Você está na página 1de 13

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

QUARTA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

APELAÇÃO Nº 0002043-10.2017.8.19.0033
JUÍZO DE ORIGEM: MIGUEL PEREIRA VARA UNICA
JUÍZA PROLATORA DA SENTENÇA: AMANDA FERRAZ QUEIROZ
APELANTE: JACIARA APARECIDA MOREIRA DA SILVA
APELADO: MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA

RELATORA: JDS DESEMBARGADORA MARIA AGLAÉ TEDESCO


VILARDO

APELAÇÃO CÍVEL. Direito


Administrativo. Servidor Público.
Pretensão de que seja o réu
condenado a realizar a nomeação
e posse do candidato público.
Sentença de improcedência.
Irresignação da parte autora.
Para aplicação do entendimento
firmado no âmbito da Tese n° 784
do STF há necessidade de
demonstração cabal de que a
candidata foi preterida de forma
imotivada e arbitrária. Caso em
que a documentação apontada
pelo apelante se refere a
nomeação para cargos em
comissão, com símbolo próprio
de DAS - Direção e
Assessoramento Superior.
Previsão constitucional na forma
do art. 37, II. Ausência de prova
da preterição. Sentença que
deve ser mantida. Precedentes
deste TJRJ. RECURSO
DESPROVIDO.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível em
epígrafe, entre as partes acima indicadas, ACORDAM os
Desembargadores da QUARTA CAMARA DE DIREITO PUBLICO, por
unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO,
nos termos do voto da Relatora.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença


de i-494, assim redigida:

“Trata-se de ação condenatória, proposta por JACIARA


APARECIDA MOREIRA DA SILVA, em face do
MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA. Sustenta a parte
autora, em síntese, que o Município demandado
realizou concurso público para provimento do cargo de
auxiliar administrativo, com previsão inicial de
formação de cadastro de reservas, e que ficou, ao final,
na 33ª colocação. Informa que não foi convocada e
que, até a data da propositura da demanda, só houve
convocação até o 11º colocado. Destaca que o
Município mantém diversas pessoas nomeadas para a
mesma função, o que demonstraria a necessidade de
pessoal e a obrigatoriedade na convocação. Requer,
ao fim, a procedência do pedido, com a determinação
de nomeação da requerente. A inicial (fls. 2-11), veio
acompanhada dos documentos às fls. 3-114.
Deferimento da gratuidade de justiça com
determinação de citação à fl. 117. Contestação do
Município réu às fls. 122-127, em que, em síntese,
sustenta a ausência de direito à nomeação; a
discricionariedade no ato de nomeação; que o
concurso, na data da propositura da ação encontrava-
se vigente; que ao Poder Judiciário apenas é
reservado o controle de legalidade. A contestação veio
acompanhada dos documentos à fl. 128. Réplica à fl.
133. Cota do Parquet, pela inexistência de intervenção
ministerial às fls. 141-143. Determinação de
manifestação em provas à fl. 145. Requerimento, pela
parte autora, à fl. 150, de produção de prova
documental, consubstanciada na apresentação, pelo
Município, da relação de pessoas citadas na inicial,
bem como a produção de prova oral, consistente na
oitiva de testemunhas. Requerimento de depoimento
pessoal da parte autora, formulado pelo Município réu
à fl. 154. Manifestação da Defensoria Pública à fl. 156,
instruída com os documentos às fls. 157-199. Nova
manifestação da Defensoria Pública à fl. 216, com a
juntada de sentença em ACP às fls. 217-221.
Requerimento de tutela antecipada à fl. 223. Decisão
que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela às fls.
226-227, bem como determinou a apresentação dos
documentos requeridos pela parte autora. Alegações
finais da parte autora às fls. 236-237. Decisão que
indeferiu a prova oral às fls. 240-241, bem como
determinou a intimação do Município réu a apresentar
os documentos determinados, sob pena de multa
diária. Manifestação do Município réu à fl. 251,
instruída com o documento à fl. 252-254. Manifestação
da parte autora à fl. 260. Nova manifestação do
Município réu à fl. 272, com os documentos às fls. 273-
385. Juntada de novo edital de concurso público
01/2021 às fls. 394-470. Manifestação do Município à
fl. 477. Manifestação da parte autora (fl. 487) e do réu
(fl. 490), pela ausência de novas provas a produzir. É o
relatório. DECIDO. Não existem questões pendentes
ou preliminares a serem analisadas. Trata-se de
hipótese de julgamento antecipado do mérito, nos
termos do artigo 355, do Código de Processo Civil, na
medida em que os documentos juntados ao processo
são suficientes para a conclusão do feito, não havendo
necessidade de produção de outras provas em
audiência. O juiz é o destinatário das provas e,
verificando a desnecessidade de instrução probatória,
deve zelar pela razoável duração do processo e pela
primazia do julgamento do mérito, na forma dos artigos
4º, 139, inciso II e 370, do Código de Processo Civil. É
fato incontroverso a aprovação da parte autora dentro
do cadastro de reservas do concurso público
decorrente do edital nº. 08/2015, na 33ª (trigésima
terceira) colocação. Logo, cinge-se a controvérsia
sobre o direito ou não à nomeação da parte autora o
cargo de auxiliar administrativo do Município réu,
decorrente de aprovação dentro do cadastro de
reservas no edital nº. 08/2015. Verifica-se que o
alicerce da tese autoral é baseado na alegação de
existência de terceirizados nomeados para função de
auxiliar administrativo, sem a devida aprovação em
concurso público. Haja vista a distribuição estática do
ônus da prova, compete à autora a prova do fato
constitutivo do direito alegado, na forma do art. 373, I,
do CPC. Conforme edital 08/2015, o cargo de auxiliar
administrativo não previa a existência de vagas,
restringindo-se a elaboração de cadastro de reserva (fl.
16). Decorre, portanto, que o direito objetivado, numa
primeira análise, não é líquido e certo, revestindo-se de
mera expectativa de direito. Segundo o STF, o direito
subjetivo à nomeação do candidato aprovado em
concurso surge nas seguintes hipóteses: 1) quando a
aprovação ocorrer dentro do número de vagas do
edital; 2) quando houver preterição na nomeação, por
não observância da ordem de classificação; 3) quando
surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso
durante a validade do certame anterior, e ocorrer a
preterição de candidatos de forma arbitrária e
imotivada por parte da administração; 4) caso
terceirizados exerçam o cargo de forma precária. Cito o
precedente: "RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784
DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE
O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE
CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE
VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO
PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS
VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO
CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À
NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A
ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI
ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO
INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E
INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988.
ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO
EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM
DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS
DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE,
IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA
CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO
PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO
À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM SINTONIA COM A RE 837311 / PI
TESE ORA DELIMITADA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO." (RECURSO EXTRAORDINÁRIO
837.311 PIAUÍ. RELATOR: MIN. LUIZ FUX. certidão de
julgamento referente à sessão do Plenário de
9.12.2015. Impende-se, então, aferir a existência, ou
não, de uma das hipóteses citadas. Como já
destacado, é fato incontroverso que o edital não previu
vagas. Em que pese a indicação, em sede de inicial, de
cerca de 40 (quarenta) pessoas que estariam
nomeadas para o cargo objeto da lide, de forma
irregular - sem a aprovação em concurso público -, da
análise dos documentos às fls. 51-71, verifica-se que
as citadas pessoas foram nomeadas para exercer
cargo em comissão, com símbolo próprio de DAS -
Direção e Assessoramento Superior. A obrigatoriedade
de aprovação em concurso público de provas ou de
provas e títulos para investidura em cargo ou emprego
público é excetuada aos cargos em comissão,
declarados em lei de livre nomeação e exoneração.
Nestes termos, é a disposição do art. 37, II, da CRFB:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Nova
redação dada por Emenda Constitucional nº 19 de
04/06/1998) I - os cargos, empregos e funções públicas
são acessíveis aos brasileiros que preencham os
requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei; (Nova redação dada por
Emenda Constitucional nº 19 de 04/06/1998) II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de
aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista
em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração" No mesmo sentido, a manifestação às fls.
156 indica uma possível preterição de nomeação.
Contudo, dá análise dos documentos às fls. 157-181,
não se verifica correlação entre os nomes indicados, os
números de matrícula e o possível cargo exercido, o
que afasta a tese sustentada. Ainda, planilha à fl. 252-
253, colacionada aos autos pela Municipalidade
informa a existência de 56 (cinquenta e seis) auxiliares
administrativos. Já os documentos às fls. 273-327,
demonstra a nomeação de servidores para composição
do quadro efetivo de pessoal da administração pública
municipal, para o cargo de auxiliar administrativo. Não
se verifica, portanto, dos documentos que instruíram o
processo, irregularidades na composição do quadro de
auxiliar administrativo do Município réu. Conclui-se,
portanto, pela inexistência de direito por suposta
contratação precária ou preterição em convocação.
Ultrapassada tal questão, importa a análise da
alegação de abertura de novo concurso, realizado em
2021, com previsão do mesmo cargo de auxiliar
administrativo. Pela análise do edital 01/2021 (fls. 396-
470), percebe-se que, novamente, não houve a
previsão de vagas, estipulando, somente, a formação
de cadastro de reserva para o cargo de auxiliar
administrativo, o que gera a presunção de inexistência
de novas vagas surgidas entre o lapso temporal
existente entre o primeiro e o segundo concursos.
Ainda que este não fosse o caso, o simples fato de
novo abertura de concurso público, com previsão para
o mesmo cargo, não gera, por si só, direito à
nomeação. Neste mesmo sentido é remansosa a
jurisprudência deste Tribunal, a saber; "APELAÇÃO
CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONCURSO PÚBLICO.
CANDIDATOS CLASSIFICADOS PARA FORMAÇÃO
DE CADASTRO DE RESERVA. EXPECTATIVA DE
DIREITO À NOMEAÇÃO. CONTRATAÇÃO
IRREGULAR DE TERCEIRIZADOS PARA O
EXERCÍCIO DO MESMO CARGO DOS CANDIDATOS
APROVADOS NÃO COMPROVADA. REALIZAÇÃO
DE NOVO CONCURSO DENTRO DO PRAZO DE
VALIDADE DO ANTERIOR. POSSIBILIDADE.
AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE
REALIZAÇÃO DE NOVO CERTAME NA VIGÊNCIA
DE ANTERIOR. GARANTIA AOS APROVADOS DE
PRECEDÊNCIA DE CONVOCAÇÃO, DURANTE A
VIGÊNCIA DO CONCURSO, EM RELAÇÃO AOS
APROVADOS EM CONCURSO SUBSEQUENTE.
INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO INGRESSO
DE CANDIDATOS NO PERÍODO DE VALIDADE DO
CERTAME. PARTE AUTORA QUE NÃO LOGROU
FAZER PROVA DO DIREITO ALEGADO, ÔNUS QUE
LHE INCUMBIA, NA FORMA DO ART. 333, I DO
CPC/73 (ART. 373, I, DO CPC/2015). PROVIMENTO
DO RECURSO." (Apelação Cível nº 0332731-
17.2013.8.19.0001. Relatora: Desembargadora Maria
Isabel Paes Gonçalves). Ausentes, portanto, as provas
do fato constitutivo do direito autoral. Posto isso,
JULGO IMPROCEDENTES os pedidos autorais, na
forma do art. 487, I, do CPC. Condeno a parte autora
ao pagamento de custas e honorários advocatícios,
que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da
causa, na forma do artigo 85, §4º, III, do CPC,
observado, contudo, o art. 98 do CPC, ante a
gratuidade de justiça deferida. Publique-se. Registre-
se. Intimem-se Após o trânsito em julgado e as
cautelas legais, dê-se baixa e arquivem-se.”

Em suas razões de apelação de i-537, a parte autora insiste na


tese de que faz jus à nomeação no cargo pretendido, afirmando, em
suma, que os documentos de i-51 e 72 fazem prova do alegado.

Contrarrazões, no i-455.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser


recebido.
No mérito, sem razão o apelante.

A questão central do pleito recursal refere-se à existência de


direito à nomeação de candidato aprovado em concurso público, fora
do número de vagas, tendo em vista que nenhuma foi prevista no
edital – restringindo-se a reserva de vagas, no prazo de validade do
certame.

Inicialmente, a Constituição da República de 1988, artigo 37, II, impõe


a observância de regras para investidura em cargo ou emprego
público:

II – A investidura em cargo ou emprego público


depende de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a
natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para
cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração.

A Administração Pública tem o dever legal de garantir a


realização de concursos públicos revestidos das garantias legais e
constitucionais, bem como dos princípios da boa-fé, eficiência,
publicidade, impessoalidade e moralidade administrativa. Esta última
especialmente, pois traduz os valores de ética e de justiça.

A seleção de agentes públicos, por meio do processo seletivo,


objetiva trazer para o quadro de servidores os indivíduos mais
capacitados para exercer determinada atividade. Essa é a lição de
Hely Lopes Meirelles:

(...) pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os


apaniguados que costumam abarrotar as repartições,
num espetáculo degradante de protecionismo e falta de
escrúpulos políticos que se alçam e se mantêm no
pode leiloando cargos e empregos públicos.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro. 36ª Edição. Malheiros Editores. p. 461-462.

Os candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no


edital ou aprovados em concurso para cadastro de reservas, não
possuem direito à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no
período de validade do concurso por criação de lei ou por força de
vacância.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão
Geral, no julgamento do RE 837.311/PI, de relatoria do Ministro Luiz
Fux, firmou a tese 784 a respeito do direito subjetivo à nomeação de
candidatos aprovados fora do numero de vagas previstas no edital.
Confira-se:

RE 837311 / PI - PIAUÍ RECURSO


EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. LUIZ FUX
Julgamento: 09/12/2015 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno Publicação PROCESSO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-072 DIVULG
15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784
DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE
O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE
CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE
VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO
PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS
VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO
CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À
NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A
ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI
ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO
INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E
INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988.
ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO
EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM
DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS
DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE,
IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA
CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO
PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO
À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA
DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE
SE NEGA PROVIMENTO. 1. O postulado do concurso
público traduz-se na necessidade essencial de o
Estado conferir efetividade a diversos princípios
constitucionais, corolários do merit system, dentre eles
o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput). 2. O
edital do concurso com número específico de vagas,
uma vez publicado, faz exsurgir um dever de
nomeação para a própria Administração e um direito à
nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro
desse número de vagas. Precedente do Plenário: RE
598.099 - RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, DJe 03-10-2011. 3. O Estado Democrático de
Direito republicano impõe à Administração Pública que
exerça sua discricionariedade entrincheirada não,
apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da
conveniência e oportunidade de um ato, mas,
sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais
normas constitucionais em um ambiente de perene
diálogo com a sociedade. 4. O Poder Judiciário não
deve atuar como “Administrador Positivo”, de modo a
aniquilar o espaço decisório de titularidade do
administrador para decidir sobre o que é melhor para a
Administração: se a convocação dos últimos colocados
de concurso público na validade ou a dos primeiros
aprovados em um novo concurso. Essa escolha é
legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não
encontra obstáculo em qualquer preceito
constitucional. 5. Consectariamente, é cediço que a
Administração Pública possui discricionariedade para,
observadas as normas constitucionais, prover as vagas
da maneira que melhor convier para o interesse da
coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em
função de razões orçamentárias, os cargos vagos só
possam ser providos em um futuro distante, ou, até
mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar
caracterizado que não mais serão necessários. 6. A
publicação de novo edital de concurso público ou o
surgimento de novas vagas durante a validade de outro
anteriormente realizado não caracteriza, por si só, a
necessidade de provimento imediato dos cargos. É
que, a despeito da vacância dos cargos e da
publicação do novo edital durante a validade do
concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas
razões de interesse público que justifiquem a
inocorrência da nomeação no curto prazo, de modo a
obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do
direito subjetivo à nomeação dos aprovados em
colocação além do número de vagas. Nesse contexto,
a Administração Pública detém a prerrogativa de
realizar a escolha entre a prorrogação de um concurso
público que esteja na validade ou a realização de novo
certame. 7. A tese objetiva assentada em sede desta
repercussão geral é a de que o surgimento de
novas vagas ou a abertura de novo concurso para
o mesmo cargo, durante o prazo de validade do
certame anterior, não gera automaticamente o
direito à nomeação dos candidatos aprovados fora
das vagas previstas no edital, ressalvadas as
hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por
parte da administração, caracterizadas por
comportamento tácito ou expresso do Poder
Público capaz de revelar a inequívoca necessidade
de nomeação do aprovado durante o período de
validade do certame, a ser demonstrada de forma
cabal pelo candidato. Assim, a discricionariedade
da Administração quanto à convocação de
aprovados em concurso público fica reduzida ao
patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null),
fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação,
verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais:
i) Quando a aprovação ocorrer dentro do número
de vagas dentro do edital (RE 598.099); ii) Quando
houver preterição na nomeação por não
observância da ordem de classificação (Súmula 15
do STF); iii) Quando surgirem novas vagas, ou for
aberto novo concurso durante a validade do
certame anterior, e ocorrer a preterição de
candidatos aprovados fora das vagas de forma
arbitrária e imotivada por parte da administração
nos termos acima. 8. In casu, reconhece-se,
excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos
candidatos devidamente aprovados no concurso
público, pois houve, dentro da validade do processo
seletivo e, também, logo após expirado o referido
prazo, manifestações inequívocas da Administração
piauiense acerca da existência de vagas e, sobretudo,
da necessidade de chamamento de novos Defensores
Públicos para o Estado. 9. Recurso Extraordinário a
que se nega provimento.

Assim, para convolar a expectativa de direito em direito subjetivo


à nomeação do candidato aprovado fora do número de vagas
previstas no edital, deve o mesmo comprovar de forma cabal que
houve preterição arbitrária e imotivada por parte da administração,
caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder
Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação
do aprovado durante o período de validade do certame.

No presente caso, não há demonstração contundente de que


tenha sido preterida de forma arbitrária e imotivada.

Neste sentido, a sentença examinou cuidadosamente a prova


produzida, nos seguintes termos:

Em que pese a indicação, em sede de inicial, de


cerca de 40 (quarenta) pessoas que estariam
nomeadas para o cargo objeto da lide, de forma
irregular - sem a aprovação em concurso público
-, da análise dos documentos às fls. 51-71,
verifica-se que as citadas pessoas foram
nomeadas para exercer cargo em comissão,
com símbolo próprio de DAS - Direção e
Assessoramento Superior.

A obrigatoriedade de aprovação em concurso


público de provas ou de provas e títulos para
investidura em cargo ou emprego público é
excetuada aos cargos em comissão, declarados
em lei de livre nomeação e exoneração.

[...]

No mesmo sentido, a manifestação às fls. 156


indica uma possível preterição de nomeação.
Contudo, dá análise dos documentos às fls. 157-
181, não se verifica correlação entre os nomes
indicados, os números de matrícula e o possível
cargo exercido, o que afasta a tese sustentada.
Ainda, planilha à fl. 252-253, colacionada aos
autos pela Municipalidade informa a existência de
56 (cinquenta e seis) auxiliares administrativos. Já
os documentos às fls. 273-327, demonstra a
nomeação de servidores para composição do
quadro efetivo de pessoal da administração
pública municipal, para o cargo de auxiliar
administrativo. Não se verifica, portanto, dos
documentos que instruíram o processo,
irregularidades na composição do quadro de
auxiliar administrativo do Município réu. Conclui-
se, portanto, pela inexistência de direito por
suposta contratação precária ou preterição em
convocação. Ultrapassada tal questão, importa a
análise da alegação de abertura de novo
concurso, realizado em 2021, com previsão do
mesmo cargo de auxiliar administrativo. Pela
análise do edital 01/2021 (fls. 396-470), percebe-
se que, novamente, não houve a previsão de
vagas, estipulando, somente, a formação de
cadastro de reserva para o cargo de auxiliar
administrativo, o que gera a presunção de
inexistência de novas vagas surgidas entre o
lapso temporal existente entre o primeiro e o
segundo concursos. Ainda que este não fosse o
caso, o simples fato de novo abertura de
concurso público, com previsão para o mesmo
cargo, não gera, por si só, direito à nomeação.

Note-se, portanto, que os documentos de i-51/72 mencionados


em sede de apelação se referem à nomeação de pessoas a cargos
em comissão, de livre nomeação e exoneração, conforme previsão
constitucional.
Deste modo, as razões recursais em nada infirmam a adequada
fundamentação da sentença, que deve ser mantida.

Precedentes deste TJRJ:

0063248-76.2017.8.19.0021 - APELAÇÃO

Des(a). PATRÍCIA RIBEIRO SERRA VIEIRA -


Julgamento: 08/01/2024 - SEGUNDA CAMARA
DE DIREITO PUBLICO (ANTIGA 10ª CÂMA

APELAÇÃO CÍVEL. Ação pelo procedimento


comum, com pedido de obrigação de fazer,
visando à nomeação e posse dos autores no
cargo de Professor I - Educação Física. Município
de Duque de Caxias. Concurso nº 001/2015.
Sentença de improcedência. Autores aprovados
fora do número de vagas previsto no edital.
Ausência de direito subjetivo à nomeação, mas
sim mera expectativa. Direito que somente
passaria a existir caso ficasse comprovada a
preterição arbitrária e imotivada por parte da
administração, caracterizadas por comportamento
tácito ou expresso do Poder Público capaz de
revelar a inequívoca necessidade de nomeação
do aprovado durante o período de validade do
certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo
candidato (RExt. 837.311. Relator: Min. Luiz Fux,
Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, Processo
eletrônico. Repercussão Geral - Mérito. DJe-072.
Divulgação: 15/4/2016. Publicação: 18/4/2016).
Alegação de contratação de terceirizados, não
comprovada na espécie. Precedentes. Parecer da
Procuradoria de Justiça em consonância.
RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

0000548-60.2020.8.19.0053 - APELAÇÃO

Des(a). DENISE LEVY TREDLER - Julgamento:


12/12/2023 - SEXTA CAMARA DE DIREITO
PUBLICO (ANTIGA 21ª CÂMARA

APELAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO E


CONSTITUCIONAL. AÇÃO QUE TEM POR
OBJETO A CONVOCAÇÃO, NOMEAÇÃO E
POSSE DA AUTORA NO CARGO DE TÉCNICO
EM RADIOLOGIA DO MUNICÍPIO DE SÃO
JOÃO DA BARRA. CANDIDATA APROVADA
FORA DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS.
INEXISTÊNCIA DE PRETERIÇÃO. SENTENÇA
DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Indemonstrada
a ocorrência de preterição do direito da
recorrente, em razão da alegada contratação de
servidores temporários, haja vista que a candidata
foi aprovada na 17ª colocação e o edital ofertava
apenas 01 (um) vaga. Contratações temporárias
realizadas com ciência e anuência do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, nos autos
do ICP nº 163/2013, em curso na 1ª Promotoria
de Tutela Coletiva de Campos dos Goytacazes,
que trata especificamente das contratações
temporárias no Poder Executivo de São João da
Barra, tendo sido firmado, inclusive, um termo de
ajustamento de conduta - TAC sobre o tema e
atualmente não há mais contratados, vez que
todos foram dispensados no ano de 2016. A
simples contratação de servidores temporários,
por prazo determinado, não induz, por si só, à
configuração de quebra da ordem classificatória
do concurso público, por se tratar de medida
autorizada pelo art. 37, IX, da Constituição
Federal. Os aprovados em vagas além daquelas
previstas para o cargo, possuem, apenas, mera
expectativa de direito, diferentemente dos que
obtiveram aprovação no limite do número de
vagas definido no Edital do concurso, que terão
direito subjetivo à nomeação. Fixação dos
honorários recursais. Inteligência do § 11, do art.
85, do Código de Processo Civil. Recurso a que
se nega provimento.

Isso posto, VOTO NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO AO


RECURSO, bem como pela majoração dos honorários advocatícios
para 12% sobre o valor atualizado da causa, observada a suspensão
decorrente da gratuidade de justiça deferida.

Rio de Janeiro, Sessão de Julgamento realizada em 2024.

MARIA AGLAÉ TEDESCO VILARDO


JDS DESEMBARGADORA RELATORA

Você também pode gostar