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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ

DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL


RUA MAUÁ, 920 | ALTO DA GLÓRIA | CURITIBA | CEP: 80.030-901

APELAÇÕES CÍVEIS Nº 0001248-78.2009.8.16.0126 — DA VARA CÍVEL DA


COMARCA DE PALOTINA.
PRIMEIRO APELANTE: NERI HOFFMANN.
SEGUNDOS APELANTES: CELSO HOFFMANN E VALTER HOFFMANN.
TERCEIRA APELANTE: ROSELI HOFFMANN.
APELADOS: CELSO HOFFMANN, NERI HOFFMANN, ROSELI HOFFMANN E
VALTER HOFFMANN.
RELATOR: DESEMBARGADOR FÁBIO HAICK DALLA VECCHIA.
RELATOR CONVOCADO: JUIZ DE DIREITO EM 2º GRAU ANDERSON RICARDO
FOGAÇA.

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE


NULIDADE DE TESTAMENTOS. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

PRIMEIRO RECURSO DE APELAÇÃO. RÉU.


SENTENÇA QUE, EMBORA PROLATADA SOB A
ÉGIDE DA LEI 13.105/2015, ARBITRA HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA COM BASE NO
ART. 20, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE
1973. IMPOSSIBILIDADE. SEGUNDO ENTENDE O
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, É A DATA DE
PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA O MARCO
TEMPORAL PARA A APLICAÇÃO DO CPC/2015 À
FIXAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS
SUCUMBENCIAL. REFORMA NECESSÁRIA.
IMPOSSIBILIDADE, ENTRETANTO, DE APLICAÇÃO
DOS §§ 3º E 4º DO ART. 85 DO CPC, UMA VEZ
AUSENTE A FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO.
VERBA DE SUCUMBÊNCIA FIXADA EM 15% DO
PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO COM A
DEMANDA, À LUZ DO ART. 85, §§ 2º, INCS. II E IV, 6º
E 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
QUANTUM DEBEATUR A SER APURADO EM SEDE
DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

SEGUNDO RECURSO DE APELAÇÃO. COAUTORES.


JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PLEITO DE
RECONHECIMENTO DE OMISSÃO DA ANÁLISE DO

PEDIDO DE NULIDADE DOS TESTAMENTOS POR


PEDIDO DE NULIDADE DOS TESTAMENTOS POR
SEREM CONJUNTIVOS. PEDIDO NÃO REALIZADO
EM SEDE DE PETIÇÃO INICIAL, TANTO É QUE,
SOBRE A QUESTÃO, NADA DISSE O JUÍZO
SINGULAR, CONFORME A REGRA DA
CONGRUÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL
VERIFICADA. JUÍZO DE MÉRITO. ALEGAÇÃO DE
AUSÊNCIA DE LIVRE DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA
VONTADE DOS TESTADORES. PROVAS
DOCUMENTAL E ORAL PRODUZIDAS QUE NÃO
ATESTAM A INCAPACIDADE MENTAL DAQUELES
OU A EXISTÊNCIA DE QUALQUER COAÇÃO POR
PARTE DO RÉU. VIOLAÇÃO À FORMALIDADE
EXIGIDA PELOS ARTS. 1.632, INC. I, E 1.634 DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916 QUE, POR NÃO
PREJUDICAR A LIVRE MANIFESTAÇÃO DE
VONTADE, É INCAPAZ DE TORNAR INVÁLIDOS OS
TESTAMENTOS. AINDA QUE AUSENTES UMA OU
OUTRA TESTEMUNHA DO ATO, TRATA-SE DE
VÍCIO EXTERNO À DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA
VONTADE E QUE, POR ISSO, NÃO MACULA A
INTENÇÃO DOS TESTADORES. CAPACIDADE PARA
TESTAR VERIFICADA. RECURSO PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESTA, DESPROVIDO.

TERCEIRO RECURSO DE APELAÇÃO. COAUTORA.


JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE
TESTAMENTO CONJUNTIVO. PEDIDO NÃO
REALIZADO EM SEDE DE PETIÇÃO INICIAL, TANTO
É QUE, SOBRE A QUESTÃO, NADA DISSE O JUÍZO
SINGULAR, CONFORME à REGRA DA
CONGRUÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL
VERIFICADA. JUÍZO DE MÉRITO. INÉDITA
ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO POR
AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO TESTAMENTEIRO.
PARTE QUE NÃO PODE SE VALER DE SUA
PRÓPRIA TORPEZA, PORQUANTO ERA DE SUA
MAIOR RESPONSABILIDADE A INDICAÇÃO DOS
RÉUS DA DEMANDA (CPC, ARTS. 276 E 319, INC. II).
TESTAMENTEIRO QUE, ALIÁS, TOMOU CIÊNCIA
INEQUÍVOCA DA DEMANDA AO PATROCINAR
COMO ADVOGADO OS INTERESSES DA
APELANTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
PRECEDENTES DO STJ. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA
DE LIVRE DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE DOS
TESTADORES. PROVAS DOCUMENTAL E ORAL
PRODUZIDAS QUE NÃO ATESTAM A
INCAPACIDADE MENTAL DAQUELES OU A
INCAPACIDADE MENTAL DAQUELES OU A
EXISTÊNCIA DE QUALQUER COAÇÃO POR PARTE
DO RÉU. VIOLAÇÃO À FORMALIDADE EXIGIDA
PELOS ARTS. 1.632, INC. I, E 1.634 DO CÓDIGO
CIVIL DE 1916 QUE, POR NÃO PREJUDICAR A
LIVRE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE, É INCAPAZ
DE TORNAR INVÁLIDOS OS TESTAMENTOS. AINDA
QUE AUSENTES UMA OU OUTRA TESTEMUNHA DO
ATO, TRATA-SE DE VÍCIO EXTERNO À DISPOSIÇÃO
DE ÚLTIMA VONTADE E QUE, POR ISSO, NÃO
MACULA A INTENÇÃO DOS TESTADORES.
CAPACIDADE PARA TESTAR VERIFICADA.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA,
DESPROVIDO.

1.RELATÓRIO

Trata-se de três recursos de Apelação interpostos contra sentença[1] (


vide seq. 282) que, em autos (nº 0001248-78.2009.8.16.0126) de Ação Declaratória
de Nulidade de Testamentos, julgou extinto o feito, com resolução de mérito, em prol
da improcedência do pedido inicial formulado pela autora Roseli Hoffmann,
condenando-a, por fim, ao pagamento das custas e despesas processuais e
honorários advocatícios arbitrados em R$ 2.000,00 (Código de Processo Civil de
1973, art. 20, § 4º).

Inicialmente, insurgiu-se o requerido Neri Hoffmann (vide seq. 312),


alegando, em apertada síntese, que,prolatada a sentença na vigência da Lei
13.105/2015, deveria ter sido aplicado seu art. 85, §§ 3º e 4º, no que tange à fixação
dos honorários advocatícios de sucumbência, e não o art. 20, § 4º, do CPC/1973.
Por esse motivo, o primeiro apelante requer a reforma deste capítulo decisório.

Em seguida, os coautores Celso Hoffmann e Valter Hoffmann (vide


seq. 324) sustentaram, em suma, o seguinte: a) o juízo singular desconsiderou
várias situações que foram comprovadas nos autos, como o fato de que o próprio
réu, administrador de todos os bens de seus pais, foi quem solicitou ao advogado
Guiomar Mário Pizzatto que redigisse a minuta do testamento, convidou as
testemunhas e levou seus pais — e essas — ao cartório; b) a total ausência de
discernimento de seus pais era conhecida por todas as pessoas que os cercavam,
tanto é que quem convidou as testemunhas e compareceu ao cartório para se
certificar de que a minuta pré-redigida seria lavrada conforme seus interesses foi o
réu Neri Hoffmann; c) o depoimento da Senhora Leonida Ester Kujat comprova que
a falecida Arlinda Hoffmann, sua mãe, foi coagida pelo réu a assinar um documento
(vale dizer, o testamento); d) além da ausência da livre manifestação da vontade de
seus pais, é bem de ver que os testamentos, lavrados na vigência do Código Civil de
1916, não respeitaram a formalidade previsto no inc. I do art. 1.632 de tal codex
(presença de cinco testemunhas); e) o afastamento dessa formalidade somente tem
vez quando há prova indubitável acerca da livre e inequívoca manifestação de
vontade do testador, o que não se verifica no caso em tela; e, finalmente, f) a tese de
que os testamentos são nulos pois conjuntivos (CC/1916, art. 1.630) não foi
apreciada pelo juízo a quo. Por essas razões, os segundos apelantes visam à
reforma da sentença em prol do reconhecimento da nulidade dos testamentos.

Ato contínuo, a coautora Roseli Hoffmann (vide seq. 329) também


apelou do decisum, e, por sua vez, argumentou: a) em caráter preliminar, que é
indispensável a presença do testamenteiro no polo passivo da ação sob pena de
nulidade do processo; b) os testamentos são nulos por violação aos arts. 1.632, inc.
I, e 1.634 do Código Civil de 1916; c) como os testamentos são conjuntivos, o que é
vedado pelo ordenamento jurídico, são nulos de pleno direito; e d) o juízo singular
desconsiderou várias situações que foram comprovadas nos autos, como o fato de
que o próprio réu, administrador de todos os bens de seus pais, foi quem solicitou ao
advogado Guiomar Mário Pizzatto que redigisse a minuta do testamento, convidou
as testemunhas e levou seus pais — e essas — ao cartório. À guisa de outros
fundamentos, pede a terceira apelante seja reformada a sentença em prol da
nulidade dos testamentos ou, caso não seja este o entendimento, seja cassado o
decisum devido à nulidade do processo por ausência de citação do testamenteiro.

Quanto ao primeiro recurso de Apelação (de Neri Hoffmann), os


apelados Celso Hoffmann e Valter Hoffmann apresentaram contrarrazões
defendendo seu desprovimento (vide seq. 334), assim como a recorrida Roseli
Hoffmann (vide seq. 337).

No tocante ao segundo (de Celso Hoffmann e Valter Hoffmann) e


terceiro (de Roseli Hoffmann), o apelado Neri Hoffmann ofereceu resposta às seq.
340 e 341, respectivamente, em prol da manutenção do decisum.

Os autos subiram ao Tribunal em 28 de junho de 2018.

Instada, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou “pelo acolhimento


da preliminar de nulidade processual arguida pela apelante ROSELI ” e,
subsidiariamente, “pelo desprovimento dos recursos interpostos” (vide seq. 8-TJ).

Em sessão de julgamento realizada em 27 de fevereiro de 2019, a


colenda Décima Primeira Câmara Cível deste Tribunal, por unanimidade de votos,
deu provimento ao recurso de Roseli Hoffmann — reputando como prejudicados os
demais — para declarar nula a sentença e “todos os atos processuais desde a
citação dos herdeiros, assentando a necessária citação do testamenteiro” (vide seq.
52-TJ).
Ato contínuo, o primeiro apelante (Neri Hoffmann) opôs Embargos de
Declaração (1), os quais foram acolhidos à seq. 37-TJ, inclusive com a atribuição de
eficácia infringente, “para o fim de cassar o acórdão de seq. 52 dos autos de
Apelações Cíveis em apenso, possibilitando que os recursos sejam novamente
incluídos em pauta para julgamento que, desta feita, observe as alegações das
partes”.[2]

Após o trânsito em julgado de todos os recursos de Embargos de


Declaração (vide nota de rodapé nº 2), os autos de Apelações Cíveis vieram
novamente conclusos em 7 de janeiro de 2020.

O feito foi incluído em pauta para sessão virtual (vide seq. 79-TJ), mas,
diante do interesse na realização de sustentação oral e das limitações impostas pela
pandemia da COVID-19, determinou-se a permanência dos autos em Secretaria até
a realização de oportuna sessão presencial (vide seq. 101.1-TJ).

É o que se tinha para relatar.

2.FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, considerando que a data de publicação da sentença (27 de


fevereiro de 2018) é posterior à entrada em vigor da Lei 13.105/2015, as disposições
do novo Código de Processo Civil devem ser aplicadas ao juízo de admissibilidade
deste recurso, na forma de seu art. 14 e conforme orientação do Superior Tribunal
de Justiça (vide Enunciado Administrativo nº 3).

2.1 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Feita essa ressalva, a presença — em relação à Apelação do réu Neri


Hoffmann — de todos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade
recursal impõe o conhecimento das respectivas razões recursais.

No que se refere, porém, aos apelos de Celso Hoffmann e Valter


Hoffmann (segundo) e da coautora Roseli Hoffmann (terceiro), há evidente
inovação recursal quanto aos capítulos que versam sobre a conjuntividade dos
testamentos (art. 1.630 do Código Civil de 1916). Explica-se.

Ao passo que o segundo apelo ventila omissão do juiz da causa quanto


a esse pedido, o terceiro delineia a violação ao art. 1.630 do Código Civil de 1916.
Entretanto, a leitura atenta da petição inicial da demanda (vide seq. 1.1) revela que a
nulidade dos testamentos decorreria de dois vícios principais: a) ausência de
manifestação livre de vontade pelos falecidos (pautada, em suma, na tese de que
lhes faltava discernimento e/ou espontaneidade); e b) falta de observância dos
requisitos formais previstos nos arts. 1.632, inc. I, e 1.634 do Código Civil de 1916,
especialmente aqueles que dizem respeito ao número de testemunhas do ato e ao
dever do oficial público (tabelião) de fazer constar no testamento o cumprimento das
formalidades.

Como se vê, em nenhum momento, na petição inicial, há argumentação


realizada quanto à suposta conjuntividade (simultaneidade, reciprocidade ou
correspectividade) dos testamentos, a qual era vedada pelo art. 1.630 do Código
Civil de Bevilácqua. Inclusive, há de se atentar para o fato de que o modus operandi
da parte autora foi apontar, na peça exordial, os artigos de lei que teriam sido
violados, não havendo sequer menção ao referido art. 1.630 do Código Civil de
1916.

É por essa razão — e não por suposta omissão — que o juízo de origem,
na sentença de seq. 282, sequer se debruçou sobre a questão, pois lhe era vedado
decidir a lide fora dos limites propostos. Trata-se da regra da congruência
(CPC/1973, arts. 128 e 460, caput, e CPC/2015, arts. 141 e 492, caput): se a parte
autora não alegou a nulidade do testamento por violação ao art. 1.630 do Código
Civil de 1916, não poderia o magistrado monocrático analisar eventual violação e,
muito menos, assim se posicionar (nulidade por violação a tal dispositivo).

Evidenciada a inovação recursal em que incorreram os segundos e


terceira apelantes e, de outro lado, satisfeitos os demais requisitos de
admissibilidade recursal pertinentes à espécie, os apelos de tais litigantes
comportam apenas parcial conhecimento.

2.2 CONTEXTO DO CASO

Em 10 de dezembro de 2009, Celso José Hoffmann, Roseli Hoffmann


e Valter Hoffmann, todos filhos e herdeiros dos falecidos Arlinda Hoffmann e Ilmo
Abelino Hoffmann,[3] ajuizaram a presente Ação Declaratória de Nulidade de
Testamento em face de Neri Hoffmann, igualmente filho e herdeiro desses.

Narra a parte autora que, após o falecimento de seus pais, o requerido


Neri deu início à abertura de inventário e partilha de bens (Ação de Inventário nº
426/2006) junto à Vara Cível da Comarca de Palotina, anexando, na oportunidade,
as escrituras públicas de testamento dos falecidos.

“Os requerentes procuraram obter informações sobre a forma como


foram lavrados tais testamentos e constataram que não espelham a manifestação de
vontade dos testadores”, eis que: a) o réu Neri compareceu em cartório com minutas
de testamento elaboradas por um advogado, a seu pedido; b) os testadores não
estavam presentes na ocasião, somente o réu; c) o “testador” Ilmo Abelino Hoffmann
havia sofrido dois Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) nos dez anos que
precederam o testamento, de modo que estava sem condições de gerir sozinho seus
bens e interesses; e d) Arlinda foi induzida por Neri a assinar o testamento.

Além disso, ponderam que as escrituras públicas não observam todos os


requisitos do art. 1.632 do Código Civil de 1916, na medida em que três
“testemunhas” não estavam presentes no ato, fatos estes que, reunidos, implicariam
a nulidade de pleno direito dos testamentos.

A parte ré contestou a lide em fevereiro de 2010 (vide seq. 1.12) e o feito


teve seu trâmite regular, sobrevindo, após parecer do Ministério Público em prol da
improcedência do pedido inicial (vide seq. 278), sentença de mérito neste exato
sentido (seq. 282), entendendo o juízo monocrático, em síntese, que: a) os relatórios
médicos juntados aos autos se referem apenas a consultas de rotina relacionadas a
patologias físicas, não havendo prova da incapacidade psicológica ou mental dos
falecidos; b) a prova oral, por seu turno, não demonstra a falta de discernimento
deles, tampouco o relato médico produzido em audiência — que ressalva a
existência de compreensão —, não havendo prova sobre vício de vontade, ônus que
competia à parte autora (CPC, art. 373, inc. I); c) quanto à violação ao art. 1.632, inc.
I, do Código Civil de 1916, o entendimento jurisprudencial é o de que se deve mitigar
o rigor das formalidades para preservar a disposição de última vontade, sendo que a
ausência de uma ou outra testemunha no ato não causou qualquer prejuízo à
vontade manifestada pelos testadores; d) os documentos, produzidos em cartório,
gozam de fé pública; e, por fim, e) sobre o fato de o advogado do réu ter levado
minuta para escrituração, tem-se que o tabelião apontou em audiência o costume de
assim proceder, tendo os testamentos sido lidos em voz alta e obtido anuência dos
testadores.

2.3 JUÍZO DE MÉRITO

Por consectário lógico, a análise dos recursos há de se iniciar pelos


apelos da parte autora (Celso Hoffmann e Valter Hoffmann, bem como Roseli
Hoffmann), deixando-se para o final a análise das alegações do réu Neri Hoffmann.

2.3.1 NULIDADE DO PROCESSO

A coautora (e terceira apelante) alegou, de forma inédita nos autos e em


caráter “preliminar”, que, sob pena de nulidade do processo, seria indispensável a
presença do testamenteiro no polo passivo da ação. Como tal pessoa não teria sido
chamada ao processo, este seria nulo, impondo-se declaração nesse sentido.

Bem sopesadas as coisas — e revendo o entendimento adotado quando


do primeiro julgamento deste recurso —, afigura-se sem razão a apelante (e isso por
duas razões), senão vejamos.

Em primeiro lugar, tem-se que a própria pessoa de Roseli Hoffmann, ao


Em primeiro lugar, tem-se que a própria pessoa de Roseli Hoffmann, ao
lado de seus irmãos Celso Hoffmann e Valter Hoffmann, figuram como autores da
ação. Pela boa técnica processual, sabe-se que é a parte autora a responsável por
nomear corretamente aqueles que devem figurar no polo passivo da ação, nos
termos do art. 319, inc. II, do CPC (art. 282, inc. II, do CPC/1973, vigente à época):

Art. 282. A petição inicial indicará: (...) II – os nomes,


prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência
do autor e do réu.

Nesse contexto, se a coautora-apelante entende que a presença do


testamenteiro no polo passivo da demanda é conditio sine qua non para sua
validade, deveria ter o indicado como réu na petição inicial, obviamente —
verdadeira responsabilidade que lhe recaía. Porém, a coautora Roseli Hoffmann (e
tampouco seus irmãos coautores) não se preocupou em indicar o testamenteiro ao
polo passivo da ação.

Interessante notar, no ponto, que o art. 243 do CPC/1973, vigente à


época do ajuizamento da demanda, previa que “quando a lei prescrever determinada
forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela
parte que Ihe deu causa”. Mesma prescrição é encontrada no art. 276 do vigente
CPC.

Dessa forma, mesmo que se admita, por hipótese, que a falta de citação
do testamenteiro implica a nulidade do processo, tem-se que a ausência de sua
citação ou chamamento ao feito decorre, majoritariamente, de omissão da própria
parte autora, que não pode, após dar causa à (admitida por hipótese) nulidade do
processo, requerer declaração nesse sentido — vale, aqui, o brocardo latino nemo
auditur propriam turpitudinem allegans (ninguém pode se beneficiar da própria
torpeza).

A propósito, é esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO


INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTOS DO
ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283/STF.
AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO DE POSSE.
CANCELAMENTO A PEDIDO DA PARTE AUTORA.
PEDIDO DE REMARCAÇÃO DO ATO.
DESCABIMENTO. PRECEDENTES DO STJ.
QUESTÕES SUSCITADAS EM MOMENTO
POSTERIOR À INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO
CONSUMATIVA. DECISÃO MANTIDA. (...). Cabe
destacar ainda que o fato de o recorrente ter dado
destacar ainda que o fato de o recorrente ter dado
causa à alegada nulidade impede sua decretação
(CPC/2015, art. 276) (...).
(STJ, Quarta Turma, AgInt no AREsp. 1.275.824/RS,
rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 16.08.2019).

Como uma segunda razão para a inexistência da nulidade apontada por


Roseli Hoffmann (a par de seu afastamento em decorrência da aplicação do art.
276 do CPC ao caso), tem-se que o apelado Neri Hoffmann faz oportunas
ponderações em suas contrarrazões de seq. 341.

O sexto item dos testamentos de Ilmo Abelino Hoffmann e Arlinda


Hoffmann traz a seguinte redação: “nomeia como testamenteiros, os Srs. Guiomar
Mário Pizzatto e Enimar Pizzatto, que funcionará um na falta ou recurso do outro,
observada a ordem de nomeação (...)” (vide seq. 1.13, p. 6-11).

O referido senhor Guiomar Mário Pizzatto, com efeito, é advogado que


patrocinou a causa em favor da parte autora ao menos desde fevereiro de 2010,
como revelam, apenas a título de ilustração, as certidões de seqs. 1.19 (p. 2), 1.31,
1.37 (p. 2), 1.38 (p. 2) e 1.39 e as revogações de poderes de seqs. 1.29, 1.30, 1.32 e
1.33. Aliás, somente em março de 2018 é que o referido advogado testamenteiro
renunciou aos poderes que lhe foram conferidos pela coautora Roseli Hoffmann (
vide seq. 297.2).

Disso decorre que o testamenteiro, senhor Guiomar Mário Pizzatto,


embora não citado formal e pessoalmente dos termos da ação declaratória de
nulidade dos testamentos que deveria fazer cumprir, tomou ciência inequívoca da
demanda quando atuou como advogado da parte autora.

Ora, como já destacado no decisum que julgou os primeiros Embargos


de Declaração opostos contra o acórdão de seq. 52-TJ (vide seq. 37-TJ), na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça prevalece — de há muito, aliás — o
entendimento de que o testamenteiro que atua no feito como procurador de uma
das partes toma ciência inequívoca da ação, o que torna prescindível a
perfectibilização de sua citação formal sem que isso fomente uma nulidade
processual, eis que inexiste qualquer prejuízo (pas de nulitte sans grief).

Confira-se, nesse sentido, os seguintes precedentes daquela Corte


Superior: a) REsp 277.932/RJ, rela. Mina. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ
17.12.2004; b) REsp 594.112/PR, rel. Min. Massami Uyeda, Quarta Turma, j.
03.04.2008; e c) AREsp 369.732/SP, rela. Mina. Maria Isabel Gallotti, decisão
monocrática, DJe 20.03.2017.

Diante de todo o exposto, mesmo que se afastasse a conclusão adotada


sobre a incidência do art. 276 do CPC ao caso, ainda assim não haveria que se falar
em nulidade do processo por ausência de citação do testamenteiro, o qual, na
função de advogado da parte autora, tomou ciência inequívoca da demanda
(aplicação do brocardo latino pas de nullite sans grief — então positivado no art. 249,
§ 1º, do CPC/1973 e com redação replicada no 282, § 1º, do CPC hodiernamente
vigente).

Destarte, o recurso de Roseli Hoffmann deve ser desprovido neste


ponto.

2.3.2 NULIDADE DOS TESTAMENTOS PÚBLICOS

Os segundos apelantes (Celso Hoffmann e Valter Hoffmann), ao lado


da terceira (Roseli Hoffmann), pontuaram que o juízo singular teria desconsiderado
várias situações que foram comprovadas nos autos, como o fato de que o próprio
réu, administrador de todos os bens de seus pais, foi quem solicitou ao advogado
Guiomar Mário Pizzatto que redigisse a minuta do testamento, convidou as
testemunhas e levou seus pais — e essas — ao cartório.

Os segundos apelantes argumentaram, também, que a total ausência de


discernimento de seus pais era conhecida por todas as pessoas que os cercavam,
tanto é que quem convidou as testemunhas e compareceu ao cartório para se
certificar de que a minuta pré-redigida seria lavrada conforme seus interesses foi o
réu Neri Hoffmann. Ponderaram que o depoimento da Senhora Leonida Ester Kujat
comprova que a falecida Arlinda Hoffmann, sua mãe, foi coagida pelo réu a assinar
um documento (vale dizer, o testamento).

Além da ausência da livre manifestação da vontade de seus pais,


apontam que é bem de ver que os testamentos, lavrados na vigência do Código Civil
de 1916, não respeitaram a formalidade previsto no inc. I do art. 1.632 de tal codex
(presença de cinco testemunhas). Em adição a esse ponto, a apelante Roseli
Hoffmann também apontou violação ao art. 1.634 do Código Civil de 1916.

Celso Hoffmann e Valter Hoffmann ainda alegaram queo afastamento


dessa formalidade somente tem vez quando há prova indubitável acerca da livre e
inequívoca manifestação de vontade do testador, o que não se verifica no caso em
tela.

Sem razão os apelantes, entretanto.

De início, a leitura atenta da petição inicial da demanda (vide seq. 1.1)


revela que a nulidade dos testamentos decorreria de dois vícios principais: a)
ausência de manifestação livre de vontade pelos falecidos (pautada, em suma, na
tese de que lhes faltava discernimento e/ou espontaneidade); e b) falta de
observância dos requisitos formais previstos nos arts. 1.632, inc. I, e 1.634 do
Código Civil de 1916, especialmente aqueles que dizem respeito ao número de
testemunhas do ato e ao dever do oficial público (tabelião) de fazer constar no
testamento o cumprimento das formalidades.

Significa dizer, portanto, que competia à parte autora, nos termos do art.
373, inc. I, do CPC (então art. 333, inc. I, do CPC/1973) fazer prova cabal de que,
além de os falecidos não estarem gozando de plena faculdade mental para testar, a
lavratura do testamento não observou as formalidades exigidas em lei.

No ponto, a sentença de mérito revela-se absolutamente escorreita.

2.3.2.1 Capacidade e livre manifestação de vontade

A suposta ausência de discernimento do casal falecido foi objeto de


prova documental e oral durante o trâmite da demanda. A prova documental se
resumiu a ofícios, relatórios e prontuários médicos (seqs. 1.53, 1.70, 176/178,
186/188, 191 e 199/201). Sobre elas, o juízo de origem bem sintetizou que “não
restou comprovada a alegação de vício da manifestação de vontade dos testadores
ao elaborar o testamento, incapacidade, nem de que tenha sido elaborado em
contrariedade com suas vontades”, na medida em que, “dos documentos médicos
acima mencionados, em nenhum momento constou a ressalva de qualquer
incapacidade de discernimento dos testadores, tratando-se apenas de
relatórios de consultas e exames de rotina, relacionados a patologias físicas, e
não mentais” — realçou-se.

A prova oral (à qual se apegam fortemente os autores, bem degravada


nas p. 3-25 da sentença), por sua vez, após exame acurado por parte deste relator,
também se revelou inapta a caracterizar eventual falta de discernimento do casal
falecido Ilmo Abelino e Arlinda.

Ao depor em juízo (vide seq. 136.14), o réu Neri Hoffmann afirmou que
seus moravam sozinhos; que o pai sofreu um derrame e que a mãe era idosa, razão
pela qual havia uma mulher para ajudar a cuidar deles; que a ajuda não era nada de
anormal, ela fazia almoço, dava banho; que seu pai, após o derrame, ficou muito
fisicamente lesado; que trabalhou toda a vida com seu pai; que o pai sempre
falava que para “garantir” a parte dele, um pouco mais, iria fazer aquilo
(testamento); que o pai, ainda em vida, destinou coisas para os irmãos, mas que o
depoente nunca pegou nada (tirando pouca coisa de uma firma em 1969); que os
irmãos gastaram tudo e agora “vêm em cima”, que já estava combinado ele ficar com
um pouco mais; que a ideia dos testamentos partiu dos pais; que perguntou para
o Sr. Mário (advogado) se poderia ser o testamenteiro; que resolveram tudo num dia
no cartório; que não estava junto no cartório, mas que pai não tinha nada de

anormal; que nunca soube de qualquer questionamento pelos pais sobre o teor
anormal; que nunca soube de qualquer questionamento pelos pais sobre o teor
dos testamentos; que o pai tinha pressão alta; que conhece os médicos que
tratavam dele; que o derrame ocorreu 15, 16 anos antes de falecer; que o depoente
continuou fazendo as coisas na fazenda como sempre fez, trocando ideais com seu
pai mesmo apôs o derrame; que acha que o pai sofreu só um AVC; que o derrame
não afetou o raciocínio do pai, só havia alguns esquecimentos de fala; que
sempre trabalharam juntos; que depois que adoeceu, o pai foi pouco à fazenda; que
não lembra se foi quem entregou a minuta para o cartório, nem se recebeu a minuta
do advogado; que a assinatura de seu pai, no testamento, estava diferente
porque foi depois do derrame, tinha dificuldade em escrever; que levou os pais
até o cartório; que foi ele e o pai quem escolheram as testemunhas, mas que não
lembra se foi quem convidou todas; que as testemunhas do seu pai eram vizinhos,
conhecidos da família; que os irmãos moravam em outros locais, apenas ele morava
perto do pai; que trabalhavam juntos desde 1969; que a Sra. Leonida morava do
lado, mas dormia lá nos últimos tempos; que o Sr. Ademar também ajudava; que, no
dia anterior à lavratura do testamento, esteve com os pais; que foi opção dos pais
em fazer os dois testamentos no mesmo momento; e que as testemunhas eram
conhecidos por todos.

Como se vê, o depoente, em suma, sustenta que, como seus irmãos


receberam de seus pais alguns bens em vida, estava combinado entre todos que
ficaria com uma parte maior do patrimônio em razão do falecimento de seus pais,
sendo que foi destes próprios que surgiu a ideia de fazer o testamento público em
seu favor, não havendo, à época, qualquer dificuldade de discernimento por parte
dos pais, quem bem sabiam o que estavam fazendo.

Quanto à concordância dos falecidos com o teor dos testamentos, é


necessário frisar que todas as testemunhas do ato confirmaram tal anuência de
Ilmo Abelino e Arlinda após a leitura em voz alta dos documentos em cartório, bem
como atestaram que, em suas opiniões, o de cujus Ilmo Abelino estava em pleno
gozo das faculdades mentais, estando perfeitamente lúcido. Nominalmente: a)
senhor Darcy Ioris, que, apesar de ouvido como informante, foi o tabelião
responsável pela lavratura das escrituras (seq. 136.16); b) o senhor Ademar Luiz
Zuquello, contador da família ouvido como informante que presenciou o ato (seq.
136.15); c) o senhor Alfredo Shulz, ouvido como testemunha do ato (seq. 136.17); d)
o senhor Altair João Pandini, ouvido como testemunha do ato (seq. 136.18); e) o
senhor Elemar Stibbe, ouvido como testemunha do ato (seq. 136.19); e f) o senhor
Otimar Alberto Kurtz, também ouvido como testemunha do ato (seq. 136.20).

Como se vê, dos depoimentos das testemunhas que presenciaram o ato


não se extrai qualquer indício de que o casal falecido não teria manifestado sua
vontade de forma consciente e livre.
Ainda no tocante ao pleno gozo das faculdades mentais dos de cujus,
embora o senhor Ademar Walz Júnior e a senhora Leonida Ester Kujat, responsáveis
por auxiliar no cuidado do casal de então idade avançada, ponderem, segundo suas
opiniões pessoais (seqs. 136.22 e 257.50), que havia uma dificuldade de
compreensão por parte do falecido Ilmo Abelino e que, numa determinada ocasião, a
senhora Leonida Ester Kujat teria presenciado a falecida Arlinda chateada porque
teria que assinar um documento contra sua vontade, tais alegações não têm o
condão de evidenciar a incapacidade mental dos falecidos ou a existência de
coação (por parte de Neri Hoffmann) na manifestação de vontade de sua mãe.

Isso porque, em primeiro lugar, a senhora Leonida não conseguiu


precisar se a mencionada irresignação da falecida Arlinda Hoffmann era, de fato,
com toda a questão dos testamentos — o que, diante da prova produzida nos autos,
mostra-se muito improvável. Aliás, bem analisadas as coisas, a senhora Leonida
chega a afirmar que nunca testemunhou uma animosidade de Arlinda Hoffmann
quanto ao testamento, tampouco coação (realçou-se):

(...) que dona Arlinda comentou acerca de uma


conversa com Neri; que não lembra com certeza como
foi; que dona Arlinda inclusive falou da família, ela
falava bastante da família; que não sabe com certeza se
era questão de assinar alguma coisa que ela não
queria, ela só estava chorando; que lembra que dona
Arlinda falou que não estava contente com as coisas
que estavam acontecendo e que ela tinha ficado
nervosa com a conversa que ela teve com seu Neri; (...)
que escutava conversa da dona Arlinda com os demais
filhos; que escutou comentarem sobre o testamento;
que comentavam que tinha sido feito um testamento,
mas não tinha conhecimento de quem era mais
beneficiado, de como que iria ser; que ela comentava
com os demais filhos que havia sido feito esse
testamento; que seu Ilmo era mais difícil fazer esse
comentário, a dona Arlinda comentava mais; que
nessas conversas dona Alinda não demonstrava se
estava arrependida, triste ou normal; que ela só fazia
comentário; (...) que não viu acontecer uma pressão
por parte do seu Neri para que seu Ilmo e dona
Arlinda fizessem o testamento, de jeito nenhum; que
não associou o dia em que dona Arlinda estava
nervosa e chorando e posteriormente quando ela
disse que tinha feito um testamento, não associou
as duas situações; (...).

Em segundo lugar, um dos médicos que acompanhavam o falecido Ilmo


Abelino Hoffmann afastou expressamente em juízo a possibilidade de o de cujus não
ter compreensão de seus atos — apesar de ter sofrido ao menos um AVC durante
sua vida. O Dr. Wilson Massahiko Hattori é claro ao afirmar que, a despeito de haver
sequelas neurológicas, “havia dificuldades de compreensão, mas havia
compreensão ainda”, “que o paciente, apesar do AVC, tinha uma recuperação
satisfatória (...)”.

Como se vê, portanto, as provas documental e oral produzidas no feito


não têm o condão de demonstrar, de forma cabal, que o casal Ilmo Abelino
Hoffmann e Arlinda Hoffmann, à época da celebração dos testamentos públicos,
estava com o intelecto afetado ao ponto de não ter compreensão de seus atos,
exsurgindo suficientemente clara, de outro lado, a livre manifestação de vontade
deles no sentido de testar em favor do réu Neri Hoffmann.

A douta PGJ, em seu parecer de seq. 8, adota o mesmo entendimento: “


do exame da prova oral produzida nos autos não se vislumbra qualquer resquício de
que os testadores não possuíssem capacidade para testar, os quais estavam em
perfeito juízo, tampouco indícios mínimos de que o testamento tenha sido elaborado
contrariamente aos seus desígnios”.

2.3.2.2 Inexistência de nulidade por vícios formais

É certo que a presença de cinco testemunhas no ato é, para o Código


Civil de 1916, requisito essencial de validade do testamento (art. 1.632, inc. I). Ao
passo que nas escrituras públicas consta a assinatura de todas as cinco
testemunhas convidadas — o que poderia fazer presumir, por si só, as suas
respectivas presenças no ato, tendo em vista a fé pública de que goza o documento
—, certo é que a prova oral produzida, consistente na inquirição delas e do tabelião,
não dá segurança necessária quanto à presença das cinco pessoas.

O réu Neri Hoffmann (seq. 136.14), o tabelião Darcy Ioris (seq. 136.16)
e o informante Ademar Luiz Zequello (seq. 136.15) afirmam que todas as cinco
testemunhas estavam presentes, mas as demais (Alfredo Schulz, Elemar Stibbe,
Altair João Pandini Otimar Alberto Kurtz) não conseguiram afirmar em juízo que se
recordavam da presença de todas as pessoas convidadas para testemunhar o ato (
vide seqs. 136.17, 136.19 e 136.20). Assim, bem afirma o juízo a quo que “não
restou cabalmente esclarecido o número de testemunhas que se encontravam no
ato, mesmo que conste a assinatura de todas no documento público”.

É necessário pontuar, porém, que a suposta violação ao art. 1.632, inc. I,


do Código Civil de 1916, quando não há dúvidas sobre a liberdade com que
manifestado o intento dos testadores, é, para a melhor jurisprudência, causa
insuficiente para torná-lo inválido, pois, uma vez bem e regularmente exposta a
disposição de última vontade da pessoa natural, deve-se preservá-la diante de vícios
que, embora existentes, são externos e incapazes de maculá-la (qual seja, a própria
disposição de última vontade), senão vejamos:

CIVIL. TESTAMENTO PÚBLICO. VÍCIOS FORMAIS


QUE NÃO COMPROMETEM A HIGIDEZ DO ATO OU
PÕEM EM DÚVIDA A VONTADE DA TESTADORA.
NULIDADE AFASTADA. SUMULA N. 7-STJ. I.
Inclina-se a jurisprudência do STJ pelo
aproveitamento do testamento quando , não
obstante a existência de certos vícios formais, a
essência do ato se mantém íntegra, reconhecida pelo
Tribunal estadual, soberano no exame da prova, a
fidelidade da manifestação de vontade da testadora,
sua capacidade mental e livre expressão. (STJ,
Quarta Turma, REsp. 600.746/PR, rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, DJe 15.06.2010).

*****

PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. AGRAVO


REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NULIDADE
DE TESTAMENTO. PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE
LEGAL . VÍCIOS FORMAIS INCAPAZES DE
COMPROMETER A HIGIDEZ DO ATO OU POR EM
DÚVIDA A VONTADE DO TESTADOR. SÚMULA N.
7/STJ. 1. A análise da regularidade da disposição de
última vontade (testamento particular ou público) deve
considerar a máxima preservação do intuito do
testador, sendo certo que a constatação de vício
formal, por si só, não deve ensejar a invalidação do
ato, máxime se demonstrada a capacidade mental
do testador, por ocasião do ato, para livremente
dispor de seus bens. Precedentes do STJ. (...). (STJ,
Quarta Turma, AgRg no REsp. 1.073.860/PR, rel. Min.
Antonio Carlos Ferreira, DJe 21.03.2013).
*****

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. PROCEDIMENTO DE


JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA DE CONFIRMAÇÃO DE
TESTAMENTO. FLEXIBILIZAÇÃO DAS
FORMALIDADES EXIGIDAS EM TESTAMENTO
PARTICULAR. POSSIBILIDADE. CRITÉRIOS. VÍCIOS
MENOS GRAVES, PURAMENTE FORMAIS E QUE
NÃO ATINGEM A SUBSTÂNCIA DO ATO DE
DISPOSIÇÃO. LEITURA DO TESTAMENTO NA
PRESENÇA DE TESTEMUNHAS EM NÚMERO
INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE
VÍCIO GRAVE APTO A INVALIDAR O TESTAMENTO.
AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE DÚVIDAS ACERCA DA
CAPACIDADE CIVIL DO TESTADOR OU DE SUA
VONTADE DE DISPOR. FLEXIBILIZAÇÃO
ADMISSÍVEL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.
AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. (...). 2. O
propósito recursal é definir se o vício formal
consubstanciado na leitura do testamento particular
apenas a duas testemunhas é suficiente para invalidá-lo
diante da regra legal que determina que a leitura ocorra,
ao menos, na presença de três testemunhas. 3. A
jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido
de que, para preservar a vontade do testador, são
admissíveis determinadas flexibilizações nas
formalidades legais exigidas para a validade do
testamento particular, a depender da gravidade do
vício de que padece o ato de disposição. Precedentes.
4. São suscetíveis de superação os vícios de menor
gravidade, que podem ser denominados de puramente
formais e que se relacionam essencialmente com
aspectos externos do testamento particular, ao passo
que vícios de maior gravidade, que podem ser
chamados de formais-materiais porque transcendem a
forma do ato e contaminam o seu próprio conteúdo,
acarretam a invalidade do testamento lavrado sem a
observância das formalidades que servem para
conferir exatidão à vontade do testador. 5. Na
hipótese, o vício que impediu a confirmação do
testamento consiste apenas no fato de que a
declaração de vontade da testadora não foi
realizada na presença de três, mas, sim, de somente
duas testemunhas, espécie de vício puramente
formal incapaz de, por si só, invalidar o testamento
, especialmente quando inexistentes dúvidas ou
questionamentos relacionados à capacidade civil
do testador, nem tampouco sobre a sua real
vontade de dispor dos seus bens na forma
constante no documento. 6. A ausência de cotejo
analítico entre o acórdão recorrido e os julgados
colacionados como paradigma impede o conhecimento
do recurso especial interposto pela divergência
jurisprudencial. 7. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ, Terceira
Turma, REsp. 1.583.314/MG, rel. Min. Nancy Andrighi,
DJe 21.08.2018).
Diante desse entendimento, na hipótese — não cabalmente
demonstrada, frise-se — de nem todas as testemunhas dos testamentos de Ilmo
Abelino Hoffmann e Arlinda Hoffmann terem, de fato, estado presentes na leitura do
ato, ainda assim não se pode reconhecer a invalidade dos documentos porque
não há provas de que a manifestação de vontade dos testadores não foi livre ou não
foi realizada no pleno gozo das faculdades mentais.

Como bem arremata o juízo de origem, “no caso em análise, a suposta


ausência de uma ou duas das testemunhas na elaboração do testamento não é hábil
à decretação da nulidade do testamento, haja vista tratar-se de mero requisito
formal, não tendo causado qualquer prejuízo à vontade manifestada pelos testadores
”.

Para a preservação da disposição de última vontade do casal falecido —


do que consta dos autos, livremente manifestada —, portanto, se impõe a
flexibilização das formalidades exigidas nos arts. 1.632, inc. I, e 1.634 do Código
Civil de 1916.

E nem se cogite, ainda, de eventual diferença de tratamento entre o


testamento público e o particular que impedisse a flexibilização das formalidades
legais. Isso porque, além de o STJ equipará-los para o fim dessa flexibilização (como
visto nos precedentes acima transcritos), bem diz o juízo de primeiro grau que,
“considerando que o instrumento público é realizado em cartório, mediante tabelião,
o qual possui fé pública, e por escritura pública, mostra-se, inclusive, ser medida
mais segura do que o testamento particular”.

Ademais, quanto ao fato de o advogado Guiomar Mário Pizzatto ter


redigido a minuta dos testamentos a pedido de Neri Hoffmann — quem também
convidou as testemunhas e levou seus pais e essas ao cartório —, não há qualquer
vício a ser reconhecido, pois, conforme relatado pelo tabelião Darcy Ioris em juízo
(seq. 136.16), era costumeiro as pessoas minutarem os termos das escrituras, até
mesmo para agilizar o procedimento, sendo que esta era uma prática notória e
habitual dos tabelionatos.

2.3.3 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA

Encerrada a análise sobre os apelos da parte autora, convém,


oportunamente, enfrentar a irresignação do requerido Neri Hoffmann.

Alega o primeiro apelante, em apertada síntese, que,prolatada a


sentença na vigência da Lei 13.105/2015, deveria ter sido aplicado seu art. 85, §§ 3º
e 4º, no que tange à fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, e não o
art. 20, § 4º, do CPC/1973. Por esse motivo, requer a reforma deste capítulo
decisório.

Penso com parcial razão o apelante.

O juízo de origem arbitrou, com base no § 4º do art. 20 do CPC/1973


(ausência de condenação), os honorários advocatícios de sucumbência em R$
2.000,00. Não obstante a demanda ter sido ajuizada no ano de 2009, a sentença foi
publicada em 27 de fevereiro de 2018, quando já vigente a Lei 13.105/2015.

No fim de 2017, o Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de


Declaração na Medida Cautelar nº 17.411/DF, sob relatoria do Ministro Benedito
Gonçalves, firmou o entendimento de que “o marco temporal para a aplicação das
normas do CPC/2015 a respeito da fixação e distribuição dos ônus sucumbenciais é
a data da prolação da sentença”.

Dessa forma, não poderia o juízo singular aplicar o (revogado) CPC/1973


para analisar, sob a égide da vigência de novo Código de Processo Civil, a fixação
do ônus sucumbencial — porém, como os §§ 3º e 4º do CPC/2015 se referem a
causas envolvendo a Fazenda Pública, tampouco podem eles incidir no caso em
exame, diferentemente do que sustenta o primeiro apelante.

Entende-se, com efeito, que a parte vencida (Celso Hoffmann, Roseli


Hoffmann e Valter Hoffmann) deverá pagar ao advogado da parte vencedora (Neri
Hoffmann) quantia equivalente a 15% (quinze por cento) do proveito econômico
obtido pelo réu com esta demanda.

Explica-se.

A sucumbência da parte autora atrai a incidência do caput do art. 85 do


CPC (princípio da sucumbência). Embora não haja condenação líquida diante da
improcedência do pedido inicial, é certo que o requerido Neri Hoffmann obteve um
proveito econômico com a demanda (§ 2º) — qual seja, a salvaguarda do patrimônio
que lhe foi deixado pelos pais nas escrituras públicas objeto da lide — e que a
fixação dos honorários advocatícios deverá levar em conta o mínimo de 10% e o
máximo de 20% daquele proveito, nos termos do § 6º do art. 85 do CPC.

Este patrimônio que lhe foi deixado, ainda ilíquido, deverá ser apurado
em sede de liquidação de sentença (art. 85, § 4º, inc. II, por analogia), devendo 15%
do quantum encontrado equivaler aos honorários advocatícios de sucumbência
devidos ao patrono do réu.[4]

Isso porque ocorreram ao menos duas audiências fora da Comarca de


Palotina e a demanda está em trâmite há mais de dez anos (art. 85, § 2º, incs. II e
IV, e § 6º), o que justifica a fixação da verba em patamar superior ao mínimo legal
(10%).

2.4 CONCLUSÃO

Ex positis, encaminha-se o voto no sentido de:

1) conhecer e dar parcial provimento ao primeiro recurso de Apelação


(réu Neri Hoffmann) para o fim de reformar o capítulo da sentença que versa sobre
a fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, os quais passam a ser
devidos pela parte autora em verba equivalente a 15% do proveito econômico obtido
com a demanda, nos termos do item 2.3.3;

2) conhecer em parte, devido à inovação recursal identificada no item


2.1 e, nesta, negar provimento ao segundo recurso de Apelação (coautores Celso
Hoffmann e Valter Hoffmann); e

3) conhecer em parte, devido à inovação recursal identificada no item


2.1 e, nesta, negar provimento ao terceiro recurso de Apelação (coautora Roseli
Hoffmann).

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 11ª Câmara Cível do


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar
CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE o recurso de NERI HOFFMANN, por
unanimidade de votos; em julgar CONHECIDO EM PARTE E NÃO-PROVIDO o
recurso de VALTER HOFFMANN, por unanimidade de votos; em julgar
CONHECIDO EM PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de CELSO JOSÉ
HOFFMANN, por unanimidade de votos; e em julgar CONHECIDO EM PARTE E
NÃO-PROVIDO o recurso de ROSELI HOFFMANN.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador Fábio Haick Dalla


Vecchia, sem voto, e dele participaram o Juiz de Direito em 2º Grau Anderson
Ricardo Fogaça (relator), Desembargador Fernando Wolff Bodziak e Desembargador
Ruy Muggiati.

07 de outubro de 2020

ANDERSON RICARDO FOGAÇA

RELATOR

[1] Prolatada por Sérgio Laurindo Filho e mantida em sede de Embargos de Declaração (vide
seq. 306).

[2] Contra este acórdão de seq. 37-TJ dos Embargos de Declaração 1, a terceira apelante (Neri
Hoffmann) opôs Embargos de Declaração (2), os quais foram rejeitados, e os segundos
apelantes (Celso Hoffmann e Valter Hoffmann) também opuseram aclaratórios (3), os quais
foram acolhidos para saneamento de pequeno vício.

[3] Então casados sob o regime de comunhão universal de bens.

[4] A porcentagem (15%) ora definida já leva em conta o § 11 do art. 85 do CPC .

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