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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA SEÇÃO CRIMINAL DO

EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

ADVOGADO, advogado regularmente inscrito na OAB/______, vem,


respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 5º, inciso
LXVIII, da Constituição Federal, impetrar a presente

ORDEM DE HABEAS CORPUS

com pedido liminar

em favor de NOME, sexo feminino, natural de ________, atualmente


recolhida junto à Penitenciária de Tabatinga-AM, para fazer cessar coação ilegal em sua
liberdade de locomoção oriunda de ato do EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA VARA
FEDERAL CÍVEL E CRIMINAL DA SSJ DE TABATINGA-AM, nos autos da ação penal nº
1000851-85.2022.4.01.3201, na qual foi prolatada sentença impondo pena pelo crime de
tráfico de drogas sem reconhecimento do privilégio e em regime fechado sem
fundamentação idônea, mantendo a prisão cautelar sem motivação justa, nos termos que
seguem.

I. SÍNTESE DO REQUERIDO
Pleiteia-se a concessão da ordem de habeas corpus a fim de que seja
permitido à paciente aguardar em liberdade o julgamento do recurso de apelação, já que
a prisão cautelar atualmente se mostra excessiva, desproporcional e ilegal.

Ao condenar a paciente à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, a


autoridade coatora impôs o regime fechado sem fundamentação idônea, em
desrespeito às Súmulas 440 do STJ e 719 do STF. Isto é, pode-se dizer que a paciente
deveria ter sido colocada em regime inicial semiaberto.

Com isso, a manutenção da prisão preventiva em meio fechado seria


flagrantemente irregular, conforme entendimento pacificado pelos Tribunais Superiores.

Além disso, a paciente é primária e foi condenada como incursa no crime


de tráfico de entorpecentes em situação de “mula” do tráfico, razão pela qual merece
reconhecimento da figura do tráfico privilegiado, cuja pena pode ser cumprida em
regime inicial aberto, evidenciando-se assim o excesso da prisão preventiva.

Por fim, observa-se que não houve fundamentação suficiente para a


manutenção da custódia cautelar e negativa do direito de recorrer em liberdade,
agravando o constrangimento ilegal.

Portanto, é a presente para requerer a revogação da prisão


preventiva em caráter liminar e, no mérito, o reconhecimento do tráfico
privilegiado ante a condição de “mula” e a concessão de regime inicial aberto ou
semiaberto.

II. DOS FATOS E DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Extrai-se dos autos, cujas cópias principais instruem esta peça, que a
paciente foi denunciada como incursa no artigo 33 da Lei 11.343/06, com majorante
pela transnacionalidade, pois foi apreendida com pouco menos de 5 kg de cocaína em
sua posse, advinda do exterior. Houve confissão.
Após regular instrução, foi prolatada sentença condenatória na qual
houve a imposição de pena privativa de liberdade consistente em 5 anos e 10 meses de
prisão em regime inicial fechado e 500 dias-multa.

Na decisão combatida, verifica-se a ocorrência de três pontos que


merecem atenção deste egrégio Tribunal, por configurarem ilegalidades com impacto no
status libertatis da paciente e que, por isso, precisam ser apreciadas com a máxima
celeridade – justificando a necessidade do habeas corpus.

1. Da ausência de fundamentação idônea para a prisão preventiva

De início, o ínclito magistrado decidiu pela manutenção da prisão


preventiva da paciente, mas não apresentou fundamentação idônea para seu
entendimento. Eis, na íntegra, o trecho do decisum (destaque original):

Como se verifica, o argumento é raso e se refere à gravidade abstrata do


delito, bem como à alegada ausência de vínculo no Brasil.

Contudo, essa questão seria facilmente resolvida com a imposição de


medida cautelar alternativa à prisão consistente na obrigação de depositar em juízo seu
passaporte, impedindo assim sua saída do país. Porém, quanto a isso, a decisão
combatida silencia inteiramente.

Ademais, sabe-se que os Tribunais Superiores não aceitam a gravidade


abstrata do crime como fundamento para a prisão preventiva, conforme resume o
seguinte excerto de decisão recente:

"A jurisprudência desta Corte Superior não admite que a prisão


preventiva seja amparada na mera gravidade abstrata do delito, por
entender que elementos inerentes aos tipos penais, apartados daquilo
que se extrai da concretude dos casos, não conduzem a um juízo
adequado acerca da periculosidade do agente" (AgRg no RHC n.
156.904/BA, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de
22/3/2022).

Assim, verifica-se que a custódia cautelar está sendo mantida sem


fundamentação idônea, impondo, portanto, a concessão da ordem em caráter liminar
para que a paciente possa aguardar em liberdade até o julgamento da apelação ou, ainda,
a concessão definitiva da presente ordem.

Como se verificará, os tópicos seguintes demonstram com clareza como a


prisão no caso em tela é ainda mais teratológica, justificando a necessidade de
concessão do pedido urgente.

2. Do tráfico privilegiado pela condição de “mula”

Cuida-se de hipótese de realização de tráfico transnacional por mulher


primária e sem antecedentes criminais, que realizou a prática de maneira isolada em sua
vida, em razão da penúria financeira motivada, entre outros fatores, pelo fato de ser
pessoa soropositiva para HIV.

Portanto, a paciente se enquadra na clássica situação comumente


denominada como “mula” do tráfico, isto é, um acessório de transporte facilmente
substituível pelos traficantes, os quais o agente geralmente sequer conhece.

Embora se trate claramente da situação de Milagros, a autoridade coatora


deixou de considerar essa realidade sob alegação de que a ré deveria ter comprovado
sua inocência, demonstrando que não fazia do crime algo habitual em sua vida.

Ora, tal prova seria de execução impossível. Conforme o princípio


acusatório que rege o processo penal brasileiro, incumbe somente ao órgão acusatório a
obrigação de produzir provas capazes de incriminar um indivíduo. No caso, o MPF nada
produziu nos autos em relação à suposta habitualidade ou reiteração da conduta da
paciente.

Ao contrário, trata-se de pessoa primária e sem antecedentes ou outras


acusações da mesma natureza, razão pela qual não se pode presumir que faça do tráfico
meio de vida.

Nesse sentido ensina Vicente Greco Filho 1: “militará em favor do réu a


presunção de que é primário e de bons antecedentes e de que não se dedica a atividades
criminosas nem integra organização criminosa”.

1
GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada: Lei
11.343/2006. 2ª ed. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 106
No mesmo sentido já decidiram reiteradamente os Tribunais superiores2.

Ademais, esta fundamentação é absolutamente inidônea, na medida em


que impõe contra a paciente requisitos não previstos na legislação, negando-lhe vigência
com base em pressupostos inadmissíveis.

Como se verifica dos autos, Milagros faz jus à causa de redução de pena
prevista no art. 33, § 4º da Lei de Drogas, em seu patamar máximo. Repise-se que se
trata de pessoa primária e sem antecedentes criminais, presa uma única vez pela prática
do crime de tráfico de entorpecentes.

Os Tribunais superiores já definiram em reiterados julgados a


possibilidade de aplicação do redutor no caso de pessoa considerada “mula” do tráfico
de drogas3.

No caso em tela, não existe peculiaridade ou circunstância especial que,


por si só, seja capaz de afastar a hipótese redutora. O modus operandi é corriqueiro e
compatível com a maioria dos casos semelhantes relativos a “mulas” do tráfico.

A quantidade de drogas tampouco pode servir como razão para


afastamento do benefício, sobretudo por se tratar de quantia que, embora significativa, é
muito inferior àquela encontrada em diversos outros casos semelhantes nos quais o
redutor foi aplicado pelos nossos Tribunais.

Diante dessa situação, resta ainda mais evidente a ilegalidade de sua


prisão cautelar, na medida em que o tráfico privilegiado apresenta penas bem menores,

2
A habitualidade e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser
comprovados, afastada a simples presunção. Se não houver prova nesse sentido, o
condenado fará jus à redução da pena. (STF. HC 152.001 AgR/MT, rel. orig. Min.
Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29.10.2019)
3
(...) 3. Precedentes deste Corte e do Supremo Tribunal Federal firmam a possibilidade
de concessão do benefício do tráfico privilegiado, a despeito da apreensão de
grande quantidade de droga, quando estiver caracterizada a condição de mula do
tráfico. Precedentes. (AgRg no HC 686.647/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES
DA FONSECA, Quinta Turma, DJe 30/08/2021)
(...) 2. Tudo indica tratar-se, o Recorrente, de “mula” ou pequeno traficante,
presentes apenas ilações ou conjecturas de envolvimento com grupo criminoso ou
dedicação às atividades criminosas. 4. Recurso ordinário em habeas corpus
parcialmente provido. (RHC 118008, Rel. Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma,
DJe 19/11/2013)
que podem ser cumpridas em regime inicial aberto, além de não ser considerado crime
hediondo.

Portanto, a paciente atende a todos os requisitos legais e merece


aplicação da causa de redução de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei de Drogas,
em seu patamar máximo, requerendo seja concedida a ordem de habeas corpus nesse
sentido.

3. Da ausência de fundamentação idônea para o regime inicial e


descumprimento das Súmula 440 do STJ e 719 do STF

Como se verifica da r. sentença combatida, a pena de 5 anos e 10 meses


de reclusão deveria ser cumprida em regime inicial fechado. Contudo, não foi fornecida
qualquer fundamentação para a imposição da modalidade mais gravosa. Veja-se, no
excerto abaixo, a íntegra da decisão a esse respeito:

Nota-se claramente a ausência de qualquer fundamentação, ainda que


mínima ou sucinta, em flagrante descumprimento ao art. 315, §2º do CPP e ao art. 93,
IX da Constituição Federal.

Observa-se ainda a violação à Súmula 719 do STF, o qual assegura que


"a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir
exige motivação idônea".

Além disso, constata-se desrespeito expresso ao contudo na Súmula 440


do STJ4, já que a pena base foi imposta no parâmetro mínimo legal, obrigando a

4
“Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional
mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na
gravidade abstrata do delito.”
escolha do regime inicial mais benéfico possível, independente da gravidade abstrata do
delito considerada pelo julgador.

Portanto, é possível dizer com certeza que a paciente deveria estar, no


mínimo, condenada ao início do cumprimento de pena em regime semiaberto.

Nesse sentido, Milagros encontra-se presa em situação mais gravosa do


que aquela que lhe seria garantida por Lei, considerando estar em modalidade fechada.
A esse respeito, vale salientar que o STF vem consolidando5 o entendimento de que
existe incompatibilidade entre a manutenção da custódia cautelar em sentença
condenatória quando esta define (ou deveria definir) o regime semiaberto como modo
inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, dada a evidente
desproporcionalidade da medida.
Cumpre repisar que a situação da paciente se adequa perfeitamente à
condição de “mula”, ou seja, pessoa contratada pontualmente por traficantes para portar
entorpecente durante parte do transporte, não integrando, por isso, organização
criminosa. Trata-se de hipótese na qual, desde 2016, os Tribunais Superiores vêm
reiteradamente concedendo o tráfico privilegiado (ex vi HC 120.985, Rel. Ministra Rosa
Weber, 2016; HC 387.077/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 2017).

Assim, considerando a jurisprudência consolidada dos Tribunais


Superiores e a legislação pertinente, imperioso concluir que a r. decisão combatida
impôs à paciente inaceitável constrangimento ilegal, que merece ser sanado pela via
célere do habeas corpus.

Nesse sentido, requer a concessão da ordem a fim de que seja readequado


o regime inicial a fim de que seja imposta a modalidade em meio aberto (no caso de
tráfico privilegiado) ou, se cabível, semiaberto, nos conforme determinação do art. 33
do Código Penal.

III. DA LIMINAR

Ao longo da presente peça, buscou-se demonstrar a ilegalidade da


manutenção da prisão preventiva, tendo em vista a ausência de fundamentação a
5
Nesse sentido são os julgados do STF: HC nº 180.131-MS (Rel. Min. Alexandre de
Moraes, j. 12/02/2020); HC nº 186648-SC (Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 08/06/2020); HC
n. 130.773 (Rel. Min. Rosa Weber, DJe 23.11.2015)
respeito da prisão preventiva na r. sentença e, ainda, a hipótese evidente de tráfico
privilegiado e a imposição de regime prisional fechado sem qualquer fundamentação
válida.

Portanto, está evidenciada a presença do fumus boni iuris no presente


caso, já que toda a matéria elencada está em consonância com jurisprudência pacífica
dos Tribunais Superiores.

Ademais, está patente o periculum in mora, já que a paciente está presa


em meio fechado quando, se fosse cumprida a lei e respeitada a jurisprudência vigente,
já deveria estar em liberdade – seja em regime aberto cumprindo pena por tráfico
privilegiado ou, na pior das hipóteses, em regime inicial semiaberto, já tendo direito à
progressão à modalidade aberta pelo tempo de detração.

Cabe mencionar ainda que a hipótese trazida à apreciação trata de caso


excepcionalíssimo de constrangimento ilegal que merece ser apreciado de imediato,
considerando a evidente teratologia da decisão combatida, cuja fundamentação inapta
mantém a paciente presa ilegalmente.

Assim, com a juntada de cópias dos autos de origem, bem como da r.


sentença prolatada pela autoridade coatora, que permitem a imediata constatação do
constrangimento ilegal, requer a concessão liminar da ordem de Habeas Corpus para
que a paciente possa aguardar em liberdade até o julgamento da apelação.

IV. DO PEDIDO

Ante o exposto, requer a concessão da ordem para garantir à paciente o


direito de recorrer em liberdade, em caráter liminar, com a expedição do competente
alvará de soltura.

Ao final, requer seja concedida a ordem de Habeas Corpus em definitivo,


para assegurar à paciente que permaneça em liberdade até o trânsito em julgado, com
imposição de medidas cautelares que se fizerem necessárias e, ainda, para que seja
reconhecido o tráfico privilegiado pela condição de mula do tráfico e, por fim,
readequado o regime inicial para que cumpra na modalidade aberta ou semiaberta.

São Paulo, 26 de abril de 2023.


ADVOGADO

OAB/SP nº _______

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