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Artigo Luigi Ferrajoli - Resumo

1. Definição formal do conceito de direitos fundamentais


Direitos fundamentais são os direitos subjetivos que correspondem universalmente a todos os
seres humanos, enquanto dotados do status de pessoas, cidadãos ou capacidade para praticar
atos jurídicos.

Direitos subjetivos são qualquer expectativa positiva (de prestação) ou negativa (de não
sofrer lesões) adstrita a um sujeito por força de uma norma jurídica.

Status é a condição de um sujeito, assim prevista por uma norma jurídica positiva, como
pressuposto de sua capacidade para ser titular de situações jurídicas e/ou autor dos atos que
são exercidos a partir destas.

Essas definições são formais, e não dogmáticas, ou seja, não estão vinculadas a um dado
ordenamento jurídico. Além disso, essa definição de direitos fundamentais baseia-se somente
no seu caráter universal: entende-se universal em um sentido puramente lógico, partindo da
quantificação universal da classe dos sujeitos que são seus titulares.

As classes dos sujeitos são identificadas por status determinados pela identidade: homem,
cidadão e capacidade de praticar atos jurídicos. Esses pressupostos têm sido, ao longo da
história, mais ou menos extensos: foram muito restringidos no passado, quando por sexo,
nacimento, censo, instrução ou nacionalidade se excluia de seu acesso a maior parte das
pessoas físicas. Atualmente, a cidadania e a capacidade de praticar atos jurídicos são as
únicas diferenças de status que ainda delimitam a igualdade das pessoas humanas. Esses dois
fatores fundam duas distinções marcantes dentro dos direitos fundamentais:

.Direitos de personalidade e direitos de cidadania: direitos dirigidos a todos ou somente


aos cidadãos.

.Direitos primários (substanciais) e direitos secundários (instrumentais ou de


autonomia): direitos que dizem respeito a todos ou somente as pessoas com capacidade de
praticar atos jurídicos.

Cruzando as duas distinções são obtidas quatro classes de direitos:


a) direitos humanos: direitos primários das pessoas e concernentes indistintamente a todos
os seres humanos

b) direitos públicos: direitos primários reconhecidos somente aos cidadãos.

c) direitos civis: direitos secundários pertinentes a todos as pessoas com capacidade de


praticar atos jurídicos.
d) direitos políticos: direitos secundários reservados às pessoas com capacidade de praticar
atos jurídicos.

Os critérios pelos quais se atribuem direitos fundamentais - pessoa, cidadania e capacidade de


praticar atos jurídicos - não se alteraram. Antigamente, a desigualdade se expressava acima
de tudo pela negação da identidade pessoal (aos escravos, concebidos como coisas) e apenas
de forma secundária mediante a negação da capacidade jurídica ou da cidadania. No presente,
a cidadania é a última grande barreira normativa ao princípio da igualdade; os Estados
definem o seu critério com base no pertencimento nacional e territorial e conferem, baseados
nisso, direitos aos cidadãos.

2. Direitos fundamentais e direitos patrimoniais


Existem quatro diferenças estruturais entre direitos fundamentais e patrimoniais.

A primeira consiste no fato de que os direitos fundamentais são direitos universais, no sentido
da quantificação universal dos sujeitos que são seus titulares, enquanto os direitos
patrimoniais são singulares, no sentido de que para cada um deles existe um titular
determinado com exclusão de todos os demais. Por consequência, os primeiros são
reconhecidos a todos os seus titulares de forma igual; os segundos pertencem a cada um de
maneira diferente, tanto pela quantidade quanto pela qualidade. Uns são inclusivos e formam
a base da igualdade jurídica, outros são exclusivos e constituem o fundamento da
desigualdade jurídica (todos somos livres para expressar o pensamento mas cada um é
proprietário de coisas distintas).

De modo secundário, os direitos fundamentais são indisponíveis, inalienáveis, invioláveis,


intransigíveis e personalíssimos, enquanto os direitos patrimoniais são disponíveis por sua
natureza, negociáveis e alienáveis. Estes se acumulam, aqueles permanecem invariáveis. A
indisponibilidade dos direitos fundamentais significa que estão subtraídos às decisões
políticas e de mercado. Por força da indisponibilidade ativa, não são alienáveis pelo seu
titular. Devido a indisponibilidade passiva, não são expropriados ou limitados por outros
sujeitos, começando pelo Estado.

Como terceira diferença, os direitos patrimoniais são disponíveis, podem ser constituídos,
modificados e até mesmo extintos por atos jurídicos. O seu fundamento são atos negociais ou,
em todo caso, atuações singulares (contratos, doações, sentenças…), enquanto os direitos
fundamentais têm seu fundamento imediatamente na lei. Enquanto os últimos são normas
(Ferrajoli chama de normas téticas - aquelas que imediatamente configuram as situações
nelas expressas), aqueles são predispostos por normas ( normas hipotéticas - não prescrevem
nem impõe imediatamente nada, simplesmente dispõe sobre situações jurídicas resultantes
dos atos por elas prescritos).
Quarta diferença, os direitos patrimoniais são horizontais, ao passo que os direitos
fundamentais são verticais. As relações jurídicas mantidas por titulares de direitos
patrimoniais são de cunho civilista (contratual, sucessório etc) e as relações entretidas por
titulares de direitos fundamentais são de caráter publicista, i.e., marcadas pela posição do
indivíduo frente ao Estado. Aos direitos patrimoniais corresponde uma obrigação genérica de
não lesar, já aos direitos fundamentais correspondem proibições e obrigações a cargo do
Estado, cuja violação é causa de invalidez das leis e decisões públicas e cuja observância, ao
contrário, é a condição de legitimidade dos poderes públicos.

3. Direitos fundamentais e democracia substancial


Em face de suas características, os direitos fundamentais, diferentemente dos demais direitos,
configuram-se como garantia de interesses e necessidades de todos consideradas como vitais,
por isso ditas fundamentais (vida, liberdade…). Se no plano formal pode-se dizer a priori
quais as características estruturais dos direitos fundamentais (indisponibilidade,
inalienabilidade…), no plano do conteúdo só se pode dizer a posteriori: quando se quer
garantir uma necessidade ou um interesse.

As normas que firmam os direitos fundamentais, tanto as de liberdade que impõem proibições
quanto as sociais que prescrevem obrigações ao legislador, são substanciais, pois relativas ao
conteúdo, àquilo sobre o que se pode ou não decidir. Desse modo, os direitos fundamentais
operam mais como fonte de validação e deslegitimação do que como fonte de legitimação;
não são direitos do Estado ou para o Estado, mas sim direitos que, a depender do caso,
estarão mesmo contra o Estado.

Portanto, os direitos fundamentais circunscrevem o que se pode chamar de esfera do


indecidível: do que é indecidível e do que não é indecidível. Enquanto as normas formais
ditam as condições de vigência e se identificam com a “democracia formal ou política”, já
que disciplinam as formas decisórias que asseguram a tomada de decisão das maiorias, as
normas substanciais ditam as condições de validez, por vincularem o respeito aos direitos
fundamentais e demais princípios axiológicos nelas estabelecidos, sob pena de invalidade, ao
conteúdo das decisões, correspondendo às regras com que se pode caracterizar a “democracia
substancial”.

4. Direitos fundamentais e cidadania


Após o nascimento da ONU, com a aprovação de tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos, passam a ser fundamentais não apenas os direitos dentro do Estado em cuja
Constituição se encontram formulados; estão na mesma condição também aqueles aos quais
os Estados estão vinculados no plano internacional. Não são, portanto, vinculados à
cidadania, e sim ligados à pessoa, independente de sua cidadania.

A partir do período pós-guerra, os direitos fundamentais não vêm sendo levados a sério, pois
se nega a sua universalidade, condicionando-os à cidadania. Esta ocupa o lugar da igualdade
como categoria básica da teoria da justiça e da democracia. Nos dias atuais, a soberania se
deslocou para sedes supranacionais. O crescimento da interdependência e das desigualdades
entre países ricos e pobres, os fenômenos migratórios e de globalização indicam que
caminhamos para uma integração mundial. Nesse contexto, a cidadania corre o risco de se
prestar a fundar uma ideia regressiva e ilusória de democracia em um só país, ao custo da
democracia no mundo inteiro. Assim, nosso modelo de democracia e a noção de direitos
fundamentais, cuja credibilidade está ligada ao seu universalismo, perderiam qualidade.

Desde a Declaração de Direitos do Homem de 1787, os direitos do homem são um jogo de


palavras, consistindo, na verdade, em direitos do cidadão. Do mesmo modo como a igualdade
de direitos gera um senso de igualdade baseada no respeito pelo outro como igual, a
desigualdade de direitos gera a imagem do outro como desigual. Isto é, as diferenças entre
nacionais de diversos países funda a desigualdade jurídica, que causa a quebra do
universalismo da ONU e a aversão, nas democracias contemporâneas, ao diverso (a visão do
outro como desigual).

A longo prazo, a antinomia entre igualdade e cidadania, entre o universalismo dos direitos e
os seus redutos estatais, tende a se resolver com a superação da cidadania e desnacionalização
dos direitos fundamentais.

5. Direitos fundamentais e garantias


Os direitos fundamentais e os direitos sociais, sem as suas correlatas garantias, reduzem-se a
simples declarações retóricas ou, no máximo, a vagos programas juridicamente irrelevantes.

Deve-se distinguir direitos subjetivos, que são as expectativas positivas (de prestação) ou
negativas (de não lesão) atribuídas a um sujeito por uma norma jurídica, e os deveres
correspondentes que dizem respeito às garantias também ditadas por normas jurídicas.

Garantias primárias: obrigações ou proibições correspondentes aos direitos subjetivos

Garantias secundárias: obrigações de aplicar a sanção ou declarar a nulidade das violações


das garantias primárias

Sistemas nomoestáticos - As relações entre as figuras deônticas (que estatuem deveres) são
puramente lógicas. Dado um direito, existe para outro sujeito a obrigação ou proibição
correspondente. Não existem, aqui, antinomias e lacunas; quando duas normas se
contradizem uma deve ser excluída como inexistente. Exemplo desse sistema é a moral.

Sistemas nomodinâmicos - A existência ou a inexistência de uma situação (jurídica)


depende da existência de uma norma que a preveja, que, por sua vez, não é deduzida de outra
norma. Por consequência, é possível, p.ex., que dada uma permissão, exista, quando não
deveria, a proibição do mesmo comportamento por causa da indevida existência de uma
norma que a prevê. Em suma, em tais sistemas são possíveis e em alguma medida inevitáveis
lacunas e antinomias.

Junto com elas, haverão mecanismos no sistemas de direito positivo voltados à solução das
contradições (princípio da não contradição - proibição de antinomias) e da lacunosidade
(princípio da plenitude - proibição de lacunas).

Lacunas primárias: existem em razão da falta de estipulação das obrigações e proibições


que constituem as garantias primárias dos direitos subjetivos

Lacunas secundárias: existem em razão da falta de órgãos obrigados a sancionar ou


invalidar as suas violações, ou seja, a aplicar as garantias secundárias.

Nesses casos, não se pode negar a existência dos direitos subjetivos, mas tão somente
lamentar as lacunas que os tornam “de papel". Os direitos sociais a prestações públicas não
foram acompanhados pela elaboração de garantias sociais ou positivas adequadas. Um menor
nível de realização ainda conheceram as garantias de apoio aos direitos humanos firmados em
tratados internacionais, que se caracterizam por sua quase total inefetividade.

6. O constitucionalismo como novo paradigma do direito


O constitucionalismo, como resultado da positivação dos direitos fundamentais como limites
e vínculos substanciais à legislação positiva, corresponde a uma segunda revolução na
natureza dos direitos que se traduz em uma alteração interna do paradigma positivista
clássico. A primeira revolução consistiu na afirmação da onipotência do legislador, ou seja,
do princípio da legalidade formal ou mera legalidade; a segunda se realizou a partir do
chamado princípio da legalidade estrita (ou substancial), ou seja, submissão da lei a vínculos
não somente formais mas substanciais, impostos pelos princípios e direitos fundamentais
contidos nas Constituições.

O princípio da estrita legalidade produziu a distinção entre validez e vigência e a cessação da


presunção apriorística da validez do direito existente (para que uma norma seja válida, não
basta que não seja elaborada em conformidade com os critérios formais, deve ela respeitar os
princípios e direitos fundamentais).

A mudança paradigmática ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, diante dos descalabros
assombrosos verificados nos conflitos. Seus efeitos vão além do direito. A jurisdição torna-se
não mais sujeição do juiz à lei, sim análise crítica do seu significado como modo de controlar
a legitimidade constitucional. A ciência jurídica deixa de ser descrição para ser crítica e
proteção do seu próprio objeto: crítica do direito inválido ainda vigente, reinterpretação do
sistema jurídico à luz dos princípios constitucionais, análise das antinomias e lacunas etc.

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