi

Económicos, Sociais e Culturais é proposto por especialistas em Direitos

notavelmente limitado na garantia de suas Humanos, mas esses princípios, apesar de

normas, especialmente no contexto servirem para a interpretação e

internacional. implementação do Pacto, não possuem força


vinculativa, nem mesmo de interpretação,

Por um lado, não possui nenhum e, portanto, não reforçam as expectativas

mecanismo de tutela jurisdicional, e os bens factuais estabelecidas pelo Pacto.

jurídicos protegidos por este pacto não se


enquadram na jurisdição do Tribunal Penal 10.2. Direito Internacional
Internacional. europeu

Por outro lado, não possui um órgão não Em relação aos Direitos Humanos na região
jurisdicional dedicado especificamente a europeia, é importante fazer uma distinção
essa missão. Inicialmente, essa tarefa era entre o âmbito da organização
desempenhada pelo Comité Económico e internacional predominantemente
Social das Nações Unidas, e apenas mais intergovernamental, o Conselho da Europa,
tarde foi criado o Comité dos Direitos e o contexto da organização internacional,
Económicos, Sociais e Culturais. especialmente supranacional, a União
Europeia. Além disso, é essencial
Além disso, as únicas ferramentas jurídicas diferenciar entre os direitos estabelecidos
disponíveis são os relatórios, e o mecanismo na Convenção Europeia dos Direitos
de comunicações não está previsto. Humanos e os direitos consagrados na
Carta de Direitos Fundamentais da União
Recentemente, foi adotado um Protocolo Europeia.
Facultativo que permite a aceitação de
comunicações estaduais, individuais e até 10.2.1. Convenção europeia dos
grupais pelo Comité dos Direitos
direitos humanos
Económicos, Sociais e Culturais. No
entanto, a viabilidade dessas comunicações
O tratado da Convenção Europeia dos
depende da declaração do Estado
Direitos Humanos é vinculante para os
reconhecendo a competência do referido
Estados europeus que fazem parte do
órgão.
45
Conselho da Europa. No entanto, os A Convenção Europeia dos Direitos
Estados podem fazer reservas específicas Humanos abrange principalmente os
quando uma lei interna entra em conflito direitos de liberdade, especificamente os
com a Convenção. O Estado português fez direitos civis. Alguns protocolos adicionais
oito reservas quando aderiu à Convenção, parecem tratar de direitos sociais, mas não
mas atualmente apenas duas delas ainda são, na verdade, direitos sociais. Além
estão em vigor. Além disso, existem três disso, a aplicação desses protocolos é
disposições constitucionais em Portugal que opcional.
entram em conflito com a Convenção No entanto, mesmo no que diz respeito aos
Europeia: a prisão militar por razões direitos civis, a Convenção Europeia dos
disciplinares, a proibição de organizações Direitos Humanos é bastante limitada, não
ideologicamente fascistas e a possibilidade técnica e tem lacunas. O catálogo de
de acusação criminal retroativa dos agentes direitos abordados na Convenção inclui o
da antiga Polícia Internacional de Defesa direito à vida, à integridade, à liberdade
do Estado/Direção-Geral de Segurança. física, à segurança, ao respeito pela vida
privada e familiar, as liberdades de
10.2. Fundamento pensamento, consciência, religião,
expressão, reunião e associação, garantias
Os valores fundamentais subjacentes à penais e procedimentos legais justos.
Convenção Europeia dos Direitos Humanos
incluem justiça, paz, liberdade e direito. No 10.4. Natureza
entanto, a expressão "dignidade da pessoa
humana" não é explicitamente mencionada Os Direitos Humanos de liberdade e civis
na Convenção. Isso pode estar relacionado na Convenção Europeia dos Direitos
com a falta de proibição da pena de morte e Humanos são direitos subjetivos, naturais,
a ausência de limites explícitos para essa negativos, determinados, precetivos,
pena no texto da Convenção. Curiosamente, vinculantes, incondicionados e justiciáveis.
a primeira vez em que a expressão
"dignidade da pessoa humana" aparece é no - São direitos subjetivos porque são
Protocolo n° 13 de 2002, que trata da faculdades jurídicas dos indivíduos para
abolição da pena de morte em todas as exigir que os poderes estaduais os
circunstâncias. respeitem.

10.3. Objeto

46
- São de origem natural, emanando busca garantir coletivamente alguns dos
diretamente da razão humana e não direitos mencionados na Declaração
requerem tipificação constitucional extensa. Universal dos Direitos Humanos.

- Têm um perfil negativo, em geral exigindo - Ela se aplica a todas as pessoas sob a
que o Estado se abstenha de interferir. jurisdição dos Estados-partes,
Porém, não devem ser confundidos com as independentemente de sua cidadania ou
garantias positivas desses direitos. apatridia.

- São determinados, já que a Convenção os - Indivíduos, organizações não-


define claramente, não exigindo legislação governamentais e grupos de particulares
nacional adicional. podem apresentar petições ao Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos.
- São precetivos, não dependendo de
tratados posteriores, embora possam ser O princípio da igualdade, em sua vertente
desenvolvidos ou especificados de não discriminação, é explícito na
posteriormente. Convenção (art. 14) e tem um alcance
amplo.
- São vinculativos, sem escolha sobre sua
aplicação, exceto em casos de restrição ou - No entanto, a Convenção permite
derrogação. tratamento discriminatório negativo entre
cidadãos nacionais e estrangeiros ou
- São incondicionados, não sujeitos a apátridas em relação a alguns direitos
reservas políticas ou financeiras. pessoais, especialmente os ligados à
intervenção política (art. 16).
- São justiciáveis, devendo os Estados
respeitá-los e garantir sua proteção jurídica O princípio da proporcionalidade é visível,
por meio do Tribunal Europeu dos Direitos especialmente em relação aos
Humanos. condicionamentos, limites, restrições e
derrogações.
10.5. Princípio
O texto da Convenção também estabelece

A Convenção Europeia dos Direitos um princípio de confiança no contexto

Humanos não usa explicitamente a palavra criminal, exigindo irretroatividade e

"universalidade," mas de forma implícita tratamento mais favorável.


47
- A Convenção estabelece limites imediatos,
- Além disso, permite a imputação por ações mas sua extensão incomum destaca-se,
ou omissões que, no momento de sua como nos casos de direito à vida.
prática, eram crime de acordo com os
princípios gerais do direito reconhecidos - Ela permite restrições para proteger
pelas nações civilizadas. direitos de terceiros ou valores públicos,
condicionadas à necessidade, adequação e
Finalmente, a Convenção prevê um racionalidade.
princípio de responsabilidade, permitindo
que o Tribunal Europeu dos Direitos - Em relação à derrogação, a Convenção
Humanos fixe indenizações em caso de segue regras semelhantes às normas
violação da Convenção ou de seus internacionais gerais, considerando
Protocolos, quando o direito nacional não fundamentos como guerra ou perigo
pode remediar adequadamente essas público, mas sem a necessidade de
violações. declaração de estado de exceção. O princípio
10.6. Regime da proporcionalidade é um critério central
na derrogação.

A Convenção Europeia dos Direitos


Humanos é essencialmente uma Convenção - A divulgação da derrogação aos outros

dos Direitos Civis e, por isso, os direitos Estados-membros é um dever.

nela previstos são mais ou menos


determinados, permitindo sua aplicação Existem direitos que não podem ser

direta e imediata, independentemente de derrogados, como o direito à vida,

complementos ou regras internas. integridade e certas garantias penais.

A Convenção é um tratado vinculativo, com O controle da derrogação é abrangente,

comandos que têm caráter de ius cogens, competindo ao Tribunal Europeu dos

tanto regional quanto universal, Direitos Humanos interpretar e aplicar a

estendendo-se a qualquer pessoa, Convenção, inclusive no contexto de

organização ou grupo, seja europeu ou não. derrogações.

Sobre condicionamentos, é importante A Convenção Europeia dos Direitos

distinguir entre limites, restrições e Humanos não estabelece regras específicas

derrogações: para revisão ou modificação, aplicando-se


as normas do Direito Internacional Geral.

48
10.7. Tutela No entanto, o Protocolo nº 11, adotado em
1994, eliminou a Comissão Europeia dos

A Convenção Europeia dos Direitos Direitos Humanos, limitou a competência

Humanos não prevê mecanismos de do Comitê de Ministros e concentrou a

autodefesa, como o direito de resistência ou proteção dos direitos humanos

de legítima defesa. No entanto, estabelece exclusivamente no Tribunal Europeu dos

um sistema de proteção integral por meio Direitos Humanos. Isso representa uma

de uma jurisdição externa. mudança significativa no sistema,


tornando-o mais eficaz na proteção dos

Essa Convenção confere competência ao direitos humanos.

Tribunal Europeu dos Direitos Humanos


para receber petições não apenas de 1. Tribunal Europeu dos Direitos Humanos:

Estados, como é comum, mas também de O Tribunal Europeu dos Direitos

pessoas individuais, organizações não Humanos é um órgão judicial que faz parte

governamentais e grupos de particulares do sistema de proteção dos direitos

que se considerem vítimas de violações dos humanos estabelecido pela Convenção

direitos garantidos pela Convenção nos Europeia dos Direitos Humanos. Ele é

territórios dos Estados-partes. Além disso, responsável por julgar casos relacionados a

estabelece que os Estados-partes não supostas violações dos direitos humanos

devem criar obstáculos no âmbito nacional cometidas por Estados-partes da

ao exercício efetivo dessa garantia Convenção. O tribunal está sediado em

jurisdicional. Estrasburgo, França, e é composto por um


juiz de cada Estado-parte da Convenção.

Inicialmente, o sistema de proteção incluía Suas decisões têm autoridade legal e são

órgãos políticos, como a Comissão Europeia vinculativas para os Estados-partes.

dos Direitos Humanos e o Comitê de


Ministros, juntamente com o Tribunal 2. Competência e Legitimidade das Partes:

Europeu dos Direitos Humanos. A O Tribunal Europeu dos Direitos

Comissão avaliava as petições, decidindo Humanos tem jurisdição para julgar casos

sobre sua admissibilidade e explorando que envolvam alegadas violações dos

soluções alternativas antes de encaminhá- direitos garantidos pela Convenção

las ao Tribunal. O Comitê de Ministros Europeia dos Direitos Humanos. As partes

tinha a última palavra sobre petições não legítimas para apresentar casos ao tribunal

enviadas ao Tribunal pela Comissão. incluem indivíduos, organizações não


governamentais e grupos de particulares
49
que se considerem vítimas de violações de derrogação deve ser proporcional e não
direitos humanos em um Estado-parte. pode afetar os direitos fundamentais. Outra
Além disso, os Estados-partes também limitação é que o tribunal não pode atuar
podem submeter casos ao tribunal ou serem sobre questões que não estejam
partes em casos movidos por indivíduos ou relacionadas a supostas violações dos
grupos. direitos humanos conforme definidas na
Convenção.
3. Natureza e Eficácia das Decisões:
As decisões do Tribunal Europeu dos 10.3. Adesão da U.E á convenção
Direitos Humanos têm natureza europeia de DH
vinculativa para os Estados-partes da
Convenção. Isso significa que os Estados
são legalmente obrigados a cumprir as
O Tratado de Lisboa estabelece a futura
decisões do tribunal. As decisões são
adesão da União Europeia à Convenção
executórias e podem resultar em medidas
Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).
para reparar as violações de direitos
Essa adesão tem a intenção de alcançar a
humanos, como compensação financeira
harmonização entre a jurisprudência do
para as vítimas ou a implementação de
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
medidas corretivas pelo Estado em questão.
(TEDH) e a do Tribunal de Justiça da
O tribunal desempenha um papel
União Europeia (TJUE), além de reforçar a
fundamental na aplicação e no
segurança e a confiança jurídica dos
fortalecimento dos direitos humanos na
indivíduos em relação aos direitos humanos
Europa.
na Europa.

4. Limitações:
No entanto, essa adesão não está isenta de
O Tribunal Europeu dos Direitos
riscos jurídicos e políticos. Um dos riscos
Humanos tem algumas limitações, como,
jurídicos é a possibilidade de romper o
por exemplo, não poder atuar
próprio texto do Tratado de Lisboa,
retroativamente em relação a casos
especialmente considerando as disposições
ocorridos antes da entrada em vigor da
relativas à solução de litígios (artigo 292º).
Convenção para um determinado Estado-
parte. Além disso, a Convenção permite a
Além disso, existe um risco político
possibilidade de derrogação, sob certas
relacionado à não aceitação das decisões de
circunstâncias, durante períodos de
tribunais de Estados terceiros,
emergência pública. No entanto, a
50
particularmente de Estados cujos padrões
em matéria de direitos humanos possam
ser inferiores aos da União Europeia. Isso
pode criar tensões e desafios políticos no
processo de adesão da União Europeia à
CEDH.

Em resumo, a adesão da União Europeia à


Convenção Europeia dos Direitos Humanos
tem potenciais benefícios em termos de
harmonização e proteção dos direitos
humanos na Europa, mas também
apresenta riscos jurídicos e políticos que
precisam ser cuidadosamente considerados.

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